conhecendo jesus cristo · conhecendo jesus cristo 3 “foi pelo sangue de cristo que fomos...
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JONAS M. S. SILVA
CONHECENDO JESUS CRISTO
Belém-PA 2019
JONAS M. S. SILVA
2
Copyring© Jonas Matheus Sousa da Silva, 2019
®Todos os direitos reservados
*Correção gramatical e estilística:
.: Maria Conceição de Lima.
*Diagramação: Jonas M. S. Silva
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pelo autor
S586c Silva, Jonas Matheus Sousa da, 1989 –
Conhecendo Jesus Cristo / Jonas Matheus Sousa da
Silva. – Belém: Ed. do Autor, 2019.
108p.
ISBN: 978-85-5697-870-7
1.Religião 2.Cristianismo 3.Igreja Católica.
1.Título.
CDD: 230
CDU: 282
CONHECENDO JESUS CRISTO
3
“Foi pelo sangue de Cristo
que fomos remidos, foi por
sua morte que fomos
resgatados da morte;
estávamos caídos, e, pela sua
humildade, fomos reerguidos
da nossa prostração. Mas
devemos também contribuir
com nossa prostração. Mas
devemos também contribuir
com nossa pequena parte
para ajudar os membros, pois
nos tornamos membros dele:
Ele é a cabeça e nós somos o
corpo”.
(SANTO AGOSTINHO Apud
LITURGIA DAS HORAS v. III,
1995, p.1246)
JONAS M. S. SILVA
4
CONHECENDO JESUS CRISTO
5
ÍNDICE
PRÓLOGO: VOCAÇÃO CRISTÃ: CHAMADO AO
DISCIPULALADO..........................................................7
a) QUE É CRISTOLOGIA?..........................................13
b) UMA COMPREENSÃO COM DEUS UNO E TRINO
EM CHAVE COMUNICATIVA......................................15
c) SOBRE A BELEZA DA VIRGEM MARIA.................24
I CRISTOLOGIA NA SAGRADA ESCRITURA...........29
1 ANTIGO TESTAMENTO: FIGURAS E PROFECIA..29
2 QUERIGMA E VIDA NOVA NA COMUNIDADE.......30
*TENTAÇÃO ECLESIAL..............................................31
3 HOMOLOGHIAS E FÓRMULAS DE
RESSURREIÇÃO........................................................32
4 PRINCIPAIS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS...............39
5 EVANGELHOS SINÓTICOS.....................................40
*MARCOS....................................................................41
*MATEUS.....................................................................43
*LUCAS........................................................................45
6 JOÃO E APOCALIPSE.............................................47
7 CRISTOLOGIA PAULINA.........................................50
8 HEBREUS.................................................................58
II TABELA DOS PRIMEIROS CONCÍLIOS
ECUMÊNICOS.............................................................61
III A JUSTIFICAÇÃO CONFORME O CONCÍLIO DE
TRENTO.......................................................................63
IV SISTEMÁTICA.........................................................67
1 PENSAMENTOS DE CRISTOLOGIA
FRANCISCANA............................................................67
JONAS M. S. SILVA
6
2 JESUS CRISTO: CABEÇA DO COSMO E DA
HISTÓRIA, PERSPECTIVA DO CARDEAL GIACOMO
BIFFI.............................................................................74
3 DE CRISTO À SUA IGREJA: ECLESIOLOGIA DE
JOSEPH RATZINGER.................................................84
REFERÊNCIAS..........................................................105
CONHECENDO JESUS CRISTO
7
PRÓLOGO:
VOCAÇÃO CRISTÃ: CHAMADO AO
DISCIPULADO
A fé do discípulo de Jesus, seguidor do
Mestre, nasce do Querigma, que consiste em
transmitir o evangelho que o Filho de Deus, que se
fez homem e nos salvou do pecado e da morte, no
amor divino, ao deixar-se crucificar, dando sua
vida pelos seus. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e
homem, é o “crucificado que ressuscitou e está na
glória divina com o mesmo poder do Pai, pelo
“Vínculo de amor”: o Espírito Santo.
Jesus, o Nazareu, foi por Deus aprovado diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus operou por meio dele entre vós, como bem o sabeis. Este homem, entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios. Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das angústias do Hades, pois não era possível que ele fosse retido em seu poder”. (ATOS 2,22-24).
O Filho chamou pessoas humanas
para o seguirem, a fim de viverem neste mundo o
mandamento da caridade, abnegando-se,
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8
seguindo-o como Mestre e Senhor, mesmo
atravessando a “porta estreita-cruz”, sempre no
amor verdadeiro, até compartilhar com ele o
mistério da glória. Como diz Jesus: “Aquele que
não toma sua cruz e não me segue não é digno de
mim. Aquele que acha sua vida, a perderá, mas
quem perde sua vida por mim, a achará”.
(MATEUS 10,38-39).
De fato, é pela fé que o discípulo de
Jesus Cristo, chamado “cristão” desde o ministério
do apóstolo Paulo, em Antioquia (cf. Atos 11,26), é
chamado a entregar sua vida a Deus na opção
pelo Amor. Este amor que surge como
assentimento da fé pessoal e eclesial à Trindade
Santíssima e que, por graça, dá-se a conhecer,
revelando-se à razão humana. “Em auxílio da
razão, que procura a compreensão do mistério,
vêm também os sinais presentes na Revelação.
Estes servem para conduzir mais longe a busca da
verdade e permitir que a mente passe
autonomamente a investigar inclusive dentro do
mistério”. (JOÃO PAULO II. n.13, 2009, p.22)
Porém, a clareza da fé à razão, por
ultrapassá-la, não dispensa o cristão da “noite
escura da alma”, quando, esperando no Amor,
pode vencer a angústia da dúvida, dando o salto
no escuro, aderindo de maneira pura ao Senhor.
A dialética da fé é a mais sutil e notável de todas; tem uma sublimidade de que posso ter uma ideia, mas não
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mais que isso. Posso muito bem executar o salto de trampolim no infinito [...], amar a Deus sem fé é refletir-se sobre si mesmo, mas amar a Deus com fé é refletir-se no próprio Deus. (KIERKEGAARD, 1979, p.129).
O amor incondicional do Cristão
proporciona a entrega pelo Reino de Deus, que é
etapa decisiva na conversão, a martiria, que
significa martírio e testemunho.
-A FONTE BATISMAL
O próprio crucificado-ressuscitado
confiou à sua Igreja a missão de evangelizar todos
os povos e de conferir o sacramento do Batismo,
proporcionando-lhes as graças da remissão dos
pecados, da filiação divina em Cristo, pela
incorporação no seu corpo místico, a Igreja.
O Batismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar da vida divina trinitária mediante a graça santificante, a graça da justificação que incorpora a Cristo e à sua Igreja; faz participar do sacerdócio de Cristo e constitui o fundamento da comunhão com todos os cristãos; propicia as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. O batizado pertence para sempre a Cristo: é marcado, com
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efeito, com o selo indelével de Cristo (caráter).(COMPÊNDIO.q.263, 2005, p.91)
Pelo Batismo, o cristão recebe a
vocação para comprometer-se vitalmente com
Jesus, na Igreja e, por tal adesão pessoal, que, em
nosso caso pastoral, manifesta-se no sacramento
da Crisma, compromete-se a viver os preceitos do
Senhor, em seu corpo eclesial e no mundo,
conforme ensina o Concílio Vaticano II (1962-
1965): “As ALEGRIAS E AS ESPERANÇAS, as
tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem,
são também as alegrias e esperanças, as tristezas
e angústias dos discípulos de Cristo”. (GAUDIUM
ET SPES. n.1, 1969, p.143).
Pelas virtudes teologais - fé, esperança
e caridade (= amor) -, o autêntico cristão faz a
diferença no mundo, conforme as palavras
expressas na antiga Carta a Diogneto (Apud
FOLCH GOMES, 1979, p.111), sobre os cristãos:
“[...] o que é a alma para o corpo, são os cristãos
para o mundo: como por todos os membros do
corpo está difundida a alma, assim os cristãos por
todas as cidades do universo. [...] os cristãos
habitam no mundo, mas não são do mundo’.
No Batismo, o novo cristão morreu
para o pecado e para o egoísmo, ressuscitando
sacramentalmente para a glória de pertencer a
Cristo, tendo o amor por sua lei, subindo à cruz
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cotidianamente, renunciando a seus instintos
egoístas pelas virtudes e alargando seus
horizontes pela graça divina.
-A FIDELIDADE DA IGREJA
Salvo, o povo cristão está neste mundo
fugaz, não pertencendo a ele; mas está
profeticamente, para testemunhar o evangelho, na
fidelidade ao Senhor, participando da Igreja,
assembleia dos chamados, reinando com Cristo
pelo serviço caritativo ao próximo, sobretudo aos
marginalizados do sistema social.
A vocação cristã se firma na fidelidade,
que expressa pertença eclesial, pois: “A perfeita
pertença de um homem à Igreja ocorre [...],
quando o seu relacionamento com o Senhor Jesus
no Espírito Santo é sem lacunas e sem frouxidão,
de modo que a ‘restauração’ e a renovação do seu
ser podem-se dizer completadas”. (BIFFI, 2009, p.
107).
A fidelidade consiste numa ascese
diária, oferecendo-se cotidianamente a Deus na
oração e intercedendo pelos demais membros do
corpo eclesial e para o bem da humanidade,
participando, assim, do sacerdócio de Cristo.
Para tanto, faz-se necessária a escuta
ao Mestre que nos chama eternamente, e darmos,
no aqui, enquanto existimos no mundo, presos por
nosso corpo ao espaço e ao tempo, a nossa
resposta-adesão pessoal e eclesial. Resposta
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essa que deve ser renovada pelo livre arbítrio do
discípulo, no agora, até o encontro definitivo com o
Senhor, na eternidade.
-O TESTEMUNHO FRANCISCANO
Em São Francisco de Assis,
encontramos sólido exemplo que nos anima a
viver fielmente o Evangelho, correspondendo a
esta vocação que recebemos no Batismo; pois na
operação do Espírito do Senhor, o “Pobrezinho de
Assis”, cotidianamente, anelava por viver mais
perfeitamente o Evangelho, constituindo-o como
regra viva para seus frades. “A regra e a vida
destes irmãos é esta: viver em obediência, em
castidade e sem nada de próprio e seguir a
doutrina e os vestígios de Nosso Senhor Jesus
Cristo”. (REGRA NÃO BULADA. n.1, 1999, p.107).
Assim, a espiritualidade franciscana
arraíga-se no Evangelho vivenciado, para honrar a
humanidade do Filho de Deus, encontrando
alegria em viver a “Lei de Cristo”, como resposta
vocacional.
Cristo é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo, o propiciatório colocado sobre a arca de Deus (cf.Ex 26,34) e o mistério desde sempre escondido (Ef 3,9). Quem olha para este propiciatório, com o rosto totalmente voltado para ele, contemplando-o suspenso na cruz,
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com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com ele a páscoa, Isto é, a passagem. (SÃO BOAVENTURA Apud LITURGIA DAS HORAS, 2000, p.1425).
Pois ser cristão é, diariamente, acolher
a moção do Espírito Santo, vivendo a caridade
como vocação, relacionando-se, na Igreja, com as
irmãs, os irmãos e com o próprio Senhor, que é
Pessoa viva e presente no meio de nós.
Por tudo isso, somos cientes de que a
vocação cristã consiste em seguir Jesus Cristo,
Deus e Homem, pessoa viva presente na sua
Igreja, e aderirmos na fé, esperança e amor ao
Seu evangelho, vivendo a Lei da caridade. E mais,
sendo cotidianamente fiel ao seu evangelho,
manifestando nosso assentimento cotidiano à
vocação batismal, que é ser profeta, rei e
sacerdote.
a) QUE É CRISTOLOGIA?
É a disciplina teológica que reflete
sobre Jesus Cristo, Filho de Deus e sua ação na
história para a nossa salvação, bem como a sua
glorificação no evento pascal.
Fala-se de Cristologia do alto, aquela
como a de João 1, que reflete a pré-existência do
Filho, Verbo (=Palavra) eterno do Pai, gerado
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eternamente no seio do Pai e a Sua entrada na
história, mediante a Encarnação no seio da
Virgem, por obra do Espírito Santo, tornando-se
Jesus de Nazaré, sem perder a natureza e a
personalidade divina. Por outro lado, a Cristologia
de baixo, inicia a sua reflexão a partir da ação
histórica de Jesus de Nazaré, considerando sua
Páscoa e a Sua glorificação à direita do Pai, como
no hino cristológico de Filipenses 2.
Para o teólogo Karl Rahner (1978,
pp.293-294):
Jesus não é simplesmente Deus em
geral, mas o Filho; a segunda pessoa
divina, o Logos de Deus é que é
homem, ele e somente ele. Existe,
portanto, pelo menos uma ‘missão’,
uma presença no mundo, uma
realidade de economia da salvação,
que não somente se apropria, mas é
própria de uma pessoa divina
determinada. Neste caso, não se fala
apenas ‘sobre’ esta pessoa
determinada no mundo.
Considerando a primeira parte do
axioma teológico de Karl Rahner, que diz “A
Trindade ‘econômica’ é a Trindade ‘imanente’”,
significando que, assim como Deus se revela na
história, não difere do seu ser/agir na eternidade, a
Cristologia é sempre uma disciplina compreendida
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inseparavelmente daquela disciplina que reflete
sobre a Santíssima Trindade.
b) UMA COMPREENSÃO COM DEUS, UNO
E TRINO, EM CHAVE COMUNICATIVA
Para uma apresentação mais acessível
sobre o mistério de Deus, uno e trino,
encontramos um capítulo, “Trindade e
Comunicação”, do livro “Teologia da
Comunicação”, de Felicísimo Martínez Dìez.
Assim, apresentamos uma síntese pormenorizada
desse capítulo, a fim de transmitir uma
compreensível apresentação teológica do mistério
mais augusto de nossa fé, neste em que está
radicada toda a Cristologia.
-Como falar da Trindade?
Para a Comunidade Cristã, a Santíssima
Trindade é modelo e protótipo de toda a
comunicação que está no centro de sua fé e
perpassa a sua práxis. Perante o mistério
Santíssimo de Deus, cabe o silêncio e a adoração,
pois o homem se dá conta de que é incapaz de
compreender todo o mistério que é o centro da fé
cristã. Mesmo Santo Agostinho e Santo Tomás de
Aquino, Gênios teológicos, aproximaram-se deste
mistério não ousando a pretensão de compreendê-
lo no todo. O silêncio sempre constitui a atitude
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mais saudável para o teólogo perante o mistério
de Deus, porém é preciso falar de Deus; o fiel
deve falar Dele como questão mais importante, a
partir da Revelação e da história em Jesus Cristo.
Nele, Deus se tornou condescendente com a
história humana, tornando possível uma modesta
e cautelosa linguagem sobre Ele mesmo e seu
mistério. Esta é a única via de acesso ao mistério
da Trindade: a revelação histórica.
Assim, a linguagem mais apropriada
para nomear Deus se torna então a narrativa. Em
Jesus Cristo, Deus se revela como Pai e Filho e
Espírito Santo: a Trindade não é apenas um
mistério lógico pois ela tem a ver com a vida de
cada pessoa, Ela é bastante concreta: a Trindade
é, sobretudo, mistério de comunhão.
A nossa fé é prática, não deve ser
reduzida a meras explicações teológicas, é preciso
concentrar a nossa experiência e práxis cristã
baseada na fé na Santíssima Trindade. Deus uno
e trino é a fonte e o modelo da vida cristã em
todas as suas dimensões, faz-nos viver a
comunhão pessoal.
-Politeísmo, monoteísmo, Trindade
A partir do discurso de São Paulo
Apóstolo, no Areópago (cf. Atos 17,24-34), faz-se
uma exposição correta da importância e o do
desejo da busca de Deus na história humana;
busca-se o Deus Criador, como tarefa fundamental
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e desejo profundo do coração dos homens. Mas, é
só na revelação de Deus, em Jesus Cristo, que o
Divino vem mais diretamente ao nosso encontro
pessoal, e nós temos essa segurança da resposta
dialogal para com Ele, pois entramos em relação
com a sua face misericordiosa.
A história religiosa das culturas está
repleta de imagens sobre Deus, as sementes do
Verbo, imagens que se projetam na experiência
humana, em projetos históricos da humanidade e
nos modelos de convivência da sociedade. Não
raramente se constrói um deus à imagem e
semelhança do homem. Assim, as representações
da divindade têm uma força de legitimação do
status quo na história dos povos, do politeísmo ao
monoteísmo.
Também na reta confissão da
Santíssima Trindade Cristã, diversos modelos de
religião sustentam o legítimo modelo de sociedade
e de convivência e comunicação, refletindo o
modelo de religião e a concepção de Deus, que
legitimem uma forma humana de convivência e
comunicação.
Ao final do século XX, viu-se o
politeísmo com certa benevolência democrática,
porém, deve-se considerar que em povos
politeístas também se fazia guerra. Não se pode
atribuir ao politeísmo um irenismo que nunca
houve, pois traz no seu bojo guerreiro uma certa
tendência para afirmar-se como uma verdade
sobre os demais, tendência inconsciente que o
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leva para o monoteísmo, pois a guerra é para
auto-afirmação sobre os demais povos. Está aí a
sua forte carga de competição e de conflito,
aspiração de domínio exterminando os deuses dos
demais povos.
Por seu turno, a inclinação ao
monoteísmo é substancial: a Confissão de Fé
afirma o único Deus verdadeiro, nisso não há
estranheza sobre guerra e conflito para a
afirmação do único Deus, pois é sua única
verdade. Ademais, deve-se refletir sobre esse
modelo de religião que talvez esteja mais próxima
da reta concepção de Deus. Pode-se chamar essa
classe de monoteísmo de “monoteísmo atrinitário”
que, na verdade, constituiu-se uma crítica de Karl
Rahner aos manuais da teologia do século XVI até
o século XX, que relegavam o mistério da
Trindade apenas ao âmbito lógico, distante da vida
concreta de cada cristão, de modo que, para o
simples cristão se excluíssem o dogma da
Trindade, afirmando-se apenas Jesus Cristo como
Deus. Pouquíssima coisa mudaria na vida da
Igreja e dos cristãos àquela época.
Para os povos, o sentido social e
político do monoteísmo estrito está na recusa à
democracia de convivência e propicia formas
autoritárias e totalitárias, comprometendo uma reta
e legítima comunicação que engrandece o ser
humano, porém, deve-se reconhecer que o
monoteísmo é conquista judaico-cristã e a ação
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política do povo de Israel, por muitas vezes,
inspirou-se nesta imagem de Deus: a monarquia.
Leonardo Boff [na sua primeira fase,
quando escrevia em sintonia com a Igreja],
considerando a Trindade e a figura de Deus na
sociologia, mostra que sempre, tal figura legitima o
modo de vida e o modo político que se estabelece
sobre determinado povo marcado por esta figura
de Deus: monoteísmo rígido, que segue, por
exemplo, o modelo de relações sociais que
enfraquece a possibilidade de uma verdadeira
comunicação entre as pessoas, porém, no
cristianismo, sendo Deus comunhão de pessoas,
abre-se mais para o diálogo a partir de uma
semelhante dignidade entre as pessoas, porque
Deus é acreditado e experimentado como
comunhão de amor. Assim, a Trindade
fundamenta teologicamente o mistério da
comunhão e da comunicação humana.
Este é o traço mais característico da fé
cristã: o Deus Uno e Trino harmonizando a
unidade, a pluralidade, a identidade e a alteridade
pessoal, tornando possível o diálogo e a
comunicação. Apenas a partir da fé trinitária se
possibilita uma fundamentação teológica da
comunicação.
-A Trindade, mistério de comunhão e comunicação
A Santíssima Trindade é mistério em
duplo sentido, mas, além de ser mistério lógico,
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pois supera a capacidade humana de
compreensão e verbalização, o que foi bem
expresso na história do dogma e de muitas
heresias que representavam, muitas vezes, uma
repulsa ao aspecto paradoxal do cristianismo,
buscando uma simplificação lógica do
pensamento. Acima disso, a Trindade é mistério
de salvação, pois essa é a verdadeira dimensão
teologal da Fé. Por isso, as primeiras formulações
trinitárias surgiram no contexto neotestamentário,
no âmbito litúrgico e querigmático, a partir da
Ressurreição de Jesus sob o influxo do Espírito.
A Trindade é o objeto central e básico
da fé cristã, mais importante transcendental para
humanidade, marcando predominantemente a
experiência concreta do cristão. A partir dessa
dimensão teologal, inclusive se encontra a pré-
compreensão da Santíssima Trindade, como
sementes do Verbo nas culturas, mostrando, por
vezes, uma determinada concepção de Trindade
em panteões de deuses primitivos, isso em
diversas culturas não cristãs.
O problema central para a teologia
trinitária é o modo de harmonizar a unidade de
natureza com a Trindade das pessoas; é uma
questão muito próxima à realidade da
comunicação; assim, a cultura hebraica e cristã
entrou em contato com a cultura românica e
helênica e suas simbologias. No centro da fé
cristã, está a confissão de Deus que é Pai e Filho
e Espírito Santo: não é um Deus solitário, fechado
CONHECENDO JESUS CRISTO
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em si; Ele é comunicação de ser Uno e Trino:
Deus comunidade de Amor, Nele são
simultaneamente três pessoas intimamente
relacionadas, cuja unidade reside na comunhão
pessoal, relação característica entre as pessoas
divinas.
Enquanto algumas explicações da
Trindade, nos primeiros séculos entenderam mais
o dever de salvaguardar-se no monoteísmo,
gerando heresias, negando até a Trindade, como
o modalismo ou docetismo, outras correntes
inclinaram-se mais para a defesa da pluralidade,
ignorando a igualdade, afirmando alteridades
distintas em Deus, hierarquizando de modo
subordinacionista, embora, sempre a afirmação de
alteridade deixasse aberta a possibilidade de
comunicação.
Santo Tomás de Aquino elaborou sua
doutrina trinitária partindo das processões divinas
do Filho, que é gerado pelo Pai e, do Espírito,
expirado do Pai do Filho, dando lugar às relações
de paternidade, filiação, expiração ativa e
expiração passiva; as três relações, opostas e
incomunicáveis são as três pessoas da Trindade.
A partir das processões do Filho e do Espírito,
seguem-se, na história, as suas missões. Tudo em
torno da comunicação intratrinitária.
Tradicionalmente, na teologia trinitária,
para se falar da comunicação intrínseca e da
inabitação de uma pessoa da Trindade noutra,
fala-se circunmicessão e pericorese. Há de se
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ressaltar a íntima relação entre Jesus, o Pai
(Abbá) e o Espírito Santo, este manifesto na
história pela sua promessa e vinda como agente
da comunhão divina, guiando toda a vida e obra
de Jesus e a Igreja, desde o mistério Pascal.
-A Trindade, fundamento teológico de toda
comunicação
A interioridade íntima de Deus entrou
na história humana tornando-a uma história de
salvação. Deus se autocomunica ao criar o ser
humano à sua imagem e semelhança, tornando-o
capaz de Deus e desejando a Deus
profundamente.Ele se revela a partir da
Encarnação e da páscoa do Verbo que se fez
carne e habitou entre nós para, nossa salvação.
A Santíssima Trindade não é uma
mônada, fechada em si mesma, mas é sempre
abertura e comunicação que vem ao encontro da
sua criatura, que cria, que entra na história e
redime o ser humano e envia seu Espírito Santo
para santificação.
A relação que existe entre a Trindade
imanente, que é o mistério íntimo de Deus, e a
Trindade econômica, que é o projeto da salvação
realizado na história, foi cunhada no axioma
fundamental de Karl Rahner: “a Trindade
econômica é a Trindade imanente, e vice-versa”;
no entanto, para Walter Kasper que o reformulou,
o axioma é “a comunicação intratrinitária está
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presente de uma forma nova na auto comunicação
soteriológica, sobre palavras, sinais e ações,
sobretudo na figura do Homem Jesus de Nazaré”.
De fato, só temos acesso ao Mistério íntimo de
Deus Trindade através da sua Revelação
progressiva na história, culminando em Jesus e na
compreensão que a Igreja recebe do Espírito.
Deus se interessa pela história do
homem e se projeta trazendo-lhe a salvação,
manifestando uma solidariedade trinitária com a
história do ser humano, fundamentando a
comunicação humana e a solidariedade entre as
pessoas. Para tanto, deve-se compreender a ação
Salvadora de Deus em Jesus Cristo, na história,
como derivada da comunhão intratrinitária, que se
torna a fonte e origem de toda a comunhão
autêntica e da comunicação, pois a pregação e a
práxis de Jesus revela Deus Pai, não apenas
como Deus onipotente, mas que age, libertando no
centro da história do seu povo. Portanto, Jesus é o
rosto humano de Deus que se aproxima do
homem para salvá-lo.
Leonardo Boff, a partir dessa
consideração, compreende a Trindade como
modelo ideal-concreto para a nossa sociedade
para ser mais humana, dado que somos imagem e
semelhança da Trindade. Para ele, a forma de
convivência social que hoje temos não pode
agradar a Deus, pois não encontramos lugar de
digna inclusão para a maior parte das pessoas e
não há participação plena; porém, a Trindade se
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apresenta como um modelo de toda a convivência
social igualitária e respeitosa das diferenças.
A partir de Deus Uno e Trino, os
cristãos podem postular uma sociedade que possa
ser imagem e semelhança da Trindade, com base
na própria fé em Deus que nos dá melhor
compreensão do Mistério da Santíssima Trindade,
e que sempre nos permite construir uma
sociedade com relação às distorções sociais
cristãs de convivência, comunicação e comunhão
do próprio Deus instaurada no mundo. A fé na
Santíssima Trindade deve levar os cristãos a
constituírem uma sociedade justa, comunicativa e
em Comunhão plena, e verdadeiramente humana.
c) SOBRE A BELEZA DA VIRGEM MARIA
No corpo escriturístico judaico-cristão,
sobressaem várias personalidades femininas que
deram seu contributo pessoal na história da
salvação. São mulheres como Sara, Raquel, Rute,
Judite, Ester, Isabel, Marta, Madalena, entre
outras, que se destacam pela beleza das virtudes,
temor de Deus, sensibilidade feminina,
esponsalidade e maternidade. No entanto,
enfatizamos, coerentemente com a nossa fé, a
mulher Maria de Nazaré, mãe de Jesus Cristo,
essa que se desvela para nós como a mulher por
excelência. De fato, a fé da Igreja, desde os
tempos antigos, proclama sua grandeza pelos
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dogmas da Sua Virgindade perpétua e
Maternidade divina, como afirma Joseph Ratzinger
(2013, p.25):
O mais antigo dogma mariano, e o mais fundamental, afirma: Maria é virgem (ἀεί παρϑένοϛ : Symbola DS 10-30; 42/67; 72, 150) e mãe, e pode, com efeito, ser chamada de “Mãe de Deus” (Τεοτόχος: DS 251, concílio de Éfeso). As duas coisas estão estreitamente ligadas: quando ela é chamada de Mãe de Deus, isso constitui, antes de tudo, uma expressão da unidade entre ser-Deus e ser-homem em Cristo, que é tão profunda que não se pode, para os eventos carnais, como aquele do seu nascimento, construir um Cristo meramente humano, separado da totalidade de sua existência pessoal
Por isso, nota-se que não pode haver
uma genuína Cristologia, sem uma autêntica
Mariologia.
A beleza das virtudes, em Maria,
mostra-se na declaração do Arcanjo Gabriel:
"Alegra-te, cheia de graça! O Senhor é
Contigo!"(Lucas 1,28). De fato, não é uma beleza
tanto proveniente da meiguice ou formosura da
Virgem, no entanto, tal estética brota numa mulher
eleita, toda repleta da graça advinda do Ser divino,
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que habita o coração dessa moça de Nazaré;
portanto, uma mulher adornada de virtudes.
A presença de Maria é a autenticidade
presencial da mulher extremamente singular no
grau do temor de Deus. É nessa lógica que ela se
declara "a serva do Senhor"(Lucas 1,38),
colocando-se em uma atitude voluntária de pessoa
que acolhe e se conforma ao projeto do Pai. Maria
é uma pessoa humana que, em todo o seu ser, é
respeito e exultação perante o mistério de Deus;
ela triunfa de alegria perante a irrupção da
salvação na história humana, pela encarnação do
"Inominável-transcendente" na imanência do seu
ventre.
Na expressão mariana "Eles não têm
mais vinho" (João 2,3), contextualizada na festa de
casamento em Caná, da Galiléia, a sensibilidade
feminina, em Maria, manifesta-se como uma
empatia caritativa para com as outras pessoas
humanas, no caso, os noivos. Uma intuição
peculiar que aponta os caminhos da realização
humana, fazendo a diferença por não omitir sua
valorosa atuação.
O dom do amor, refletindo a fidelidade
esponsal de Maria, salienta-se na sua
maternidade, pois ela é mãe cheia de amor e
responsabilidade para com Jesus, o bendito fruto
do seu ventre, a quem, quando recém-nascido, ela
amamenta e envolve em paninhos. Preocupa-se
com ele, (por exemplos, quando fica no templo
com os doutores e nas suas peregrinações
CONHECENDO JESUS CRISTO
27
missionárias), acompanha seu mistério pascal,
partilha da dor de seu filho ao pé da cruz, aí onde
sua maternidade se expande, por solicitude de seu
crucificado filho, abraçando com ternura o
discípulo amado, bem como toda a comunidade
dos discípulos de Jesus.
Nesse sentido, mantendo a devida
compreensão da analogia, pode-se chamar a
Maria por “Esposa de Deus Pai”, conforme já o
fizera São João Damasceno (676 - 749) e o Papa
Pio XII, na Proclamação do Dogma da Assunção
de Maria à Glória Celeste (MUNIFICENTISSIMUS
DEUS, n.21, ano 1950). Para tanto, os teólogos
Scheeben e Feckes (1955, p. 93 – nossa
tradução), consideraram:
Pode-se chamar a mãe do Filho de Deus esposa do Pai em modo especial. Ela, de fato, como mãe por dom do Pai, concebeu como próprio filho o Filho Dele; o possui em comunhão com o Pai e está unida ao Pai através do Filho que é, ao mesmo tempo, seu próprio filho. Todavia, essa expressão, enquanto serve para indicar a união de Maria com Deus, é menos utilizada, e com razão. Designando, efetivamente, a mãe do Filho de Deus como esposa do Pai, enquanto Pai insinuar-se-ia a ideia de que o Filho do Pai exista somente pela colaboração da mãe, e, como consequência, que a mãe seja
JONAS M. S. SILVA
28
associada ao Pai mesmo na geração do Verbo eterno. Um dos principais motivos, pelo qual o apelativo de esposa, dado à Mãe de Deus, vem referido geralmente ao Espírito Santo, mais que ao Pai, é o de evitar essa falsa interpretação.
Então, Maria é a mulher mais
esplendorosa da Escritura Sagrada, da história da
salvação, é ela a "mulher vestida de sol"
(Apocalipse 12,1); pois, dentre tantas estrelas,
nela refulge a beleza das virtudes, o temor de
Deus, a sensibilidade feminina e a esponsalidade
materna. Em Maria, as virtudes de todas as
personalidades femininas da História da salvação
encontram sua perfeição e culminância, a ponto de
considerarmos Maria o modelo de perfeição para
todos que se deixam iluminar pela Palavra de
Deus.
CONHECENDO JESUS CRISTO
29
I CRISTOLOGIA NA SAGRADA ESCRITURA
Segundo São Jerônimo (séc. IV), o que
realizou a tradução Vulgata da Sagrada Escritura,
“Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”; Santo
Agostinho de Hipona, seu contemporâneo,
também ensina sobre a unidade da Sagrada
Escritura: ”O que estava latente no Antigo
Testamento, tornou-se patente no Novo”.
1 ANTIGO TESTAMENTO: FIGURAS E
PROFECIA
Figuras:
*Adão (Gn 1-3)
*Melquisedec (Gn 12, 18)
*Sacrifício de Isaac (Gn 22)
*Cordeiro pascal (Êx 12)
*Água da rocha (Êx 17, 1-6)
*Fonte do Templo (Ez 47)
*Serpente de bronze (Nm 21, 4-9)
*O servo do Senhor (Is 52-53)
*O Filho do Homem (Dn 7)
Profecias
*Proto-evangelho (Gn 3,15)
JONAS M. S. SILVA
30
*Bênção a Abraão (Gn 12,3)
*Profeta semelhante a Moisés (Dt 18,15)
*O sofrimento do Messias e sua glória (Sl 22)
*Concebido pela virgem (Is 7,14)
*Ungido pelo Espírito (Is 11)
*Servo do Senhor (Is 52-53)
*A nova aliança (Jr 31, 31-34)
*Do Egito chamei o meu filho (Os 11,1)
*Entrada real do Messias em Jerusalém (Zc 9,9)
*O transpassado (Zc 12,10)
*O Pastor ferido e as ovelhas dispersas (Zc 13,7)
*Eis que eu envio o meu mensageiro, que
preparará o caminho diante de mim (Ml 3,1)
*Nascimento do Messias em Belém de Judá (Ml
5,2)
2 QUERIGMA E VIDA NOVA NA COMUNIDADE
O Querigma, primeiro anúncio da fé, é
a semente essencial da fé viva que a comunidade
recebe do evento único de nossa salvação e da
revelação de Deus, que compreende a morte e
ressurreição do Senhor, com o dom do Espírito
Santo, a comunidade dos discípulos, a Igreja,
Novo Povo de Deus. Para o Padre Mário Antonelli
(2015, p.1): “A comunidade experimenta o
senhorio de Jesus Cristo dentro do conjunto de
atitudes, de experiências, de iniciativas que são
frutificação da Páscoa de Jesus e, ao mesmo
CONHECENDO JESUS CRISTO
31
tempo, assinalam a proveniência não humana
desta vida nova”.
O Querigma é o conteúdo fundamental
da pregação apostólica, para suscitar a fé em meio
a judeus e gentios, mediante o anúncio e a
experiência da presença salvadora de Deus em
Cristo e no Espírito Santo.
*TENTAÇÃO ECLESIAL
Mesmo com a irrupção da Vida Nova
na Igreja, mediante a Páscoa de Cristo e a
comunicação do Espírito Santo, a humanidade
marcada pela tríplice concupiscência, é sempre
tentada pela voz enganadora de satanás a
procurar construir o Reino de Deus de um modo
mais fácil que não comporte o sofrimento implícito
na cruz. Impor a fé através das forças ideológica e
militar, por exemplo, como ocorreu na Europa, no
regime medieval da Cristandade: Quem não fosse
cristão não era cidadão. Assim, não há genuína
adesão a Cristo, mas se é cristão por conveniência
ou por coerção.
Para o Padre Mário Antonelli (2015,
p.2):
A existência nova da Igreja desenrola-se como luta: sempre. Não existe vida nova que não seja combate, resistência dramática na novidade
JONAS M. S. SILVA
32
pascal de Jesus Cristo. E à origem dessa luta há sempre uma tentação. A tentação mais radical, aquela que, por excelência, merece o título de ‘satânica’, consiste no atribuir-se à carne e ao sangue a realização da relação nova com Deus; abafando a palavra da cruz e recusando o poder dela. A vontade vai se ensoberbecendo na presunção de alcançar a comunhão com Deus pelo caminho bem conhecido das imagens humanas de Deus e de seu Ungido.
3 HOMOLOGHIAS E FÓRMULAS DE
RESSURREIÇÃO
*Homologhias
O Padre Mário Antonelli (2015, p.3)
define “homologhia”, conforme o Novo
Testamento:
Para indicar o ato litúrgico/testemunhal de confessar Jesus reconhecendo-o como Senhor: em seu sentido próprio; homologhein significa ‘proclamar/ declarar o próprio acordo com’. A homologhia é ‘declaração sobre a qual se está de acordo’ [...] ela é a concórdia pascal, pois todos falam e aclamam a mesma palavra, a da Páscoa de Jesus, o Senhor.
CONHECENDO JESUS CRISTO
33
Segue-se algumas formas dessas
declarações:
> Jesus é Senhor!:
1Cor 12,3: “...ninguém pode dizer: Senhor Jesus!
se não é movido pelo Espírito Santo”
Rm 10, 9: “...se confessas com a boca que Jesus
é Senhor, se crês de coração que Deus o
ressuscitou da morte, tu te salvarás”
>Maranatha!:
1 Cor 16,22: “Quem não ama o Senhor seja
maldito. Vem, Senhor (Maranatha)!
Ap 22, 20: “Aquele que testemunha tudo isso diz:
Sim, venho logo. Amém. Vem, Senhor Jesus”
>Tradição – Paradósis
1 Cor 11,23s: “Pois eu recebi do Senhor o que
vos transmiti: O Senhor, na noite que foi
entregue, tomou o pão, dando graças o partiu, e
disse: Isto é o meu corpo que se entrega por vós.
Fazei isto em memória de mim”
JONAS M. S. SILVA
34
1 Cor 15, 3ss: “Antes de tudo, eu vos transmiti o
que havia recebido: que Cristo morreu por
nossos pecados segundo as Escrituras, e foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as
escrituras, apareceu a Cefas e depois aos doze”
*Fórmulas de ressurreição
Rm 10, 9s: “se confessas com a boca que Jesus é
Senhor, se crês de coração que Deus o
ressuscitou da morte, tu te salvarás. Com o
coração cremos para ser justos, com a boca
confessamos para ser salvos”
1 Cor 6,14: “E Deus, que ressuscitou o Senhor,
vos ressuscitará com seu poder”
1 Ts, 1,10: “esperando, do céu, a vinda do seu
Filho, que ele ressuscitou da morte: Jesus, que
nos livra da condenação futura”
At 13, 32s: “Quanto a nós, vos anunciamos a boa
notícia: A promessa feita aos antepassados foi
cumprida por Deus a seus descendentes,
ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo
dois: Tu és meu filho, eu hoje te gerei””
CONHECENDO JESUS CRISTO
35
*Fórmulas de morte
Rm 5,8: “Pois bem, Deus nos demonstrou seu
amor no fato de que, sendo ainda pecadores,
Cristo morreu por nós”
Rm 14,15: “Contudo, se o que tu comes faz sofrer
teu irmão, não ages com amor. Não destruas, com
o que comes, alguém por quem o Messias morreu”
1 Cor 8,11: “E por teu conhecimento se perde o
fraco, um irmão por quem Cristo morreu”
2 Cor 5, 14s: “Porque o amor de Cristo nos
pressiona, ao pensarmos que, se um morreu por
todos, todos morreram. E morreu por todos, para
os que vivem não vivam para si, mas para quem
por eles morreu e ressuscitou”
*Fórmulas de entrega
-Deus: sujeito
Rm 4, 24s: “...o crer naquele que ressuscitou da
morte Jesus, Senhor nosso, que se entregou por
nossos pecados e ressuscitou para nos tornar
justos”
JONAS M. S. SILVA
36
Rm 8, 32: “Aquele que não poupou seu próprio
Filho, mas o entregou para todos nós, como não
vai dar de presente todo o resto com ele? ”
Jo 3, 16: “Deus tanto amou o mundo, que entregou
seu Filho único, para que quem crer não pereça,
mas tenha vida eterna”
- Jesus: sujeito
Gl 1, 3s: “graça e paz da parte de Deus nosso Pai
e do Senhor Jesus Cristo, que se entregou por
nossos pecados, para tirar-nos da perversa
situação presente, segundo o desejo de nosso
Pai”
Gl 2, 19s: “...Fui crucificado com Cristo, e já não
sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.
Enquanto vivo na carne mortal, vivo de fé no Filho
de Deus, que me amou e se entregou por mim”
Ef 5,2. 25: “agi com amor, como Cristo vos amou
até entregar-se por vós a Deus como oferenda e
sacrifício de aroma agradável [...]Homens, amai
vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se
entregou por ela”
Tt 2, 14: “Ele [Jesus Cristo] se entregou por nós,
para resgatar-nos de toda iniquidade, para adquirir
um povo purificado, dedicado às boas obras”
CONHECENDO JESUS CRISTO
37
*Fórmulas de Kenósis
2 Cor 8,9: “Pois conheceis a generosidade de
nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por
vós se tornou pobre para vos enriquecer com sua
pobreza”
Fl 2, 5-11: “Tende os mesmos sentimentos de
Cristo Jesus.
Ele, apesar de sua condição divina,
não fez alarde de ser igual a Deus,
mas se esvaziou de si
e tomou a condição de escravo,
fazendo-se semelhante aos homens.
E mostrando-se em figura humana,
humilhou-se,
tornando-se obediente até à morte,
morte de cruz.
Por isso, Deus o exaltou e lhe concedeu
um título superior a todo título,
para que, diante do título de Jesus,
todo joelhe se dobre,
no céu, na terra e no abismo;
e toda língua confesse
para a glória de Deus Pai:
Jesus Cristo é o Senhor! ”
JONAS M. S. SILVA
38
*Fórmulas de morte/ressurreição
1 Ts 4,14: “Pois, se cremos que Jesus morreu e
ressuscitou, o mesmo Deus, por meio de Jesus,
levará os defuntos para estar consigo”
Rm 14, 9:
“Para isso morreu o Messias e ressuscitou:
Para ser Senhor de mortos e de vivos”
*Discursos missionários
At 2, 22-36: “Israelitas, escutai minhas palavras:
Jesus de Nazaré foi um homem acreditado por
Deus diante de vós com os milagres, prodígios e
sinais que Deus realizou por meio dele, como bem
sabeis. A este, entregue segundo o plano previsto
por Deus, vós crucificastes pela mão de gente sem
lei, e o matastes. Mas Deus, libertando-o dos
rigores da morte, ressuscitou-o, pois a morte não
podia retê-lo. O próprio Davi diz dele: Ponho
sempre diante de mim o Senhor; com ele à direita
não vacilarei. Por isso, meu coração se alegra,
minha língua exulta e minha carne descansa
esperançosa: porque não me deixarás na morte,
nem permitirás que teu fiel conheça a corrupção.
Tu me ensinarás o caminho da vida, me encherás
de alegria em tua presença. Irmãos, posso dizer-
vos com toda a franqueza: o patriarca Davi morreu
e foi sepultado, e o sepulcro dele se conserva até
CONHECENDO JESUS CRISTO
39
hoje entre nós. Mas como era profeta e sabia que
Deus lhe havia prometido com juramento que um
descendente carnal seu se sentaria em seu trono,
previu e predisse a ressurreição do Messias,
dizendo que não ficaria abandonado na morte,
nem sua carne experimentaria a corrupção. A este
Jesus, Deus ressuscitou, e todos nós somos
testemunhas disso. Exaltado à direita de Deus,
recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o
derramou. É o que estais vendo e ouvindo. Pois
Deus não subiu ao céu, mas diz: Disse o Senhor
ao meu Senhor, senta-te à minha direita, até que
faça de teus inimigos estrado de teus pés.
Portanto, toda a Casa de Israel reconheça que a
este Jesus, que crucificastes, Deus nomeou
Senhor e Messias”
-Outros discursos missionários: cf: At 3, 12-26; At
4, 8-12. 24-30; At 5, 29-32.
4 PRINCIPAIS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS
*Cristo/Messias (At 5, 42: “E não cessavam, a
cada dia, no templo ou em casa, de ensinar e
anunciar a boa notícia do Messias [=Cristo]
Jesus”)
*Senhor (Rm 14, 9:
“Para isso morreu o Messias e ressuscitou:
Para ser Senhor de mortos e de vivos”)
JONAS M. S. SILVA
40
*Filho de Deus (Rm 1, 3s: “a respeito do seu Filho,
nascido fisicamente da linhagem de Davi, a partir
da ressurreição, estabelecido Filho de Deus com
poder pelo Espírito Santo”).
5 EVANGELHOS SINÓTICOS
Os evangelhos sinóticos, Mateus,
Marcos e Lucas, são assim denominados pois nos
apresentam o Senhor de um modo mais similar
quanto à forma que utilizam.
Assim, syn+optico, significa que
Mateus, Marcos e Lucas, se dispostos em três
colunas paralelas (sinopse), podem ser
compreendidos de um só relance de vista com
conteúdos muito similares. João, por outro lado,
possui uma maneira mais desenvolvida e
espiritual, por se tratar de um escrito do final do I
século, quando a comunidade já estava mais
desenvolvida na compreensão de sua fé na
identidade de Jesus Cristo e na sua relação com o
Pai e o Espírito.
Conforme a teoria exegética das duas
Fontes Sinópticas, comparando os textos dos três
primeiros evangelhos entre si, Mateus e Lucas, de
modos coincidentes, citam passagens de Marcos
e, também, coincidem na citação de ditos
(loghions) de Jesus que não estão em Marcos.
Assim, essa fonte de loghions foi denominada em
CONHECENDO JESUS CRISTO
41
alemão por “Quelle” (fonte), significada por Q.
Assim temos o esquema:
Nesse sentido, Q, é uma fonte
hipotética, reconstituída a partir da análise dos
Evangelhos Sinóticos.
*MARCOS (Roma,70 dC- III geração)
O evangelho segundo Marcos é o mais
antigo. Possui linguagem mais arcaica, refletindo
as crenças populares da cultura da época. Sua
sonoridade se torna cacofônica pela insistente
repetição dos conectivos KAY (e) para ligar as
frases e orações do seu texto. No entanto, Marcos
é o iniciador do evangelho como gênero literário.
Ressalta a humanidade de Jesus. As
paixões humanas do Nazareno são enfatizadas na
Sua apresentação. Ele geme e suspira (7,34;
8,12); indigna-se e entristece-se (3,5); parece
JONAS M. S. SILVA
42
estar fora de si, pela sua total entrega ao
ministério (3,21); ama e acolhe as crianças
(9,36;10,16); expulsa os mercadores do templo
(11,15ss); sofre física e moralmente na Sua
Paixão e morte (14, 32-42).
Marcos apresenta Jesus como “o Filho
do Homem”. Na cultura bíblica, essa expressão
tem o significado de “criatura humana” (Ez 5,1; Ez
13,2), porém, em Daniel 7, 13s é uma figura
messiânica-escatológica, ao centro da história da
humanidade. Em Marcos, tal expressão está
associada à profecia do Servo do Senhor de Isaias
52, 13-53,12. (cf. Mc 10, 45).
Nesta preferência pelo título “Filho do
homem” dado a Jesus, associada à profecia do
Servo, Marcos ressalta o tema do segredo
messiânico. Jesus prefere não aplicar a si o título
de Messias/Cristo, recomendando silenciar quem
lhe pretende divulgar como Messias, pois tem
consciência de que a sua missão messiânica não
se confunde com os anseios de seu povo por um
messias-davídico, político e belicoso, mas como
Servo do Senhor, que redime e liberta a
humanidade por seus sofrimentos, em obediência
a Deus.
Mesmo os discípulos de Jesus não
conseguiram compreender isso no seu convívio
com o Nazareno, senão após a sua morte e
ressurreição com a efusão do Espírito Santo sobre
a Igreja nascente. (cf: 1, 10-45; 4, 10-13; 5, 1-43;
6, 33-44. 52).
CONHECENDO JESUS CRISTO
43
Marcos destaca o título cristológico
“Filho de Deus” (1,1. 11; 3,11; 5,7; 9,7; 14, 61s;
15,39), tais títulos acompanham os milagres
operados por Cristo. Jesus é, assim, um
verdadeiro homem que age com a dynamis(poder)
divina. No entanto, Jesus não é apresentado como
um grande profeta como os do Antigo Testamento
– Moisés e Elias – que também realizaram
prodígios em nome de Deus.
Jesus é apresentado como o Filho de
Deus em sentido próprio, concede o perdão divino
aos seres humanos, destruindo o poder do pecado
e do mal ao cumprir a Aliança no Seu sangue, por
Sua Paixão, morte e ressurreição, dando a vida
como Servo do Senhor, para a remissão dos
pecados do mundo.
O Evangelho escrito por Marcos é um
caminho de seguimento de Jesus onde, no
relacionamento íntimo com o Mestre, a
comunidade dos discípulos ruma ao mistério da
cruz e do sepulcro vazio, com a boa nova da
ressurreição; assim, os discípulos vão
compreendendo a identidade de Jesus como
Cristo-Servo e Filho de Deus.
*MATEUS (Síria, após 70 dC, aos judeus)
Mateus ou Levi, o cobrador de
impostos que, ao chamado de Jesus, ergueu-se
da sua sede na coletoria e, deixando tudo, seguiu
JONAS M. S. SILVA
44
o Mestre. Sendo contado entre os doze apóstolos,
escreveu o evangelho para uma comunidade de
hebreus convertidos a Jesus Cristo, radicados na
Síria, após a Guerra Judaica que culminou no ano
70, com a tomada de Jerusalém. Os Padres da
Igreja, Papias e Eusébio de Cesaréia registraram
que a primeira recensão do seu evangelho,
datando de próximo ao ano 50, foi escrita em
hebraico; tal recensão está perdida.
Mateus, adequando-se aos seus
destinatários, cita aproximadamente 43 vezes o
Antigo Testamento para comprovar, com base nas
Sagradas Escrituras do povo hebreu, que Jesus é
o Messias prometido na Lei e nos Profetas, pois
Ele cumpre em si e na sua ação as Profecias e
Figuras escriturísticas, iluminando-as e levando-as
ao seu termo.
Ao princípio deste evangelho, Jesus é
apresentado numa genealogia como descendente
de Davi e de Abraão, cumprindo as promessas
messiânicas feitas por Deus a eles.
Nesse sentido, enfatiza-se a majestade
de Jesus, evitando referências a paixões e
sentimentos em Jesus, ou a algo que sugira
limitação humana no Mestre. Dá-se muita ênfase
aos milagres operados por ele sobre o ser
humano, as forças naturais e sobrenaturais,
realçando o tema da Sua onisciência. Utiliza-se
por 13 vezes a expressão “prostrar-se” perante
Jesus, indicando sua majestade divina.
CONHECENDO JESUS CRISTO
45
No Sermão da montanha (5-7), Jesus
se mostra maior que Moisés, o legislador-
libertador do povo de Israel; é Jesus mesmo que,
sentado sobre o monte, emana a nova Lei que
leva à perfeição a Lei mosaica.
Em 16,16 e 26, 65, Jesus é
apresentado como Cristo e Filho do Deus vivo.
Na sua paixão e morte, na sua
ressurreição, o véu do templo rasgado representa
a Revelação de Deus em Cristo, que se faz projeto
universal de salvação pelo ministério da Igreja,
que anuncia o Evangelho e batiza em nome de
Deus uno-trino, integrando todos os povos na
Igreja de Cristo.
*LUCAS (Antioquia da Síria, entre 80-95 dC)
Situando seu ambiente teológico em
torno de Jerusalém e do Templo, a obra de Lucas,
em sintonia com a teologia paulina e a tarefa do
anúncio do evangelho aos povos, faz tal realce na
apresentação da Boa Nova de Jesus Cristo ao
mundo da época, quando a cultura pagã e
hebraica ansiava por salvação.
Assim, Jesus Cristo é apresentado
como soterion (a Salvação) de Deus para todos os
povos (2, 32). Ele traz e dispensa a salvação;
assim o faz, pois manifesta o amor salvador do Pai
a toda humanidade. Neste evangelho, a
JONAS M. S. SILVA
46
genealogia de Jesus remonta até Adão, o primeiro
homem, e deste ao próprio Criador (3, 23-38).
Ao encarnar-se, por obra do Espírito,
no seio da Virgem, a cheia de graça, o Filho do
Altíssimo recebe o nome de Jesus (O Senhor
salva), iniciando a libertar a humanidade, que Ele
mesmo assume neste mistério.
Jesus é apresentado por Lucas, com
ênfase no seu perfil missionário e misericordioso,
aberto aos samaritanos, detestados pelos judeus
(9, 57s; 17,18; 10, 29-37) e a todos os povos (13,
29s), revelando, em sua ação, o rosto
misericordioso de Deus, o Pai (7, 36-50; 15, 1-32;
19, 1-10; 23, 29-43).
A Jesus é dado o título de Kýrios
(Senhor) que, na tradução grega do Antigo
Testamento, a Septuaginta, substituía o Nome
santo e impronunciável que Deus revelou a Moisés
(Êx 3, 14) e se encontra grafado no texto hebraico,
mas aí se lê “Adonai” (Senhor) quando ocorre. Tal
título dado a Jesus mostra o florescer, nas
comunidades paulinas e lucanas, da consciência
da singularidade divina da filiação de Jesus Cristo
para com Deus, o Pai.
Quando em 1,43, Maria é chamada por
“Mãe do meu Senhor (=Kýrios), já está em germe
a fé da Igreja na maternidade divina de Maria, pois
Jesus Cristo é O Filho de Deus, portanto
compartilha a natureza divina com o Pai e o
Espírito Santo.
CONHECENDO JESUS CRISTO
47
O Espírito Santo tem sua ação
fortemente acentuada neste evangelho, desde os
relatos da infância de Jesus. Também na sua
exultação messiânica e ministério (10, 21s), que o
Revela “Filho de Deus”, é o Espírito quem o move.
Lucas enfatiza mais o título de “Filho de Deus” que
o de “Cristo”, pela acidental conotação político-
belicosa que evocava, no primeiro século.
Na cruz, Jesus reintegra no Paraíso,
no hoje de Deus, o pecador arrependido. O Hoje é
o Kayrós, tempo da graça de Deus, para a
Salvação do ser humano através de Cristo. O
encontro com o Cristo Ressuscitado dos
peregrinos de Emaús mostra a presença do
Senhor junto à comunidade, nos discípulos,
congregada em torno da Palavra ouvida na Igreja
e na Fração do Pão que, em Atos, está
evidenciada claramente como a Eucaristia.
O relato da ascensão em Jerusalém,
além de fazer a ponte entre o final do Evangelho e
o início dos Atos dos apóstolos, evoca a figura do
sumo sacerdote no templo de Jerusalém que
abençoa o povo, após oferecer o sacrifício. Assim,
já há um início de compreensão do sacerdócio de
Jesus.
6 JOÃO E APOCALIPSE
Concluído no início do segundo século,
o quarto evangelho não cita entre os discípulos
JONAS M. S. SILVA
48
João, filho de Zebedeu, como o fazem os
sinóticos, outrossim, reporta-se ao “discípulo que
Jesus amava”.
No Prólogo deste evangelho, bem
como na primeira carta de João, o ancião, também
no Apocalipse, Jesus Cristo é apresentado com o
título de Lógos (Palavra) de Deus (Jo 1, 1-14; 1Jo
1,1s; Ap 19, 13).
Essa palavra grega possui um triplo
significado, evocando três realidades conexas.
Conforme Bettencourt (p.29):
1) o intelecto, 2)o conceito formulado pelo intelecto (também dito ‘ideia’, ‘noção’) e 3) a palavra oral que exprime o conceito mental. Ora, no quarto evangelho, S. João utiliza o termo grego Lógos, já em uso na Filosofia grega pré-cristã, para designar a Palavra de Deus que, feita carne, falou aos homens.
Na tradição vetero-testamentária, a
Palavra de Deus é dita Dabar, é a palavra-ação;
quando Deus fala, nessa mesma enunciação, o
evento enunciado é criado, acontece (cf: Gn 1; Is
55, 10s; Sb 18, 14-16). Nessa mesma cultura,
Lógos também evoca a personificação da
Sabedoria (Lochman) de Deus (cf: Sb 7, 25s), pré-
existente ao criado.
Assim, a Cristologia descendente se
apresenta nos escritos joaninos, pois o Lógos pré-
CONHECENDO JESUS CRISTO
49
existente em Deus, Filho unigênito voltado para o
seio do Pai, entra na história assumindo a
condição de homem, para redimir todo o ser
humano e todo o cosmo, revelando o plano
amoroso de salvação do Pai.
Jesus Cristo é, então, o Lógos divino
que se fez carne, assumindo a condição humana
e, nela, o mundo, através do Amor. Ele é a
Verdade que liberta e reintegra na comunhão com
o Pai; eterno e uno com o Pai, revelando-Lhe e
prometendo o Espírito Santo (8, 24.28.58; 10,
30.38; 14, 9s. 16; 15, 26; 16,14).
A relação de Jesus com a comunidade
dos discípulos é apresentada num contato
imediato, como comunhão e participação, (o bom
pastor: Jo 10; a Videira verdadeira: Jo 15); no
entanto, o capítulo 21 nesse Evangelho, ressalta a
necessidade e a divina instituição do serviço da
autoridade representado pelo ministério petrino,
como cuidado aos discípulos oriundo do amor a
Cristo.
Jesus se manifesta como o salvador
do mundo, contra satanás, “príncipe deste mundo”,
e seu séquito (cf: 8, 44; 12, 31). Jesus manifesta e
opera o amor de Deus Pai para a salvação
universal (cf: 3, 16; 10, 10; 11. 25s), pela fé no Seu
Verbo encarnado e glorificado e, pela permanência
no preceito do amor, sob a assistência do Espírito
Santo, como filhos através do Filho (Jo 15, 9.15;
1Jo3, 1-3; 1Jo4, 9s).
JONAS M. S. SILVA
50
Na Sua Páscoa, Jesus forma a
comunidade dos discípulos sob a cruz e como
dom do seu mistério pascal lhes transmite o
perdão e a paz, com a expiração do Espírito Santo
(Jo 19-20).
Maria, a mãe de Jesus, é ressaltada
nos capítulos 2 e 19 do IV evangelho, como a
“Mulher”, mãe da Nova humanidade, mãe dos
discípulos amados; Em Apocalipse 12, ela é
enfatizada como o protótipo da Igreja.
7 CRISTOLOGIA PAULINA (catequese de Bento
XVI)
O Apóstolo Paulo (Saulo), natural de
Tarso, com cidadania romana, formado na Escola
rabínica de Gamaliel e membro do partido dos
fariseus, perseguiu a Igreja de Deus (cf. Gl 1, 13),
porém, no meio do seu caminho, o Ressuscitado
mostrou-se a ele provocando-lhe a conversão.
De fato, Cristo, em seu mistério pascal,
já começara a manifestar-se a ele através da
paixão do proto-mártir Estevão (cf. At 7), que
reproduziu a paixão do Senhor.
A partir da manifestação do
ressuscitado, Saulo foi iniciado no caminho dos
discípulos; batizado por Ananias (cf. At 9, 18),
recebeu a tradição apostólica e a imposição das
mãos (cf. Gl 2, 7-10; At 13, 2s), sendo feito
apóstolo para o anúncio do Evangelho às nações.
CONHECENDO JESUS CRISTO
51
Paulo recebeu o martírio em Roma, por volta do
ano 64, na perseguição de Nero, quando também
foi martirizado o apóstolo São Pedro.
Abaixo, cito na íntegra, a IX catequese
do Papa Bento XVI sobre o apóstolo São Paulo,
na qual o então pontífice tratou especialmente da
cristologia do apóstolo dos gentios. Esta ocorreu
na Audiência Geral de 22 de outubro de 2008.
Segue, o texto:
“A importância da cristologia - Preexistência e
encarnação
Prezados irmãos e irmãs
Nas catequeses das semanas passadas,
meditamos sobre a "conversão" de São Paulo, fruto do
encontro pessoal com Jesus crucificado e ressuscitado,
e interrogamo-nos sobre qual foi o relacionamento do
Apóstolo das Nações com o Jesus terreno. Hoje,
gostaria de falar do ensinamento que São Paulo nos
deixou acerca da centralidade de Cristo ressuscitado no
mistério da salvação, sobre a sua cristologia. Na
verdade, Jesus Cristo ressuscitado, "exaltado acima de
todos os nomes", encontra-se no âmago de toda a sua
reflexão. Para o Apóstolo, Cristo constitui o critério de
avaliação dos acontecimentos e das realidades, a
finalidade de todo o esforço que ele realiza para
anunciar o Evangelho, a grande paixão que sustém os
seus passos pelos caminhos do mundo. E trata-se de um
Cristo vivo, concreto: o Cristo, diz Paulo, "que me
amou e se entregou a si mesmo por mim" (Gl 2, 20).
JONAS M. S. SILVA
52
Esta pessoa que me ama, com a qual eu posso falar, que
me ouve e me responde, ela é realmente o princípio
para compreender o mundo e para encontrar o caminho
na história.
Quem leu os escritos de São Paulo sabe bem que
ele não se preocupou em narrar os simples
acontecimentos em que se articula a vida de Jesus,
embora possamos intuir que nas suas catequeses narrou
muito mais sobre o Jesus pré-pascal de quanto escreveu
nas suas Cartas, que constituem admoestações em
situações específicas. A sua intenção pastoral e
teológica estava tão orientada para as comunidades
nascentes, que lhe era espontâneo concentrar todo o
anúncio de Jesus Cristo como "Senhor", vivo e presente
agora no meio dos seus. Daqui, a essencialidade
característica da cristologia paulina, que desenvolve as
profundidades do mistério com uma preocupação
constante e específica: sem dúvida, anunciar Jesus vivo,
o seu ensinamento, mas anunciar sobretudo a realidade
central da sua morte e ressurreição, como ápice da sua
existência terrena e raiz do sucessivo desenvolvimento
de toda a fé cristã, de toda a realidade da Igreja. Para
o Apóstolo, a ressurreição não é um acontecimento
independente, desvinculado da morte: o Ressuscitado é
sempre aquele que, primeiro, foi crucificado. Também
como Ressuscitado tem as suas feridas: a paixão está
presente nele e pode-se dizer com Pascal que Ele é
sofredor até ao fim do mundo, embora seja o
Ressuscitado e viva conosco e para nós. Esta identidade
do Ressuscitado com Cristo crucificado, Paulo
compreendeu-a no encontro no caminho de Damasco:
CONHECENDO JESUS CRISTO
53
naquele momento, revelou-se-lhe claramente que o
Crucificado é o Ressuscitado, e o Ressuscitado é o
Crucificado, que a Paulo diz: "Por que me persegues?"
(Act 9, 4). Paulo persegue Cristo na Igreja, e então
compreende que a cruz não é "uma maldição de Deus"
(Dt 21, 23), mas sim um sacrifício para a nossa
redenção.
O Apóstolo contempla fascinado o segredo
escondido do Crucificado-Ressuscitado e, através dos
sofrimentos experimentados por Cristo na sua
humanidade (dimensão terrena), remonta àquela
existência eterna em que Ele é um só com o Pai
(dimensão pré-temporal): "Quando chegou a plenitude
dos tempos, ele escreve, Deus enviou o seu Filho,
nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar
aqueles que estavam sob o jugo da Lei e para que
recebêssemos a adoção de filhos" (Gl 4, 4-5). Estas
duas dimensões, a preexistência eterna no Pai e a
descida do Senhor na encarnação, anunciam-se já no
Antigo Testamento, na figura da Sabedoria.
Encontramos nos Livros sapienciais do Antigo
Testamento alguns textos que exaltam o papel da
Sabedoria preexistente à criação do mundo. É neste
sentido que devem ser lidos trechos como este, do
Salmo 90: "Antes que nascessem as montanhas, e se
transformassem a terra e o universo, desde os séculos
dos séculos Vós sois, ó Deus" (v. 2); ou trechos como
aquele que fala da Sabedoria criadora: "O Senhor
criou-me como primícias das suas obras, desde o
princípio, antes que criasse qualquer coisa. Desde a
eternidade fui constituída, desde as origens, antes dos
JONAS M. S. SILVA
54
primórdios da terra" (Pr 8, 22-23). É sugestivo também
o elogio da Sabedoria, contido no livro homônimo: "A
Sabedoria estende o seu vigor de uma extremidade à
outra e governa o universo com suavidade" (Sb 8, 1).
Os próprios textos sapienciais que falam da
preexistência eterna da Sabedoria, falam também da
descida, da humilhação desta Sabedoria, que construiu
para si uma tenda no meio dos homens. Assim, já
sentimos ressoar as palavras do Evangelho de João,
que fala da tenda da carne do Senhor. Construiu para si
uma tenda no Antigo Testamento: aqui está indicado o
templo, o culto segundo a "Torá"; mas do ponto de vista
do Novo Testamento, podemos compreender que esta
era uma prefiguração da tenda muito mais real e
significativa: a tenda da carne de Cristo. E já vemos
nos Livros do Antigo Testamento que esta humilhação
da Sabedoria, a sua descida na carne, implica também
a possibilidade da sua rejeição. Desenvolvendo a sua
cristologia, São Paulo refere-se precisamente a esta
perspectiva sapiencial: reconhece em Jesus a sabedoria
eterna existente desde sempre, a sabedoria que desce e
constrói para si uma tenda no meio de nós e, assim, ele
pode descrever Cristo como "poder e sabedoria de
Deus", pode dizer que Cristo se tornou para nós
"sabedoria por obra de Deus, justiça, santificação e
redenção" (cf. 1 Cor 1, 24-30). De modo análogo,
Paulo esclarece que Cristo, da mesma forma como a
Sabedoria, pode ser rejeitado sobretudo pelos
dominadores deste mundo (cf. 1 Cor 2, 6-9), de tal
modo que se pode criar, nos desígnios de Deus, uma
CONHECENDO JESUS CRISTO
55
situação paradoxal, a cruz, que se transformará em
caminho de salvação para todo o gênero humano.
Um ulterior desenvolvimento deste ciclo
sapiencial, que vê a Sabedoria humilhar-se para depois
ser exaltada, não obstante a rejeição, verifica-se no
famoso hino contido na Carta aos Filipenses (cf. 2, 6-
11). Trata-se de um dos textos mais excelsos de todo o
Novo Testamento. Na sua esmagadora maioria, os
exegetas já concordam em considerar que essa perícope
apresenta uma composição precedente ao texto da
Carta aos Filipenses.
Esse é um dado de grande importância, porque
significa que, antes de Paulo, o judeu-cristianismo
acreditava na divindade de Jesus. Em síntese, a fé na
divindade de Jesus não é uma invenção helenista,
surgida muitos anos depois da vida terrena de Jesus,
uma invenção que, esquecendo-se da sua humanidade,
Tê-lo-ia divinizado; na realidade, vemos que o primeiro
judeu-cristianismo acreditava na divindade de Jesus;
aliás, podemos dizer que os próprios Apóstolos, nos
principais momentos da vida do seu Mestre,
compreenderam que Ele é o Filho de Deus, como São
Pedro disse em Cesareia de Filipe: "Tu és o Messias, o
Filho do Deus vivo" (Mt 16, 16). Todavia, voltemos ao
hino da Carta aos Filipenses. A estrutura desse texto
pode ser articulada em três estrofes, que explicam os
momentos principais do percurso realizado por Cristo.
A sua preexistência é expressa pelas palavras: "Ele, que
era de condição divina, não reivindicou o direito de ser
equiparado a Deus" (v. 6); segue-se, então, a
humilhação voluntária do Filho, na segunda estrofe:
JONAS M. S. SILVA
56
"Despojou-se a si mesmo, tomando a condição de
servo" (v. 7), humilhando-se a si mesmo, "fazendo-se
obediente até à morte, e morte de cruz" (v. 8). A
terceira estrofe do hino anuncia a resposta do Pai à
humilhação do Filho: "Por isso é que Deus O exaltou e
lhe deu um nome que está acima de todo o nome" (v. 9).
O que surpreende é o contraste entre a humilhação
radical e a sucessiva exaltação na glória de Deus. É
evidente que essa segunda estrofe está em contraste
com a pretensão de Adão, que queria ser Deus; está
também em contraste com o gesto dos construtores da
torre de Babel que, sozinhos, desejavam edificar a
ponte para o céu e fazer-se, eles mesmos, divindades.
Mas essa iniciativa da soberba terminou na
autodestruição: não é assim que se chega ao céu, à
verdadeira felicidade, a Deus. O gesto do Filho é
exatamente o contrário: não a soberba, mas a
humildade, que é realização do amor, e o amor é
divino. A iniciativa de humilhação, de humildade
radical de Cristo, com a qual contrasta a soberba
humana, é realmente expressão do amor divino; segue-
se-lhe aquela elevação ao céu, à qual Deus nos atrai
mediante o seu amor.
Além da Carta aos Filipenses, existem outros
lugares da literatura paulina onde os temas da
preexistência e da descida do Filho de Deus sobre a
terra estão ligados entre si. Uma confirmação da
assimilação entre Sabedoria e Cristo, com todos os
correspondentes aspectos cósmicos e antropológicos,
encontra-se na primeira Carta a Timóteo: "Ele
manifestou-se na carne, foi justificado pelo Espírito,
CONHECENDO JESUS CRISTO
57
visto pelos anjos, pregado aos gentios, acreditado no
mundo e exaltado na glória" (3, 16). É sobretudo
segundo estas premissas que melhor se pode definir a
função de Cristo como único Mediador, tendo como
pano de fundo o único Deus do Antigo Testamento (cf. 1
Tm 2, 5, em relação a Is 43, 10-11; 44, 6). Cristo
constitui a verdadeira ponte que nos orienta para o céu,
para a comunhão com Deus.
E, finalmente, apenas uma referência aos últimos
desenvolvimentos da cristologia de São Paulo nas
Cartas aos Colossenses e aos Efésios. Na primeira,
Cristo é qualificado como "primogénito de todas as
criaturas" (cf. 15-20). Esta palavra "primogénito"
implica que o primeiro entre muitos filhos, o primeiro
entre muitos irmãos e irmãs, desceu para nos atrair e
fazer seus irmãos e irmãs. Na Carta aos Efésios
encontramos uma bonita exposição do desígnio divino
da salvação, quando Paulo diz que Deus queria
recapitular tudo em Cristo (cf. Ef 1, 23). Cristo é a
renovação de tudo, resume tudo e orienta-nos para
Deus. E deste modo insere-nos num movimento de
descida e de ascensão, convidando-nos a participar na
sua humildade, ou seja, no seu amor ao próximo, para
assim sermos partícipes também da sua glorificação,
tornando-nos com Ele filhos no Filho. Oremos a fim de
que o Senhor nos ajude a conformar-nos com a sua
humildade e com o seu amor, para que assim nos
tornemos partícipes da sua divinização.”
JONAS M. S. SILVA
58
8 HEBREUS
Em Hebreus, uma longa homília do
primeiro século, Jesus Cristo é apresentado como
o Verdadeiro Sumo Sacerdote, por se manifestar
solidário com os seres humanos pecadores e, ao
mesmo tempo, fonte de misericórdia para a
humanidade. Ele é o Filho eterno de Deus,
superior aos anjos.
O auto-sacrifício do seu corpo na cruz,
oferecido de uma vez por todas, revela que ele é o
autêntico ministro do verdadeiro culto e por sua
páscoa entrou de uma vez por todas, não no
santuário de Jerusalém, que é uma estrutura que
reflete os arquétipos celestes que Moisés
contemplou sobre o monte Sinai, mas no
Santuário celeste, repouso prometido ao povo de
Deus e aberto aos que são fiéis a Cristo.
Jesus Cristo não entrou no Santuário
de Jerusalém que é cópia, como o sumo
Sacerdote do seu povo adentrava no dia do
perdão, o Yom Kippur, todos os anos.
Jesus Cristo, por sua morte sacrifical,
entrou definitivamente no próprio arquétipo que
Moisés contemplou, e alcançou-nos o perdão de
uma vez por todas; por isso, está no trono da
graça, dispensando-nos o perdão.
Assim, o sacerdócio de Cristo se
inscreve na ordem de Melquisedec, rei-sacerdote
de paz e de justiça com conotação sobre-histórica,
ele é maior que Abraão, que a ele paga o dízimo e
CONHECENDO JESUS CRISTO
59
dele recebe a bênção, é também maior que os
descendentes de Abraão, inclusive os levitas, tribo
a quem tocou o serviço sacerdotal.
JONAS M. S. SILVA
60
FLORESCIMENTO
A cruz floresce qual árvore
Em meio ao Jardim do mundo.
Afronta-lhe, qual um absurdo,
É vida que vence a morte!
O Verbo de Deus qual semente,
Morrendo dá vida nova,
Nos lumes da eterna Aurora,
Salvando o mundo crente!
Jesus, O Verbo da Vida,
Altar, sacerdote e vítima:
Filho que no Amor, recria-nos.
À glória eterna, convida-nos
Pelos anuncio, fé e batismo,
Sob Pão e Vinho eucarísticos.
(Frei Jonas Silva – Poético, 2018, pp.97-98)
CONHECENDO JESUS CRISTO
61
II TABELA DOS PRIMEIROS CONCÍLIOS
ECUMÊNICOS
CONCÍLIO DE:
ANO HERESIA COMBATIDA
DETERMINAÇÃO DOGMÁTICA
NICÉIA 325 Arianismo / Apolinarismo
Jesus Cristo, o Filho de Deus que nasceu da Virgem, é da mesma substância do Pai; assim, Ele é Deus.
CONSTANTINOPLA I
381 Pneumatômacos
O Espírito Santo é Deus, com o Pai e o Filho.
ÉFESO I 431 Nestorianismo
Maria é Mãe de Deus, pois na união hipostática das naturezas humana e divina na única pessoa do Verbo encarnado, há uma perfeita comunicação de idiomas, sem conjunção ou justaposição, mas união perfeita e indissolúvel.
CALCEDÔNIA
451 Monofisismo
O Verbo encarnado, Jesus Cristo, na
JONAS M. S. SILVA
62
sua única pessoa divina, possui natureza divina e natureza humana perfeitas.
CONSTANTINOPLA III
680/1 Monotelitismo
O Verbo encarnado, Jesus Cristo, possui uma vontade divina e uma vontade humana, perfeitamente concordes e unidas.
CONHECENDO JESUS CRISTO
63
III A JUSTIFICAÇÃO CONFORME O CONCÍLIO
DE TRENTO
O Decreto sobre a Justificação foi
promulgado pelo papa Paulo III, em 1547, como
doutrina definida pela Igreja no Concílio de Trento
(1545 - 1563). Organiza-se em 16 capítulos, mais
33 cânones anatemáticos.
A ideia de Justificação encontra a sua
base fundamental na Sagrada Escritura,
sobremaneira nas epístolas do Apóstolo Paulo (Cf:
Rm 1; Fl 3; Gl 5, 1; I e IICor); é apresentada como
fruto objetivo da ação gratuita e redentora do Pai,
através das missões divinas do Filho e do Espírito
Santo.
Segundo a síntese de Stancati (2003,
p.424): “a Justificação é a transformação global,
operada por Deus, que transporta a pessoa do
estado de pecado-inimizade com Ele para o de
santidade e de filiação adotiva divina, apta à
destinação sobrenatural”. Esse conceito se
inscreve no pensamento soteriológico de Santo
Anselmo de Aosta, na obra “Por que Deus se fez
homem”, considerando a Justificação a partir do
pecado.
Conforme o Decreto sobre a
Justificação (Dz 1520-1583), deve-se partir do
reconhecimento do pecado original e seus efeitos
sobre a natureza humana, no contexto da
JONAS M. S. SILVA
64
importância da Natureza e da Lei para Justificar o
ser humano, passando a consideração da História
da Salvação e do mistério da vinda de Cristo
(Encarnação), que morreu por todos (Cf: 2 Cor 5,
15). Porém, só aqueles aos quais são
comunicados os méritos da Sua Paixão recebem
os benefícios da Sua Páscoa. Assim, o pecador é
justificado, entrando no estado de Graça, ao
aceitar pela fé a pregação da Igreja e ao receber
dela o Sacramento do Batismo, senão – na
impossibilidade- apenas o Batismo de desejo.
Para tanto, os adultos têm a
necessidade de se prepararem para a Justificação
que deriva da “Graça preveniente de Deus, no
chamado de Cristo, sem mérito algum por parte do
ser humano, consentindo e cooperando com a
Graça, através da iluminação do Espírito Santo”,
acolhendo a Fé, que deriva da escuta da
Pregação eclesial, dando seu assentimento,
recebendo o Batismo, iniciando uma Vida Nova e
observando os mandamentos de Deus.
Através da voluntária recepção da
graça e dos dons, santificando e renovando o
homem interior, acontece a Justificação do
pecador, derivada de cinco causas (Dz 1529):
Final: A glória de Deus e a Vida eterna; Eficiente:
Deus em Sua Misericórdia e graça, purifica-nos e
santifica-nos, assinalando-nos e ungindo-nos;
Meritória: o Verbo encarnado, através de Sua
paixão sobre a Cruz, satisfez a Deus Pai;
Instrumental: o Sacramento da fé, que é o
CONHECENDO JESUS CRISTO
65
Batismo, sem o qual ninguém é salvo e; Formal: A
justiça de Deus, aquela pela qual Ele nos torna
justos: na qual, perdoados, somos renovados “no
espírito da nossa mente”
Ao ser justificado, o ser humano
recebe, junto com o Perdão dos Pecados - ao ser
enxertado em Jesus Cristo e através Dele-as
Virtudes Teologais. A Esperança e a Caridade
seguem a Fé, na Graça de Deus, pois “a fé é o
princípio da salvação humana” (Dz 1532) e “a fé
sem obras é morta” (Dz1531).
Por tudo isso, não se deve presumir a
própria salvação e se deve reconhecer o aumento
da Justificação recebida, através do progresso nas
virtudes, mediante a graça de Cristo e a
cooperação da fé para as boas obras. Derivando
disso, a necessidade e a possibilidade da
observância dos Mandamentos, dado que é
próprio do justo um espírito contrito e penitente,
pelo fato de ele cair, ao menos, em pecados leves
e cotidianos. Nisso, o homem justificado deve se
precaver contra a temerária presunção da
predestinação, implorando de Deus o dom da
perseverança final e recorrendo sempre ao
Sacramento da Penitência, dado pela Igreja, pelos
méritos de Cristo, pois a graça se perde com
qualquer pecado mortal, não obstante permaneça
a fé.
O Capítulo 16, desse Decreto, trata
dos frutos da justificação ou méritos das boas
obras e da razão destes méritos: Cristo, cabeça da
JONAS M. S. SILVA
66
Igreja, transmite sua força aos seus membros
justificados. Assim, a Justiça de Deus é designada
também “Nossa”, dado que está inerente a nós e
nos justifica. Por isso, só é conveniente, e é dever,
gloriar-se no Senhor, ainda mais pelo motivo que
toda a vida humana deve ser examinada e julgada
conforme o juízo divino
A Justificação, conforme Stancati
(2003, p. 424), não é só a remissão dos pecados,
mas também o dom de um novo princípio vital de
existência no Espírito Santo, a vida de filhos de
Deus, predestinada à Vida Eterna.
CONHECENDO JESUS CRISTO
67
IV SISTEMÁTICA
1 PENSAMENTOS DE CRISTOLOGIA
FRANCISCANA
Podemos dizer que toda a reflexão da fé de Francisco a respeito de Jesus Cristo está sempre orientada para Deus na perspectiva evangélica, pela qual a ‘vida segundo o → evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo’, uma vida que se opõe, por sua prática (tácita, implícita, sem contestação intencionada), a todos os símbolos negativos, opressores do homem, é o espaço onde a invocação de Deus como nosso Pai assume sentido absolutamente novo para o homem, porque é o lugar onde, à imitação de Cristo, vivemos novamente a fraternidade. (POMPEI, 1993,p.358)
*ENCARNAÇÃO
O Filho se humilhou, descendo do ‘trono real...ao seio da Virgem’ (Adm1,16). Esta humilhação estava profundamente gravada no coração de Francisco [...] É no seio de Maria que o Filho de Deus ganha ‘a verdadeira carne da nossa humanidade’; conservando-se como Verbo de Deus, escolhe a humildade, a pobreza de
JONAS M. S. SILVA
68
Maria (2CtFi4-5). Ele viveu na ‘tribulação’, no opróbrio, na fome, na sede, na enfermidade, na tentação e em tudo o mais’ (Adm 6,2) e morreu por nós, depois de ter colocado ‘sua vontade na vontade do Pai’ (2CtFi4-15) e de ressuscitar para nossa salvação (OfP, 1Non). (POMPEI, 1993,p.360).
Segue o texto da Audiência do papa
Bento XVI sobre a origem da festa do Natal, onde
enfatiza a essencial contribuição sanfranciscana,
para a mesma; em 23 de dezembro de 2009:
Queridos irmãos e irmãs!
Com a Novena de Natal, que estamos a celebrar
nestes dias, a Igreja convida-nos a viver de modo
intenso e profundo a preparação para o Nascimento do
Salvador, já iminente. O desejo, que todos trazemos no
coração, é que a próxima festa do Natal nos dê, no meio
da atividade frenética dos nossos dias, serena e
profunda alegria para nos fazer tocar com mão a
bondade do nosso Deus e nos infunda renovada
coragem.
Para compreender melhor o significado do Natal
do Senhor, gostaria de fazer uma breve menção à
origem histórica desta solenidade. De fato, o Ano
litúrgico da Igreja não se desenvolveu inicialmente
partindo do nascimento de Cristo, mas da fé na sua
ressurreição. Por isso, a festa mais antiga da
cristandade não é o Natal, mas a Páscoa; a
ressurreição de Cristo funda a fé cristã, está na base do
CONHECENDO JESUS CRISTO
69
anúncio do Evangelho e faz nascer a Igreja. Por
conseguinte, ser cristãos significa viver de modo pascal,
fazendo-nos envolver no dinamismo que é originado
pelo Batismo e leva a morrer para o pecado para viver
com Deus (cf. Rm 6, 4).
O primeiro que afirmou com clareza que Jesus
nasceu a 25 de Dezembro foi Hipólito de Roma, no seu
comentário ao Livro do profeta Daniel, escrito por
volta de 204. Depois, alguns exegetas observam que
naquele dia se celebrava a festa da Dedicação do
Templo de Jerusalém, instituída por Judas Macabeu,
em 164 a.C. A coincidência de datas significaria então
que, com Jesus, que apareceu como luz de Deus na
noite, realiza-se deveras a consagração do templo, o
Advento de Deus nesta terra.
Na cristandade, a festa do Natal assumiu uma
forma definitiva no século IV, quando substituiu a festa
romana do "Sol invictus", o sol invencível. Assim, foi
evidenciado que o nascimento de Cristo é a vitória da
verdadeira luz sobre as trevas do mal e do pecado.
Contudo, a particular e intensa atmosfera espiritual que
circunda o Natal desenvolveu-se na Idade Média,
graças a São Francisco de Assis, que estava
profundamente apaixonado pelo homem Jesus, pelo
Deus-conosco. O seu primeiro biógrafo, Tomás de
Celano, na Vida segunda, narra que São Francisco
"acima de todas as outras solenidades, celebrava com
inefável solicitude o Natal do Menino Jesus, e chamava
festa das festas ao dia no qual Deus, feito pequeno
infante, se tinha amamentado num seio humano"
(Fontes Franciscanas, n. 199, p. 492). Desta particular
JONAS M. S. SILVA
70
devoção ao mistério da Encarnação teve origem a
famosa celebração do Natal, em Greccio. Ela,
provavelmente, foi inspirada em São Francisco pela sua
peregrinação à Terra Santa e pelo presépio de Santa
Maria Maior, em Roma. O que animava o Pobrezinho
de Assis era o desejo de experimentar de modo
concreto, vivo e atual a humilde grandeza do
acontecimento do nascimento do Menino Jesus e de
comunicar a sua alegria a todos.
Na primeira biografia, Tomás de Celano fala da
noite do presépio de Greccio de modo vivo e
comovedor, oferecendo uma contribuição decisiva para
a difusão da tradição natalícia mais bonita, a do
presépio. De fato, a noite de Greccio voltou a dar à
cristandade a intensidade e a beleza da festa do Natal, e
educou o Povo de Deus para compreender a sua
mensagem mais autêntica, o calor particular, e a amar
e adorar a humanidade de Cristo. Essa particular
aproximação ao Natal ofereceu à fé cristã uma nova
dimensão. A Páscoa tinha concentrado a atenção sobre
o poder de Deus que vence a morte, inaugura a vida
nova e ensina a esperar no mundo que há de vir. Com
São Francisco e com o seu presépio eram postos em
evidência o amor inerme de Deus, a sua humildade e a
sua benignidade, que na Encarnação do Verbo se
manifesta aos homens para ensinar um novo modo de
viver e de amar.
Celano narra que, naquela noite de Natal, foi
concedida a Francisco a graça de uma visão
maravilhosa. Viu jazer imóvel na manjedoura um
pequeno menino, que foi despertado do sono
CONHECENDO JESUS CRISTO
71
precisamente pela proximidade de Francisco. E
acrescenta: "Nem esta visão discordava dos fatos
porque, por obra da sua graça que agia por meio do
seu santo servo Francisco, o Menino Jesus foi
ressuscitado no coração de muitos que o tinham
esquecido, e foi impresso profundamente na sua
memória amorosa" (Vida primeira, op. cit., n. 86, p.
307). Esse quadro descreve com muita clareza quanto a
fé viva e o amor de Francisco pela humanidade de
Cristo transmitiram à festa cristã do Natal: a
descoberta que Deus se manifesta nos membros frágeis
do Menino Jesus. Graças a São Francisco, o povo
cristão pôde compreender que no Natal Deus se tornou
deveras o "Emanuel", o Deus-conosco, do qual não nos
separa barreira nem distância alguma. Naquele
Menino, Deus tornou-se tão próximo de cada um de
nós, tão próximo, que podemos chamá-lo por tu e
manter com ele uma relação confidencial de afeto
profundo, assim como fazemos com um recém-nascido.
De fato, naquele Menino, manifesta-se Deus-
Amor: Deus vem sem armas, sem a força, porque não
pretende conquistar, por assim dizer, de fora, ao
contrário, deseja ser acolhido pelo homem em
liberdade; Deus faz-se Menino inerme para vencer a
soberba, a violência e a ambição de posse do homem.
Em Jesus, Deus assumiu esta condição pobre e
desarmante para nos vencer com o amor e nos guiar à
nossa verdadeira identidade. Não devemos esquecer
que o título maior de Jesus Cristo é precisamente o de
"Filho", Filho de Deus; a dignidade divina é indicada
com uma palavra, que prolonga a referência à humilde
JONAS M. S. SILVA
72
condição da manjedoura de Belém, mesmo
correspondendo de modo único à sua divindade, que é a
divindade do "Filho".
A sua condição de Menino indica-nos, além
disso, como podemos encontrar Deus e gozar da Sua
presença. É à luz do Natal que podemos compreender
as palavras de Jesus: "Se não voltardes a ser como as
criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus" (Mt
18, 3). Quem não compreendeu o mistério do Natal, não
entendeu o elemento decisivo da existência cristã. Quem
não acolhe Jesus com coração de criança, não pode
entrar no reino dos céus: foi isto que Francisco quis
recordar à cristandade do seu tempo e de todos os
tempos, até hoje. Rezemos ao Pai para que conceda ao
nosso coração aquela simplicidade que reconhece no
Menino o Senhor, precisamente como fez Francisco em
Greccio. Então, poderia acontecer também a nós, o que
narra Tomás de Celano – referindo-se à experiência
dos pastores na Noite Santa (cf. Lc 2, 20), –a propósito
de quantos estiveram presentes no acontecimento de
Greccio: "Cada um regressou à própria casa repleto
de alegria inefável" (Vida primeira, op. cit., n. 86, p.
479).
*CRUZ
Jesus, ‘colocando sua vontade na vontade do Pai’ (2CtFi 10), aceita a própria finitude e se entrega ao Deus infinito, que tem sempre a última
CONHECENDO JESUS CRISTO
73
palavra [...] A morte de Jesus foi consequência da força irresistível do amor e da bondade: ‘Vós vos dignastes morrer por amor de meu amor’(Abs). Morreu na qualidade de um amor que não conhecia comprometimentos, numa práxis toda dirigida para promover o bem do homem e resistindo a tudo o que lhe pudesse fazer mal. Essa prática não podia ser realizada com meios termos: ou toda para Deus, ou toda contra Deus. (POMPEI, 1993,p.361)
*EUCARISTIA
São Francisco sublinha, pois, com vigor, em estilo marcado pelo lirismo, a analogia entre a encarnação e a realidade eucarística sob a ótica do abaixamento de Cristo que, na encarnação, esconde sua divindade na condição humana e, na eucaristia, oculta-se no pão consagrado para convidar a contemplá-lo além do sinal, com os olhos da fé em sua divindade, presente em seu corpo e sangue, vivo e verdadeiro. (FALSINI, 1993, p. 225-226)
JONAS M. S. SILVA
74
2 JESUS CRISTO: CABEÇA DO COSMO E DA
HISTÓRIA, PERSPECTIVA DO CARDEAL
GIACOMO BIFFI
Apresento-vos uma síntese do livro
“Jesus de Nazaré, centro do Cosmo e da história”
do cardeal Giacomo Biffi. Trata-se de um pequeno
tomo com linguagem acessível, guardando a
grandeza cristológica da reflexão, enfatizando na
sua estrutura a unidade singular de Jesus Cristo:
Jesus histórico e Cristo da Fé.
A primeira parte trata sobre a
identidade de Jesus a nível histórico. Mas na
busca do retrato falado de Jesus, apesar de não
se possuir documentos técnicos e atuais de suas
expressões como fotos, gravações etc, embasa-se
nas diversas informações provenientes de várias
fontes através de documentos escriturísticos e
diversos testemunhos que chegaram até nós.
Deve-se recolher tais informações, organizando-as
e compreendendo-as adequadamente para captar,
de modo mais claro, a sua identidade.
Ele é um grande procurado, há
constante desejo de o encontrar, sobretudo pelos
fiéis cristãos.
As fontes escriturísticas, como os
Evangelhos, mesmo para o pesquisador laico, é
uma fonte respeitada e deve ser compreendida
com métodos hermenêuticos próprios.
Sobre o aspecto exterior, o traje de
Jesus é o mesmo dos israelitas observantes e
CONHECENDO JESUS CRISTO
75
notáveis, uma túnica inconsútil e um manto com
franjas. Seu modo de trajar-se está em sintonia
com o seu comportamento que transmitem
senhorio, respeitabilidade.
No convívio social, Jesus acolhe a
todos. A todas as pessoas destina a sua
mensagem. Na maior parte, são pessoas do
mundo do trabalho manual e braçal. Mas, também
dialoga com os homens de cultura, como os
escribas e fariseus.
Itinerante, Jesus se hospeda nas
casas de discípulos e amigos, como as de Pedro e
de Marta.
Pode-se averiguar que Jesus gozava
de boa saúde, enfrentando dias repletos de
atividades em 3 anos do seu ministério. É um
formidável caminhador, também precisa descansar
de suas labutas e peregrinações.
Os elogios tecidos a Jesus por uma
mulher admiradora, narrado em Lucas 11,27,
testemunham a beleza jovial e física de Jesus.
Seus olhos são magnetizantes, dá conta da
realidade que o circunda. Olha para o alto em suas
orações ao Pai, ou para Zaqueu no alto do
sicômoro. Sobretudo, penetrava, com o olhar, o
interno das pessoas até chegar ao coração.
Quanto à psicologia de Jesus,
evidencia-se que se a interioridade antropológica
já é um complexo difícil de compreender, mais
ainda a de Jesus, por sua natureza divina unida à
sua natureza humana. Porém, os relatos dos
JONAS M. S. SILVA
76
Evangelhos encorajam tal tarefa; no seu discurso,
Jesus manifesta a segurança absoluta de quem
fala com uma grande clareza de ideias, reunindo
seus ensinamentos em torno dos temas
fundamentais: o Pai e o seu Reino.
Observador presente e sensível à
realidade, nas suas sentenças e parábolas, mostra
que é atento à concretude da realidade humana,
inclusive nos costumes e coisas mais humildes do
dia-a-dia, dos quais tira uma mensagem sábia,
transmitida numa linguagem significativa e
compreensível para seus interlocutores.
Com a vontade firme, realiza escolhas
operativas, mantendo seus propósitos, agindo
como um líder nato do seu grupo, pois transmite
coragem, provocando seus discípulos no confiante
seguimento.
Seu comportamento possui a liberdade
perante seus parentes e opositores, conservando
suas convicções, mesmo diante das autoridades,
com respeito, mas sem temores reverenciais. A
liberdade de Jesus também marca seu
comportamento perante os amigos, preferindo a
ausência deles a ter de renunciar à sua missão.
Também assume a mesma postura perante
preconceitos e julgamentos alheios.
Com sensibilidade, expressa sua
intensa atividade, com paridade de sentimentos,
compadece-se das misérias humanas até as
entranhas, cultiva a amizade de modo gradativo
com seus apóstolos, os discípulos, a família de
CONHECENDO JESUS CRISTO
77
Betânia; manifesta ternura, acolhendo e
defendendo as crianças e as mulheres.
Psicologicamente sólido e senhor de si, sabe
expressar suas emoções sem constranger, sabe
chorar e ficar alegre. É atento às necessidades
das pessoas pobres e necessitadas, com empatia
e serviço.
Jesus, sente, pensa, expressa-se e
comporta-se peculiarmente como hebreu,
conforme seu ambiente cultural e histórico. Utiliza,
nas disputas com os rabinos, uma dialética própria
a eles, seu estilo semítico, utiliza também
esquemas próprios da literatura hebraica, como o
paralelismo simples, conforme Mateus 10,24;
10,39; o paralelismo antitético, conforme Mt 7,17 -
18; e o paralelismo estrófico, conforme Mateus
7,24 – 27.
Com coração de hebreu, Jesus ama
sua cultura, sua terra e seu povo, com certo
privilégio, integrado na observância das legítimas
tradições de Israel. Com relação às finanças,
Jesus não rejeitou o dinheiro, utiliza-o de maneira
que dê à sua missão uma realística base
financeira, preocupa-se com a prática da justiça,
baseada no relacionamento com o Criador, que
retribui com recompensa aos que praticam a
justiça.
Quanto à originalidade de Jesus: ele é
um rabino integrado na sua cultura e história,
conhecendo e citando a sagrada escritura,
gerando comportamento misericordioso para com
JONAS M. S. SILVA
78
os pecadores, incomodando a hipocrisia do seu
contexto social. Pela primazia que ele dá à vida de
interioridade, inserido na tradição profética, não
aprova o legalismo ritualista exagerado dos
fariseus.
Se Cristo ensina que as riquezas
podem se tornar Ídolos que escravizam o ser
humano, por isso é um risco, é para que se adote
a condição espiritual de pobreza para imprimir
desapego e liberdade para com os bens, para
confiar somente na providência de Deus.
Tratando do casamento, voltando ao
seu fundamento originário na criação, Jesus
condenou o divórcio e ensinou a viver o celibato
como modo de vida para o serviço itinerante do
Reino dos Céus.
A fonte interior de sua originalidade e
sua intensa relação com o Pai, é o que dá sentido
à sua vida e ministério. É o único que chama Deus
de Abbá, paizinho. Ele tem consciência de sua
singular filiação para com Deus e de que, no
Antigo Testamento, a relação de Deus para com o
povo eleito já foi enfatizada como paternidade
(Isaías; Jeremias 31,9; Malaquias 1,6; Samuel;
Salmos 89,27). Ele também foi apresentado como
pai dos órfãos, das viúvas e dos justos (Salmo
86,6; Salmo 103, 3; Sabedoria 2,6).
Que Jesus Cristo é o Filho de Deus é
manifesto no seu silêncio, na sua oração que se
desdobra em expressões de adoração,
CONHECENDO JESUS CRISTO
79
agradecimento, súplicas para glória de Deus, a
favor dos amigos e perdão aos inimigos.
Sua comunhão filial com Deus povoa
sua solidão, permanecendo firme na defesa das
suas doutrinas mais impopulares (João 6,15;
16,32).
Na sua comunhão com o Pai, Jesus
adere perfeitamente com sua vontade humana a
sua vontade divina. Ele tem consciência do amor e
do cuidado do Criador por todas as suas criaturas,
especialmente os seres humanos. E, por isso, é
justo que os filhos se assemelhem à santidade de
Deus Pai como resposta ao seu amor.
Jesus supera todo nacionalismo
religioso fechado, contradizendo a mentalidade
dos seus conterrâneos. Com base no amor de
Deus que se estende a todo o criado, e
declarando com força sem igual a paternidade
universal de Deus, indicando o amor como sentido
e como meio para o relacionamento do homem
para com Deus, dá primazia à interioridade que
também se expressa na justiça e no amor para
com o próximo
Da sua singular relação com Pai,
manifestando sua total originalidade, conclui-se
que não se pode titubear a certeza de que Jesus
Nazareno tinha de ser, de um modo propriamente
irrepetível e incomunicável, o Filho de Deus;
relativo ao Pai, põe a consciência da sua
magnitude e singularidade.
JONAS M. S. SILVA
80
Na segunda parte, Giacomo Biffi,
tratando da aproximação do Mistério de Jesus,
compreende o mesmo Jesus de Nazaré na
perspectiva da fé da Igreja, como “O Filho do Deus
Vivo”, “o salvador”, e “o cabeça do Cosmo, da
humanidade e da Igreja” para além da sua
realidade humana, na profundeza do seu mistério
e na sua ação Salvadora para conosco e no centro
do universo, e a partir da perspectiva da fé eclesial
(cf. p.50).
Jesus é o Cristo, o Filho do Deus Vivo
(Mateus 16,13 – 17,40). Essa é a fé da Igreja
apostólica da qual se participa na fé pelo Batismo.
E, apenas na Igreja se toca o mistério de Jesus
Cristo.
Por outro lado, as vozes do mundo
acerca do Senhor, são variadas opiniões
divergentes. Essas são agrupadas por Giacomo
Biffi: primeiro, Jesus no Imaginário subjetivo: ele é
um mito? E, um homem extraordinário? É, uma
crença? Uma ideia divina? Seria uma grandeza
para além do ser humano? Ele é real?
Outra perspectiva compreende Cristo
como o homem da boa nova, o extraordinário, um
gênio que marcou uma nova era na história
universal: Jesus é tomado por um gênio religioso
ou um gênio filosófico, talvez um gênio social e
político: praticamente um enigma histórico.
E o terceiro grupo, das pessoas que
veem Jesus como uma pessoa concreta na
história da humanidade. Porém, dele não se pode
CONHECENDO JESUS CRISTO
81
saber, certamente, nada, cientificamente. De sua
vida concreta, postulam a descontinuidade entre o
Jesus histórico e o Cristo da Fé.
O autor observa que, entre o povo, os
mitos e concepções sobre Jesus são geralmente
positivos. Porém, as perspectivas do povo e as da
Igreja sobre Jesus são maneiras diferentes de
tomar consciência, ao olhar para o seu mistério.
Certamente, as opiniões populares podem ser
sintetizadas na compreensão de Cristo como um
dos Profetas: o Libertador.
A fé da Igreja está expressa na
profissão de São Pedro Apóstolo: “Tu és o Cristo,
o Filho do Deus Vivo” (Mateus 16,16). Quem
adulterar ou decepar essa Fé, está fora da
comunhão eclesial.
Para além das variadas opiniões
acerca do mistério de Jesus Cristo, Ele permanece
único, sem precedentes ou repetições. De Jesus,
a Igreja o compreende no seu caráter messiânico,
na sua ressurreição e divindade.
A Igreja propõe, ainda hoje, a todos, a fé do apóstolo Pedro: Jesus é o Messias, isto é, a resposta divina a todas as expectativas fundamentais dos homens. Todas as eternas aspirações dos corações humanos: a verdade, a certeza, a liberdade, o sentido, a alegria encontram em Jesus de Nazaré a única realização decisiva (BIFFI, 2002, p.57).
JONAS M. S. SILVA
82
Enfatizando a ação Salvadora de
Jesus como único modo de responder quem é ele
para nós, o autor enfatiza o significado do nome
Yeshua: Deus salva. Ele é salvação e libertação
de um mal ameaçador que se aproxima.
Objeto da intervenção divina (a
salvação em Cristo que se faz a global e
definitiva), o ser humano, desde sua própria
interioridade, é conduzido ao seu destino,
revelando ao mesmo tempo a sua miséria
(pecado) e a sua grandeza (amado/salvo por
Deus). Tendo isso em mente, todas as teorias
iluministas sobre o ser humano, a dos
conservadores, dos radicais e dos marxistas se
mostram insuficientes. Essa verdade desmascara
todo o pelagianismo que considera o ser humano
único salvador de si mesmo.
“Para que a salvação alcance
efetivamente cada homem, é necessário que ele
creia, isto é, acolha com todo seu ser o Senhor
Jesus, em quem se realiza todo desígnio do Pai”
(BIFFI, 2002, p.69).
A reflexão teológica para compreender
a obra Redentora de Cristo parte dos atos do
Senhor em sua vida pública, não apenas do seu
mistério Pascal, mas de toda a sua existência,
pois, em Cristo, tudo é salvífico: Ele nos redimiu
não só por aquilo que fez, mas também por aquilo
que disse.
A questão da existência de Cristo
também se acopla à meditação dos Padres da
CONHECENDO JESUS CRISTO
83
Igreja sobre os mistérios da Sua Pré-existência: A
Encarnação, a Páscoa, a glorificação do Senhor. A
partir dos escritos joaninos e paulinos, em sintonia
com os padres da Igreja, considerando que Jesus
Cristo é a imagem do Pai (Colossenses 1,15),
compreende-se a possibilidade do Verbo
encarnado ser o redentor, na compreensão que o
ser humano foi criado como reflexo dele, à
imagem de Deus.
O Mistério da nossa redenção que
Cristo realizou em sua Páscoa, estava inscrito em
nosso estatuto criacional, que só poderia ser
realizado pelo Verbo Eterno de Deus que se
encarnou, pois fomos criados como seus reflexos:
Ele é o protótipo do homem (homem perfeito:
Novo Adão). Seu reflexo, que portamos, indica a
nossa conexão originária com Ele, que mesmo o
pecado não destruiu. Assim, perdura, na natureza
humana, a possibilidade do plano divino de nos
salvar no Verbo e nos fazer participar da Vida
divina.
No último capítulo, Giacomo Biff
apresenta Jesus Cristo como cabeça da Igreja,
Messias, Filho de Deus, centro do cosmo e da
História. É baseando-se em São Paulo
(Colossenses; I Coríntios) que expressa este
conceito fundamental da cristologia, usando a
metáfora do corpo e da cabeça: Cristo é a cabeça
da Igreja. Ele é, antes, a cabeça do universo
criado (Colossenses 1,16). O Cristo cabeça
derrama no seu corpo o Espírito Santo. Ele é
JONAS M. S. SILVA
84
enviado por Cristo, a partir de sua Páscoa, à Igreja
e ao cosmo: ao mundo interior-antropológico e ao
mundo exterior-cósmico, envolvendo na realidade
da salvação e da divinização.
3 DE CRISTO À SUA IGREJA: ECLESIOLOGIA
DE JOSEPH RATZINGER (Bento XVI)
Apresento-vos, a seguir, uma síntese
pormenorizada dos três primeiros capítulos do livro
“COMPREENDER A IGREJA HOJE: VOCAÇÃO
PARA A COMUNHÃO” DE J. Ratzinger (BENTO
XVI):
A– ORIGEM E NATUREZA DA IGREJA
-Considerações metodológicas preliminares
Atualmente, as questões teológicas
especulativas sobre a Igreja são de natureza
prática, como a questão sobre Jesus e a Igreja e a
forma da Igreja nos primórdios no Novo
Testamento são envolvidas por variadas teorias
exegéticas. A exegese liberal, conforme seu ideal,
vê Jesus como um grande individualista libertador
da instituição e do culto, um ser ético.
Com a Primeira Guerra Mundial e o
desmoronamento do liberalismo, houve o ressurgir
do desejo de reintegração da Comunidade Viva e
religiosa; inclusive, no âmbito protestante,
CONHECENDO JESUS CRISTO
85
valorizando-se a instituição Igreja. No âmbito
alemão, chegou-se à compreensão de que não se
pode separar o Messias do seu povo, valorizando
seu Sacramento e reconhecendo o significado da
Última Ceia, como o momento da fundação da
nova comunidade e origem permanente da Igreja,
abrindo-se para uma eclesiologia eucarística.
Depois da Segunda Guerra Mundial, com a Guerra
Fria, surgiu, no ocidente capitalista uma variante
da antiga teologia liberal com a interpretação
escatológica da mensagem de Jesus, tomando-se
os sacerdotes, o culto, a instituição e o direito,
novamente, como negativos que devem ser
superados. Tal forma liberal estava em vias de
transformar-se em uma interpretação marxista da
teologia, concebendo o Reino de Deus como o
ideal de uma sociedade comunista, opondo Igreja
oficial e Igreja popular.
Disso se pode concluir que cada
situação histórica da humanidade revela uma
determinada faceta da espiritualidade humana,
abrindo novos caminhos de compreensão da
realidade. Também a Igreja pode adentrar cada
vez mais nos fundamentos da sua verdade,
descobrindo novas dimensões dessas
experiências, sem trair a Revelação e sua
memória objetiva.
JONAS M. S. SILVA
86
-O testemunho do Novo Testamento sobre a
origem e a natureza da Igreja
Quanto à mensagem de Jesus sobre o
Reino dos céus, uma leitura histórica dos textos
evangélicos mostra que não pode haver
contraposição entre o Reino anunciado e a Igreja.
Inclusive, para Joachim Jeremias, o sentido da
obra de Jesus consiste em congregar o povo
escatológico para Deus. Quando Jesus disse que
o Reino de Deus está próximo, ele é o próprio
Reino; Jesus veio para congregar o povo que
estava disperso: é o dinamismo da unidade. Cristo
une e constitui a família de Deus; Deus é o Pai da
família; Jesus é o dono da casa. Um segundo
ponto importante é que Jesus ensina uma oração
comum para os seus discípulos: a oração do Pai
Nosso, que configura a célula inicial da Igreja, da
qual decorrem duas consequências: a comunidade
dos discípulos não é grupo sem forma, pois no seu
centro encontra-se o grupo dos 12, seguido pelo
ciclo dos 72 discípulos; os 72 discípulos significam
que Jesus reivindica para si toda a humanidade,
constituindo o povo da Nova Aliança, com as
palavras da instituição da Eucaristia, que apontam
para a sua Páscoa, realizando-a
sacramentalmente. Outra questão é da palavra de
Jesus sobre o templo do seu corpo, retificado após
o terceiro dia. Jesus incorpora, na sua pregação, o
tema da Aliança do Antigo Testamento que ele
renova na sua Páscoa congregando o seu povo no
CONHECENDO JESUS CRISTO
87
templo, que é o seu corpo. Esse povo só recebe o
título de povo de Deus a partir da comunhão com
Cristo, abrindo-se na relação para com Deus, que
não é produzida pelos homens.
A Igreja dá a si mesma o título de
Ekklesia. No Novo Testamento, a expressão povo
de Deus apenas designa o povo de Israel, não a
Igreja. Para esta, usa-se o vocábulo Ekklesia, o
termo grego utilizado na Septuaginta é referido no
Antigo Testamento com base na raiz Gahal, que é
Assembleia do Povo Santo de Deus, reunida para
o culto, escutando a palavra de Deus e aceitando-
a. Em Cristo morto e ressuscitado, pela ação do
Espírito Santo, é que se realiza esta Assembleia, a
Ekklesia, no Novo Testamento, como novidade do
Mistério da história da salvação na Aliança de
Deus, baseada na lei da justiça, transformada em
nova lei do amor concretizado em Cristo por sua
cruz e ressurreição. É sempre o Senhor que
congrega seu povo único no seu único sacrifício;
povos de todos os lugares, através da
solidariedade de Cristo com os seres humanos,
podem ser integrados Nele e se tornarem
participantes das promessas realizadas a partir
dele com a meta Suprema da União Total com Ele.
A doutrina paulina de “Igreja como
corpo de Cristo” não é novidade, mas uma fórmula
singular que expressa aquilo que caracterizou,
desde o princípio, o surgimento da Igreja. Isso já
foi utilizado como alegoria no Estoicismo, para
falar do Estado, mas a ideia paulina não se esgota
JONAS M. S. SILVA
88
em parâmetros sociológicos e morais filosóficos.
Também Platão já utilizou a imagem para falar do
universo como um corpo vivo. O precedente
semítico utilizava a personalidade corporativa
como Adão, representando todos os seres
humanos. Essa fórmula paulina nasce do âmbito
litúrgico-sacramental do Batismo e da Eucaristia
onde, a partir da dimensão cristológica, abre-se
para a dimensão Divina-trinitária. No Espírito de
Cristo, clamamos seu Senhorio e chamamos a
Deus de Pai. Outra raiz é a própria Eucaristia:
tomamos todos do mesmo pão que é o corpo de
Cristo, o corpo é a personalidade do sujeito
humano e a comunhão é o processo da
congregação no qual o Senhor nos aproxima como
irmãos. E mais uma ideia de São Paulo, é a dos
esponsais, que aparece na filosofia bíblica do
Amor (Eros, Philia, Ágape) e está inseparável da
teologia eucarística: o homem deixa seu pai e sua
mãe e une-se à sua mulher, formando uma só
carne. Um novo aspecto importante que surge, é
que a Igreja é o corpo de Cristo, da mesma
maneira que a mulher e o marido são um só corpo
e uma só carne. A Igreja continua a ser serva que
Cristo, em seu Amor, eleva à condição de esposa
que busca seu rosto neste final dos tempos,
manifestando o caráter dinâmico da realidade
sacramental que acontece de maneira pessoal, a
um caráter relacional e pneumatológico de ambos
os conceitos de corpo de Cristo, de esposa de
Cristo, porque a Igreja está sempre a caminho de
CONHECENDO JESUS CRISTO
89
se tornar uma só coisa com Cristo, o que inclui a
sua própria unidade interior.
-A visão da Igreja nos Atos dos Apóstolos
O critério primeiro foi identificar o que o
próprio Jesus Cristo diz para sua Igreja a partir da
Páscoa. A comunidade que provém de Jesus se
chamava Ekklesia. Os Atos dos Apóstolos
mostram, nesse sentido, uma eclesiologia
narrativa, começando com o quadro da reunião
dos discípulos na sala do Pentecostes,
congregados os apóstolos, Maria e a pequena
comunidade: o autêntico Gahal: Assembleia da
Aliança que reúne o número das nações. Também
aparece a catolicidade da Igreja na escolha de
Matias, mostrando-se a obediência dos Apóstolos
ao Senhor que os constituiu como Doze. É
importante ainda a função testemunhal dos
sucessores dos Apóstolos, perseverando a
comunidade na Eucaristia e nas orações. A cena
de Pentecostes é como um grande quadro pintado
por Lucas sobre a fundação da Igreja no Espírito
Santo em meio à teofania, contra a vontade
humana de poder, representada pela Babilônia. O
Espírito, no amor, induz ao reconhecimento e cria
unidade na diferença; o Espírito Santo abre aos
confins da terra. Primeiro, existe a Igreja: uma
Igreja, porém, que fala em todas as línguas,
porque é universal, gerando igrejas nos mais
diversos lugares; todas as igrejas particulares são
JONAS M. S. SILVA
90
a realização da única Igreja Católica. Como é o
compêndio das Nações que ocupa uma posição
teológica de destaque no Livro dos Atos dos
Apóstolos, por isso ela é a meta aonde chega a
Igreja Missionária.
B – O PRIMADO DE PEDRO E A UNIDADE DA
IGREJA
A questão da primazia do apóstolo
Pedro, da continuidade nos seus sucessores que
são os bispos de Roma, tornou-se o ponto mais
crucial das questões ecumênicas. Disputas que já
estavam presentes na Idade Média com as
querelas entre o império e o papado, passando
pelas questões das investiduras, pela época
moderna e tendências de separação de Roma, no
século XIX até os atuais protestos contra a função
diretiva do Papa e sua execução. Devem-se
distinguir dois problemas fundamentais: primeiro,
sobre o primado de Pedro e se é possível justificar
sua sucessão, com base no Novo Testamento;
segundo, se Roma pode reivindicar de ser a sede
de Pedro.
-A posição de Pedro no Novo Testamento
No Novo Testamento, a questão de
Pedro tem um significado Universal, como
expressa a antiga profissão de fé que o Apóstolo
CONHECENDO JESUS CRISTO
91
Paulo nos transmite, em I Coríntios 15, 3-7: Kéfas
(Pedro) é a primeira testemunha da Ressurreição
de Jesus Cristo; o apostolado é constituído,
fundamentalmente, pelo testemunho da
Ressurreição do Senhor e Pedro foi o primeiro que
pôde ver o Senhor e foi incluído na Confissão de
Fé Pascal; circunstância na qual recebeu uma
investidura dada pelo Senhor ressuscitado, na
ocasião da sua aparição. Na carta aos Gálatas, o
apóstolo Paulo, ao falar do conflito com Pedro,
defendendo a sua própria vocação apostólica,
indiretamente manifesta a importância de Pedro na
comunidade primitiva. Quando Paulo sobe a
Jerusalém, a finalidade da sua visita é encontrar-
se com Pedro, Tiago e João, pois existe apenas
um Evangelho comum assegurado por Pedro e
seus companheiros Tiago e João, que são as três
colunas da Igreja Primitiva. Tudo indica que o
apóstolo Tiago exerceu um certo primado na Igreja
Primitiva sobre os judeus cristãos com sede em
Jerusalém, porém, nunca para a Igreja universal,
como quer o teólogo protestante Oscar Cullmann.
A primazia singela de Pedro nunca foi atingida
pelas funções próprias das três colunas. Nos
escritos de João, há uma forte presença do tema
de Pedro em contraponto ao discípulo amado. O
teólogo protestante Rudolf Bultmann declarou
expressamente sobre João 21,15-19, que o
próprio Pedro foi encarregado da suprema direção
da Igreja; para ele, essa passagem remonta a uma
tradição mais antiga que a de Mateus 16, que se
JONAS M. S. SILVA
92
referem às chaves do céu dadas a Pedro. Para
Bultmann, a Igreja tem consciência própria da
posição de destaque de Pedro, conferida pelo
Senhor.
Relativamente ao ciclo dos 12
apóstolos, Pedro sempre é apresentado em uma
posição de maior destaque, e o grupo de 3,
formado com Pedro, Tiago e João sobressai sobre
os Doze, porém, Pedro sobressai sobre os três.
Em Lucas 5, 1-11, a vocação de Pedro é
apresentada como protótipo da vocação
apostólica; nas listas dos apóstolos, Pedro
geralmente tem o primeiro lugar.
Sobre o nome de Pedro, “Rocha”, dado
pelo próprio Jesus ao Apóstolo, Joachim Jeremias
mostrou que por detrás dessa designação
exprimindo a rocha sagrada, referencia-se um
texto rabínico sobre Abraão, pai na fé do Povo de
Deus. Essa função de Rochedo contra o Mundo
Ateu, agora é assumida, na Nova Aliança, por
Pedro, conduzindo a Igreja.
O texto da investidura, encontrado em
Mateus 16, 17-19, está no âmbito dos textos da
palavra do Senhor sobre o poder de ligar e
desligar conferido ao Colégio apostólico. A
teologia protestante Liberal encontrou motivos de
constatar que seja de Jesus a origem dessas
palavras. Posteriormente às duas grandes
guerras, no século XX, procuraram-se situações
para enquadrar as palavras às quais Bultmann
pensou que fossem oriundas da primitiva
CONHECENDO JESUS CRISTO
93
comunidade da Palestina e Jerusalém ou de
Antioquia. Mas, é claro que tais palavras provém
do próprio Jesus em última instância, porque a
Bíblia é de inspiração divina, pelo Espírito Santo e
é válida porque é válida a Sagrada Escritura
apresentada pelo Espírito como palavra de Jesus.
Os teólogos liberais colocaram forte
objeção. Identificaram o vocábulo Igreja que só
aparece a mais na passagem de Mateus 18,17;
porém, a forma literária do texto se torna mais
importante, pois a palavra provém do próprio
Jesus. A função de Pedro para com o Novo Povo
de Deus tem um significado Universal e
escatológico, em Mateus 16; ao mesmo tempo,
percebemos que Pedro, pelo Poder de Deus, pode
ser o fundamento da fé: a rocha firme de Cristo e,
ao mesmo tempo, pode ser uma pedra de
escândalo pela fraqueza humana. Assim, o
sucessor de Pedro sempre está neste dilema: ele
deve cumprir sua vocação de ser Rocha, porém a
história da humanidade mostrou, muitas vezes,
como pedra de tropeço, a humanidade dos Papas,
entretanto, o papado permanece o fundamento da
Igreja, pois segue com uma força que vem de
Deus para congregar o Novo povo de Deus que
transcende o tempo. Neste sentido, Pedro é um
administrador fiel da mensagem de Jesus, abrindo
as portas do Reino dos Céus, como guardião que
decide quem entra e quem não pode entrar. O
poder de tomar decisões doutrinais, disciplinares,
o direito de impor e levantar excomunhão, no
JONAS M. S. SILVA
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fundo, o poder de desligar /ligar se refere ao
ministério de perdoar os pecados. Desse modo, a
Igreja é, por sua própria natureza, lugar de perdão,
banindo todo o caos de seu interior, mantendo-se
coesa pelo perdão, do qual Pedro sempre será o
sinal. Por isso, a Igreja está onde o homem
encontra sua própria verdade: ser necessitado da
Graça de Deus, que vem pela morte e
ressurreição de Jesus. Ele venceu toda a morte,
destruindo o poder do inferno e expiando toda
culpa da qual vem toda a Força do Perdão.
-A questão da sucessão de Pedro
Quanto ao princípio da sucessão
petrina, em geral, o Novo Testamento, em todas
as suas tradições, conhece o primado de Pedro.
Tal faculdade é a justificativa da sucessão petrina,
porque no Novo Testamento não encontramos
uma afirmação expressa. É importante notar que,
ao final do primeiro século, o evangelho de João
considerou a sucessão petrina como algo presente
na Igreja se tomarmos o texto de João 21,
considerando que Pedro foi martirizado no ano 64;
de fato, as tradições do Novo Testamento nunca
revelam simples interesse por curiosidades
históricas, pois não pretendem diluir o caráter
original da primitiva Igreja.
Oscar Cullmann se colocou contra a
ideia da sucessão petrina, pois pensou que Pedro
fora substituído por Tiago. Rudolf Bultmann, por
CONHECENDO JESUS CRISTO
95
sua vez, acreditava que Pedro foi substituído pelas
três colunas: Pedro, Tiago e João; essas hipóteses
possuem fundamentação fraca; nos Atos dos
Apóstolos e nas cartas pastorais, o princípio da
sucessão assumiu uma forma concreta pelo
testemunho do Espírito Santo que, pelo
Sacramento designa três realidades: Palavra-
testemunha, o Espírito Santo e Cristo. Sobre a
sucessão Romana de Pedro, Santo Irineu de Lião,
combatendo o Gnosticismo, e Eusébio de
Cesaréia já afirmaram o primado da Igreja romana
sobre as demais Igrejas, a partir do século II, pois
em Roma, Pedro e Paulo receberam o martírio.
Roma é reconhecida como critério da autêntica Fé
Apostólica. Tal constatação fundamental é mais
antiga, inclusive, mais que o Cânon do Novo
Testamento da Escritura: trata-se do poder
originante, que, por excelência, deriva da cátedra
romana. Por isso, é claro que o princípio da
tradição de forma sacramental na sucessão
Apostólica, elemento constitutivo para a existência
e continuidade da Igreja, lugar do martírio de
Pedro e Paulo, está como detentor principal dos
poderes do apóstolo Pedro e de seus sucessores,
com papel culminante na formação da tradição
eclesial e também na fixação do cânon do Novo
Testamento.
O Novo Testamento nos revela o
primado petrino e as tradições dos primeiros
séculos. Unidos por Santo Irineu de Lião e
Eusébio, os testemunhos sobre a primazia da
JONAS M. S. SILVA
96
sucessão petrina, em Roma, como aquele que
assegura a tradição anterior e a fixação do cânon
do Novo Testamento. Por isso, o primado romano
não é invenção de papas, mas constitui elemento
fundamental da unidade eclesial.
Lembramos a tensão do papel e da
figura humana do Papa, chamado a ser Rocha da
Fé, por outro lado, na sua fragilidade humana,
pode tornar-se uma pedra de tropeço. Significa
que é Deus quem está verdadeiramente presente
e quem age neste ministério que é um Carisma
dado à Igreja. O centro do primado de Pedro, na
Igreja, constitui dom do Perdão que é sinal da
natureza do poder divino que brota da Cruz e da
Ressurreição do Senhor. Se hoje se pode
mencionar com realismo os pecados dos Papas
durante a história, sua desproporção humana com
a grandeza Divina da missão deve ser realista, ao
perceber que Pedro sempre foi a rocha contra
ideologias que dissolvem e que reduzem a Palavra
com sistemas de pensamentos de determinada
época, sujeitos aos poderes temporais. Não são a
carne e o sangue que salvam, mas o Senhor,
através daqueles homens chamados a este
ministério; quem nega isso não tem fé e não tem
humildade, nem reconhece a vontade de Deus.
CONHECENDO JESUS CRISTO
97
C IGREJA UNIVERSAL E IGREJA PARTICULAR:
A missão do bispo
A questão fundamental é o modo da
Igreja viver e como deve responder à vontade do
Senhor. A Igreja é formada pela Eucaristia, pois aí
está sacramentalmente a entrega de Jesus na
cruz, sob o pão e o vinho. A Igreja faz isso para
celebrar a memória do Senhor; a Igreja dá sua
resposta a essa ordem do Senhor. Pode-se
afirmar que a Igreja é Eucaristia, pois brota da
morte e ressurreição de Jesus Cristo; é o Espírito
do Senhor, morto e ressuscitado, quem dá a vida,
por isso, do nome Ekklesia sobressai a Igreja,
assembleia, como purificação dos seres humanos
oriundos de todos os povos, para que sejam de
Deus. É um processo dinâmico de unificação para
com Deus e para com os irmãos, unindo o ser
humano ao amor trinitário de Deus, integrando o
ser humano consigo e com todos os membros da
humanidade outrora destroçada, o que levou os
autores patrísticos a afirmarem que a Eucaristia e
a assembleia (Ekklesia) mostram a Igreja como
comunhão.
-Eclesiologia eucarística e ministério episcopal
É certo que a Igreja se realiza na
celebração eucarística, presença da palavra
anunciada. Essa celebração sempre se dá num
local concreto com as pessoas que ali habitam,
JONAS M. S. SILVA
98
iniciando o processo da unificação do Povo
chamado por Deus na assembleia litúrgica. A
Igreja sempre quer ser pública como o é o próprio
Estado; ela é o Novo povo de Deus para o qual
todos são chamados. Independentemente de
posição social e demais diferenças nacionais ou
étnicas, todos são chamados à assembleia
eucarística do lugar ao qual pertencem. Santo
Inácio de Antioquia insistiu na unicidade do
ministério episcopal de determinado lugar
pertencer à Igreja, sobre estar em comunhão com
o Bispo e que a Eucaristia só é válida sob
autoridade deste Bispo ou seu delegado,
presidente da celebração. Um só Bispo para um
só lugar, diz que a Igreja é una e única para todos,
pois há um só Deus para todos, inclusive, reunindo
na mesma assembleia pessoas que outrora eram
inimigas. Cristo derrubou o muro de separação, a
inimizade, construindo a paz pelo seu próprio
sangue, conforme a carta de São Paulo aos
Efésios. Por isso, uma Igreja eucarística é uma
Igreja episcopal sendo a partir disso que se deu
mais importância à Igreja local.
Atualmente, a Igreja Ortodoxa, em prol
da Igreja local, opõe-se ao primado Romano do
papa, como é praticado no Ocidente, pois, para os
ortodoxos, no mistério eucarístico está todo o
mistério da Igreja, por isso ela é completa na Igreja
local, sob o Bispo.
Neste tempo, com a fusão de
elementos católicos, ortodoxos e protestantes na
CONHECENDO JESUS CRISTO
99
teologia, surgem variações desta ideia ortodoxa,
questionando o ministério petrino. Os protestantes
acreditam que, por si só, reunir-se em nome de
Jesus gera a Igreja, independentemente de
qualquer instituição, tornando esta assembleia
sujeito de todos os poderes da Igreja, inclusive o
de celebrar a Eucaristia. Nascendo a Igreja da
parte de baixo, das bases, essa colocação põe a
perder o caráter público e o caráter reconciliador
universal, expresso no princípio episcopal e
derivado da essência eucarística da Igreja. O
sínodo dos bispos, de 1985, chamou a atenção
para a Comunhão como chave para compreensão
da Igreja, exigindo aprofundamento de eclesiologia
eucarística, na qual os diversos encargos do Papa,
dos Bispos, dos sacerdotes, dos leigos são
observados da perspectiva correta como conjunto,
a partir do Sacramento do corpo e do sangue do
Senhor, por isso a Igreja é Eucaristia, a Igreja é
comunhão exatamente com todo o corpo de Cristo
e se a Igreja não for católica, ela não existe.
-As estruturas da Igreja Universal na eclesiologia
eucarística
A questão sobre a expressão concreta
disso, leva-nos à Igreja Primitiva. Nela, estão
múltiplas formas da catolicidade ligadas à figura do
próprio apóstolo; este não se reduz ao princípio da
Igreja local, o apóstolo não é bispo, mas
missionário de toda a Igreja; os bispos são seus
JONAS M. S. SILVA
100
sucessores, pois, no apóstolo, em sua pessoa, a
Igreja universal se expressa, ele não pertence a
nenhuma Igreja local, mas à Igreja toda. É o que
testemunha São Paulo, por suas cartas às
diversas comunidades; para ele, ser cristão
significa estar vinculado a uma única assembleia
de Deus, que está se formando e que se encontra
em todos os lugares como única e mesma.
Na época Apostólica, era patente que
a Igreja toda era universal, católica. A partir disso,
compreende-se que os bispos são sucessores dos
Apóstolos; a Igreja deve permanecer apostólica,
pois o seu dinamismo de unidade permanece
marcado profundamente por essa estrutura do
bispo como sucessor dos Apóstolos. Esse sentido
se eleva contra o reducionismo de se
compreender o bispo como apenas pertencente à
Igreja local, mas ele deve ser solícito pela Igreja
universal, no colégio episcopal, mostrando
consciência quanto à unidade da única Igreja
presente em todos os lugares, contra toda a
tendência ao isolamento. Para Santo Agostinho,
“se estou na Igreja, cujos membros são todas
aquelas Igrejas das quais sabemos realmente pela
Escritura Sagrada terem surgido, crescido, graças
às atividades dos Apóstolos, não renunciarei à sua
comunhão em nenhum lugar, com ajuda da Graça
divina”, e Santo Irineu, já dizia que “a Igreja
espalhada pelo mundo inteiro guarda zelosamente
esta pregação da fé, porque habita como que
numa única casa e, em sua fé, assemelha-se
CONHECENDO JESUS CRISTO
101
àqueles que têm como uma só alma, um só
coração, prega, ensina e transmite a doutrina em
uníssono, como se tivesse apenas uma boca”. É
nesse sentido que as cartas de comunicação com
o símbolo da fé, assinadas pelo bispo, davam ao
cristão peregrino uma credencial para ser acolhido
por outra igreja local.
O bispo aparece como um elo concreto
de união da catolicidade, mantendo a comunhão
com outros bispos, vivenciando o elemento
apostólico e católico; a fé sempre exige ir para os
outros e receber dos outros, pois provém do
próprio Senhor e o bispo é consagrado, no
mínimo, por um grupo de três bispos. A Igreja não
pode reduzir-se à submissão ao conciliarismo
como o seu modo estrutural, pois essa ideia faz
desaparecer a responsabilidade universal por toda
a Igreja, inerente ao apóstolo e aos seus
sucessores. Assim, que a sucessão do bispo em
Alexandria só era efetivada para o patriarcado, a
partir da resposta positiva à carta e à profissão do
símbolo do novo patriarca, perante o Papa de
Roma. Isso era critério da unidade da pentarquia
patriarcal ao longo da história antiga. A Igreja
sempre é chamada a estar vigilante, para que as
estruturas institucionais não obscureçam o seu
centro espiritual propriamente dito.
JONAS M. S. SILVA
102
-Consequências para o ministério e a missão do
bispo
O Bispo encarna a unidade e o caráter
público da Igreja particular, baseado no
Sacramento e na Palavra, tornando-se, ele, o elo
de união na comunhão entre as Igrejas locais,
mediando a unidade da sua Igreja local com a
Igreja universal e vice-versa. Por isso, o caráter
católico-apostólico está a serviço da unidade que
se faz na santidade e no amor operado por Jesus
Cristo, na purificação do que é pessoal pela fusão
no Amor universal de Cristo, que provém do Deus
Uno e Trino.
Um pressuposto basilar do ministério
Episcopal é a comunhão interior com Cristo, o
estar com ele, pois o bispo é testemunha da
Ressurreição, sempre em contato com o
ressuscitado. Há uma contemporaneidade interior
com Jesus Cristo vivo; o bispo é, sobretudo,
testemunha para ser sucessor dos Apóstolos e
isso exige interiorização, produzindo participação
dinâmica da missão do ofício episcopal que
pertence à vida ativa, porém, sua atividade se
pauta pela sua inserção na dinâmica da missão do
Senhor, estando com Deus por meio de Cristo e,
por meio de Cristo, a partir de Cristo, levar Deus
aos homens, transformando-os em assembleia
santa de Deus. Desse modo, é sucessor dos
Apóstolos, unido ao bispo de Roma, que é
sucessor do Apóstolo Pedro. Isso significa ser-com
os demais sucessores dos apóstolos, estar no nós
CONHECENDO JESUS CRISTO
103
dos sucessores. Esse nós tem valor, não apenas
sincrônico, mas diacrônico; não há geração
isolada da Igreja e, no corpo místico de Cristo, não
vale o limite da morte, pois nele se conjugam
todos os tempos. A maioria genuína da Igreja é
diacrônica, apenas prestando ouvidos a esta
maioria total é que permanece no nós apostólico.
Por isso, a Igreja não se reduz à democracia, à
vontade do povo de uma época isolada, apenas
limitando-se à questão geográfica dessa mesma
época, tanto assim que o bispo representa a Igreja
universal em face da Igreja local.
Na relação do sucessor de Pedro com
os bispos, além dos direitos sagrados
provenientes do Sacramento, o Papa só impõe os
elementos do direito humano que são realmente
necessários, procedendo do mesmo modo o
Sínodo e a Conferência Episcopal, nos seus
âmbitos particulares. Resguardando-se de todo
uniformismo pastoral, o apóstolo é sempre enviado
até os confins da terra. A missão do bispo nunca
pode se esgotar nos limites internos da Igreja, pois
o Evangelho sempre tende a ser válido para todos
e, os apóstolos e seus sucessores são
responsáveis de levá-lo até os confins do mundo,
pregando a fé, constantemente, àqueles que até o
momento não reconheceram o Cristo como
salvador. Essa é uma responsabilidade em relação
às coisas públicas do mundo; também o Estado
goza de autonomia perante a Igreja e o bispo
reconhece tal garantia do Estado e do seu direito
JONAS M. S. SILVA
104
próprio, evitando a confusão entre fé e política. O
bispo se põe a serviço da liberdade de todos e não
permite a identificação da fé com determinada
forma política, respeitando a maturidade dos leigos
para exercer nela o seu papel. O bispo deve ter o
discernimento para distinguir entre positivo e
negativo, pois a autonomia das coisas terrenas
não é absoluta, resguardando-se os direitos de
Deus e da Fé, os quais não podem ser contraditos
pelas leis humanas, a Igreja deve sempre se
apresentar como defensora da criação, contra todo
rumo e ameaça do mundo, inclusive, o bispo,
porque associado à paixão do Senhor, deve estar
pronto para sofrer e dar seu testemunho; isto faz
parte do seu caminho, o ser bispo não é tanto uma
honraria, um posto influente, mas a sua essência
está ligada à cruz do Senhor, fonte da alegria da
Ressurreição.
CONHECENDO JESUS CRISTO
105
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JONAS M. S. SILVA
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Jonas Matheus Sousa da Silva é paraense, de
Capanema, nascido em 1989. Filho de Jovencio Oliveira
da Silva e Antônia do Carmo Sousa da Silva, irmão de
Jorbia Cecília e Jones Tiago. Franciscano-capuchinho e
padre da Igreja Católica Romana. É licenciado em
Filosofia e cursou Teologia na Arquidiocese de Belém.
É formado em Coaching Integral Sistêmico pela
Febracis. Já publicou cinco de seus livros filosóficos e
poéticos. Dispõe sua obra literária nas plataformas
virtuais: Recanto das Letras e Clube de Autores.
Colaborou com diversos artigos para os jornais
impressos: O Liberal e O Estado do Maranhão.
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