cura ou loucura?
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JORNAL DA
25MAI12
EXCLUSIVO: JÚNIOR CIGANO FALA SOBRE 1ª DEFESA DE TÍTULO NO UFC pág. 14
Cura ou loucura?
Fundação Dr. Jesus, em Candeias, é acusada de utilizar procedimentos questionáveis na recuperação de vi-ciados em drogas. Conselho Regio-nal de Psicologia condena métodos antiquados e denuncia desmandos e violações gravíssimas dos direitos humanos. Págs. 4 a 6
NO UFC pág. 14
MANUELA CAVADAS
DARIO GUIMARÃES
Salvador, 25 de maio de 20124
bahiabahia@jornaldametropole.com.br
“Hospital para drogados”Em frente à sede, uma placa informa que ali funciona
o “1º hospital para drogados do país, na Bahia”. Para
o presidente da Amea, Josueliton Souza, não há
técnicos no lugar.
Cura para homossexuaisA Fundação Dr. Jesus também se propõe à cura de
homossexuais. No blog da instituição, uma enquete
chama a orientação de “doença”, “status” e “forma de
zombar da existência de Deus”.
Dr. Jesus põe internos na via crucis
O BEM CUIDADO jardim de entrada da Fundação
Dr. Jesus, que recebe dependentes químicos de toda a
Bahia em Candeias, a 52 km de Salvador, esconde a du-
reza do tratamento a que internos seriam submetidos,
de acordo com denúncias de diversas entidades. No
ambiente, ao qual o Jornal da Metrópole teve acesso,
placas com advertências são os primeiros indícios de
que a vida dos que ali são colocados não é fácil. “Não
pise na grama, sujeito a camisa vermelha”, diz um le-
treiro, não elucidado por um interno questionado so-
bre o significado. A explicação quem dá é Josueliton
Souza, diretor presidente da Associação Metamorfose
Ambulante (Amea), ligada ao Conselho Regional de
Psicologia da 3ª Região (CR-03). Segundo ele, o lem-
brete significa ‘isolamento’. Ele conta ainda que há
outras camisas, com diferentes graus de punição, rela-
cionadas a racionamento alimentar. “A cor determina
a quantidade de comida. A vermelha significa não tê-
-la; a amarela, uma refeição por dia; a verde, duas; e a
branca, três”, denuncia. Há muitos anos acompanhan-
do a situação da Dr. Jesus e de outras ‘comunidades
terapêuticas’ do estado, Josueliton assegura: há inter-
nos que “cavam a própria cova” como forma de tratar
o vício e, não raro, desaparecem ao deixar a entidade.
Ao todo, 1.092 pessoas vivem nas três unidades da
Fundação Dr. Jesus, todas às margens da BR-324. Fun-
dada há 11 anos, a instituição, comandada pelo depu-
tado estadual Pastor Sargento Isidório (PSB), trata de-
pendentes químicos, internados voluntariamente ou
encaminhados pelos pais. A administração diz contar
com psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, pro-
fessores de Educação Física e um médico de plantão,
além de líderes espirituais. No entanto, para órgãos
reguladores e associações que visitaram a entidade, o
internamento não passa de um ‘encarceramento’, que
converte os internos à religião pentecostal à base de
maus tratos, espancamentos, tortura psicológica e vio-
lação dos direitos humanos.
Internos seriam torturados e privados de alimentação; entidades denunciam violação dos direitos humanos
Texto Clarissa PachecoColaborou Felipe Paranhos e Sara Régisclarissa.pacheco@jornaldametropole.com.brfelipe.paranhos@metro1.com.br
Internos enfrentam regime de orações e pregação diária dentro da Fundação
Fotos Darío Guimarães
Salvador, 25 de maio de 2012 5
bahiabahia@jornaldametropole.com.br
Desde Valmir AssunçãoOs repasses para a Dr. Jesus acontecem desde a administração
de Valmir Assunção (PT), na Sedes, em 2009. Dos R$ 4 mil, em
média, que a instituição recebe por interno a cada convênio, há
denúncias de que os gastos não alcancem nem R$ 500.
Em visita à sede da Fundação
Dr. Jesus, a equipe do Jornal da Metrópole pôde observar uma par-
cela do dia a dia no local. Segundo
um rapaz que disse fazer parte da
administração, candidatos a vagas
chegam todos os dias. Na parte
exterior, TVs transmitem cultos
enquanto alguns internos perma-
necem de joelhos ou com bíblias
em mãos. Em uma sala de reuniões,
uma psicóloga recebe possíveis
pacientes e responsáveis para uma
pequena palestra sobre a importân-
cia de ‘querer’ abandonar o vício.
Em seguida, uma espécie de ‘conse-
lheira espiritual’ assume o processo,
que evolui para uma pregação reli-
giosa voltada para as punições divi-
nas aos usuários de drogas.
As punições, de acordo com
denúncias, não ficam somente aí.
Segundo o coordenador da Comis-
são de Direitos Humanos do Con-
selho Regional de Psicologia da 3ª
Região (CR-03), Carlos Vinícius
Melo, a formatação do tratamento
segue um viés teológico, embora
os serviços de psicologia, nestes
ambientes, fossem proibidos pela
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) até pouco tem-
po. “O serviço que deve ser pres-
tado para dependentes de subs-
tâncias psicoativas precisa de um
aparato médico e científico. Mas,
normalmente, os métodos utiliza-
dos lá são de orações, punições, e
algumas chegam à violência físi-
ca”, denuncia.
DOs
de
méd
den
De joelhos
Todos os dias, 30 a 40 candidatos chegam à Fundação buscando uma vaga; eles vão acompanhados de pais ou responsáveis e passam por um processo de entrevista e seleção
“Aqui, nós servimos a Jesus”, disse o Pastor Isidório, sobre a terapia ser baseada em orações e religiosidade
Salvador, 25 de maio de 20126
Garantindo abrir as portas do
lugar para a equipe do Jornal da Metrópole, o Pastor Sargento Isi-
dório disse não ter nada a esconder.
No entanto, a equipe foi recebida
com desconfiança pela administra-
ção e pela esposa do líder, pastora
Elza, que se recusou a gravar entre-
vista e “convidou” a equipe a voltar
em outro momento com a asses-
soria de imprensa. Questionado
sobre as denúncias, Isidório negou
tudo, mas confirmou usar métodos
religiosos no tratamento dos inter-
nos. Em contradição ao discurso
do deputado-pastor, equipes de
fiscalização não encontram portas
abertas. Segundo Carlos Vinícius
Melo, do CRP-03, uma vistoria en-
comendada pelo Conselho Federal
de Psicologia em setembro do ano
passado não foi feita, já que um
grupo, acompanhado pela OAB-BA,
sindicatos de servidores em saúde
e dirigentes da Amea e do Minis-
tério Público, não teve autorização
para o serviço. “Só fizemos uma vi-
sita informal, e acredito que isso se
deva à influência política do depu-
tado”. Segundo o Pastor Isidório,
não houve solicitação. “Não sei de
nada de Conselho. O que teve foi
um bando de vagabundos que se
aproveitaram de uma festa e tenta-
ram invadir lá”, rebateu.
bahiabahia@jornaldametropole.com.br
“Nós aqui servimos a Jesus”O Pastor Sargento Isidório diz não ver problemas na
Fundação. “Quem pode dizer se tem problema ou não
sou eu, que estou lá. Nós aqui servimos a Jesus. Quem
não quer servir a Jesus, serve ao capeta”, disparou.
Vistoria em Simões FilhoEm 2011, o CRP-03 recebeu solicitação para vistorias
em duas instituições na Bahia: a Valentes de Gideão,
em Simões Filho, e a Dr. Jesus. Em Simões Filho, a
vistoria foi executada com o apoio de uma promotora.
Dentre as instituições baianas
dedicadas ao tratamento de depen-
dentes químicos, somente duas re-
cebem verba do governo do Estado:
a Casa de Reintegração Nova Vida,
em Barreiras, e a Fundação Dr. Je-
sus. Convênio firmado em 2011
estabelece para a última o repasse
total de R$ 4.448.509,72, em seis par-
celas, através da Secretaria de De-
senvolvimento Social e Combate
à Pobreza (Sedes). Mas, para quem
recebe, em média, R$ 4 mil por in-
terno em dinheiro público, a trans-
parência é quase inexistente. Vale
lembrar que, para a pasta governa-
mental, a instituição trata somente
600 pacientes, mais de 400 a menos
do que o número real.
Procurada, a Sedes negou que
fizesse repasses para a instituição.
Depois de questionamentos do
Jornal da Metrópole, o órgão ex-
plicou que a responsabilidade para
com a entidade deve ser direciona-
da à Superintendência de Preven-
ção e Acolhimento aos Usuários
de Drogas e Apoio Familiar (Su-
prad), ligada à Secretaria de Justi-
ça, Cidadania e Direitos Humanos
do Estado (SJCDH).
Ainda de acordo com a Sedes,
que admitiu ser responsável pelos
repasses, para que a parcela seja
paga é apurado se o plano de traba-
lho segue de acordo com o contra-
to e se há regularidade ou não na
prestação de contas. “Estando tudo
dentro da regularidade, as parcelas
são liberadas”, diz em nota. Embo-
ra somente duas parcelas tenham
sido pagas até o momento, a Sedes
não mencionou problemas com a
Fundação Dr. Jesus.
Vistoria foi negada
Hospitalização e óbitoPara o presidente da Amea, o
desrespeito aos direitos humanos
ultrapassa limites na Dr. Jesus. “Há
denúncias de hospitalização e óbi-
to, pessoas enforcadas. Gente que
saiu dali e nunca mais apareceu. O
cara é sargento, é deputado, é mui-
to dinheiro”, afirma, referindo-se ao
fundador. “Lá eles são enterrados e
alimentados duas vezes por semana
e ninguém sabe onde é, porque não
está à vista. É uma técnica copiada
do Canadá, de 1920, em que a pessoa
cavava a própria cova com as mãos e
ficava lá presa até começar a se recu-
perar e sair de lá por si só”, denuncia.
Ainda segundo Josueliton, o pe-
ríodo de recuperação assemelha-se
a uma gestação: nove meses isolado
para que possa “nascer de novo”. En-
quanto isso, há denúncias de espan-
camentos constantes. Para completar,
há problemas nas instalações físicas,
acomodações com estrutura precária,
paredes rachadas e piso irregular.
Falta transparência nas contas da Fundação Dr. JesusJornal da Metrópole não teve acesso às acomodações dos internos
À primeira vista, o local parece bem cuidado, mas a vistoria foi negada Em 2009, governador Jaques Wagner foi à inauguração da ala feminina
Repasse confuso
MANU DIAS/AGECOM
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