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A CONSTRUÇÃO DA MINEIRIDADE NA TV1
As contribuições de Alfred Schutz e Erving Goffman para a análise de programas regionais
BUILDING THE MINING IDENTITY ON TVAlfred Schutz and Erving Goffman’s contributions to analyze regional TV programs
Marcos Vinicius Meigre e Silva2
RESUMO
Este artigo é um exercício analítico que toma por base três programas regionais, responsáveis por difundir relatos de mineiridade em emissoras distintas. Valendo-se das conceituações da Fenomenologia Social de Alfred Schutz e dos aportes teóricos de Erving Goffman, articulamos uma análise que buscou se ater às formas como os sujeitos eram enquadrados nas atrações, bem como as localidades consideradas relevantes para estarem em cena e as temáticas tipicamente recorrentes. A partir do uso de conceitos como footing, enquadramento (Goffman), mundo da vida, relevância e tipificações (Schutz), notamos que determinadas generalizações prevalecem ao se tratar da identidade regional. Porém, algumas rupturas foram notadas – como o papel da mulher em cena, desvinculado de tarefas domésticas.
PALAVRAS-CHAVE: Mineiridade; Programas regionais; Fenomenologia Social; Enquadramento; Relevância
ABSTRACT
This article is an analytic exercise based on three regional TV programs that broadcast mining identity in different channels. We collect theories from Social Phenomenology, by Alfred Schutz, and theoretical contributions from Erving Goffman, and develop an analysis focused in the personal frame in each TV program, the most important locations to put in scene, and the recurrent themes. Using concepts like footing, frame analysis (Goffman), life world, relevance and typifications (Schutz), we observed that some generalizations prevail about regional identity. But, some ruptures were observed – like the woman’s representation at scene, dissociated from domestic works.
KEYWORDS: Mining identity; Regional TV programs; Social Phenomenology; Frame analysis; Relevance
1 Trabalho apresentado no GT Processos Sociais e Práticas Comunicativas.2 Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais; marcosmeigre@hotmail.com.
VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Geraishttps://ecomig2015.wordpress.com/ | ecomig2015@gmail.com
1. Introdução
No presente trabalho, pretende-se articular os conceitos de relevância social,
tipificação e mundo da vida, tratados pela fenomenologia sociológica de Alfred Schutz, às
ideias de enquadramento e footing defendidas por Erving Goffman. Assim sendo,
intenciona-se evidenciar como programas de caráter regional produzem relatos sobre a
identidade mineira a partir de escolhas que julgam ser relevantes e, por tal razão, passam a
ser enquadradas na TV. Para tanto, valeremo-nos da análise de 3 atrações regionais (Terra
de Minas, da TV Globo Minas, Bem Cultural, da Rede Minas, e Triângulo das Geraes3,
produzido por produtora independente e exibido no canal por assinatura Cine Brasil TV),
responsáveis por difundir construtos acerca do “ser mineiro”. Para efetivar a análise, foi
selecionada 1 edição de cada um dos referidos programas, exibidos à semana de 15 de abril
de 2015 (data elencada de modo aleatório, apenas por conta do início desta pesquisa), e que
estivessem disponibilizados no site das emissoras. Desse modo, nossa intenção é verificar
se os enquadramentos midiáticos perpassam pelas mesmas diretrizes, apesar dos programas
serem produzidos por emissoras de naturezas distintas (comercial, pública e canal por
assinatura).
Nesta proposta, portanto, o foco analítico se sustenta na seguinte indagação: com
base nos pressupostos de Alfred Schutz e Erving Goffman, quais aspectos da identidade
mineira são considerados relevantes a ponto de serem enquadrados e difundidos por
programas televisivos de cunho regionalista? Antes, porém, discorremos sobre os autores e
suas respectivas contribuições teóricas utilizadas neste trabalho.
2. Alfred Schutz e a Fenomenologia Social: reconhecimento do mundo da vida
Alfred Schutz não fora um acadêmico tradicional e por pouco tempo se dedicou
exclusivamente a esse universo. Nascido em Viena, na Áustria, o estudioso se exilou em
Paris e depois em Nova York, onde se firmou como banqueiro, em 1939 (CORREIA,
2005). A partir de então, começou a se empenhar numa vida duplamente orientada, pois
não se afastou de seu trabalho burocrático enquanto realizava seus escritos (de caráter 3 O programa Terra de Minas só está disponibilizado integralmente para assinantes. Quanto aos outros:
Bem Cultural: (bloco 1: https://www.youtube.com/watch?v=rrgqe8jrubE e bloco 2: https://www.youtube.com/watch?v=bB1Pj4aIbhs;
Triângulo das Geraes: (https://www.youtube.com/watch?v=5LK-jcc8u_M). VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
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ensaístico, mas embasados em termos teóricos). Por este motivo, passou a ser caracterizado
por Husserl, com quem se comunicava através de cartas, como um “banqueiro de dia e
fenomenólogo de noite” (CORREIA, 2005, p. 31).
As análises de Alfred Schutz perpassam pelos estudos predecessores de dois
importantes nomes: Edmund Husserl e Max Weber. Do primeiro advêm as noções de se
colocar o mundo exterior entre parênteses e, conforme bem explicita Correa (2005, p. 47),
“o que é colocado entre parênteses é a dúvida de que o mundo e seus objetos possam ser
diferentes de como aparecem”, enquanto do segundo são trazidas as contribuições da ordem
sociológica, pontuando que a atitude humana só se configura enquanto ação quando os
sujeitos conferem a ela um significado. Nesse sentido, a obra de Schutz pode ser
interpretada como uma síntese dos trabalhos dos dois referidos autores, a ponto de
condensar o que, para ele, poderia ser apontado como fundamental dentro do pensamento
destes estudiosos. Contudo, a obra de Schutz é também influenciada pelos pragmatistas da
Escola de Chicago, com destaque para Williams James, interessado em analisar interações
sociais e relações estabelecidas entre os sujeitos (GARCÍA, 2010), num processo de
intersubjetividade.
O conceito de intersubjetividade de Schutz remete ao entendimento de que os
indivíduos se colocam em interação com outros sujeitos no mundo da vida, ou seja, existe
um lugar em que o cruzamento dos sujeitos se configura. Este lugar não é da ordem do
individual, e sim da esfera coletiva, onde o social se expressa. Nesse mundo do senso
comum é que se manifestam elementos culturais e históricos, que fazem parte do
conhecimento familiar dos indivíduos. Tal conhecimento é “transmitido por outros sujeitos
que ensinam seus semelhantes a definir o ambiente, a significar o seu redor.” (GARCÍA,
2010, p. 228). Por esta razão, podemos considerar que, para a fenomenologia, a interação
com o outro é o mote central de suas pontuações. Na visão fenomenológica, a realidade é
resultado de uma construção coletiva, reflexo das interações ocorridas entre sujeitos. A
realidade, sob este ponto de vista, é socialmente arquitetada, a partir das ações interpessoais
praticadas pelos indivíduos.
É no contato com o outro que estabelecemos parâmetros sobre a realidade, sobre o
mundo da vida que nos cerca e orienta nosso posicionamento social. Assim, o VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
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conhecimento transmitido por outros indivíduos constrói nossa percepção acerca dos
elementos ao nosso entorno. É por isso que não questionamos categorias padronizadas
coletivamente – por exemplo, não precisamos duvidar constantemente do que representa a
figura de um médico em nossa sociedade, pois temos preconcebido o lugar de protetor da
vida, dentre outros atributos relegados a tal profissional. O mundo da vida é a realidade já
conhecida, que não nos eleva à condição da dúvida. É o mundo da vida cotidiana que
“existia muito antes do nosso nascimento, vivenciado e interpretado por outros, nossos
predecessores, como um mundo organizado” (SCHUTZ, 1979, p. 72).
Mesmo com o mundo da vida nos acondicionando a certezas epistemológicas, para
o pesquisador fenomenológico, é preciso romper com a previsibilidade das situações e se
articular de modo a observar a realidade, questionando-a. Ao vislumbrar o real, o estudioso
deve se valer da redução fenomenológica, proposta por Husserl: colocar o mundo da vida
entre parênteses. Em outras palavras, distanciar-se dos valores e pressupostos enraizados
nos sujeitos a fim de visualizar a origem dos fenômenos e entender como se processa a
construção dos significados antes de se tornarem como dados em si. Essa vertente de
análise se tornou elementar para estudos subsequentes a Schutz e um grande exemplar é a
obra A construção social da realidade, de Berger e Luckmann, que também apresenta a
realidade da vida cotidiana como “um mundo intersubjetivo, um mundo de que participo
juntamente com outros homens” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 40).
Dentre os conceitos de Schutz, além do mundo da vida, as noções de relevância e
tipificação são fundamentais para apreendermos a maneira como se organizam os discursos
midiáticos acerca da realidade que nos circunscreve.
2.1. Relevância e tipificação
Schutz afirma que “um sistema de relevâncias e tipificações tal como existe em
qualquer momento histórico é ele próprio uma parte da herança social transmitida aos
membros do grupo interno no processo educacional” (SCHUTZ, 1979, p. 119). Assim, é
através das categorizações criadas pela sociedade a qual pertencemos que somos instruídos
acerca da realidade que nos rodeia, do mundo da vida que nos cerca. O autor aponta para a
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existência de quatro regiões de relevância: a primeira delas é onde se podem materializar
nossos projetos, é a instância que se coloca a nosso alcance e pode ser por nós moldada; a
segunda diz respeito a zonas interligadas à primeira, que não estão ao nosso alcance
imediato, mas com as quais mantemos familiaridade; a terceira contempla “zonas que, no
momento, não têm ligação com os interesses à mão” e, por isso, Schutz as denomina de
“relativamente irrelevantes” (SCHUTZ, 1979, p. 111); por fim, a quarta região abarca
questões “absolutamente irrelevantes”, nas palavras de Schutz, pois não se colocam como
ferramentas a serem utilizadas em nossos propósitos.
Os elementos considerados relevantes podem ser de natureza intrínseca ou com base
na imposição. O primeiro é da ordem das escolhas e interesses dos sujeitos que,
estabelecendo um objetivo, ficam automaticamente submetidos ao conjunto de fatores
determinados que se agregam ao elemento relevante. Contudo, podemos alterar nossa
escolha e romper com tais preconizações. Já as relevâncias impostas não são resultado de
nossas escolhas e devem ser absorvidas conforme nos são transmitidas. Estas são tidas
como questões que não se ligam a objetivos escolhidos por nós, porém podem se tornar
uma relevância intrínseca. (SCHUTZ, 1979).
Já tipificação, um dos conceitos centrais em Schutz, é onde se nota a retomada dos
tipos ideais pontuados por Max Weber. Tipificar os objetos ao nosso redor diz respeito à
estabilidade da qual nos valemos para experienciarmos o mundo da vida. Dito de outro
modo, os tipos são categorizações que orientam nossas experiências em relação à realidade
que nos circunda. Por esta razão, eles se consagram como elementos estáveis, dotados de
certa fixidez, de modo que “o que foi vivenciado na percepção real de um objeto é
aperceptivamente transferido para qualquer outro objeto semelhante, meramente percebido
como o seu tipo (SCHUTZ, 1979, p. 115).” Por outro lado, as tipologias não devem ser
entendidas como unidades estanques e imutáveis. Pelo contrário, a partir das experiências e
das situações concretas dos sujeitos, elas podem ser atualizadas em conformidade com as
experiências do porvir.
As tipificações podem ser vislumbradas à luz da mídia, haja vista a atuação dos
meios de comunicação sobre as generalizações da vida social. Assim, a mídia é capaz de
reproduzir determinados padrões do mundo da vida, reforçando ou rechaçando estereótipos. VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
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A atuação dos jornalistas é crucial nesse processo, pois eles são responsáveis por trabalhar
arquétipos/tipos da sociedade e difundi-los como naturais:
Os jornalistas são elementos essenciais na construção de imagens que só tem sentido insertas numa história exemplar em que colaboram todas as formas institucionais de narradores e o próprio público. A estrutura subjacente acaba por percorrer formas diversas de relato de modo a proporcionar a adesão ou a repulsa. As imagens funcionam como os arquétipos que se usam para criar esse relato, inserindo-o de modo articulado no conjunto de narrativas dominantes numa dada cultura. De acordo com esta estratégia, a sociedade cria imagens negativas e positivas mas inscreve-as na concepção relativamente natural da comunidade. (CORREA, 2005, p. 134)
Os sistemas de relevância e tipificação assumem diversas funções dentro do
contexto social. Um deles, todavia, diz respeito à transformação de ações individuais em
papéis sociais típicos – melhor dizendo, é o reconhecimento da postura que os indivíduos
devem assumir a depender das funções que exercem: o papel de pai, o papel de professor,
de agricultor. É por esse caminho que aproximamos as noções de Schutz com as
problemáticas teóricas desenvolvidas por Erving Goffmann.
3. Erving Goffman: enquadramento e footing na análise interativa
O canadense Erving Goffman foi um importante sociólogo que influenciou as
pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. É um dos herdeiros do Interacionismo
Simbólico preconizado pela Escola de Chicago. Suas contribuições teóricas refletem um
interesse profundo em dimensionar a vida em sociedade, a partir da cotidianidade (da
análise em nível microssociológico), entendendo os sujeitos a partir das relações
interpessoais que estabelecem no dia-a-dia. Assim sendo, é também notória a influência dos
preceitos da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz na composição dos pilares
teóricos de Goffman.
A noção de enquadramento (frame) foi desenvolvida por Erving Goffman, partindo
de pressupostos teóricos iniciados por Gregory Bateson. O conceito tem sido bastante
explorado no campo dos estudos comunicacionais, a partir de apropriações que buscam
compreender a complexidade do processo comunicativo e as maneiras de estruturação do
conteúdo midiático. A noção de enquadramento remete a “princípios de organização que
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governam os acontecimentos – pelo menos os sociais – e nosso envolvimento subjetivo
neles” (GOFFMAN, 2012, p. 34). Dessa forma,
(...) tendemos a perceber os eventos e situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: “O que está ocorrendo aqui?”. Neste enfoque, enquadramentos são entendidos como marcos interpretativos mais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas dar sentido aos eventos e às situações sociais. (PORTO, 2004, p. 78)
Antunes (2009), ao elaborar um panorama acerca da empregabilidade adquirida pelo
termo, afirma que os enquadramentos colaboram na organização das experiências de vida
dos sujeitos a partir dos sentidos que atribuem a elas. O autor cita alguns pesquisadores
que, imbuídos no trabalho de assimilação do conceito, aplicam-no à comunicação com
diferentes visadas. Uma delas é Anabela Carvalho, que dá as seguintes dimensões para o
uso de frame:A primeira trata dos enquadramentos como modalidades pelas quais os sujeitos organizam sua cognição do mundo. As informações fragmentárias que compõem a experiência social são significativamente organizadas a partir de esquemas de interpretação. Uma segunda concepção trata de frames como formas ligadas à estruturação do discurso, uma espécie de idéia de fundo que, a partir de determinados elementos postos em destaque, organiza a construção e interpretação dos textos. Por fim, frame tem também sido entendido como outra idéia de representações sociais, modelos sócio-culturais que organizam formas de pensamento sobre o mundo. (ANTUNES, 2009, p. 87)
Diretamente atrelado à noção de enquadre, está o conceito de footing, que diz do
“alinhamento, ou porte, ou posicionamento, ou postura, ou projeção pessoal do
participante” (GOFFMAN, 2002, p. 113) durante a dinâmica interativa. Como o próprio
autor afirma, a reorganização dos enquadres leva a uma consequente realocação dos
sujeitos na relação interpessoal, de modo que “uma mudança em nosso footing é um outro
modo de falar de uma mudança em nosso enquadre dos eventos” (GOFFMAN, 2002, p.
113). O conceito de footing trabalha como uma nova dimensão entre emissores e
receptores, rechaçando a vertente tradicionalista, já que os participantes do processo
interativo podem mudar de posicionamento ao longo da interação. São nos momentos de
fala que os sujeitos delimitam o turno a ser dado a seus papéis. Apesar de Goffman
ponderar acerca das interações face a face, valeremo-nos da ideia de footing e
enquadramento para tratarmos de interações midiáticas – no caso, a TV e seu público
regional – nas quais prevalece um interlocutor massificado imaginado.
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Pelas assertivas elencadas até aqui, percebe-se que tanto Schutz quanto Goffman
detêm suas ponderações na análise da vida cotidiana, de modo que a experiência social
interativa é o principal elemento norteador. Os programas selecionados se configuram
como construções simbólicas, recortes da realidade mineira operados pelas emissoras que
os produzem. As emissoras, entendidas como todos os agentes envolvidos no processo de
produção, elaboração, coleta e difusão da mensagem televisiva, proferem discursos
relativos ao “ser mineiro” a partir das escolhas temáticas, de enquadres e tipificações que
coloca em cena.
Portanto, para entrever de que maneira esses conceitos são articulados nos
programas regionais, faremos uma breve análise do conteúdo exibido pelas atrações. Na
tentativa de não incorrer sobre os frequentes erros que análises desta natureza cometem,
seguimos a recomendação de Porto (2004) e elencamos os elementos prioritários de nossa
análise. Dessa forma, atentamo-nos para os seguintes itens, que serão nossos operadores
metodológicos nesta análise de conteúdo: 1) temáticas abordadas; 2) ambientação
(localidades geográficas e cenários); 3) contagem e categorização das fontes, bem como o
tempo de fala concedido a cada categoria (trabalharemos com duas grandes categorias:
cidadão comum ou especialista detentor de um saber legitimado); 4) atividades pelas quais
as fontes são identificadas (profissão); e 5) participação dos gêneros (homem/mulher). Por
esta razão, situamo-nos nas análises que Mendonça e Simões (2012) classificam como
análises de conteúdo discursivo, mas buscamos referências do contexto sócio-cultural como
forma de embasamento.
4. Os quadros da mineiridade na TV: a relevância da identidade regional
No primeiro programa considerado, Triângulo das Geraes, foram abordadas duas
temáticas: a produção do queijo no estado e como ela está sendo reconfigurada conforme
novas diretrizes sanitárias; e a atuação de um luthier de Ouro Preto, que se utiliza de
materiais recicláveis para produzir instrumentos musicais.
Na primeira parte, o programa buscou mostrar como os produtores estão se
adaptando às leis sanitárias, que interferem nas próprias tradições de produção do queijo. A
fala da apresentadora Nara Sbreebow demarca a posição de destaque que o queijo ocupa
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dentre as tradições culturais do estado, sendo considerado um importante elemento da
história regional. Assim, a edição reafirma o lugar de relevância que o referido produto
ocupa no imaginário coletivo:
Apresentadora Triângulo das Geraes: Olá, vamos começar o programa de hoje falando de um alimento que é, bem dizer, sinônimo da mineiridade: o queijo. Estudiosos e trabalhadores (...) falam sobre este patrimônio imaterial e a luta para preservação do tradicional quarto de queijo.
Ao adentrarmos no conteúdo da primeira parte, identificamos que o programa se
vale de apenas duas fontes para conduzir a narrativa: uma historiadora e uma produtora de
queijo. Em termos absolutos, há uma equidade no número de fontes consultadas, dando a
entrever que a atração concede igualmente espaço para cidadãos comuns e membros do
saber legitimado. Porém, ao nível discursivo, o que se evidencia é uma discrepância entre o
tempo de fala dedicado à historiadora em detrimento da produtora rural: a primeira fonte
assume o lugar de fala durante 6 minutos, em média, enquanto a produtora tem apenas 2
minutos para proferir suas declarações. Além da distinção em termos de temporalidade, o
teor das falas das entrevistadas é marcado por divergências significativas. A historiadora é
um sujeito relevante dentro da narrativa por conta de sua autoridade científica, capaz de
agregar ao enredo uma série de informações relativas à evolução do queijo desde os seus
primórdios. Já a produtora rural é posta em cena para exemplificar as agruras que os
produtores enfrentaram para se adaptar às novas leis.
Vale destacar, ainda, que a edição, ao tratar do queijo, trouxe apenas mulheres para
o lugar de fala. Em se tratando de produtores rurais, por exemplo, a iniciativa do programa
é bastante significativa porque rompe com concepções tradicionalistas e patriarcais,
tipicamente interioranas, que alçam sempre o homem como o responsável pelo trabalho
rural, enquanto a mulher estaria subjugada aos afazeres domésticos.
A narrativa é totalmente construída num único local, identificado pela fala da
apresentadora como “região do Serro”. A região é considerada promissora no trabalho de
conservação e difusão do queijo enquanto patrimônio imaterial do estado, por isso é o
cenário escolhido para representar Minas Gerais. Em termos de locações, a narrativa se
desenrola num ambiente rural, possivelmente uma fazenda humilde, onde se visualizam
bois, cachorros e outros animais, enquanto as fontes são ouvidas. Outro aspecto
fundamental a se ressaltar é a localização igualitária das fontes: ambas, quando proferem
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suas falas, têm ao fundo a imagem de um ambiente rural (a historiadora parece ter ao fundo
a imagem de uma casa, enquanto a produtora rural parece ter ao fundo um curral). Desse
modo, o enquadramento que se dá à narrativa perpassa pela ideia de rural, reforçando
tipificações que atrelam o mineiro a zonas campesinas.
A segunda parte do programa conta apenas com uma fonte, pois se desenvolve no
formato de entrevista. Nessa parte, entrevistador e entrevistado estão de pé, lado a lado, no
próprio ambiente de trabalho do luthier. Este, por sua vez, cercado pelos objetos com os
quais trabalha, aponta para suas produções, toma-as nas mãos e esclarece sobre o processo
criativo. A cidade é Ouro Preto, mas a entrevista não é enquadrada sob o enfoque histórico-
religioso característico do local. Dessa maneira, a construção que se quis dar acerca da
mineiridade surgiu imbricada ao aspecto musical e criativo do luthier, alçando o mineiro ao
papel de sujeito inovador (neste caso, capaz de transformar materiais que iriam para o lixo
em instrumentos musicais). Outro ponto a se enfatizar é o espaço dado a um senhor,
aparentemente da terceira idade, negro, como sujeito representante da cultura mineira,
construída a partir do auge da mineração, numa época em que a escravidão imperava no
estado e, certamente, delimitou contornos étnicos dos moradores de Minas.
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Imagem 1: Os ambientes rurais e o “botar a mão na massa” prevaleceram nos enquadramentos do cidadão comum; no caso do luthier, ele aparece em seu próprio local de trabalho
Partindo para o segundo objeto de análise, o programa Terra de Minas,
identificamos duas temáticas centrais: a adaptação culinária da paella espanhola para se
transformar em paelha mineira; e a reprodução de obras de arte representando o Divino, um
símbolo religioso. A primeira reportagem trouxe a religiosidade para o centro da narrativa,
enquadrando o mineiro como um sujeito indissociável da esfera religiosa. Foram
entrevistadas 3 fontes, sendo duas delas artistas responsáveis pelas obras apresentadas no
ar, e a terceira fonte era a curadora/idealizadora da exposição. Dos cidadãos comuns, o
espaço de fala foi dado a um homem e uma mulher, mas, assim como no programa anterior,
não houve equidade no tempo de fala. O tempo dado à artista plástica foi de 14 segundos,
enquanto o artista visual discursou durante 41 segundos. Porém, foi a curadora que ocupou
o maior espaço de fala em cena, num total de 1 minuto e 40 segundos, além de ter sido a
única fonte mostrada transitando pelo cenário (o local onde a exposição acontecia)
enquanto proferia seus discursos. Dessa maneira, por ser a responsável pelo evento e estar
num posicionamento (footing) de autoridade, a reportagem apresentou-a em profundidade
em cena – ao passo que os artistas foram rapidamente focalizados em seus processos
criativos.
Em termos de ambientação, a reportagem é realizada em Congonhas, e o cenário
especificamente utilizado não é identificado, mas, conforme a dimensão visual que se
apreende dele, remete a uma casa de arquitetura tradicional, com grandes janelas azuis e
chão de madeira. A casa, pelo que se pode captar em termos de imagem, não está localizada
em área rural, e sim numa região em que é possível vislumbrar a presença de igrejas ao
redor. O forte apelo religioso é um enquadramento comumente dado a reportagens sobre o
estado. Neste caso, não houve a recorrência a igrejas como ambientação, mas a temática
religiosa esteve discursivamente presente na narrativa, reforçando que o mundo da vida
cotidiana mineira está arraigado ao aspecto religioso.
A segunda reportagem da edição mostrou a adaptação que cozinheiros de Araxá
desenvolveram para transformar a paella espanhola em paelha mineira. A principal fonte
entrevistada foi Juninho Lemos, vice-presidente do Clube dos Cozinheiros de Araxá, que
ocupou quase a totalidade da condução da narrativa. O repórter acompanhou o processo de
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produção da paelha mineira e, enquanto o prato era preparado, ele proferia questionamentos
ao entrevistado. Nesta parte, o formato entrevista prevaleceu, mas assim como ocorrido em
Triângulo das Geraes, ele não se estabeleceu dentro de estúdios ou seguindo indumentárias
típicas do telejornalismo: a entrevista ocorreu num ambiente aberto, numa espécie de
galpão que parecia ser uma área de lazer de uma propriedade rural. Os envolvidos –
repórter e cozinheiro – permaneceram o tempo todo de pé, em torno da grande peça onde se
preparava o prato. Em alguns instantes, até mesmo o repórter intervinha no processo e
auxiliava na feitura da paelha, alternando-se o footing e assumindo brevemente a posição de
autoridade na cozinha.
Além do entrevistado principal, foram ouvidas duas outras fontes, ao final da
reportagem: um médico e um empresário, assim identificados pelos geradores de
caracteres. Entretanto, a forma de identificação profissional não esteve atrelada aos
discursos que enunciaram. Pelo contrário, as duas últimas fontes apenas surgiram como
validadores do sabor do prato “mineirizado”, de modo que suas falas não acrescentavam
dados nem continham teor de autoridade – ao contrário do entrevistado principal, que era o
detentor do saber (por possuir o domínio culinário):
Vitor Manera (médico): Ficou excelente, ficou excelente a paella (...)
João Castela (empresário): Tá muito bom. Tá tudo bem equilibrado: sal, pimenta. Tá excelente. O gosto de todas as carnes. Tá muito, muito, muito gostoso e bem diferente da paella original, espanhola ou argentina, mas pro nosso paladar brasileiro, eu acho até melhor do que a original.
Ainda no início da reportagem, um escritor declamou um poema sobre Araxá. Por
ter domínio da história cultural da cidade, enquadramos o personagem na categoria dos
especialistas. E para efeitos de comparação, nesta parte do programa não houve nenhuma
mulher a ser entrevistada, o que contraria uma tipificação bastante arraigada ao imaginário
popular – o papel da mulher intrinsecamente vinculado à culinária. Neste caso, contudo, foi
um homem o responsável pela adaptação do prato e a reportagem não faz menção a
mulheres, dando a entender que o Clube dos Cozinheiros é majoritariamente composto por
homens.
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Imagem 2: Os populares são mostrados sentados, enquanto os detentores do saber estão de pé
Por fim, o terceiro programa analisado é um produto da Rede Minas e se intitula
Bem Cultural. Na referida edição, que recebeu o nome de “Mercados: cores e sabores”4, o
programa concede espaço a um único assunto: os processos de interação que se
estabelecem nos mercados populares e como é a vida de quem depende deles para
sobreviver. Há uma notória discrepância entre este programa e os outros analisados no que
concerne ao número de fontes entrevistadas. Ao todo, foram 17 fontes colocadas em cena,
proferindo discursos das mais variadas naturezas e duração. Dentre este total, 5 delas eram
estudiosos que ocupavam posições de destaque na narrativa, pois suas falas se
caracterizavam pela essência de transmissão de saberes acumulados – haja vista a presença
de uma socióloga e um geógrafo, por exemplo, a explicar como se dão as interações
populares nos mercados e a importância deles na socialização de indivíduos moradores de
áreas rurais.
Em se tratando de espaço de fala, os cidadãos comuns foram enquadrados de
maneira conjunta, em falas seqüenciais, tanto que a maioria de suas falas é visivelmente
curta – se comparada a dos estudiosos – e condensam um amontoado de declarações dadas 4 “Mercados: cores e sabores” é um especial composto por 4 programas. A edição aqui analisada foi a primeira parte exibida pelo Bem Cultural.
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por eles. Em termos temporais, portanto, a elevada quantidade de representantes do popular
não foi suficiente para atingir a mesma proporção cronológica dentro da narrativa, pois suas
falas ocuparam um tempo relativo a 5 minutos e 20 segundos, aproximadamente, enquanto
os detentores do saber totalizaram 5 minutos e 48 segundos, em média, apesar de
aparecerem numericamente em quantidade inferior.
Já em relação aos cenários, houve uma demarcação espacial bem clara: o primeiro
bloco se ambientou em Diamantina, e o segundo bloco teve locações no Vale do
Jequitinhonha. A escolha por uma região geográfica deslocada dos grandes centros e de
pouca expressividade no cenário estadual (em termos de representatividade econômica e
política, no caso do Vale) permitiu ao programa inovar nesse segmento e exibir um
enquadramento da realidade mineira que, geralmente, não adquire visibilidade. Já
Diamantina não foi enquadrada em termos de sua relevância histórica para o estado, apenas
dando a ver a forma de organização do mercado popular da cidade. Analisando
especificamente os cenários, Bem Cultural não rompeu com tipologias tradicionais acerca
do estado: focalizou estradas rurais, o caminhar de camponeses por tais estradas,
acompanhados por animais e charretes. Dessa forma, todas as vezes que os populares eram
alçados ao centro da narrativa, proferiam seus discursos a partir dos ambientes rurais ou dos
mercados onde interagiam. Os estudiosos, por sua vez, nunca eram mostrados no mercado:
a socióloga e o geógrafo foram entrevistados em estúdio, enquanto as outras fontes
legitimadas do saber apareciam em ambientes abertos rurais (mas nunca nos mercados,
como ocorria aos populares).
Quanto à temática, a colocação do mercado como eixo central da narrativa reforçou
a representação do estado fortemente atrelada à culinária. Além disso, quando se
enquadrava os populares em suas rotinas de trabalho (na lavoura, preparando a charrete ou
indo para o mercado), o que se pretendia transmitir como relevante acerca da cultura
mineira é o labor rural da vida no campo, marcada por dificuldades de transporte e pela
exacerbação do uso da força física. Mesmo assim, é importante salientar que o programa
deu lugar de fala para diversas mulheres trabalhadoras do campo, que não eram
representadas como donas-de-casa ou simplesmente mães de família, mas também como
mulheres que atuavam nos trabalhos rurais, assumindo o papel social de trabalhadora.
Assim sendo, a maneira de enquadrar a mulher nesta narrativa não se orientou a partir de
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uma concepção arcaica, apesar de conceder um tempo relativamente ínfimo para as falas
das mulheres comuns (se comparada com o tempo individual de fala da socióloga).
Imagem 3: Fontes especialistas entrevistadas em estúdio, enquanto o popular se expressa no mercado
Considerações finais
Os autores abordados neste trabalho não estabeleceram suas análises a partir de
ambientes midiáticos, como são as nossas sociedades contemporâneas. Goffman e Schutz
estiveram voltados para análises situacionistas, e não de cunho generalista ou que buscasse
dimensionar uma totalidade social. As considerações de Goffman sobre enquadramento,
por exemplo, não tinham como pretensão a análise de estruturas comunicativas complexas,
e sim um foco determinado nas interações rotineiras que orientam os indivíduos no mundo,
o chamado mundo da vida de Schutz. Nessa articulação entre os dois estudiosos,
interessados nas relações sociais como objeto de pesquisa, buscamos aplicá-las ao nível da
comunicação midiática, considerando a pertinência das teorizações de ambos para se
vislumbrar os recentes modos de comunicação mediados por suportes técnicos. Em nosso
caso, a TV foi o meio elencado e, com base em atrações específicas, apropriamo-nos dos
preceitos de enquadramento, footing, mundo da vida, relevância e tipificações para atualizá-VIII Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais
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los a partir de um breve exercício analítico do conteúdo midiático dos programas regionais
selecionados. A tabela a seguir é uma tentativa de tornar visualmente acessível as
ponderações obtidas nas análises dos programas, articuladas aos conceitos anteriormente
citados.
Temáticas Ambientes Fontes
Triângulo das Geraes
1) Adaptações sanitárias na produção do queijo;
2) Luthier produz instrumentos com materiais reciclados
1) região do Serro (fazenda/zona rural)
2) Ouro Preto (local de trabalho do luthier/zona urbana)
3 fontes no total =
2 cidadãos comuns (8min05seg)
1 especialista (6min15seg)
Divisão por gênero:
2 mulheres/ 1 homem
Terra de Minas
1) Obras de arte representam o Divino;
2) Paella espanhola transformada em paelha mineira
1) Congonhas (casa em arquitetura tradicional/ zona urbana)
2) Araxá (espécie de galpão/zona rural)
7 fontes no total =
4 cidadãos comuns (1min30seg)
3 especialistas (9min 10seg)
Divisão por gênero:
2 mulheres/ 5 homens
Bem Cultural
1) O mercado como ambiente de socialização
1) Diamantina e Vale do Jequitinhonha (mercados populares e ambientes rurais – lavouras, estradas, etc.)
17 fontes no total =
12 cidadãos comuns (5min20seg)
5 especialistas (5min48seg)
Divisão por gênero
6 mulheres/ 11 homens
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Desse modo, a partir das ponderações elencadas no decorrer deste trabalho,
podemos afirmar que a mídia é, de fato, uma importante instância produtora de sentido e
construtora da realidade social – no caso, da realidade regional. Cada uma das emissoras
selecionadas – através de seus respectivos programas – assumiu um lugar de representação
da cultura mineira a partir das escolhas discursivas que fez. Nesse sentido, em muitas
situações o que se percebeu foi um reforço de tipificações já amplamente difundidas entre o
imaginário mineiro, tais como a relevância que a culinária e a religião assumem nesta
sociedade em específico.
Porém, em se tratando de aspectos considerados relevantes pelas mídias em questão,
vale enfatizar que as escolhas temáticas, mesmo tendo seguido elementos tradicionais da
cultura regional, permitiram a construção de narrativas com peculiaridades que romperam
com possíveis elementos sedimentados em nossa cultura. O ponto mais significativo nesse
sentido é a presença das mulheres nas narrativas, assumindo lugares de relevância e se
posicionando (footing) discursivamente em papéis que fogem a estereótipos tradicionais.
As mulheres eram enquadradas como sociólogas, historiadoras, curadoras de arte (em
relação às fontes legitimadas), ou ainda como produtoras de queijo, feirantes, artesãs, artista
plástica e agricultoras (no âmbito das populares), mas não foram identificadas
(enquadradas) sob a esfera dos papéis de mãe, esposa, dona-de-casa, etc.
Por outro lado, as fontes populares sempre possuíam espaços menores de fala,
geralmente para reforçar e exemplificar o saber legitimado já transmitido por uma fonte
letrada. Nesse sentido, os programas demonstram que, em termos de relevância, preferem
dar voz ao saber institucional, mesmo quando abordam temáticas populares. Uma
significativa exceção foi a segunda reportagem do Terra de Minas, que alçou um popular
ao lugar de fonte detentora de saber, por conta dos ensinamentos culinários que transmitia.
Neste mesmo programa, o fato de um homem ser o transmissor do saber gastronômico
rompe com possíveis paradigmas culturais – geralmente encontrados em localidades
interioranas – que delegam à mulher o papel social de estar à frente da cozinha. Uma
situação similar se deu na edição estudada do Triângulo das Geraes, em que a voz
representante do popular era a de uma mulher produtora de queijo, de modo que o labor
rural não é enquadrado como espaço apenas do gênero masculino.
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Em síntese, intenciona-se afirmar que a construção da cultura mineira através dos
programas regionais não correspondeu, em sentido pleno, a generalizações comuns em
nosso estado – principalmente no interior. As fontes colocadas em cena, os ambientes e
cenários mostrados e as temáticas abordadas ajudaram a enquadrar outros aspectos da
realidade social mineira, tais como o papel da mulher e seu trabalho no campo, ou ainda a
relevância de áreas pouco abordadas no cenário regional (como o Vale do Jequitinhonha).
Por fim, ressaltamos que os aspectos aqui elencados não devem ser tomados como
assertivas definitivas para qualquer programa regional – nem mesmo aos próprios
programas consultados. O mundo da vida mineira, por seu turno, é bem mais amplo,
complexo e entremeado por inúmeros outros quadros que aqui não nos foi possível
ponderar. Não houve pretensão de se processar um recuo histórico das atrações, mas apenas
desenvolver um exercício analítico que pudesse sinalizar para possíveis recorrências de
aspectos relevantes enquadrados pelas emissoras que se prestam a falar do estado.
Consolidou-se, ainda, como uma alternativa para atualizar os conceitos de Schutz e
Goffman e salientar que, metodologicamente, eles seguem atuais e passíveis de serem
estudados em situações interativas midiáticas.
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