aquilino ribeiro - jardim das tormentas
Post on 02-Mar-2018
250 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
1/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
2/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
3/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
4/332
http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=fb&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=it&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=es&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=fr&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=de&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=co.uk&pibn=1400000701http://www.forgottenbooks.com/redirect.php?where=com&pibn=1400000701 -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
5/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
6/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
7/332
AQUILINO
RIBEIRO
Jardim
^=-
das
-=
Tormentas
Prefacio
de
MALHE1RO DAS
AILLAUD,
ALVES
Cia
*
FRANCISCO
ALVES
C
PARS
96,
BOULEVAHD
MONTPARNA88B,
(
LIVRARIA
AILLAUD)
LISBOA
^3,
BA
GARRBTT,
75
RIO DE JANEIRO
l66,
RA
DO
OUVIDOR,
l66
S.
PAULO
65,
RA
DE
S.
BENTO,
65-
BELLO HORIZONTE
(L1VB.AR.IA
BERTRAND)
8*8
1055, RA
DA
BAHA,
Io55
I9l3
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
8/332
FEB
7
19B8
'
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
9/332
Frau
Dr.
Tiedemann,
Fraulein Grete
Tiedemann,
Herrn Dr. Tiedemann
in
twrzliclier
Zuneigung
der
Verfasser.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
10/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
11/332
PREFACIO
Ao
sr. Aquilino
Ribeiro.
Acabo
de
voltar,
lentamente,
a
ultima
pagina
do
seu
livro,
como
se me
despedisse
com
saudade
de
alguem.
Conservo
ainda
vivas
as
intellectuaes
emogoes
que
a
sua
arte
me
provocou.
Esta
ruma
de
paginas,
hmidas
do
prelo,
considero-a
como
um
organismo
animado
pelos
seus
pensamentos
e
apparatosamente
vestido
pela
luxuosa
belleza
da
sua
arte.
Um
livro
que
se
leu
assim
quasi
como
urna
mulher
que
se
possuiu,
em
cujas
tmporas
e
em
cujo
peito,
sob
os
nossos
labios,
sentimos
pal-itar
as
arterias
e
arfar
os
pulmes.
Posso
dizer-lhe
de
memoria
03
sitios
mais
bellos
da
sua
obra,
onde
meus
olhos
se
demoraram
com
mais
regozijo,
como
um
amante
sabe
lembrar-se
das
mais
harmoniosas
curvas,
dos
mais
doces
beijos,
das
mais
inebriantes
caricias,
entrevistas,
sorvidos
e
partilhadas em
um
lindo
corpo
desejado.
Depois,
porm,
que
desde
a
folha
primeira
a
derradeira
folha,
os meus
olhos
indagadores,
acompanhados
pelo
meu
espirito
enlevado,
per-
correram
estas
trezentas
paginas
onde
mil
sabores
diversos
se
misturam,
urna
idea,
sobre
todas
a.-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
12/332
VII
JARDIM
DAS
TORMENTAS
minhas
sensacoes
de
leitura,
me
obsidia. Ella
de
que
o
leitor
do
seu
livro
se
importar
bem
menos
de
saber
o
que
pens
das
suas
superiores
aptides
de
litterato,
do
que
de
conhecer
os
moti-os
que
puderam
conduzil'o
a
solicitar-me
este
prefacio
dispensavel,
concedendo-me
a
honra
de
o
trazer
pela
minha
mo obscura
ao
proscenio
das
lettras.
Evidentemente,
nao
foi
a
aura
de
um
nome
consagrado
tanto mais
que
o
jacto
elc-rico
da
celebridade
hoje
s
illumina
no
tablado
os
Cagliostros
e
os
Fra-Diavolos
da
politica...
que
em
mim
procurou
para
adorno
do
seu livro,
que
de
tal
enfeite
nao careca,
to
sumptuosa-
mente
o
trajou
de
estylo
a
sua
arte
eximia
de
escul-
ptor
de
pensamentos.
Ento,
porque?
Porque,
entre
os
tantos
que
na
sua
estima
convi-
vem,
me
escolheu
a mim,
esquecido
novellista
romntico,
para
que
as
minhas
palavras
coubes-
sem
no mesmo
livro
perto
das suas?
Porque
have-
mos
nos
dois
de
nos
darmos
as
mos
no
atrio
deste
volume?
Porque
accidentados,
sinuosos caminhos
andou
a
sua
sympathia
atrs de
mim
para
me
encontrar neste
isolamento
agreste
em
que
vivo?
Que houve,
que
ha,
que
haver de
commum
entre
os nossos
destinos,
apparentemente
contradicto-ios,
para que
assim tenhamos
de
apparecer
jun-os,
numa
allianca
inverosmil,
perante
os
que
o
affagam
e
me
injuriam,
diante dos
que
o
louvam
e me
aggridem,
em
face
dos
que
o
exalgam
e
me
deprimem?
Gomo
Vae
ser
possivel
explicar
into-erancia
dos
meus
detractores
que
sao
os seus
apologistas,
este
enxerto
hybrido
do
prefacio
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
13/332
PREFACIO
IX
de
um
sobrevivente do
passado
no
livro
de
um
primognito
do
futuro?
E,
se
esquecermos
a
escan-
dalisada
platea
em
borborinho,
onde
avultam
os
convertidos
S.
Paulos
do
rgimen,
e
perante
a
qual
comparecemos, para
b
a
nos
proprios
nos
interro-
garmos,
como
haveremos,
ambos
exigentes
como
somos
de
verdades
admissiveis,
de
justificar
esta
approximagao
ilgica?
Dir-se-ia, a um
primeiro
e
superficial
exame,
que
as
nossas
existencias,
porseguiremtrajectorias
diversissimas,
nunca se
encontrariam.
E
comtudo,
eis-nos
aqui,
fraternalmente
juntos
e
esta
fra-
temidade nao
a
de
Abel
e
Caim.
Porque?
Nenhum
de nos fez
s
suas
opinies
o
mnimo
sacrificio
em
beneficio
desta
camaradagem.
Eu
me
conservo
fiel
s
convicges
em
que
se
educou
o meu
espirito, e
nellas venero
um
patrimonio
familiar.
O
sr.
Aquilino
Ribeiro
nao
necessita
de
que
eu
venha
servir de
fiador
constancia
inquebrantavel
da
sua
f de
revolucionario.
Hoje,
como
quando
ha doze
annos,
ainda
vibrando
decepgao
dolorosa
que
a
minha
juvenil
iniciagao
na
poltica
me
custra,
escrevia
Os Telles
d
Al-ergara
tudo
o
que
em
mim
raciocina
encara
as
revoluges
feitas
de
baixo
para
cima
como
modos
iniquos
de
subverter
o
que
nao
se
sabe
corrigir.Fiquei
sendo,
irreductivelmente,
um
par-idario
da
torga
consciente
da
intelligencia
on-ra
a
intelligencia
cega
da
torga.
Debalde
tenho
procurado,
as
minhas
pesquizas
de
Historia,
constatar
a
pseudo-verdade
de que
os
beneficios
derivantes
das
revoluges
compensam
as
calami-ades
que
originam.
As
revoluges,
mesmo
as
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
14/332
JARDIM
DAS
TORMENTAS
mais
pacificas,
pparecem-me
pululando
de
urna
fauna moral aterradora.
Para
as
fras
que
ellas
geram,
acaba
sempre
por
ser
preciso
que
a
Pro-idencia
crie
umbelluario...
pois
que
j
nao
des-e
trra
os
Orpheus.
Isto
lhe
nao
venho
dizer
para provocar,
no
ves-bulo
de
urna
obra
litteraria,
que
eu
deveria
en-alanar
de
loiros,
myrtos
e
rosas,
urna
altercaco
poltica,
as
apenas
para
patentear
a
fundamental
divergencia
que,
embora
fazendo
de nos
antago-istas
(nesta
hora
dominada,
at
exhausto
de
todos
os
restantes
interesses
sociaes,
pela
poltica,)
nos
permitte
a
cordealidade
indispensavel
reu-
niao,
aqui,
dos
nossos nomes.
Justamente,
esta
circumstancia
que
d
excep-ional
e
opportuna
significago
ao
meu
appare-
cimento
na sua
obra. Sem
que
seja preciso
attri-
buir
o
seu
convite
a
esse
secreto
empenho
de
dar
um
publico
e
salutar
exemplo
de
tolerancia
a
urna
sociedade
concentrada
e
retrahida
as suas
paixes,
o
facto
de demonstrarmos
ser
possivel
a
dois adversarios
polticos
o
darem-se
cordealmente
as
mos
basta
para
desbanalisar
este
prefacio,
que
eu
nunca
saberia afinar
pelas
bellezas
capitosas
da
sua
obra
de
artista.
E
eu
lhe
quero,
por
isso
mesmo,
nao
s testemunhar
o meu
reconhecimento
por
haver
arrancado da
obscuridade
o
meu
nome,
dando-lhe
um
logar
de
immerecida
evidencia
no
seu
livro,
mas
tambem
declarar-lhe
que
nelle
me
sinto
vontade, sem
o
mais leve
constrangimento.
que nos
somos,
muito mais do que
primeira
vista
parece,
semelhantes.
Ambos
pertencemos
familia,
cada
vez
mais
reduzida,
dos
que
teem
a
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
15/332
PREFACIO
XI
coragem
das
suas
opinies,
dos
que
sabem sacri-
icar-se
pelas
suas
crencas,
dos
que
sabem
vi
ver
e morrer com
a
sua
f. Esta
identidade
de
carc-er,
que
nos
permitte,
a
si
revolucionario,
a
mim
conservador
(e
o
meu
conservantismo
vela
pie-
dosamente
a
obra
revolucionaria
de
meus
avs,)
entendermo-nos,
explica
melhor
do
que
as
mais
engenhosas
e
subtis
dissertages,
esta
attraccao
de
sympathias.
Em
urna
carta
escripta
a urna
fidalga
sua
parenta,
narrando
urna
entrevista
que
ti
vera
na
sala
dos
carcereiros
com
um
anarquista,
a
presa
do
Aljube,
D.
Constanza
Telles
da
Gama
que
triumpho
para
os
Javerts militares
da
repblica
urna
tal
captura
escrevia
estas
profundas
palavras
:
A
final,
elle
no
fundo
um
pobre
idea-ista
como eu.
Entre
um
anarquista
e
um
carmelita
ha
apenas
a
differenca
de
urna
linha.
Mas
essa
linha cobre
um
abysmo.
Esta reflexao
da
neta
de
Vasco da
Gama,
que
dorme
numa
dura
enxerga,
sob
os
mesmos
tectos
que
abrigam
as
ladras
e
as
mulheres
perdidas,
expiando
o
delicto
indeffen-
savel
de haver
pretendido
suavisar
as
inominaveis
barbaridades
da
justica
politica,
u a
posso
appli-
car,
quasi
com
propriedade,
ao nosso caso.
Ambos
nos
sendo
constituidos do
mesmo
ephe-
mero
e
frgil
barro
humano, e
ambos
soflrendo
dessa
nobre
enfermidade
da
alma,
que
a
sensibi-
lidade
artistica,
ambos
professando
o
mesmo
reli-ioso
culto
pela
Belleza
e
tendo
educado
a
nossa
intelligencia
a
contemplagao
e na
meditago
das
mesmas
obras
de
arte,
na
leitura
dos
mesmos
poe-as
e
dos
mesmos
philosophos,
como
seria
possivel
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
16/332
XII
JA.RDIM
DAS
TORMENTAS
que
a
nossa
viso de
harmona social
resultasse
diversa?
Positivamente,
aspiramos
o
antigo
e heroico
preso
da
esquadra
do
Caminho
Novo,
e
o
antigo
e
laborioso
chefe de
gabinete
de
um
mi-istro,
a
finalidades
idnticas.
Os
nossos
itine-arios
variam. A
nossa
marcha
difiere. Eis
tudo.
Emquanto
um
de
nos,
na
ancia
de
chegar
mais
depressa, fustiga
os
corseis
da
sua
rheda
de bronze
e
vae,
como
um furaco,
derrubando
o
que
encon-
tra
na
passagem,
o
outro
e
este
sou
eu,
ca-
minha
com
cautela,
para
nao
esmagar
as
formigas
e
nao
assustar
as
abelhas.
Eu
nao
acredito
no
dogma
democrtico,
ou,
para
melhor
me
exprimir,
nao
acredito que
a
demo-racia
brote de
urna
simples
formula
de
jurispru-encia
poltica.
Vejo
na
Historia
que
de todas
as
vezes
que
um
rgimen
se
implantou
para
fazer,
designadamente,
democracia,
sempre
pioduziu
demagogia.
Foram,
porventura,
egualdade,
fra-
ternidade
e
liberdade
que
resultaram da
revolucao
portentosa
de
Franga?
Ah
que
nao
Foi
urna
modalidade diversa
do
despotismo.
Creio,
contra^-
riamente,
que
a
democracia,
a
nica
nao
theorica,
demonstrada
pela egualdade
de
todos
os
cidados
perante
a lei,
pela
liberdade
amplissima
de
opi-
niSo
e
pelo
exercicio
anthentico
da
soberana
popu-ar,
s
pode
derivar
de
urna
organisago
social
a
que
presida
a
disciplina,
sob todos
os seus
aspec-os
externos
e
ntimos,
de
harmona
e
de
hierarchia.
Gomo
os
exercitos, os
povos
sem organisacao
e
sem
chefes,
onde
sejam
os
soldados
a
mandar,
esboroam-se
na
lucta.
Nao
ha
nada
menos
demo-rtico
do
que
a
revoluto
.
A
revolugo
a
tyran-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
17/332
PREFACIO XIII
nia
voltada
do avsso.
Se
eu,
braviamente
cioso
da
minha
independencia,
como
sou,
tivesse
de
optar
entre
o
jugo
das
aristocracias
e
o
da
plebe,
sem
hesitar
preferira
quelle.
Concebo
que
de
urna
aristocracia, como
na
Grecia
e
em
Roma,
se
possa
fazer
urna
democracia.
Mas
que
urna
obra
har-
moniosa
possa
sahir
das
confuses
plebas,
nao
I
Estas
cousas
nao
as
comprehender
o
nosso
infeliz,
desvairado
irmo
jacobino.
Mas
o
pensa-or
insigne
que,
depois
de
em
plena
crise de
exhu-
berancia
juvenil,
ter
ajudado
a
carrear
os
mate-
riaes
para
a
revolucao,
se impr
gna
da
coragem
mental
para
escrever essas
vinte
e
duas
paginas
que
delimitam
o
Jardim
das
Tormentas
(1),
esse
me
comprehender...
E
eu
lhe
digo
parecer-me
que,
se
essa
obra
de
vacuidade
e
de
instabilidade,
cuja
confusa,
asymetrica
charpente
continuamente
vejo
em
riscos
de
desmoronar-se
(e
a
que
ambicio-amente
se
chama
a
democracia
portuguesa),
tem
ainda
probabilidade
de
equilibrar-se,
ssa
consiste
no
appoio
que
venham
a
dar-lhe
os
aristcratas
da
intelligencia.
para
essa
aristocracia
que
ter
de
apellar
a
nossa
incongruente
repblica
de
esca-
ravelhos.
S
as
lites
sao
productoras
de
obras
perduraveis.
Um edificio feito
de
escorias
nao se
aguenta.
Eu
sempre
sorri,
com
altivo
despreso,
para
as
ameagas
da
ignorancia.
S
o
talento
governa
o
mundo.
Essa
omnipotencia
tem,
s
vezes,
os
seus
eclypses.
Sobre
ella
projectam,
s
(1)
O
cont
A
Revolucao
,
a
pag.^293
do
volume.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
18/332
XIV
JARD1M
DAS TORMENTAS
vezes,
as
suas
sombras,
a
irracionalidade
e
o
deli-io.
Mas
a
mobilidade
a
propria
natureza das
sombras. Ellas
passaro...
O
sr.
Aquilino
Ribeiro
,
essencialmente,
estruc-
turalmente,
um
aristcrata.
Para
o
airmar
com
esta
seguranca
nao
me
preciso
consultar
a sua
arvore
genealgica.
A
sua
aristocracia
nao
urna
aristocracia
physiologica,
pois
parece
que
ha
d'isso...
Mas
porque
urna
nobreza de
mentali-
dade
e
de
sensibilidade,
ella
representa
um
valor
social
influente.
E'
com
esses
valores
que
a
demo-racia
poder,
depurando-se,
enobrecendo-se,
civi-
lisando-se,
emancipando-se
das
luctas
atrophia-
doras do fanatismo
revolucionario,
desembara-
c,ar-se
da
sua
tnica
de
Nessus.
Lendo
o
seu
livro,
como
ao
meu
espirito
acu-ir
ao
espirito
do
leitor
a
famosa
sentenga
apho-
ristica
:
Ceci
tuera cela
pois,
como
eu,
elle
ha
de
recusar-se
a
acreditar
que
esse,
ao mesmo
tempo
delicado
e
poderoso organismo
de
sensibi-idade
intellectual,
que
o
seu
cerebro,
possa
admittir
como
interpretacao
de
urna
felicidade
social,
embora
humilima,
o
que
at
hoje
produziu
a
revolucao.
A
repblica
est
necessitada
de
urna
lite
diri-ente,
que
a civilise,
ue
a
traga
das
suas
abstrac-
coes
furibundas
s
realidades
humanitarias
;
e
por
todos
os
motivos
a sua
distincta
intelligencia
o
seu
tirocinio
de
civilizago
naturalmente
o
indi-
cam
para
ser
nessa
classe
e
porque
nao
nessa
casta?
urna
figura
de
insinuantissimo
relevo.
Este
livro
o
testemunha.
Poucos,
talvez,
tenham
a
admirago
mais
pro-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
19/332
TREFACIO
XV
diga
do
que
eu;
mas
ninguem
tem
a
lisonja
mais
avara.
Admirar
um
dos
predilectos
recreios
do
meu
espirito.Lisongear
um
dos
irreprimiveis
aborrecimentos
do
meu
carcter.
E
posto
isto,
eu
lhe
quero
declarar, sem
mais
formalidades,
sem
cuidar
em
pensar
se
estes dizeres
o
sensibilisam
ou
ensoberbecem,
que
esta
linguagem
vibrtil,
er-
vosissima,
onde
ha
cordas
sonoras
que
vibram
s
ondulages
mais
imperceptiveis,
dos
seus
contos,
sa
aos
meus
ouvidos
como
a
linguagem
de
um
Cellini
da
prosa,
e
quem
a
escreveu
na sua
edade
juvenil
,
desde
agora,
um
dos
grandes
virtuoses
do
estylo.
Mas
sao
bem,
na
verdade,
contos
todos
os
seus
contos?
Nao
se
melindrar
a sua
presumpco,se
eu
lhe
disser
que
como
taes
a
alguns
nao
considero?
Os
seus
entrechos
revelam-se
to
frageis
que
se
quebram
antes
de
chegarem
ao
fim.
Pulverisam-
se.
Lembram-me
repuchos
de
crystallina
agua,
que
no cume
do
jacto
se
desfazem
numa
hmida
e
irizada
poeira.
A
sua
acgao,
como o
jorro
d'a-
gua,
eleva-se
impetuosa,
mas
logo,
mal
as
illu-
minages
dos
seus
pensamentos
a
toucaram
e
a matizaram,
dilue-se
num
nevoeiro
radiante.
As
suas accoes
sao,
por
vezes,
meros
themas
sym-
phonicos
para
desenvolvimento
de
motivos
or-
chestraes.
Assim,
no
cont
O
Satyro,
a
narrativa
da
noite
com seus
trillos
de
aves,
os
seus
sus-iros
de
rouxines,
os
seus sussurros
maviosos
d'aguas
e
as
suas
aragens
balsmicas
de
flo-esta
e
de
jardim,
a
narrativa
do
auto de f
e
a
de
D.
Mafalda
no
leito
me
apparecem
como
pin-uras
litterarias da
mais
esplendida
inspirac,o,
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
20/332
XVI
JARDIM
DAS
TORMENTAS
quer
na
originalidade
primorosa
da
composiQo
syntaxica,
como
na
vibraco emocional
que
as
electrisa.
Pelo
arranjo
e
cadencia do
estylo,
esse
seu
cont
me
lembra
o
do
Enforcado,
do
Ega.
E
j
que
este
nome
prestigioso
do
grande
artista,
a
cujo
cadver
mos
profanadoras
empalmaram
a
heranga
que
o
seu
genio legara
viuva
e
filha,
desceu
a
esta
epstola,
eu
lhe
quero
mais
dizer
que
outro
escriptor
ainda
em
Portugal
como
o
sr.
Aquilino
Ribeiro
nao
conseguiu
surprehender
e
applicar
os
segredos
da
sua
esbelta
e
fina
pro-odia
e
da
sua
adjectivago
elegantissima
sonora
linguagem
portuguesa.
Gom
a
sua
imponderavel
a
imnente
ligo
de
arte,
Paris
parece
adextrar
as
pennas
dos
homens de
lettras
por
via
de
urna
suggesto
imperiosa...
O
que
a
civilisago
ez
em
to
breve
tempo
de
si,
meu
amigo
De
certo,
para que
toda
a
orchestra
dos
seus
sentidos
assim
attingisse
este
gru
de
afinaco,
que
os
instrumentos
eram
excellentes.
O
sr.
Aquilino
Ribeiro tinha
em
si
estradivarios...
E
elles
comecam
soando
maviosamente,
exha-ando
notas
que
extasiam
Mas,
para quem
ima-ina
estar
escrevendo
as suas
sabias
symphonias
de
palavras?
Porventura
acredita
que
txi
tam
na
repblica
duas
duzias
de
sensorios
organismos
que
o
entendam?
Ha,
para
exemplo,
no
seu
cont
irre-ular,
se
bem
que
prodigioso,
que
chamou
Inver-
so
Sentimental,
harpejos
de
pensamentos
pene-rantes,
no
estylo
dos
de
Anatole
France
no
Lys
Rouge,
que
sendo
do
melhor
que
a
sua
argucia
produziu,
ho de
sempre
ficar
para
os
seus
lei-
tores
portugueses
incomprehensiveis.
Nessas
pagi-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
21/332
PREFACIO
XVII
as deixou,
pelo
contraste entre
a
Surflamme
e a
nacarada
Ninelte,
a
mais
surprehendente,
subtil
anotago
do
instincto
voluptuoso
da
mulher,
que
de ha
muito
meus
olhos
de leitor teem
encontrado
em
tantos
livros
folheados,
percorridos
com
tedio
ou com
deleite.
Viu
por
dentro,
com o
espculo,
todo
o
mysterio
do
sexo
inimigo.
Ter
urna
mulher,
possuir
urna
mulher
de
temperamento
libidinoso,
integralmente,
desde
o
mais
imperceptivel arripio
da
carne
ao
mais
voltil
pensamento
do cerebro
eis
aqui
urna
ambigo
que
s
ainda
o
homem
prehistrico,
que
o
portugus,
pode
abrigar,
e
que
s
elle talvez
possa
obter de
alguma
Ninelie
da
provincia.
Quanto
mais avanza
no
espaco
social
e
no
tempo,
mais
a
mulher
se
intensifica
em
sensitiva,
qual
se nao
adaptam
j
as
obsoletas
regras
da
analyse
masculina...
Tenho
eu um
amigo,
especie
de Musset
fundido
em
rabe,
que
amou
at
ao
delirio
urna
dessas
mulheres
sen-itivas,
que
o
adorava
e
mentalmente
lhe
era
infiel
a
cada instante.
Tira-me
d'aqui
dizia-lhe
urna
noite,
num
cabaret
de
Montmartre,
essa
amante
escrupulosa.
Pois
tu
nao sen
tes
que
sem
deixar de
amar-te,
os
meus
sentidos
te
atrai-
coam
a
cada
perfume
que passa,
a
cada
caricia
que
surprehendo,
a
cada
olhar
de
vicio
que
des-ubro?
E
este
homem
feliz,
que
possuia
esta
feminina
avis
rara,
era
infeliz
como
um
pobre
tolo...
Na
aspirago
da
sua
Surflamme
de
ter
mil
almas...
para
dar
quinhentas
ao
seu
amante,
guardando
as
restantes
quinhentas
para
dissipar
toa,
o sr.
Aquilino
Ribeiro
desenhou
toda
a
mulher
na
contextura
mais
intima
da
alma.
Nao
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
22/332
XVIII
JARDIM
DAS
TORMENTAS
tent
sequer
a
empresa
ardua
de
refazer,
com
variantes de
palavras,
nesta
prolixa
referencia,
as
suas
subtilezas
analy
ticas.
Dse
jo
apenas
entre-
mostrar-lhe
que
as
entendi
e
saboriei.
To
pouco
me
atrevo
a
revistar
e
inventariar
os
encantos
e
as
intencoes
de
cada
urna
das
doze
pegas
litterarias
que
constituem
o
seu
livro.
Se
me
atrevesse
a
entrar
nesse
labyrinto
de
belleza,
s
depois
de
demorada
excurso
conse-uira
encontrar
a
sahida.
A
sua
obra
nao
das
que
necessitem
de
um
cicerone
e
a
mim
se
me
a
figura
impertinente
pedantismo
apregoar
como
num
leilo
as
joias
do
seu
estylo
e
applicar-lhes
a
lupa
de
urna
enfatuada
analyse
para
quaesquer
avaliacoes
estimativas.
O
escriptor
que
tras
lit-
teratura
portuguesa
esses
quatro
contos
que
sao
A
Hora
de
Vsperos,
A
Pele
do
Bombo,
Tu
nao
furlars
e
O
Remorso,
fica-lhe
desde
esta
hora
devendo
um romance
regional
onde
formigue,
rea-imada
pela
vida
do
seu
talento,
toda
a
compar-
saria
rustica
da
Beira,
pois
me
preciso
ascender
at
ao
Dostoiewsky
dos
Irmos
Karamasoff
para
encontrar,
na
videncia
genial
que
dos
humildes
possuia
o
espantoso
slavo,
um
termo
de
compa-
rago
para
algumas
das
suas
pinturas
vehementes
de
almas.
Por
menos
que
se
affeicoem
s
minhas
predilecoes
de
impenitente
idealista
os
assumptos
em
que
de
preferencia
se
exercitam
as
suas
curio-idades
inexoraveis
de
analysta,
e
embora
deplo-ando
vTo
desperdigar
um
thesouro
opulentis-
simo de
imagens
com um
velho
thema
como o
da
satyriase
sacrilega
do
arcebispo
de
Cordova,
que
a
sua
mocidade
aproveitou
para
entoar
um
hymno
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
23/332
http://www.forgottenbooks.com/in.php?btn=6&pibn=1400000701&from=pdf -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
24/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
25/332
A
C
D
G
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
26/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
27/332
A
CATEDRAL DE
CORDOVA
Nessa
manh,
Rafael
de
la
Ronda
pds-se
mais
cedo,
que
de
costume,
a
caminho
da
catedral.
Nao
se
deitra
o
clrigo,
entretido
com
uns
negociantes
de
cvalos
no
regabofe
da
Chica
Menuda,
o
mais
afamado
alfbre de
mulheres
d'Andalusia.
Apetite
senta
Rafael
de
entrar
em
sua
pousada,
mas receava
aquele
somno
que
s
vezes o
atava
na cama
como
um
morto
na
tumba.
E
era protesto
seu
nao
dar
mais
aso
clera
do
arcebispo
que,
farto
de
censurar-lhe
os
hbitos
de
tresnoitado,
frascario
e
calaceiro,
ameagava
destitui-lo
das
funges
que
desempenhava
na
catedral.
Ainda
que
abatido
e
tropego
de
somno,
Rafael,
querendo
recuperar
por
sobejos
de
zelo
a
confianza
que
perder
com
relaxado
des-
leixo,
antecipava-se naquele
dia
de
duas
boas
horas.
Esta
va
urna
manh clara
e
branda,
como
se
o
ar
fsse
um
vapor
translcido de
alvaiade.
Os
saloios
das
cercanas
vinham,
de
burros
carregados,
eortir
a
praga.
As
portas
descer-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
28/332
IO JARDIM DAS
TORMENTAS
ravam-se
lentamente
e
raparigas,
em
f
rada,
apareciam
as
soleiras
a
sondar
a
manh.
Aos
tropeces
pela
ra
matinal,
Rafael
remoia
a
censura
que
o
arcebispo
lhe
infligir
a
vspera,
satisfeito
no
entanto
por
naquele
dia
ser
cumpridor
de
seus
deveres
:
Rafael
dissra-lhe monsenhor
a
catedral
delicada
de
mais
para
tuas
mos.
Aqui
exigem-se
mos
de
homem,
que
sejam
finas
e
bulicosas
como
mos
de
mulher.
Tu
nao
s
desageitado,
mas
s
indolente
e
pouco
pontual.
Ghegas
tarde,
a
car
de
somno,
e
tua
boca
rescende
agurdente
e
ao
pecado
como
a
porta
duma
taverna.
Eu
sei
a
vida de
perdicao
que
levas,
Rafael.
Tu
jogas
os
dados,
galanteas
as
mulheres
de m
vida,
e
ds-te
embriaguez
e
vinum
memorias
mors.
Tu
desmazelas
a casa
do
Senhor,
os
altares
sam
arranjados
sem
arte,
as
flores
murcham
nos vasos
;
tu
nao
aparas
sequer
a monea
dos
cirios.
Ha
dias
o
fogo
pegou
num
retabulo
do
divino
Cspedes
por
culpa
tua,
Rafael.
Deus
nao
me
perdoaria
se
fechasse
os
olhos
a
tanta
incuria.
Escuta
:
se a
partir
de
amanh
nao
tiveres emenda
outro
vira
ocupar
o
logar.
A's 8 horas
as
portas
da
catedral
querem-se
abertas de
par
em
par;
s
9,
hora
a
que
vem
os
conegos
dizer
missa,
as
galhetas
devem
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
29/332
A
CATEDRAL
DE CORDOVA
II
estar
cheias
e as
luzes
acesas;
nao
quero
ver
um
grao
de
poeira,
preciso
que
a
casa
do
Senhor
esteja
sempre
limpa
eespelhada
como
um
prato
antes
de
se comer.
Com-
prehendes,
Rafael?
Serei
inexoravel,
porque
bem
sabes
homine
imperito
nunquam que-
quam
injusiius.
Rafael
tremer
pela
primeira
vez
deante
da
figura
amarela
e
esqueltica
do
arcebispo
D. Bazilio
Luna
y
Manrique,
que,
como urna
tocha
d
'altar,
via
a
olhos
vistos
derreter-se,
minguar
e
correr
para
o
apagamento.
E
protestara
dali
em
deante
ser
exacto,
cuidar
da
casa
de
Deus
com esmero
de dona
e
ter
bem
escarolados
os
altares,
sobretudo
a
cpela
de
Santa
Catalina,
a
virgem
predilecta
de
mon-
senhor.
As
razes
do
arcebispo
calaram
no
animo do
clrigo; mas
se
o
coraco
era
dcil
os
sen-idos
andavam
relapsos.
E,
passando
boca
da
noite
em
fronte
das
gelozias
da
Chica
Menuda,
sua
vontade
nao
pode
resistir
ao
convite
que
castanholas
e
pandeiretas
lhe
lancavam
de
dentro.
Depois
que
entrara
ao
servico
da
catedral
Rafael
mudara
de
proceder
como
os
lobos
trocam
a
cor
do
pelo
segundo
a
cor
do
mato.
At
os
trinta
annos,
edade
em
que
o
mui
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
30/332
13
JARDIM
DAS TORMENTAS
sabio
e
virtuoso
arcebispo
o
investir
no
cargo
de
bedel,
nunca
um
apetite
menos
casto
toldara
seu
corpo
casto.
Conhecia
o
mal
do
mundo
porque
a
santa
escritura
lhe f
ala
va
da
fornicago
dos
patriarcas,
dos
adulterios
de
David,
e
dos
roubos
ao
pobre;
mas
em
seu
espirito
nao
havia
curiosidade, nem
em sua
carne
o
apetite
de
provar
o
engodativotravr
do
pecado.
A
legenda
doirada
dos santos
forta-
lecia-o
no
desapego
mundano,
despertando
s
vezes
de
seu
scismar
em
longinquo
jardim,
bemaventurado
entre
os
bemaven-
turados.
Mas
nem
esta
presunco
era
peca-inosa
porque
sua
alma
era
diafana
como
a
hostia
dos
sacrarios.
A
santidade
de
seus
costumes
rescendia
mais
que
um
campo
de
li-ios
;
seus
labios
abendicoavam
o
justo
e
in-
tercediam
apaixonadamente pelo
pecador.
Se lhe
diziam
:
Rafael,
os
conegos
da
cate-ral
vivem
na
mais
desenfreada
luxuria,
com
mancebas
e
ilhos
beira,
ele
responda
:
nao
murmuris,
que
o
demonio
pe
s
vezes
virtude
a
mascara
do
pecado
e
ao
pecado
a
mascara
da virtude.
Ele
anda
para
confundir
os
homens,
tendo
na
mo
a
manta
que
duma
ponta
cobre
doutra descobre.
E onde
est
o
justo
que possa
jogar-lhes
a
primeira
pedra?
Suas
virtudes
fragrants
e a
graga
com
que
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
31/332
http://www.forgottenbooks.com/in.php?btn=6&pibn=1400000701&from=pdf -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
32/332
l4
JARDIM
DAS
TORMENTAS
era
abafada
pelo
cicio lento
e
extenso
da
floresta.
E
Rafael,
envergonhado,
nao
se
fazia
ouvir
do
Christo
envergonhado.
Depois
medida
que
se
introduziu
na
inti-
midade do
templo
a
transfigurado
operou-se
:
seus
sentidos
falaram. A
catedral
era
grande
como urna
veiga
mas
delicada
e
voluptuosa
como urna
rapariga.
Ela
encantava
com
o
sorriso
das
tintas
e a
rima
sonora
das
columnas
para
melhor
descer
ao
sentimento.
Os
arabescos
e
o
entrelazado
dos
arcos
eram o
artificio que
tresloucando
a
imagina
gao
a
conduziam
ao
sonho. E sonhar
nela
era
cair
no
redemoinho
carnal
e
sofreg
da
vida.
A
catedral,
lentamente
apoderava-se
dele
como
a
teia
d'aranha
da
mosca.
Figura
va-se
a
Rafael
que
as
mil columnas
de veias
verdes
e
violetas
nao
eram
apenas
frageis
emparos
de
marmore
;
que
eram
mil
bracos de
mulheres
que
se
haviam
enterrado
no
solo
ao
peso
dum
gso,
gemendo
urna
leda
harmona;
que
os
capiteis
eram as
mos
crispadas
num
mavioso
coro
de
suplicas;
que
os
desenhos,que
cobriam
os
muros,
eram
a
poeira
luminosa de
seus
beijos,
irradiando
em
mil
centelhas
orques-
traes.
Por
toda
a
parte,
da
fraqueza
amorosa
dum detalhe
ao
galope
aereo
dos
arcos
em
ferradura,
a
enfiteicada msica
zumba.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
33/332
A
CATEDRAL
DE
CORDOVA
l5
Rafael
via-se
amistado
por
mao
misteriosa
num
mar
desconhecido,
onde
vagas
de
gso
brandamente
solugavam.
Os
olhos do
Christo
nao
o
chamavam.
Trema
mesmo
no
frgil
esquife
gothico,
Ele
que
passeava
sobre
as
on-as.
A
ideia
christ
apagava-se,
medrosa,
na
catedral
como um
laparo
num
covil
de
serpentes.
Os
sentidos
de
Rafael
um
dia
trasbordaram
com
o
impeto
selvagem
duma
forca
repri-ida
e
acumulada.
No
repululamento
infi-ito
dos
fustes de
porfiro
e
jaspe,
dos
ara-escos
torturados,
do.
tropel
dos
arcos,
des-
cobriu
as
formas
esbeltas
das
mulheres
que
dansavam
nos
jardins
de
Sevilha.
As
pisci-as,
onde
dorma
a
agua-benta
dos
esconju-
ros,
revelaram-lhe
inquietantes
curvas
de
volupia
;
as
urnas a
linha cheia
e
quente
das
elipses
a
vigorosa
sinuosidade
dos
troncos
virginaes.
A
mulher
deparava-se-lhe
nos
mil
reflexos
do
templo.
Ao
comeco
satisfazia-o
o
exercicio
voluptuoso
da
fantasa.
A
cate-ral
era
a
amante,
que
lhe
entretinha
os
devaneios
e
a
febre.
Depois,
vorazmente,
Ra-ael
desceu
a
saborear
o
deleite,
o vinho,
a
hora
desenfasteada.
E
convertera-se
deste
modo
no
mau
servo,
arrepelado
de
luxuria,
comido de
vicios.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
34/332
l6
JARDIM
DAS
TORMENTAS
Voltando
primeira condicao,
Rafael
im-
plorava
o
Eterno
:
Senhor
porque
me
abandonastes?
Meu
corago
era
simples
e
um
altar
de
perene
inocencia
Vossa
Gloria
Porm
o
Ghristo,
d'olhar
embaciado,
nao
o
inflamava
na
sede
morigerante
de
contrigao.
Assim,
apezar
dos
protestos
de
emenda,
acabava
de
amanhecer
no
meio
das
gitanas
da
Chica Menuda.
Para
o
alto
a
luz
distendia-se,
invadindo
a
opacidade
lilaz da
serra
e
as
torres
mutila-as;
as
muralhas
e
o
minarete
de
S.Nicols
recortavam-se
na
brancura
fluida
do
ar.
No
rio
os
moinhos moiros
espadanavam
a
agua
febrilmente.
Rafael
cortava
a
direito
as
ras,
onde
um
gerico
de
quando
em
quando
passava
tangido
por
um
garto,
toe,
toe,
carregado
e
veloz.
San
Nicols
ergua j
alerta
sobre
o
rebanho
baixo das
casas
o
campanario esguio.
Num
pateo
um
ferrador
ferrava
um
macho,
can-ando
:
Ribera
de
Duerro arriba
Cavalgan
dos
zamoranos...
Ai
I
cavalgan
dos
zamoranos...
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
35/332
A
CATEDRAL
DE GORDO VA
1
7
A
torre
de
Malmuerta
despediu
seis
horas,
muito
cristalinas
e
muito
lepidas
no ar
immo-
vel.
E
como urna
palavra
ouvida
de
passe
os
sinos
nostlgicos
de
San
Pedro
el
Real,
de San
Pablo,
da
Colegiata,atropeladamente
responderam.
As
casas,
a
gente,
a
luz,
er-
gueram-se
no
banho
despertador
das
ondas
sonoras;
Cordova
persignava-se.
Quando
Rafael
chegou
ao
Pateo das
Laranjeiras
a
purpura
creadora
do
dia
esta-
lava
no
oriente.
A
catedral
tinha
ainda
um
ar
de
somno,
de
janelas
extintas
e
pilastras
serrilhadas
envoltas
em
sombras. Muito
alta,
a
torre
christ
invejosa
bebia
o
primeiro
srvo de
sol.
Com
a
chave
que
sempre
trazia
consigo
abriu
a
porta
da sachristia
e
entrou.
Havia
dentro
urna
paz
morta
e
suave,
que
nemos
olhos
abrazados dos
paineis
de
Cspedes,
nem
o
luar
das
patenas
e
clices
d'oiro
perturbavam.
A
passos
mansos
e
religiosos
penetrou
Rafael
na
vegetaco
luxuriosa
das
naves.
A
poesia
enfeiticadora
da
catedral
era
mais
penetrante
quela
hora
matinal
dos
repousos.
Havia
ali
a
luxuria
carregada
dos
palmeiraes
antes
de
serem
devassados
pela
boca
da
manh.
As
arquivoltas
e as
columnatas,
mais
emmaranhadas,
assumiam
formas
trans-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
36/332
l8
JARDIM
DAS
TORMENTAS
cendentes
de
den. Os
azulejos
rolavam-se
e
desenrolavam-se
como
paixo
opressa que
gira
sobre
si,
afasta-se
por
veredas
que
parece
conduzirem
longe
e nao
saram do
centro.
Gomo
urna
molhda
de
lirios
os
marmores
suavam um
leite
incolor,
fundido.
Rafael ficou
numa
das
naves,
perplexo;
em
frente do
tabernculo
de
prata,
na
cpela
christa,
a
lampada
arda
eterna
gloria
mas
era urna
luz
apagada
e
fatua
seme-
lhante
a
pirilampo
em
selva
espessa.
Rafael
ia caminhar para
l
a
passo
reso-uto,
quando
Ihe
pareceu
ouvir
o
spro
estran-ulado
dum
suspiro.
Suspendeu-se,
d'ouvido
escuta,
alarmado.
E
urna
brisa
mansa
de
beijos
e
gemidos chegou
at
ele,
prfidamente
conduzida
no
reflexo acstico
das
abobadas.
De
vagarinho,
rodeou
a
cpela
gothica
do Sacramento
;
o
esforco
arquitecturalrabe,
desdobrando-se
em
largura,
dilatava
o
bosque
de
marmore
a
perder
de
vista.
As
cpelas
lateraes sossobravam
na
sombra,
mal
luzindo
a
toalha
dos
altares
e
as
rendas
despenhadas
em
bategas
finas
dos
muros
esculpidos.
Para l
da
cpela
do
Seor
de
Valenzuela
o
ruido, sbitamente,
tornou-se
lucido.
Era
bem
a
queixa
rendida
dum
namorado. Des-
calgando-se
e
esmagando
o
arfar
do
sangue,
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
37/332
A
CATEDRAL
DE
CORDOVA
19
Rafael
marchou
a
passos
cautelosos
entre
os
pilares
e
na
sombra dos
arcos.
E
para
a es-
querda
da Puerta del
Pardon,
numa
cpela
que
urna
f
resta
banhava,
a scena
desenrolou-
se
a seus
olhos,
clara
e
abominavel.
Trepado
sobre
o
altar,
D.
Bazilio
Luna
y
Manrique,
o
prelado,
gemia
contra
o
corpo
plido
e
amoroso
de
Santa
Catalina. E
era
todo
um
abraco
lubrico,
cheio
de
fogo
e
de
estmulos,
quele
seio sensual
da Renas-
cenga.
Cingia-a,
afagava-a,
desesperando-se
a
animar
com
beijos
e
solutos
o
marmore
fri,
incorruptivel
e
incorrespondente.
E
sua
dr,
como
um
vendaval,
estorcegava-se
contra
a
imagem,
que
o
cobria
dum
olhar
enigma-
tico
e
radioso.
Rafael,
arquejante,
palpitava
daquele
calor
lascivo
que
devia
penetrar
a
pedra.
E,
empolgado,
ficou
a
gosar
daquela
volup-
tuosidade
sangrenta,
em
que
havia
toda
a
luxuria
da
possee
todo
o
ardor
contra
o
ina-
poderavel.
Pela
primeira
vez
sentiu
a
beleza
inquieta
de
Santa
Catalina,
de
linhas
veladas
mas
perceptiveis,
de
rosto
candido
mas
estranhamente
acariciador,
de
ondula-es
que
escondiam
a carne
e
desafiavam
a
vida.
E,
evocando
todo
o
influxo
da
catedral
em
sua
alma,
comprehendeu aquela
estatua
3
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
38/332
20
JARDIM DAS
TORMENTAS
do
seculo
xv
e
a
mo
divina
que
a
cinzelra.
Como
ele, o
artista
fra
penetrado
do
espi-ito
voluptuoso
e
humano
da
catedral.
Vi-rara
aos
acordes
lnguidos
das
naves
e
linguagem
imaginativa
dos
arabescos. Sen-
tira
os
bracos
femininos
estacados
contra
o
co
e a
cavalgada
louca
dos
sentidos
impressa
no
galgar
dos
arcos.
Sua
alma
infiltrada
dos
smbolos
creara
a
estatua;
e
ela
nao era a
santa
que
vinha
do
co
e
entretinha
os
homens
com o
co,
era
o
genio
da
catedral,
o
verbo feito
carne.
A
estatua
fra
feita
para
o
templo
e
por
isso
era
dele
urna
emanago,
um
suave
harpejo
na
sinfona
dos
marmores.
Nos
bracos
de
Santa
Catalina
o
arcebispo
con-
tinuava
a
chorar
lagrimas
mansas
que
lhe
corriam
em
fio
sobre
as
faces,
secas
como
atampa
duma
tumba,
e
dah
sobre
o
seio
da
virgem.
as
rbitas
as
meninas
dos
olhos
luziam-lhe
como
de
corvos
esf
aimados.
E
bei-
jou-lheopeito,aquelepeito
que
arfa
va
por
Deus
e
continua
tredos
filtros
de
morrer;
os
labios,
linha
subtil
de
sibila,
que
tanto
prometiam
como
negavam
;
a
fronte,
em
que
reuna
pai-
xo
o
enigma
da
verdade
moral.
Agradecia-
lhe assim
ter-se
rendido
e
te-lo
consolado
em
acgo
e
pensamento.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
39/332
http://www.forgottenbooks.com/in.php?btn=6&pibn=1400000701&from=pdf -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
40/332
aa
JARDIM DAS
TORMENTAS
Rafael
deitou
a
fugir,
a
tremer
todo
como
um
palacio
incendiado,
havendo-lhe
cado
as escamas
dos
olhos.
Surprehendera
o
segredo
do
templo
e
ia
dize-lo
aos
homens
:
era
preciso
arrasar
a catedral,
o
monstro
ebrio
de
sangue
e
de
voluptuosidades.
Ela
prevertia
e
esmagava
as
flores
mais cheirosas
da
sera
christ.
Lentamente bebia-lhes
com
a
f
em
Deus
o
sangue
das veias.
Enfeiti-
cava-os
para
melhor
os
devorar.
Sobre
a
fuga,
a
floresta dos
marmores
murmurou-lhe
:
Rafael,
a
vinganga
Aqui
era o
jardim
da
beleza
e
forga
tornaram-no
em
templo
de
Christo.
Que
ergam
altares
christos
no nosso
seio,
que
esmigalhem
nossas
linhas
voluptuo-as
sob
a
argamassa,
que
nos
fagam
em
p,
nos
cantaremos at
a
eternidade
a
alegria
de vi
ver
e
de
amar.
E'
a
nossa
vinganga,
Ra-ael,
quebrar
as
almas
grosseiras
dos
sacer-otes;
a
vinganca
da
Beleza,
a
vinganga
da
Vida
L f
ora o
sol
doirava
tudo
;
no campanario
christo
da
catedral
os
sinos chamavam
as
almas
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
41/332
V
M
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
42/332
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
43/332
VOLUPTUOSO
MILAGRE
Per
manus
autem
apostolorum
ebant
signa
et
prodigia
multa In
plebe.
(Acloa
cap.
V,
v.
12.)
A'
borda
do
mar
de
Genesareth,
um
bom
pedago
antes
de
Tiberiade,
vivia
urna
velha
muita
velha,
que
fra
noutros
tempos
a
serva
dum
levita.
Era ali
um
sitio
descam-ado
onde
nao
havia
beira
nem
ramo
d'oli-
veira.
A
curva
fugidia
do
lago
estendia-se
para
urna
banda,
para
outra
o
deserto
onde
as
quadrilhas
da
Samara
passavam
a
ga-ope,
acossadas
pelos
galileus.
Fra
disto
apenas
um
ou
outro
cagador
de
gazelas
tran-
sitava
por
ali.
A
boa
mulher
vivia
numa
cabana
aban-onada
por
leproso ou
profeta
ha
tanto
tempo
que
tinha
j
a
forma
adormecida
e
eterna das
rochas
beira dos caminhos.
Mirrada,
area,
quasi
nao
a
viam
os
ladres
da
Samara
e
natural
que
a
morte
pas-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
44/332
26
JARDIM DAS
TORMENTAS
sasse
por
l
sem
a
ver.
Ao
p
de
casa,
entre
duas
penhas,
havia
urna
horta
onde
as
couves
emmagreciam.
Mas
eram
uns
tristes
palmos
de
trra,
sem
a
guarda
religiosa
duma
palmeira
nem
a
voluptuosa
meditaco
dum
poco.
O sol
e
a
geada,
alternadamente,
caiam l
e
calcavam
tudo
como
patas
de
cvalos.
as
tardes
serenas
subia do
lago
o
rumor
da
faina,
farrapos
de
vozes,
e
toda
a
immovel
melancola
do deserto
palpitava.
Pelas
visinhancas
do
Pentecosts
e
da
Pas-
coa,
a
velha
espreitava
da
soleira
da
porta
as
nuvens
de
p
as
estradas distantes.
Nessa
poca
as
caravanas
atravessavam
por
ali,
pesadas
e
imponentes
de
mil
alforges
de
mer-
cadores
e
de
corcundas
de
camelos. Os
pobres
das
aldeias saam-lhes
ao
encontr
e
pu-
nham-se
a
marchar
atraz
da
vaga
farta,
prodiga
de
vitualhas,
com
o
faro
na
esmola
expiatoria
que
os
ricos
iam
largar
a
Jeru-
salem.
A velha
de
Tiberiade
aproveitava
a
pri-
meira
caravana
que passasse
e
l
ia
na
cauda,
entre
enxames
das
moscas,
para
a
Gidade
Santa.
Oito
dias
e
oito
noites,
porta
do
Templo,
a sua
mo
estendida
gastava
a
beatitude
talmdica dos
barbagudos
arma-ores
de
Sidon
e
dos
elegantes
patricios
de
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
45/332
VOLUPTUOSO
MILAGRE
WJ
Damasco.
Gheios
do
Santo
dos Santos
eles
apanhavam
a
tnica
para
nao
rogar
a
vaga
immunda
dos
pedintes e
com
nojo
lhes
cuspiam
o
bolo.
A
turma
enovelava-
se,
mordia-se
para
pilhar
a
execrada
moeda
romana.
E
urna
feroz
batalha
se
travava
ante
os
olhos
divertidos
dos
fariseus
e
dos
legionarios,
com
grande
ira
dos
vendilhes
que
expunham
bugigangas
de
olaria
as
escaleiras
do
Templo.
Ao
fim
das
festas,
quando
as
tendas
de
petiscos
e
de
curiosidades
levantavam,
a ve-
lha
subia
a
jornadas
cautelosas
o
caminho
da
Galileia. Tinha
as
pernas
moldas
das
refregas
e o
seu
passo
era
indeciso
e
tur-
tuoso,
palpitantemente
furtando
ao
palpite
das
quadrilhas
sua
laboriosa colheita.
Com
ela
e as
migalhas
comidas
no
pateo
dos
ricos
rabinos
enganava
o
passadio
e
pagava
o
imposto
aos
caes
dos
romanos.
Estes
ba-
tiam-lhe
porta
nos
fins
do
outomno,
quando
as
cabras
comegavam
a
parir.
Capacetes
ferozes
de
bronze
escoltavam
o
pergaminho
do
censo.
Mesmo
ali
no
deserto
Cesar
nao
se
esquecia
dla;
ela
porm
s
s
lancadas
que
contava
o
tributo
aos
edis
de
Cesar.
Afora
o
olbo
oficial
ninguem
dava
tent
nela,
tam
mofina
de si
e
desprezivel
das
coi-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
46/332
a8
JARDIM
DAS
TORMENTAS
sas,
que
s
na
trra
nao
seria
mais
ssinha.
Corra
a
fama
de
que
na
sua
vista
havia
as
pegonhas
perigosas
que
empectm
o
curso
das
horas
afortunadas. Por
este
motivo
se
resguardavam
dla
como
de
leproso
e
a
corriam
pedra
para
longe
do
povoado.
A
velha,
como
esta
va
habituada
s mal-ades
do
mundo,
nao
senta
estes
enxova-
lhos. A
constancia
com
que
se
repetiam
dra-
lhe
alma
esta
inercia
onde
nada
de
fra
pode
fazer
mssega.
Mas
na
soledade
repas-
sava como
um
rozado todas
avarezas
que
a
vida
tivra
com
ela.
Fraelaum
destes
cora-
ges
simples
que
passam
do
bergo
cova
inapercebidamente.
Os
annos
deslisam
silen-iosament
sobre
eles,empoeirando-os
apenas
como
aos
livros
veneraveis
da
Lei
na
estante
dos
doutores.
Depois
s
lhes
resta
a
grande
melancola
de
errar no
vazio
immenso
do
passado.
A
velha
de Tiberiades
nunca
conhecera
as
alegras
e
dores
selvagens
que
embalam
a
vida. Por
urna
passagem
doce
e
subtil,
como
s ha
nos
sonhos,
descera
ao
deusdar
da
indigencia.
A
sua
historia
podia
ilustrar
para
um
levita
a
profunda
parbola
dos
abandonos
:
morria
sem
ter
tentado
viver.
'
s
vezes
pergunta
va
seu
entrangado
scismar
:
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
47/332
http://www.forgottenbooks.com/in.php?btn=6&pibn=1400000701&from=pdf -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
48/332
3o
JARDIM
DAS
TORMENTAS
Tiberiade
o
fumo
das
cosinhas
adensava-se
rescendente
dos odores embalsamados
dos
cedros
e
dos
tamarindos.
Lago
e
estepe
cruzavam um
olhar
de
infinita
tristeza. O
crepsculo
trazia
todas
as
melancolas
da
trra
e
soltava-as
sobre
a
alucinaco
do
deserto.
Estava
pois
a
velha
acocorada
na
soleira
da
porta
quando
um
mendigo
se
chegou
a
ela
e
lhe
pediu
dormida. Vinha
arrimado
a
um
bordo,
a sua
barba
e
os
seus
cbelos
rugos
eram
de
nazareno
porque escorriam
abandonadamente
em
fio.
Repetiu
o
santo-homem
a
cantilena
e
ela,
vendo-o
tam
mesquinho,
de su
abatida
e
urna
doce
cabega
de
jumento,
lhe
concedeu
pousada
nao
obstante
estar
a
almotolia
na
ultima
gota
e na arca nao
haver mais
que
meia
tigela
de
farinha.
Depois
de
cearem
e
renderem
gragas
ao
Senhor
o
pobre
alapar-
dou-se
ao
borralho
e
adormeceu.
De
madru-ada,
anda
a
primeira gaivota
nao
sulcra
os
ares,
a
velha
acordou
a urnas
pancadas
que
batiam
no
frontal.
Santinha
de Deus
disse
o
velho
aboletaste
o
mendigo
e
o
mendigo
quer
dei-
xar-te
urna
lembranga.
Pede
urna
coisa
que
seja
ela
qualjr
te
ser
concedida.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
49/332
VOLUPTUOSO
MILAGRE
3
1
A
mulher
veio
logo
em
fralda,
estremunhada
e,
como
a
Galileia
era a
trra
dos
milagres,
acreditou
de
boa
f.
Pede
tornou
ele
que
nao
pedirs
em
vo.
Ela
sorriu
um
sorriso
engelhado
de
cin-uenta
annos e
respondeu
:
Quero,
quero
ser
rapariga.
Ficou
o
homem muito
despeitado
por
ela
nao
ter
escolhido
a
salvaco
ou um
pelo
da
barba de
Isaas,
mas
palavra
dada
nao
volta
atraz.
Bem;
mas
para
isso
preciso
de
te
cor-ar
em
bocadinhos,
moer,
moer
at
Acares
em
borra
e
pr-te
ao
lume
a
coser.
Gheia
de medo
a
mulher ficou
perplexa.
Una
grande
forca
opunha-se
nela
ao
ge-
lado misterio
da
morte.
O advento
das
feli-idades
estava
para
l
duma
hora
de
nao
ser.
Porque
lhc
custava
pois
transpr
a
ponte
das
existencias?
E'
o curso
proprio
de
teus
desejos,
mu-her,
a
cadeia
que
te
prende
proferiu
em
voz
paternal
o
velho,
que
parecia
1er
a
des-
coberto
nos
coraces.
E's
o
joguete
do
pensamento
porque
ele
o
creador
e o
immor-al.
Escolhe
segunda
vez.
Mas visto
que
a
vida lhe fra
revelada
ela
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
50/332
32
JARDIM
DAS
TORMENTAS
quera
exerce-la.
A
euriosidade
de
conduzir
as
energas
creadoras
inebriava-a.
Afei-
coaria
a
vida
na
ancia
de
querer
sorvendo
at
a
derradeira
gota
a
hora
voluptuosa
de
seu
destino.
Levou
tempo
mas
decidiu-se
por
fim
a
mulher.
Ah
mas
estara
muito
tempo
feita
em
postas?
O
tempo
que
fr mistr
respondeu
o
velho
de
m
cara,
penetrando
a
vereda
nova
de
seu
pensamento.
*
A
duvida
e
a
evidente
m
vontade do
homem atemorisavam-na. Lembrou-se
porm
duma
palavra
de
seu
amo,
o
sacerdote,
e
isso
deu-lhe
alent.
Costumava
ele dizer
ante
o
espectculo
desgradante
da Judeia
e
quando
para
engodar
a
ssta
se
debrugava
sobre
o
livro
das
profecas
:
o
que
tem
de
ser
ser;
apenas
se
nao
realisam
os
sonhos
em
que
nao
ha
formosura.
Ela
como
tinha
urna
alta ideia
do
amo
e
de
seus
sonhos
afoi-
tou-se
a
obedecer
s determinaces
do
homem.
Pediu
ele
urna
vasilha
em
que
a
havia
de
ferver. Ela
era
avisada,
trouxe-lhe
um
pote
grande,
barrigudo,
e
bem
firme
das
pernas,
em
que
caberia
um
serrabulho
de
trinta
Goliaths
e
onde
nem com
a
fervura
se
perdera
a
areiasinha
dum
osso.
Mas
ele
pediu
coisa
mais
geitosa
e
maneavel.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
51/332
VOLUPTUOSO
MILAGRE
33
Apresentou
entam
a
raulher
urna
nfora,
o
nico
vaso
mais
que
havia de
portas
a
den-ro.
O
homem
ps-se
a
contempla-la
:
era
esbelta
como a
torre
de
David
e
delicada
como
urna
palmeira
nova.
No
bojo
havia
toda
a
docura
que
tem
as
cisternas
ao
se-
quioso
lance d'olhos dos
peregrinos.
As
asas
suspendiam
o
bocal
ao
alto,
parecendo
mos
a
toucar
urna
fronte dum
diadema;
a
curva
era
lenta,
ampia,
delirante
e
sumida
como
a
linha
das
voluptuosidades.
Toda
ela
dum
talhe
tam
excelso,
gargalo
alto,
fundo
estreito
e
asas
tam
voadeiras
que
o
susto
da
velha
voltou. Era
um
milagre
se a
nfora
nao
tombasse
e
se
nao
perdesse
por
l
um
dos
ps
ou urna
das
mamas.
Mas
o
homem
despticamente questionou.
Bem,
em
que
ficamos?
E
ela
entregou-se
para
percorrer
de
novo
aquela
estrada,
de
que
s
agora
apercebia,
como
do
pino
d'alta
montanha,
os
soes,
os
beijos,
as
mandragoras
e
o
tropel
das
tor-entas
embuscadas
num
tenue
goso.
*
Principiou
o
bruxo
a
faze-la
em
migalhas.
Como
era
quasi
diafana,
os
gritos
nao
che-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
52/332
34
JARDIM DAS TORMENTAS
garam
ao
caminho
nem
o
cheiro
do
sangue
desviou
os
corvos
de
vo
alto.
A'
maneira
que
ia
partindo
ia
deitando
para
a nfora,
esguia
como um
candelabro,
de
asas na
pos-ura
dos
profetas
quando
imploram
o
infinito.
Ao
cabo
de
minutos
ela
tinha
per-ido
o
sentimento
e o
homem
pode
acabar
a
tarefa
em
paz
e
hora
boa.
Depois
p-la
ao
lume
e
durante
um
dia
e
urna
noite
a n-ora
ferveu
que
a carne
da velha
era
churra
como
de
gavies
de
cem
annos.
Quando
tudo
se
tornou
numa massa
virgem
e
rosada
exp-la
o
velho
ao
sereno.
Sobre
a
manh,
ao
romper
do
sol
dentre
os
cedros,
comecou
a
quebrar
a
nfora
em
redor,
pedacinho
a
pedacinho,
com
todas
as
cautelas.
E
logo
que
tirou
todos
os cacos
disse
para
a
columna de barro de
veias
de
fogo
e
linha
sensual
:
Vive
O barro
viveu.
Estremecendo,
cantando
um
grito
de
pasmo
a
principio,
viu-se
logo
numa
mulher muito linda
e
lembrou-se.
Fra
urna
triste velha muito velha
e
os
milagres
da
Galileia haviam
passado
em
sua casa.
E,
como
tinha
guardado
todo
o
sagaz
instinto
de
mulher,
disse
par
o
velho,
emquanto
bamboleando-se,
se
mirava
:
Bem
desfigurada
me
vejo
de
verdade.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
53/332
VOLUPTUOSO
M1LAGRE
35
Tam
bem
nao
remocaria
o
melhor
oleiro
deste
mundo
urna
faianca
antiga.
Nao
fras
tu
muito rico
da
graca
de
Deus
que
nao
obraras
assim
um
prodigio
a
troco
dumas
colheres
de
papas.
E'
porque
teu
corago
estava
triste.
Consolaste-me,
sou a
tua
serva.
Nao,
nada
em
ti
me
seduz.
Rende
lou-
vores
ao
Inefavel.
Eu tenho
f.
Tua
serva,
ou
tua
concu-ina,
porque
me nao
levas
contigo?
Tu
adoras
em
mim
o
poder
oculto
e
nao o
homem.
O
homem
morreu
quando
re-
conheci
que
a
felicidade
nao
est
nos
bens
do deleite.
Onde
est
entam?
Onde
se
nao
busca.
E
onde
que
se
nao
busca?
Na sciencia
de
saber
ser
infeliz.
Ela
calou-se,
comprehendendo
que
na
pa-
lavra do velho
todos
os
destinos
se
iguala-
vam
e
que
as
galas
da
formosura
nao
lhe
trariam
mais dita
que
sua
desamparada
ve-
lhice.
Depois
seu
entendimento
pre
vidente
tornou
:
Nao
sei
como
hei
de
agradecer-te...
Intil.
As
minhas
mos
sam
rotas
a
dar
e
a
receber.
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
54/332
36
JARDIM DAS
TORMENTAS
Deixais-me
entam
s,
senhor?
O velho franziu
ura
sorriso
mau,
em
que
havia
quasi
o
desprezo
das
iluses humanas
:
Tu
o
desejaste.
O
que
ficava
bem
velha
nao
fica
bem
moca.
Que
hei
de
eu
fazer?
Meu
cora-
co
deseja
mas
nao
sabe
desejar.
Poseste-te
margem
da vida
por
teu
belo
gosto.
Queras
amar,
sofrer,
sentir
toda
a
amplido
da
vida
julgando
que
nao
tinhas
amado
nem
sofrido
e
tua
alma
estalava
a amar
e a
sofrer.
Gumprias
o
teu
fadario
mas nao
estavas
contente.
A
dita
o
contentamento
de
nosso
destino.
E
vers,
tu
vais
invejar
vivendo
a
velha
que
se
morria
inve
jando.
E
como
tivesse
um
olhar
inconfundivelmente
irnico
para
ela
que
se
julgava perfeita,
nova
e
forte,
a
rapariga
remirou-se
minucio-amente
dos
ps
cabera,
as
linhas
veladas
e
os
seios
inquietos.
E
ao
cabo
do
exame
desatou
a
chorar
em
fonte
:
Ai
a
cintura
dla,
meneando-se,
pareca
um
anel
suspenso
;
o
pescoco,
em
vez
de
prender
a
cabega,
levantava-a
para
o
ceo,
tam
alto
como se
quizesse
arranca-la
ou
oferece-
la de
pasto
aos
abutres. As
pernas,
ah
as
pernas
que
deviam
correr os
montes,
eram
tam
delicadas
que
davam
ideia
de dois bam-
-
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
55/332
http://www.forgottenbooks.com/in.php?btn=6&pibn=1400000701&from=pdf -
7/26/2019 Aquilino Ribeiro - Jardim Das Tormentas
56/332
38
JABDIM
DAS
TORMENTAS
in
top related