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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Juliana Mendes Curtinhas
As relações afetivas na escola: uma construção necessária para o processo
de “ensinoaprendizagem”
VITÓRIA
2004
JULIANA MENDES CURTINHAS
As relações afetivas na escola: uma construção necessária para o processo de “ensinoaprendizagem”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa, Educação Especial: Abordagens e Tendências. Orientador: Prof. Dr. Hiran Pinel.
VITÓRIA
2004
Agradecimentos:
A Deus pelo dom da vida. À minha família que está sempre ao meu lado para o que der e vier. A Hiran Pinel pela sua competente e afetiva orientação. Aos professores: Carlos Eduardo Ferraço, Denise Meyrelles de Jesus e Sávio Oliveira de Queiroz, por aceitarem o desafio de compreender-me nesta pesquisa. Às minhas amigas, por me ensinarem sempre, em especial a Fabiana Rangel, por todo carinho e atenção.
“O meu bom senso me adverte de que há algo a ser compreendido no comportamento de Pedrinho, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo. O bom senso me faz ver que o problema não está nos outros meninos, na sua inquietação, no seu alvoroço, na sua vitalidade. O meu bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há algo que precisa ser sabido. Esta é a tarefa da ciência que, sem o bom senso do cientista, pode se desviar e se perder. [...]” (Paulo Freire. 2004, p. 63)
RESUMO
A escola, envolvida com o conhecimento, tem valorizado pouco as “relações
afetivas” que permeiam o complexo processo “ensinaraprender”. Esta pesquisa
espera contribuir com a reflexão acerca das relações afetivas que se estabelecem
no ambiente escolar e como elas podem influenciar a aprendizagem dos alunos.
Para tanto, foi realizado um “estudo de caso”, utilizando-se metodologicamente da
inspiração fenomenológica, tendo Carl R. Rogers e Paulo Freire como autores
iluminadores deste estudo. Meu objetivo foi observar – e descrever – para assim
compreender as relações afetivas presentes no espaço escolar. A partir da
interrogação: “Como se constroem as relações afetivas em uma sala de aula do
ensino fundamental, e como essas mesmas relações afetivas podem ou não
favorecer o processo de ‘ensinoaprendizagem?’” Em busca de respostas, parti
por vivenciar, descrevendo as observações que se realizavam em vários
ambientes da instituição educacional como: sala de aula, teatro, recreio, biblioteca,
corredores e outros. Nesta vivência (des)velei os alunos, que apesar de serem
“avaliados” e/ ou rotulados como “especiais”, não se enquadravam em tais
estigmas. Ao meu olhar demonstraram ser alunos criativos e inventivos, que
assim, entretanto, são desconsiderados pela escola e pelos familiares. Enquanto
pesquisadora, propus-me produzir um outro sentido à vida escolar desses alunos,
a partir da observação e da escuta empática. Ao término desta pesquisa, percebi
que as relações afetivas estão intimamente ligadas ao desenvolvimento cognitivo
dos sujeitos aqui estudados. Portanto, para esse grupo de alunos, o afeto, ou sua
ausência, mostrou-se fundamental para envolver e conduzir ao conhecimento, ora
facilitando ora dificultando a aprendizagem.
Palavras-chave : Afeto, relações afetivas, dificuldades – e possibilidades de
aprendizagem, aluno, escola, fenomenologia, “ensinoaprendizagem”.
ABSTRACT School, involved with knowlegde, has not valued the “affective relations” that take
part in the “teachinglearning” complex process. This research expects to contribute
with the reflection about affective relations made into schooling environment and
how they can influence student’s learning. Thus, a “study of case” was conducted
methodologically inspired in the phenomenology, with Carl R. Rogers and Paulo
Freire as the authors that illuminate this study. My objective was to observe – and
describe – so we could understand the affective relations inside schooling spaces.
Using the question: “How are constructed the affective relations in the elementary
school classrooms, and how these affective relations can or can’t benefit the
‘teachinglearning’ process?” Looking for the answers, addressed to experience,
describing the observations that were taken in the various places of the
educational institution as: classroom, theater, break time, library, corridors, etc. In
this experience unveil the students, that in spite of been “evaluated” and/or labeled
as “special”, didn’t fit into those stigmas. In my glance, they demonstrated to be
creative and inventive students that, in this way, however, were not considered by
school and family. As researcher, I proposed myself to develop another sense to
these students’ life school, using the observation and the empathic listening. At the
end of this work, I realized that the affective relations were intimately linked to the
cognitive development of the subjects studied. So, to this group of students, the
affection or its absence seemed as fundamental to involve and conduct to
knowledge, making learning sometimes easier sometimes harder.
Keywords: affection, affective relations, difficulties – and possibilities of learning,
student, school, phenomenology, “teachinglearning”.
SUMÁRIO
RESUMO ________________________________________________________6
ABSTRACT ______________________________________________________ 7
INTRODUÇÃO ____________________________________________________9
CAPÍTULO I - DA SEGREGAÇÃO A INCLUSÃO_________________________13
CAPÍTULO II – PENSAMENTOS FUNDAMENTAIS ______________________ 32
CAPÍTULO III - TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ________________________48
CAPÍTULO IV – AFETO E COGNIÇÃO NO PROCESSO DE INCLUSÃO
ESCOLAR ______________________________________________________ 58
PALAVRAS FINAIS _______________________________________________ 92
REFERÊNCIAS __________________________________________________ 98
9
INTRODUÇÃO
Há muito tempo algumas questões sobre educação e relações pessoais no
ambiente escolar me acompanham. Desde os meus primeiros contatos com a
escola formal e as experiências, que lá vivi, trazem-me recordações de fracasso,
separação, conquistas, superações e vitórias. E dessas experiências passadas
surge meu interesse pela educação especial e se firma quando volto minha prática
pedagógica ao trabalho com o aluno especial.
Movida por esses sentimentos é que fui me identificando cada vez mais com a
educação especial. Percebi que esse era o caminho que eu deveria trilhar para
tentar entender um pouco mais sobre a ligação entre as relações pessoais de
afeto no a0mbiente escolar e sua contribuição como facilitadora do processo de
aprendizagem.
Essas vivências pessoais foram capazes de despertar em mim um
comprometimento em tentar revelar novas e criativas maneiras de desvelar o que
ainda podia estar encoberto nas relações afetivas, presentes durante o processo
de aprendizado. As minhas experiências pessoais certamente foram decisivas e
me impulsionaram a buscar respostas. Por isso, me parece necessário esclarecer
que o meu pessoal envolvimento com o tema não foi uma escolha ao acaso, mas
uma escolha significativa em minha vida. Acredito no fato de que “[...] o cientista é
comparável a um espelho que reflete, de forma objetiva, os eventos que pretenda
conhecer.” (FORGHIERI, 2001, p. 57).
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A partir de minhas recordações e experiências, percebo que a não-valorização do
afeto nas salas de aula levou, e ainda tem levado, muitos alunos a evadirem, a
serem rotulados como alunos especiais, afastando essas pessoas do ambiente
escolar ou mantendo-as excluídas dentro da própria escola. Talvez, uma das
grandes deficiências da escola, hoje, seja a deficiência afetiva. Atitudes de
aceitação, congruência, diálogo, ética, solidariedade, esperança, liberdade,
autonomia, escuta e compreensão empática podem modificar as relações afetivas
na escola, espaço em que as pessoas e seu lado humano deveriam ter garantido.
Foi acreditando no potencial humano, que, ao longo desta pesquisa, propus-me
olhar atentamente para o “caminho” que cada um dos alunos pesquisados trilhou,
superando suas dificuldades, sejam essas afetivas/cognitivas que interferiram em
sua vida acadêmica. Para isso, vou contar com minhas próprias recordações,
para, então, “estar junto” com os alunos, propondo-me empaticamente sentir
como se eu fosse eles. Repetir essa experiência, sentido-a agora a partir da
vivência do outro, é uma desafiadora tarefa que me proponho fazer.
Quando falamos de aprendizagem escolar, muitas vezes consideramos o afeto
como menos importante e supervalorizamos o cognitivo, o conhecimento e/ou a
inteligência. Porém, compreendo aqui o desenvolvimento intelectual como algo
que está estreitamente ligado aos interesses e desejos, pois são esses
sentimentos afetivos que proporcionam sentido e estimulam a curiosidade,
desencadeando, assim, o processo de aprendizagem.
É acreditando na indissociabilidade entre afeto e cognição que alicercei este
trabalho de pesquisa. Ao desvelar a afetividade vivida pelo aluno, pude
compreender como ela é capaz de influenciar seu desempenho escolar. O clima
afetivo na escola, seja ele negativo ou positivo, pode facilitar ou dificultar a
aprendizagem de conteúdos escolares e não-escolares, vivenciados na sala de
aula e nos demais ambientes escolares.
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A disposição em aceitar o outro e se dedicar a atender suas demandas
pedagógicas, assim como elas se apresentam, são parte de uma ação que vem
sendo chamada de inclusão escolar.
Mas o que é mesmo inclusão escolar? Podemos compreender a inclusão escolar
como sendo um movimento social dirigido às ações pedagógicas no interior das
escolas, que objetivam atender às necessidades dos alunos conforme elas se
apresentam. Acredito ser possível a “construção” de uma escola inclusiva, que
atenda às necessidades específicas dos alunos na escola regular, à medida que
se crie espaço, modificando a estrutura para que esse trabalho se efetive.
O que é ser afetivo na escola inclusiva? Ser afetivo já pressupõe ser inclusivo,
pois é um tema que provoca sentir, pensar e agir compreensivos e críticos. Ser
inclusivo é ser extremamente afetivo, pois impõe aceitação incondicional do outro.
Por isso, o sentido do termo inclusão nos “provoca” pensar as relações afetivas
em salas de aulas e na instituição escolar, e as subjetividades que aí se
constroem.
Nessa perspectiva, meu objetivo de pesquisa é analisar as relações de afeto que
se constroem na convivência entre alunos de uma sala de aula e como elas
podem contribuir ou não com o processo de aprendizagem. Para compreender
essas questões, recorri à teoria humanista existencial centrada na pessoa de Carl
Ransom Rogers (1902 -1987) e à pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) que irão
fundamentar esta pesquisa, deixando espaço para a interlocução com outros
autores que contribuam com discussão desse tema.
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A escolha de Rogers e Freire como autores fundamentais para dar base a esta
pesquisa é por apresentarem traço humanista suas obras. Entendo Freire como
autor de um método inclusivo de alfabetização, podendo ser também considero
um humanista existencial. Já Rogers, consideramos como autor que foca as
relações de ajuda, tratando da inclusão do ser-no-mundo. Paulo Freire e Carl
Ransom Rogers pensam o ser humano como aquele que está sempre em busca
de se melhorar, abrindo possibilidades de superação constante. Essas conquistas
diárias tornam as pessoas melhores, mais humanas, e conseqüentemente
contribuem para um mundo mais justo.
Para a realização desta pesquisa, encaminhei-me a uma escola de ensino
fundamental para a coleta de dados. A partir da vivência do cotidiano, junto com
os alunos, lancei meu olhar investigativo para desvelar possibilidades de atuação
que contribuam com uma educação afetiva/cognitiva.
Nessa experiência de estar com os alunos, estive atenta em conhecer e descobrir
questões sobre eles, com eles. Por meio dessas experiências vivenciadas, foi
possível penetrar no mundo do aluno especial que, a partir dessa (con)vivência, foi
se revelando, como se construíam as relações afetivas e como elas
contribuíam ou não para o processo de aprendizagem.
E com esta pesquisa, pretendo contribuir com o debate acerca da importância do
afeto no ambiente escolar.
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CAPÍTULO I - DA SEGREGAÇÃO A INCLUSÃO
A história da aceitação das pessoas especiais pela sociedade ao longo do tempo
vem se modificado. Inicialmente, essas pessoas eram excluídas da convivência
em sociedade, as famílias as criavam isoladamente em “prisões domiciliares”,
sendo confinadas apenas ao convívio doméstico. Posteriormente, surgiram
atendimentos específicos que segregavam os especiais, esses atendimentos eram
oferecidos geralmente por instituições assistencialistas que “protegiam” o restante
da sociedade do convívio com o especial (SILVA, 1998).
Após essa fase, por volta de 1950 (SILVA, 1998) começou o movimento de
integração social que pretendeu inserir as pessoas especiais nas rotinas de uma
vida de trabalho, escola, diversão, enfim, em uma vida social, que contribuísse
para torná-las mais independentes. No entanto, essa independência deveria ser
conquistada pelas pessoas especiais, cabendo a elas se esforçarem para vencer
os obstáculos físicos e de aceitação nos diversos setores da sociedade. Portanto,
podemos compreender a integração como um movimento de normalização dos
portadores de necessidades especiais.
Mais recentemente, no final da década de 70 (STAINBACK. et al., 1999), surge o
conceito de inclusão social, que advoga em favor de uma vida o mais
independente possível para as pessoas especiais. Para tal, a sociedade deve
organizar-se oferecendo condições de uma vida livre de qualquer tipo de
discriminação, sejam esses físicos ou sociais, facilitando assim o acesso e a
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permanência dessas pessoas em todos os locais. No Brasil, essa discussão
começa a ganhar força após a Assembléia de Salamanca, em 1994 (BAUMEL,
1998). No campo educacional, a declaração diz do direito dos alunos com
necessidades educativas especiais de se matricularem nas escolas comuns. Cada
vez mais as pessoas se convencem que “ [...] A escola comum é o ambiente mais
adequado para se garantir o relacionamento dos alunos com ou sem deficiência
[...]” (MANTOAN, 2003, p. ).
A partir da declaração de Salamanca, gradativamente a discussão sobre a
educação inclusiva passa a fazer parte do cenário da educação brasileira. Cada
vez mais, estudos científicos passam a ter como tema a inclusão e começam,
também, a surgir nas escolas regulares experiências práticas de inclusão de
alunos especiais.
Para acolher os preceitos legais da declaração de Salamanca sobre inclusão, no
Brasil, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96),
destina o capítulo V à educação especial. Na referida lei, em seu artigo 58 define-
se educação especial como: “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais”.
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 58, regulamenta que:
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
Portanto, a lei prevê que os alunos especiais, devem ser matriculados em escolas
regulares, e somente quando não for possível a integração desses alunos nas
escolas regulares é que será oferecido atendimento educacional especializado.
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E em seu artigo 59, inciso I, a LDB (9394/96) assegura aos alunos com
necessidades especiais “currículos, métodos, técnicas, recursos educacionais e
organização específicos, para atender às suas necessidades”.
Para se enquadrar a estas novas exigências legais sobre inclusão, o município de
Vitória cria unidades pólo de ensino. Essas unidades pólo são
... escolas regulares que, além de atenderem seus alunos com necessidades especiais, deveriam atender (...) os alunos matriculados nas outras escolas regulares e que também apresentam necessidades educacionais especiais. ... [Estas escolas] buscavam atender, em diferentes modalidades, desde alunos que necessitassem desse apoio mínimo até aqueles que exigiam apoio constante. (JESUS, 2002, p. 10)
As escolas pólo podem ser consideradas como marco inicial em direção à inclusão
no ensino no município de Vitória, ainda de maneira incipiente, mas já sinalizando
a intenção de se adequar às novas exigências legais.
Entendo que a inclusão para além de seus aspectos legais é um processo social
que demanda mudança de atitude, demanda uma postura diferenciada diante da
vida no sentido de incluir todas as pessoas. Portanto, um processo de construção
social, que deve contar com o apoio de todos os segmentos sociais,
proporcionando assim o surgimento de uma nova sociedade fruto de
transformações culturais e sociais. E, nesse sentido, a inclusão na educação vem
sendo entendida como necessária e como um processo que, uma vez iniciado,
não tem ou não deveria ter volta.
A inclusão escolar pressupõe: a) aceitar o outro, com todas as singularidades; b)
permitir que o outro se expresse de seu modo, sem estigmatizá-lo; c) oferecer
programas alternativos e criativos de aprendizagem, quando isso se fizer
necessário, atendendo cada aluno em sua necessidade educacional.
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Algumas situações nas escolas já apontam para uma mudança que se opõe as
velhas práticas segregacionistas. O fato em si, de os alunos especiais estarem
nas escolas regulares, traz grandes questionamentos e impõe um repensar de
novas propostas de trabalho que os inclua no processo educativo. Essa busca por
uma prática inclusiva tem demandado um repensar da educação a partir de uma
ótica humana e de mudanças estruturais urgentes que atendam às demandas de
uma verdadeira educação inclusiva.
A educação vivida como um espaço cada vez mais humano permite que a inclusão
seja vivida, em todas as suas contradições, podendo ser questionada, repensada,
para que assim se construa e reconstrua, diariamente, esse ser histórico que se
aceita e aceita o outro como ele de fato é. Uma sociedade inclusiva, de pessoas
reais, que se desafiam e se superam constantemente, sendo aceitativas umas
com as outras em uma sociedade para todos.
Nesse sentido, a inclusão é mais uma disposição afetiva do que uma lei que se
declara como oficial, que a partir dela tudo será mudado e todos serão aceitos
como são. Até porque, as leis em si não garantem mudanças de hábitos e
atitudes, dificultando seu cumprimento.
Afeto e cognição
Não menos importante que a cognição, o afeto tem papel importante no
desenvolvimento humano. No entanto: “O estudo da razão tem sido privilegiado no
interesse dos homens, principalmente na ciência, pois as emoções e afetos têm
sido vistos como deformadores do conhecimento objetivo. [...]”. (BOCK, 1995,
p.190)
A razão que desconsidera a importância do afeto também parece desconsiderar
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uma possível relação entre o bom desempenho cognitivo e uma vida afetiva
“estável”. Ao tratar afeto e cognição, separadamente, parece que se está
deixando de compreender as questões do ser humano de maneira global,
fragmentando o que na vida prática ocorre de maneira indissociável. Uma questão
que merece ser repensada é a convivência com essa fragmentação científica, que
tem freqüentemente tratado esses temas. Por que a razão é considerada muitas
vezes como sendo mais importante que o afeto? Não seria mais prudente pensar
razão e afeto complementares para uma vida em equilíbrio?
Entendo que: “Nossa vida afetiva é composta de dois afetos básicos: o amor e o
ódio . Esses dois afetos estão sempre presentes em nossa vida psíquica e
também estão juntos em nossas expressões, ações e pensamentos” (BOCK,
1995, p. 191, grifo do autor).
Compreender o afeto e a cognição como indissociáveis parece ser a chave do
desenvolvimento global das pessoas. Quando há privilégio de um sobre o outro,
passa a existir uma vulnerabilidade na relação educacional, que entra em
desequilíbrio e pode desencadear problemas educacionais.
Algumas situações educacionais descritas por profissionais da educação como
indisciplina, evasão, falta de vontade de estudar, incompatibilidade entre
professores e alunos, que à primeira vista não tem explicação, podem ter suas
origens no desequilíbrio entre afeto e cognição, interferindo no desempenho
escolar. Sem compreender essas situações, surgem rótulos: aos professores de
incompetentes e aos alunos de incapazes. Ambos tentam várias vezes sinalizar
que algo não vai bem, mas a rotina da escola deixa pouco espaço para que
situações como essas sejam mais bem avaliadas e adequadamente
encaminhadas, gerando prejuízo aos profissionais e aos alunos.
O aluno rotulado como especial tenta, em vários momentos, estabelecer uma
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comunicação para conseguir superar suas supostas dificuldades cognitivas e
afetivas. No entanto, essa forma de comunicação passa quase sempre
despercebida. Na maioria das vezes, não se presta atenção a sua fala, a seus
gestos, a seu silêncio, a sua tristeza, a sua solidão e ao seu abandono. A escola
pouco se percebe como um espaço de afeto e aprendizagem. As burocracias e os
rituais que tomam conta do dia-a-dia dos profissionais da escola, geralmente se
encarregam de ocupar quase todo o tempo para vivências afetivas. Além disso, no
imaginário dos profissionais da educação parece que a escola é espaço exclusivo
da aprendizagem cognitiva e tudo que questione esse lugar do “ensinaraprender”,
como foco principal, causa estranhamento e é repelido.
Atitudes aparentemente simples, como escutar o aluno, talvez possa mudar
significativamente o seu envolvimento com o processo educacional no qual está
inserido. Para nós isto é afetividade, isso é apostar na capacidade que o aluno
pode ter de se assumir como pessoa, isso é ensinar como é ser autônomo e
responsável por suas escolhas. A escuta empática pode contribuir para o aluno
perceber que o que sente e o que pensa sobre o seu processo de aprendizagem é
importante para o professor, para sua escola e para seu desenvolvimento pessoal,
sentindo-se valorizado.
Todos nós educadores sabemos da necessidade de conhecer o aluno, mas pouca
importância tem sido dada à escuta desse aluno e pouco espaço é dado ao
professor para que ele possa exercer uma educação humana e que essa seja
prevista em sua carga horária de trabalho.
As escolas, algumas vezes, têm se respaldado em diagnósticos que acabam
rotulando o aluno e minimizando as responsabilidades da família e da escola, que
em alguns casos chegam a transferir a responsabilidade ao aluno pelo seu
fracasso. Tais diagnósticos têm levado o aluno ao “abandono”, por parte da
escola, que não desenvolve um trabalho pedagógico que atenda às suas
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necessidades, por não acreditar em suas possibilidades de aprendizagem. E da
família, que em alguns casos se convence que tem um filho com problemas de
aprendizagem e do próprio aluno que pode passar a se perceber como o problema
sem solução. Os alunos e a família, em certos casos, têm se deixado paralisar por
diagnósticos que muitas vezes são aceitos como uma sentença definitiva,
impedindo-os de enxergar possibilidades de desenvolvimento educacional, social
e pessoal do educando.
Os rótulos e diagnósticos não passam incólumes pelo aluno, podendo modificar a
percepção que ele tem de si, influenciando sua auto-estima e trazendo
conseqüências negativas para sua vida escolar. Portanto, a maneira como o aluno
enfrenta o rótulo no ambiente escolar e na relação com as pessoas com as quais
convive, no ambiente familiar, pode influenciar seu desempenho acadêmico. O
ambiente escolar influencia todos os alunos, independentemente se apresentam
“dificuldades, problemas ou possibilidades de aprendizagem”.
Concordo com Foucalt (2002) e Bock (1995), quando denunciam discursos
psicopatológicos que rotulam o ser humano como se fosse uma máquina. E
quando seu funcionamento não vai bem, conforme o padrão esperado, é preciso
consertar.
Volta e meia, deparamo-nos com situações na escola que nos fazem crer que a
dinâmica familiar parece influenciar a relação que a criança estabelece ou
estabelecerá com o conhecimento. O papel da família é fundamental no
desenvolvimento de seus membros. É ela a “(...) responsável pelo modelo que a
criança terá, em termos de conduta, no desempenho de seus papéis sociais e das
normas e valores que controlam tais papéis.(...)” (BOCK, 1995, p. 239) Se no
ambiente familiar aprendemos e somos estimulados a acreditar em nossas
possibilidades de descobrir e conhecer, essa atitude nos fará chegar à escola
com a auto-estima bastante positiva e isso possivelmente contribuirá para o nosso
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processo de aprendizagem escolar. Mas se no seio de nossa família somos
desacreditados em nossas potencialidades de aprender, esse fato, provavelmente,
interferirá negativamente em nosso desempenho escolar.
[...] ao ingressar na escola, a criança já traz consigo uma atitude diante da possibilidade de conhecimento. Tal atitude foi estabelecida desde os seus primeiros anos de vida a partir da forma como, dentro de sua família, a relação com o conhecimento foi estabelecida. [...] (SOUZA, 2003, p. 50).
Ao ingressar na escola, os alunos trazem consigo conhecimentos que vêm sendo
adquiridos desde seu nascimento e que devem ser considerados pela escola para
a elaboração de uma proposta pedagógica desafiadora e interessante. A escola
deveria estar atenta às características de cada aluno, de cada grupo de alunos,
para oferecer uma educação que atenda as suas demandas e necessidades.
No ambiente escolar, os alunos convivem com várias pessoas que exercem
influências sobre eles e eles sobre essas pessoas. Uma das influências mais
marcantes sofrida pelos alunos ocorrerá entre eles e seus professores. Estes
trazem seus conhecimentos acadêmicos e suas práticas pedagógicas e a cada
nova experiência é necessário uma análise sócio-histórica dessa nova realidade
investigando os alunos e os conhecimentos que trazem para que, a partir de
então, construam juntos, professores e alunos, uma nova proposta pedagógica
que atenda às necessidades dos alunos longe de estigmas.
Os rótulos que mais aparecem no cotidiano escolar são aqueles que já fazem
parte do senso comum dos profissionais da educação e que por isso nem sempre
são adequadamente utilizados. Dentre os vários rótulos, comumente utilizados,
existem dois que são lembrados para designar várias características
comportamentais, como por exemplo: dificuldade de aprendizagem e
hiperatividade. E, esses rótulos têm funcionado como uma espécie de curinga e
têm sido utilizados, de maneira simplista e superficial, para dar nome a uma lista
quase interminável de situações e comportamentos escolares. Os alunos que têm
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muita energia, são falantes e não param sentados e são freqüentemente rotulados
como hiperativos. Os que escapam ao rótulo de hiparatividade fatalmente se
enquadram no de dificuldade de aprendizagem, para isso, basta que o aluno não
se desenvolva da maneira esperada pela escola para ser rotulado como aluno
com dificuldade de aprendizagem. Uma preocupação que temos com esses
rótulos é que eles são dados muito facilmente, sem que se faça uma reflexão do
prejuízo que pode causar na vida escolar do aluno.
A criança que no ambiente escolar é rotulada como aluno com dificuldade de
aprendizagem, geralmente, é aquela que apresenta uma discrepância entre suas
potencialidades cognitivas e seu aproveitamento escolar. Portanto, são crianças
que se apresentam capazes de aprender e que se mostram desenvoltas em
atividades extraclasse, tais como: educação física, teatro, relações pessoais com
seus colegas e outras. No entanto, na sala de aula, elas demonstram estar
desinteressadas e desmotivadas, conseqüentemente, apresentam um baixo
desempenho nas atividades de cálculo, leitura e escrita.
A dificuldade de aprendizagem, segundo Fonseca (1995. p. 85) “[...] pode ser
identificada em crianças ou jovens superdotados [...], que não raras vezes
demonstram dificuldades significativas na leitura (dislexia), na escrita
(disortografia) e no cálculo (discalculia).” Portanto, em certos casos, parece ser
muito tênue a distância entre o aluno considerado bom daquele considerado mau,
até porque, poucos são aqueles que conseguem ser bons em todas as áreas do
conhecimento.
Souza (2003), ao estudar crianças com queixa de dificuldade de aprendizagem,
por ela denominado de inibição intelectual, verifica que o desempenho intelectual
dessas crianças está vinculado a problemas emocionais, freqüentemente
associados a conflitos familiares. Observa também que
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São crianças que não conseguem acompanhar o raciocínio da professora, de seus colegas e apresentam dificuldades nas mais diversas áreas da aprendizagem. Freqüentemente, o diagnóstico de tais crianças revela que elas possuem um nível de inteligência compatível e muitas vezes superior à média das crianças de sua idade. (Souza, 2003. p, 26)
Fonseca (1995) e Souza (2003), apesar de usarem nomenclaturas diferentes,
estão tratando de uma mesma situação – crianças com déficit intelectual - e
comungam definições semelhantes sobre esse tema. Para tais autores, essas
crianças apresentam uma incompatibilidade entre seu potencial de aprendizagem
e sua aprendizagem efetiva. Para eles, elas também apresentam outro traço de
semelhança em seu desenvolvimento cognitivo, que está no fato de que muitas
delas se encontram na média, ou acima, em se tratando de seu desenvolvimento
intelectual.
A linha imaginária que separa o normal do patológico parece ser bastante tênue, e
o que difere essas situações pode ter alguma ligação com o bem-estar global das
pessoas que precisam se sentir afetivamente seguras para se desenvolverem em
seu aspecto cognitivo, o que pode demonstrar como as questões
afetivas/cognitivas estão interligadas.
Se as crianças que fizeram parte dos estudos de Souza (2003) e Fonseca (1995)
não apresentam impedimento cognitivo ou orgânico para aprender, então por que
não conseguem efetivar seu processo de aprendizagem? As questões afetivas
podem nos oferecer pistas para compreender o motivo pelo qual essas crianças
“não querem” ou “não conseguem aprender”.
Segundo Dockrell e McShane (2000, p. 17):
As dificuldades de aprendizagem ocorrem devido a várias razões. [...] algumas dificuldades – talvez a maioria delas – são resultantes de problemas educacionais ou ambientais que não estão relacionados às habilidades cognitivas da criança. Estratégias educacionais ineficientes podem afetar gravemente o nível de aprendizagem da criança [...]. Fracasso escolar precoce pode levar à perda da autoconfiança com efeitos subseqüentes no aprendizado [...]. Uma grande gama de variáveis associadas ao ambiente familiar também
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contribuem para as dificuldades de aprendizagem [...]. Algumas vezes, todos os diferentes fatores estão interligados.
As experiências escolares e familiares negativas parecem estar relacionadas aos
distúrbios de aprendizagem, podendo afetar negativamente a auto-estima dos
alunos, fazendo com que eles duvidem de suas possibilidades de aprendizagem.
A assistência afetiva familiar pobre e experiências de fracasso escolar podem se
constituir em barreiras difíceis para a criança superar sozinha. Essas crianças, às
vezes, ficam repetindo ano após ano suas experiências de fracasso, sendo
negligenciadas em suas “carências” afetivas/cognitivas e geralmente acabam
sendo responsabilizadas sozinhas por seu insucesso escolar. Sem receber ajuda
adequada, a maioria, não consegue romper sozinha a barreira da discriminação. E
assim, sem serem compreendidas e sem se compreenderem, essas crianças
acabam aceitando o rótulo de incapazes e se fechando ao aprendizado. Para a
criança que vive esse dilema, contar com atenção diferenciada de um profissional
que possa ajudá-la a recuperar sua auto-estima é de fundamental importância. Em
alguns casos, sem a ajuda de um profissional especializado, torna-se muito difícil
sair dessa situação.
No que se refere à cognição e ao ambiente escolar, podemos destacar o papel do
professor como bastante importante na vida acadêmica do aluno. A relação afetiva
que se estabelece entre professor e aluno pode influenciar a relação de
aprendizagem significativamente. A maneira de se relacionar entre professor e
aluno vai desvelando o jeito de ser (personalidade) de cada um, e este jeito de ser
vai marcar, de maneira positiva ou negativa, essa relação, contribuindo
significativamente para o sucesso ou fracasso escolar.
O aluno, na maioria das vezes, importa-se muito com a avaliação que o professor
faz de seu comportamento e de seu desempenho acadêmico. Se as avaliações
feitas pelo professor são sempre no intuito de diminuir o aluno e não de ver suas
potencialidades, qualidades e capacidades, esse aluno foge dessa avaliação, na
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tentativa de se defender e de se preservar. Essa fuga da avaliação, em um
primeiro momento, pode ser percebida como uma saída inteligente da opressão e
da falta de credibilidade que o professor insiste em querer lhe imputar. O aluno
parece recusar tal estigma, pois acredita em suas possibilidades. Esse aluno,
mesmo se sentindo só e incompreendido, não quer perder a confiança que tem
em si, em sua capacidade. No entanto, se o apoio que precisa para romper essa
situação desprivilegiada em que se encontra não chega, ele poderá acabar se
cansando de lutar sozinho e aceitar a condição que lhe oferecem de menos capaz.
A repetição crônica do insucesso e o seu efeito em termos de expectativas levam à criação de resistências, fobias e defesas perante as tarefas educacionais. Nenhum adulto suporta uma atmosfera de permanente fracasso, muito menos uma criança. Muitas das crianças com DA, face aos resultados escolares, vão-se convencendo que não aprendem por mais que tentem, daí o perigo em negligenciar a implicação das DA no desenvolvimento da personalidade global da criança. (FONSECA, 1995. p. 265).
No ambiente escolar, parece existir uma preocupação, quase inerte, com os
déficits de aprendizagem dos alunos. Muito se discute, mas pouco se faz,
efetivamente, para ajudar esses alunos a saírem dessa condição. Em alguns
momentos, acontecem, informalmente, discussões superficiais e
descomprometidas, que costumam concentrar atenção, principalmente, nos
aspectos da vida pessoal do aluno, tentando assim encontrar resposta ao
desempenho que ele apresenta. Essa postura parece ter apenas a intenção de
justificar o comportamento do aluno e, na maioria das vezes, só serve para
cristalizar preconceitos sobre sua vida familiar, cultural, social e econômica, que
são apontadas como responsáveis pelo seu déficit.
As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores (SALTINI, 2002. p. 15).
25
Os alunos e os professores estão em constante processo de busca, de
conhecimento, de reconhecimento, de criação, de recriação, de invenção e de
intervenção, portanto, são influenciados e influenciam as relações de
aprendizagem que vivenciam. Eles são seres históricos e constroem, a cada dia,
diferentes relações de “ensinoaprendizagem” . E para que essa relação seja de
ajuda entre alunos e professores, parece ser necessário que exista afetividade.
Professores e demais membros da comunidade escolar devem estar atentos em
estabelecer um clima de segurança, para que os alunos possam expressar seus
sentimentos, tais como: desejos e emoções. O papel do professor, para isso,
parece ser o de se envolver na experiência escolar, sendo congruente, aceitando-
se e aceitando o aluno como ele é, e não como a encarnação de seres perfeitos e
infalíveis. Ser congruente para com o aluno é estar “aberto” a críticas e sugestões,
podendo também dizer de maneira sincera e ética como se sente diante das
situações vividas na escola (Rogers, 1997).
No entanto, se o aluno sente que as pessoas da escola se preocupam com ele e
querem ajudá-lo, isso por si só já é um estímulo e reflete em si disposição para o
processo de “ensinoaprendizagem”.
É importante considerar que
Os professores não têm a responsabilidade de enfrentar todos os traumas da vida de uma criança; mas, por meio da compreensão, podem algumas vezes diminuir seu sofrimento. O senso comum considera a infância uma época feliz, [...] [de] brincadeiras e atividades esportivas. Nem todas as nossas crianças olharão para trás, para essa etapa da vida, com boas lembranças como essas; mas, para todas elas, haverá a recordação de professores que fizeram alguma diferença significativa em suas vidas. As nossas próprias histórias são um testemunho disso. Professores fazem a diferença e aquilo que realizam pode fazer muita diferença (ALSOP et al., 1999, p. 24).
O papel do professor é de fundamental importância para o desempenho
acadêmico do aluno e para isso ele deve estar aberto para buscar alternativas
26
pedagógicas que auxiliem em seu processo educativo afetivo. No entanto, não
podemos também deixar de considerar a realidade vivida por grande parte dos
professores em sala de aula, que tem seu trabalho dificultado com um número
excessivo de alunos por turma, com a falta de apoio pedagógico para lidar com o
aluno que necessita de uma atenção especial, inviabilizando um trabalho
pedagógico que atenda ao aluno em suas necessidades.
As relações afetivas, vividas no ambiente familiar, também parecem influenciar
muito as relações de aprendizagem. As crianças podem trazer das experiências
com suas famílias afetos positivos de confiança e auto-estima, construídos em um
ambiente em que se sintam seguras, amadas e respeitadas. Mas o contrário
também pode ocorrer, ambientes familiares, com relações afetivas pobres,
contribuem de maneira negativa para o processo de aprendizagem. Essas
situações parecem ser bastante comuns para quem lida com as crianças no
ambiente escolar, e assim torna-se fácil identificar a criança que é tratada com
zelo por sua família daquela que é negligenciada.
Segundo Souza (2003), as crianças com queixa de inibição intelectual, quando
analisadas clinicamente por meio de entrevistas familiares diagnósticas,
apresentam-se confrontadas com fantasias de solidão e abandono, junto com o
sentimento de que seus pais são ausentes e preocupados apenas com eles
mesmos. Essas crianças também se apresentam altamente exigentes consigo
mesmas e identificam os locais em que vivem como sendo indiferentes para com
elas. A autora, focando a dinâmica familiar, detectou que de fato os pais se
mostram distantes e incapazes de acolher a angústias de seus filhos, por estarem
envolvidos com suas próprias angústias e interesses.
Alguns pais parecem enfrentar dificuldades em exercer seus papéis e de se
assumirem enquanto pais. Eles se sentem “impedidos” de saírem de seu lugar
(egocêntrico) e de se colocarem no lugar de seus filhos, e se sentirem como eles,
27
para que assim possam compreendê-los. Ao perceber essa situação, as crianças
se sentem desprotegidas e inseguras.
É importante, para o bem-estar de qualquer pessoa, sentir-se segura, acolhida e
tendo suas preocupações respeitadas. Para as crianças, isso é essencial, uma
vez que ainda não conseguem, sozinhas, dar respostas as suas angústias. As
crianças, que não sentem que seus pais se importam verdadeiramente com elas,
estão mais expostas a experimentar sensações de abandono afetivo que refletirá
em todos os aspectos de sua vida, inclusive no seu desempenho escolar. As
crianças precisam de um ambiente seguro que lhes proporcione um mundo lúdico
e afetivo.
Algumas das dificuldades de aprendizagem apresentadas por crianças podem
estar ligadas à incapacidade de suas famílias em oferecer assistência afetiva
adequada. Para que a criança seja tratada adequadamente, é imprescindível que
a
[...] família, verdadeira escola de sentimentos onde a criança adquire a maturidade emocional indispensável para as pré-aptidões das aprendizagens escolares [Saibam que]. Amor, segurança, confiança, encorajamento e sucesso são ingredientes indispensáveis à personalidade da criança [...] (FONSECA, 1995, p. 112).
Cabe ressaltar que muitas crianças, que também convivem em ambientes
escolares e familiares hostis, conseguem superar essas adversidades, não
deixando refletir em seu rendimento escolar essa sua condição afetiva
empobrecida. No entanto, para efeito desse estudo, estaremos nos atendo apenas
às crianças que sentem um pouco mais de dificuldade em, sozinhas, superarem
essas adversidades afetivas.
28
A organização escolar
[...] a atitude de tomar “as crianças em primeiro lugar” [...] significa colocar as necessidades delas na frente de considerações logísticas e operacionais, ser flexível e receptivo; proporcionar estruturas e limites que lhes permitam sentir-se seguras dentro das regras e rotinas da vida escolar. Precisamos pensar de quais maneiras podemos oferecer às crianças o direito de ter suas necessidades emocionais e de desenvolvimento atendidas, sem lhes transferir a responsabilidade para que isso aconteça. Esse equilíbrio pode ser a contribuição mais efetiva para essa premissa enaltecida, porém ilusória, de “um contexto escolar positivo” [...] (ALSOP et al., 1999, p. 24).
Para atender às demandas específicas dos alunos, a proposta curricular deve ser
tomada como ponto de partida para a criação de uma proposta pedagógica, que
deve estar sempre ancorada na realidade do aluno, e não o ponto de chegada,
com um fim em si mesmo.
Para cada série existe um currículo prescrito e com ele uma “proposta” de
conteúdos que os alunos devem se apropriar, referentes àquele nível de ensino.
Em se tratando de um aluno de segunda ou terceira série do ensino fundamental,
espera-se que os currículos das séries anteriores já tenham sido apropriados,
nesse caso, espera-se que esse aluno seja leitor. Caso esse aluno não tenha
ainda adquirido as habilidades que o currículo prevê, ele é classificado, rotulado,
estigmatizado como aluno especial, aluno com dificuldade de aprendizagem. Em
nome do currículo prescrito, algumas vezes temos deixado de lado o histórico
pessoal dos alunos, avaliando-os somente com base no currículo, e assim
podemos estar deixando de perceber os avanços dos alunos.
Por mais que as pesquisas indiquem que exista uma distância entre o currículo
efetivo e o currículo prescrito (Ferraço, 2000, 2001), alguns o têm compreendido
muito mais como currículo definitivo do que como uma proposta curricular que
pode e precisa ser adaptada à realidade educacional.
É importante compreender que as habilidades de aprendizagem dos alunos não
29
estão associadas ao currículo prescrito. Às vezes, os alunos têm dificuldade de
compreender/aprender determinado conteúdo proposto pelo currículo, mas
consegue abstrair e fazer relações com outros conhecimentos práticos que não
estão prescritos para alunos daquela faixa etária. É preciso, portanto, não perder
de vista que o currículo é uma proposta que necessita ser analisada pelo
professor, que é quem tem o conhecimento da diversidade, de interesses e
possibilidades de aprendizagem de seus alunos. Somente depois de confrontar a
proposta curricular com a realidade dos alunos, é que deve ser feita a opção de
seguir, rejeitar ou adaptar a proposta curricular.
Para traçar uma proposta curricular, que atenda às necessidades específicas dos
alunos, é fundamental que ele seja adequadamente avaliado e, em seguida, traçar
um plano de trabalho que parta do conhecimento que o aluno já possui, com
atividades pedagógicas apropriadas. Assim parece ser possível que esse aluno
consiga, em seu tempo, avançar em seu processo de aprendizagem. Sabemos
que esse trabalho é complexo e exige uma ação multiprofissional para atender a
essas demandas de inclusão escolar e que a escola que se propõe inclusiva deve
se adaptar.
A alfabetização
A escola tem valorizado muito pouco a fala espontânea dos alunos, pouco
estimula o diálogo e o debate de idéias. Na verdade, o modelo de escola com o
qual ainda convivemos é um modelo bancário, de aulas expositivas, onde apenas
o professor fala.
[...] a escola deveria cuidar primeiramente da fala dos alunos, único meio de comunicação que a maioria deles terá pela vida toda. Uma adequada terapia da fala (e do pensamento nela expresso), quem sabe, encaminharia uma natural terapia da escrita (LUFT, 2000, p. 64).
30
Existe na escola uma preocupação muito grande com a leitura e a escrita que se
distancie de uma reflexão que valorize também a fala. Nos cursos de formação de
professores, deveria ser garantido um espaço de discussão mais profunda de
como deve ser o trabalho de alfabetização na sala de aula, para que esse
processo possa ocorrer de maneira mais natural e valorizando adequadamente a
fala, a leitura e a escrita.
[...] talvez seja bom a ciência da linguagem nos lembrar que não haveria língua escrita se primeiro não houvesse a língua falada. E que a escrita é sinalização secundária: representa (imperfeitamente) a fala, que por sua vez representa o pensamento [...] (LUFT, 2000, p. 64).
Portanto, se não temos na escola um espaço garantido para os alunos falarem,
estaremos limitando-os de externarem seus pensamentos e expandirem sua
comunicação por meio da fala. A organização escolar e seu funcionamento atual,
tem estimulado muito pouco a fala do aluno, dando maior ênfase à escuta, à
observação e à escrita. Se nossa realidade educacional é essa, fica cada vez mais
distante a possibilidade de contribuir com a formação de alunos autônomos.
Uma outra questão, que também precisamos estar atentos, é a de não exigir, já no
momento da alfabetização, que o aluno escreva de maneira gramaticalmente
correta. Com o tempo e uma vivência adequada da língua, ele vai naturalmente se
apropriando de tais conhecimentos. Se ainda “Confunde-se estudar a língua com
estudar Gramática. Confunde-se expressão escrita com ‘fazer redação’” (LUFT,
2000, p. 21), e isso é sinal de que devemos repensar os cursos de formação inicial
e continuada dos professores, que em alguns casos parecem andar distantes de
uma práxis pedagógica que acompanhe os avanços em pesquisa, demandados
por uma realidade escolar que não comporta mais alguns modos de ensinar.
A boa comunicação verbal nada tem a ver com a memorização de regras de linguagem nem com a disciplina escolar que trata dessas regras, e que geralmente, em nossas escolas, toma o lugar do que deveriam ser as aulas de Português: leitura, comentário, análise e interpretação de bons textos, a tentativa constante de produzir, pessoalmente, textos bons – enfim, vivência criativa com o idioma (LUFT, 2000, p. 19).
31
A escola deve ser um espaço de “aprenderensinar”, onde essas duas habilidades
devem ser vividas assim como está escrito, sem separação, pois não nos parece
possível ensinar quando não se aprende. Os estudos e pesquisas tentam
constantemente melhor compreender os processos de aprendizagem para facilitar
as propostas de ensino. Ficar à margem desses estudos é afastar-se de novas
possibilidades de “ensinaraprender”.
Várias pesquisas e estudos são feitos com o intuito de contribuir com reflexões e
algumas propostas práticas de atuação, no entanto, eles parecem não ser
acessíveis aos professores, por dois motivos principais: 1) a informação não está
chegando até esse professor e, portanto, ele a desconhece; 2) a informação
chega até o professor, portanto, ele a conhece, mas resiste em mudar sua prática.
A formação do professor é uma necessidade, mas percebemos que a informação
de conteúdos apenas pode não ser o suficiente, pois: “A maioria dos professores
tem uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de
trabalho prático que aprenderam a aplicar em sua sala de aula é inicialmente
rejeitado. [...]” (MANTOAN, 2003, p. 76). Junto com a formação inicial ou
continuada, é importante estimular esse professor a ser consciente, autônomo e
crítico, para que, de posse da informação, ele possa compreendê-la como
facilitadora de seu trabalho.
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. [...] O importante [...], é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica (FREIRE, 2004, p. 45).
32
CAPÍTULO II – PENSAMENTOS FUNDAMENTAIS
A opção por Carl R. Rogers e Paulo Freire, como autores que irão nortear este
trabalho de pesquisa, deve-se ao fato da valorização que eles imprimem às
relações interpessoais e a crença no ser humano , a partir de suas próprias
experiências de psicólogo e educador, respectivamente.
Esses dois autores facilitarão a compreensão desse trabalho, cada um de seu
lugar teórico bem-definido e com suas características. Rogers contribuirá com sua
psicoterapia, em que a pessoa humana é sempre colocada como central e Freire
contribuirá com suas reflexões no campo da educação, em que pensa a partir da
realidade sócio-histórica como “ensinaraprender”, pensando a educação como um
ato essencialmente político e afetivo.
Nas obras de Rogers e de Freire é bastante presente a filosofia de Martin Buber,
que descreve o “ser no mudo”, esse ser que está receptivo às experiências
consigo e com o outro, estabelecendo relações de diálogo, crescimento e de
superação, dentro da sócio-historicidade.
Serão utilizadas algumas idéias presentes na obra de Rogers e Freire, de maneira
complementar, para defender argumentos em favor de uma educação humana,
que se (pré)ocupa com o aluno, com as relações que ele estabelece para se
superar em busca de uma pessoa sempre melhor, autônoma e humana.
33
Nas relações interpessoais, a aceitação ou não do outro passa pela aceitação de
si e de sua própria vida afetiva, com seus sentimentos, emoção e desejos. Para
compreendermos a nós mesmos e o outro é preciso que estejamos despidos de
culpas que eventualmente possamos carregar ao nos sentirmos bons e ruins, de
aceitar e de não aceitar do outro. Assim como algumas vezes não nos aceitamos,
em alguns momentos, também, não aceitamos os outros. Tornamo-nos reféns de
nossas próprias cobranças, em comportarmos de maneira ideal, não nos
aceitando, nem aceitando os outros como seres diferentes, únicos e imperfeitos.
Ao aceitarmos a nossa condição humana de (im)perfeitos conseguiremos mais
facilmente construir novos e alternativos caminhos que nos levam a novas e
diversas maneiras de aceitação pessoal e assim de melhor aceitar o outro.
[...] descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo[...] tenho a impressão de que [...] me tornando mais capaz de me deixar ser o que sou. Tornou-se mais fácil para mim aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente imperfeito e que, como toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria de atuasse ( ROGERS, 1977, p. 29).
E na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida em que se reconhecem inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança [...] (FREIRE, 2004, p. 58).
Consciente de meu inacabamento, é que ao longo desta pesquisa encontrei-me
com os meus próprios limites e com os limites dos outros. Essa experiência
facilitou a aceitação do outro e a minha, como pessoa (humana), portanto, falível,
assim, tornando possível experenciar a tentativa de colocar-me no lugar do outro.
Esse eu e esse outro em constante estado de construção do seu “eu”, do seu vir-
a-ser uma outra pessoa, cada vez melhor, sempre passível a mudanças.
34
Aprendizagem Significativa
Ser, ou tentar ser, a cada dia um pouco melhor, deve ser uma aprendizagem
constante e significativa em nossas vidas. Essas aprendizagens significativas
acontecem sempre, mesmo que não nos demos conta de que estamos envolvidos
nesse processo de aprendizagem afetiva.
Aprendizagem significativa,
[...] É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que acolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade. É uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência (ROGERS, 1977, p. 258).
Portanto, acredito no ser humano como aquele que está em busca de crescimento
enquanto pessoa, que busca se superar. Nem sempre percorrendo um caminho
linear de superação, às vezes, fazendo percursos de retrocesso, vivenciando
adversidades, mas sempre em busca de crescimento.
O Aprendizado e Sua Influência no Comportamento Hum ano
Sinto que o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado [...]. (ROGERS, 1973, p. 253).
Para que o aprendizado mude as pessoas e para que esse conhecimento se
efetive, é preciso que o conteúdo da informação a ser aprendida seja significativo.
As pessoas que fazem parte desse processo devem ser, também, pessoas que
façam diferença em nossas vidas, que sejam pessoas significativas. Se não for
assim, será como várias informações recebidas, que não queremos ou não
precisamos e por isso simplesmente não as “memorizamos”. A “memória“ parece
35
estar envolvida em “afeto/cognição”, é preciso que eles estejam juntos para que o
aprendizado se efetive.
Por que algumas informações são importantes para nós e outras não? Por que
temos facilidade em aprender, quando o que está sendo descoberto/aprendido
desperta nosso interesse? Uma das respostas possíveis para essas questões é
que, verdadeiramente, apropriamo-nos mais facilmente dos conhecimentos que
são descobertos e que sejam significativos para nós. Todo esse processo de
aprendizagem pode ser ainda mais facilitando, quando as pessoas que estão
envolvidas são afetivamente significativas umas para as outras.
Apender é uma conquista que passa pela descoberta e apropriação do que se
torna conhecido, e isso ocorre de maneira diferente entre as pessoas. Cada
pessoa tem seu modo de aprender e interpretar suas novas aprendizagens
segundo suas experiências.
Aprender é uma conquista e para tal precisamos empreender esforços em busca
de informações estando receptivos para que elas cheguem até nós. Quando não
estamos predispostos e receptivos para conhecer/aprender, a aprendizagem
dificilmente se efetivará. Compreendemos a aprendizagem como algo que precisa
ser desejado.
As relações estabelecidas pelo aluno em sua vida escolar, familiar e com as
demais pessoas com quem convivem vão despertá-lo para alguns conhecimentos,
em detrimento de outros. Além disso, em determinados momentos esse aluno
poderá estar passando por situações que “mexam” particularmente com seus
sentimentos e que isso venha absorver toda sua atenção e interesse. Nesse
período, o aluno provavelmente vai precisar de atenção diferenciada.
Para entender e atender diferentemente cada aluno segundo seu desempenho,
36
interesse e necessidade, é importante compreender os elementos constitutivos do
ser humano e suas atitudes que podem contribuir para facilitar a relação de
aprendizagem.
Vejamos algumas dessas atitudes, propostas por Rogers, e como elas podem nos
auxiliar nos trabalhos pedagógicos/escolares.
Congruência
A aprendizagem pode ser facilitada, [...], se o professor for ‘congruente’. Isso implica que o professor seja a pessoa que é e que tenha uma consciência plena das atitudes que assume. A congruência significa que ele aceita seus sentimentos reais. Torna-se então uma pessoa real nas relações com seus alunos. Pode mostrar-se entusiasmado com assuntos de que gosta e aborrecido com aqueles pelos quais não tem predileção. Pode irritar-se, mas é igualmente capaz de ser sensível ou simpático. Porque aceita esses sentimentos como seus, não tem necessidade de impô-los aos seus alunos, nem insiste para que estes reajam da mesma forma. O professor é uma pessoa, não a encarnação abstrata de uma exigência curricular ou um canal estéril através do qual o saber passa de geração em geração (ROGERS, 1977, p. 265).
A autenticidade deve se tornar presente na relação professor-aluno,
demonstrando ser ele um ser humano com sentimentos ambíguos de aceitação,
crítica e não-aceitação, como ocorre com todas as demais pessoas. O professor
deve se aceitar e ser aceito com seus limites naturais e humanos. Dessa forma, o
professor que encontrei nas salas de aula não é um ser superior e dotado apenas
de bons sentimentos, mas uma pessoa em constante processo de construção, que
está vivendo e experimentando diversos sentimentos em relação a si e aos outros,
inclusive os alunos. Ele está inserido sócio-historicamente no mundo, trazendo
consigo, assim como os alunos, o conceito de congruência para as relações que
se estabelecem na sala de aula.
O aluno congruente, também, é aquele que se mostra como é e não tem medo de
ser assim. Mas, para que não tenha medo, é preciso criar um espaço onde seja
37
permitido ser quem se é, sem retaliações, sendo aceito e estimulado a ser ele
próprio. A aceitação de ser um ser falível como todos os demais mortais, com
qualidades e defeitos, é o primeiro passo para uma atitude congruente.
Ter uma atitude congruente traz benefícios para si e para o grupo com o qual se
convive, pois quando não se pretende ser o modelo ideal de pessoa e
comportamento, aceito-me como sou, aceito minha condição humana de ser
falível e a partir daí aceito o outro como ele é. Assim, minha convivência com as
demais pessoas se torna mais humana, pois passo a compreender cada um como
humano e não a encarnação de um ser perfeito em um mundo harmonioso.
Quando pensamos em nós e nas pessoas que facilitam nossos processos de
aprendizagem, percebemos que são pessoas autênticas, que se mostram como
são e que por isso vivenciam relações verdadeiras, são pessoas em quem se
pode confiar.
Como seria um professor com atitudes congruentes? Segundo Rogers, quando ele
pensa nos professores que facilitaram sua aprendizagem, percebe que eles
tinham uma qualidade em comum, eram pessoas autênticas. E para que as
relações afetivas exerçam mudança de atitude e permitam que surjam relações de
congruência, “[...] talvez importe menos que o professor cumpra todo o programa
estabelecido ou utilize os métodos audiovisuais mais apropriados; o que mais
importa é que ele seja congruente, autêntico nas suas relações com os alunos”
(ROGERS, 1987, p. 331).
Para aceitar e compreender empaticamente as pessoas, precisamos aceitá-las
como elas são. Quando as pessoas se sentem aceitas, elas são mais livres para
buscar ajuda, para ousar, conquistando mais independência em suas ações.
Os alunos especiais sofrem quando se deparam com situações em que não são
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compreendidos, nem aceitos. Em alguns momentos esses alunos são exigidos
como se exige dos demais alunos, nesses momentos, podemos perceber como
faz falta uma atenção diferenciada. É preciso que esse aluno e suas
características particulares sejam colocados no centro das atenções. Quando
esses alunos não são respeitados em suas características pessoais, nem em suas
necessidades educativas especiais e são comparados com os demais alunos,
cria-se um clima de diferença e de segregação. O papel do professor é
imprescindível nesse momento, para construir uma relação de ajuda
compreendendo e aceitando esse aluno como ele é e assim estimulando com seu
exemplo sincero o comportamento dos demais alunos.
Deve ser papel do professor e também dos alunos, estabelecer um clima propício
para aprendizagem, aceitando os sentimentos que brotam verdadeiramente em
cada um. Somente assim,
[...] a aprendizagem significativa é possível se o professor for capaz de aceitar o aluno tal como ele é e de compreender os sentimentos que ele manifesta. [...] o professor que é capaz de uma aceitação calorosa, que pode ter uma consideração positiva incondicional e entra numa relação de empatia com as reações de medo, de expectativa e de desânimo que estão presentes quando se enfrenta uma nova matéria, terá feito muitíssimo para estabelecer as condições de aprendizagem.[...] (ROGERS, 1977, p. 266).
Como será uma sala de aula em que a preocupação principal é o aluno, ou seja,
em que o ensino está centrado no aluno? Como o aluno se relaciona nesse
ambiente? Como essas relações escolares e as outras relações trazidas de suas
convivências (família, amigos, religião, etc.) podem facilitar ou não o seu processo
de aprendizagem? Sobre o resultado desse tipo de ensino centrado no aluno,
Rogers (1977) cita alguns estudos, embora, segundo ele, “esses estudos estejam
longe de ser adequados”, mas assim mesmo eles podem nos ajudar a
compreender que estar preocupado com o aluno, acima de tudo, pode facilitar o
processo de aprendizagem, uma vez que estimula esse aluno a ser mais
independente.
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[...] o conhecimento dos fatos e dos programas é praticamente igual ao das classes convencionais. Alguns estudos registram um ligeiro acréscimo, outros um leve decréscimo. O grupo centrado no estudante revela aquisições significativas maiores do que as turmas convencionais, no que diz respeito à adaptação pessoal, à aprendizagem extracurricular auto-iniciada, à capacidade criadora e à responsabilidade pessoal (ROGERS, 1977,p. 270).
Segundo Rogers (1977, p. 290), “[...] a maior barreira à comunicação interpessoal
é a nossa tendência muito natural para julgar, avaliar, aprovar ou desaprovar as
afirmações de outra pessoa ou de outro grupo [...]”. Portanto, para criar um
ambiente saudável e preocupado com a aprendizagem significativa e centrada no
aluno é imprescindível que
[...] A comunicação real efetua-se, e a tendência para a apreciação é evitada quando ouvimos com compreensão. Que é que isso quer dizer? [...] que se procura ver a idéia e a atitude expressas pela outra pessoa do seu ponto de vista, sentir como ela reage, aprender o seu quadro de referência em relação àquilo sobre que está a fala (ROGERS, 1977, p. 291).
Quando nos comunicamos com o outro, de maneira mais livre e menos
preconceituosa a seu respeito e a respeito do que nos diz, estamos tentando
favorecer uma relação de ajuda, colocando-nos no lugar do outro, como se
fôssemos ele. E, para isso, utilizamos, ou pelo menos tentamos utilizar, o quadro
de referência do outro, para sentir como ele se sente, e a partir de então,
construímos uma relação de ajuda.
A Abordagem Centrada na Pessoa
A Abordagem Centrada na Pessoa destaca um papel importante à confiança que
devemos ter no ser humano, pois nós podemos e somos capazes de nos
superarmos quando conseguimos desenvolver nossos próprios caminhos. E nas
relações dos grupos a confiança também é fundamental.
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[...] o ingrediente importante proporcionado pelo facilitador é a confiança. Ele pode ser também sensitivamente empático. Participará com seus próprios sentimentos (admitidos como seus sentimentos, não como projetos sobre outra pessoa) Pode aventurar-se a exprimir os seus problemas e as suas deficiências. Sugerir ao grupo processos que acredita serem úteis. Subjacente, entretanto, a todos esses comportamentos, está a sua confiança na capacidade do grupo de desenvolver o potencial humano que há, no próprio grupo, e em cada um dos seus membros separadamente (ROGERS, 1973, p. 73).
[...] ser autêntico nem sempre é fácil, nem atingível de uma só vez, mas é básico para a pessoa que quer se tornar aquele indivíduo revolucionário – um facilitador de aprendizagem (Ibidem, p.109).
A teoria descrita por Rogers coloca a pessoa no centro em qualquer situação e a
partir de suas relações pessoais é que facilitam ou não o crescimento pessoal e
do grupo do qual faz parte. Acredito que o humano que existe em cada pessoa e
esse sentimento sendo valorizado e permitido é que será capaz de criar
verdadeiras relações de afeto, facilitando a aceitação das pessoas, permitindo que
façam parte de uma vida mais digna.
[...] Só posso ser apaixonado na minha afirmação de que a pessoa humana tem de ser levada em conta, que relações interpessoais importam muito, que sabemos algo sobre a libertação do potencial humano, que podemos aprender muito mais, e que, se não dermos atenção intensamente positiva ao lado humano interpessoal do nosso dilema educacional, a nossa civilização estará a caminho da exaustão. Melhores cursos, melhores currículos, abrangência mais ampla, melhores máquinas de ensino jamais resolverão o nosso dilema, na sua base. Somente as pessoas atuando como pessoas, no seu relacionamento com os alunos, podem eventualmente começar a produzir certa abertura no mais urgente problema da moderna educação (ROGERS, 1973, p. 125, grifo do autor).
As atitudes afetivas propõem a aceitação do outro, que significa o respeito às
diversidades humanas e a diferenciação do ser. Ser congruente, ser empático, ser
aceitativo incondicional, ser compreensivo, insere o humano no mundo (ser-no-
mundo) do respeito e da permissão dos vários modos de ser.
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Educação Libertadora e Autônoma
Compreendo a proposta educacional de Paulo Freire como humanamente
preocupada com uma educação desafiadora, que torna o processo educativo
instigante, onde o aluno é visto como ser-no-mundo. Para ele, o educando está
sempre no centro das propostas pedagógicas.
Na proposta de Freire, é imprescindível pensar como ocorre o processo de
aprendizagem de cada aluno e de cada grupo de alunos, e como eles estão
inseridos em seu contexto sócio-histórico. Para ele, somente a partir daí é possível
propor uma intervenção pedagógica a esses alunos.
O conhecimento do educando é considerado o ponto de partida para despertar
novos conhecimentos e aprofundar os já existentes. A proposta educativa é
pensada por todas as pessoas envolvidas no processo, construindo assim uma
ação pedagógica pautada no conhecimento que já possuem e na realidade social
em que estão inseridas.
É a partir de uma educação em favor do educando, portanto, pensada para ele e
com ele, que me desafiei a pensar uma educação que atenda de maneira
individualizada às necessidades do aluno. Acredito que só será possível se
efetivar uma educação humana e despida de preconceitos quando fizermos o
exercício de enxergar o outro como ser capaz. É preciso estar aberto à escuta, ao
diálogo, para assim ser solidário e comprometido com um ideal de justiça social,
em que todos possam exercer seus direitos de cidadãos.
Para Paulo Freire, a prática educativa deve ser humanamente competente.
[...] jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Nem tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor que se gera a necessária disciplina intelectual
42
(FREIRE, 2004, p. 145).
Conscientes da humanidade e da competência acadêmica que a educação nos
solicita, é importante também estarmos conscientes de nossos limites, de nossa
finitude e de meu inacabamento. Somos seres do crescimento, da busca, uma
busca que jamais se esgota.
A cada descoberta, seguem novos desafios, que nos movem a novas buscas.
Nessa busca desafiadora e cheia de vida, descobrimos-nos pessoas em
construção, gente que faz e se refaz a cada dia. “Gosto de ser gente porque,
inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento,
sei que posso ir mais além dele [...]” (FREIRE, 2004, p. 53).
Pensando a nossa existência como finita e em constante construção, portanto
inacabada, é possível enxergar o outro como ser também em construção. Como
uma obra de edificação, cada pessoa se encontra em um estágio da construção
de seu ser e, com isso, não existem melhores nem piores, mas pessoas em
diferentes estágios de sua edificação.
O que é para nós educação libertadora ? Educação libertadora é um jeito de ser
educador que se preocupa com o aluno e por isso o coloca como principal sujeito
do processo educativo, capaz de romper as barreiras do desconhecido libertando-
se em favor de uma educação crítica.
O importante do ponto de vista de uma educação libertadora [...] é que [...] os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros (FREIRE, 1997, p. 120).
Uma educação libertadora é uma educação afetiva e humana, em que há
interesse pelo outro enquanto pessoa. É preciso assumir nosso compromisso
existencial com o mundo, com as causas que consideramos justas, contribuindo
para a construção de uma sociedade mais justa e humana, uma sociedade para
43
todos.
Portanto, educação libertadora é não usar do meu poder para diminuir o outro,
para inferiorizá-lo. A violência velada que existe em alguns espaços educativos
machuca e pode até mesmo ferir de morte, matando a esperança, a auto-estima, a
autonomia, a dignidade, a alegria, matando o direito de acreditar que é possível,
se colocar na relação de aprendizagem como ser capaz e que acredita em seus
sonhos e suas possibilidades.
Sem bater fisicamente no educando o professor pode golpeá-lo, impor-lhe desgostos e prejudicá-lo no processo de sua aprendizagem. A resistência do professor, por exemplo, em respeitar a “leitura de mundo” com que o educando chega à escola, obviamente condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua linguagem, também de classe, se constitui um obstáculo à sua experiência de conhecimento. [...] Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da produção do conhecimento. [...] (FREIRE, 2004, p. 122).
A educação libertadora é uma educação que respeita o ser humano com suas
diferenças, não utilizando as diferenças como um obstáculo intransponível que
serve apenas para separar “capazes” de “incapazes”. A educação libertadora
requer uma educação afetiva, em que “[...] o amor é compromisso com os
homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em
comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este
compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (FREIRE, 1987, p. 80).
Ser um educador que respeita a individualidade dos educandos, escutando suas
demandas específicas, é ser um educador que pensa com o aluno o que deve
conter na sua proposta de ensino, é ser um educador no exercício de uma
educação libertadora. Numa relação de respeito não é necessário demarcar
terrenos de atuação entre alunos e professor, a relação se torna naturalmente
ética e, assim, comporta seus atores com sua liberdade para serem afetivamente
autônomos.
44
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE,1997, p. 68, grifo do autor).
O que é educar para autonomia ? É educar para que as pessoas sejam capazes
de fazer escolhas, tomar decisões a partir de suas próprias referências. Somente
seremos autônomos se formos livres para tomarmos decisões. Portanto, na escola
devemos estimular uma prática pedagógica que possibilite os alunos serem cada
vez mais autônomos.
[...] Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. [...] Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, ao 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (Freire, p. 107. 2004).
Educação Libertadora e Afetividade
A proposta de educação libertadora de Freire, que coloca o aluno no centro da
discussão pedagógica, é uma proposta em sua essência, afetiva. Afeto
permeando o respeito pela individualidade do ser-no-mundo e pelas diferentes
demandas dos alunos. Afeto que pensa o aluno enquanto um ser que se faz e se
refaz, um ser que sente, que pensa, sonha, sofre, deseja, ama, odeia, alegra-se e
se entristece.
[...] sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa ao fatalismo, identificação com a esperança, abertura a justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica (FREIRE, 2004, p. 120).
45
A nossa historicidade e o nosso exercício diário de nos tornarmos pessoas cada
vez mais humanas e afetivas é que nos faz exercitar uma postura ética diante de
nós e dos outros. A ética está em sermos seres historicamente construtores de
nossos limites e possibilidades, portanto, uma educação ética é uma educação
libertadora e afetiva.
A Educação Como Prática da Liberdade
A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstrato nem sobre este mundo sem homens, mas sobre os homens em suas relações com o mundo. Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa (FREIRE, 1997, p. 70).
A educação libertadora e a educação inclusiva, na verdade, são nuances de uma
proposta educativa em que a (pré)ocupação com o aluno é o foco principal. Para
essas propostas interessa o aluno como ele é, e não o aluno idealizado. Nesse
sentido, são propostas educacionais que devem estar ligadas a escolas concretas,
com alunos concretos e não a alunos e escolas ideais e padronizados.
Na proposta da educação libertadora, os alunos são parte do processo educativo,
sendo atores do conhecimento. São eles que têm a palavra, quando o assunto é a
melhor maneira para que seu aprendizado se efetive. É escutando esse aluno que
o conhecemos, entendendo sua maneira de ser e de estar no mundo. A partir do
reconhecimento de sua realidade, é possível compreender quais são os modos
pedagógicos diferenciados que cada aluno, que cada grupo de aluno precisa para
se desenvolver qualitativamente.
Colocar o educando no centro das atenções e pensá-lo como ser histórico e social
46
pensando-o, enquanto pessoa que se insere em um contexto maior, foi um grande
marco nas idéias de Paulo Freire e do qual precisamos nos apropriar, para
oferecer uma educação que pensa cada educando segundo, seus interesses e
necessidades.
Penso que conhecer melhor cada aluno, sua realidade social e histórica é a base
para construir, a partir de sua necessidade, uma proposta de trabalho pedagógica
que atenda a seus anseios. Para qualquer modalidade e nível educacional, essa
proposta pode ser o grande diferencial, fazendo com que o aprendizado se efetive,
de maneira desafiadora e participativa. Para a educação de alunos “especiais”
uma proposta como essa parece ser imprescindível.
Concordo com Boal, (1997, p. 50) quando ele diz que:
Assim são os gênios: descobrem ou inventam o óbvio que ninguém vê. Assim aconteceu com Paulo Freire que descobriu que o “vovô absolutamente não viu o ovo”, nem a “vovó viu a ave coisa nenhuma”, mas, ao contrário – com certeza -, o pedreiro viu a pedra; a cozinheira, o feijão: o lavrador, a enxada, a soja e o trigo.
Freire vem mostrar algo que parece óbvio: a importância em trabalhar com a
realidade concreta dos alunos. De nada adianta falarmos de pessoas e objetos
que não fazem parte do dia-a-dia do aluno, esse mundo abstrato e distante afasta
o aluno da escola e do conhecimento formal necessário à formação do ser
culturalmente bem-informado e criticamente capaz de confrontar idéias.
Somos Seres da Esperança
No processo educativo a solidariedade entre seus atores é que humaniza as
relações facilitando o processo de aprendizagem. A solidariedade é um
aprendizado que se vai aprimorando ou negligenciando ao longo da vida.
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Aprender a ser solidário não é um aprendizado que se adquire somente na escola,
o espaço escolar é apenas um dos espaços onde se é possível exercitar a
solidariedade, mas solidarizar-se é um ato de amor que nos envolve sempre em
todos os espaços e tempos. A solidariedade permeia nosso viver, entranha em
nosso ser e, quando nos damos conta, estamos envolvidos em sermos solidários.
É acreditando neles mesmos que os alunos podem se superar. Para se manter
sempre esperançoso em suas possibilidades, cada aluno deve ter o direito de
acreditar em si mesmo, sem a interferência negativa daqueles que não acreditam
em suas potencialidades.
Para continuarmos nos sentindo estimulados em busca de realizações, acreditar
em nossas possibilidades é nosso maior tesouro. Quando acreditamos e somos
seres da esperança, envolvemo-nos em um clima de possibilidades. No entanto,
em alguns momentos somos envolvidos em um ambiente de desesperança que,
por um período, pode diminuir nossa chama da esperança, mas não pode apagá-
la, pois, sem esperança não conseguimos sonhar e sem sonhos ficamos sem
projetos de vida e, assim, sem ação.
[...] a desesperança não é maneira de estar sendo natural do ser humano, mas distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da desesperança a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por “n” razões, se tornou desesperançado. Daí que uma de nossas brigas como seres humanos deva ser dada no sentido de diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza (FREIRE, 2004, p. 73).
Na comunidade escolar, cabe a cada um de seus atores minimizar as situações e
extinguir os comportamentos que possam levar à desesperança e ao imobilismo.
A escola deve ser pensada como local de possibilidades, de esperança, enfim, o
lugar onde seja possível “aprenderensinar”.
48
CAPÍTULO III - TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Em uma pesquisa fenomenológica, é preciso ir construindo o caminho a ser
percorrido e, neste estudo, a interrogação da pesquisa foi o ponto de partida que
foram delineando os caminhos que percorri. Assim, foi traçada a meta inicial:
compreender as relações de afeto que se constroem no ambiente escolar e como
elas podem – ou não - ajudar o aprendizado do aluno. A partir de então,
encaminhei-me até a escola para acompanhar e vivenciar junto com os alunos o
seu cotidiano. Nas vivências dinâmicas da escola, foi se construindo um
procedimento de pesquisa, a partir de suas demandas de “aprenderensinar”
afetivamente.
Assumindo uma postura fenomenológica
A partir das experiências vividas/sentidas, foi se construíndo uma relação de
proximidade com os alunos. Ao mesmo tempo em que se deu a aproximação,
tentei me distanciar de recordações e teorias, colocando-me no lugar do aluno,
sentindo a partir de seu quadro de referência. Nesse exercício de me envolver
existencialmente e de me distanciar reflexivamente, fui descobrindo como
pesquisar fenomenológicamente.
A compreeção das relações de afeto e como elas se constroem ou se mostram
nas convivências entre alunos do ensino fundamental, foram se desvelando na
49
observação de valores e atitudes presentes nas relações afetivas vivenciadas na
escola. Nesse contexto existencial, procurei ficar atenta às possibilidades de
inclusão escolar criadas pelos atores nelas envolvidos.
Interrogação da Pesquisa
Como se constroem as relações afetivas em uma sala de aula do ensino
fundamental, e como estas mesmas relações afetivas podem ou não
favorecer o processo de “ensinoaprendizagem”?
Em muitos instantes, estive envolvida com respostas que queria ou precisava dar
as minhas próprias interrogações, para melhor compreendê-las e compreender o
fenômeno. No entanto, esses “atos falhos”, que podem ser entendidos como uma
contradição às propostas de uma pesquisa fenomenológica, que busca descrever
o fenômeno e analisá-lo, sem, contudo, dar respostas acabadas, essa nossa
limitação em sermos rigorosamente fiéis a tal proposta de estudo, fez-me
considerá-la como sendo uma pesquisa de inspiração fenomenológica .
Nas descrições do fenômeno estarei desvelando as relações afetivas e o modo
como elas ocorrem. Mas, ainda assim, é importante esclarecer que nem sempre
uma “interrogação” fenomenológica produz necessariamente uma resposta,
podendo permanecer como tal, aberta a inúmeras interpretações. O leitor,
desejoso de obter algumas respostas à interrogação, poderá encontrá-la nas
descrições dessas vivências, em suas entrelinhas, no dito e no não-dito, e também
suas próprias inferências do fenômeno aqui descrito.
50
Coleta de Dados
A coleta de dados se deu no período de fevereiro a junho de 2004. Nesse período,
estive na escola em seus vários espaços: sala de aula, corredores, pátio, refeitório
(cantina), teatro, quadra de esportes, biblioteca, comemorações de datas festivas
(aniversários do mês, Dia das Mães, Páscoa) vivenciando com os alunos o seu
cotidiano escolar.
Estive na escola, em média, duas vezes por semana, o que totalizou 36 (trinta e
seis) dias de observação, cada observação com cerca de três horas de duração,
perfazendo um total de aproximadamente 108 horas.
As observações foram livres, não-estruturadas. E na dinâmica das relações entre
pesquisadora e alunos foi se construindo a pesquisa, partindo sempre das
solicitações dos alunos. Essas solicitações, na maioria das vezes, partiam dos
próprios alunos, e em alguns momentos em que eu percebia que poderia ser úteis,
oferecia ajuda, mas esta só se efetivava com o consentimento deles. A nossa
proposta inicial de estar com os alunos em todos os seus momentos vividos no
ambiente escolar, e assim entender a dinâmica vivida por eles, permitiu uma
aproximação sincera e natural, que possibilitou desvelar, a partir de suas falas e
atitudes, o que sentiam e como percebiam o processo escolar vivido por eles.
Em todos os momentos que estive na escola, fiquei com os alunos: no refeitório
durante a merenda; no pátio, no momento do recreio, algumas vezes brincando
com eles, outras conversando, e em outras observando; na quadra, nas aulas de
educação física, onde fiquei mais observando; na biblioteca e na sala de aula,
onde os auxiliava nas atividades propostas pela professora.
51
Tipo de Pesquisa
Trata-se de um estudo de caso, em uma sala de aula, com enfoque
metotodológico de inspiração fenomenológica , onde procurei me despir de
armaduras e preconceitos, dirigindo-me para uma escola municipal de ensino
fundamental, lá, participando junto com os alunos das diversas atividades
pedagógicas propostas. Dessa vivência descrita no diário de campo, selecionei a
descrição de alguns episódios, que, ao meu ver/sentir, significam produção ou
mostrares das relações afetivas vividas na escola.
Nessa pesquisa, utilizei o que Forghieri (2001) descreve como sendo as duas
etapas interdinâmicas do método fenomenológico que são: o envolvimento
existencial e o distanciamento reflexivo . Segundo a autora, para se envolver
existencialmente,
[...] o pesquisador precisa iniciar seu trabalho procurando sair de uma atitude intelectualizada para se soltar ao fluir de sua própria vivência, nela penetrando de modo espontâneo e profundo, para deixar surgir a intuição, percepção, sentimentos e sensações que brotam numa totalidade, proporcionando-lhe uma compreensão global, intuitiva, pré-reflexiva, dessa vivência. (FORGHIERI , 2001, p. 60).
E para que nos distanciemos reflexivamente , somos convidado a
[...] penetrar na vivência de uma determinada situação, nela envolvendo-se e dela obtendo uma compreensão global pré-reflexiva, o pesquisador procura estabelecer um certo distanciamento da vivência, para refletir sobre essa compreensão e tentar captar e enunciar, descritivamente, o seu sentido ou o significado daquela vivência em seu existir. Porém, o distanciamento não chega a ser completo; ele deve sempre manter um elo de ligação com a vivência, a ela voltando a cada instante, para que a enunciação descritiva da mesma seja a mais próxima possível da própria vivência. Tal enunciação, portanto, não deve ser feita em termos científicos e sim em linguagem simples, semelhante àquela que é utilizada na vida cotidiana. (FORGHIERI , 2001, p. 60)
A opção por uma pesquisa de inspiração fenomenológica se deu por acreditar
que essa maneira de pesquisar valoriza a vida afetiva e não dicotomiza sujeito e
52
objeto, considerando “sujeitoobjeto” como únicos. Nesse aspecto, tornou-se
relevante relatar meu confesso e “consciente” envolvimento com essa temática.
Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos dessa pesquisa são crianças matriculadas e que freqüentam a
terceira série do ensino fundamental de uma escola pública municipal,
localizada em Vitória, Espírito Santo. Minha opção por esse nível de ensino se dá
por acreditar que neste momento da vida escolar as crianças estão mais
disponíveis para as relações afetivas espontâneas e sinceras, menos
condicionadas pela sociedade, em geral.
Dessa experiência, trabalharei focalmente os alunos denominados de André e
Ricardo. Além desses alunos, trabalharei pontualmente com Ivan e Anderson.
Descreverei cada um deles, com mais detalhes, no próximo capítulo.
Procedimentos Éticos
As normas éticas que devem ser observadas em um trabalho de pesquisa, que
envolve seres humanos, especificadas na Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde, afirma que pesquisas devem atender às exigências éticas e
científicas, caracterizadas pelo consentimento informado, pela ponderação entre
os riscos e pelos benefícios e a relevância social da pesquisa.
Atenta a essa resolução, defini as regras éticas de participação deste trabalho de
pesquisa, atendendo especificamente às pessoas e à instituição envolvida.
Portanto, com base nas normas éticas especificadas na Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, elaboradas para atender às peculiaridades desta
53
pesquisa, ficou definido que a identidade dos envolvidos e da escola seria
preservada, resguardando que ela não fosse identificada. Esse documento foi
apresentado à escola para que o trabalho fosse autorizado e, então, iniciado.
Para manter preservado o anonimato dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, seus
nomes foram substituídos por nomes fictícios e o nome da instituição de ensino
também não foi revelado.
Destaco, também, que para além do documento, mantive uma atitude ética como:
o respeito pelo outro, a escuta atenta das suas problemáticas e alegrias, atenção
em manter sigilo das vivências ocorridas, evitando propagação e curiosidade
desnecessária contra os sujeitos.
Instrumentos de Pesquisa
O instrumento principal de coleta de dados utilizado nesta pesquisa foi a
observação . Considerando que a observação
[...] é a primeira forma de aproximação do indivíduo com o mundo em que vive. Dessa atividade primitiva decorrem aprendizados que são fundamentais para a sobrevivência humana. Pelo olhar entramos no mundo, começamos a nos comunicar com ele e iniciamos o conhecimento a respeito dos seres que nele habitam (TURA p.184, 2003).
Para além da observação, nos propus-me interagir com os alunos de maneira
livre, sem prévio planejamento de procedimentos, e respondendo ao que ia sendo
demandado por eles. Estive ao lado deles trocando informações, auxiliando nas
atividades didáticas, conversando sobre os assuntos que faziam parte de seu
universo de interesses, com o olhar sempre atento às relações de afeto que iam
emergindo desses momentos e como essas relações facilitavam ou não o
processo de aprendizagem.
54
É importante registrar que o ato de observar pode ter produzido algumas
modificações no comportamento do aluno, uma vez que a minha presença nos
espaços escolares, por si só, foi uma situação que diferia do cotidiano habitual das
pessoas envolvidas.
O passo seguinte à observação era o registro das informações coletadas na
pesquisa, no Diário de Campo , utilizado para transcrever de modo detalhado as
experiências vividas. O diário de campo foi um instrumento fundamental neste
trabalho. Nele foi relatado os acontecimentos diário, logo após as observação.
Procedimentos de Pesquisa
Inicialmente, envolvi-me com os estudos da abordagem centrada na pessoa de
Carl Rogers e com a educação libertadora de Paulo Freire. Estudei essas
literaturas fazendo o exercício existencial de me distanciar reflexivamente dela,
apreendendo os sentidos dessas perspectivas teóricas e das possibilidades de
aplicação à proposta de estudo pretendida.
A partir daí, dirigi-me à escola vivenciando com os alunos seu cotidiano
procurando estar atenta aos afetos que a meu ver influenciavam na disposição
para o seu processo de aprendizagem.
Para analisar compreensivamente o fenômeno pesquisado, utilizei as etapas
clássicas da redução fenomenológica propostas por Forghieri (2001) de
envolvimento existencial e distanciamento reflexivo, descritas anteriormente.
Essas etapas da pesquisa estão interligadas e permearam todo este estudo.
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Análise Compreensiva dos Dados
Para analisarmos compreensivamente os dados levantados nesta pesquisa,
recorri à Psicologia Humanista Existencial e Fenomenológica de Carl Ransom
Rogers e a Paulo Freire e a sua relação com o humanismo e existencialismo,
especialmente o valor que fornece às relações explicitadas pelo ser-no-mundo.
Além desses autores, estarão presentes pontualmente outros autores que
discutem a dificuldade de aprendizagem no campo da afetividade, da cognição e
das relações parentais.
Ao analisar os dados dessa pesquisa (Capítulo IV), o discurso se apresenta pelo
“clima” das teorias de Rogers e de Freire. O meu envolvimento teórico com esses
autores possibilitou uma apropriação de suas idéias de modo que elas passaram a
fazer parte do nosso próprio discurso. Assim sendo, as análises feitas no
referencial teórico estão representadas no capítulo IV através do nosso discurso
que expressam as idéias de tais autores.
A análise compreensiva do fenômeno pretende desvelar algumas das situações
vividas na escola e suas influências no desempenho acadêmico e cognitivo dos
sujeitos em questão. E, para isso, utilizarei a descrição do fenômeno conforme
sugere Forghieri (2001), quanto mais descrevermos um episódio ou uma cena, e
nos propomos a fazê-lo aqui, de modo detalhado, mais tiraremos o véu que
encobre o fenômeno, fazendo-o aparecer ao nosso olhar. O leitor poderá inferir
outros significados às descrições, e é isso que enriquece esta abordagem,
tornando-a pessoalmente significativa, quando nos propomos a estudar a
afetividade: (des)velando aquilo que insisto ver/sentir.
A escolha consciente de recorrer à literatura de Rogers, para me auxiliar nesta
pesquisa, dá-se por sua proximidade com a fenomenologia. Ele foi incluído como
fenomenologista por Schultz e Schultz (2002), no entanto, outros autores, como
56
Holanda (1998), incluíram-no na abordagem humanista e Corey (1983) na
humanista existencial.
Para Cohen (in Holanda,1998) a Psicologia Humanista ou Humanística tem
algumas características essenciais na valorização da pessoa, com as quais
concordamos. São elas:
1 Valorização da subjetividade;
2 Valorização da identidade pessoal (eu; self etc.);
3 Valorização do sentido da sócio-historicidade do ser humano, o que lhe
fornece o sentido de passado e futuro;
4 Enfoca juízos morais;
5 Enfoca juízos de valores.
A abordagem centrada na pessoa de Carl R. Rogers e o método fenomenológico
de pesquisa se complementam, pois ambos valorizam as descrições das
experiências, a humanização das relações, onde as pessoas tentam se colocar no
lugar das outras para fazer o exercício de sentir como ela se sente e assim melhor
compreendê-las. A compreensão e aceitação empática são elementos que unem a
Abordagem Centrada na Pessoa e a Fenomenologia Existencial.
A obra de Paulo Freire, por sua vez, é classificada diferentemente por diversos
autores, dentre as diversas classificações algumas são: sócio-histórica, pedagogia
libertária, existencialismo cristão, pedagogia da práxis, marxismo cristão,
humanismo dialético e outros (Mafra, 2004). Alguns autores que estudaram com
bastante propriedade a obra de Paulo Freire (GADOTTI, 2001; TORRES, 1995)
concordam que não havia uma preocupação por parte de Freire em classificar sua
obra, simplesmente por não considerar essa discussão relevante. Segundo
Gadotti (2001), o mais importante para compreender a obra de Paulo Freire é tê-la
como referencial existencial e histórico.
57
Nesta pesquisa a obra de Freire contribui com suas reflexões sobre as questões
humanas e sociais ao propor uma educação pensando no educando como ser
social e político. E nesse aspecto humano, sua obra se assemelha à
fenomenologia, quando ela propõe a se colocar no lugar do outro, em um
exercício humanista existencial, sentindo como se fosse ele, a partir de seu
quadro de referências.
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CAPÍTULO IV – AFETO E COGNIÇÃO NO PROCESSO DE
INCLUSÃO ESCOLAR
Para compreender “como” se apresentam e se constroem as relações afetivas na
sala de aula, procurei, a partir desta pesquisa, vivenciar com os alunos de uma
terceira série do ensino fundamental suas experiências cotidianas. À medida que
essas relações afetivas foram se construindo, percebi a dinâmica que influenciava
os afetos no aprendizado desses alunos.
Desde os primeiros contatos, os alunos interagiram comigo e me acolheram como
membro participante de sua rotina escolar. Essa acolhida permitiu que eu
vivenciasse com eles suas vitórias e derrotas, possibilitando-me uma
compreensão de seus modos afetivos de ser aluno. As informações foram
surgindo por meio de falas, gestos, interação com os colegas, com os professores
e comigo.
A partir da descrição de episódios do cotidiano escolar de dois alunos, André e
Ricardo, irei desvelando o significado da construção das relações afetivas e como
elas podem ou não contribuir com esses alunos em seu processo de
aprendizagem. A descrição de episódios do diário de campo irá revelar a dinâmica
da sala de aula, possibilitando conhecer a realidade da classe e as propostas
pedagógicas afetivas/cognitivas presentes em seu cotidiano.
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A Caracterização da Sala de Aula
A turma pesquisada é uma terceira série e, nela, a maioria dos alunos e a
professora são os mesmos do ano anterior, quando estavam cursando a segunda
série. Segundo a professora, ela está “acompanhando a turma”. Portanto, a
maioria dos alunos está adaptada à dinâmica de trabalho do grupo.
Os alunos, em sua maioria, sentam-se em duplas, o que parecia facilitar a
interação e a troca de experiências. Na maioria das vezes, as duplas eram
definidas espontaneamente. Quando a dupla se “desentendia”, ou a conversa
interferia no andamento da aula ou no desempenho de um dos alunos, a
professora intervinha e modificava a composição da dupla.
Existia, também, um grupo de alunos que se sentava só. Esses podiam ser
divididos em dois grupos: os que faziam a opção de se sentarem sós e os que o
faziam a pedido de seus pais ou da professora. Os que se sentavam sós, por
opção, geralmente eram tímidos e por isso preferiam ficar sós, pareciam se
resguardar das possíveis críticas e exposições de seus amigos. E os alunos que
se sentavam sós, por indicação de seus pais ou da professora, segundo eles,
estavam naquela condição, porque conversavam muito e se desenvolviam melhor
sozinhos.
Além da sala de aula, alguns alunos da escola freqüentam o laboratório
pedagógico, espaço destinado aos atendimentos individualizados ou em pequenos
grupos dos alunos considerados especiais. Nos momentos em que os alunos
“especiais” recebem atendimento, eles são afastados do convívio de sua turma.
Receber um atendimento fora do espaço da sala de aula regular, como o
laboratório pedagógico, é “[...] ser diferente do normal, é simultaneamente
‘assumir’ o papel de uma marginalização sutil ou de uma penalização obscura e
antipedagógica” (FONSECA, 1995, p.116).
60
Conhecendo André e Ricardo
Os alunos André e Ricardo não faziam parte do grupo de alunos que estão juntos
desde o ano anterior, são novos no grupo. Eles não eram os únicos alunos novos
na turma, havia outros alunos que também estavam entrando na turma este ano.
Alguns deles eram da escola, mas a maioria vinha transferida de outras escolas.
A escola considerava André e Ricardo alunos com dificuldades de aprendizagem.
Eles recebiam esse rótulo mesmo sem terem uma avaliação pedagógica,
psicológica ou médica que sustentasse tal afirmação. Apesar do rótulo, não
receberam, no início do ano, nenhum tipo de atendimento pedagógico ou qualquer
outro atendimento que atendesse as suas necessidades específicas. Eram
alunos como muitos outros, que não muito raro encontramos nas escolas, que não
se sabe, e parece que não se procura saber, o motivo pelo qual não tinham sido
ainda alfabetizados, apesar de freqüentarem regularmente o ensino fundamental
desde a primeira série.
Na ficha da matrícula de André estavam anexados dois relatórios de avaliação do
ano anterior, que se baseiam em alguns aspectos do desenvolvimento cognitivo,
para dizer se o aluno tinha alcançado ou não o objetivo curricular, que nem
sempre coincide com os objetivos e condições de desenvolvimento do aluno. Em
seu relatório de avaliação do ano letivo de 2002, diz que “[...] foi trabalhado com o
aluno aspectos da alfabetização, investindo simultaneamente no estímulo à sua
auto-estima positiva”.
Já na ficha de matrícula de Ricardo, não havia nenhum tipo de avaliação, apenas
estava anexado um bilhete manuscrito, pedindo que ele fosse matriculado naquela
escola, enviado pela escola em que ela havia estudado no ano letivo anterior. A
coordenadora pedagógica me informou que “ainda” não havia recebido sua
documentação. Já estávamos no mês de junho, ou seja, na metade do ano letivo,
61
e a escola ainda não tinha recebido nenhuma informação escolar oficial sobre
Ricardo.
Quem é André?
André é uma criança de aparência frágil, bem magrinho, cabelos e olhos negros e
pele morena. Tem nove anos de idade, cheio de vida, com um olhar observador e
preocupado. Seu olhar não parecia infantil, despreocupado e livre, mas sim um
olhar de quem tem muitas dúvidas, medos, tristeza e solidão.
Na sala de aula, André se mantinha a maior parte do tempo calado, afastado dos
demais alunos e de cabeça baixa.
No início do ano letivo, ele estava se ambientando e conhecendo os novos
colegas e a nova professora. Para André, essa situação parecia ser um grande
desafio, pois a primeira e a segunda série ele cursou em uma mesma turma.
Agora, está cursando a terceira série em uma “nova” turma, onde já existem
alguns hábitos, com os quais ele deveria se adaptar.
André reside no mesmo bairro em que está situada a escola. Em sua casa moram:
ele, a mãe e uma tia (irmã da mãe). A renda familiar declarada na ficha de
matrícula está situada entre dois e três salários mínimos. André é filho único, a
mãe trabalha o dia todo, ele fica em casa, quando não está na escola, em
companhia de sua tia. Seus pais não são casados e não moram juntos e quando
lhe perguntei sobre seu pai, ele disse: “[...] meu pai mora aqui no bairro “X” [ bairro
vizinho ao que mora], eu acho que a casa dele é até perto. Ele tem outros filhos,
acho que é uma menina e um menino, mas não conheço. Só vi meu pai, acho que
uma vez[...]”. A residência em que mora foi declarada pela mãe como própria, mas
é sabido que se trata de um conjunto habitacional que foi “invadido” e ainda não
62
se encontra regularizado.
Ao chegar à terceira série, André encontrou um vizinho na turma, Frederico. Para
começar a se ambientar, Frederico aproximou-se dele e, como é de costume na
turma, formaram uma dupla. Eles se apresentam com modos de ser bastante
diferentes. Frederico, com seu jeito desinibido e brincalhão, expôs o amigo a
algumas situações que, parece, causaram-lhe constrangimento.
Um desses momentos de constrangimento foi observado já no primeiro dia em
que estive em contato com a turma. Nesse dia, Frederico me chamou e disse: “
Tia, olha! (apontando para o caderno de André). Ele não sabe ler, por isso fez o
dever de Português no caderno de Matemática”. Gisele, que estava sentada à
frente dos dois, ouviu o que Frederico disse e completou dizendo: “Tia, esse
garoto era pra tá na segunda série, ele não sabe nem ler”. André tenta fechar seu
caderno e guardá-lo para encerrar o assunto, mas Frederico insiste em abrir e
colocar em cima da carteira. André se sente constrangido e permanece calado.
Então, pedi a Frederico que não impedisse que André trocasse o caderno pelo
correto, e ele disse: “Não adianta, tia, qué vê? Ele não sabe qual é o caderno
certo”. Retirou todos os cadernos de André da mochila, colocou em cima da mesa
e lhe disse: “Cadê seu caderno de Matemática?”. Como de fato ele não sabia ler,
pegava sempre o caderno errado. Frederico achava a situação engraçada,
inibindo cada vez mais seu amigo. Pedi, então, que o ajudasse a pegar o caderno
certo, finalmente, ele o pegou e o entregou a André, que não teve mais ânimo de
tentar fazer a atividade proposta.
Algumas atitudes como as de aceitação e compreensão empática podem ser
desenvolvidas em uma relação de grupo como a sala de aula. Porém, para isso, é
necessário um trabalho educativo que favoreça e incentive uma relação de ajuda,
devendo ser conduzido pelo professor.
63
É importante preparar a turma para receber os alunos especiais. Fornecer
informações de como lidar com o aluno que chegará e assim estabelecer um
ambiente de respeito e ajuda aprendendo a se colocar no lugar do outro para
sentir como se fosse ele. Agindo dessa maneira, talvez, fosse possível substituir
momentos de exclusão por atitudes compreensivas e humanas. Por falta de um
trabalho inicial para acolher e tratar adequadamente o aluno que precisa de um
atendimento diferenciado, naquele momento, acontecem situações como a
relatada anteriormente.
A falta de preparo também acontecia com a professora. Segundo ela, também não
havia sido informada sobre o recebimento de um aluno que demandava um
trabalho pedagógico diferenciado, nem como lidar com esse aluno. Foi com o
passar dos dias que ela foi percebendo as necessidades dos alunos, o que
também não ajudou muito, uma vez que ela não tinha tempo de dar atenção
individualizada aos alunos que precisavam e não contava com nenhum tipo de
apoio pedagógico para trabalhar com esses alunos. A turma contava em sua
totalidade com trinta e três alunos. E cada um a seu modo exigia atenção da
professora o tempo todo, ela, por sua vez, tentava se dividir e atendê-los, mas a
maior parte do tempo acabava optando por fazer um trabalho de maneira uniforme
com a turma.
À medida que os dias se passavam, André ia se acostumando com a nova turma.
Observador, logo percebeu que podia se sentar sozinho e assim o fez. Essa
opção de André fazia parte de seu modo de ser na sala de aula, solitário, afastado
dos demais alunos, afinal, ele não se sentia parte daquele grupo. André parecia
sentir que entre ele e a turma existia uma enorme diferença, os demais alunos
eram leitores e também já escreviam e ele ainda não. André estava em processo
de alfabetização e para que esse processo se completasse, era preciso um
atendimento que atendesse especificamente essa sua necessidade educacional,
ele demandava uma ação pedagógica centrada em suas necessidades educativas
64
de alfabetização.
Quem é Ricardo?
Ricardo tem nove anos de idade é uma criança desinibida, comunicativa e gosta
de fazer amizades. Tem olhos e cabelos negros, pele morena, é sorridente e
bastante ativo. Ele, assim como André, é novo na turma, veio transferido de outra
escola, tendo sido expulso. O motivo? Ele teria agredido uma aluna, em suas
palavras: “[...] eu apertei o pescoço dela, ela quase morreu”.
No início do ano letivo, nas duas primeiras semanas de aula, segundo a
professora Meire, Ricardo resistia em entrar na sala de aula, chorava muito, e
algumas vezes ficava no pátio da escola:
[..] ele chorava, não entrava de jeito nenhum. Eu nunca vi isso! Nesse período ele era muito agressivo, mas com meu jeito, graças a Deus, estou conseguindo fazer com que ele entre. Ele também está mais calmo”.
Quando comecei minha pesquisa, na terceira semana após o início do ano letivo,
Ricardo me pareceu um aluno muito tranqüilo, e, durante os quatro meses que
convivi com ele, em nenhum momento se mostrou agressivo. Parece que, de fato,
a professora conseguiu cativá-lo.
A escola da qual Ricardo foi expulso ficava próxima a sua casa, e a que está
matriculado, agora, fica bem distante. Para chegar à escola, ele utiliza transporte
coletivo, o qual tem que pegar às seis e quinze da manhã e “para chegar, ao ponto
de ônibus, tem que andar um pedação. E, na volta, é a mesma coisa: o ônibus
demora, tenho que andar e quando chego em casa já tá tarde”. O custeio do
transporte é feito pela família, o que deve pesar no orçamento, pois, segundo
informações de seu cadastro de matrícula, seu pai é pedreiro, sua mãe é do lar e
65
a renda familiar declarada foi de um salário mínimo. Em sua casa moram cinco
pessoas: seus pais, ele e mais dois irmãos. A residência onde Ricardo mora, é
própria, e se localiza em uma favela da cidade. A realidade social em que ele está
inserido denuncia que,
... nem todos possuem os mesmos direitos. Na sociedade atual, a desigualdade irrompe
aos nossos olhos, havendo privilégios e injustiças. A pobreza, então, transparece
perturbadoramente revelativa que a violência tem raízes profundas. “ (PINEL, 2003, p. 72.)
A Sala de Aula
Desde o primeiro contato que tivemos na sala de aula, Ricardo veio até mim para
solicitar ajuda, mostrando seu modo de ser aberto, diante de suas demandas.
Nesse dia a atividade proposta era de matemática e consistia em copiar e resolver
três problemas. Auxiliei Ricardo nessa atividade e, no final da aula, ele havia
copiado e respondido um dos três exercícios.
Com relação a esse exercício, a professora Meire disse à turma que só iria
embora quem tivesse ao menos copiado os três problemas. Ricardo foi até sua
mesa mostrar o problema que tinha feito e ela permitiu que ele fosse embora sem
precisar copiar o que faltava, isso parece ter provocado nele um certo alívio.
De sua mesa a professora me disse: “O que ele fez tá bom, ele não consegue
acompanhar a turma”. Ricardo e os demais alunos ouviram o que a professora
disse. Ricardo, mesmo assim, parecia estar feliz por ter “conseguido” resolver um
dos três problemas e porque ia embora. Então, ele juntou seu material escolar e
foi embora, minutos antes da aula terminar.
Ricardo não recebeu um atendimento que atendesse as suas necessidades, pois
66
não existia uma proposta de trabalho para ele. Essa situação não nos demonstra
congruência nem sensibilidade (ROGERS, 1997) com a situação de Ricardo. Do
que adianta Ricardo, assim como vários outros alunos, estarem em uma turma
que corresponda a sua faixa etária, se não lhe é proporcionado um ambiente de
aprendizagem?
Com relação à professora Meire, como esperar mais dela que, sozinha, tem que
atender a trinta e três crianças, sem tempo para dar atendimento individualizado a
elas, sem apoio pedagógico, sem tempo para estudo? Será que ela sabe o que é
congruência segundo, Rogers? Provavelmente não teve a oportunidade de refletir
a respeito. Poderíamos pensar que ela tenha sido incessível com o aluno ao
deixá-lo ir embora, antes mesmo que a aula terminasse, sem concluir a atividade
proposta, que também não foi pensada para atender as suas necessidades
educacionais e que com isso serviria para desestimulá-lo. Poderíamos até pensar
que ela não é uma boa profissional ou que é no mínimo incessível, se não
levássemos em consideração as condições de trabalho às quais ela está
submetida onde ela não tem como atender as necessidades específicas dos
alunos.
Como discutir com essa professora sobre aprendizagem significativa, se nem o
mínimo de condições ela tinha para oferecer, que era uma proposta de trabalho
pedagógica para esse aluno que atendesse sua demanda. Percebemos que não é
má-vontade, mas que não existe ainda uma cultura pró-inclusão escolar, em que o
aluno possa ser atendido em suas necessidades. Na prática, o que ocorre é que a
escola “entrega” a responsabilidade do aluno para o professor, quase que
exclusivamente, além de não lhe oferece apoio pedagógico adequado para a
inclusão dos alunos especiais. O professor, por sua vez, sente-se impotente diante
dessa situação-desafio quase intransponível, pois não parece ser prudente que
um único professor “dê conta” de uma turma com trinta e três alunos, sendo que,
nesse grupo, três precisam de acompanhamento pedagógico diferenciado para
67
atender suas demandas educacionais.
A dinâmica que se estabelecia nessa sala de aula, parece ser a opção mais
utilizada pela grande maioria dos professores, que é a de atender ao maior
número de alunos com uma única proposta pedagógica, até porque, como já foi
dito aqui, é quase impossível que um único ser humano (professor) atenda ao
mesmo tempo a demanda específica de vários alunos. Diante dessa realidade,
não há espaço-tempo para refletir sobre a própria prática, nem para compreender
e atender a demanda de cada aluno. O que me fez perceber que a atual estrutura
escolar não é capaz de comportar a escola inclusiva desejável.
Assim não cabe “culpar” a escola ou os professores e especialistas ou os alunos e seus familiares pelo “fracasso escolar” de determinados alunos (...) cabe sim fazer relações entre a prática pedagógica (...) e as estruturas que a sustentam(...)” (GOMES, p. 24, 2004)
A escola inclusiva não cabe nesse modelo de escola que temos hoje, não porque
os profissionais não sejam capazes, mas porque não há profissionais suficientes
nas escolas, nem espaço físico que atenda adequadamente aos alunos. É preciso
que haja também uma política educacional séria, que atenda dignamente às
demandas dos alunos especiais e dê condições dignas de trabalho aos
professores. Atender adequadamente aos alunos especiais está muito distante de
atender à legislação educacional, que determina que os alunos especiais sejam
matriculados preferencialmente na rede regular de ensino. Na prática, o
atendimento à legislação tem significado colocar mais essa responsabilidade
sobre o professor, sem lhe oferecer as condições adequadas para atender aos
alunos em suas necessidades específicas. Diante dessa realidade, o prejuízo é de
todos, alunos e professores: os alunos que recebem um atendimento precário ou
são excluídos dentro da dita política de inclusão educacional e os professores, que
contam com condições de trabalhos desumanas.
É necessário e urgente a discussão e implementação de uma educação que se
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preocupe com aprendizagem significativa (ROGERS, 1977), libertadora (FREIRE,
1997), autônoma (FREIRE, 2004), centrada na pessoa e que de fato se preocupe
com as pessoas que estão envolvidas no processo educacional, sejam elas
professores, alunos, família e demais profissionais da escola, todos são
importantes para que uma educação seja libertadora e inclusiva. Precisamos olhar
essas pessoas em seu lado humano, em suas possibilidades e impossibilidades,
para assim compreendermos e avançarmos em direção a uma educação que
inclua e não exclua alunos e professores ao superestimar suas capacidades
humanas.
Na estrutura educacional atual, tem comportado um número de alunos por turma
muito além da capacidade do atendimento adequado de um professor, sem contar
o espaço físico, que também não comporta adequadamente os alunos. Nesse
cenário, as falhas dos professores no atendimento aos alunos parece não ser um
problema fácil de resolver, se não nos atentarmos para o fato de que esses
profissionais precisam de condições adequadas de trabalho, ou então não
teremos uma solução para o problema. Algumas pessoas diriam que mudar a
estrutura organizacional das escolas é algo utópico, uma vez que não existem
verbas suficientes para que haja uma reestruturação desse modelo escolar com o
qual convivemos. Enquanto pensarmos assim, teremos que nos conformar com
uma educação precária como a que temos visto. Não é possível que as mudanças
educacionais aconteçam sem mexer na estrutura atual em que a principal falha
está nas condições de trabalho inadequadas.
André e Ricardo
André e Ricardo são expostos em sua dor de não saber ler e escrever, de não
fazerem parte de um grupo de alunos que sabem e que têm um “ritmo” que eles
não “acompanham”.
69
À medida que o tempo passava, fomos observando que André não copiava as
atividades, porque não conseguia entender a escrita em letra cursiva, que era a
forma de escrita utilizada pela professora. O que ele escrevia sempre estava em
letra de fôrma. Perguntei a ele se preferia copiar em letra de fôrma e ele me disse
um “sim”. Foi então que descobri que André sabia fazer cópias e leitura de
palavras simples, quando escritas em letra de fôrma. Conversei sobre isso com a
professora, mas ela achava importante que os alunos da terceira série soubessem
ler e escrever em letra cursiva. Deixou claro que não mudaria seu jeito. “Eles têm
que aprender a escrever com letra cursiva, já estão na terceira série”. A professora
parecia acreditar que, assim, estaria ajudando aos alunos, demonstrando pensar
ser inadmissível um aluno da terceira série que não saiba escrever em letra
cursiva.
Atitudes como essa da professora Meire nos faz refletir sobre a necessidade da
capacitação em serviço, para que os professores não se distanciem das novas
pesquisas feitas na área de educação. Essa atualização deve estar aliada ao
compromisso de implementá-las em suas salas de aula, após uma devida
adequação à realidade em que está inserida, para que os alunos sejam
beneficiados. Nessa capacitação, deve-se, além de formar e informar
tecnicamente, estimular uma atuação crítica e humana dos professores, para que
eles reconheçam em seus alunos suas possibilidades e habilidades. Nas palavras
de Dockrell (2000, p. 23), “[...] programas de intervenção que são tecnicamente
bem definidos podem não dar certo se a relação entre a criança e o professor não
promover a cooperação e a participação [...]”.
A professora Meire me falou de sua preocupação com André e Ricardo. Por eles
não serem alfabetizados, ela nunca havia trabalhado com alfabetização e não se
sentia competente para fazer esse trabalho com eles. É importante observar que
a professora Meire, estava perto de se aposentar e pareceu ser uma profissional
70
competente e segura do trabalho que desenvolvia com os alunos, no entanto,
vários anos trabalhando com alunos do ensino fundamental não foram suficientes
para dar a segurança que ela imaginava precisar para alfabetizar.
Os professores, exceto os professores da primeira série, parecem não achar que
alfabetizar seja tarefa deles. Por isso, quando chegam alguns alunos na segunda
série e nas séries seguintes, que ainda não se alfabetizaram, os professores
parecem não aceitar a idéia de que o aluno precisa ser alfabetizado na série em
que se encontra, que alfabetizar é tarefa exclusiva dos professores que trabalham
com a primeira série. Ao se assumirem como professores não-alfabetizadores,
esses profissionais parecem se isentar dessa tarefa. O que é, para esses
professores, ser alfabetizador? Esse mito de ser e não ser professor alfabetizador
acaba servindo para que muitos professores não se sintam responsáveis em
alfabetizar. Não quero dizer aqui que a responsabilidade de alfabetizar seja
exclusivamente do professor, mas sim que em uma escola inclusiva a
responsabilidade em alfabetizar deveria ser de todos os professores que lidam
com o aluno diretamente. Portanto, é importante que se começe a pensar a
formação inicial dos professores, de todas as licenciaturas, para que se habilitem
em alfabetizar em suas aulas e disciplinas quando se fizer necessário.
A formação de professores deveria capacitá-lo para lidar com a diversidade que
envolve a inclusão, o que não significa torná-lo um professor polivalente, mas sim
que possa atender às demandas de um aluno que precisa de um atendimento
pedagógico diferenciado.
Para atender às necessidades de André e Ricardo, a professora Meire sempre
lançava mão de uma pasta, onde guardava várias cópias com atividades diversas,
quando eles se recusavam totalmente à atividade proposta à turma. Por várias
vezes, utilizou esse material, que em sua maioria tinha um grau de complexidade
além da capacidade daqueles alunos, naquele momento, pois exigia leitura e
71
escrita e o fato de não serem leitores acabava por impedi-los de fazê-las, além de
desestimulá-los.
Talvez mais do que em outras dificuldades específicas de aprendizagem, as dificuldades de leitura impedem o progresso educacional em várias áreas porque a leitura é a via de acesso para uma grande variedade de informações. A incapacidade de aprender a ler nos primeiros anos escolares mantém a criança afastada de praticamente o que resta do currículo escolar [...] (DOCKRELL E MCSHANE, 2000, p. 86).
Nessa pasta, era possível encontrar atividades como: palavras cruzada,
operações matemáticas, transcrição de palavras em pautas próprias para o treino
de caligrafia e desenhos para pintar.
Nas atividades de cruzadas, a resposta das questões deveria ser escrita nos
espaços, e, portanto, exigia-se leitura e escrita ortograficamente correta. No caso
de Ricardo, ficava totalmente inviável, já que ele não conseguia ler nem escrever.
Para André, era possível fazer parte das palavras cruzadas. Porém, na maioria
das vezes, errava a grafia da palavra, o que lhe causava desânimo em continuar.
Ambos acabavam abandonando a atividade e ficavam ociosos o restante da aula.
A professora propunha as atividades da pasta aos alunos André e Ricardo, no
entanto, elas estavam desconectadas de suas necessidades enquanto alunos em
processo de alfabetização, além disso, também não faziam parte das temáticas
tratadas em sala de aula. Situações como essa nos dá uma idéia de como estão
sendo tratados os alunos que deveriam ser incluídos. André e Ricardo pareciam
estar apenas ocupando o mesmo espaço físico destinado a alunos com a mesma
faixa etária, não sendo destinado a eles nenhum tipo de atendimento pedagógico
diferenciado que atendesse as suas necessidades específicas.
O fato de Ricardo ainda não ler nem escrever o impossibilitava de fazer as
atividades propostas aos demais alunos da turma, fato que o mantinha excluído do
grupo. A maior parte do tempo ele copiava do quadro as atividades, mas, como
72
não lia, nem conhecia os símbolos que copiava, por isso, o seu processo de cópia
era demorado e trabalhoso.
Os dias foram se passando, e percebi a “insistência” de Ricardo em copiar, ele
ocupava boa parte de seu tempo fazendo cópias e assim parecia se sentir parte
da turma, aluno como os outros, que também copiavam. Ricardo estava se
empenhando para integrar-se ao grupo, onde tudo e todos permaneciam em seu
estado inalterado, enquanto ele, sozinho, tentava fazer um esforço sobre-humano
para fazer parte desse grupo de pessoas.
O esforço que Ricardo fazia para copiar, traço por traço, não era nada fácil, pois
ele não conseguia, ainda, estabelecer uma relação entre os símbolos que copiava,
que em alguns momentos eram ilegíveis. Mas estar em “atividade” parecia fazer
com que ele se sentisse bem e por isso se submetia a esse esforço. A seu modo
e sem apoio adequado, Ricardo decide enfrentar suas deficiências de leitura e
escrita tentando fazer parte de uma educação que não o acolhia como ele
necessitava.
Em alguns momentos, tentei ajudar Ricardo em seu processo solitário de
integração, transcrevendo a atividade para que ele copiasse em seu ritmo, nos
momentos que não conseguia acompanhar o ritmo dos outros alunos.
A cópia é percebida como uma produção importante e necessária pela professora
e pelos alunos da turma. Era bastante comum ouvir frases como: “Já copiou?”,
“[...] quem ainda não copiou?”, “Você copiou até aonde?”, “Eu já tô terminando”.
Algumas vezes, a professora dizia: “Você não fez nada hoje!”, e os alunos sempre
respondiam: “Não, tia, eu tô copiando”. Essa resposta era aceita, afinal, a cópia ali
tinha um lugar de destaque.
73
É possível identificar que
(...) em grande parte, as pretensas ‘dificuldades de aprendizagem’ de alunos que fracassam nos processos de aquisição do código escrito se devem, fundamentalmente, não a problemas pessoais, mas a um conjunto de condições socioculturais e, sobretudo, escolares que dificultam ou até impossibilitam sua inserção nos processos de aprendizagem escolar.” (GRIFFO, 2004, p. 54)
A aprendizagem significativa (ROGERS, 1977), aquela que desperta no aprendiz
um interesse pelo assunto estudado e que não se limita ao aumento do
conhecimento, mas que penetra profundamente na formação do ser humano, não
era exatamente o que acontecia com os alunos copistas. Para eles, a cópia era
basicamente para se integrar ao grupo, não tinha nenhum significado pedagógico
e sim afetivo, para serem aceitos, eles se esforçavam para se enquadrar nessas
exigências. A professora parecia utilizar a cópia para manter os alunos em
“atividade”, enquanto ela dava uma rápida assistência a todos os alunos que não
paravam de solicitar.
A estrutura e organização da escola, hoje, tem permitido aos alunos apenas que
escutem e aprendam, não há espaço/tempo para uma educação humana que se
preocupa com o desenvolvimento global de educadores e educandos. Não há
espaço para os sentimentos, para uma educação congruente (ROGERS, 1977),
onde o professor e o aluno possam ser as verdadeiras pessoas que são,
aceitando-se e aceitando o outro como ele é. Mesmo assim, podemos identificar
na organização escolar alguns acontecimentos que demonstram uma tendência
natural do ser humano de encontrar brechas, pequenas brechas, para vivências
afetivas e humanas, como a da professora Meire, que se utiliza da cópia, que
pedagogicamente não é considerada como recurso ideal para o desenvolvimento
dos educandos, mas foi dessa maneira que conseguiu pequenos momentos para
estar junto de seus alunos, atendendo-os individualmente ou em pequenos
grupos.
74
A aproximação de André e Ricardo
A vida escolar de André e de Ricardo tinha alguns pontos de semelhança, ambos
se afastavam dos colegas para não exporem suas condições, temporárias, de
iletrados e não-leitores. Quando perceberam essas semelhanças, eles se
aproximaram e tornaram-se amigos. Essa aproximação aconteceu de maneira
espontânea e a minha presença entre eles apenas a reforçou.
Como pesquisadora, tinha a oportunidade de observar o comportamento dos
alunos da turma e pensar outras maneiras de atuar diferentemente da que era
desenvolvida pela professora. Essas reflexões só eram possíveis, provavelmente,
porque estava ali no lugar de pesquisadora, pois se estivesse no lugar dela é
possível que me comportasse de maneira semelhante, pois também não teria,
como ela, a oportunidade de observar os alunos e dar atenção individualizada a
eles.
Ricardo e André não eram atendidos no laboratório pedagógico, mas, a pedido da
professora Meire, foram até lá para fazer uma avaliação pedagógica. Acompanhei
os alunos ao laboratório pedagógico e, chegando lá, o professor responsável
propôs uma atividade de criação de textos a partir de manchete de jornal. Ricardo
parecia feliz em fazer aquela atividade e André se mostrou indiferente, parecia
sentir-se um pouco envergonhado de esta ali. Aquele lugar era para ele o lugar
dos que não sabem e estar ali era se assumir como quem não sabe e ele
claramente não se percebia assim.
A partir das manchetes de jornais, os alunos produziram texto com o auxílio do
professor, que me disse que André e Ricardo estavam muito próximos de serem
alfabetizados. Para ele, o que aqueles alunos precisavam era de atividades
próprias para alfabetização. Se isso ocorresse, ele imaginava que eles poderiam
estar alfabetizados em um mês.
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Segundo esse professor do laboratório pedagógico, os alunos atendidos por ele
naquele espaço, em sua maioria, não tinham nada de deficiência, mas, apesar de
serem assim rotulados, eram alunos como André e Ricardo que precisavam ser
alfabetizados. No entanto, a maneira como o laboratório estava organizado, isso
seria impossível, pois os alunos eram atendidos em períodos de tempo muito curto
e espaçados, em geral, um atendimento por semana, de no máximo cinqüenta
minutos. Esse professor me disse da frustração profissional que estava sentindo
ao receber diversos casos como os de André e Ricardo e acreditava que da
maneira como se encontrava estruturado o laboratório, não estava sendo eficiente
para atendimento desses casos.
Relacionando história e vida
Em uma das aulas de História, cujo tema era “mulher”, a professora situa
historicamente o surgimento do Dia 8 de março, como o Dia Internacional da
Mulher. Ela explica a importância das igualdades de condições e de direito que as
mulheres já conquistaram e vêm conquistando ao longo da história. Ricardo
estava atento à explicação, e, ao final, me diz: “Tia, o meu primo bateu na mulher
dele, colocou a faca no pescoço dela. Ela saiu de casa e ligou para polícia, mas a
polícia não veio. Ela foi embora de casa”. Em sua fala, Ricardo consegue transpor
para sua realidade a informação que acabara de receber, fazendo uma
interpretação, a partir de sua realidade social e familiar, constatando que a mulher
ainda é desrespeitada e agredida.
O acompanhamento individualizado que eu estava dando a Ricardo, nesse
momento, possibilitou que ele falasse de sua história de vida, relacionando-a aos
fatos históricos. Em sua fala, podemos identificar ainda que sua reflexão aborda a
atuação ineficaz da polícia, que nem sempre consegue proteger as pessoas de
atos violentos, ficando um sentimento de abandono e de impunidade social.
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Ao vivenciar essa situação, imagino como seria diferente se o número de alunos
por turma fosse menor e pudesse ser feita uma discussão do tema com eles,
possibilitando que todos falassem sobre suas impressões dos fatos. Mas com
trinta e três alunos na sala de aula, se cada um deles falar durante um minuto,
seriam necessários trinta e três minutos para que cada um deles falasse uma
única vez, o que torna esse método de aula inviável com turmas muito grandes.
A Chegada de Ivan
Faltavam apenas duas semanas para o final do primeiro bimestre letivo quando
chegou um aluno novo para a turma e para a escola. Sem a menor preparação,
sem ao menos avisar, anteriormente, à professora e aos alunos da turma, eis que
chega à sala de aula a coordenadora pedagógica, com Ivan, o aluno novato e diz:
“Professora, chegou mais um aluno para sua turma, Ivan, o nome dele”. Essa foi a
maneira nada inclusiva que Ivan foi “deixado” na sala de aula. A partir dessa
chegada “surpresa” de Ivan, desencadeou uma série de situações, gerando
diversas conseqüências a ele, à professora e aos demais alunos da turma. A ele,
enquanto aluno, que chega e precisa de uma atenção especial à professora, que o
recebeu sem nenhum comunicado anterior, para se preparar e preparar os alunos
para receber Ivan.
A recepção inesperada de Ivan foi cheia de mal-entendidos. Os alunos ficaram
com medo dele, não queriam se aproximar e tudo que ele dizia era motivo de
risos. A professora, sentindo-se perdida com a situação, ficou sem ação por
alguns minutos.
Afinal, quem é Ivan? Ivan é uma criança de treze anos de idade, portador da
síndrome de Down, que se apresenta com características próprias de adolescente,
77
gostava de ficar “paquerando” as meninas e tinha o hábito de abraçá-las e beijá-
las. Esse comportamento de Ivan o diferenciava dos demais alunos da turma, que
era formada por alunos com faixa etária predominantemente de nove anos de
idade e que apresentavam comportamento mais infantis, próprio dessa idade.
Ivan se apresentava um pouco agressivo com os meninos. Gostava de brincar de
soco e, como era bem maior e mais forte que os demais alunos da turma, suas
brincadeiras, em certos momentos, machucavam e por isso eram entendidas
como agressão pelos outros alunos da turma. Já com as meninas ele era mais
calmo, mas, nos primeiros dias, queria abraçá-las, mesmo contra a vontade delas,
comportamento que as afastava dele.
O primeiro dia de Ivan na escola foi cheio de imprevistos e surpresas para todos.
Durante o recreio, os alunos corriam dele, gritavam e faziam gracinha na sua
frente para que ele corresse atrás deles. Este comportamento dos alunos para
com Ivan e dele para com os colegas, tanto na sala de aula, quanto no recreio e
na aula de Educação Física, talvez pudesse ser evitado se tivesse acontecido uma
preparação de todos os envolvidos para vivenciar essa nova situação.
A professora Meire, durante o recreio, foi informada pela coordenadora que Ivan
freqüentaria a escola dois dias por semana. Na sala de aula, junto com a turma
da terceira série, ele freqüentaria apenas um dia da semana, os outros dois dias
freqüentaria o laboratório pedagógico e as aulas de Educação Física, também
junto com os alunos da terceira série. Nos outros três dias da semana, Ivan
continuaria freqüentando a APAE (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais), instituição que freqüentava já há alguns anos.
Depois do ingresso de Ivan na escola, e nos três meses seguintes, eu só estive
com ele, na sala de aula, apenas quatro vezes. Encontrava-o nos outros espaços
escolares, no recreio, na Educação Física e pelos corredores. Sempre que o
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encontrava tinha uma estagiária com ele, que o acompanhava individualmente em
todos os locais em que ele estava, o que não parecia estar compatível com uma
proposta de inclusão escolar.
Nos momentos em que estive com Ivan na sala de aula, ele continuava a ser a
novidade da turma, ele era tratado como se fosse um bebê e tudo que fazia e
falava era engraçadinho. Enquanto estava na sala de aula, sua atividade era pintar
e quando terminava, arrumava um pretexto para sair da sala: queria beber água,
queria ir ao banheiro, etc., o que deixava claro que a escola não estava sendo um
local adequado para seu desenvolvimento, não despertando nele nenhum
interesse em estar ali. Soma-se a isso o fato de não haver um planejamento
direcionado a atender a sua demanda específica.
Enquanto Ivan estava pintando, ficava sob a orientação de um grupo de alunas,
que pegavam a pasta de atividades da professora Meire e escolhiam a que ele ia
pintar, ensinando, “dando bronca”, elogiando. Para elas era uma grande diversão:
estavam brincando de dar aula. Nas vezes em que ele saía da sala de aula, uma
delas se responsabilizava por ir atrás dele e o convencia a voltar. Nos momentos
em que Ivan estava na sala de aula, toda a atenção dos alunos estava voltada
para ele, era o centro das atenções.
A Distribuição dos Livros Didáticos
Todos os alunos que estavam presentes no dia da distribuição dos livros didáticos
receberam seus livros, menos André e Ricardo. Segundo eles e seus colegas “(...)
só recebe os livros quem sabe ler. Quem não sabe, só quando chegar mais livros”.
Como não havia livro para todos os alunos, inicialmente, André e Ricardo não
receberam os livros e pareciam concordar com essa maneira de selecionar quem
deveria ser os primeiros a receberem os livros. Parecia existir uma lógica que era:
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“Quem não sabe, não precisa de livro!”
Somente um mês e meio após a entrega dos livros didáticos à maioria dos alunos
da turma é que André e Ricardo finalmente receberam seus livros. Durante esse
período, eles ficavam excluídos das atividades que envolviam os livros. O fato de
terem o livro, simplesmente, não resolveria o problema desses alunos, pois, para
que conseguissem utilizar o livro, eles teriam que ter um planejamento e um
acompanhamento individualizado, o que não acontecia. Mas, apesar de tudo, ao
receberem os livros, eles ficaram satisfeitos.
A Avaliação
A professora avisou à turma que haveria avaliação, na semana seguinte. Todos os
dias que antecederam a prova, ela relembrava a data para que ninguém faltasse.
No dia da avaliação, André faltou à aula. Ricardo estava presente, tentando fazer
uma avaliação de Português que consistia em criar um texto que falasse sobre
ele, ou seja, quais eram suas características físicas, o que gostava, o que fazia,
brinquedos e brincadeiras preferidas, etc. Os alunos deveriam também se
desenhar e pintar o desenho. Ele já estava, há pelo menos duas horas, olhando
para a atividade, “tentando” fazer. Já havia se desenhado e colorido, mas o texto
não havia sido escrito, então, pediu ajuda para mim: “Tia, copia aí pra mim”. Ele
queria ditar seu texto para que eu escrevesse e, em seguida, ele copiaria na
prova. Tentei incentivá-lo a escrever seu texto da maneira como sabia, mas ele
parecia estar preocupado, mesmo, era em fazer a avaliação corretamente: “(...) eu
não sei fazer”, pareceu não gostar muito da minha sugestão.
Tento compreender empaticamente a angústia de Ricardo e coloco-me em seu
lugar, começo a me imaginar tendo que escrever um texto em um idioma
desconhecido: é proposta impossível e frustrante. No entanto, parece-me que seu
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desafio era ainda maior, pois sua dificuldade também estava em organizar suas
idéias em forma de texto. Somente depois de conseguir isto é que deveria
começar a escrever.
Apesar de tudo, continuei incentivando-o a escrever do seu jeito que eu o ajudaria.
Tentei interferir o mínimo possível em sua produção. Pensei que aquela avaliação
pudesse servir, de fato, para avaliar o desempenho de Ricardo e, a partir dela,
surgir uma proposta de atuação com ele.
A duras penas, e com ajuda, Ricardo finalmente fez a avaliação. Em seu texto, era
possível ler algumas palavras, após sua leitura do que havia escrito,
compreendemos que tentou dizer sobre suas características físicas, que gostava
de pescar e de jogar futebol, mas, diferentemente da grande maioria dos alunos
da turma, ele nada disse acerca da sua motivação para os estudos.
A família e a escola
Durante o tempo da pesquisa, a mãe de André esteve três vezes na escola
conversando com a professora Meire. Enquanto sua mãe conversava, ele ficava
de longe, parado, olhando para o infinito. Às vezes, dava uma olhadinha rápida e
discreta, parecia querer saber o que elas conversavam. Nesses instantes que sua
mãe e a professora conversavam, parecia que ele estava só no mundo, não
percebia nada a sua volta. Durante a aula, nesses dias, André ficava ainda mais
afastado, distante dos colegas, de todos. No recreio, não brincava, ficava em pé,
só, imóvel e bastante pensativo. O que a mãe e a professora conversaram? Ao
certo, ele não sabia, mas, que era a seu respeito, disso não restava dúvida.
Em nenhuma dessas conversas, André foi convidado a participar. De longe, ficava
observando, como se tentasse descobrir sobre o que elas falavam. Sua mãe e sua
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professora estavam decidindo sobre seu destino, mas ele não participava, não
opinava, acho que ninguém pensava nisso, que ele poderia falar sobre ele
mesmo, que deveria ser escutado. Ninguém parecia se lembrar, naquele
momento, que é exercitando que aprendemos a ser autônomos e responsáveis
por nossos atos (FREIRE, 2004) e esses momentos seriam boas oportunidades
de exercitar a autonomia.
Na primeira vez em que sua mãe esteve na escola, perguntei a ele o que ela tinha
ido fazer lá. Ele, timidamente, disse-me: “Não sei, (grande pausa) eu acho que é
porque eu tô passando mal. Tô com bronquite asmática. Vou ao médico, faço
tratamento. Tem hora que eu nem consigo respirar. Eu não tô vindo na aula por
causa disso. Não consigo, nem dormi direito”.
Na segunda vez em que sua mãe esteve na escola, ele chegou um pouco
atrasado para o início da aula, pareceu-me que esse podia ser o motivo da
presença de sua mãe. A professora Meire e sua mãe ficaram conversando
longamente e ele, de longe, observando. Perguntei se sua mãe tinha vindo com
ele porque estava chegando atrasado e ele me respondeu: “É”. Sua resposta
breve não foi por acaso, parecia querer encerrar o assunto. Estava triste, calado,
distante.
Na terceira vez em que sua mãe esteve na escola, também conversou apenas
com a professora, sem a participação dele. E ele novamente repetiu seu
comportamento solitário, como das outras vezes em que ela tinha estado lá. Em
nenhuma das vezes em que sua mãe esteve na escola André, participou da
conversa.
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A Biblioteca
Estavam na biblioteca cinco alunos, enquanto o restante da turma permanecia
fazendo novamente a avaliação, pois haviam tirado nota inferior à média. Como
André e Ricardo não fariam a prova, uma vez que não estavam participando das
avaliações propostas à turma, eles também foram para a biblioteca.
Os outros alunos já estavam na biblioteca, quando André e Ricardo chegaram e
os alunos que já se encontravam lá perguntaram: o que vocês estão fazendo
aqui? Aqui é só pra quem tirou notas boas. Vocês vão ler o quê? Não sabem ler!”.
Os alunos, alvos das censuras dos seus colegas, ficaram constrangidos, mas logo
se refizeram, mostrando a força da superação diária que faziam para conviver com
seus limites e com a incompreensão de alguns colegas.
Sentei-me com os dois e comecei a ler para eles. Ricardo ficava repetindo tudo
que eu lia. Ele parecia querer “mostrar” que estava lendo também. Com o tempo,
achei que aquela repetição não era produtiva, então, pedi que parasse e ele me
disse: “Tia, eu também quero ler!”. Contra esse argumento, tão legítimo, não pude
mais falar nada e ele continuou repetindo tudo que eu lia.
Em seguida, sugeri a eles que escolhessem um livro para que lessem a seu modo.
André começou a rir, perguntei o que era: “Tia, a gente não sabe ler, não”. Então,
eu pedi que contassem a sua versão da história, a partir da ilustração.
Ricardo pegou um livro que fazia parte de uma enciclopédia e escolheu o que
tinha diversas espécies de “peixes”. O livro era repleto de desenhos de várias
espécies, com textos explicativos. Ele folheava o livro, dizendo os nomes dos
peixes de maneira correta. Eram nomes pouco comuns, mas ele sabia
praticamente todos. Cheguei a pensar que estava lendo, mas ele tinha um grande
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conhecimento prático sobre o assunto, então ele me disse:“Tia, é que eu pesco
com meu pai e meu tio, já até vendi peixe. A gente pescava e depois vendia”.
Esse tema parecia fazer sentido para ele, portanto, parecia ser uma boa opção
trabalhar sua alfabetização a partir de educação libertadora, em que ele se sentiria
sujeito de seu pensar (FREIRE, 1997) que partisse do interesse do aluno.
Ricardo e André sinalizam as possibilidades de trabalhos que podem ser
desenvolvidos com eles. Eles precisam, nesse momento educacional que vivem,
de uma assistência pedagógica constante e individualizada dentro da sala de aula
regular, o que não é possível ser oferecida pela escola hoje, nos moldes em que
está estruturada. Diante de fatos como esse, é de fundamental importância
repensar nesse modelo escolar que está posto e que não tem sido suficiente para
atender às necessidades educativas dos alunos, com base nas teorias
pedagógicas que os educadores deveriam ter a possibilidade de conhecer e poder
implementar em seu trabalho. Portanto, faz-se necessário um atendimento
individualizado, na própria sala de aula, a todos os alunos que necessitarem de
atenção especial e, para isso, é importante a reestruturação do espaço escolar e
seu funcionamento. Nesse panorama, é urgente começarmos a pensar uma
redução drástica no número de alunos por turma ou, então, que em cada turma
tenha dois professores, trabalhando juntos. Mudanças como essas são profundas
e mexem com toda estrutura educacional em funcionamento hoje, elevando
também os gastos com a educação.
André Troca de Turma
No início do segundo bimestre letivo, André troca de turma, ele passa a estudar à
tarde, segundo ele, sua mãe preferiu assim, pois era difícil acordá-lo cedo. Ele
disse não ter gostado da troca, pois seu primo estudava à tarde e ele não gostaria
de estudar com ele.
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Acompanhei a adaptação de André na nova turma. A cena era bem parecida com
o início do ano na turma anterior, lá estava novamente André pensativo, olhando
através da janela para o infinito. Em nosso primeiro encontro na nova turma seus
olhos fogem de encontrar-me, vou a seu encontro, converso com ele e aos poucos
percebo que André vai se soltando. Os outros alunos ficam curiosos para saber
quem sou eu, o que sou de André. Ele fica quieto esperando que eu dê a
resposta, então, expliquei-lhes que já conhecia André da turma da manhã. Talvez
os colegas não soubessem ainda que ele estava aprendendo a ler e a escrever,
sendo até então tratado como igual pelo grupo, e a minha presença ao seu lado o
diferencia dos demais alunos e,
[...] para uma criança em idade escolar, as coisas que a diferenciam negativamente dos seus colegas - ou que, em sua opinião a diferenciam – provocam os níveis mais elevados de ansiedade e transtorno; (ALSOP et al., 1999, p. 22).
A professora distribuiu um texto sobre digestão. André, com meu auxílio, fez a
leitura do texto, ao mesmo tempo que íamos conversando sobre as informações
contidas nele. Ele faz a leitura da maioria das palavras, mas ainda não conseguia
compreender o que lia. Diante desses desafios, ele demonstra desânimo e
desinteresse em continuar a leitura, só continuava por causa da minha insistência.
A demora em se alfabetizar no ensino fundamental, apresentada por alguns
alunos, que não parecem apresentar nenhum tipo de deficiência mental, mas que
não conseguem se alfabetizar no tempo médio que os demais alunos, tem gerado
um prejuízo grande a eles. Esses alunos são rotulados como alunos com
dificuldades de aprendizagem, causando neles um sentimento de inferioridade e
incapacidade e assim deixam de participar das atividades pedagógicas propostas
à turma da qual fazem parte. Sem uma atitude concreta para que os alunos não-
leitores adquiram essa habilidade, estaremos nos eximindo de uma
responsabilidade de competência da escola. Uma das possibilidades para tentar
alfabetizar esses alunos é a intensificação de atividades pedagógicas que
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favoreça adequadamente seu processo de alfabetização. Negligenciar o
desconhecimento dos alunos fará com que eles se sintam cada vez mais distantes
do mundo letrado do qual participam os demais alunos da turma, não estando
também contribuindo para seu processo de inclusão.
Na nova turma de André, conheço mais uma aluno que era considerado pela
escola como especial, seu nome é Anderson e ele tem nove anos de idade. Esse
aluno era atendido no laboratório pedagógico, dentro do seu horário normal de
aula, e, segundo ele, foi lá que ele aprendeu a ler e a escrever: “(...)se pudesse,
só ficava no laboratório com a professora de lá, foi ela que me ensinou a ler, me
ensinou tudo que eu sei” . A atenção oferecida pela professora do laboratório
pedagógico a Anderson e seu desenvolvimento cognitivo/afetivo, apresentado pelo
trabalho que ela oferecia a ele, pareciam manter sua auto-estima positiva para
superar o tratamento que recebia na sala de aula regular, onde a professora o via
como um problema que não era de sua responsabilidade. Esse estigma criado em
torno de Anderson impedia a professora Sueli de perceber seus avanços, parecia
fazer questão de transferir a responsabilidade desse aluno à outra profissional que
o atendia, para diminuir sua sobrecarga de trabalho ao lidar com uma turma com
trinta e oito alunos. .
Apesar da adversidade encontrada na escola, Anderson se mostrava um ser da
esperança (FREIRE, 2004), suas atitudes eram positivas diante dos obstáculos
encontrados, acreditava em sua capacidade de se desenvolver e isso era um
grande facilitador.
Aula de Educação Física
As aulas de Educação Física eram sempre animadas e contavam com a
participação de todos. A professora organizava atividades e acompanhava toda a
aula. Conversava com quem percebia que precisava de atenção, demonstrando
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preocupação com o bem-estar de todos os alunos. Era grande amiga de todos,
não havia diferença no tratamento dispensado aos alunos. Sua relação com eles
era sempre carinhosa, respeitosa e firme, exigindo que participassem das
atividades. Os alunos, por sua vez, retribuíam o respeito e o carinho.
Nas aulas de Educação Física, Ricardo, André e Ivan se sentiam parte do grupo.
Não apresentavam a menor dificuldade de interagir com os colegas. Eram aceitos
e aceitavam a todos, não existindo diferença.
Um comportamento (rendimento) diferente do encontrado na sala de aula pôde ser observado quando foram criadas novas situações fora da sala. A mudança de contexto das interações como, por exemplo, nos jogos, nas dramatizações, nos desenhos, nas conversas informais, mostrou que o grupo dos “bons” e dos “maus” se comunicavam mais e melhor, pois ali as regras da cultura escolar estavam diluídas e poderiam ser estabelecidas outras regras, conforme as suas próprias referências culturais. Como conseqüência, os alunos tidos como “maus” apresentavam, frequentemente, um rendimento equivalente, ou até mesmo superior, ao dos alunos todos como “bons”. (CARVALHO, 2004, p.29)
Já a aula de Educação Física da turma da tarde apresentava bastante diferença. A
aula acontecia pátio, pois a quadra de esportes era ocupada com outra turma que
também tinha aulas. A quantidade de alunos no turno vespertino era muito grande,
por isso, a aula se dava em meio a um grande tumulto: vários alunos correndo,
gritando, tentando se organizar para jogar queimada e vôlei, outros sentados sem
querer participar das atividades organizadas pelos outros colegas.
Pergunto aos alunos pelo professor e uma aluna me diz: “Professor? Ele nunca
deu uma atividade para a gente, ele só é professor porque fica com a chave da
sala, onde ficam as bolas e redes. Ele só faz isso, dá a bola e só volta no final da
aula para guardar”.
É absolutamente diferente o trabalho oferecido pelo professor do turno vespertino
e do matutino. Eles possuem maneiras diferentes de ministrar suas aulas que
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eram perfeitamente compreendidas e avaliadas pelos alunos. Fazer um trabalho
sério e competente é algo que parece envolver formação profissional e também a
ética pessoal de cada trabalhador.
O Recreio
No recreio, observava como era a interação entre os alunos, suas brincadeiras,
suas falas, brigas e reconciliações. Nesses momentos, a dinâmica entre eles é
bastante interessante, eles próprios se organizam, dividem-se espontaneamente
em grupos para brincar e conversar, entre eles não parecia existir diferenças de
“bons” e de “maus”, todos brincavam e eram aceitos nas brincadeiras e nos
grupos de bate-papo.
É interessante notar que o comportamento de independência e aproximação entre
os alunos era comum nas atividades fora da sala de aula como: nas aulas de
Educação Física, no recreio, nas apresentações das datas comemorativas, no
refeitório. Esses locais e atividades pareciam contribuír para que os alunos se
relacionassem mais entre eles, sem a interferência de padrões de
comportamentos muito rígidos, fato que possibilitava que criassem regras próprias
de aceitação, que geralmente eram bastante inclusivas. Havia espaço para todos
nos diversos grupos e cada um se aproximava espontaneamente do grupo que
tivesse mais afinidade,
Um comportamento (rendimento) diferente do encontrado na sala de aula pôde ser observado quando foram criadas novas situações fora da sala. A mudança de contexto das interações como, por exemplo, nos jogos, nas dramatizações, nos desenhos, nas conversas informais, mostrou que o grupo dos [alunos] “bons” e dos “maus” se comunicava mais e melhor, pois ali as regras da cultura escolar estavam diluídas e poderiam ser estabelecidas outras regras, conforme as suas próprias referências culturais. Como conseqüência, os alunos tidos como “maus” apresentam, frequentemente, um rendimento equivalente, ou até mesmo superior, ao dos alunos tidos como “bons”. (CARVALHO, 2004, p. 36)
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Avaliação
André e Ricardo não tinham feito qualquer tipo de avaliação no primeiro semestre.
A professora esperou, durante dois bimestres, uma orientação de como avaliar os
alunos e, segundo ela, não recebeu nenhuma orientação. Com isso, os alunos
continuavam sem avaliação, ao final do primeiro bimestre letivo.
Em nenhum momento foi feito um planejamento para atender às demandas de
André e Ricardo. Não existia nenhuma atividade que tivesse sido elaborada para
eles, com objetivo de alfabetizá-los.
Nesse momento, parecia também ser oportuno uma avaliação do trabalho da
escola, para rever a postura deles diante daqueles alunos que necessitavam de
um apoio diferenciado. O que nos parecia é que naquela escola não havia uma
orientação de como deveria acontecer o atendimento aos alunos que
demandavam um apoio pedagógico especializado e em virtude da não-existência
de um plano de ação real para atender à demanda dos alunos e também dos
professores, o que acontecia na prática era a exclusão dentro da dita “inclusão”. A
exclusão era dos alunos, que deveriam receber um apoio pedagógico diferenciado
e dos professores, que não recebiam nenhum suporte de orientação pedagógica e
que tinham o desafio desumano de trabalhar em uma turma superlotada e com
alguns alunos que necessitavam de atendimentos individualizados.
Diante das (des)organização no espaço escolar, esses meninos e meninas se inserem na lógica da desorganização, tornando-se apáticos, ou agitados, desconhecendo ou não reconhecendo o espaço da escola como um lugar de troca, de aprendizado. A (des)organização leva à insatisfação, à desconfiança e à incerteza, que os conduz à repetência, restando-lhes a culpa ou a responsabilidade por seu fracasso escolar. (SILVA, 2004, p. 66)
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Reunião de Pais
A reunião de pais ao final do primeiro semestre letivo contou com a participação
de poucos pais. Segundo as professoras Meire e Sueli, as reuniões de pais eram
sempre esvaziadas e os pais que iam eram sempre os mesmos, os que
acompanham a vida escolar de seus filhos e normalmente seus filhos não
apresentavam nenhum “problema”.
Do turno vespertino, dos trinta e quatro alunos matriculados na terceira série,
compareceram a reunião apenas seis pais e responsáveis. A mãe de André não
compareceu. Na turma do matutino, dos trinta e dois alunos, apenas quatro pais
foram à reunião. Os pais de Ricardo não vieram.
Após a reunião, todos os professores comentam a ausência dos pais, não só na
reunião, mas na educação escolar de seus filhos como um todo. No entanto,
precisamos considerar que a reunião de pais aconteceu em um dia da semana, no
meio da tarde ou no meio da manhã, conforme o turno de aula, que são horários
de trabalho da maioria dos pais. Talvez, esse tenha sido um forte indício para a
ausência de tantos pais. Será que seria possível marcar as reuniões para a noite?
Quem sabe, pequenas ações como a de alterar o horário das reuniões de pais
pode ser um grande aliado na aproximação entre família e escola.
Após cinco meses
Para finalizar esta pesquisa, volto à escola, após cinco meses de ter finalizado a
coleta de dados, para saber como estavam os alunos André e Ricardo. Segundo a
coordenadora, André estava se saindo bem: “Está mais desinibido, colocou até
brinco”, quanto ao seu processo de alfabetização: “Ele está caminhando, agora
está freqüentando o laboratório pedagógico”. Quanto a sua adaptação, ela não
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sabe como foi, só sabe que “hoje ele está adaptado”.
Pergunto agora sobre Ricardo e a pedagoga me diz que ele começou a faltar
muito e, quando vinha, não queria entrar na sala de aula, até que abandonou a
escola. A mãe dele esteve na escola a pedido da pedagoga para assinar sua
desistência e, nessa oportunidade, disse que ele não queria vir mais para a
escola, apesar de sua insistência. A pedagoga nos disse, ainda, que encaminhou
a mãe de Ricardo para fazer a matrícula dele na Chamada Escolar (processo de
“pré-matrícula” para localizar os alunos em uma escola próxima de sua residência
conforme indicação da família) encaminhando-o para três escolas diferentes.
Disse-nos, também, que para tentar garantir que Ricardo não ficasse fora da
escola no próximo ano, encaminhou-o às três escolas que a mãe solicitara. Ainda
segundo a pedagoga: “Não queria arrumar confusão, queria ajudar, até nem
comuniquei nada ao Conselho Tutelar, justamente para não arrumar confusão”.
O comportamento de Ricardo, no início do ano letivo, denunciava a sua dificuldade
de se adaptar a essa nova escola. O seu choro e a recusa em entrar na sala de
aula e as constantes faltas eram sinais de que precisava de apoio para superar
esse momento escolar que vivia. A seu modo, e de maneira solitária, Ricardo fez
várias tentativas de se aproximar e de fazer parte do grupo da terceira série, mas
como não recebeu o apoio afetivo/cognitivo que precisava, acabou abandonando
a escola, mas não sem antes fazer sua tentativa esperançosa (FREIRE, 2004) de
se superar. A desestruturação da escola em oferecer adequadamente uma
educação, que de fato incluísse Ricardo, parece ter sido o principal motivo de sua
evasão.
Parece que, até este momento, não existia uma política municipal que definisse
como seria a política de inclusão dos alunos da escola pesquisada. A matrícula
de alunos especiais nas escolas regulares, sem uma reestruturação em seu
funcionamento para atender a tais demandas, como a capacitação dos
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PALAVRAS FINAIS
No ambiente escolar há muito se percebe a existência de alunos que demandam
atendimento diferenciado, mas somente com a proposta da inclusão escolar é que
se começou a pensar o ambiente da escola regular como local possível para
atender às demandas desses alunos.
A partir desse novo olhar, sobre o aluno que necessita de atendimento
educacional diferenciado, é que os profissionais da educação tentam adaptar suas
práticas para incluí-los.
Partindo de situações como essa, percebe-se o lado humano das relações que se
estabelecem entre professores e alunos, no entanto, elas não têm sido suficientes
para garantir um adequado atendimento aos alunos especiais. E isso leva a crer
que a predisposição humana necessária à inclusão deve estar aliada a condições
adequadas de trabalho para os profissionais e em um ambiente adequado de
aprendizagem para os alunos. E, também, de uma política educacional com metas
bem definidas, incluindo previsão orçamentária para adequação do espaço físico,
capacitação dos envolvidos no processo (comunidade escolar e família), por meio
de cursos, palestras e grupos de ajuda, para que a inclusão educacional se
efetive.
Nessas reflexões sobre as relações afetivas e a suas implicações ao processo de
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aprendizagem escolar de alunos estigmatizados, deparei-me com profissionais da
educação assustados com o processo de inclusão e sem apoio pedagógico para
enfrentarem essas mudanças que demandam novas ações. Os alunos, por sua
vez, “dispostos” a serem ajudados, ficam aguardando a adequação dos
profissionais e da estrutura escolar que ainda estão no “embate” teórico de como
deve ocorrer a inclusão. E enquanto isso, os alunos ficam praticamente sem
atendimento pedagógico adequado a suas demandas, vivendo momentos de
exclusão dentro da própria escola.
O afeto é algo intrínseco às relações humanas, e a escola, como lugar de
múltiplas relações pessoais, é palco de vários afetos que devem ser aceitos e
levados em conta para se traçarem as propostas de ações pedagógicas, podendo
transformar as relações do educando e do educador.
Quando sugiro que o afeto deve ser levado em conta no ambiente escolar, é
preciso deixar claro que estou falando da importância da autenticidade nas
relações entre professor e aluno, onde haja espaço para a manifestação de todos
os sentimentos que brotam nas relações humanas, quer sejam sentimentos de
aceitação, não-aceitação e crítica. Entendendo professores e alunos não como
seres superiores, dotados apenas de bons sentimentos, mas como pessoas em
processo de construção, que estão vivendo e experimentando diversos
sentimentos.
Ao se estabelecer uma educação mais humanizada, que se preocupa com as
pessoas e com seus dilemas e não apenas com currículos e conceitos escolares,
é que será possível atender à diversidade do aluno.
As condições inadequadas, como falta de espaço (físico e de tempo) dentro de
uma sala de aula superlotada, têm dificultado a existência de relações mais
humanas e a valorização dos afetos. No entanto, apesar da falta de espaço para
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viver as relações de afeto, foi possível perceber, nesta pesquisa, que em diversos
momentos os sentimentos eram externados, nem sempre com palavras, às vezes
com ações, às vezes com o próprio silêncio, mas a todo momento eles estavam lá,
marcando sua posição. Portanto, o afeto, por não ser valorizado no processo de
ensino e aprendizagem, tem deixado de contribuir como poderia nesse processo.
A inclusão, entendida como uma proposta de aceitação das diferenças humanas,
demanda o real envolvimento da família, da escola e de todos os setores da
sociedade. Nesse sentido, a família tem um papel de destaque, uma vez que ela é
quem primeiro deve acolher, incluir e conduzir cada um de seus membros à vida
em sociedade. Portanto: “Há funções exclusivas de família e há outras que ela
recorre às instituições sociais, com as quais divide interesses e responsabilidades
recíprocas. A tarefa de socializar as crianças, por exemplo, é dividida entre a
família e a escola.” (PINEL, 1995, p. 30)
As intensas mudanças vividas pela escola, atualmente, têm sido impostas pela
chegada de alunos especiais, portanto, o fato dos alunos especiais estarem nas
escolas regulares tem gerado um debate em torno da inclusão se tais mudanças
passam pela reflexão da construção de uma nova escola que atenda a essa
demanda pela inclusão. E as mudanças iniciais estão mais ligadas às pessoas,
nelas envolvidas, do que à organização e estrutura da escola, o que faz
compreender que a inclusão, de fato, ocorre a partir da presença dos alunos
especiais na escola.
As mudanças de postura dos profissionais da educação, frente à inclusão escolar,
têm se dado muito mais por iniciativa própria, à medida que eles são confrontados
em trabalhar com os alunos especiais sem uma adequada formação conduzindo-
os a tomarem isoladamente atitudes de aceitação. Atitudes que me faz crer, cada
vez mais, que “... a aceitação incondicional, a congruência e a empatia são três
condições indispensáveis ao educador (...) por isso presente nas relações de
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ajuda (...)”. (PINEL, p. 118, 2003). Os professores, sem saber da teoria sobre a
aceitação afetiva, entendem, praticamente, que a partir da convivência e das
relações pessoais, entre eles e seus alunos, estabelecem relações de ajuda.
Essas relações de ajuda nem sempre são adequadas às demandas dos alunos,
pois os professores não recebem formação para atender tal demanda, por não ser
um aspecto valorizado pela escola. Além disso, a maneira como a educação está
estrutura é inadequada a tais práticas.
Portanto, esses professores, que foram confrontados com a realidade de receber
alunos especiais, estão humanamente aceitando o aluno, no entanto parecem se
ressentirem de não terem sido preparados para tal situação e de não perceberem
mudança na organização e estrutura da escola que possibilitam a inclusão dos
alunos. Além disso, a escola tem lidado com o aluno especial como se ele fosse
de responsabilidade exclusiva do professor da sala regular ou do professor da sala
de recurso. A escola não parece conseguir se ver como uma unidade, quando
coloca os alunos sob a responsabilidade de determinados profissionais como
sendo os únicos na escola responsáveis pelo seu desenvolvimento..
No entanto, esse processo de aceitação do professor a essa nova situação de
inclusão escolar não ocorre de maneira linear e sem embates. Em diversos
momentos desta pesquisa, foi possível perceber que as pessoas envolvidas com
os alunos especiais passaram por alguns estágios, que definiremos como:
rejeição, aceitação e adaptação.
O estágio da rejeição ocorre quando o aluno é recebido e o profissional que lhe
atende não sabe como lidar com ele. O sentimento de incompetência profissional
geralmente ocorre por falta de prática, de formação profissional e de apoio
pedagógico adequado que auxilie no atendimento ao aluno. Diante desse quadro,
o comportamento que observei foi o de rejeição a essa nova situação que, para o
profissional, é bastante desgastante, uma vez que se sente confrontado com sua
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capacidade profissional.
O estágio da aceitação ocorre quando o profissional humanamente acolhe esse
aluno, sendo “sensitivamente empático” (ROGERS, 1973) aceitando-o como ele é.
Nesse estágio, o professor começa a perceber que existe uma falha no processo
educativo que não consegue oferecer atendimento adequado ao aluno e que essa
falha é de toda a escola, não apenas dele. Neste momento, os professores
começam a questionar como deve ser o papel da escola dentro do processo
inclusivo, surgindo a necessidade de um novo conceito para a escola que atenda
a essa nova realidade.
E o estágio de adaptação é aquele em que o professor compreende a importância
do processo de inclusão, o que não necessariamente o fará se sentir ainda
competente para atender ao aluno, mas já consegue perceber a importância
desse processo inclusivo na vida do aluno e da sociedade em geral. Compreende,
também, que a escola regular pode vir atender ao aluno especial, aceitando a
inclusão como necessária. Nesse estágio, é possível ao profissional se perceber
como um dos atores do processo de inclusão escolar e não mais como o único
ator do processo, diminuindo sua ansiedade inicial. Ele começa a buscar ajuda,
dividindo assim sua responsabilidade. Da mesma forma como se sentiu
pressionado ao receber o aluno especial, e não sabia como agir ao buscar ajuda,
ele pressiona os demais profissionais da escola a se moverem para, juntos,
encontrarem alternativas para incluir os alunos especiais.
A mais profunda mudança, que requer o processo de inclusão, está no
comportamento das pessoas em aceitarem o outro como ele verdadeiramente é,
somente assim os sujeitos envolvidos no processo educacional estarão “abertos” a
mudarem suas práticas pedagógicas, valorizando as relações afetivas.
A importância do afeto é fundamental para que a inclusão exista. A escola parece
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não conseguir traçar ações mais acertadas, do ponto de vista da inclusão, por não
valorizar adequadamente o afeto. No entanto, sabe-se que a escola não é apenas
afeto, e que também não pode ser apenas cognição e razão. O afeto precisa ser
combinado com ações pedagógicas apropriadas e com valorização adequada da
cognição e de afeto.
Para que isso ocorra, é preciso criar alguns espaços físicos adequados, capacitar
os profissionais e, principalmente, reduzir o número de alunos por turma, para que
o professor possa atender ao aluno em sua demanda educacional. Portanto,
compreendo que o processo de inclusão é um processo amplo, que envolve vários
profissionais, além de demandar uma aproximação da escola com a família e do
envolvimento efetivo da escola, prestando apoio pedagógico e estrutural
necessário para um atendimento adequado ao aluno.
Os alunos que participaram desta pesquisa se mostraram abertos ao diálogo,
seguros, quando estavam em companhia de pessoas que inspiravam confiança,
receptivos em fazer amizade, interessados em escutar e ser escutado em seus
dilemas escolares, e de ajudar e de serem ajudados nas relações com seus
colegas. Portanto, no que depende dos alunos para serem incluídos, parece não
haver restrições.
Portanto, compreendendo que: “A inclusão implica uma reforma radical nas
escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento
dos alunos nas atividades de sala de aula. (...)” (MITTLER, 2003, p. 34).
É preciso deixar claro que “[...] não cabe “culpar” a escola ou os professores e
especialistas ou os alunos e seus familiares pelo “fracasso escolar” de
determinados alunos [...]. Cabe, sim, fazer relações entre a prática pedagógica
mencionada e as estruturas que a sustentam [...]. (GOMES, 2004, p. 24).
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