cistoplazia
Post on 01-Feb-2016
218 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
5
INTRODUÇÃO
O convívio social, a formação de uma sociedade baseada na cooperação
entre os pares sempre foi um objetivo natural da humanidade. Desde impulso quase
fisiológico surgiu a primeira sociedade, a família, composta pela união do homem e
da mulher, com o incremento ao longo dos anos dos descendentes.
Constituída esta primeira célula social, a célula mater – do latim “mãe” –
da sociedade nos dizeres do eminente escritor e diplomata brasileiro Ruy Barbosa, a
humanidade em busca do desenvolvimento aprimorou a ideia de cooperação e as
famílias foram se aglomerando em tribos. Estas tribos deram origem aos impérios
antigos, que foram sucedidos pelos Estados Nacionais na modernidade e pela
sociedade global pós-cristã que vive a atualidade.
Durante toda esta saga, algo que seguiu o homem em todas as fases da
construção social são as doenças, enfermidades adquiridas no convívio entre os
homens e seus pares, o ambiente e animais domésticos e selvagens – e claro, os
seres unicelulares e parasitoses.
Fato é que, mesmo adquirido um grau de desenvolvimento inimaginável
aos pioneiros do progresso humano, a sociedade ainda está sujeita a perigosos
elementos naturais hostis a saúde do corpo físico de cada pessoa concreta e ao
corpo social como um todo.
O objeto de estudo deste trabalho será um destes males que obstruem a
saúde do homem social. Estudar-se-á a giárdia, protozoário flagelado que habita o
intestino delgado de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e é a causa da giardíase,
infecção intestinal que no mundo todo é a maior causa de diarreia.
Dentro deste estudo, focado exclusivamente para as áreas de ciências
médicas profiláticas e de saúde pública, será a presentado o protozoário
responsável pela doença, seu ciclo de vida e como infecta o ser humano e sua
transmissão de indivíduo para indivíduo. A frente, será estudado o comportamento
do verme dentro do corpo humano e seu desenvolvimento. Posteriormente, far-se-á
uma exposição da giardíase e da infecção intestinal desencadeada pela
hospedagem do corpo estranho.
Ao final, será apresentado os meios de análise, coleta e identificação
laboratorial da doença, concluindo-se o trabalho com um incremento resumido sobre
dos os aspectos da doença.
6
1. PROTOZOÁRIOS, ANÁLISE GERAL
Os protozoários são eucariontes que ocorrem como células isoladas ou
em colônias de células. Apresentam dimensões predominantemente microscópicas.
Sua denominação deriva do grego protos e zoon, que significam, respectivamente,
"primeiro" e "animal". Esse termo, consagrado até hoje, foi criado para agrupar
organismos eucariotos unicelulares com características próprias dos animais, tais
como a capacidade de deslocamento e heterotrofia. Porém, alguns organismos com
características animais e vegetais como a Euglena, por exemplo, também eram
considerados protozoários.
Atualmente, o termo protozoário tem sido aplicado numa designação
coletiva, sem valor taxonômico em referência a unicelulares eucariotos heterotróficos
(na maioria), que obtém seus alimentos por ingestão ou absorção. Os organismos
unicelulares eucariotos autótrofos por sua vez, são denominados coletivamente de
algas, termo que também não tem valor taxonômico.
Nos protozoários de formas coloniais, as células individuais podem ser
ligadas por filamentos citoplasmáticos ou embebidas numa matriz comum. Tais
células são semelhantes em estrutura e função, embora em algumas poucas formas,
haja uma diferenciação de indivíduos em células vegetativas e reprodutivas.
Para Lourenço1:
“Em outros termos, os protozoários coloniais são apenas agregados de
células independentes. Estimava-se em 45.000 o número de espécies de
protozoários em 1990, mas os protozoologistas reclamam que diversas
vezes, o número existe num estado de anonimato. Do total citado, cerca de
20.000 são espécies fósseis, 18.000 são de formas de vida livre e 7.000
parasitas”.
Os protistas em geral ocupam um importante papel nas cadeias
alimentares das comunidades naturais, onde existe água livre. Os autótrofos (algas)
são abundantes nas águas salgadas e doces, assim como em associações
simbióticas com animais, de vários níveis de organização, e protozoários. Alguns
grupos em particular formam uma parte importante na dieta de numerosos animais.
1 - LOURENÇO, Sergio O., Glossário de Protistologia, 2013 – pág. 197.
7
Há protozoários saprófitas e também que ingerem bactérias, fazendo
usode substâncias e organismos envolvidos na decomposição final das cadeias
alimentares, e assim, fazendo recircular a matéria orgânica.
Naturalmente, existem alguns protozoários que podem provocar doenças
no homem.
Os principais grupos de protozoários são diferenciados em grupos
baseados no modo de locomoção do organismo.
As amebas se movem por expansões do seu citoplasma.
Os membros do grupo Ciliophora se movimentam por meio de finos
apêndices, ou cílios, que impulsionam a célula através de ondulações sincrônicas,
como os braços de um nadador.
Os flagelados têm apêndices filiformes, ou flagelos, geralmente
localizados numa das extremidades do corpo celular, que movem as células em
meio líquido.
Os esporozoários se locomovem por deslizamento, já que não possuem
organelas de locomoção externas.
Os protozoários encontram-se no reino Protista (organismos unicelulares
eucariotos, coloniais ou não).
Os principais filos são: Sarcodina Protozoários que se locomovem através
de projeções celulares denominadas pseudópodos; Mastigophora Protozoários que
se locomovem através de flagelos; Ciliophora Protozoários que se locomovem
utilizando cílios Sporozoa Protozoários que não possuem estrutura locomotora.
A maioria dos protozoários é microscópica. Alguns, entretanto, podem ser
vistos a olho nu, como é o caso do Spirostomum, um ciliado de água doce que
alcança 3 mm de comprimento, de algumas espécies do gênero Globigerina, um
sarcodíneo marinho que vive em suspensão na água do mar.
Além desses, que são organismos atuais, existe um registro fóssil, de
eras geológicas passadas, de um sarcodíneo denominado Nummulites, com 19 cm
de comprimento.
1.1. MORFOLOGIA DOS PROTOZOÁRIOS
O tamanho e forma desses organismos mostram considerável variação.
Em geral, a célula individual dos protozoários representa um organismo completo.
8
Como todas as células eucarióticas, a célula dos protozoários também consiste em
citoplasma, separado do meio ambiente por um envelope especial, e em núcleo.
1.1.1. CITOPLASMA
É um material mais ou menos homogêneo, composto de moléculas
protéicas globulosas, frouxamente reunidas para formar uma moldura molecular
tridimensional. Embebidas em seu interior, encontram-se várias estruturas que dão
aos protozoários seu aspecto característico.
As fibrilas protéicas submicroscópicas (feixes fibrilares, mionemas,
microtúbulos) são grupos de fibrilas paralelos existentes no citoplasma. A
contratibilidade dos protozoários é devida a presença dessas fibrilas. Em diversas
formas de protozoários, pigmentos se difundem no citoplasma. Suas tonalidades são
numerosas: verdes, castanhas, azuis, púrpuras ou róseas.
Na maioria desses organismos, o citoplasma diferencia-se em ectoplasma
e endoplasma. O ectoplasma é mais semelhante a um gel, enquanto o endoplasma
é mais volumoso e fluído. A mudança de uma camada para outra é gradual. As
estruturas celulares acham-se no endoplasma. Como outras células eucarióticas, os
protozoários possuem sistemas membranosos no citoplasma. Estes formam uma
rede mais ou menos contínua de canais e de lacunas, dando origem ao retículo
endoplasmático da célula.
Outras estruturas do citoplasma incluem os ribossomos, os complexos de
Golgi, as mitocôndrias, os cinetossomas ou blefaroplastos (corpúsculos basais
intracitoplasmáticos dos cílios ou flagelos), vacúolos nutritivos, vacúolos contráteis e
núcleo.
1.1.2. NÚCLEO
Cada protozoário tem, ao menos, um núcleo eucariótico. Muitos
protozoários, contudo, possuem núcleos múltiplos (quase todos os ciliados), durante
a maior parte de seus ciclos vitais. Os núcleos são de várias formas, tamanhos e
estruturas. Em diversas espécies cada indivíduo tem 2 núcleos similares.
Nos ciliados, dois núcleos diferentes: um grande (macronúcleo) e um
pequeno (micronúcleo). Os macronúcleos controlam as atividades metabólicas e os
9
processos de regeneração; os micronúcleos estão relacionados com os processos
de reprodução.
1.1.3. ENVELOPE CELULAR
O citoplasma, com suas diversas estruturas, está separado do ambiente
externo pelo envelope celular. Este funciona não somente na proteção, mas também
no controle das trocas de substâncias e é o sítio de percepção de estímulos
químicos e mecânicos, servindo igualmente, para estabelecer contatos com outras
células. Este envelope contém, às vezes, uma película, intimamente aposta à
membrana celular. Sua espessura, sua flexibilidade e seu número de camadas são
variáveis. Em sua forma mais simples, a película é a membrana celular ou
plasmalema. A película dos ciliados é espessa e, frequentemente, enrijecida e
estruturada de modos diversos.
Pode haver até mesmo a presença de fileiras de plaquetas elevadas e de
espessamentos modulares. Existem outros tipos de membranas protetoras,
produzidas pelos protozoários, que são coberturas externas à película. São elas
carapaças, testas, lóricas e cistos. Tais envelopes consistem de materiais diferentes
e, em geral, possuem uma matriz orgânica, reforçada pela incrustação de
substâncias, tais como carbonato de cálcio ou sílica.
Deve-se lembrar que os cistos são apenas envoltórios temporários.
Muitos protozoários podem encistar-se e, dessa maneira, aumentar sua proteção
contra agressões externas. Em alguns casos, a escassez de alimentos e a
dessecação favorecem o encistamento. Em outros, a reprodução é regularmente
ligada com a formação de cistos. As fases desenvolvidas das espécies parasitas
são, muitas vezes, transmitidas a um outro hospedeiro envelopadas por um cisto
resistente.
1.1.4. LOCOMOÇÃO
Os protozoários podem se locomover por meio de três estruturas:
pseudópodos, flagelos e cílios. Além disso, algumas espécies podem desenvolver
um movimento de deslizamento por flexões do corpo, sem o uso de estruturas
especializadas. Pseudópodos: um pseudópodo é uma projeção temporária de parte
10
do citoplasma daqueles protozoários que não apresentam uma película rígida. É
utilizado pelas amebas (sarcodina) para locomoção e captura de alimento. O
movimento amebóide pode também ser verificado em células de outros organismos,
como por exemplo nos glóbulos brancos do sangue humano.
O flagelo é uma extensão filamentosa do citoplasma, extremamente fina.
Como regra geral, o número de flagelos presentes num indivíduo varia de um a oito
(1 ou 2 são os números mais freqüentes). O flagelo se compõe de duas partes: um
filamento elástico, chamado axonema, e a bainha citoplasmática contrátil que
envolve o axonema. Em certos mastigóforas parasitas, como o gênero
Trypanosoma, há uma delicada membrana que se estende do lado do corpo, com
um flagelo em sua margem externa. Quando esta membrana vibra, mostra um
movimento ondulante típico, chamando-se, por isso, de membrana ondulante.
Os cílios, além de sua função locomotora, também auxiliam na ingestão
de alimentos e servem, muitas vezes, como organelas tácteis. São extensões
celulares finas, curtas e filiformes, podendo ser o comprimento uniforme ou não. De
modo geral, os cílios se dispõem em fileiras longitudinais, oblíquas ou espiraladas,
inseridos em arestas ou em sulcos. A microscopia eletrônica mostrou a existência
dos mesmos desenhos básicos da fina estrutura flagelar e ciliar, presente em todas
as células eucarióticas. Os cortes mostram duas fibras centrais e nove fibras duplas
periféricas (estrutura "9+2"), envolvidas por uma membrana contínua como película.
1.2. Processo Reprodutivo dos Protozoários
Os protozoários reproduzem-se por diversos processos sexuados e
assexuados. A reprodução assexuada ocorre por simples divisão, que pode ser igual
ou desigual, originando células filhas iguais ou não, respectivamente. Se houver
mais de duas células filhas, a divisão será múltipla. A gemulação é uma variante da
divisão celular desigual. Para lembrar, a gemulação é a formação de uma ou mais
células menores, a partir de uma célula original.
Em Ribeiro encontra-se2:
2 - RIBEIRO, Cláudia de Mello, Enfermidade Parasitárias por Protozoários em Pequenos Animais, 2015 – pág. 80.
11
“Em seu uso estrito em protozoologia, esta denominação deve ser
reservada para aqueles casos onde a célula-mãe permanece séssil e libera
uma ou mais células-filhas natatórias.
Estas diferem da célula-mãe, não apenas quanto ao seu menor grau de
diferenciação, mas também porque possuem organelas locomotoras
especiais. Dois processos relacionados devem ser mencionados:
plasmotomia e esquizogonia. No primeiro deles, o corpo multinucleado de
um protozoário se divide em dois ou mais indivíduos multinucleados
pequenos, cujos núcleos maternos são distribuídos ao acaso entre eles. Na
esquizogonia, o organismo multinucleado dá origem, em curto espaço de
tempo, a muitas gêmulas mononucleadas sendo abandonada, usualmente,
uma massa de protoplasma anucleada”.
Vários tipos de reprodução sexuada foram observados entre os
protozoários. Um deles é a fusão sexuada de dois gametas entre os protozoários. A
fusão sexuada de dois gametas (singamia ou gametogamia) ocorre em diversos
grupos de protozoários.
A conjugação, geralmente uma união temporária de dois indivíduos para
troca de material nuclear, é observada exclusivamente em Ciliophora. Após a troca
de núcleos, os conjugantes se separam e cada um dá origem à sua respectiva
progênie por fissão ou gemulação.
Alguns ciliados porém, demonstram "total conjugação", com fusão
completa dos dois organismos. Regeneração: a capacidade de regenerar partes
perdidas é característica de todos os protozoários, desde formas mais simples até
aqueles que apresentam estruturas altamente complexas.
Quando um protozoário é cortado em dois, a porção nucleada se
regenera, a anucleada não. Nos ciliados, a macronúcleo sozinho (ou mesmo parte
dele) é suficiente para assegurar esse processo.
12
2. CARACTERISTICAS DA GIARDIA LAMBLIA
2.1. CLASSIFICAÇÃO
Giardia lamblia (sin. Giardia intestinalis, Giardia duodenalis) é um parasita
eucarioto unicelular flagelado. Este protozoário foi primeiramente descrito por Anton
van Leeuwenhoek em 1681, sendo descrito mais detalhadamente por Lambl em
1859, denominando-o Cercomonas intestinalis.
Quanto a classificação da Giardia lamblia, Campanati explica3:
“Em 1888, Blanchard sugeriu o nome Lamblia intestinalis, o qual Stiles
(1902) renomeou para Giardia duodenalis. A espécie Giardia lamblia foi
proposta por Kofoid e Christiansen em 1915.
A classificação atual de Giardia lamblia é a que se segue: Reino Protista
Filo Sarcomastigophora Classe Zoomastigophorea Ordem Diplomonadida
Família Hexamitidae Subfamília Giardiinae Gênero Giardia Espécie Giardia
lamblia.”
2.2. CICLO BIOLÓGICO
O ciclo de vida deste parasita aerotolerante possui duas fases: a ativa,
onde é chamado de trofozoíto, o qual habita o intestino delgado do hospedeiro e a
fase cística, representada pelo cisto, que é o responsável pela transmissão do
parasita entre hospedeiros susceptíveis. A infecção por G. lamblia começa quando
há ingestão de 2 cistos presentes em água ou alimento contaminado, ou por contato
interpessoal.
Ao chegarem ao estômago, sua parede entra em contato com o pH ácido
e cada cisto origina dois trofozoítos.
Bossolan explica4:
3 - CAMPANATI, L., Video-microscopy Observations of Fast Dynamic Processes in the Protozoon Giardia Lamblia, 2002 – pág. 214.4 - BOSSOLAN, Nelma Regina Segnini, Introdução a Zoologia, 2007 – pág. 15.
13
“Após esta etapa ao chegarem ao duodeno, onde o pH é ligeiramente
alcalino, são liberados então dois trofozoítos. Estes irão aderir-se às células
epiteliais do duodeno e na parte superior do intestino delgado, o jejuno
(onde ocorre a absorção de nutrientes para o organismo) ”.
Após a adesão dos trofozoítos é notável o achatamento das
microvilosidades. Os trofozoítos recebem do meio entérico uma mistura de íons
hidrogênio, bile, proteases e outras enzimas hidrolíticas, devido ao fato de estarem
localizados próximos à saída do ducto biliar.
A partir das sucessivas divisões binárias, irão formar uma monocamada
que recobrirá o epitélio intestinal. Dependendo da quantidade de indivíduos poderá
ocorrer uma reação inflamatória local, seguida de sintomas agravantes da giardíase.
Quando os trofozoítos são ocasionalmente carreados pela luz do
intestino, pode ocorrer o encistamento. Os cistos são liberados juntamente com as
fezes, podendo infectar novos hospedeiros.
2.3. EPIDEMIOLOGIA
Todos os mamíferos são susceptíveis à infecção por G. lamblia. A
contaminação ocorre via oro-fecal. O hospedeiro contaminado elimina os cistos nas
fezes, após um período de uma a duas semanas.
Todo animal infectado por G. lamblia, apresentando ou não os sinais
clínicos, eliminará os cistos, configurando um foco importante de contaminação.
Acredita-se que a taxa de contágio em humanos esteja diretamente
ligada à taxa de contaminação das fontes de água.
Como complemento, Bossolan afirma5:
“Paralelamente, observa-se que a contaminação da água é inversamente
proporcional à qualidade sanitária do local, e assim quanto piores forem as
condições sanitárias, maiores são as taxas de incidência de giardíase”.
2.4. PATOGENIA E ACHADOS CLÍNICOS
5 - BOSSOLAN, Nelma Regina Segnini, Introdução a Zoologia, 2007 – pág. 16.
14
A patogenia da giardíase ainda não está completamente estabelecida. Na
maioria dos casos, os adultos são portadores assintomáticos, favorecendo a
eliminação de cistos no meio ambiente.
Quando ocorre a doença clínica, o principal sintoma observado é a
diarréia, que pode ser aguda, auto-limitante ou crônica. Isto ocorre em consequência
da fixação dos trofozoítos nas microvilosidades da mucosa intestinal.
Neste caso, verifica-se uma lesão das estruturas dos microvilos,
reduzindo a área de absorção em até 50% (cinquenta por cento). Ocorre a
diminuição da absorção de água e diversos nutrientes, incluindo dissacarídeos,
gorduras e vitaminas. Animais parasitados por Giardia podem apresentar infecção
simultânea por outros agentes enteropatogênicos como bactérias e helmintos.
Nestes casos, o quadro clínico pode agravar-se, perdendo as características de uma
infecção exclusivamente por G. lamblia.
2.5. INTERAÇÃO PARASITA-HOSPEDEIRO
A interação parasita-hospedeiro é descrita por De Carli e Tasca nos
seguintes termos6:
“Antes da virada do século XX, a função de adesão era intensamente
discutida. Pesquisadores relataram a presença de um órgão suctor
responsável pela adesão dos trofozoítos às superfícies apicais das células
entéricas. ”
A habilidade dos trofozoítos de aderir às superfícies, principalmente por
meio do disco ventral, diminui a possibilidade de serem lançados fora do intestino do
hospedeiro, em razão dos movimentos peristálticos.
Mecanismos de imunidade inata desempenham um papel relacionado ao
controle e/ou gravidade da infecção. As respostas imunes humoral ou celular
possuem um papel na imunidade adquirida, mas os mecanismos envolvidos ainda
são desconhecidos.
6 - DE CARLI & TASCA, Geraldo Attilio & Tiana, Atlas de Diagnóstico em Parasitologia Humana, 2012 – pág. 91.
15
Como fato importante da resposta celular imune na giardíase, observaram
que existem diferenças significantes entre grupos de pacientes. No grupo
sintomático, o grau de migração de linfócitos CD4 aparece aumentado.
Ainda para De Carli e Tasca7:
“a dificuldade de caracterização de quais antígenos da Giardia provocariam
uma resposta do organismo, diversos estudos estão sendo feitos. Dentre
eles, foi mostrado que G. lamblia induz em camundongos, respostas
sistêmicas e secretórias diferentes”.
O sequenciamento recente do genoma de G. lamblia, e métodos de
análise da expressão gênica têm possibilitado a caracterização mais detalhada da
interação parasita-hospedeiro. A defesa do hospedeiro contra a infecção por Giardia
envolve diversos processos na mucosa, imunológicos e não imunológicos.
2.6. DIAGNOSE
A observação por microscopia óptica de cistos e trofozoítos em amostras
fecais, é um dos métodos padrão de diagnóstico. Recentemente, tem sido utilizada a
detecção da presença de antígenos de Giardia, pelo método de ELISA (ensaio
imuno- enzimático).
Bossolan explica8:
“Análises feitas com anticorpos anti-giardia, apresentam grande
especificidade nestes casos. Diversos medicamentos estão disponíveis para
o tratamento da giardíase, entre eles estão: metronidazol, quinacrina,
albendazol, furazolidona e paromicina. Dentre estas, o Metronidazol é a
droga mais utilizada para o tratamento da Giardíase. ”
O metronidazol possui, além de sua atividade como antiprotozoário,
atividade como bactericida, agindo em bactérias anaeróbias como Clostridium,
Fusobacterium, Peptococcus e Bacteroides. A droga apresenta ainda propriedades
anti-inflamatórias in vitro.
7 - DE CARLI & TASCA, Geraldo Attilio & Tiana, Atlas de Diagnóstico em Parasitologia Humana, 2012 – pág. 95.8 - BOSSOLAN, Nelma Regina Segnini, Introdução a Zoologia, 2007 – pág. 20.
16
2.7. MORFOLOGIA DO TROFOZOÍTO
O trofozoíto possui o formato de pêra cortada longitudinalmente e mede
aproximadamente entre 12 a 15 m de comprimento e entre 5 a 9 m de largura. O
citoesqueleto dos trofozoítos é composto pelo disco ventral, corpos medianos,
quatro pares de flagelos (anterior, lateral, ventral e caudal) e uma estrutura chamada
funis. Pode ser observado um prolongamento após o disco, na parte superior da
célula, chamado flange ventrolateral.
Para Neves, os trofozoítos9:
“...são binucleados (sem presença de nucléolos típicos) e seus núcleos se
encontram simétricos na porção anterior da célula. No citoplasma são
observados ribossomos, grânulos de glicogênio, perfis de retículo
endoplasmático (RE), vesículas periféricas que parecem corresponder ao
sistema endo-lisossomal. ”
Estas vesículas encontram-se em agregados, próximos aos núcleos,
corpos medianos, axonemas e perfis de retículo endoplasmático. Os peroxissomos,
organelas típicas de eucariotos não foram encontrados em Giardia e a ausência de
mitocôndrias e Golgi típicos em trofozoítos de G. lamblia ainda é amplamente
discutida.
2.8. MORFOLOGIA DO CISTO
Encistamento é o nome que se dá ao processo de diferenciação do
trofozoíto em cisto e consiste em uma série de eventos, que pode ser iniciada por
resposta ao meio externo. In vitro, é aceito que os organismos são cistos quando
passam a ser resistentes à água.
O período de encistamento in vitro varia de acordo com as diferentes
técnicas e cepas utilizadas.As mudanças sofridas pelo trofozoíto durante o processo
de encistamento podem ser divididas em três etapas: a) recepção dos estímulos e
9 - NEVES, David Pereira, Parasitologia Humana, 2011 – pág. 265
17
ativação dos genes específicos para o encistamento; b) biogênese de grânulos
secretores e a síntese, empacotamento; e c) formação da parede cística na
superfície celular.
Quanto a isto, Lourenço afirma10:
“Outras mudanças importantes também podem ser citadas durante este
processo, como a divisão nuclear, a fragmentação do disco adesivo e
internalização dos flagelos. Os cistos de Giardia possuem o formato elíptico,
o tamanho varia entre 6 e 10 m e dependendo da espécie a parede do cisto
varia de 0.3 a 0.5 m de espessura.
A parede do cisto é composta de elementos fibrilares finos com 250nm de
diâmetro, intercalados com partículas finas”.
A composição da parede cística é predominantemente de galactosamina,
na forma de N-acetilgalactosamina (GalNac) e proteínas denominadas proteínas da
parede cística.
Na periferia do citoplasma do cisto, existe uma extensa rede de vacúolos
abaixo da membrana celular. Estas vesículas transportariam proteínas para a
superfície celular, para a formação da parede.
Campanati mostrou11:
“...por ultraestrutura, a liberação destas vesículas secretórias no
encistamento do parasita. Stefanic com o objetivo de aprofundar o que se
conhece sobre a gênese e maturação das ESVs utilizaram a proteômica.
Com isso, foram reconhecidos fatores relacionados ao retículo
endoplasmático, como HSP60-BiP. Sugeriram que a maturação da maior
parte do material de parede cística nas ESVs envolve atividades de
transporte associadas a reticulo endoplasmático e transporte retrógrado do
Golgi para o RE”.
O citoplasma do cisto também contém perfis de outras organelas, incluindo
de dois a quatro núcleos, corpúsculos basais e axonemas dos flagelos, pequenos
fragmentos de retículo endoplasmático, corpos medianos, massas densas
citoplasmáticas e porções fragmentadas do disco ventral.
10 - LOURENÇO, Sergio O., Glossário de Protistologia, 2013 – pág. 222.11 - CAMPANATI, L., Video-microscopy Observations of Fast Dynamic Processes in the Protozoon Giardia Lamblia, 2002 – pág. 219.
18
2.9. MOTILIDADE E BATIMENTO FLAGELAR
A G. lamblia quando não está aderida ao substrato, apresenta
movimentos rotatórios em torno do seu eixo longitudinal ou uma agitação lateral. Na
região caudal da célula, o parasita apresenta movimentos lateral e dorso-ventral.
Estes movimentos são independentes dos flagelos caudais, que não possuem
batimento ativo.
O parasita ao estar aderido executa movimentos rotatórios em seu eixo e
a parte caudal continua fazendo os movimentos laterais. Os flagelos ventrais batem
ativamente em movimentos ondulatórios, enquanto os anteriores possuem uma
frequência menor de batimentos.
Há controvérsias em relação ao batimento dos flagelos laterais. As mais
atuais pesquisas sugerem que há batimentos dos flagelos laterais na mesma
frequência dos flagelos ventrais, mas com menor amplitude. Entretanto sugeriram
que estes flagelos não possuem batimento, mas estão associados com as ondas
produzidas pelo flagelo ventral.
2.10. METABOLISMO
2.10.1. CARBOIDRATOS
A maioria dos organismos eucariotos depende inicialmente de um
metabolismo aeróbico para produção de energia. Entretanto, certos eucariotos,
incluindo Trichomonas, Entamoeba, e Giardia, têm como característica a falta de
uma mitocôndria típica e a ausência de citocromos. Estes organismos dispõem do
metabolismo fermentativo (mesmo na presença de oxigênio) para obtenção de
energia. A glicose não é completamente oxidada em CO2 e H2O como no
metabolismo aeróbico, mas é catabolizada de forma incompleta em acetato, etanol,
alanina e CO2.
O balanço da produção do produto final é susceptível à tensão do O2 e
concentração de glicose no meio de cultura. Apesar do metabolismo anaeróbico,
19
trofozoítos produzem alguns radicais livres, sendo necessário um mecanismo de
detoxificação.
Quanto ao processo, afirma Neves12:
“Esta detoxificação em organismos aeróbios é tipicamente efetuada, por
uma via iniciada por uma superóxido dismutase”.
A presença desta enzima em G. lamblia é discutida, com isso foi proposto
que a principal rota de detoxificação no parasita seria por uma NADH-oxidase.
A presença do glicogênio como reserva energética de carboidratos em G.
lamblia, foi constatada por estudos bioquímicos e enzimáticos. Um carboidrato de
alto peso molecular, o glicogênio, foi purificado e caracterizado, tendo estabelecido
seu papel fisiológico na reserva energética.
2.10.2. AMINOÁCIDOS
Os aminoácidos são componentes de grande importância no metabolismo
energético de G. lamblia. A necessidade de aspartato, alanina e arginina proveniente
do meio extracelular sugere a importância do metabolismo de aminoácidos para
produção de energia no protozoário; Giardia não possui a capacidade de sintetizar
de novo a maioria dos aminoácidos e depende dos existentes no meio extracelular,
tanto in vitro quanto in vivo.
É importante ressaltar a necessidade de cisteína para a manutenção de
uma cultura saudável. A cisteína é conhecida por fornecer proteção parcial contra os
efeitos tóxicos do oxigênio. Esta proteção não foi observada com outros agentes
redutores
2.10.3. LIPÍDEOS
A localização dos trofozoítos predominantemente no duodeno e no jejuno,
inicialmente sugeriu a possível importância da bile no crescimento dos trofozoítos de
Giardia. As células em privação de soro por pouco tempo podem se manter em
cultura, desde que estejam em presença de bile.
12 - NEVES, David Pereira, Parasitologia Humana, 2011 – pág. 270.
20
Os lipídeos biliares, colesterol e fosfatidilcolina e os sais biliares,
glicocolato e glicodeoxicolato também auxiliam no crescimento da cultura.
Como complemento Rocha diz13:
“Os trofozoítos de G. lamblia não possuem a capacidade de sintetizar de
novo ácidos graxos, com possível exceção de certa minoria dos mesmos”.
Estudos recentes sugerem a possibilidade de Giardia sintetizar
isoprenóides de novo, visto que as enzimas da via de mevalonato (envolvidas na via
de biossíntese de colesterol) existem e são transcritas.
Esta alegação poderá ser reforçada com mais estudos sobre as
atividades enzimáticas e detecção de proteínas em extratos do parasita.
2.10.4. PURINAS E PIRIMIDINAS
Muitos protozoários patogênicos, incluindo G. lamblia, dependem de uma
via de salvage para obtenção de nucleosídeos purínicos. Entretanto, G. lamblia
também não possui a via de síntese de pirimidinas, dependendo da via de salvage
para ambos os processos.
2.11. SUPERFÍCIE CELULAR
O trofozoíto de G. lamblia expressa em sua membrana, importantes
proteínas de superfície – variant surface proteins – VSPs.
As VSPs são antígenos ricos em cisteína e recobrem completamente a
superfície do protozoário, in vivo e in vitro.
Neves constata14:
“...que algumas destas VSPs são proteínas que se ligam
predominantemente ao zinco (zinc-binding proteins). Ao infectar o trato
gastro-intestinal, é produzida uma grande variedade de VSPs. Estes
antígenos de superfície variam em número e em tamanho, de 50 até
200kDa. Em G. muris, também foram observados múltiplos processos
13 - ROCHA, Arnaldo, Parasitologia, 2013 – pág. 98.14 - NEVES, David Pereira, Parasitologia Humana, 2011 – pág. 270.
21
envolvendo estas proteínas. Outros antígenos de superfície também podem
ser encontrados em G. lamblia como taglina”.
Na superfície celular de G. lamblia podem ser encontrados diversos tipos
de carboidratos, cuja caracterização foi possível através de ensaios com lectinas.
Com isso, foi possível identificar que a superfície do protozoário é composta
predominantemente por N-acetil- D-glucosamina e N-acetil-galactosamina.
2.11.1 RAFTS LIPÍDICAS
Para Lourenço15:
“As rafts lipídicas (lipid rafts – jangadas lipídicas) são microdomínios de
membrana de baixa fluidez ricos em colesterol e glicoesfingolipídeos. Estes
domínios estão envolvidos em diversos processos como transdução de
sinal, endocitose e tráfego de colesterol”.
As rafts lipídicas podem ser purificadas através de técnicas utilizando
detergentes como Triton X-100 a baixa temperatura. Há uma série de evidências
mostrando a participação das rafts em vários eventos biológicos, como endocitose,
fluidez de membrana e entrada de parasitas em células hospedeiras.
Campanati explica o fenômeno nos seguintes termos16:
“...No entanto, ainda não foi bem definido como as rafts se conectam ao
citoesqueleto. Grandes discussões são geradas em torno da quantidade de
tipos diferentes de rafts existentes atualmente. Pouco se sabe sobre o
envolvimento de rafts em protozoários Em Entamoeba histolytica foi
observada a participação destes domínios na endocitose e na adesão do
parasita”.
Pesquisas recentes relataram a presença de uma proteína ancorada com
cauda de palmitoil, na superfície de G. lamblia, que estaria relacionada com as
VSPs.
15 - LOURENÇO, Sergio O., Glossário de Protistologia, 2013 – pág. 230.16 - CAMPANATI, L., Video-microscopy Observations of Fast Dynamic Processes in the Protozoon Giardia Lamblia, 2002 – pág. 221.
22
No entanto, a localização desta proteína apresenta similaridades com
sítios de rafts e não-rafts.
2.12. ULTRA-ESTRUTURA CELULAR
2.12.1. CITOESQUELETO
Trofozoítos de Giardia lamblia apresentam um complexo citoesqueleto
composto predominantemente por tubulinas. Este citoesqueleto está diretamente
relacionado com a locomoção, adesão ao substrato e manutenção do formato
celular. Os principais elementos do citoesqueleto de G. lamblia são representados
por oito flagelos (organizados em quatro pares anteriores, laterais, ventrais e
caudais.), um disco ventral, corpo mediano e feixes de microtúbulos chamados funis.
A última estrutura está associada aos axonemas do flagelo caudal.
Outras proteínas também estão associadas ao citoesqueleto, como a
giardina encontrada no disco e corpos medianos e a centrina, encontrada associada
aos axonemas e corpos medianos.
2.12.1.1. DISCO VENTRAL
Afirma Rocha17:
“O disco ventral é uma estrutura única do citoesqueleto do trofozoíto. A
estrutura do disco ventral foi descrita inicialmente por Friend (1966),
Holberton (1973, 1981), Brugerolle (1975), e Feely (1982). O disco ventral
possui um formato côncavo, e localiza-se na porção anterior da célula. Sua
periferia termina em uma crista lateral (lateral crest), e pode se observar
uma flange flexível (ventrolateral flange) que o circunda”.
A configuração em espiral do citoesqueleto do disco é refletida pela
morfologia de sua superfície. A forma espiral na face ventral do disco circunda uma
região diferenciada chamada de bare zone – zona nua. Os microtúbulos do disco se
originam perto dos corpúsculos basais do flagelo. A presença de proteínas motoras
(actinina, tropomiosina e miosina) no disco ventral sugere sua participação no
17 - ROCHA, Arnaldo, Parasitologia, 2013 – pág. 104.
23
mecanismo de adesão. O disco ventral é formado por um conjunto de microtúbulos e
de microfitas, que estão ligados à membrana plasmática na região ventral. Estes
microtúbulos formam a base para as microfitas (microribbons), as quais são
constituídas por várias proteínas denominadas giardinas.
Continua Rocha18:
“A presença de uma protusão no disco de trofozoítos foi descrita por
Lanfredi-Rangel em 1999. Benchimol (2004b) mostrou a participação do
disco ventral na cariocinese. Com isso, não somente a função de adesão é
atribuída a esta estrutura”.
2.12.1.2. FLAGELOS E ESTRUTURAS ASSOCIADAS
A estrutura dos axonemas dos oito flagelos de Giardia é típica de 9 + 2
arranjos de microtúbulos, comum nos flagelos dos eucariontes. Os oito flagelos
provêm dos corpúsculos basais, localizados no pólo anterior do par de núcleos. Os
axonemas do flagelo anterior se cruzam na linha mediana e correm posteriormente
antes de emergirem da célula. Massas densas fibrosas são associadas com o
axonema do flagelo anterior.
Com referência a observação laboratorial destas estruturas, afirma
Campanati19:
“Estas estruturas foram primeiramente identificadas por Friend (1966) e
foram chamadas de dense rods. Os axonemas do flagelo caudal são
acompanhadas por 2 bandas de microtúbulos, uma ventral e uma dorsal e
fibras densas. As duas bandas de microtúbulos nos axonemas foram
denominadas de funis por Kulda e Nohynkova (1978)”.
Recentemente, foi feita uma descrição mais detalhada desta estrutura
especulando seu papel funcional e sua ligação com os flagelos laterais e caudais.
Foi então proposto que os funis teriam a função de suporte ao estresse e
participação na flexibilidade do trofozoíto.
18 - ROCHA, Arnaldo, Parasitologia, 2013 – pág. 104.19 - CAMPANATI, L., Video-microscopy Observations of Fast Dynamic Processes in the Protozoon Giardia Lamblia, 2002 – pág. 226.
24
Considerando que há uma ligação entre os funis e o flagelo caudal, este
poderia estar envolvido no movimento lateral do flagelo caudal, previamente
descrito. Em laboratório, experimentos apresentaram novas observações sobre a
reorganização do aparato flagelar durante a divisão de G. lamblia, com base na
observação que os pares de flagelos não correspondem aos mesmos pares de
corpúsculos basais.
Foi visto que os flagelos laterais e ventrais se rearranjariam para formar
dois pares de flagelos anteriores nas células filhas. De cada célula filha os flagelos
laterais se transformariam em flagelos caudais na próxima divisão.
Assim, as pesquisas sugerem então que há reorientação, migração e
transformação funcional dos corpúsculos basais parentais e dos flagelos.
25
3. EXAMES LABORATORIAIS
O exame parasitológico de fezes (EPF) tem como objetivo diagnosticar os
parasitos intestinais, por meio da pesquisa das diferentes formas parasitárias que
são eliminadas nas fezes.
O exame macroscopico permite a verificação da consistência das fezes,
do odor, da presença de elementos anormais, como muco ou sangue, e de vermes
adultos ou partes deles. O exame microscópico permite a visualização dos ovos ou
larvas de helmintos, cistos, trofozoítos ou oocistos de protozoários. Pode ser
quantitativo ou qualitativo.
Os métodos quantitativos são aqueles nos quais se faz a contagem dos
ovos nas fezes, permitindo, assim, avaliar a intensidade do parasitismo. São pouco
utilizados, pois a dose dos medicamentos antiparasitária não leva em conta a carga
parasitária e sim o peso corporal do paciente. Os mais conhecidos são o Método de
Stoll-Hausheer e o Método de Kato-Katz, sendo o último mais empregado e,
portanto, descrito mais adiante.
Os métodos qualitativos são os mais utilizados, demonstrando a presença
das formas parasitárias, sem, entretanto, quantificá-las.
Muitas vezes o número de formas parasitárias eliminadas com as fezes é
pequeno, havendo necessidade de recorrer a processos de enriquecimento para
concentrá-las.
Os principais processos de enriquecimento são:
a) sedimentação espontânea: método de Hoffman, Pons e Janer, também conhecido
como método de Lutz. Permite o encontro de ovos e larvas de helmintos e de cistos
de protozoários;
b) sedimentação por centrifugação: método de Blagg (também conhecido por
método de MIFC), método de Ritchie, Coprotest. Usados para a pesquisa de ovos e
larvas de helmintos, cistos e alguns oocistos de protozoários;
c) flutuação espontânea: método de Willis. Indicado para a pesquisa de ovos leves
(principalmente ancilostomídeos);
d) centrífugo flutuação: método de Faust. Usado para a pesquisa de cistos e alguns
oocistos de protozoários, permitindo, também, o encontro de ovos leves.
concentração de larvas de helmintos por migração ativa, devido ao hidrotropismo e
26
termotropismo positivos: método de Baermann-Moraes e método de Rugai.
Indicados para a pesquisa de larvas de Strongyloides stercoralis.
Além destes, o método de Kato concentra os ovos de hclmintos através
de filtração em tela metálica ou de náilon, de uma determinada malha, que retém os
detritos maiores e permite a passagem dos detritos menores e ovos, ocorrendo,
consequentemente, a concentração destes últimos na amostra fecal.
Sua visualização é facilitada pelo emprego de uma solução de verde
malaquita. A preparação obtida não permite a visualização de cistos de protozoários,
apesar destes passarem através da tela.
3.1. ESCOLHA DO MÉTODO
As formas parasitárias variam quanto ao seu peso e sobrevida no meio
exterior. Assim, não existe um método capaz de diagnosticar, ao mesmo tempo,
todas as formas parasitárias.
Alguns métodos são mais gerais, permitindo o diagnóstico de vários
parasitos intestinais, outros são métodos específicos, indicados para um parasito em
especial.
Entre os métodos gerais, podemos citar o método de Hoffman, Pons e
Janer e o os métodos de centrifugação (MIFC, Ritchie e Coprotest). Na maioria dos
pedidos de EPF, a suspeita clínica não é relatada, e o exame é feito por um dos
métodos gerais, acima citados.
Quando é solicitada a pesquisa de um parasito que exige a execução de
um método específico, tanto este como o método geral devem ser executados.
Desta forma, o EPF ficará mais completo, pois será feita a pesquisa dos vá- rios
parasitos intestinais e não apenas daquele solicitado. Tal conduta se justifica pelo
fato de vários parasitos intestinais determinarem sintomas semelhantes.
Se for executado apenas o método específico, outros parasitos intestinais
porventura presentes, não serão diagnosticados. Um método será mais ou menos
utilizado na rotina do EPF, quando, além de permitir o diagnóstico de vários
parasitos intestinais, é também de fácil execução e pouco dispendioso.
Alguns autores preconizam a execução de vários métodos com cada
amostra fecal, entre eles um método geral, um específico para larvas de helmintos e
outro específico para cistos de protozoários. No entanto, na maioria das vezes, tal
27
procedimento é inviável, seja por quantidade insuficiente de fezes, ou pelo elevado
número de exames a serem realizados por dia.
A maior interação entre o médico e o laboratório muito contribuiria para
que o EPF fosse o mais exato possível. Apesar da automação ser uma realidade em
vários setores de um laboratório de análises clínicas, esta, ainda, não chegou ao
EPF, exigindo uma atenção individual a cada amostra.
A fim de obter mais qualidade no EFP, devemos sempre ter em mente
que algumas espécies de parasitos só são evidenciadas por técnicas especiais; um
exame isolado, onde o resultado é negativo, não deve ser conclusivo, sendo
recomendável a sua repetição com outra amostra; a produção de cistos, ovos ou
larvas não é uniforme ao longo do dia ou do ciclo do parasito.
3.2. COLETA E CONSERVAÇÁO DAS FEZES
A coleta, armazenamento e conservação das fezes são de fundamental
importância na qualidade do EPF. E preciso orientar o paciente, dizendo-lhe que a
evacuação deve ser feita em recipiente limpo e seco e parte das fezes transferida
para um frasco próprio, de boca larga, bem fechado e identificado. A identificação
deve conter o nome do paciente, idade, data e, se possível, a hora da coleta. No
caso de fezes frescas (sem conservador) a remessa para o laboratório deve ser
imediata. As instruções sobre como coletar as fezes devem ser claras e passadas
ao paciente por escrito. É importante verificar se o paciente as entendeu, pois é na
coleta adequada da amostra fecal que se inicia a qualidade do EPF.
Quando solicitada pela clínica médica poderá ser feita a coleta de
amostras múltiplas. O mais recomendado é a coleta de três amostras em dias
alternados. Para isso o paciente recebe um frasco com o conservador, onde ele irá
colocar, a cada dia, uma porção de fezes, homogeneizando-as. Finda a coleta, o
frasco é enviado ao laboratório para a realização do EPF.
Quando não há possibilidade de remeter as fezes frescas rapidamente ao
laboratório ou então examiná-las logo que cheguem, estas deverão ser mantidas a
baixas temperaturas (5" a 10" C), para evitar a putrefação, devendo ser examinadas
o mais rapidamente possível ou no máximo dois a três dias após a emissão.
28
As fezes poderão, também ser mantidas em conservadores, permitindo
que o exame seja realizado semanas após a coleta. O ideal é que as fezes sejam
colocadas no conservador logo após a evacuação.
Para tanto, o paciente deve receber, do laboratório, o frasco contendo o
conservador. Qualquer conservador deve ser usado na proporção de três partes
deste para uma parte de fezes, sendo estas bem homogeneizadas.
Os mais empregados são: Formol 10%: conserva por mais de um mês os
ovos ou larvas de helmintos e os cistos e oocistos de protozoários. Fonnol comercial
10 mL Solução salina a 0,85% 90mL MIF: é a sigla de um conservador muito
difundido, cujas iniciais significam Mertiolato (ou mercurocromo), Iodo e Formol.
A fórmula é a que se segue: Água destilada 250 mL Sol. de
mercurocromo a 1 :500 25OmL Formo1 25 mL Glícerina 5mL SAF: são as iniciais
dos componentes de um fixador usado para conservar cistos e trofozoítos, sendo útil
para fezes formadas ou diarreicas.
Por essa característica substituiu o fixador de Schaudinn (bicloreto de
mercúrio), que é extremamente tóxico, na coleta das fezes para a execução do
método da hematoxilina férrica, no diagnóstico de amebas e Giardia. Usa-se na
mesma proporção citada anteriormente. Sua fórmula é a seguinte: Acetato de sódio
45 g Ácido acético 2,9 mL Formo1 40% 4,O mL Água destilada 9,5 mL Observação:
Os trofozoítos de amebas e Giardia não se conservam no formo1 10% ou MIF, dois
conservadores muito utilizados.
Os cistos de protozoários e as larvas de helmintos necessitam ser
corados para uma correta identificação na microscopia. Para essa finalidade
utilizamos a solução de lugol, cuja fórmula é a seguinte: Iodo 2 g Iodeto de potássio
4g Água destilada 100 mL.
Todos os parasitos encontrados no EPF deverão ser relatados, sejam
eles patogênicos ou não. Deverão ser citados a forma parasitária observada (ovo,
larva, cisto, trofozoíto, oocisto, verme adulto) e o nome científico do parasito,
incluindo o gênero e espécie, sempre que possível. Também deverá constar o(s)
método(s) executado(s) e a consistência das fezes, tendo em vista que os métodos
rotineiramente empregados não permitem o encontro de trofozoítos de protozoários
em fezes diarréicas. Observações sobre o numero de amostras colhidas devem ser
relatadas.
29
A seguir apresentamos, a título de exemplo, um resultado negativo e um
positivo.
3.2.1. EXAME NEGATIVO
Nome do paciente: ________________________________
Idade: ____
Sexo: ___________
Nome do médico: _____________________________
Data: ____/____/_____
EXAME PAUASITOLÓGICO DE FEZES
Consistência das fezes: dado não disponível (fezes no conservador);
Método empregado: MIFC;
Resultado: Não foram encontrados ovos ou larvas de helmintos, nem cistos ou
trofozoítos de protozoários no material examinado.
Observação: Coleta de três amostras em dias alternados.
3.2.2. EXAME POSITIVO
Nome do paciente: ________________________________
Idade: ____
Sexo: ___________
Nome do médico: _____________________________
Data: ____/____/_____
EXAME PARASITOL~GICO DE FEZES
Consistência das fezes: pastosas
Método empregado: Hoffman, Pons e Janer
Resultado: Ovos de Ascaris lumbricoides Larvas de Strongyloides stercoralis Cistos
de Giardia lamblia
A seguir descreveremos os passos que devem ser seguidos para a
execução dos métodos mais utilizados no EPF.
Na Tabela abaixo estão relacionados, respectivamente, os principais
métodos de exame parasitológico de fezes mais indicados para o seu diagnóstico.
30
Tocar, com a ponta de um palito, em vários pontos das fezes, transferindo uma
pequena porção destas para a lâmina.
Espalhar as fezes, fazendo um esfregaço e examinar com as objetivas de 10x e/ou
40x. A espessura do esfregaço não deve impedir a passagem de luz.
Para a identificação de cistos de protozoários e larvas de helmintos, corar a
preparação com lugol. O uso de lamínula é facultativo.
Esse método apresenta baixa sensibilidade, pois não utiliza um processo
para a concentração das formas parasitárias, a quantidade de fezes empregada é
muito pequena e o excesso de detritos pode mascarar as formas parasitárias. Estas
serão detectadas quando presentes em grande quantidade. Entretanto, este método
pode ser útil para a pesquisa de trofozoítos de protozoários em fezes diarreicas
recém-emitidas (no máximo 30 minutos após). E aconselhável examinar, no mínimo,
três lâminas de cada amostra.
31
4. CONCLUSÃO
O caráter eminentemente técnico do trabalho resultou mais em um
resumo com os principais aspectos elencados de que uma conclusão formal.
Ademais, um projeto onde se prima por descrever todo o ciclo de uma
infecção protozoária, só mesmo, poderia encontrar seu desfecho com um resumo
ordenado de tudo o que foi exposto.
Segue-se então o mais importante sobre o tema:
1 – Agente etiológico: Giardia lamblia;
2 – Morfologia: Apresenta duas formas: cística e trofozoítica;
3 – Ciclo: A G. lamblia é um parasito monoxeno de ciclo biológico direto. A via de
infecção normal para o homem é a ingestão de cistos. Em voluntários humanos,
verificou-se que um pequeno número de cistos pode causar a infecção (10 a 100).
Após a ingestão do cisto, o desencistamento ocorre no meio ácido do estômago e é
completado no duodeno e jejuno, onde ocorre a colonização do parasito. Este se
reproduz por divisão binária longitudinal. O ciclo se completa com o encistamento do
parasito e a sua eliminação nas fezes. Quando o trânsito intestinal está acelerado, é
possível achar trofozoítos nas fezes;
4 – Transmissão: através da ingestão de cistos, veiculados através de: ingestão de
água sem tratamento ou deficientemente tratadas (só com cloro); alimentos
contaminados, sendo que estes podem ser contaminados por moscas e baratas; de
pessoa a pessoa, através de mãos contaminadas; através de sexo anal; animais
domésticos contaminados com Giardia de morfologia semelhante a humana;
5 – Sintomatologia: A maioria das infecções por G. lamblia é assintomática. Os
casos sintomáticos dependem de fatores não bem conhecidos e estão relacionados
com a cepa e o número de cistos ingeridos, deficiência imunitária do paciente e
principalmente por baixa acidez no suco gástrico (acloria). A forma aguda se
apresenta como uma diarreia do tipo aquosa, explosiva, de odor fétido,
acompanhada de gases, com distensão e dores abdominais. Essa forma aguda dura
32
poucos dias e seus sintomas iniciais podem ser confundidos com diarreias virais e
bacterianas. Ela se resolve espontaneamente e os parasitos podem desaparecer
das fezes. Após o desenvolvimento da imunidade, há uma regressão dos sintomas,
podendo alguns pacientes se tornarem portadores assintomáticos;
6 – Diagnóstico Clínico: diarreia com esteatorréia, irritabilidade, insônia, náuseas e
vômitos, perda de apetite e dor abdominal. Apesar destes sintomas serem bastante
característicos, é conveniente a comprovação por exames laboratoriais;
7 – Diagnóstico Laboratorial: deve-se fazer exame de fezes nos pacientes para
identificar cistos ou trofozoítos nestas. Em fezes formadas: os métodos de escolha
são os de concentração: método de Faust ou de MIFC. Em fezes diarréicas: usar o
método direto (com salina ou lugol) ou o método da hematoxilina férrica. O
diagnóstico da giardíase apresenta dificuldades devido ao fato de que pacientes
infectados não eliminam cistos continuamente. Para contornar tal situação,
recomenda-se fazer o exame de três amostras fecais em dias alternados. Caso
ainda não se encontrem cistos, recomenda-se o exame do fluído duodenal e biópsia
jejunal, obtidas através de tubagem duodenal;
8 – Diagnóstico Imunológico: os métodos imunológicos puderam ser utilizados no
diagnóstico da giardíase devido ao desenvolvimento de culturas puras do parasito
(axênicas), que possibilitou a produção de antígenos do parasito. Os métodos
imunológicos ainda carecem de padronização e são usados somente em
levantamentos epidemiológicos;
9 – Profilaxia - Higiene pessoal; - Proteção dos alimentos; - Tratamento de água; -
Ferver a água; - Diagnóstico e tratamento dos doentes. Tratamento: - Metronidazol,
tinidazol, ornidazol e secnidazole.
33
BIBLIOGRAFIA
BOSSOLAN, Nelma Regina Segnini – Introdução à Zoologia – Edição Única,
Editora EdUFSCAR, São Carlos, 2007.
CAMPANATI, L – Video-microscopy Observations of Fast Dynamic Processes
in the Protozoon Giardia Lamblia – Sem Edição, Editora Cell Motil. Cytoskeleton,
cidade de Nova York, EUA, 2002.
DE CARLI, Geraldo Attilio & TASCA, Tiana – Atlas de Diagnóstico em
Parasitologia Humana – 1ª Edição, Editora Atheneu, São Paulo, 2012.
LOURENÇO, Sergio O. – Glossário de Protistologia, Verbetes Utilizados no
Estudo de Protozoários, Algas e Protistas Fungoides – 1ª Edição, Editora
Technical Books, São Paulo, 2013.
LAROUSSE, Dicionário Inglês-Português – Editora Larousse, São Paulo, 2009.
NEVES, David Pereira – Parasitologia Humana – 12ª Edição, Editora Atheneu, São
Paulo, 2011.
RIBEIRO, Cláudia de Mello – Enfermidade Parasitárias por Protozoários em
Pequenos Animais – 1ª Edição, Editora Rubio, São Paulo, 2015.
ROCHA, Arnaldo – Parasitologia – 1ª Edição, Editora Rideel, São Paulo, 2013.
top related