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CURSO DE DIREITO

O USO DO TESTE DE DNA NA MEDICINA LEGAL

UMA NOVA PERSPECTIVA PARA IDENTIFICAÇÃO FORENSE

CESAR AUGUSTUS GUTTILLA

R. A. : 473079 / 8

3209H

(11) 3341 7448

guttilla@uol.com.br

SÃO PAULO

2004

CESAR AUGUSTUS GUTTILLA

O USO DO TESTE DE DNA NA MEDICINA LEGAL

UMA NOVA PERSPECTIVA PARA IDENTIFICAÇÃO FORENSE

Monografia apresentada aoCurso de Direito da UniFMUcomo requisito parcial para aobtenção do grau de bacharel emDireito, sob a orientação dailustre professora Dra ReginaCélia Martinez.

SÃO PAULO

2004

BANCA EXAMINADORA

Professora Orientadora:_____________________

Professor Argüidor:_____________________________

Professor Argüidor:_____________________________

Agradeço a todos aqueles que

contribuíram para a elaboração

deste trabalho, em especial a

Professora Dra. Regina Célia

Martinez, ao Prof. Dr. Antônio José

Eça e a Profa Dra. Lílian Eça.

INTRODUÇÃO

Conforme relata Franca (1998), os estudos preliminares da

genética molecular no campo da investigação da identidade tiveram início

em 1953, quando os cientistas James Watson e Francis Crick

descobriram a estrutura em dupla hélice do DNA (ácido

desoxirribonucléico), componente responsável pelo patrimônio genético

dos seres. Porém, somente em 1980 começaram a surgir técnicas

capazes de caracterizar no DNA as particularidades de cada pessoa. Em

1985, Alec Jeffreys criou sondas moleculares radioativas com a

propriedade de reconhecer regiões altamente sensíveis do DNA, e assim,

levantar os padrões específicos de cada indivíduo, que chamou de

“impressão digital” genética dos seres vivos.

De acordo com Franca (1998), as aplicações médico-legais da

impressão digital genética do DNA (DNA Fingerprinting) podem contribuir

para a investigação da paternidade e da maternidade, mesmo após a

morte dos envolvidos, desde que essa impressão venha a ser

reconstituída através de amostras de sangue dos parentes próximos, as

quais possibilitam uma vinculação genética com a mesma precisão da

obtida se os pais fossem vivos. Pode-se, também, determinar se existe

relação de parentesco entre duas pessoas.

Dentro de uma criteriosa análise, considerando-se a avaliação do

risco-benefício, pode-se utilizar técnicas de vinculação genética da

paternidade intra-útero, por meio do estudo de tecidos fetais obtidos pela

aminiocentese e pela amostra de vilo corial. Nesta última, a mais usada,

utiliza-se o componente fetal da placenta, a partir da nona semana de

gestação. Esse método só deve ser usado em situações muito especiais

da determinação de paternidade de interesse judicial, pois, do contrário

deve ser feito com todas as vantagens, após o nascimento da criança

(FRANCA, 1998).

Outra maneira de utilização da impressão genética do DNA é na

identificação de suspeitos numa investigação criminal, através de

amostras de material biológico encontrados em locais examinados,

contribuindo assim, para apontar autores ou excluir falsas imputações

(FRANCA, 1998).

Franca (1998) observa que esse método também pode ser usado

com certa utilidade nos casos de identificação de vítimas onde os outros

métodos mostram-se ineficazes, como nas grandes mutilações ou nos

carbonizados parcial ou quase totalmente, ou ainda, nas exumações

adotando-se o uso de microssatélites pela técnica de PCR (Polymerase

Chain Reaction), que permite o estudo do DNA degradado a partir de

pequenas quantidades de material obtido dos dentes, dos ossos, do bulbo

dos cabelos e de outros tecidos remanescentes.

Trent (1995) afirma que a vantagem importante do DNA está em

sua intrínseca variabilidade, de modo que a exclusão não é o objetivo

principal. Assim, tornou-se possível ter um perfil único de DNA para cada

pessoa, similar às impressões digitais.

Trent (1995) relata que em curto tempo, a tecnologia do DNA teve

grande impacto no sistema judicial, considerando-se o ritmo lento com o

qual o sistema geralmente caminha. Entretanto, o uso rápido da

tecnologia do DNA produziu problemas significativos. Eles refletem

diferenças na interpretação dos dados polimórficos do DNA,

particularmente com relação a grupos étnicos minoritários, os tipos de

protocolos laboratoriais e o padrão de garantia de qualidade praticados

em alguns laboratórios. Tais problemas têm sido lentamente resolvidos. A

legislação de muitas comunidades requer o mais alto nível de prática para

os laboratórios envolvidos na tecnologia forense do DNA.

O tema em questão é novo e, portanto, ainda não se conhecem

suas implicações e conseqüências. A prova no Direito é sujeita a vícios e

erros de todas as formas e espécies. Com o surgimento do teste de DNA

tornou-se possível a identificação precisa dos sujeitos do crime. Não só a

prova de paternidade foi beneficiada, mas, também, todas as provas

relacionadas à participação do homem.

Sem dúvida, o Direito na sua forma mais ampla será beneficiado

por esse tipo de pesquisa, em especial a Medicina Legal, no seu

importante papel de ajudar a desvendar os fatos e as verdades.

Atualmente, muito comentado devido a sua precisão e utilização no

esclarecimento da paternidade, o uso do DNA inicia uma revolução em

matéria de possibilidade de esclarecimento e busca da verdade.

Assim, nesse trabalho foram levantadas as seguintes questões:

Será que o estudo do DNA trará todo o benefício esperado?

Poderá a Medicina Legal garantir todas as suas afirmativas com

prova material incontestável?

Alguns pesquisadores falam em 99,99% de certeza; outros afirmam

que no caso de seu uso quando os envolvidos são gêmeos univitelinos

não haveria a eficiência desejada.

Em minha experiência como médico veterinário tenho visto que a

genética e os estudos relacionados à reprodução têm trazido grande

avanço nesse setor de conhecimento, inclusive na própria perícia forense

veterinária já se emprega a tecnologia genética por exemplo , quando

animais reprodutores de alto valor econômico são assegurados por

apólices e também para confirmação da autenticidade de seus produtos.

Com os mapeamentos genéticos sendo feitos, abrem-se a cada dia, mais

possibilidades para expansão de seu uso.

Por esse motivo, pretendo analisar qual a exata contribuição dessa

técnica para a solução dos infindáveis casos sem solução. Com base no

meu interesse e conhecimento apoiado na literatura específica sobre o

assunto, procurei caracterizar como o uso do mapeamento do DNA pode

ser fundamental para a perícia. Espera-se que esse trabalho contribua

para apontar uma nova solução para esse problema.

Assim, o presente trabalho teve como objetivos: fornecer

informações sobre o DNA, sua importância e seu mecanismo; demonstrar

os aspectos médicos legais da perícia do DNA; fornecer uma visão ampla

sobre a possibilidade de identificação de autores de crimes através da

engenharia molecular; enfatizar a questão da privacidade do teste de

DNA no que se refere à possibilidade de se tornar abusivo na ausência de

proteção legal; identificar casos de condenações injustas e de impunidade

gerada por falta de provas.

Trata-se de um estudo dedutivo baseado em pesquisa bibliográfica

exploratória, sendo estudada como fonte o trabalho realizado pela

engenharia genética e pela biologia.

Para o levantamento do material bibliográfico, foram realizadas

visitas a bibliotecas como: Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo, Centro Universitário UniFMU, Biblioteca Central – UNIFESP e

BIBLAC, além de portais da Internet.

A escolha do tema surgiu do interesse científico e pessoal sobre a

possibilidade do uso do DNA nas mais diversas técnicas de identificação

usadas em Direito.

O problema é que, ainda não se tem acesso total a essa

tecnologia, nem equipamentos disponíveis para alcançá-la. Assim sendo,

há uma limitação tecnológica e política, e o incentivo e a condução desse

processo de modernização depende do Estado.

Pensar que hoje milhares de casos não são definitivamente

solucionados por falta de provas, tem-se como questão primordial o

implemento do uso de novas técnicas. A relação com o contexto jurídico é

plena. É uma grande oportunidade para que através da Medicina e do

Direito se faça justiça. A contribuição de conhecimento sobre esse tema

será de suma importância para que o operador do direito nas mais

diversas áreas possa ter mais um valioso instrumento para uma boa

prática profissional. No mais, será um estímulo aos legisladores que terão

que regulamentar e autorizar essa nova prática.

Os motivos que justificam esse trabalho são as perguntas ainda

sem respostas.

Dessa forma, o objeto de estudo é o Teste de DNA e seu uso na

Medicina Legal para a identificação de pessoas suspeitas. Colocando a

perícia médica a serviço da Justiça, os peritos comprometem-se a realizar

um trabalho específico para trazer elucidações ao Julgador. É um trabalho

de colaboração.

Esse trabalho apóia-se, também, na Constituição Federal e no

Código Penal, Código de Processo Penal, Código Civil e na

Jurisprudência.

1- NOÇÕES GERAIS SOBRE DNA

1.1 Conceituação de DNA

Nos termos do art. 3º, II, da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995,

“ácido desoxirribonucléico (DNA) é material genético que contém

informações determinantes dos caracteres hereditários

transmissíveis à descendência” . Essa lei regulamenta os incisos II e V

do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal de 1998, estabelece

normas para o uso das técnicas de engenharia genética e

liberação no meio ambiente de organismos geneticamente

modificadas, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da

Previdência da República, a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança e dá outras providências.1

O ácido desoxirribonucléico (DNA) é o cerne do material genético

do indivíduo, sendo encontrado no núcleo das células do

organismo estruturando os cromossomos. O homem possui 46 pares

de cromossomos, dos quais a metade é de origem materna e a

outra paterna. Os genes, portanto, compõem os cromossomos,

sendo responsáveis pelos caracteres genéticos das pessoas.2

1 ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 63.2 SÉRGIO SOBRINHO, Mário. A identificação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.p. 36.

O DNA é uma macromolécula encontrada em células nucleadas,

sendo possível estudá-la mediante a análise das amostras de

substâncias orgânicas que contenham material genético. No

homem, esse material pode ser extraído de várias substâncias. Na

amostra de sangue, são examinados os glóbulos brancos

(leucócitos), pois os glóbulos vermelhos (eritrócitos) são células

anucleadas.3

O estudo do ácido desoxirribonucléico foi desenvolvido no âmbito

da Genética com o objetivo de identificar indivíduos que

apresentassem determinado traço repetido em seus descendentes,

permitindo várias aplicações, tais como detectar doenças

hereditárias, verificar parentesco, constatar a evolução da espécie

humana, determinar compatibilidade para transplante etc. A

identificação genética pressupõe que cada indivíduo apresente

seu DNA exclusivo, cujo mapeamento cromossômico é igual em

todas as células do organismo, permanecendo invariável ao longo

do tempo.4

Segundo Farah (1997)5 a análise do DNA permite a obtenção de

respostas a duas questões fundamentais para a solução de crimes

ou casos de disputa de paternidade: a quem pertenceu uma

amostra de material biológico como, por exemplo, sangue, saliva

3 SÉRGIO SOBRINHO, op. cit. , p. 36.4 Ibid, p. 37.5 FARAH, Solange Bento. DNA: segredos & mistérios. São Paulo: Sarvier, 1997. p. 173.

ou esperma, encontrado na cena do crime ou na vítima?; existe

alguma relação de parentesco entre dois indivíduos ou não?

Assim que houve o reconhecimento da importância dos genes na

determinação das características individuais, conceitos e métodos

genéticos passaram a ser utilizados na solução de questões

relacionadas com a identificação humana. Com a introdução dos

métodos de análise de DNA pode-se resolver, praticamente,

qualquer caso de identidade.6

O DNA está ligado à idéia de individualidade, no sentido de que os

sinais e características variáveis de pessoa para pessoa (sexo,

altura, cor, textura dos cabelos, cor dos olhos, cor da pele, voz,

ouvidos, olfato, maneira de andar) são únicos em cada uma e

determinados pelos seus genes, os quais estão contidos em seu

genoma ou genótipo, que é todo o material genético presente nas

células da pessoa.7

A análise do DNA para a identificação dos indivíduos baseia-se no

fato de que cada ser humano tem uma aparência física e

características fenotípicas próprias porque possui uma composição

genética única; com exceção dos gêmeos idênticos, não existem

dois indivíduos com exatamente o mesmo genótipo. O DNA de um

indivíduo é exatamente igual em qualquer célula do seu corpo,

quer tenha sido extraído da raiz do cabelo, do sangue ou do

6 Ibid, loc cit..7 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit,, 173.

esperma. Esses princípios permitem identificar um perfil molecular

para cada indivíduo a partir de uma amostra de qualquer tecido,

isto é, o DNA é suficiente para distinguir uma pessoa da outra.8

A análise do DNA para se determinar o perfil molecular, além de

extremamente precisa, pode ser realizada com quantidades

mínimas de material obtido. Outra vantagem é que, mesmo no

caso de as amostras serem velhas ou de diferentes origens e

misturadas, existe boa chance de se chegar a um resultado

conclusivo. Por essas e outras propriedades a análise do DNA tem

revolucionado os métodos de identificação humana aplicados à

medicina forense e legal.9

Farah (1997)10 relata que existem dois tipos de variações no DNA de

indivíduos normais: o que afeta um simples par de bases e o que

envolve seqüências repetidas. Como as enzimas de restrição

reconhecem seqüências específicas de bases no DNA, a alteração

de um par de bases na seqüência do reconhecimento pode criar

ou abolir um sítio de restrição em um determinado lócus do

genoma, que gera um polimorfismo. Dessa forma, se o DNA

humano for digerido com a enzima de restrição adequada, o

locus polimórfico pode ser observado pela alteração no tamanho

do fragmento de DNA, detectado pela hibridização com uma

sonda específica após o método de Southern. Esse tipo de

8 FARAH, DNA: segredos & mistérios, op. cit., p. 174.9 Ibid, loc. cit.10 FARAH. DNA: segredos & mistérios, op. cit., p. 174.

polimorfismo ficou conhecido como RFLF – polimorfismo no

comprimento do fragmento de restrição. Apresenta dois alelos

possíveis, dependendo se aquele determinado sítio de restrição

está ausente ou presente. Portanto, cada indivíduo pode ser homo

ou heterozigoto para um polimorfismo do tipo RFLP conforme os

alelos que possui.

Todos esses aspectos compõem um complexo de mecanismos

estudados pela Engenharia Genética que vem transformando a

ciência da medicina.

Conforme Trent (1995)11, o DNA que contém 3,3 x 109 pares de

bases do genoma haplóide humano, tem várias funções. Cerca de

70% codificam genes ou estão envolvidos em várias atividades

relacionadas aos genes, como a regulação da expressão. O DNA

fornece os sinais para sua própria replicação e os necessários para

a replicação dos cromossomos, divisão e segregação. Os restantes

30% do genoma eucarionte são compostos de seqüências

repetidas de DNA que parecem não ter função, sendo essa área

denominada DNA lixo.

O DNA repetitivo pode ser dividido em duas classes principais. As

seqüências repetidas em tandem (DNA satélites), e as repetições

intercaladas. O termo satélite foi usado para descrever as

seqüências repetidas de DNA que compreendem repetições curtas

11 TRENT, R. J. Introdução à medicina molecular. Rio de Janeiro: Guanbara Koogan, 1995. p.136.

em tandem que incorporam motivos específicos. Elas

compreendem um terço das repetições de DNA (10% do genoma

total) e são exemplificadas pelos microssatélites, minissatélites e

macrossatélites.12

1.2 Microssatélites

Os microssatélites compreendem pequenos polimorfos de DNA,

geralmente com menos de 1kb(quilobase) de tamanho. As mais bem

descritas são as repetições de dinucleotídeos (AC)n’ onde n (o número de

repetições presentes) varia de 10 a 60. Devido à disposição em tandem

das unidades repetidas, esses polimorfismos são exemplos do tipo

chamado de número variável de repetições em tandem (VNTr) - Variable

Numbers of Tandem Repeats. Individualmente, os microssatélites são

considerados como sendo VTNRs de um lócus, porque cada uma pode

identificar um segmento de genoma. Avalia-se que o genoma humano

contenha aproximadamente 50.000 repetições (AC)n. Assim , o valor

desses polimorfismos está em sua ampla distribuição pelo DNA, o que os

torna ideais para o mapeamento do genoma. Como polimorfismo de DNA,

elas são altamente informativas nos estudos familiais para identificar

alelos selvagens versus mutantes, ou em teste de paternidade. Os

12 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 137.

microssatélites, devido a sua potencial hipervariabilidade, são mais

informativos do que o sistema bialélico de RFLP.13

Uma consideração técnica com as repetições (AC)n é a

necessidade de se usar a reação em cadeia do polimerase, pois as

diferenças de tamanho entre os alelos são pequenas, e é essencial usar

oligonucleotídeos para marcar uma região específica no genoma, de

modo que apenas em locus de microssatélite seja testado. Isto significa

que um procedimento automatizado e mais rápido está disponível para

detectar microssatélites. No entanto, precisa ser balanceado com o

problema da amplificação do DNA na situação forense. Os microssatélites

que compreendem um cerne de três a quatro pares de bases permitem

interpretação mais fácil dos padrões de gel que contém produtos de

amplificação, pois a diferença entre os alelos é maior, de duas bases para

quatro. A amplificação pela reação em cadeia da polimerase é também

mais confiável em comparação à encontrada com as repetições de dois

nucleotídeos (AC)n’.14

1.3 Minissatélites

Segundo Trent (1995)15 as repetições minissatélites são de maior

valor para os laboratórios forenses. A seqüência cerne comum que

será repetida é maior do que a encontrada com os microssatélites.

13 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 137.14 Ibid, loc. cit.15 Ibid, lo. cit.

Isto produz fragmentos de restrição que estão na faixa dos

quilobases, em comparação aos alelos microssatélites que se

estendem de 20 a 120 bases nucleotídicas em tamanho. Assim, os

microssatélites dão uma faixa maior para seus fragmentos

polimórficos de DNA. Devido a isto, é possível usar ou a

transferência de Southern do DNA, ou a reação em cadeia da

polimerase para identificar os minissatélites.

Os minissatélites são multilocus (repetidos no genoma em muitos

loci) ou de um locus, onde a posição do minissatélite no genoma

pode ser localizada em um lugar. A chance de encontrar

diferenças entre dois alelos usando multissatélites é muito alta (até

99% em alguns casos), e também é possível usar os padrões

polimórficos complexos que surgem dos vários loci para construir

um perfil único de DNA ou fingerprinting para uma pessoa.16

Os minissatélites de VTNRs de um só locus no genoma são

aplicados em vários laboratórios comerciais e do governo

envolvidos em testes de DNA para fins legais . Cada um desses

VTNRs é altamente informativo, produzindo dois alelos, mas com

ampla faixa de tamanhos de bandas por alelo. Assim, a chance de

encontrar padrões diferentes entre pessoas é consideravelmente

maior do que com a possível com um RFLP, pois a variabilidade

com esse último, seria limitada a uma entre três opções

(grande/grande, pequena/pequena, grande/pequena). Uma

16 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 138.

combinação de 4 a 6 marcadores de VNTR de um só locus dá um

perfil geral do DNA que é muito polimórfico e, portanto, é

considerado como único de uma pessoa17.

Um terceiro tipo de DNA satélite hipervariável citado por Trent

(1995)18 refere-se aos macrossatélites. Estes podem ser muito

grandes e, portanto, a eletroforese em gel de campo pulsado

pode ser necessária para a sua identificação e caracterização. Os

polimorfismos de DNA associados aos macrossatélites não são

usados para as práticas forenses, pois o DNA está, até certo ponto,

degradado. Portanto, o DNA de alto peso molecular, essencial

para a eletroforese em gel de campo pulsado, não estaria

disponível nessas circunstâncias.

Em comparação com as repetições de DNA satélite, as repetições

intercaladas ocorrem mais freqüentemente. Geralmente, não são

encontradas dispostas em tanden, e não estão necessariamente

situadas como repetições múltiplas, desempenhando pouco papel

nas comparações entre amostras individuais de DNA. Dois

elementos repetitivos nessa classe são as repetições “Alu” e as

repetições “Kpn” . As repetições “Alu” têm aplicação forense, pois

são específicas dos seres humanos e são úteis em determinar a

origem da amostra como sendo humana ou não.19

17 Ibid, loc. cit.18 Ibid, p. 139.19 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit. p. 139.

Existem inúmeras aplicações para a técnica de identificação pela

análise de DNA. Porque o DNA pode ser recuperado de tecido

mole ou de ossos e dentes de corpos mumificados, informações

genéticas sobre variações no DNA têm sido obtidas de múmias ou

fósseis tão antigos quanto 8.000 anos no caso de humanos, e

53.000 anos em mamutes. Essa pesquisa gera informações

fundamentais sobre a organização social, migração e estimativa

sobre o número de indivíduos em populações humanas passadas e

animais extintos, com óbvias contribuições à arqueologia,

antropologia e evolução.20

Apesar de terem sido feitas algumas objeções a essa metodologia,

particularmente quando empregada em questões forense, a

tipagem do DNA já se mostrou uma poderosa fonte de evidências,

capaz de condenar um suposto inocente ou inocentar um possível

culpado.21

20 FARAH, DNA: segredos e mistérios, op. cit. p. 163.21 FARAH, DNA: segredos & mistérios, op. cit, p. 183.

2 - MEDICINA LEGAL

2.1 DNA e paternidade

Segundo Parada (2002)22 a necessidade de se estabelecer

relações de paternidade, freqüentemente surge em contextos legais,

sociais ou médicos. Como a concepção ocorre no interior do corpo da

mulher e não admite testemunhas, a única maneira de resolver

efetivamente o problema, é através de testes genéticos. Em especial, os

testes em DNA nos permitem resolver disputas de paternidade.

Cada indivíduo tem o direito de conhecer sua própria biogênese.

Investigar a sua origem biológica é um interesse de cada pessoa. Na

atualidade, o teste de paternidade, vem sendo muito utilizado para

subsidiar a Justiça da Família. Certamente o tema mais freqüente e

palpitante nos últimos fóruns de debates médico-jurídicos tem sido o

exame de DNA nos casos de investigação de paternidade. E com muito

mais ênfase, quando na questão abordada discute-se a obrigatoriedade

ou não do investigando em submeter-se ao exame hematológico para a

comprovação da paternidade discutida.23

Não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer norma que

obrigue o réu em uma ação de investigação de paternidade ou

maternidade, a submeter-se ao exame pericial solicitado. Todavia, há

22 PARADA, C. A. S. O DNA e a lei. Monografia. São Paulo, 2003. p. 75.23 Ibid, loc. cit.

entendimentos outros de que, a recusa do investigado em submeter-se ao

exame, resulte na presunção da veracidade dos fatos que se alegam.24

De acordo com Almeida (2001)25 a investigação laboratorial do

teste em DNA para fins de descoberta da paternidade biológica, deve

conter em si uma série de medidas para garantir a confiabilidade do

exame. As evidências conferidas pelo teste em DNA podem servir para

excluir um homem de ser o pai biológico de determinado indivíduo, ou, se

esse homem não for excluído, servir como base para calcular a

probabilidade de que ele realmente seja o pai biológico. A determinação

da paternidade pelo teste em DNA pode variar de 99,99% a 99,9999%, ou

seja, quando um possível pai não é excluído, a evidência pode ser

fortíssima de que ele realmente seja o pai da criança.

O exame pericial em DNA, geralmente é realizado com trio mãe,

filho e suposto pai. Todavia, essa técnica pericial não é tão versátil

a ponto de se poder realizá-la mesmo quando um dos membros-

chave a ser analisado (mãe ou suposto pai) não esteja disponível,

por falecimento ou outro motivo. Esses são os denominados “casos

deficientes” , cuja probabilidade de paternidade poderá atingir

99,99% de segurança no resultado. Pode-se realizar exame em DNA

com a presença do filho e do possível pai e, no caso de este ser

falecido, a perícia pode ser feita utilizando-se O DNA de ambos os

24 PARADA, O DNA e a lei, op. cit. p. 93.25 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 67.

possíveis avós paternos ou, na falta destes, os filhos, viúva e irmãos

do investigado.26

Ainda é possível realizar o exame pericial em DNA através da

exumação de cadáver, nos casos em que o investigado falecido não

deixou descendentes ou ascendentes para análise comparativa com o

investigante e sua mãe, bem como, o teste pode ser feito antes do

nascimento da criança, através da análise comparativa com o investigante

e sua mãe, bem como, o teste pode ser feito antes do nascimento da

criança, através de análise do líquido amniótico ou das vilosidades

coriônicas da placenta, ao redor do início do quarto mês de gestação.27

Almeida (2001)28 afirma que toda pessoa humana recebe parte de

seu DNA de sua mãe biológica pelo óvulo e outra parte de seu pai

biológico pelo espermatozóide. À exceção dos gêmeos univitelinos, não

existem dois indivíduos com seqüências de DNA iguais. Assim,

comparando-se os padrões de DNA da mãe, do suposto pai e do filho, é

possível determinar a correlação genética dessas pessoas.

No que se refere à técnica desse exame pericial, Almeida (2001)29

relata que extraído o DNA das pessoas envolvidas, o da mãe e o do filho

são analisados primeiro. Como o filho herda apenas parte do material

genético de sua mãe, a comparação deve mostrar uma igualdade entre a

mãe e a criança para apenas um dos segmentos. Sabendo-se qual parte

do DNA da criança veio da mãe, indica automaticamente que “pedaço” de

26 Ibid, loc. cit.27 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit,, p. 67.28 Ibid, p. 68.29 Ibid, loc. cit.

DNA ela deve se obrigatoriamente recebido do pai biológico. Este, por

sua vez, tem seu DNA comparado com a peça paterna obrigatória do filho

e, havendo a paridade em diversos segmentos do material genético,

resultará na conclusão positiva da paternidade.

Nesse caso é necessário ter uma estimativa quantitativa da

evidência em favor da paternidade apontada pelo resultado da análise

dos marcadores genéticos que é o Índice de Paternidade que pode se

convertido em resultado de probabilidade de paternidade a qual pode

alcançar resultados precisos entre 99,99% a 99, 999%.30

Conforme Trent (1995)31 a tipagem de proteínas para HLA

(antígenos leucócitos humanos) e outros polimorfismos, constitui um

enfoque valioso para os teste de paternidade. Nessa situação, o sangue

fresco pode ser obtido de vários locais, e as análises são feitas sob

condições laboratoriais ótimas. A natureza polimórfica do HLA, torna-o

muito útil para os estudos da paternidade. As combinações de seis alelos

(A1.1, A1.2, A1.3, A2, A3 e A4) produzem 21 genótipos. Apesar de uma

variabilidade em um sistema ser inadequada para uma identificação

positiva de um tecido, ele fornece um marcador rápido e relativamente

simples que é útil como evidência de que uma amostra de tecido não

pertence a um suspeito, ou mais freqüentemente para exclusão de uma

pessoa em um caso de disputa de paternidade. Uma combinação dos

tipos de HLA e polimorfismos de DNA avançaria um pouco mais para

permitir que se faça uma estimativa de se a pessoa em questão é de fato

o pai biológico. Isto se basearia nos marcadores obtidos, sua freqüência

30 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 68.

na população, e a probabilidade de que a combinação detectada

pudesse ocorrer apenas pelo acaso.

O autor afirma que os microssatélites multilocus são ainda

melhores do que os marcadores de HLA quanto a isto, pois eles

produzem um número maior de alelos variáveis que podem permitir tanto

a exclusão quanto uma identificação mais definitiva do pai biológico. O

material para análise pode ser preparado em condições ótimas e,

portanto, o potencial de efeitos complicadores da degradação ou

contaminação nos padrões de DNA, que é uma combinação vital na cena

do crime, seria menos relevante. A determinação de paternidade no caso

de incesto é difícil de ser resolvida caso sejam usados métodos

convencionais de proteínas, pois o suspeito e a vítima compartilham

vários tipos comuns. Nessas circunstâncias, os marcadores de DNA mais

altamente polimórficos tornam-se extremamente valiosos.

Conforme Almeida (2001)32, o avanço científico permite concluir

que os testes de paternidade em DNA mostram se o suposto pai possui

ou não a peça paterna obrigatória em um mínimo de dois pontos situados

em cromossomos diferentes, o que resultará em inclusão ou exclusão da

paternidade.

Tomadas as devidas precauções no controle de qualidade do teste,

o exame de DNA é cientificamente seguro na descoberta da paternidade.

Um resultado de exclusão significa 100% de certeza que o suposto pai

não é o pai biológico. Um resultado de inclusão vem acompanhado da

31 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 140.32 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 69.

probabilidade de que o suposto pai seja o pai biológico, resolvendo a

disputa judicial.33

2.2 DNA fingerprinting

O advento da tipagem de DNA (DNA fingerprinting ou Impressões

digitais do DNA) causou uma revolução inequívoca na descoberta do pai

biológico, podendo ser considerado como o mais poderoso elemento

esclarecedor da verdade a serviço dos juízes e profissionais ligados à

área do Direito de Família. Com ele é possível esclarecer com alto grau

de precisão a identidade de indivíduos, como também sua genealogia.34

A biologia molecular a serviço da Lei tem demonstrado muita

precisão e otimismo. O geneticista inglês Alec Jeffreys em 1985

desenvolveu em seu laboratório sondas moleculares radioativas capazes

de reconhecer as variações moleculares do DNA e determinar a

individualidade genética da pessoa. Essa descoberta deu-se, inicialmente,

com a observação de que certos tipos do DNA exibiam polimorfismo, ou

seja, ocorriam no genoma em mais de uma forma. Quando vários

indivíduos sem parentesco tiveram suas seqüências repetidas analisadas,

Jeffreys observou que não ocorria uma repetição na tipagem de seu DNA,

sendo que cada indivíduo exibiu um padrão único.35

33 Ibid, loc. cit.34 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 69.35 FRANCA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.p. 61.

Diante de tal individualidade, nasceu a expressão “impressões

digitais de DNA” ou “DNA Fingeprinting”, em analogia com as impressões

digitais obtidas do dedo polegar.36

Através de partículas de DNA obtidas de material orgânico, tem-se

a “impressão digital” de cada indivíduo, pois somente gêmeos univitelinos

possuem igualdade genômica. Os demais indivíduos possuem DNA com

um padrão específico. 37

Segundo a autora, o avanço trazido pelos estudos científicos do

método de DNA representou a entrada em cena de questões práticas

relacionadas ao ser humano, dentre as quais o fato de que cada pessoa

pode ser considerada individualmente por meio de sua tipagem de DNA,

sendo possível reconhecer o seu padrão nos ascendentes e

descendentes.

A impressão digital genética também pode ser obtida utilizando-se

enzimas de restrição. Estas últimas clivam os genes em sítios específicos,

seccionando o DNA em segmentos que se dispõem em padrões. Os

segmentos espalhados em gel de agarose ou poliacrilamida, são

submetidos à ação de uma corrente elétrica e se movimentam velozmente

em linha reta devido à diferença de cargas. Deste modo, pode-se verificar

locus desejado do genoma em estudo.38

36 ALMEIDA, op. cit., p. 6437 Ibid, p. 65.38 ALMEIDA, Investigação de paternidade, op. cit., p. 65.

Alec Jeffreys et al (1985)39 afirmam que a única possibilidade de

erro é o caso de comparação de estruturas genéticas entre gêmeos

idênticos. Afora isso, a probabilidade de indivíduos que não são parentes

terem a mesma “impressão digital do DNA” é de apenas cinco quatrilhões,

ou seja, praticamente zero. Para irmãos, esta probabilidade é de um para

cem milhões.40

Parada (2002) acredita que essa técnica de comparação de genes,

quando fizer parte da rotina dos laboratórios de perícia, responderá

indubitavelmente com total precisão, dispensando os demais métodos de

identificação até hoje empregados.

É importante que o laudo pericial seja realizado por um profissional

habilitado e especializado, e que a complexidade e responsabilidade

inerentes a tais laudos, induzam advogados e representantes do

Ministério Público a conhecerem os procedimentos laboratoriais como

também a qualidade das técnicas de controle das amostras sangüíneas,

para evitar problemas processuais.41

O fingerprinting de DNA pouparia tempo nas investigações

policiais, pois os suspeitos poderiam ser rapidamente excluídos, caso

seus perfis de DNA fossem diferentes.42

.

2.3 A posição da lei

39 JEFFREYS, A. et al. DNA fingerprints and segregation analysis of multiples markers in human.1985 apud PARADA, O DNA e a lei, 2002, p. 98.40 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 98.41 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 98.

No Brasil, o problema de paternidade é muito sério, pois representa

um enorme ônus econômico, social e emocional. Considerando-se que

no Brasil nascem em cada 12 meses pelo menos 3 milhões de crianças,

havendo, no mínimo, 1 milhão de nascimentos ilegítimos por ano.43

Entretanto, não se sabem quantos destes casos tornam-se

disputas jurídicas de paternidade. A necessidade de se estabelecer

relações de paternidade freqüentemente acaba na Justiça. No Brasil, as

prescrições jurídicas para lidar com o problema estão definidas no Código

Civil e no Código de Processo Civil.44

O Código de Processo Civil rege todo o ritual da Ação de

Paternidade. A petição inicial é feita de acordo com os requisitos

estampados nos arts. 282 e 283. Proposta a ação, o réu pode apresentar

nos prazos legais uma contestação de acordo com os arts. 297-302.

Neste estágio, dois argumentos são freqüentemente invocados.45

O primeiro, muito utilizado, é a exceptio plurium concubentium, ou

seja, a argumentação de que a mãe era sexualmente promíscua na época

da concepção, não podendo então atribuir ao réu, com certeza, a

paternidade.46

Essa argumentação, embora cientificamente correta, tem

freqüentemente o efeito de transformar o processo de Investigação de

Paternidade em um julgamento moral da mãe (essa linha de

42 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 142.43 PARADA, O DNA e a lei, op.cit., p. 110.44 Ibid, loc. cit.45 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 110.46 Ibid, loc. cit.

argumentação, felizmente, tornou-se inadequada frente à certeza

apresentada pelas provas periciais dos testes em DNA).47

O segundo é de impossibilidade de paternidade por impotência

sexual, que em teoria pode ser instrumental (por falta de ereção, dita

coeundi) ou esterilidade (impotência generandi).48

Com relação a esse último tópico, do ponto de vista médico,

mesmo a comprovação de azoospermia ou oligospermia severa não

podem ser consideradas absolutas, já que há relatos de concepção

comprovada mesmo nessas situações teoricamente impossíveis.

Vencidas essas etapas o juiz passa, então, à coleta das provas

testemunhais e periciais que vão dar-lhe os subsídios necessários para

prolatar uma sentença.49

Com relação à prova testemunhal, o Código de Processo Civil é

bastante claro: "A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo

a lei de modo diverso".(Art. 400). Entretanto, acredita-se que em

determinação de paternidade a prova testemunhal deva ser avaliada cum

grano salis, já que, como anteriormente mencionado, a concepção ocorre

no interior do corpo da mulher e, assim, não admite testemunhas. Desse

modo, a única maneira realmente eficaz de se comprovar a paternidade é

através da perícia técnica, mais especificamente pelos exames em

DNA.50

47 Ibid, p. 111.48 Ibid, loc.cit.49 Ibid, p. 11250 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 115.

Conforme Almeida (2001)51 o relacionamento sexual é ato singular

e a maior dificuldade das ações investigatórias é como fazer prova dele

na investigação da paternidade. Assim, a essência dessa demanda é a

descoberta do vínculo biológico, como forma de efetivação dos direitos

humanos constitucionais conferidos à criança e ao adolescente da

dignidade da pessoa humana, do respeito, da igualdade, da convivência

familiar e comunitária, dentre outros elencados no artigo 227 da

Constituição Federal, asseverados pelo princípio da identidade biológica

esculpido no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “O

reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,

indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou

seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.

No entanto, essas demandas investigatórias podem sofrer um

desvirtuamento em seu objetivo por serem elaboradas também, mas não

sempre, com o escopo do benefício patrimonial, haja vista o modelo

patrimonialista das relações interpessoais existentes em uma sociedade

capitalista como a brasileira, na qual é constante a preocupação com o

ter, ficando a realização do ser num segundo patamar. Nesse sentido, a

investigação de paternidade é considerada a área jurídica que mais se

presta a aventuras e chantagens.52

Considerando-se que o ato sexual nem sempre pode estar

relacionado ao nascimento de uma criança, há a dificuldade, ou mesmo

impossibilidade de se comprovar de forma direta e física o ato da

51 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 70.52 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit. p. 70.

procriação. No entanto, elas não podem melindrar ou desviar a verdadeira

perspectiva do problema.53

Segundo Sérgio Sobrinho (2003)54 o conhecimento científico foi

transportado para o cenário jurídico, encontrando aplicação nas áreas do

direito de família e criminal, em especial nos casos de investigação de

paternidade, identificação de cadáveres e apuração de crimes, como já

referido. O estudo do DNA e seu emprego na área forense auxiliam muito

na apuração da paternidade, principalmente, na hipótese de falecimento

do suposto pai.

Na área criminal o emprego do DNA é possível mediante aplicação

da Criminalística Biológica, ciência que se ocupa da análise e estudo dos

vestígios biológicos, freqüentemente manchas de sangue e de esperma,

que possibilitam a comparação das características genéticas das

substâncias encontradas nas vítimas e nos suspeitos. As amostras mais

freqüentes nos laboratórios para realização de perícias são: sangue

(líquido ou sob forma de mancha seca), o sêmen (colhido no exsudato

vaginal, peças íntimas ou manchas), os pêlos (nos quais o DNA está

particularmente concentrado na raiz) e os objetos com saliva (a saliva não

contém células, mas nela podem ser encontradas células epiteliais da

cavidade bucal, as quais possuem DNA).55

53 Ibid, p. 71.54 SÈRGIO SOBRINHO, A identificação criminal, op. cit., p. 37.55 SERGIO SOBRINHO, A identificação criminal, op. cit., p. 38

A identificação de pessoas pelo exame de restos cadavéricos é

feita mediante análise de amostras de músculo, osso e polpa dentária

(este em caso de cadáveres carbonizados).56

Não há notícias do emprego do DNA para a identificação civil. No

campo da identificação criminal, apesar de seu emprego ser restrito e

limitado aos países desenvolvidos, é notada uma tendência de ampliação

de seu uso.57

2.4 A ética médica na determinação de paternidade

Defende-se a posição que a perícia de determinação de

paternidade é inalienavelmente um ato médico, alicerçado em

capacitação técnica, mas igualmente em uma capacitação ética. A

atuação desavisada de profissionais inadequadamente formados nos

aspectos éticos e médico-legais pode levar a resultados desastrosos. A

prática da determinação de paternidade deve espelhar a medicina como

um todo e pautar rigidamente o seu trabalho de acordo com cinco

princípios éticos fundamentais: autonomia, privacidade, justiça, igualdade

e qualidade.58

De acordo com o princípio da autonomia, os testes de paternidade

deverão ser estritamente voluntários e a informação resultante deles deve

ser absolutamente pessoal. Seguindo o princípio da privacidade, os

56 Ibid, loc. cit.57 Ibid, p. 39.58 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 174.

resultados dos testes genéticos de determinação de paternidade de um

indivíduo não poderão ser comunicados a nenhuma outra pessoa sem

seu consentimento expresso.59

O princípio da justiça garante que o perito se manterá

absolutamente imparcial na avaliação científica dos resultados dos

exames de paternidade por ele realizados, independente da identidade

das pessoas envolvidas. O princípio da igualdade rege que todas as

perícias serão tratadas com igual seriedade, sem qualquer consideração

de classe sócio-econômica, origem geográfica, raça e religião.

Finalmente, o princípio da qualidade deve assegurar que todos os

exames de paternidade serão feitos com a tecnologia mais moderna

disponível e que os laudos de paternidade oferecidos terão confiabilidade

absoluta.60

2.5 A questão da prova em DNA nos Tribunais

Almeida (2001)61 observa que a noticiada certeza absoluta da

prova genética pelo método DNA gerou uma distorção na

investigação judicial do vínculo genético quanto à valoração do

campo probatório: o juiz passou a ser mero homologador de

laudos periciais, pois ou o laudo exclui a paternidade ou a

confirma. Diante do excessivo valor atribuído ao exame em DNA

59 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 174.60 Ibid, p. 175.61 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p.93.

houve pelos operadores de direito um afastamento das provas

utilizadas (documentais, testemunhais, depoimentos pessoais) no

curso da instrução para a prova pericial em DNA tornar-se especial

dentre as provas destinadas à revelação da verdade biológica.

Nesse sentido, Almeida (2001, p. 94) relata que esse caráter

especial é reconhecido pela jurisprudência, tendo sido decidida a

conversão do feito em diligência para a realização do exame:

(1) “Declaração de nulidade e conversão do feito emdiligência, a fim de ser realizado o necessário examepericial pelo método DNA.. Recurso provido” . (Brasil,TJ/PR, Apelação Cível nº 32.754-0, relator Des. Nasserde MELO, DJ 28/08/1995, p.13. (2) “Sentença quereconheceu a necessidade de provas mais seguras,para a procedência da ação. Prova técnica, comexame sangüíneo, não realizada, mas consideradaindispensável neste caso. Diligência determinada,para a realização do exame hematológico possível(DNA ou HLA), a ser propiciado pelo Poder Público,por ser dever do Estado, de acordo com aConstituição Federal, dar assistência social completae prestativa, a quem dela necessita, e oferecerproteção à família (arts. 203 e 226)” (Brasil, TJ/PR,Apelação Cível nº 32.915-3, relator Des. Nasser deMELLO, DJ 22/05/1995, p. 27).

O mito da prova científica e da posição central do DNA no campo

probatório começou a perder força, e nesse sentido, Almeida (2001, p. 94)

cita:

“I – Pode o magistrado exigir o exame fingerprint - DNA tãosomente naqueles em que após colher exaustivamente todasas provas admissíveis, não conseguir formar seuconvencimento sobre a pretensão deduzida”. (Brasil, STJ,Recurso Especial nº 182.040/MS, relator Min. Bueno deSOUZA, DJU 18/12/1998, p. 366).

Apesar da análise do polimorfismo do DNA ser considerada como

prova de maior importância atualmente, não deve ser vista como infalível

e absoluta, a ponto de tornar o julgador prisioneiro de seus resultados,

sendo perigoso substituir o juízo de valor do pretor por uma única prova.

Dessa forma, torna-se necessário que os julgadores sejam cautelosos e

não desprezem o conjunto dos outros elementos da prova, pois o critério

de apreciação das provas deve considerar o seu conjunto, na conjugação

dos outros elementos de prova.62

A autora considera que, ponderar a análise do campo probatório

não implica negar a validade da comprovação científica da paternidade

biológica obtida com o exame de DNA, pois esta é, indubitavelmente, uma

evidência relevante. Entretanto, não é única, podendo, às vezes, quando

não apresente seriedade no resultado do exame da prova, ser repetido

como contraprova no processo.

Nesse sentido, Franca (1998)63 diz que é aconselhável não

esquecer que os resultados dos laboratórios e dos serviços encarregados

das provas em DNA devem ser sempre avaliados com muito rigor. Esse

controle de qualidade tem de ser periodicamente exigido, para que não se

venha a acreditar em todo e em qualquer resultado de uma prova tão

delicada. Erros em exames da vinculação genética podem ocorrer por

motivos de dificuldade em controlar a técnica, além da falsa identificação

dos examinados, a troca de amostras, o uso de marcadores genéticos

inadequados ou insuficientes, os produtos com prazos vencidos e falha na

leitura, na interpretação e na transcrição dos resultados, levando tais

equívocos a uma exclusão ou inclusão indevida.

62 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 95.63 FRANCA, G. V. de. O vínculo genético da filiação pelo DNA: sua aplicação nos tribunais.1998. In: Âmbito Jurídico, mar/2002. http://www.ambito-juridico.com.br/aj/bio0002.htm.

Para um exame de prova completo há que se permitir a produção

de todo o meio de prova em Direito admitido para demonstrar evidências

de uma paternidade biológica, pelo investigante, ou de contestá-la,

negando-a, pelo investigado.64

Para a autora, o ideal do processo no seu caráter dialético, deverá

conter um conjunto probatório completo, ainda que conflitante, para que

possa permitir ao juiz, da forma mais completa e exaustiva possível,

identificar em tal conjunto que fatos se tenham provado para, à luz dos

mesmos, decidir.

Almeida (2001) ressalta, ainda, que devido a sua historicidade, a

declaração judicial do vínculo paternal passou por sucessivos impactos

nos diversos momentos da evolução do direito brasileiro.65

O primeiro deles caracterizado na ordem normativa, através da

elaboração de leis e da construção doutrinária e jurisprudencial, que

evoluiu da proibição do reconhecimento dos filhos havido fora do

casamento ao tratamento isonômico da prole, proibida qualquer

discriminação ou tratamento desigual (§ 6º do artigo 227 da Constituição

Federal de 1988).66

O segundo advém da seara interdisciplinar retratada pelos avanços

e conquistas da Engenharia Genética, cujo ápice na investigação judicial

da paternidade é o exame pericial em DNA.67

64 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., 9665 ALMEIDA, Investigação de paternidade e DNA, op. cit., p. 141.66 Ibid, loc. cit.67 Ibid, loc. cit..

O terceiro provém do meio sociocultural em que está inserido o

cidadão, cujo núcleo essencial é a família, merecedora de especial

proteção do Estado, nos precisos termos do artigo 226 da Carta Magna.68

68 Ibid, p. 142

3 - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

3.1 O uso do DNA na investigação criminal

O DNA é eficiente e inigualável na identificação criminal, onde a

partir de pequenas amostras orgânicas, (sangue, fio de cabelo, sêmen,

saliva, pele, fezes), coletados no local do crime ou mesmo na vítima,

pode-se identificar o autor pela comparação genética entre o material

obtido na cena criminal e o material padrão coletado do suspeito. Porém,

a credibilidade desses exames depende de normas rígidas que começam

desde a coleta de evidências até a capacitação daquele que colocará a

assinatura no laudo correspondente. 69

Com isso, seria possível condenar um criminoso, auxiliando o

trabalho policial, como também absolver um inocente. O único problema,

é que para se identificar criminosos, é preciso ter suspeitos, pois caso

contrário, não há como comparar o DNA do verdadeiro autor, com o

obtido na cena criminal. Esta realidade poderia ser modificada se

houvessem na polícia, DNA’s arquivados de todas as pessoas existentes

ou pelo menos o material genético de presidiários como ocorre em alguns

países.70

Nos crimes de ordem sexual, o sêmen recuperado nas secreções

na vítima, pode conduzir à identificação do criminoso. Todas as mulheres

devem ser alertadas, em caso de estupro, a tentar obter mínimas

quantidades de pele, cabelos, saliva ou sangue do estuprador.

Pequeníssimas quantidades de tecido (como pele sob as unhas) serão

suficientes para provar um crime. Outros usos do DNA na identificação

humana através da análise direta do DNA resultam na identificação de

cadáveres carbonizados ou em decomposição, além de corpos mutilados

no caso de algum grave acidente, favorecendo a localização breve das

vítimas como também diminuindo o número de indigentes.71

A prova científica é ou não admissível em casos criminais se

estiver apta a provar ou refutar um fato que, considerando a lei aplicável,

poderia ter importância no resultado do caso, se o perito que a apresentar

estiver qualificado, se a informação originou-se de procedimentos

cientificamente aceitáveis e se a potencialidade para preconceito injusto

ou o tempo necessário superarem o valor probatório da informação.72

As evidências baseadas nos teste de DNA serão usadas pela

promotoria para confirmar uma ligação entre a vítima e o acusado. Por

outro lado, as evidências do DNA podem ser mais favoráveis à

defensoria, caso os padrões de DNA possam excluir a associação. Um

acusado que está sendo julgado pela evidência de uma testemunha

ocular pode requisitar um teste de DNA como único meio de provar sua

inocência.73

Nos Estados Unidos, todos os condenados são obrigados a ceder

seu DNA à Justiça, facilitando identificar um assassino que já passou pela

69 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. cit., p. 141.70 Ibid, p. 142.71 TRENT, Introdução à medicina molecular, op. ct.. p. 143.72 Ibid, loc. cit.73 Ibid, loc. cit.

cadeia e tenha reincidido o crime. Infelizmente, este arquivo de DNA’s é

inexistente no Brasil por causa da legislação, que diz que o réu não é

obrigado a fornecer provas contra si mesmo. Apesar da efetividade dos

testes para fins judiciais, bancos de dados genéticos têm suscitado

polêmicas. Defensores dos direitos civis consideram-nos uma intolerável

invasão de privacidade. Além disso, levantam dúvidas sobre o uso público

que o Estado pode fazer de informações tão pessoais.

Alguns Estado já vem utilizando muito essa tecnologia. Existe, por

exemplo, um sistema de origem francesa que permite pesquisas

automatizadas de fichas criminais, impressões digitais e consulta de

banco de dados de DNA em tempo real. Este sistema, denominado

Automated Fingerprints Identification ou simplesmente AFIS, fará parte da

modernização da Policia Federal. Já é utilizado pelas Policias Federais da

França, Noruega, Alemanha e aqui no Brasil pela Polícia Civil apenas nos

estados do Ceará e Rio de Janeiro. Entretanto, aqui, por não ser um

padrão nacional, o sistema não se comunica com a Polícia Federal e nem

com a Polícia Civil de outros estados, obrigando os investigadores a

recorrerem à remota pesquisa manual.

É inegável o beneficio deste sistema e o uso do ácido

desoxirribonucléico na identificação de vítimas de graves acidentes sendo

utilizada pela Prefeitura de Nova Yorque após o incidente de 11 de

setembro de 2001, atentado terrorista contra o monumento histórico

americano denominado World Trade Center.

3.2 Perícias médico-legais

Sérgio Sobrinho (2003)74 afirma que o problema das intervenções

corporais não está regulamentado em nosso Direito, mas é questão que

guarda relação com a prova obtida mediante a realização de perícias, em

especial quanto aos testes com o DNA.

O autor relata que em um seminário realizado em maio de 1994,

promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, com a presença de

professores, peritos e profissionais da área jurídica, foi discutida a

questão do emprego do teste de DNA como prova criminal. Um dos

debatedores, Gomes Filho, afirmou que apesar do alto índice de acerto

dos testes de DNA para identificar criminosos ou inocentar pessoas, não

se devem ignorar os erros na realização e interpretação do teste, devendo

estes, serem submetidos ao controle científico e jurídico.75

Em relação aos controles jurídicos, Gomes Filho76 abordou como

questão nuclear a admissibilidade dos testes com o DNA sob as

disposições constitucionais (art. .5º, LVI) ressaltando que, para a

obtenção de material destinado à realização do confronto pericial, não

podem ser desprezados os direitos fundamentais do investigado ou

acusado, afirmando que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra

si mesmo.77

74 SÉRGIO SOBRINHO, A identificação criminal, op. cit. , p. 40.75 Seminário realizado nos dias 18 e 19 do mês de 1994, promovido pela Ordem dos Advogadosdo Brasil, Secção de São Paulo, com apoio das Faculdades Metropolitanas Unidas.76 O teste de DNA como prova criminal. BollBCCrIm 18/1, jul. 1994.77 SÉRGIO SOBRINHO, A identificação criminal, op. cit., p. 40.

O inciso X do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação” .78

A norma constitucional consagra os direitos à intimidade e à

privacidade como direitos fundamentais do ser humano, garantindo,

inclusive, a possibilidade de indenização pelos danos decorrentes da sua

violação. A questão que se apresenta é a seguinte: a realização do

exame de DNA sem autorização da vítima, para elucidação da autoria

e/ou materialidade delitivas, constitui violação aos direitos à privacidade e

à intimidade do paciente?

Fala ainda a Constituição Federal:

Art 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estados democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana (ver arts. 5°; 34,VII, b)

Estes artigos falam da dignidade da pessoa humana. O art. 1°,

inciso III, CF, garante a dignidade da pessoa humana. O 34 fala que a

União não intervirá nos estados nem no Distrito federal, exceto para: no

inc VII, letra "b" dizer: Assegurar a observância do seguinte princípio: b)

direitos da pessoa humana.

Por outro lado, cumpre-se obtemperar que o Estado Democrático

de Direito tem como uma de suas bases o jus puniendi, que consiste no

78 Constituição Federal da República Federativa do Brasil (Publicada no DOU em 15/01/1988)

direito do Estado de processar e julgar aqueles que se insurgem contra as

normas penais previamente determinadas, a fim de garantir a punição e a

ressocialização do infrator como forma de manter a ordem jurídica e

social.

Sem dúvida, a celeuma em questão gira em torno de um evidente

conflito de interesses aparentemente equivalentes, que demanda uma

análise valorativa de ambos os direitos em jogo: o direito de punir do

Estado e os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade. A

natureza dos direitos à intimidade e à privacidade é eminentemente

privada, individual, enquanto o jus puniendi tem natureza de direito

público.

O Direito Penal regula as relações do indivíduo com a sociedade.

Por isso, não pertence ao Direito Privado, mas sim ao Público. Quando o

sujeito pratica um delito, estabelece-se uma relação jurídica entre ele e o

Estado. Surge o jus puniendi, que é o direito que tem o Estado de atuar

sobre os delinqüentes na defesa da sociedade contra o crime. Sob outro

aspecto, o violador da norma penal tem o direito de liberdade, que

consiste em não ser punido fora dos casos previstos pelas leis

estabelecidas pelos órgãos competentes e a obrigação de não impedir a

aplicação das sanções. Como se nota, o Direito Penal regula relações

jurídicas em que de um lado surge o Estado com o jus puniendi, o que lhe

dá o caráter de Direito Público.

Observe-se que em nome da defesa da sociedade, o Estado se

impõe na esfera individual do cidadão, inclusive com o cerceamento da

(atualizada até a EC nº 31 de 14.12.2000).

sua liberdade, quando após a conclusão do procedimento judicial,

conclui-se pela responsabilização penal do indivíduo. Pode-se observar

que até mesmo os direitos fundamentais são relativos, ou seja, sofrem

restrições estabelecidas pela própria lei. Os direitos à intimidade e à

privacidade do indivíduo sofrem mitigação ante a necessidade de se

aplicar a norma penal. Sendo a violação de tais direitos a única forma de

se garantir ao Estado o direito de punir, há que se optar por ela,

valorando-se o Direito Público em situação de prevalência sobre o

Privado.

Em suma, na esfera penal, tratando-se de crimes cuja elucidação

dependa da realização de exame de DNA e exista a negativa do detentor

do material biológico em fornecer a respectiva amostra, deve-se proceder

a uma valoração cuidadosa e lúcida dos interesses envolvidos. Estando

em choque os direitos individuais à intimidade e à privacidade e a

necessidade de se elucidar um crime, que caracteriza o direito/dever do

Estado à persecução penal, havendo indícios suficientes de autoria e

materialidade, deve prevalecer o interesse público, sendo perfeitamente

possível a determinação de busca e apreensão de material biológico apto

à realização do exame de DNA, sem a autorização do investigante, desde

que já desmembrado do corpo humano, como, por exemplo, fios de

cabelo, tocos de cigarro, roupas íntimas, etc.

Todo o exame médico promovido por autoridade policial ou

judiciária, praticado por um profissional de Medicina visando prestar

esclarecimentos à Justiça, denomina-se perícia ou diligência médico-

legal. Perícia ou diligência médico-legal é, dessa forma, toda sindicância

praticada por um médico, objetivando esclarecer à Justiça os fatos de

natureza específica e caráter permanente, em cumprimento à

determinação de autoridades competentes. A autoridade policial ou

judicial recorrerá ao profissional de Medicina, toda vez que numa ação

penal ou civil lhe deva ser esclarecido um fato médico.79

Sobre as pessoas, as perícias visam determinar a identidade,

idade, raça, sexo, altura, diagnosticar prenhez, parto ou puerpério, lesão

corporal, sociopatias, estupro, doenças venéreas, paternidade, doença e

retardamento mental, envenenamentos, intoxicações, doenças

profissionais e acidentes do trabalho. Nos cadáveres diagnostica a

realidade, causa jurídica, tempo da morte, identificação do morto,

diferencia lesões intra vitam e post mortem; realiza exames toxicológicos

das vísceras do morto; procede à exumação; extrai projéteis.80

Conforme citado anteriormente, nos objetos e instrumentos, tem

por finalidade, a pesquisa de pêlos, levantamento de impressões digitais,

exames de armas e projéteis e caracterização de agentes vulnerantes e

de manchas de saliva, colostro, esperma, sangue, líquido aminiótico e

urina nos panos, móveis e utensílios. A falta de exame pericial nos

instrumentos do crime não contamina de nulidade o feito, podendo ser

suprida por outras provas; inaplicável in casu o art. 175 do Código de

Processo Penal.81

As perícias se procedem mediante exames médico e psicológico,

necropsia, exumação e de laboratório. As autoridades podem requisitar a

79 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 199.80 Ibid, loc. cit.81 Ibid, p. 201.

perícia ao foro criminal para exames da vítima, do indiciado, das

testemunhas ou do jurado e do local do crime; ao foro civil, para exames

físicos e mentais, de “erro essencial” e avaliação da capacidade civil; ao

foro do acidente do trabalho, para julgar a existência de nexos, de

incapacidade, insalubridade, indenizações etc.82

O exame de corpo delito pode ser solicitado diretamente ao perito

pela autoridade policial encarregada da sindicância, do inquérito ou da

diligência, pelo Juiz de Direito à frente do processo e pela autoridade

militar onde o fato ocorreu, nunca, porém, pelo advogado procurador da

parte interessada.83

3.2.1 Realização da perícia

Procede-se à realização do exame de corpo delito por todos os

peritos, o mais breve possível para evitar que ocorra o apagamento de

vestígios do crime. É vantajoso o exame de corpo de delito realizado por

todos os peritos concomitantemente, aos quais é facultado utilizar todos

os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações,

solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições

públicas, bem como anexar qualquer escrito utilizável para consulta,

estudo, prova, e instruir o laudo com plantas, desenhos, esquemas

testemunhais microfotográficos, e outras quaisquer peças que lhe

82 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 205.83 Ibid, p. 206.

parecerem interessantes para a elucidação do caso (arts. 165, 169, 170

do CPP e art. 429 do CPC).84

3.2.2 Corpo de delito

Enquanto o exame de corpo de delito registra no laudo a

existência e a realidade do delito, o corpo de delito é o próprio

crime na sua tipicidade. É o resultado redigido e autuado da

perícia, tendo como objetivo evidenciar a realidade da infração

penal e demonstrar a culpabilidade ou não do agente. É também

o conjunto de vestígios materiais deixados pelo criminoso que

podem ser de natureza permanente (delicta factis permanentis),

ou transeunte (delicta factis transeuntis).85

O exame de corpo de delito é dito direto quando persistem os

vestígios da infração (homicídio, lesão corporal), e indireto quando esses

vestígios materiais da infração inexistem, como na injúria verbal,

desacato, rubefação.86

Nas infrações que deixam vestígios, o art. 158 do Diploma Adjetivo

Penal estatui a obrigatoriedade à elaboração de laudo por peritos.

Efetivamente, a falta do exame de corpo de delito direto ou a sua

elaboração fora do referido permissivo legal faz nula a prova de

materialidade do fato criminoso, sendo vício insanável que não pode ser

suprido nem mesmo pela confissão do acusado. “Somente o exame de

84 Ibid, loc. cit.85 PARADA, O DNA e a lei, op.cit., 207.

corpo de delito poderá comprovar a materialidade do crime de lesões

corporais” (RT, 457:445).87

3.2.3 Exame de corpo de delito (lesão corporal)

No caso de se realizar um exame de corpo de delito numa vítima

com lesões corporais, deve-se observar:

Se há ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente; qual o

instrumento ou meio que produziu a ofensa; se foi produzida por meio de

veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso e

cruel (resposta especificada); se resultou incapacidade para as

ocupações habituais por mais de 30 dias; se resultou perigo de vida; se

resultou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro,

sentido ou função (resposta especificada); se resultou incapacidade para

o trabalho ou enfermidade incurável, ou deformidade permanente

(resposta especificada); nos casos indicados, será formulado mais o

seguinte quesito: se resultou aceleração de parto ou aborto.88

86 Ibid, loc. cit.87 Ibid, loc. cit.88 PARADA, O DNA e a lei, op. cit., p. 208.

4 – SUGESTÕES PARA O USO DA EVIDÊNCIA PELO DNA - COMITÊ

SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE (1999)

Considerando-se a importância da tipagem do DNA tanto em casos

civis quanto criminais, o juiz deve determinar antes de permitir que a

evidência pelo DNA seja apresentada, que padrões adequados tenham

sido considerados, que os testes tenham sido adequadamente realizados

por um laboratório confiável e que os protocolos apropriados para tipagem

do DNA e formulação de opinião tenham sido totalmente obedecidos. Em

estados que carecem de estatutos pertinentes, o Comitê recomenda que

o Tribunal observe judicialmente a adequação da base teórica da tipagem

do DNA usando esse relatório, relatórios semelhantes e casos legais.

Quando métodos novos forem usados, os Tribunais terão que se

assegurar de sua validade.89

O problema que o Tribunal terá que focalizar quando da

abordagem com teste padrão, não é a teoria científica em geral, mas a

aplicação real. Interrogatórios in limine podem ser encurtados por

cláusulas, intercâmbio de dados pelas partes e interrogatórios antes do

julgamento, evitando demora desnecessária. Na ausência de objeções

específicas e procedimentos laboratoriais, um Tribunal pode confiar na

evidência de credenciamento e certificações, nos antecedentes relativos à

adequação dos testes pelo laboratório e outras garantias de que a prática

89 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE: UMAATUALIZAÇÃO; CONSELHO DE BIOLOGIA; COMISSÃO SOBRE CIÊNCIA DA VIDA;CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA. A tecnologia do DNA na ciência forense, 1999.Tradução F. A. Moura Duarte. p.153-154

é cuidadosa. Não é necessário, nesse estágio de desenvolvimento de

tipagem do DNA, realizar interrogatórios extensos sobre admissibilidade

das técnicas científicas em geral, embora ainda surjam casos em que os

procedimentos usados para relatar uma combinação são questionados.90

Talvez seja necessário, em certos casos, decidir previamente se

um especialista terá permissão para caracterizar a probabilidade de uma

combinação em termos matemáticos. O uso da regra do produto (que

presume a independência da distribuição da freqüência das sondas de

locus único, e é o método pelo qual a situação de probabilidade é

gerada) é controverso. Os Tribunais devem manter uma abordagem

conservadora com relação às hipóteses subjacentes ao uso da regra do

produto. Nesses casos, é recomendado um grau considerável de

discrição e controle.91

Em geral, desde que tais cuidados sejam tomados, a

admissibilidade da tipagem do DNA deve ser encorajada. Não existem

controvérsias substanciais sobre os princípios científicos fundamentais.

Entretanto, a adequação dos procedimentos laboratoriais e a competência

dos especialistas que testemunham devem permanecer abertas a

averiguações. A evidência pela tipagem em DNA deve ser usada sem

quaisquer inconvenientes maiores que os apresentados pela evidência

através das impressões digitais tradicionais.92

90 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 153-154.91 Ibid, loc. cit.

92 Ibid, loc. cit.

4.1 Evidência pelo DNA e as várias partes do sistema legal

4.1.1 O júri

O Comitê (1999) relata que, quando possível, o juiz deve

questionar os especialistas em DNA com o objetivo de ajudar o júri, pois

este pode superestimar ou subestimar a evidência científica. O juiz pode

explicar ao júri a função dos especialistas e o papel do júri ao avaliar as

opiniões desses especialistas.93

Quando as declarações de probabilidade forem admissíveis, não

se deve esperar que o juiz instrua o júri detalhadamente sobre como as

probabilidades são computadas ou sobre como as probabilidades

disponíveis, após uma análise de material contendo DNA, deveriam ser

combinadas com estimativas de probabilidade baseadas em depoimentos

mais tradicionais e em outras evidências. É melhor deixar esses assuntos

para os especialistas e para os advogados no resumo final. O Tribunal

deve encorajar o uso de gráficos, relatórios escritos e cópias de materiais

em que os especialistas confiam, de forma que o júri possa estar tão bem

instruído quanto possível sobre a avaliação da evidência pela tipagem do

DNA. Com essa finalidade, o Tribunal deve exigir que os termos técnicos

sejam reduzidos à linguagem leiga compreensível e que as informações

científicas sejam apresentadas ao júri da forma menos confusa possível.94

Formulários especiais para as acusações não são necessários. A

tipagem do DNA pode ser avaliada dentro da estrutura de trabalho normal

93 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 154-155.94 Ibid, loc. cit.

do laboratório forense e pode ser prontamente manuseada com os

regulamentos e os formulários atuais da acusação.95

4.1.2 O promotor

O promotor trabalhará em conjunto com os investigadores e terá

acesso a laboratórios forenses adequadamente organizados e equipados.

O promotor deve supervisionar cuidadosamente as atividades da

investigação para ter certeza de que a evidência pela tipagem do DNA

será admissível, se provar ser relevante.96

O promotor tem a grande responsabilidade de revelar

integralmente aos advogados de defesa e aos especialistas contratados

pelo réu, todo material que possa ser necessário para avaliar as

evidências. Isso inclui informações sobre testes comprovadamente

inconclusivos, testes refeitos e sobre testes com outras pessoas.

Recomenda-se a adoção de regulamentos ou estatutos que exijam que o

promotor envolva, o quanto antes, a defesa na análise das amostras de

DNA.97

O Comitê98 recomenda ir além do que exigido pelos regulamentos

federais sobre procedimentos criminais e civis com relação às revelações

sobre as evidências pelo DNA. Por exemplo, papéis e outros materiais

contendo dados obtidos de especialistas não convocados a depor, devem

95 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 153.96 Ibid, loc. Cit.97 Ibid, loc. cit.98 Ibid, loc. cit.

ficar livremente à disposição sem a necessidade de moções isoladas,

porque tais materiais são importantes para a avaliação da evidência

científica no caso de tipagem do DNA. Essa troca livre de informações,

incluindo acesso aos bancos de dados e a amostras do DNA-prova, deve

aplicar-se a especialistas da defesa e da acusação tanto em casos

criminais quanto civis.

4.1.3 A defesa

Os advogados da defesa devem ser adequadamente assistidos

pelos especialistas, mesmo quando a admissibilidade dos resultados das

técnicas analíticas não esteja sendo questionada, porque ainda existe a

necessidade de revisar a qualidade do trabalho laboratorial e a

interpretação dos resultados. Quando um promotor propõe usar a

evidência por tipagem do DNA, ou quando ela foi usada na investigação

do caso, um perito deve ficar rotineiramente à disposição de réu ou ré. Se

necessário, ele ou ela deve ter oportunidade de solicitar ajuda financeira

para contratar os peritos no início dos estágios de depoimento sem

demonstrar relações que poderiam revelar a estratégia do julgamento.

Sempre que possível, uma parte da amostra de DNA deve ser preservada

para análise independente da defesa.99

O promotor deve revelar prontamente aos advogados da defesa

que o DNA estará envolvido na investigação e que estará disponível para

análise durante o julgamento. Normalmente, o sistema de justiça criminal

não providenciará a nomeação de um advogado ou o pagamento de

peritos enquanto o réu não for preso ou acusado. Quando uma amostra

de tecido do réu se fizer necessária para a tipagem do DNA, deverá ser

possível solicitar especialistas em DNA ao tribunal, mesmo antes de a

prisão ser efetuada.100

A pesar de os jurados serem relativamente independentes, o

Tribunal exerce influência através das limitações à admissibilidade da

evidência e à forma de sua apresentação, assim como promovendo uma

série de esclarecimentos. A evidência pelo DNA, como outras evidências

científicas e estatísticas, pode representar problemas especiais à

compreensão do júri. Tribunais e advogados devem cooperar para facilitar

essa compreensão. Técnicas inovadoras como permitir que os jurados

tomem notas ou façam perguntas poderiam ser consideradas. Jargão

deve ser evitado e a informação deve ser apresentada simples, clara e

honestamente. A menos que limitados pela lei ou pelos regulamentos do

Tribunal, os juízes devem ter liberdade para fazer perguntas às

testemunhas quando acharem que as respostas podem esclarecer o

depoimento. Relatórios e materiais pertinentes devem ser incluídos nas

evidências, de forma que possam ser estudados pelos tribunais quando

oportuno. Finalmente, um juiz não estaria errado se intuísse os

advogados a incluir jurados com antecedentes que aumentem sua

capacidade de compreender o depoimento do perito.101

4.2 Resumo das recomendações 99 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 155-156.100 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 155-156.101 Ibid, loc. cit.

Tendo revisto cuidadosamente as questões, o Comitê oferece as

recomendações:102

• Os Tribunais devem reconhecer judicialmente os três fundamentos

científicos da tipagem do DNA:

O estudo dos polimorfismos do DNA pode, em princípio, fornecer

um método confiável para comparar amostras;

O DNA de cada pessoa é único (exceto nos gêmeos idênticos),

embora o poder de discriminação real de qualquer teste de DNA dependa

dos sítios de variação no DNA que foram examinados;

O procedimento atual dos laboratórios para detectar variação no

DNA (especificamente, sondas de lócus único analisadas em Southern

blots sem evidência de desvio de banda) é fundamentalmente idôneo,

embora a validade de qualquer implementação em particular do

procedimento básico dependa de caracterização adequada da

reprodutibilidade do sistema (por exemplo, variações nas medidas) e da

inclusão de todos os controles científicos necessários.

• A adequação do método usado para obter e analisar amostras em

um dado caso influencia a admissibilidade da evidência e deve, a

menos que seja estipulado, ser avaliada caso a caso. Nessa

avaliação, o credenciamento e o status de certificação do

102 COMITÊ SOBRE TECNOLOGIA DO DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 158.

laboratório que realiza a análise devem ser levados em

consideração.

• Devido ao potencial da evidência pelo DNA, as autoridades devem

arrecadar fundos disponíveis para pagar peritos para servirem de

testemunhas e as partes devem ser informadas sobre o uso dessa

evidência, tão logo seja possível.

• Todos os dados e registros laboratoriais gerados pela análise das

amostras de DNA devem ser colocados livremente à disposição de

todas as partes. Tal acesso é essencial para avaliar a análise.

• As normas de proteção devem ser usadas apenas para proteger a

privacidade das pessoas envolvidas.

5. A PROVA DO DNA NO SISTEMA LEGAL – COMITÊ SOBRE DNA NA

CIÊNCIA FORENSE (2001)

Todos os métodos forenses para individualização exigem

habilidade para combinar amostras com precisão razoável no que se

refere às características que podem ajudar a diferenciar as origens. Para

que tais provas sejam úteis em Juízo, procedimentos cientificamente

aceitáveis devem proporcionar medidas e comparações confiáveis das

características físicas. Da mesma forma, uma base científica deve existir

para garantir que comparações adequadamente realizadas possam

distinguir possíveis origens.103

A prova científica é ou não admissível em casos criminais se

estiver apta a provar ou refutar um fato que, considerando a lei aplicável,

poderia ter importância no resultado do caso, se a informação originou-se

de procedimentos cientificamente aceitáveis e se a potencialidade para

preconceito injusto ou o tempo necessário superarem substancialmente o

valor probatório da informação. 104

5.1 O direito do réu ao contraditório

103 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE: UMA ATUALIZAÇÃO; COMISSÃOSOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE: UMA ATUALIZAÇÃO; CONSELHO NACIONAL DEPESQUISA. a avaliação do DNA como prova forense. Tradução F.A. Duarte et al., 2001. p.190.104 Ibid, p. 191.

O relatório de 1992 do National Research Council (NRC) (Conselho

Nacional de Pesquisa) afirmou que “todos os dados e registros de

laboratório gerados pela análise de amostras de DNA devem permanecer

totalmente à disposição de todas as partes” (NRC, 1992. 157) e explicou

que “toda informação relevante ... pode incluir material original, relatórios

contendo dados, protocolos de software e informações não publicadas

sobre bancos de dados” (NRC, 1992, p. 158). Certamente, não existem

justificativas estritamente científicas para sonegar informações no

processo do contraditório.105

As regras do contraditório determinam as circunstâncias sob as

quais um réu pode exigir a apresentação dos registros. Como muitas

questões técnicas, científicas e estatísticas afetam o uso do DNA como

prova, haverá casos em que os réus argumentarão que, sem informações

abrangentes e detalhadas, serão incapazes de se preparar

adequadamente para o julgamento. Embora alguns tribunais tenham

determinado contraditório liberal, promover acesso à documentação e à

informação ampliaria o escopo do contraditório em algumas jurisdições.

Apesar de alguns Tribunais terem determinado contraditório liberal com

relação no teste do DNA, outros Tribunais assumiram uma abordagem

mais restritiva. Em jurisdições que interpretam as regras relativas ao

contraditório como aplicáveis somente a relatórios escritos, a defesa não

pode obter contradita dos registros do laboratório, se quem examinou o

DNA não apresentou um relatório por escrito ou não incorporou o assunto

105 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 192.

no relatório, mesmo tendo feito um relatório verbal. O Comitê recomenda

que todos os aspectos do teste do DNA sejam amplamente

documentados, por ser um valioso instrumento quando essa

documentação precisa ser contradita antes do julgamento.106

5.2 Peritos

Os peritos que apresentam e interpretam os resultados dos testes

do DNA devem ser qualificados. Não existe um limiar bem definido de

conhecimento ou instrução que uma testemunha deva atingir para poder

ser qualificada como um perito. A questão é se tem conhecimento

suficiente para mostrar que sua opinião ou inferência ajudarão quem julga

a encontrar a verdade.107

Como a identificação do DNA pode envolver depoimentos

relacionados a achados laboratoriais, interpretação estatística desses

achados e princípios subjacentes da biologia molecular, pode ser

necessário conhecimento em várias áreas. Quando não se tem esse

conhecimento, mais de um perito pode ser necessário para

testemunhar.108

Apesar disso, se casos anteriores estabelecerem que os

procedimentos de teste e estimativa são legalmente aceitáveis e

se as computações forem essencialmente mecânicas, então não

106 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 192-193.107 Ibid, p. 193.108 Ibid, p. 194.

será essencial perícia estatística altamente especializada.

Estimativas razoáveis de freqüências de alelos em grupos

populacionais importantes podem ser obtidas a partir de

referências padrão, e muitos peritos quantitativamente instruídos

poderiam usar as fórmulas adequadas. As limitações do

conhecimento de um técnico que aplica um processo estatístico

geralmente aceito, podem ser exploradas em exame cruzado e, se

as questões graves surgirem, outros especialistas bem informados

podem ser chamados para resolver essas questões.109

Além de ouvir os depoimentos dos peritos convocados pelas

partes, os juízes podem indicar peritos para lhes prestar informações, e

não às partes.

Os juizes podem tentar diminuir as diferenças entre peritos opostos

através de várias técnicas. Podem orientá-los como tratar certas questões

em seus relatórios ou resumos dos depoimentos pré-julgamento. Após

intercâmbio destes, podem então, instruir cada lado a identificar todas as

declarações contidas nas opiniões que causem controvérsia e explicar o

motivo do desacordo. As controvérsias podem ser ainda mais diminuídas

durante uma reunião que preceda o julgamento. Procedimentos como

esse, podem persuadir peritos em estatística a fornecer a melhor

estimativa dentro de uma faixa de estimativas, de forma que os júris

tenham um melhor sentido do grau de discordância entre os dois lados.

Mesmo que os peritos respondam que ainda não se sabe o suficiente

109 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 104.

para fazer uma estimativa estatisticamente válida, os Tribunais terão

obtido informações adicionais.110

Ter mais informações pode ajudar os Tribunais a resolver

contestações quanto à admissibilidade dos depoimentos dos peritos e

pode capacitá-los a fazer planos mais efetivos de como esses

depoimentos devem ser utilizados durante o julgamento.111

5.3 Os métodos de tipagem – determinação dos perfis pelo

VNTR

O reconhecimento judicial da aceitação científica dos fundamentos

da análise do DNA é compatível com a conclusão do Comitê, de que

métodos de análise do DNA estão firmemente sedimentados na biologia

molecular. Quando a determinação dos perfis pelos VNTRs é feita com os

devidos cuidados, os resultados são altamente reprodutíveis e

comparações de quatro ou mais locos quase certamente excluem

indivíduos inocentes. Alguns Tribunais rejeitaram as combinações VNTR

por precaução em relação à interpretação estatística das semelhanças

dos perfis, mas parece haver pouca dúvida nos Tribunais, assim como

nos laboratórios, de que a determinação dos perfis através do VNTR seja

um procedimento cientificamente aceitável que ajuda a identificar a

origem de certos materiais biológicos.112

110 Ibid, loc. cit.111 Ibid, p. 195.112 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 201.

Os mapas das repetições de variantes de minissatélites não

envolvem o tamanho real das bandas individuais. Assim, este enfoque de

código de barra tem grande atrativo na tipagem forense. Códigos mais

complexos podem ser obtidos pela caracterização de outros loci de

minissatélites. A contribuição de alelos individuais pode ser determinada

fazendo um estudo familiar para distinguir os dois códigos de genitores. A

amplificação do DNS pela reação em cadeia da polimerase será

necessária e, assim mesmo, as amostras forenses degradadas poderão

ser usadas.113

A questão da contaminação e seu efeito no código de barra ainda

está por ser resolvida. As misturas de DNA não serão um problema. Elas

serão solucionadas pela determinação do código do DNA da vítima e,

então, subtraindo isto do perfil da mistura para identificar o código de

barra específico do DNA do suspeito. 114

A tipagem digital do DNA precisa ser avaliada cuidadosamente no

contexto do cenário forense. Em vista de a medida dos fragmentos não

ser mais necessária, isso evita as críticas e defeitos dos procedimentos

de tipagem do DNA. As comparações interlaboratoriais também serão

possíveis, o que permitirá a disponibilidade de um programa mais objetivo

de garantia de qualidade. A informação do DNA não indica que uma

pessoa é culpada; é uma simples evidência, cujo valor será evidenciado

pelo cuidado e modo pelo qual foi obtida.115

113 Ibid, 202.114 COMITÊ SOBRE DNA NA CIÊNCIA FORENSE, op. cit., p. 202.

115 Ibid, loc.cit.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tecnologia do DNA já encontrou importantes aplicações no

campo das investigações criminais e do reconhecimento de relações

familiares. Atualmente, vários países empregam essa técnica, e seu valor

na identificação dos indivíduos já foi reconhecido por juízes em diversos

julgamentos.

Sempre que um agressor deixa qualquer amostra de seu corpo na

cena do crime ou na vítima, há a possibilidade de se identificar

positivamente a amostra biológica com um suspeito, através da análise de

um dos sistemas que detectam as variações do DNA.

Assim, casos de estupros podem ser resolvidos obtendo-se o DNA

a partir de gotas de sangue, bulbos capilares ou resíduos de esperma, e

na comparação dos resultados com os suspeitos do crime.

A prova em DNA constitui uma importante contribuição à

hegemonia médico-legal, desde que esteja firmada cientificamente, tenha

respostas para as dúvidas que ainda restam e disponha de uma rotina de

previsão de erros. Torna-se imprescindível que os laboratórios sejam

submetidos a controle de qualidade, que conte com um banco de dados

de freqüência populacional e que em caso de exclusão ou inclusão,

confira com outros tipos de exame genéticos diferentes.

Além disso, os resultados dos laboratórios e dos serviços

encarregados das provas em DNA devem ser sempre avaliados com

muito rigor para que não se venha a acreditar em todo e qualquer

resultado de uma prova tão delicada.

É importante mencionar, que as partes envolvidas na investigação

do vínculo genético, devem concordar quanto ao exame. A metodologia

de coleta e a análise das amostras devem ser avaliadas em cada caso; a

defesa tem o direito de acesso a todos os dados e registros laboratoriais

decorrentes dos exames; os laboratórios privados não podem ocultar

informações sobre os resultados obtidos e métodos empregados,

alegando segredo industrial.

Ao avaliar os teste é importante que os Tribunais mostrem-se

cautelosos, não desprezando o conjunto dos outros elementos probantes

e usando tais resultados como um referencial probatório a mais.

É interessante mencionar que os Tribunais americanos passaram a

considerar os testes de DNA como elemento probatório adicional e não

como prova definitiva, inclusive permitindo o contraditório. Os analistas

desses resultados devem entender que, mesmo sendo o alvo da proposta

a identificação de características genéticas de um indivíduo ou de seu

grupo familiar, há probabilidade de enganos, e que isso pode se traduzir

em prejuízos irreparáveis. Qualquer que seja o tipo de ação judicial, o que

interessa ao julgador é a serenidade na sua decisão a partir de provas

concretas e sem probabilidades de equívocos, lembrando que diante da

dúvida, o réu deve ser beneficiado.

Qualquer pessoa tem o direito de preservar sua integridade física.

Não existe nenhuma lei em nossa legislação que obrigue o investigado a

se submeter à perícia hematológica. Assim, não há como o Estado obrigar

alguém a fazer o exame, mas, a negativa pode ser interpretada na justiça.

Ao negar, a pessoa cria em desfavor a ela uma atmosfera que permite a

conclusão de que se não há interesse em fazer o exame é porque há o

temor pelo resultado dele.

Essa negativa é comportamento processual que pode se tornar

uma prova indiciária contra o interesse da pessoa que não quer se

submeter ao exame.

Constituição Federal:

Art 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estados democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana (ver arts 5°; 34,VII, b)

Estes artigos falam da dignidade da pessoa humana. O art. 1°,

inciso III, CF, garante a dignidade da pessoa humana. O 34 fala que a

União não intervirá nos estados nem no Distrito federal, exceto para: no

inc VII, letra "b" dizer: Assegurar a observância do seguinte princípio: b)

direitos da pessoa humana.

Observa-se neste texto que a Carta Magma assegura que o a

União garante que não se pode utilizar o teste de DNA além dos limites

que balizam a dignidade humana, ou seja, seria um argumento referencial

para se coibir eventuais usos indiscriminados.

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