cães errantes

Post on 03-Nov-2015

215 Views

Category:

Documents

0 Downloads

Preview:

Click to see full reader

DESCRIPTION

Crítica sobre o filme Cães Errantes escrito para o blig cinecasulofilia

TRANSCRIPT

Num momentos em que no so raros aqueles que categoricamente decretam o anacronismo do "cinema de rarefao", CES ERRANTES, de Tsai Ming-Liang, vem comprovar a coerncia do seu processo cinematogrfico to singular

CES ERRANTESNum momento em que no so raros aqueles que categoricamente decretam o anacronismo do "cinema de rarefao", CES ERRANTES, de Tsai Ming-Liang, vem comprovar a coerncia do seu processo cinematogrfico to singular. Acredito que esse filme e seu prximo - XI YOU (JORNADA AO ORIENTE) - devem ser vistos conjuntamente. Nem tanto pela presena marcante de Lee Kang-sheng, tradicional colaborador de Tsai, mas por como os dois filmes oferecem possibilidades para o to falado "cinema de rarefao". Como um primeiro passo para aproximar os filmes, talvez nos seja til uma frase de Tsai no release de CES ERRANTES ("estou cansado do cinema"). Ora, de que cinema Tsai est falando? Me parece que seu desabafo incide sobre as chamadas convenes do cinema contemporneo, e que ele busca aprofundar o seu processo artstico caminhando, ainda que (ou melhor dizendo, especialmente) lentamente. Os dois filmes so polticos porque falam diretamente sobre formas de viver e ocupar as cidades, ou ainda, so sobre como as arquiteturas (des)humanas da cidade colidem com uma forma de ser. Mas se essas pessoas constrastam com o frenesi da cidade, elas buscam uma forma de resistir que no entra em confrontamento com a lgica do poder, mas uma forma de equilbrio possvel diante de si mesmas.Para isso, preciso ir ao mundo, preciso se posicionar diante dele. Mas num mundo dominado pelos extremismos, pelos ataques terroristas, e pela violncia como resposta violncia, pela agresso como forma de comportamento, Tsai reage de forma zen. Para isso, preciso no apenas ir ao mundo, mas saber observar, saber se colocar diante dele. XI YOU um filme sobre a possibilidade de um corpo ocupar um lugar no espao e se mover, essa expresso que adquire um sentido ontolgico num mundo em que os deslocamentos passam a ser to corriqueiros quanto a velocidade dos fluxos financeiros e do trfego dos terabytes das fibras ticas da internet. E para que possamos nos mover, preciso tempo.CES ERRANTES poderia ser um filme poltico convencional por como o realizador aborda com delicadeza e sensibilidade a condio desses prias que definham em um subemprego, ocupando moradias clandestinas, lutando pela sobrevivncia e pela comida da prxima refeio, quase como animais, ces que sequer ladram. Mas sua fora no vem apenas da, mas da forma como o realizador encena seu olhar sobre o mundo, ou ainda, de como ele se posiciona diante do que se passa. Ou seja, a tica do cinema de Tsai - ou ainda, seu cansao diante do cinema - est em como suas obras abordam o espao e o tempo. So trabalhos de arquitetura sobre a arquitetura.Mas assim tambm o era em um filme como GOODBYE DRAGON INN, um cinema de contemplao, sobre o espao e o tempo de um locus que caminha para a desintegrao e o abandono. Mas agora a nfase no nos jogos de representao, no h espelhos, tudo mais direto. H uma depurao da rarefao, uma condensao de energia combinada brutalidade de uma atmosfera que explode em situaes. Ou, de outra forma, um drama humano. Os ces de Tsai no compem meros jogos formais, eles so violentos mas precisam de afeto. CES ERRANTES um filme sobre a necessidade da solido e a impossibilidade de vivermos ss. Ou se quisermos usar mais uma palavrinha que querem converter em clich - em .... AFETO.

Colocando de outra forma: preciso tempo, pois o tempo faz decantar para dentro dos personagens sua condio. Mas s temos acesso s suas reaes fsicas, ou ainda, como eles reagem para fora, em como eles ocupam um espao e se movem. possvel afirmar que a obra de Tsai vem se aproximando das artes visuais, mas esse no o ponto. Tsai reflete sobre o estado do mundo hoje articulando seu projeto com um exame profundo sobre as possibilidades da mise-en-scene na dramaturgia contempornea. O espao como dramaturgia, a importncia das pequenas aes, o hibridismo do documentrio, a presena dos corpos no espao... todas essas investigaes so agora combinadas com um cinema profundamente humano, que no meramente vitimiza ou exotiza seus personagens. O espao e o tempo permanecem as ferramentas essenciais do cineasta, desde que no virem fetiches para meros jogos formais. Mas para isso, preciso ,acima de tudo, se posicionar, ou seja, preciso sempre um corpo no espao. Um corpo cuja presena/ausncia o leva a se mover.

top related