diálogo e a dialogicidade no clown

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CAYO CÉSAR DOS SANTOS GOMES

DIÁLOGO E DIALOGICIDADE NO CLOWN.

RECIFE, 2013.

Congregação de Santa Dorotéia do BrasilFaculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE

Departamento de Psicologia Clínica Psicológica Paula Frassinetti

DIÁLOGO E DIALOGICIDADE NO CLOWN.

Produção Teórica articulada à prática do Estágio realizado pelo aluno Cayo César dos Santos Gomes, aluno do 10º período do Curso de Psicologia desta Faculdade, sob a orientação do Mestre José Hermes Azevedo C.R. P: 02/7883, para submeter à apreciação da Coordenação de Estágio do Curso de Psicologia da FAFIRE.

RECIFE, 2013

Congregação de Santa Dorotéia do BrasilFaculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE

Departamento de Psicologia Clínica Psicológica Paula Frassinetti

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

Epigrafe

SUMÁIO

INTRODUÇÃO

1. O que é processo clown?

2. O que é Gestalt-terapia?

3. Semelhanças teóricas entre o Gestalt terapeuta e o clown e as possibilidades do uso do

clown nos processos de reflexão e ressignificação do existir humano..

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

II. O Que é Clown?

           Clown, tradução inglesa para o termo palhaço, entretanto as duas palavras têm

diferentes origens etimológicas. A palavra “palhaço” tem sua raiz no italiano, advindo

do termo paglia que significa palha. Os cômicos circenses tinham o costume de

preencher suas roupas  com palha. Com isso, além de deformar o corpo, dando aspectos

de grandes nádegas, seios avantajados ou enormes barrigas, o revestimento de palha

amortecia as quedas e dava proteção para as acrobacias. Para tanto, estes cômicos

ficaram conhecidos como pagliaccio, exatamente pela presença da palha no seu

vestuário, derivando posteriormente o termo palhaço. (RUIZ apud SACCHET 2009)

        O termo clown começou a ser utilizado na Inglaterra do século XVI. Originou-se

de palavras que indicavam tipos camponeses, rústicos. Pessoas que viviam nos campos,

longe das capitais e cidades grandes. Eram pessoas de baixa escolaridade e cultura

rústica. Essas pessoas eram chamadas de clod e colonus. Esses termos, que podem ser

traduzidos tanto para bronco, estupidos, grosseiros, como para matuto, jeca  ou caipira

serviam tanto para se referenciar a esse grupo de pessoas quanto para ofender e foram

ganhando um peso pejorativo.(CASTRO apud SACCHET 2009)

        Foi traduzido para o português como palhaço, mas tanto o termo clown quanto o

termo palhaço são usados atualmente no pais. Há uma cisão conceitual advinda de um

distanciamento teórico entre diferentes escolas e tradições artísticas presentes no Brasil

e no mundo. Dando ao termo clown uma enfase maior. Por um lado o declínio e a

desvalorização do circo tradicional, mambembe, de lona desvaloriza o termo palhaço.

Por outro a ascensão da tradição teatral aliada à produção de pesquisa acadêmicas, que

proporcionaram um aprofundamento teórico, fortaleceram o termo clown. Com isso, os

dois termos passaram a ser utilizados para discriminar as duas práticas. Clown ficaria

para designar a tradição mais teatral, acadêmica e palhaço para designar o artista de

circo e feira. (SACCHET, 2009)   Está pesquisa pretende utilizar os termos

genericamente, não dando distinções minunciosamente delimitadas. Clown e palhaço

podem ser utilizados e designarão sempre o mesmo sentido.

Na tradição circense, até meados do seculo XIX, o clonw caracterizava-se por

satirizar e parodiar os números do próprio circo, com isso, todo artista cômico

responsável por estas sátiras passaram a ser conhecidos como clowns. No campo do

circo, designava-se ao clown a participação em pequenas cenas que exploravam o

caracter lúdico e tolo das experiências humanas.  Desde então até a contemporaneidade

“O jogo do clown se centra no paradoxo de não se levar muito a sério, o que permite

com que ele brinque com o que quer que seja. Desta maneira pode tocar em tabus e

explicitar aquilo que não pode ser dito senão a partir do próprio fato colocado ao

avesso.” (DORNELES, 2003, p.17).

Essas cenas começaram a ser executadas por duas figuras distintas, mas

essencialmente clwonescas; O Clown Branco e o Augusto. O Branco, personifica o

caráter apolíneo. Seus gestos são exatos e majestosos, é educado e seus trajes são

elegantes. Nomeado assim pelo seu tipo de maquiagem que cobria todo o rosto de um

branco intenso e ressalta apenas as sobrancelhas e, de vermelho intenso, a boca e as

orelhas apenas. Essa figura tem ordem própria e superioridade em referência ao

Augusto, mas ainda assim cômica.  O tipo Augusto, por sua vez, revela o dionisíaco.

Suas características revelam as raízes do nome clown. Bronco, estupido e desajustado o

Augusto é a figura mais próxima do que pensa sobre palhaço no senso comum. O seu

nariz vermelho remete a estupidez de cair de cara no chão e do álcool ingerido, que

avermelha o nariz e as bochechas.  (BOLOGNESI, 2003).

O clown traz consigo uma liberdade cênica e existencial. Mesmo

dialogando com estas técnicas o clown não tem um rigor na execução de seus números,

podendo negar o virtuosismo das técnicas circenses. Ele brinca com sua performance tal

qual brinca com as questões humanas que aborda. Cenicamente ele tem a liberdade de

improvisar sem avisar com antecedência aos seus parceiros, subverter os sentidos

originais das palavras e do próprio roteiro e quebrar com as construções predefinidas

dos personagens. Esperando do público que apenas não levem ele tão à sério. Enquanto

ele demonstra fingir um quadro de sensações e sentimentos, ao mesmo tempo faz o

público desconfiar que aqueles são realmente os sentimentos que possui (DORNELES,

2003).

Num olhar genérico e superficial pode-se ver o clown como um

personagem criado por um ator, para ser utilizado num enredo cênico. Reconhece-se o

clown como um estado de prontidão e brincadeira em que o sujeito se permite

caricaturar e expandir ele mesmo na sua fragilidade e no seu grotesco. Na busca deste

estado faz-se necessário que o individuo entre em contato com o seus fracassos, com o

que há de mais vergonhoso em si e passa a se reconhecer como frágil ao romper com o

próprio narcisismo. Assim “inverte a lógica do fazer para o ser, pois o que ele mostra é

a si mesmo. Precisa ser e não representar. Precisa entrar em ‘estado-clown’, que é o de

ser simplesmente, sem o esforço que existe no ‘parecer’.” (DORNELES, 2003, p. 52).

O clown não foi inventado por uma pessoa especifica, tão pouco um produto

exclusivamente ocidental. O arquétipo desta figura vai além da maquiagem já

conhecida, das roupas engraçadas e da voz excêntrica. Elementos que constituem a base

arquetípica do clown são encontrados tanto em figuras da civilização egípcia 2500 a.C.

como em tripos Indígenas Norte Americanas. Os ancestrais da figura do clown estão

ligados sempre a indivíduos excêntricos e que permeiam a margem das civilizações.

Pessoas consideradas esquisitas por beberem demais, serem loucas, deformadas ou que

protagonizam cenas bizarras, elementos ligados à loucura e aos xamãs que subvertiam a

ordem litúrgica e social, mas muitas vezes ligados também à cura, aconselhamento e

vidências. As atitudes cômicas dos clowns possibilitavam fenômenos terapêuticos.

Quando o clonw lida com questões de cunho escatológico ou sexual, por exemplo,

Towsen diz que "rindo de assuntos tabus, a comunidade confronta a inibição de uma

maneira aberta e substitutiva" (DORNELES, 2003).

Na Idade Média, festas de caráter cômicos eram produzidas e frequentadas pelo

próprio clero católico. O contexto profano e que subvertiam a hierarquia e a seriedade

da Igreja Católica não agradavam à instituição, mas eram toleradas. Dentre os vários

tipos que participavam da festa, homens vestidos de mulher, outros com roupas

extravagantes e coloridas, outros imitando animais, havia também os clowns. Estes

atuavam com gestos obscenos, atos grosseiros e escatológicos (DORNELES, 2003).

Bakhtin (apud DORNELES, 2003) afirma que estas festas davam voz aos

pensamentos, era a fala do povo. Enquanto a Igreja contemplava o plano espiritual, eles

contemplavam o profano e o grotesco, desmistificando os jargões religiosos, colocando

ao avesso a moral e os costumes vigente e mexendo com a estrutura iconografica da

Igreja. Essa conduta de profanar o divino e colocar as estruturas clericais, faz do

clownesco uma religião pelo avesso. Enquanto a Igreja trabalha com o religare divino,

o clown, com o riso, faz o caminho inverso, religando o homem à sua humanidade.

(DORNELES, 2003)

Alguns grupos de clowns passavam a ganhar um poder indireto, mas

oficializado. Quando a Igreja proibiu uma dessas festas, o Duque de Burgundy assinou

um decreto onde ordenava que a festa fosse mantida. Com isso um grupo chamado

Companhia de Fools se consolidou, exercendo um papel excêntrico no social. Os

membros dessa companhia tomavam para si a tarefa de promover shows de humilhação,

satirizando atos que feriam os bons costumes, como o roubo e espancamento de

esposas. Estas festas começaram a tomar proporções cada vez maiores, desdobrando-se

no carnaval e diversas outras festividades.  (DORNELES, 2003)

Mesmo depois da contra-reforma banindo esse humor mais chulo e baixo, o

Carnaval ainda permitia um humor comedido, um riso subversivo e menos explicito que

nas outras modalidades. O debate que discute até onde pode ir o humor já é discutido

desde 1558. Até o renascimento as piadas ofensivas eram mais aceitas. Os próprios

padres muitas vezes eram humorados e bufonescos. A ideia de pudor foi sendo

construída durante essa época, antes disso até carnificinas eram proporcionadas para o

lazer da corte, junto com bobos, malabaristas, mágicos. Com uma ideologia que

propunha um processo civilizatório, em 1520, os costumes começam a mudar

drasticamente. Foi proibido o riso e piadas na hora das missas ou que usasse de tema a

religião e os sermões dados pelos padres. Na mesma época começa o declínio do bobo

da corte. Nessa mesma época começa a aparecer os livros de costumes, que começavam

a delinear as atitudes de etiqueta. Estes livros desaconselhavam as gargalhadas e se não

contidas, que ao menos se escondessem os dentes utilizando as mãos.  (DORNELES,

2003)

II. O Que é Gestalt-terapia?

       

A Gestalt-terapia, teoria psicoterápica existencial-fenomenológica, estabelecida

por Frederick Perls e Laura Perls, na década de 1940. Psicoterapia onde os terapeutas

utilizam-se do diálogo como instrumento de conscienciação dos consulentes com o

objetivo de torná-los conscientes do que fazem, como fazem, como podem transformar-

se e, concomitantemente, aprender a aceitar e valorizar a si mesmo. (YIONTEF, 1998)

        A abordagem gestáltica percebe o homem como ser relacional, provido de

singularidade e liberdade para realizar escolhas vividas. Entretanto, com angústia e

inquietação, já que não pode escolher todas as coisas e precisa renunciar a muitas

possibilidades. (CARDELLA, 2002)

  Assim, tanto para a gestalt-terapia como para o existencialismo, o homem é

intérprete mais fiel de si mesmo, centro de sua própria liberdade e libertação, detentor do

pode sobre si mesmo, ainda que, momentaneamente, tenha perdido essa aptidão para

autogovernar-se. O homem é um ser em projeto, fazendo-se em processo, capaz de fazer

opções e escolher o que deseja ou pretende ser. É livre para realizar suas escolhas e,

portanto, responsável por suas ações (p.35).

A gestalt-terapia aborda tanto os aspectos subjetivos percebidos no presente,

como os aspectos objetivos observados. Ela lança mão de awarness e/ou insight. O

insight se dá na compreensão clara da fora e estrutura da situação, da formação de

padrões do campo perceptivo, de tal maneira que as realidades significativas ficam

aparentes. A awaraness, por sua vez, se dá na maneira como o individuo se torna

consciente, essencial para a investigação fenomenológica. Com isso, a Gestalt-terapia

utiliza-se da awaraness e da experimentação para alcançar insight. (YONTEF, 1998)

Nota-se, em toda obra de Perls, o cuidado em esclarecer as relações de individuo

e sociedade, e articular os níveis biológico e sociocultural (TELLEGEN, 1984).  Perls

(1977) aponta Kurt Goldstein como o introdutor do conceito de organismo como um

todo e que não se pode separar o organismo do ambiente. “Assim, temos sempre que

considerar o segmento do mundo em que vivemos como parte de nós mesmos. Aonde

quer que vamos, levamos sempre uma espécie de mundo conosco” (p.21).  O campo é o

todo, no qual as partes estão em relacionamento imediato e reagem umas às outras, e

nenhuma deixa de ser influenciada pelo que acontece em outro lugar do campo. A partir

disto, iremos compreender como o individuo faz contato e como o este contato se

relaciona nesse campo (YONTEF, 1998).

A palavra contato tem sido utilizada para definir o intercâmbio entre o individuo

e o ambiente que o circunda dentro de uma visão de totalidade, visto que o organismo e

meio são um todo indivisível. Sendo assim, o contato se caracteriza como dinâmico,

ativo e dependerá sempre do acordo entre as partes envolvidas (D’ACRI; et. Al. 2012).

O contato não pode aceitar a novidade de forma passiva ou meramente se ajustar a

ela, porque a novidade tem de ser assimilada. Ele ocorre no limite denominado fronteira de

contato. A fronteira une e separa tornando-se mais ou menos permeável, e, dessa forma,

favorece, dificulta ou impede o contato (p.59).

O contato mostra-se como o reconhecimento do outro, o lidar com o outro, o

diferente, o novo e o estranho. Numa situação de contato, estamos inevitavelmente

sujeitos à possibilidade da novidade e do imprevisto (LOFFREDO, 1994). As trocas

nutritivas entre o organismo e o ambiente contêm experiência que possibilitam o

desenvolvimento do organismo. O que for assimilado pela seletividade do contato, será

aceito como nutritivo na experiência vivida e única deste organismo, e assim, o

significado do nutritivo determina-se a partir do sentido peculiar de organismo, ou seja,

de cada individuo. A troca se faz no diferente, nas possibilidades de mudança, e o

inassimilável será descartado (D'ACRI; et al, 2007).

Esta forma de fazer contato é diretamente ligada à identificação e alienação. “Eu

me identifico com meu movimento (...). O eu parece ser mais importante que o outro”

(PERLS, 1977, p.23). A alienação se refere ao estranho, ao inimigo desconhecido que

está além da fronteira.

        Este contato possibilita que a relação ocorra, permitindo a união e a separação

entre as pessoas. O encontro acontece sempre em três direções; comigo, com o outro,

com o mundo. Essa dualidade entre união e separação permitem que o ser humano

possa identificar as diferenças de sua própria identidade com a do outro. O sujeito

percebe-se na diferença e na troca motiva-se a buscar a mudança (PONCIANO, 1997).

A função do olhar possibilita o contato consigo mesmo e promove o contato

evidencial, descrito como a habilidade do organismo de perceber acontecimentos ou

ações que não pertencem ao próprio ato de olhar. Ambas as formas se fazem essenciais

na existência do sujeito e o equilíbrio torna-se crucial. Contudo, o contato visual nem

sempre acontece e levará a experiências desprazerosas àqueles sujeitos que se

encontram em seu limiar. A fim de evitar a sobrecarga, o ser humano faz uso de dois

bloqueios na tentativa de impossibilitar o contato; a deflexão e o olhar fixo. Ambas

objetivam-se em impedir o contato pleno com o outro, no entanto a deflexão consiste

em desviar o olhar do objeto de contato e o olhar fixo em olhar fixamente ao contrair os

músculos oculares que promove o contato morto. (POLSTER; POLSTER, 2001)

Falar mais sobre o olhar (POLSTER: POLSTER, 2001, p. 142)

   A Gestalt-terapia baseia-se no conceito de existencialismo dialógico, ou seja, no

processo de contato e de afastamento Eu-tu. Um diálogo existencial acontece quando

dois indivíduos se encontram como pessoas, em que cada um é “impactada por” e

“responde ao” outro. Não trata-se de monólogos sequenciais preparados. (YONTEF,

1998).

O diálogo na Gestalt-terapia foi ampliado para incluir um encontro entre duas

pessoas, mesmo sem palavras, como, por exemplo, usando gestos e sons não-verbais. Um

pianista poderia dialogar com uma orquestra. Dois dançarinos podem dialogar sem palavras

(p.235).

A atitude dialógica, assim como a atitude clownesca, dirige-se a outra pessoa de

modo a não trata-la como um objeto a ser manipulado. Entretanto, ainda assim, o eu-tu

pode não ser completado, isto é, eu e tu mútuo ainda não se desenvolver. Neste caso, ou

o outro não confia o suficiente ou ambos têm uma atitude Eu-tu. Mas ainda há suporte

suficiente para um tu entre, ou seja, não acontece mutualidade. O Gestalt terapeuta faz o

seu contato com uma atitude eu-tu, em vez de utilizar-se de uma postura controladora,

de condicionamento e manipulação, de exploração do consulente e outras formas de eu-

isto. Os terapeutas que vão ao encontro dos consulentes, com a visão de que eles não

são capazes de auto regular-se, não estão tratando o outro como uma pessoa. O

compromisso com o diálogo mostra-se no relacionamento baseado no que a pessoa está

a experienciar, e respeito ao que o outro experiencia.

Conforme a terapia gestáltica, a autorregularão é a base para a

confiança na fonte da vida, e por meio dela nos dirigimos à realização

como a melhor expressão de nós mesmos. É uma forma de

reconhecermos o que somos e confiar que, soltando o controle,

chegaremos a ser quem somos, em relação (D’ACRI; et. al., 2012,

p.32).

Não se mostra necessário programar, incentivar ou inibir de maneira deliberada.

Deixam-se as coisas livres, elas regularão a si próprias de maneira espontânea, e se elas

forem perturbadas, tenderão a reequilibrar-se (PHG, 1997). A auto-regulação dá-se no

processo pelo qual o organismo interage com seu meio, ou processo pelo qual o

organismo satisfaz suas necessidades na busca de um equilíbrio que é sempre dinâmico

(CARDELLA, 2002).

A vida é caracterizada por um jogo permanente de estabilidade e desequilíbrio. A

satisfação de uma necessidade traz estabilidade ao individuo, enquanto o surgimento de

uma nova necessidade o desequilibra, gera tensão, e o motiva na busca de uma nova

satisfação (p.46).

O ajustamento criativo se dá nesta auto-regulação, na abertura ao novo, no

contato vivo, referindo-se à formação de novas configurações pessoais, ou gestalten, a

partir da entrada de novos elementos através da experiência de contato. Ou seja, o

ajustamento criativo acontece como superação de antigas estruturas relacionais que já

não funcionam, através de um processo de re-estruturação com a integração do novo

(LOFREDO, 1994). Trata-se da auto-regulação do fluxo figura/fundo através do

contato. No livro, Gestalt-terapia os autores definem psicologia como o

estudo dos ajustamentos criativos. Seu tema é a transição sempre

renovada entre a novidade e a rotina que resulta em assimilação e

crescimento. Correspondentemente, a psicologia anormal é o estudo

da interrupção, inibição ou outros acidentes no decorrer do

ajustamento criativo. (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,

1951/1997, p. 45).

O ajustamento criativo se define como característica do processo de maturidade,

como relacionamento entre o individuo e seu meio no qual há responsabilidade da

pessoa em reconhecer e conduzir de modo bem-sucedido sua própria vida. Além disso,

o mesmo se torna capaz de criar condições vantajosas para seu bem-estar. “No

ajustamento saudável, a criatividade pode ser entendida como a posse pelo individuo da

aptidão de se orientar pelas novas exigências das circunstâncias, possibilitando inclusive

uma ação transformadora.” (D’ACRI; et. al., 2012, p.21). O ajustamento criativo torna-

se fundamental à autorregulação humana, pois, os ajustamentos podem se cristalizar,

assumir formas crônicas de relação em determinado âmbito da vivência e adquirir

formas alienadas das condições atuais.

Uma das características que definem um gestalt-terapeuta é a busca do

estilo próprio. Nesse sentido, se as características pessoais do

terapeuta são enfatizadas como instrumento de trabalho numa

abordagem fenomenológico-existencial, esse instrumento deve tornar-

se cada vez mais afinado e único, para que ele possa colocar-se na

relação terapeuta-cliente de forma mais genuína (LOFFREDO, 1994,

93).

O terapeuta deve colocar-se, tanto quanto possível, na experiência do outro, sem

julgar, analisar ou interpretar, enquanto retém simultaneamente um sentindo da própria

presença, independente e autônoma. A prática desta inclusão fornece um ambiente de

segurança para o trabalho fenomenológico do paciente, e, pela comunicação da

compreensão da experiência do paciente, ajuda-o a tornar mais aguda a sua auto-

awareness. Com regularidade, critério e discriminação ele expressa suas observações,

preferências, sentimentos, experiência pessoal, pensamentos, como parte do

relacionamento terapêutico. (YONTEF, 1998) “O terapeuta também, como o artista, age

a partir de seus próprios sentimentos, usando seu próprio estado psicológico como um

instrumento da terapia” (POLSTER, 2001, p.35).

Recortes

Um cômico que se apresenta ao mundo como descrito por Renato Ferracini (2003,

p217) “como a dilatação da ingenuidade e da pureza inerente a cada pessoa [...] é lírico,

inocente, ingênuo, angelical, frágil”. Completada por Luiz Otavio Burner (apud

FERRACINI) como alguém que “nunca interpreta, ele [o clown] simplesmente é. Ele

não é uma personagem, ele é o próprio ator expondo seu ridículo, mostrando suas

ingenuidades”. Mas não só isso, este trabalho vê o clown como um estado, assim como

Kasper (2004) “o que nosso trabalho busca apreender é a potência – enquanto poder de

fazer-, o que se aciona como palhaço, como o clown.” E essa potência não se exprimi

apenas na ingenuidade e delicadeza lírica, mas também no grotesco. Palhaços como

Chacovachi e Palhaço Azia que trabalham com o grotesco e com a agressividade.

Também conhecidos como bufões, eles são uma outra faceta possível do estado clown,

onde a exacerbação vem do bufo, da agressividade.

O jogo como terapia / Improvisação terapêutica

“Pratica coletiva que reúne um grupo de “jogadores” (e não atores) que improvisam

coletivamente de acordo com um tema anteriormente escolhido e/ou precisado pela

situação.” (PAVIS,2008, 222p.)

O jogo, em grupo ou individual, é uma terapia em si. Proporcionar um espaço

lúdico para o individuo jogar e expressar comportamentos sociais exercidos no mundo é

uma terapêutica com aplicações imediatas. O ato de jogar é sempre uma experiência

criativa. Uma experiência que se situa no continuum espaço-tempo da vida.

(WINNICOTT in RYNGAERT, 2009, 35)

Presença.

A presença se mostra como uma qualidade difícil de se descrever. Não se percebe pela

observação superficial do físico, mas sim pela sensação da energia vital do individuo. A

presença não se caracteriza pela demostração corpórea de atenção. Estar presente é estar

disponível e imerso na situação imediata ao mesmo tempo que se está aberto aos

acontecimentos e as mudanças que eles podem proporcionar.  “Estar no jogo

desencadeia uma disponibilidade sensorial, motora [e afetiva] que libera um potencial

de experimentação. (RYNGAERT, 2009, 55p)

A escuta

“Aparentemente nada mais simples: escutar um parceiro consiste em se mostrar

atento a seu discurso ou a seus atos e, consequentemente, reagir a eles. Muitos [...]

simulam escutar, manifestam por algumas mímicas que são todo ouvidos ou opinam

ostensivamente com a cabeça. [...] A verdadeira escuta exige estar totalmente receptivo

ao outro.” (RYNGAERT, 2009, 56p)

Ingenuidade

A postura ingenua consiste na “capacidade de não antecipar o

comportamento do outro mediantes suas próprias reações.” (57p)

REFERENCIAS

BOLOGNESI, M. FERNANDO. Palhaços. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A construção do psicoterapeuta: uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002.

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A construção do psicoterapeuta: uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002.

D'ACRI, Gladys; LIMA, Patrícia; ORGLER, Sheila (Org.) Dicionário de gestalt-terapia: "gestaltês". São Paulo: Summus, 2012.

DORNELES, J. LEAL. Clown, o avesso de si: uma análise do clownesco na pós-modernidade. Rio Grande do Sul, 2003.

FERRACINE, RENATO. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. 2ª ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2003. 300 p.

LOFFREDO, A.M. A cara e o rosto: ensaio sobre gestalt-terapia. São Paulo: escuta, 1994.

PERLS, Frederick, Salomon. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.

POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001. 321 p.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 1997. 102 p.

SACCHET , P. O. FREITAS. Da discussão “clown ou palhaço” às permeabilidades de clownear-palhaçar. Porto Alegra, 2009.

TELLEGEN, Thérère Amelie. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus, 1984.

YONTEF, Gary M. Processo, diálogo, awaress. São Paulo: Summus, 1998.

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