campos magnÉticos de estrelas g-k e dividing lines no ... · investigamos o campo magnético...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
DEPARTAMENTO DE FÍSICABACHARELADO EM FÍSICA
CAMPOS MAGNÉTICOS DE ESTRELAS G-K E DIVIDINGLINES NO DIAGRAMA HR
Marina Tatiane Ribeiro da Silva
Natal-RNDezembro de 2017
Marina Tatiane Ribeiro da Silva
Campos Magnéticos de Estrelas G-K e DividingLines no Diagrama HR
Monografia de Graduação apresentada aoDepartamento de Física do Centro deCiências Exatas e da Terra da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Nortecomo requisito parcial para a obtenção dograu de bacharel em Física.
OrientadorProf. Dr. Jefferson Soares da Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Departamento de Física - DF
Natal-RNDezembro de 2017
Silva, Marina Tatiane Ribeiro da. Campos magnéticos de estrelas G-K e Dividing Lines nodiagrama HR / Marina Tatiane Ribeiro da Silva. - 2017. 54f.: il.
Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grandedo Norte. Centro de Ciências Exatas e da Terra. Departamento deFísica Teórica e Experimental. Bacharelado em Física. Natal, RN,2017. Orientador: Jefferson Soares da Costa.
1. Campo magnético - Monografia. 2. Diagrama HR - Monografia.3. Dividing Line - Monografia. 4. LSD - Monografia. I. Costa,Jefferson Soares da. II. Título.
RN/UF/CCET CDU 537.612
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Ronaldo Xavier de Arruda - CCET
ii
Monografia de Graduação sob o título Campos magnéticos de estrelas G-K e
dividing lines no Diagrama HR apresentada por Marina Tatiane Ribeiro da Silva e aceita
pelo Departamento de Física do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, sendo aprovada por todos os membros da banca
examinadora abaixo especificada:
Prof. Dr. Jefferson Soares da Costa
Orientador
Escola de Ciências e Tecnologia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Matthieu Sebastien Castro
Departamento de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Dr. Leonardo Andrade de Almeida
Departamento de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal-RN, 8 de Dezembro de 2017
iii
À terna indiferença do mundo.
iv
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais por todo investimento financeiro e emocional dedicados
à minha formação acadêmica. Aos irmãos de sangue e de alma que me proporcionam a
doçura e força necessárias para seguir pelo árduo caminho às estrelas. Aos professores
que me inspiraram a acreditar que o céu é o objetivo, não o limite. Aos professores
que me ensinaram sobre quem eu não devo ser. A todos os mestres sem titulação que
encontro diariamente em todos os lugares. À Propesq-UFRN e ao CNPq pelo apoio
financeiro despendido na minha iniciação como cientista.
v
“When I heard the learn’d astronomer,
When the proofs, the figures, were ranged in columns before me,
When I was shown the charts and diagrams, to add, divide, and measure them,
When I sitting heard the astronomer where he lectured with much applause in the lecture-room,
How soon unaccountable I became tired and sick,
Till rising and gliding out I wander’d off by myself,
In the mystical moist night-air, and from time to time,
Look’d up in perfect silence at the stars.”
(Walt Whitman, Leaves of Grass)
vi
Resumo
Investigamos o campo magnético superficial de 35 estrelas dos tipos espectrais G
e K. Na nossa amostra, 14 estrelas são conhecidas na literatura por apresentarem sinais
moderados a fortes de atividade magnética. 7 estrelas aparentam não ter passado pela
mistura termohalina, o que poderia ser devido à presença de um campo magnético forte.
Posteriormente, observamos 14 estrelas muito brilhantes que nos permitiram melhorar
nossa habilidade com a espectropolarimetria. Por fim, analisamos a existência de dividing
lines no diagrama Hertzsprung-Russell. Utilizando os dados dos espectropolarímetros
NARVAL e ESPaDOnS, foi possível detectar a polarização circular dentro das linhas
de absorção fotosféricas de nossos alvos. Aqui, usamos o método de Deconvolução em
Mínimos Quadrados (LSD) para criar perfis médios de Stokes V com alta razão sinal-
ruído. Então, detectamos o campo magnético e avaliamos sua relação com as dividing
lines no diagrama HR. A presença da dividing line no diagrama HR faz com que as
estrelas tardias sejam divididas em dois grupos. À esquerda, encontramos estrelas do tipo
solar, com estrutura atmosférica composta por cromosfera, região de transição, coroa e
ventos de tipo solar. À direita, podemos encontrar estrelas com extensa cromosfera e
ventos massivos e frios. Determinamos, indubitavelmente, o campo magnético superficial
de 3 estrelas da nossa amostra e concluímos que outras 18 delas não mostram detecção
de atividade magnética. As estrelas magnéticas estão situadas à esquerda da dividing
line, enquanto as estrelas não-magnéticas se encontram à direita da linha, mostrando
evidências de afiliação entre o comportamento do campo magnético e a dividing line.
Palavras-chave: Campo Magnético, Diagrama HR, Dividing Line, LSD.
vii
Abstract
We investigate the surface magnetic field of 35 G-K stars. In our sample, 14
stars present moderate to strong signs of magnetic activity, as known from the literature.
Other 7 stars seem not to have been through thermohaline mixing, which could be
due to hosting a strong magnetic field. Subsequently, we observed 14 additional very
bright stars which allowed us to improve our ability with spectropolarimetry. Lastly,
we analysed the existence of dividing lines in the Hertzsprung-Russell diagram. Using
the data from spectropolarimeters NARVAL and ESPaDOnS, it was possible to detect
circular polarisation within the photospheric absorption lines of our targets. Here, we
use the Least-Squares Deconvolution (LSD) method to create high signal-to-noise ratio
mean Stokes V profiles. Then, we detect the magnetic field and evaluate its relation
to the dividing lines in the HR diagram. The presence of the dividing line in the HR
diagram causes the late-type stars to divide into two groups. To the left, we find solar-
type stars, with an atmospheric structure composed by chromosphere, transition region,
crown and solar-type winds. To the right, the stars have extended chromosphere and
heavy cold winds. We unquestionably determined the surface magnetic field for 3 stars
from our sample and concluded that other 18 of them show no detection of magnetic
activity. The magnetic stars lie to the left of the dividing line, as the non-magnetic stars
lie to the right of the line, showing evidence of affiliation between the magnetic field
behaviour and the dividing line.
Keywords: Magnetic field, HR Diagram, Dividing Line, LSD.
Sumário
1 Introdução 1
1.1 Diagrama Hertzprung-Russell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Breve histórico acerca da espectropolarimetria . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Amostra estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3.1 Campo magnético em estrelas de pouca massa . . . . . . . . . . . 5
1.3.2 Teoria do dínamo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2 Metodologia 7
2.1 Efeito Zeeman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2 Deconvolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.1 Transformada discreta de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 Método dos Mínimos Quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.4 Parâmetros de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.4.1 Dedução pela teoria eletromagnética . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3 Dados espectropolarimétricos 19
3.1 Espectropolarímetros NARVAL e ESPaDOnS . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2 Medindo o campo magnético estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2.1 Imageamento Zeeman-Doppler (ZDI) . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2.2 Deconvolução em mínimos quadrados (LSD) . . . . . . . . . . . . 21
3.3 A amostra observada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.3.1 Gigantes ativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.3.2 Desviantes termohalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
ix Sumário
3.3.3 CFHT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.3.4 Algumas propriedades das estrelas da amostra . . . . . . . . . . . 24
3.4 Dividing line no diagrama HR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4 Resultados e discussões 29
4.1 Campo magnético longitudinal Bl . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.1.1 HIP3419 - — Cet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
4.1.2 HIP117503 - OU And . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.1.3 HIP48356 - 39 Hya . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.1.4 Estrelas sem atividade magnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.2 Diagrama HR e dividing line . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.3 Análise do campo magnético e temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.4 Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5 Considerações Finais 37
Referências Bibliográficas 38
Sumário x
Capítulo 1
Introdução
A construção de um modelo físico abrangente de estrutura e evolução estelar é um
dos maiores triunfos da Astrofísica do século XX (Uzdensky, 2009), como exemplo desta
conquista, temos o desenvolvimento do diagrama Hertzsprung-Russell, que até hoje é
utilizado para classificar estrelas e sua evolução, também a espectropolarimetria, que veio
como uma maneira de caracterizar a luz da maneira mais acurada possível, isto por volta
de 1990. No entanto, muitos outros aspectos dos ciclos estelares não são devidamente
entendidos, sendo um desses aspectos a origem e a evolução dos campos magnéticos
estelares, de maneira que esta é uma questão fundamental para a Astrofísica moderna.
Qual é a origem desses campos magnéticos? Como seus ciclos funcionam? Tais questões
são relevantes porque o problema dos ciclos dos campos magnéticos compreende vários
grupos estelares, como estrelas jovens, estrelas da sequência principal, anãs brancas,
estrelas de nêutrons e outros. Aqui, limitamo-nos a estudar o campo magnético em
estrelas do tipo tardio, especificamente estrelas gigantes G e K. Começaremos este
capítulo com uma breve introdução sobre essas duas ferramentas fundamentais para a
astrofísica e para o nosso trabalho, o diagrama HR e a espectropolarimetria.
1.1 Diagrama Hertzprung-Russell
O diagrama Hertzsprung-Russell (diagrama HR) é uma das ferramentas mais
importantes no estudo da evolução estelar. Originou-se em 1911, quando o astrônomo
Capítulo 1. Introdução 2
dinamarquês Ejnar Hertzsprung traçou a magnitude absoluta das estrelas contra a sua
cor (disso, a temperatura efetiva). Independentemente, em 1913, o astrônomo americano
Henry Norris Russell usou a classe espectral em relação à magnitude absoluta. Os
resultados dos dois mostraram que a relação entre a temperatura e a luminosidade de
uma estrela não era aleatória, mas sim parecia cair em grupos distintos (ver figura 1.1).
A massa, a idade e até certo nível a composição química estelar e rotação, de-
terminam a luminosidade, raio e temperatura da estrela. Assim, o diagrama HR é um
gráfico da luminosidade em função da temperatura, podendo tomar diversas formas,
dependendo de quais coordenadas estão sendo utilizadas (Gray, 2005).
Figura 1.1: Diagrama HR observacional com 22 mil estrelas do Catálogo Hipparcos e1 mil do Catálogo Gliese de estrelas próximas. As estrelas tendem a estar apenas emcertas regiões do diagrama. A região diagonal é a mais evidente, indo da parte superioresquerda (quente e brilhante) para o canto inferior direito (mais frio e menos brilhante),denominada sequência principal. Na parte inferior esquerda, encontramos as anãs brancase acima da sequência principal estão as subgigantes, gigantes e supergigantes. Retiradode: Wikipedia.
3 1.2. Breve histórico acerca da espectropolarimetria
1.2 Breve histórico acerca da espectropolarimetria
Uma das ferramentas mais pertinentes da atualidade para estudo de campos
magnéticos, já citada anteriormente, é a espectropolarimetria. Como sugerido pelo nome,
a espectropolarimetria analisa a luz tanto espectroscópica, quanto polarimetricamente.
Logo, é possível medir com a mais alta precisão tanto a distribuição da energia em função
do comprimento de onda, quanto as propriedades do vetor de polarização da radiação
eletromagnética (del Toro Iniesta, 2003).
Ao longo dos séculos, muitas pessoas contribuíram para o desenvolvimento de
instrumentos para medir a polarização de objetos astronômicos. Segundo del Toro Iniesta,
a polarização foi levada à atenção da comunidade científica por acaso. De acordo com a
história, um marinheiro que retornou à Copenhague, vindo da Islândia, trouxe de volta
belos cristais do que agora conhecemos como espato da Islândia ou calcita. Alguns desses
cristais, aparentemente, caíram nas mãos de Erasmus Bartholin, um médico dinamarquês,
matemático e físico, que na época (1669) era professor de medicina na Universidade de
Copenhague. Bartholin observou que as imagens formadas através desses cristais eram
duplas. Além disso, quando o cristal era rotacionado, uma imagem permanecia no lugar,
enquanto a outra girava com o cristal (figura 1.2)1. Esse foi um dos primeiros eventos
relevantes para o início do estudo em polarização.
Figura 1.2: Imagens duplas formadas em calcita.
1Retirado de: http://www2.oberlin.edu/physics/
Capítulo 1. Introdução 4
Após a descoberta de Bartholin, muitos outros acontecimentos vieram para consu-
mar o estudo da polarização (Trujillo-Bueno, 2002). Alguns deles: em 1808, Etienne-Louis
Malus descobre a polarização a partir da reflexão; em 1818, Augustin Jean Fresnel e
Dominique François Arago encontram a natureza transversal da polarização; em 1828,
William Nicol inventa o primeiro prisma polarizador de calcita; 1852, George Gabriel
Stokes apresenta os parâmetros de Stokes; 1858, E. Liais descobre polarização linear na
coroa solar durante um eclipse; 1908, George E. Hale encontra polarização circular e
linear em manchas solares.
O estudo da polarização e, por conseguinte, da espectropolarimetria é crucial
para nossa compreensão atual sobre campos magnéticos. Nas próximas seções, falaremos
um pouco sobre nossa amostra estelar e algumas características do campo magnético de
tais estrelas.
1.3 Amostra estelar
Nesta pesquisa, utilizamos a amostra de estrelas de Petit et al. (2014), observada
por várias missões e atrelada ao PolarBase 2, uma base de dados que contém todos
os dados estelares obtidos pelos espectropolarímetros de alta resolução ESPaDOnS
(Echelle SpectroPolarimetric Device for the Observation of Stars, Canada-France-Hawaii
Telescope, Havaí) e NARVAL (Telescópio Bernard Lyot (TBL), localizado no Pic du
Midi, França). Desde o início de 2014, observações de 2000 objetos estelares em todo
o diagrama HR estão disponíveis. Os espectros de intensidade estão disponíveis para
todos os alvos e a maioria das observações também inclui espectros simultâneos em
polarização circular ou linear, sendo a maioria das medidas polarimétricas realizadas
apenas em luz polarizada circularmente (Stokes V). Relacionamos nossa amostra com a
proveniente de Aurière et al. (2015) e selecionamos 35 estrelas gigantes e frias, do tipo
tardio.
Espera-se que tais estrelas (gigantes do tipo espectral G-K) abriguem principal-
mente campos magnéticos superficiais fracos, tendo em vista se tratarem de estrelas com2Disponível em http:/polarbase.irap.omp.eu
5 1.3. Amostra estelar
grandes raios e baixa rotação (Aurière et al., 2015). Ainda assim, atividade na forma de
emissão nos núcleos de linhas cromosféricas fortes, variabilidade fotométrica e emissão
de raios-X é uma característica dessas estrelas que vem sendo registrada há décadas.
Para rotatores lentos, detecções confiáveis de campos magnéticos superficiais por meio
de assinaturas Zeeman (via espectropolarimetria) só puderam ser registradas após a
introdução do ESPaDOnS e NARVAL (Konstantinova-Antova et al., 2008).
Além disso, a região ocupada por essas estrelas no diagrama HR vem sendo
bastante explorada, possibilitando, dessa maneira, a produção de trabalhos (Linsky e
Haisch, 1979; Ayres et al., 1981; Haisch et al., 1990, 1992; Huensch et al., 1996) que
revelaram a existência de uma “dividing line” na região fria do diagrama HR. Estas
“dividing lines” são definidas através das diferenças físicas entre as camadas mais externas
da atmosfera estelar.
1.3.1 Campo magnético em estrelas de pouca massa
Em estrelas frias e de baixa massa, acredita-se que uma intensa atividade mag-
nética resulte da conversão de energia mecânica convectiva e rotacional em energia
magnética proveniente do processo de dínamo. Por meio de medidas espectropolarimé-
tricas e da análise de determinadas características espectrais, pode-se detectar campos
magnéticos da ordem de kilogauss (Uzdensky, 2009).
1.3.2 Teoria do dínamo
A teoria do dínamo descreve o processo através do qual um fluido eletricamente
condutor, estando sob processos de rotação e convecção, atua para manter um campo
magnético. Este modelo é usado para explicar a presença de campos magnéticos em
corpos astrofísicos. Levando-se em consideração o dínamo elétrico, um gerador de ele-
tricidade por transformação de energia mecânica em energia elétrica, podemos definir,
analogamente, o dínamo astrofísico. Neste caso, o movimento do plasma (gás altamente
ionizado, do qual o interior estelar é composto) estelar provocaria a variação temporal
dos campos magnéticos do meio (Nelson, 2008), o que geraria uma corrente elétrica
Capítulo 1. Introdução 6
mantenedora do campo magnético por indução (Lei de Faraday).
Aqui, dividimos os capítulos da seguinte maneira: o capítulo 2 trata dos métodos
matemáticos aplicados aos cálculos dos campos magnéticos estelares. Em seguida, traze-
mos os dados observacionais no capítulo 3, no capítulo 4 falaremos sobre os resultados
e discussões, finalizando com as considerações finais no capítulo 5.
Capítulo 2
Metodologia
Nosso objetivo é calcular o campo magnético de estrelas. Usaremos o método de
deconvolução em mínimos quadrados (do inglês Least-Squares Deconvolution, a partir
daqui, LSD), que é uma técnica semelhante à correlação cruzada, desenvolvida para
computar perfis médios de milhares de linhas espectrais simultaneamente. De maneira
aproximada, tanto o espectro estelar polarizado quanto o não-polarizado pode ser enten-
dido como uma linha padrão convolvida com um perfil de linha médio. Neste contexto,
extrair esse perfil de linha médio caracteriza um problema de deconvolução linear. Tra-
tamos isto como um problema matricial e buscamos a solução por Mínimos Quadrados.
Na prática, o LSD é bastante similar a outras técnicas de correlação cruzada,
com o benefício de ser mais sofisticado no sentido de que esta técnica “limpa” o perfil de
correlação cruzada do perfil de autocorrelação da linha padrão. Particularmente, o LSD
é adequado para medir as assinaturas Zeeman de perfis de linha geradas por campos
magnéticos superficiais através do efeito Zeeman. Considerando o caso de estrelas ativas
frias com alta rotação (como algumas de nossas estrelas), a assinatura da polarização
circular (Stokes V) é muito pequena, de maneira que, ao aplicarmos o LSD, temos
um aumento de cerca de 30 vezes da razão sinal-ruído em relação ao espectro original
(Aurière et al., 2015).
Em suma, para as estrelas que apresentam uma assinatura Zeeman, de polarização
circular (Stokes V) ou não-polarizada (Stokes I), utilizaremos o LSD para construir
os perfis médios de Stokes I e V, aumentando a razão sinal-ruído desses espectros e
Capítulo 2. Metodologia 8
determinando o campo magnético em seguida.
Este capítulo é dedicado ao embasamento matemático necessário para se desen-
volver a técnica do LSD.
2.1 Efeito Zeeman
Quando linhas espectrais são formadas na presença de um campo magnético, elas
se ampliam ou se dividem em componentes polarizados diferentemente. Este fenômeno
é conhecido como o efeito Zeeman, em homenagem ao seu descobridor, o físico holandês
Pieter Zeeman, que em 1896 encontrou um alargamento evidente das linhas D de sódio
depois de ligar um eletroímã (del Toro Iniesta, 2003).
Aqui, mostraremos o desenvolvimento matemático do Efeito Zeeman em um
átomo de hidrogênio na presença de um campo magnético fraco. Este efeito é levado em
conta quando fazemos as correções de estrutura hiperfina para determinação dos níveis
energéticos do átomo de hidrogênio, ou seja, quando consideramos a interação entre o
spin do elétron e o spin do núcleo do átomo (Zettili, 2009).
Consideramos, inicialmente, um átomo de hidrogênio que é colocado em um
campo magnético uniforme externo B. O efeito de um campo magnético externo no
átomo é causar um desvio em seus níveis de energia. A interação do campo magnético
com os momentos de dipolo magnético orbital e de spin do elétron, µL e µS, dá origem a
dois termos de energia, ≠µL · B e ≠µS · B, cuja soma chamamos de Energia de Zeeman:
HZ = ≠µL · B ≠ µS · B
= e
2mecL · B + e
mecS · B
= e
2mec(L · 2S) · B
= eB
2mec(LZ + 2SZ), (2.1)
com µL = ≠eL
2mece µS = ≠S
mec, sendo L e S os momentos angulares orbital e de spin e e
me a carga elementar e a massa do elétron, c sendo a velocidade da luz. Por simplicidade,
9 2.1. Efeito Zeeman
tomamos B ao longo do eixo z: B = Bz. Desconsiderando-se a contribuição das correções
de estrutura fina, o hamiltoniano do átomo de hidrogênio sujeito a um campo magnético
externo uniforme fraco tem a forma:
H = H0 + HZ , (2.2)
com H0 sendo o hamiltoniano imperturbado (como HZ é bem menor do que H0, podemos
tratar este problema com teoria das perturbações independentes do tempo). O objetivo
aqui é encontrar a perturbação na energia em primeira ordem, dessa maneira, faz-se
necessário encontrar a base mais adequada para se diagonalizar o hamiltoniano de
perturbação, HZ . Escolheremos os autoestados |nljmjÍ, com n sendo o número quântico
principal, l o número quântico de momento angular orbital, j o número quântico de
momento angular total e mj o número quântico magnético associado ao momento angular
total.
Escrevendo-se (LZ+2SZ) como (JZ+SZ), em que J = L+S representa o momento
angular total do elétron, podemos reescrever a equação 2.2 da seguinte maneira:
H = H0 + eB
2mec(JZ + SZ). (2.3)
Em um cálculo de perturbação em primeira ordem, temos que a contribuição de
HZ é dada por:
E(1)Z = Ènljmj| HZ |nljmjÍ = eB
2mecÈnljmj| (JZ + SZ) |nljmjÍ . (2.4)
Como Ènljmj| JZ |nljmjÍ = ~mj, usamos o teorema de Wigner-Eckart para o produto
interno e fazemos:
Ènljmj| SZ |nljmjÍ = Ènljmj| J · S |nljmjÍ~2j(j + 1) Ènljmj| JZ |nljmjÍ (2.5)
= j(j + 1) ≠ l(l + 1) + s(s + 1)2j(j + 1) ~mj, (2.6)
Capítulo 2. Metodologia 10
em que ~ é a constante de Planck reduzida e s é o número quântico de spin. Podemos
reduzir a equação 2.4 para
E(1)Z = eB~
2mec
C
1 + j(j + 1) ≠ l(l + 1) + s(s + 1)2j(j + 1)
D
mj
= eB~2mec
gjmj
= BµBgjmj, (2.7)
onde µB = eB~2mec
é o magneton de Bohr do elétron e gj é o fator de Landé:
gj = 1 + j(j + 1) ≠ l(l + 1) + s(s + 1)2j(j + 1) . (2.8)
Aqui o fator de Landé será um dos parâmetros utilizados para o ajuste das
máscaras usadas na construção dos perfis LSD.
2.2 Deconvolução
Basicamente, a deconvolução é um processo algorítmico usado para reverter os
efeitos da convolução em dados gravados. Esse conceito é amplamente utilizado em
processamento de sinais e imagens, para filtragem e conversão de dados, por exemplo.
Convolução é uma ferramenta matemática utilizada quando temos a sobreposição de
sinais de dados. Então, a deconvolução busca encontrar uma solução para a equação de
convolução de forma:
f = g ú h, (2.9)
em que f é o sinal gravado, g é o sinal que se deseja recuperar e h é o sinal convolvido
com g. Se a forma de g é sabida, pode-se utilizar uma deconvolução determinística. Em
medidas físicas reais, precisamos adicionar ›, que representa o ruído, desconsiderá-lo nos
11 2.2. Deconvolução
impediria de obter g corretamente. Assim, a equação tem a forma:
f = (g ú h) + ›. (2.10)
Quanto maior for a relação sinal-ruído (S/N), melhor será a nossa estimativa
para o sinal g, logo, a deconvolução não parece ser um método tão satisfatório, mas se
sabemos a origem do ruído é possível desenvolver técnicas específicas para a solução do
problema, como o LSD, por exemplo.
A deconvolução é feita por meio da transformada de Fourier. Para fins de com-
preensão (e por ser desnecessário um entendimento mais profundo), desconsideremos o
ruído ›. Pelo Teorema da Convolução1, aplicamos a transformada de Fourier em ambos
os membros da equação 2.9:
f = g ú h ∆ f = g · h ∆ g = f/h, (2.11)
sendo f , g e h as funções no espaço de Fourier. Em resumo, aplicamos a transformada de
Fourier em todos os membros da equação 2.9 e isolamos o sinal que queremos recuperar.
Em seguida, aplicamos a transformada inversa de Fourier para obtermos esse sinal.
Considerando a natureza discreta dos nossos dados, temos que é necessário uma aplicação
da transformada discreta de Fourier.
2.2.1 Transformada discreta de Fourier
Como dito anteriormente, neste trabalho tratamos a deconvolução dos espectros
como um problema matricial, então, para fins didáticos, introduziremos o conceito de
transformada discreta de Fourier (a partir daqui, DFT) em sua representação matricial.
Uma DFT de N pontos pode ser expressa como a multiplicação
X = Wx, (2.12)
1O Teorema da Convolução mostra que a transformada de Fourier da convolução entre duas funções
é igual ao produto das funções transformadas, i.e., F{f ú g} = F{f} · F{g} .
Capítulo 2. Metodologia 12
em que x é o sinal original, W é a matriz de transformação N ◊N e X é a transformada
discreta de Fourier do sinal x. Podemos definir W como:
W = Êjk
ÔN
, j,k = 0, ..., N ≠ 1, (2.13)
equivalentemente,
W = 1ÔN
S
WWWWWWWWWWWWWWU
1 1 1 . . . 1
1 Ê Ê2 . . . ÊN≠1
1 Ê2 Ê4 . . . Ê2(N≠1)
1 Ê3 Ê6 . . . Ê3(N≠1)
1 ÊN≠1 Ê2(N≠1) . . . Ê(N≠1)(N≠1)
T
XXXXXXXXXXXXXXV
, (2.14)
com Ê = e≠2fii/N sendo um N-ésimo número de de Moivre (ver Wiener (1964)).
2.3 Método dos Mínimos Quadrados
O método dos Mínimos Quadrados é uma técnica de otimização matemática,
atuando de forma a encontrar a função de melhor ajuste para determinado conjunto
de dados, tentando minimizar a soma dos quadrados das diferenças entre os valores
estimados e os dados que foram observados.
Para uma dada função y(x), o método irá encontrar os valores dos parâmetros
da função que minimizam o erro › entre y(x) e os dados Y . Sendo a e b os parâmetros
da função, por exemplo, o método calcula
›(a,b) =ÿ
n
[Yn ≠ y(xn)]2 , (2.15)
tal que ˆ›
ˆa= ˆ›
ˆb= 0 . Estas condições irão gerar um sistema de equações, de modo
que os autovalores do sistema serão a e b. Caso o ajuste dos dados com a função y(x)
não seja satisfatório, i.e., apresente um erro significativo, uma outra função deverá ser
escolhida para se repetir o processo.
13 2.4. Parâmetros de Stokes
2.4 Parâmetros de Stokes
Em seu artigo de 1852, intitulado “On the composition and resolution of streams of
polarized light from different sources”, George Gabriel Stokes estabeleceu um formalismo
matemático ideal para descrever o estado de polarização de qualquer feixe de luz. No
mais, demonstrou várias das mais importantes propriedades da luz polarizada, entre as
quais ele observou o seguinte (tradução livre):
Quando qualquer número de fluxos polarizados independentes, com de-
terminadas refrangibilidades, são misturados entre si, a natureza da mistura
é completamente determinada pelos valores de quatro constantes, que são
certas funções das intensidades dos fluxos e dos azimutes e excentricidades
das elipses pelas quais eles são respectivamente caracterizados; de modo que
quaisquer dois grupos de fluxos polarizados que fornecem os mesmos valores
para cada uma dessas quatro constantes são opticamente equivalentes.
Essas quatro constantes às quais Stokes estava se referindo são o que atualmente
conhecemos como parâmetros de Stokes (del Toro Iniesta, 2003). Dessa maneira, os
parâmetros de Stokes foram desenvolvidos como um conjunto de valores que caracterizam
a polarização de dada radiação eletromagnética.
2.4.1 Dedução pela teoria eletromagnética
As equações de onda para os campos elétrico e magnético são dadas (Griffiths,
1999; Jackson, 1999), respectivamente, por:
Ò2E = µ0Á0d2E
dt2 (2.16)
Ò2B = µ0Á0d2B
dt2 , (2.17)
nas quais E e B são os vetores de campo elétrico e magnético, µ0 e Á0 são as constantes
de permeabilidade e permissividade no vácuo, respectivamente. As soluções de onda
plana transversal são as seguintes:
Capítulo 2. Metodologia 14
E(r,t) = E0 ei(k·r≠Êt) (2.18)
B(r,t) = B0 ei(k·r≠Êt), (2.19)
tal que k = k n é o número de onda apontando na direção de propagação n e Ê é a frequên-
cia da onda, com Ê = ck e c = 1Ô
µ0Á0. Como os campos são ortogonais, B0 = (n ◊ E0)
c.
Para formar o conjunto dos parâmetros de Stokes precisamos, inicialmente, ex-
pressar as soluções para os campos em polarização linear e circular como dois tipos de
bases para a polarização das ondas planas.
Primeiro, introduzimos a polarização declarando os vetores de base ‘1 e ‘2, tais
que ‘1 · ‘2 = 0 (ver figura 2.1). Em seguida, podemos escrever as soluções como
E1 = ‘1 E1 ei(k·r≠Êt), (2.20)
E2 = ‘2 E2 ei(k·r≠Êt), (2.21)
Bj = 1Ê
(k ◊ Ej), j = 1, 2. (2.22)
x
y
z
k
‘1
‘2
Figura 2.1: Ilustração mostrando a propagação de uma onda linearmente polarizada nadireção de k, ortogonal ao plano (‘1 , ‘2).
15 2.4. Parâmetros de Stokes
Essas soluções permitem que tenhamos polarizações lineares diferentes uma vez
que há uma onda de amplitude para cada direção ‘j. Se E1 e E2 apresentam a mesma
fase, podemos escrever a solução para a onda de polarização linear – ver figura 2.2 – na
forma
E(r,t) = (‘1 E1 + ‘2 E2) ei(k·r≠Êt). (2.23)
Ey
Ex
z
Figura 2.2: Propagação do vetor de campo elétrico para a polarização linear da direçãodos eixos x e y.
No entanto, se as amplitudes E1 e E2 são iguais, mas diferem em fase por 90¶,
expressamos a onda de polarização elipsoidal como se segue:
E(r,t) = E0 (‘1 ± i‘2) ei(k·r≠Êt). (2.24)
Mais claramente, consideraremos a propagação da onda na direção do eixo z, com
vetores unitários ‘1 = e1 e ‘2 = e2 . Tomando-se as partes reais, nossa solução se torna:
Ex = E0 cos(kz ≠ Êt) (2.25)
Ey = û E0 sin(kz ≠ Êt). (2.26)
Aqui, o campo elétrico varre uma área circular a uma frequência Ê. Para (‘1 + i‘2),
a rotação acontece no sentido anti-horário para um observador que vê a onda chegando.
Esta configuração é conhecida como polarização circular à esquerda ou helicidade nega-
tiva, como mostra a figura 2.3. Para o caso oposto, (‘1 ≠ i‘2), temos a configuração de
Capítulo 2. Metodologia 16
polarização circular à direita ou helicidade positiva.
y
x
E
Figura 2.3: Representação da propagação do campo elétrico E de helicidade negativa,ortogonal ao plano (x,y).
Para representar um estado geral da polarização circular, definimos os vetores
unitários complexos ortogonais,
‘± © 1Ô2
(‘1 ± i‘2), (2.27)
tais que ‘ú± · ‘± = 1 e ‘ú
± · ‘û = 0. O campo elétrico se torna
E(r,t) = (‘+ E+ + ‘≠ E≠) ei(k·r≠Êt). (2.28)
Se ‘+ ”= ‘≠ mas possuem mesma fase, a solução representa uma polarização
elíptica. Por outro lado, se as amplitudes têm diferentes fases, o vetor E terá os seus
eixos em rotação.
Em resumo, a polarização de uma onda plana eletromagnética pode ser escrita
em termos dos coeficientes ‘1, ‘2, ‘+ e ‘≠,
‘1 = a1 ei”1 , ‘2 = a2 ei”2 (2.29)
‘+ = a+ ei”+ , ‘≠ = a≠ ei”≠ . (2.30)
Para identificar qual estado do feixe é observado, usaremos os parâmetros de
Stokes, já comentados anteriormente. Estes parâmetros caracterizam a polarização,
dando-nos a informação sobre o seu tipo e sua direção. Como falado acima, essas
17 2.4. Parâmetros de Stokes
características dependem da amplitude (a1, a2, a+, a≠) e do fator de fase (”1, ”2, ”+,
”≠). Então, novamente considerando um feixe na direção do eixo z, as possibilidades são
limitadas a ‘1 · E, ‘2 · E, ‘+ · E e ‘≠ · E.
Para a base da polarização linear (‘1, ‘2), definimos os parâmetros de Stokes
como segue:
s0 =---‘1 · E
---2
+---‘2 · E
---2
= a21 + a2
2 (2.31)
s1 =---‘1 · E
---2
≠---‘2 · E
---2
= a21 ≠ a2
2 (2.32)
s2 = 2 ReÓ(‘1 · E)ú(‘2 · E)
Ô= 2a1a2 cos(”2 ≠ ”1) (2.33)
s3 = 2 ImÓ(‘1 · E)ú(‘2 · E)
Ô= 2a1a2 sin(”2 ≠ ”1). (2.34)
Para a base da polarização circular (‘+, ‘≠), temos:
s0 =---‘ú
+ · E---2
+---‘≠ · E
---2
= a2+ + a2
≠ (2.35)
s1 = 2 ReÓ(‘ú
+ · E)ú(‘ú≠ · E)
Ô= 2a+a≠ cos(”≠ ≠ ”+) (2.36)
s2 = 2 ImÓ(‘ú
+ · E)ú(‘ú≠ · E)
Ô= 2a+a≠ sin(”≠ ≠ ”+) (2.37)
s3 =---‘ú
+ · E---2
≠---‘≠ · E
---2
= a2+ ≠ a2
≠. (2.38)
Podemos escrever os parâmetros de Stokes na seguinte notação:
S =
S
WWWWWWWWWWU
s0
s1
s2
s3
T
XXXXXXXXXXV
=
S
WWWWWWWWWWU
I
Q
U
V
T
XXXXXXXXXXV
. (2.39)
Em relação à polarização linear, descrevemos os parâmetros de Stokes: I mede a
intensidade relativa; Q fornece a preponderância da polarização linear no eixo-x sobre a
polarização no eixo-y; U e V trazem informações acerca da fase. Quanto à polarização
circular: I mede a intensidade relativa; Q e U trazem informações sobre a fase e V fornece
a diferença entre a intensidade relativa da helicidade positiva e negativa.
Capítulo 2. Metodologia 18
Capítulo 3
Dados espectropolarimétricos
A necessidade em se obter informações cada vez mais precisas acerca dos pro-
cessos estelares fez com que os astrônomos fundissem duas técnicas já conhecidas, a
espectroscopia e a polarimetria, surgindo, assim, a espectropolarimetria. Como sugerido
pelo nome, a espectropolarimetria analisa a luz tanto espectroscópica (relação entre a
matéria e a radiação eletromagnética), quanto polarimetricamente (medida e interpre-
tação da polarização de ondas transversais, mais notadamente ondas eletromagnéticas).
Dessa maneira, pode-se medir com a mais alta precisão tanto a distribuição da energia
em função do comprimento de onda, quanto as propriedades do vetor de polarização da
radiação eletromagnética (del Toro Iniesta, 2003).
3.1 Espectropolarímetros NARVAL e ESPaDOnS
Na atualidade, os telescópios são acoplados a diversos instrumentos que nos
permitem explorar quase todo o espectro eletromagnético, especialmente no visível.
Neste trabalho, utilizamos os dados obtidos por meio dos espectropolarímetros gêmeos
de alta performance NARVAL e ESPaDOnS (Echelle SpectroPolarimetric Device for the
Observation of Stars). O NARVAL está acoplado ao Telescópio Bernard Lyot (TBL),
localizado no Pic du Midi, França (Donati, 2008b). O NARVAL@TBL fornece um
mapeamento bastante detalhado do campo magnético estelar, além de ser um dos poucos
instrumentos existentes dedicado apenas à detecção do campo magnético de estrelas. O
Capítulo 3. Dados espectropolarimétricos 20
ESPaDOnS, instrumento no qual o NARVAL foi inspirado, está localizado no CFHT
(Canada-France-Hawaii Telescope) e opera desde 2005 (Figura 3.1) (Donati, 2008a).
Figura 3.1: À direita, Telescópio Bernard Lyot (TBL), Pic du Midi, França (retirado de:Wikipedia). À esquerda, CFHT, localizado no Havaí (retirado de: www.cfht.hawaii.edu).
3.2 Medindo o campo magnético estelar
3.2.1 Imageamento Zeeman-Doppler (ZDI)
A presença de um campo magnético leva à divisão dos níveis atômicos de energia
devido ao efeito Zeeman. Consequentemente, as linhas espectrais individuais correspon-
dentes às transições entre os níveis divididos de Zeeman se separam em grupos dos
chamados componentes fi e ‡. A magnitude desta separação depende da força do campo
magnético, da sensibilidade magnética de uma determinada linha espectral (caracteri-
zada pelo fator de Landé médio) e do comprimento de onda central desta linha. Então,
um campo magnético na superfície estelar pode ser detectado por dois efeitos básicos: a
divisão de linhas magneticamente sensíveis e a presença de polarização nos componentes
Zeeman.
Os campos magnéticos típicos das estrelas não degeneradas produzem desdo-
bramento de Zeeman que é muito menor que a largura da linha intrínseca. Apenas os
campos magnéticos muito fortes (da ordem de 1 - 2 kG) das estrelas Ap e as anãs M
ativas podem ser detectados pelo efeito Zeeman ou alargamento de linhas espectrais
em espectros ópticos de alta dispersão (Mathys et al., 1997; Reiners e Basri, 2007). Ao
mesmo tempo, um campo magnético geralmente é a única causa de polarização em
21 3.2. Medindo o campo magnético estelar
linhas espectrais. Isso significa que a mera presença de um sinal de polarização de linha
é a assinatura de um campo magnético.
O estado completo de polarização da radiação estelar é descrito pelos quatro
parâmetros de Stokes: Stokes I (intensidade total), V (polarização circular) e QU (po-
larização linear). Assim, os quatro parâmetros Stokes são, a princípio, necessários para
um diagnóstico completo de um campo magnético estelar. No entanto, o efeito Zeeman
produz polarização circular que é até 10 vezes mais forte que a polarização linear.
Como os sinais típicos de polarização são de baixa amplitude, estes sinais não
são detectados em linhas espectrais individuais. Em vez disso, métodos de polarização
multi-linha eficientes foram desenvolvidos para balancear assinaturas de polarização
médias sobre todas as linhas de espectro adequadas. Esses procedimentos reduzem o
ruído do fóton ao nível necessário para a detecção de sinais de polarização extremamente
fracos. O método de múltiplas linhas de uso mais comum de deconvolução em mínimos
quadrados (LSD) recupera um perfil médio que, no contexto de Imageamento Doppler
(DI), pode ser tratada como uma única linha espectral com parâmetros médios (Rozelot
e Neiner, 2016).
3.2.2 Deconvolução em mínimos quadrados (LSD)
O método de Deconvolução em Mínimos Quadrados (do inglês Least-Squares
Deconvolution, LSD) foi primeiramente introduzido por (Donati et al., 1997; Donati e
Brown, 1997). Tal método tem o objetivo de aumentar a sensitividade da técnica de
imageamento Zeeman-Doppler, considerando-se que esta técnica é bastante limitada
pelo fato de as assinaturas das linhas espectrais serem bem finas.
Podemos utilizar o LSD para diversos objetivos, tais como a detecção, caracteriza-
ção e mapeamento detalhado da temperatura, campo magnético e abundância química
superficial das estrelas (Kochukhov et al., 2010). Para calcular o campo magnético, ana-
lisamos os perfis LSD obtidos dos espectros de intensidade e polarização circular de uma
estrela-alvo, o que corresponde aos espectros dos parâmetros de Stokes I e V.
Para que obtenhamos um diagnóstico de alta precisão da polarização circular da
Capítulo 3. Dados espectropolarimétricos 22
linha espectral, a técnica de LSD foi aplicada a cada espectro reduzido dos parâmetros I e
V de Stokes. O LSD é uma técnica semelhante à correlação cruzada, que assume que todas
as linhas espectrais têm a mesma forma de perfil, dimensionadas por um determinado
fator e expressadas usando máscaras de linha que resumem os dados atômicos relevantes.
O dimensionamento é feito a partir da otimização de parâmetros livres (fator de Landé
médio, comprimento de onda central da linha e profundidade central da mesma) seguindo
um procedimento semelhante ao empregado por Marsden et al. (2014). As máscaras
foram construídas usando a temperatura e a gravidade adequadas para cada estrela, dos
modelos ATLAS9 de abundância solar (Kurucz, 1993) ou de dados fornecidos pelo Vienna
Atomic Line Database VALD (Kupka e Ryabchikova, 1999). As linhas selecionadas têm
um limite inferior para profundidade intrínseca entre 0,1 e 0,25. O número de linhas
incluídas em cada máscara é principalmente dependente da temperatura e geralmente
compreendido entre cerca de 6500 e 14 000. No final, a relação sinal/ruído (S/N) do
perfil LSD Stokes V é aproximadamente 30 vezes maior que a S/N no espectro original
(Aurière et al., 2015).
Figura 3.2: Perfil LSD de — Cet, refere-se à observação do dia 30 de setembro de 2007.A primeira curva é o perfil LSD do parâmetro de Stokes V (circularmente polarizado) ea última curva é o perfil do parâmetro I de Stokes da radiação não polarizada. A curvado meio é utilizada como parâmetro de controle.
23 3.3. A amostra observada
3.3 A amostra observada
O principal objetivo deste estudo foi determinar e medir o campo magnético de
estrelas gigantes vermelhas. Inicialmente, começamos com a amostra de estrelas de Petit
et al. (2014) observada por várias missões e atrelada à base de dados do PolarBase (ver
capítulo 1). Em seguida, relacionamos nossa amostra com a proveniente de Aurière et al.
(2015), destas escolhemos 35 estrelas gigantes e frias, do tipo tardio. As 35 estrelas estão
divididas em três grupos, cujas descrições são dadas a seguir.
3.3.1 Gigantes ativas
Este grupo da amostra consiste em estrelas gigantes que estão descritas na litera-
tura como tendo evidência de atividade. São 14 estrelas da amostra, às quais iremos nos
referir por “gigantes ativas”, sendo principalmente objetos de alta rotação, em compa-
ração com outras gigantes (de Medeiros e Mayor, 1999), com alta altividade das linhas
H e K de CaII. Estas estrelas também apresentam grande atividade coronal, observada
pelos altos índices de raios-X, com Lx > 1030 ergs≠1 (Gondoin, 1999, 2005). Também
foram incluídas gigantes com rotação aparentemente baixa, mas que também exibiam
fortes emissões em raios-X (Gondoin, 1999; Schroeder et al., 1998) ou para as quais
foram medidas as variações nas emissões de H e K de CaII (Choi et al., 1995).
3.3.2 Desviantes termohalinas
Grupo de 7 estrelas desviantes termohalinas (a partir daqui, THD). Esta amostra
é composta por gigantes vermelhas que podem ter escapado à mistura termohalina
(Charbonnel e Zahn, 2007b), que é um mecanismo que governa a composição fotosférica
de gigantes brilhantes de baixa massa. Tais estrelas supostamente abrigam um campo
magnético intrínseco e forte e são descendentes de estrelas Ap magnéticas (Charbonnel
e Zahn, 2007a).
Capítulo 3. Dados espectropolarimétricos 24
3.3.3 CFHT
As 14 estrelas restantes são gigantes vermelhas e amarelas muito brilhantes
(Vmag < 4), nas quais campos magnéticos provenientes do dínamo podem ocorrer. Se-
rão chamadas aqui de estrelas “CFHT” por terem sido observadas pelo programa de
snapshots do CFHT, que foi desenvolvido para funcionar mesmo nas piores condições
do céu (Aurière et al., 2015).
3.3.4 Algumas propriedades das estrelas da amostra
As propriedades das estrelas da nossa amostra estão dispostas na tabela 3.1. As
primeiras duas colunas mostram a identificação da estrela no catálogo HIPPARCOS
(ESA, 1997) 1 e seu nome. A magnitude na banda V, Vmag, e a classe espectral vêm da base
de dados SIMBAD2. A temperatura efetiva Teff foi calculada através dos dados de B≠V
provenientes do catálogo HIPPARCOS, com o uso da calibração de Flower (1996), já
a luminosidade logL/L§ foi calculada com os dados de paralaxe do HIPPARCOS. O
período de rotação Prot e a luminosidade de raios-X Lx são as provenientes de (Aurière
et al., 2015). A última coluna da tabela indica se a estrela é detectada como magnética
a partir da evidência de uma assinatura de Stokes V significativa em seus perfis LSD
(ver seção 3.2.2), Consideramos que uma observação exibe uma “detecção definitiva”
(DD) se a probabilidade de detecção de sinal dentro da linha for superior a 99,999%,
uma “detecção marginal” (MD) se a probabilidade estiver entre 99,9% e 99,999% e uma
“detecção nula” (nd) em outros casos (Aurière et al., 2015).
1Disponível em: https://heasarc.gsfc.nasa.gov/W3Browse/all/hipparcos.html
2Disponível em: http://simbad.u-strasbg.fr/simbad/
25 3.3. A amostra observada
Tabela 3.1: Propriedades das gigantes vermelhas da amostra: gigantes ativas, desviantestermohalinas (THD) e estrelas CFHT.
HIP Nome Vmag Tipo Sp Teff log L Prot Lx Det.K L§ dia 1027 erg s≠1
Gigantes Ativas3419 — Cet 2,01 K0 III 4507 2,17 215 1585 DD7493 OP And 6,22 K1 III 4421 1,89 76 25300 DD20885 77 Tau 3,84 K0 IIIb 4939 1,85 140 1996 DD23245 V1192 Ori 7,50 K2 III 4393 1,92 53,3 23500 DD31700 ‹3 CMa 4,42 K0 II-III 4593 2,64 183 624 DD48356 39 Hya 4,11 G7 III 5009 2,20 4690 DD62763 31 Com 4,94 G0 III 5618 1,91 6,8 6325 DD63462 37 Com 4,88 G8 II-III 4544 3,04 111 5200 DD67787 7 Boo 5,71 G5 III 5171 2,34 3720 MD73555 — Boo 3,52 G8 IIIa 4931 2,28 153 nd79043 Ÿ HerA 4,99 G8 III 4982 2,16 2980 DD87933 › Her 3,70 G8 III 4973 1,76 3000 DD105515 ÿ Cap 4,27 G8 III 5074 1,93 68 4482 DD117503 OU And 5,90 G1 III 5266 1,89 24,2 8203 DD
THD33827 5,69 K4 III 4256 2,23 nd54061 – UMa 1,79 K0 Iab 4729 2,5 nd81670 6,07 K2 4290 2,05 nd93733 6,43 K3 III 4238 2,14 nd97081 5,84 M0 III 3778 2,73 nd103145 5,47 K5 III 3942 2,73 nd114200 4 And 5,29 K5 III 4138 2,18 nd
CFHT7607 ‚ Per 3,57 K3 III 4358 2,19 nd9884 – Ari 2,01 K2 III 4568 1,92 nd20889 ‘ Tau 3,53 G9.5 III 4817 1,99 21 DD21421 Aldebaran 0,86 K5 III 3910 2,65 DD23685 ‘ Lep 3,18 K4 III 4053 2,71 nd43813 ’ Hya 3,10 G9 II-III 4887 2,11 nd46390 Alphard 1,97 K3 II-III 4087 2,96 DD50583 “ Leo A 2,37 K1 IIIb 4609 2,47 nd52943 ‹ Hya 3,11 K0/K1 III 4429 2,16 71 nd59316 ‘ Crv 2,98 K2 III 4274 2,93 nd69673 Arcturus -0,05 K1.5 III 4418 2,28 MD72105 ‘ Boo A 2,39 K0 II-III 4910 2,70 nd72607 — UMi 2,08 K4 III 4045 2,66 nd88048 ‹ Oph 3,34 G9 III 4869 2,05 nd
Capítulo 3. Dados espectropolarimétricos 26
3.4 Dividing line no diagrama HR
O diagrama Hertzsprung-Russell (ou diagrama HR) é um gráfico da luminosi-
dade em função da temperatura, podendo tomar diversas formas, dependendo de quais
coordenadas estão sendo utilizadas.
A região do diagrama HR ocupada por estrelas gigantes frias e tardias, como
as da nossa amostra, vem sendo explorada por diversos observatórios, tais como IUE
(International Ultraviolet Explorer), HEAO 1(High Energy Astronomy Observatory 1),
Einstein (HEAO-2), EXOSAT (European X-ray Observatory Satellite) e ROSAT (Ront-
gensatellit), o que possibilitou que alguns trabalhos (Linsky e Haisch, 1979; Ayres et al.,
1981; Haisch et al., 1990, 1992; Huensch et al., 1996) revelassem a existência de uma
dividing line na região fria do diagrama HR. Estas dividing lines são definidas através
das diferenças físicas entre as camadas mais externas da atmosfera estelar.
Quando o conceito de dividing line foi introduzido pela primeira vez (Linsky e
Haisch, 1979; Ayres et al., 1981), não existiam indicadores observacionais da presença da
coroa em estrelas ao lado direito da linha divisória, hoje há evidencias de que algumas
estrelas apresentam emissão coronal, embora muito mais fraca que a emissão das estrelas
que estão ao lado esquerdo da dividing line (Ayres et al., 1997). A região desta linha
divisória no diagrama HR é bem estabelecida, sabemos que as estrelas nessa localidade
sofrem importantes mudanças em suas propriedades físicas e na estrutura atmosférica,
embora o mecanismo responsável por estas mudanças é até hoje pouco compreendido.
Ao lado esquerdo da dividing line, as estrelas de tipo tardio são cercadas pela
cromosfera e coroa estelar. Ao direito, as estrelas apresentam cromosfera em combinação
com o vento estelar.
Rosner et al. (1995) sugerem que uma mudança na natureza do dínamo estelar
pode provocar uma transição na característica topológica dos campos magnéticos das
estrelas evoluídas, fazendo com que essas estrelas se dividam em duas classes, promovendo
a dividing line.
A Figura 3.3 mostra o diagrama HR com nossa amostra estelar, dispondo de
uma dividing line. A presença da linha divisória faz com que as estrelas tardias sejam
27 3.4. Dividing line no diagrama HR
divididas em dois grupos. À esquerda, encontramos estrelas do tipo solar, com estrutura
atmosférica composta por cromosfera, região de transição, coroa e ventos de tipo solar.
À direita, podemos encontrar estrelas com extensa cromosfera e ventos massivos e frios.
Na imagem, pode-se ver as 35 estrelas da amostra e suas localizações em relação à linha
divisória (em azul) e à sequência principal (em cinza). Os traçados evolutivos foram
obtidos de (Girardi et al., 2000).
Figura 3.3: Diagrama HR com as 35 estrelas da amostra, dispondo a dividing line (emazul), a sequência principal (em cinza) e os traçados evolutivos em relação à massa solar.
Capítulo 3. Dados espectropolarimétricos 28
Capítulo 4
Resultados e discussões
Este capítulo é dedicado à apresentação dos resultados obtidos a partir da análise
dos dados espectropolarimétricos de 21 estrelas da nossa amostra. Desses dados, pudemos
construir os perfis LSD dos parâmetros de Stokes I e V e determinar o campo magnético
longitudinal para as estrelas cuja atividade magnética foi detectada. Das 21 estrelas,
determinamos o campo magnético para 3 delas, enquanto as outras 18 estrelas foram
classificadas como nd (detecção nula). Mostramos a disposição da nossa amostra estelar
no diagrama HR, evidenciando a localização das estrelas em relação à dividing line,
como esperado, estrelas com atividade magnética detectada estão dispostas ao lado
esquerdo da dividing line, enquanto o lado direito da mesma só mostra estrelas sem
campo magnético detectável.
4.1 Campo magnético longitudinal Bl
Nesta seção, expomos os valores obtidos para o campo magnético médio, calculado
a partir da determinação dos perfis LSD das estrelas. 3 estrelas tiveram seu campo
calculado inequivocamente (HIP3419, HIP117503, HIP48356), enquanto outras 18 não
tiveram atividade magnética detectada. Sabe-se que as outras 14 estrelas da amostra
possuem atividade magnética (Aurière et al., 2015), porém não calculamos seus campos
magnéticos neste trabalho.
Capítulo 4. Resultados e discussões 30
4.1.1 HIP3419 - — Cet
O campo magnético de — Cet foi detectado pela primeira vez com o ESPaDOnS e
depois pelo Narval em 2007. Zeeman Doppler imaging (ZDI) e o período de rotação são
apresentados por (Tsvetkova et al., 2013). Esses autores sugerem que essa gigante esteja
possivelmente queimando He em seu núcleo e a classificam como sendo uma candidata
à descendente de estrela Ap (Aurière et al., 2015). Obtivemos os perfis LSD (ver figura
4.1) para 10 dias de observações entre 2007 e 2013, os campos calculados para cada dia
de observação estão na tabela 4.1 e corroboram com o que é mostrado por (Aurière
et al., 2015). Calculamos um campo magnético médio Bmeanl = 3,7 ± 0,3 G.
Figura 4.1: Perfil LSD de — Cet referente à observação em 30 de setembro de 2007.
31 4.1. Campo magnético longitudinal Bl
Tabela 4.1: Dias de observação para os quais obtivemos os perfis LSD para — Cet e osvalores de campos magnéticos correspondentes à cada dia de observação.
Observação Bl (G)30/set/2007 4,3 ± 0,201/out/2007 4,3 ± 0,302/out/2007 4,5 ± 0,315/set/2008 4,1 ± 0,320/set/2008 3,1 ± 0,424/set/2008 1,6 ± 0,319/set/2010 1,1 ± 0,214/set/2011 6,2 ± 0,310/out/2011 4,6 ± 0,327/nov/2013 2,8 ± 0,4
4.1.2 HIP117503 - OU And
OU And é uma gigante vermelha ativa bem conhecida, tendo um período de
rotação considerado curto para uma gigante (Strassmeier et al., 1999), além de ter uma
alta atividade em raios-X (Gondoin, 2003; Ayres et al., 2007). Obtivemos os perfis LSD
(ver figura 4.2) para 10 dias de observações entre 2008 e 2015, os campos calculados
para cada dia de observação estão na tabela 4.2 e corroboram com o que é mostrado por
(Aurière et al., 2015). Calculamos um campo magnético médio Bmeanl = 14,5 ± 1,9 G.
Figura 4.2: Perfil LSD de OU And referente à observação em 29 de setembro de 2008.
Capítulo 4. Resultados e discussões 32
Tabela 4.2: Dias de observação para os quais obtivemos os perfis LSD para OU And eos valores de campos magnéticos correspondentes à cada dia de observação.
Observação Bl (G)21/set/2008 6,1 ± 2,825/set/2008 31,9 ± 1,829/set/2008 43,6 ± 1,502/set/2013 37,3 ± 1,710/set/2013 33,8 ± 1,015/set/2013 -24,4 ± 1,617/set/2013 -35.0 ± 2,130/jun/2015 5,6 ± 2,406/jul/2015 15,7 ± 2,508/jul/2015 29,9 ± 1,9
4.1.3 HIP48356 - 39 Hya
39 Hya é uma estrela ativa que já foi observada em raios-X (Gondoin, 1999). Esta
estrela foi observada somente em 02 de abril de 2008, construímos o perfil LSD (ver
figura 4.3) e calculamos um campo magnético médio Bmeanl = ≠7,3 ± 0,5 G, também
de acordo com (Aurière et al., 2015), que encontrou Bmeanl = ≠7,75 ± 0,58 G para a
mesma estrela.
Figura 4.3: Perfil LSD de 39 Hya referente à observação em 02 de abril de 2008.
33 4.2. Diagrama HR e dividing line
4.1.4 Estrelas sem atividade magnética
As estrelas cujas atividades magnéticas não foram encontradas, ou seja, não
possuem evidência significativa de uma assinatura de Stokes V (ver figura 4.4), foram
classificadas aqui como “nd”, isto é, detecção nula. As estrelas que receberam esta
classificação estão dispostas na tabela 3.1.
Figura 4.4: Perfil LSD de — Boo referente à observação em 06 de fevereiro de 2008.Perceba que não há distinção do sinal na primeira linha do perfil, que diz respeito aStokes V.
4.2 Diagrama HR e dividing line
Considerando-se as características da dividing line, esperávamos que ao lado di-
reito da mesma tivéssemos apenas as estrelas cuja atividade magnética não foi detectada,
enquanto que ao lado esquerdo teríamos as estrelas consideradas magnéticas. Na figura
4.5, expomos 34 estrelas de nossa amostra, uma delas não foi resolvida neste trabalho,
tampouco em Aurière et al. (2015). Vê-se que há uma predisposição para que as estrelas
com atividade magnética verificada estejam dispostas ao lado esquerdo da linha divisória.
Enquanto vemos que ao lado direito da dividing line há predominância de estrelas não
magnéticas.
Capítulo 4. Resultados e discussões 34
0.01
0.1
1
10
100
1000
104
104 5000
DL
MS
3.0M�
2.0M�
1.0M�
L/L
�
Teff
Figura 4.5: Diagrama HR com 34 estrelas da amostra (HIP63462 não foi resolvida aqui,o mesmo em Aurière et al. (2015)), dispondo a dividing line (em cinza), a sequênciaprincipal (em lilás) e os traçados evolutivos em relação à massa solar. As 3 estrelasmagnéticas resolvidas aqui se encontram em vermelho (detecção definitiva em Aurièreet al. (2015)). Os quadrados vazados azuis representam as estrelas com DD, os triângulosroxos vazados as com MD e os círculos vazados em verde as caracterizadas como nd.Perceba que há maior detecção de campo magnético ao lado esquerdo da dividing line.
4.3 Análise do campo magnético e temperatura
34 das 35 estrelas da nossa amostra foram resolvidas em Aurière et al. (2015).
Utilizando os valores médios dos campos magnéticos das estrelas (Bmeanl ) e suas tempe-
raturas efetivas (Teff ), construímos um gráfico relacionando essas duas grandezas a fim
de analisar a relação entre elas (ver figura 4.6). É possível perceber que as estrelas que
não possuem atividade magnética estão dispostas em uma parte extensiva do gráfico,
enquanto as estrelas que tiveram campo detectado começam a aparecer a partir de de-
terminado valor de temperatura, corroborando com o que já havíamos obtido na figura
4.5.
35 4.4. Discussão
�4
�2
0
2
4
6
8
10
12
3600 4000 4400 4800 5200 5600
|Bl|m
ean
(G)
Teff (K)
DDndMS
Figura 4.6: Gráfico mostrando a relação entre a temperatura efetiva e o módulo docampo magnético médio (Aurière et al., 2015). DD se refere às estrelas para as quaisse foram obtidas detecção definitiva de campo magnético, MD é para as estrelas cujadetecção foi marginal e nd são estrelas que não tiveram atividade magnética detectada.
4.4 Discussão
Rosner et al. (1995) propuseram que a topologia do campo magnético superfi-
cial de uma estrela evoluída determina a natureza de sua atividade superficial. Assim,
analogamente ao Sol, o campo magnético da estrela pode desempenhar um papel im-
portante na mudança da sua estrutura atmosférica apos a dividing line no diagrama
HR. O ponto central é que a mudança na atividade atmosférica modifica a geometria do
campo magnético superficial, inclusive com mudanças na natureza do dínamo magnético.
Como as estrelas cruzam a dividing line, a atividade proveniente do dínamo clássico
pode ser modificada. Por este motivo, o fluxo magnético superficial organizado em larga
escala surge decorrente de campos sementes fracos, localizados nas turbulentas zonas
convectivas dessas estrelas.
Então, o caráter da atividade estelar muda, no entanto a natureza deste campo
Capítulo 4. Resultados e discussões 36
magnético se mantém essencialmente intacta. Apesar de este fenômeno estar associado
a fenômenos magnéticos, diferentes estudos nesse ramo de pesquisa ainda estão focados
apenas nas observações em raio-X e ultravioleta. Logo, faz-se necessário usar observações
espectropolarimétricas para medir o campo magnético estelar diretamente a partir das
assinaturas de Zeeman que são produzidas nas linhas espectrais (Donati et al., 1997),
nas quais os campos magnéticos associados podem ser reconstruídos com a técnica (ZDI)
(Donati e Brown, 1997).
Capítulo 5
Considerações Finais
O aprofundamento no estudo de campos magnéticos é uma parte relativamente
recente na história da astrofísica. A utilização de métodos multi-linha para calcular
perfis médios de linhas espectrais, caso do LSD, é limitada, considerando-se que poucos
grupos de pesquisa possuem domínio dessa técnica.
Neste trabalho, utilizamos o método do LSD e detectamos, incontestavelmente,
o campo magnético de 3 estrelas, além de confirmar a ausência de atividade magnética
em outras 18. Também analisamos a relação entre o campo magnético e a disposição
das estrelas no diagrama HR, mostrando a presença de uma dividing line no mesmo.
Finalmente, a análise da temperatura efetiva confirma a presença da linha divisória no
diagrama HR.
Para trabalhos futuros, objetivamos detectar os campos magnéticos para as outras
14 estrelas restantes da amostra, cuja presença de atividade magnética foi confirmada por
Aurière et al. (2015). Além disso, utilizar a técnica LSD para amostras estelares maiores,
com a possibilidade de aprimoramento desse procedimento e do trabalho computacional
requerido pelo mesmo. Alguns outros pontos interessantes a serem estudados futuramente
incluem a análise da atividade coronal e a sondagem da atividade cromosférica, por
exemplo.
Dessa maneira, torna-se clara a necessidade de continuidade deste estudo, a fim de
podermos desenvolver modelos cada vez mais objetivos de evolução e estrutura estelar.
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