apostila de semiótica
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2011
Luci Bonini
COM. SOCIAL –
PP - UMC SEMIÓTICA
HOMEM COMO SER DE LINGUAGEM
• Todos os animais do planeta têm uma sistema de comunicação próprio è sistema
herdado geneticamente, só muda na velocidade da evolução biológica e independe de
aprendizado.
• Ser humano é único que desenvolveu milhares de sistemas de comunicação, verbais e
não-verbais diferentes.
Existem, ainda hoje, 3.500 línguas naturais distintas. Cada uma delas só se transmite por
aprendizagem, no convívio social.
• A língua e os seus discursos constituem, em conjunto, um processo semiótico.
• Um processo semiótico produz, sustenta e reflete o sistema de valores de uma
comunidade humana, o sistema de crenças, o imaginário coletivo, o ‘saber
compartilhado sobre o mundo’.
o ser humano é um animal cultural, social e histórico
A língua e seus discursos e as semióticas não-verbais, conferem a uma comunidade
humana: a sua memória social; a sua consciência histórica; a consciência de sua
identidade cultural; a consciência de sua permanência no tempo
Teoria Geral dos Signos: É alguma coisa que representa alguma coisa para alguém ; é
determinado pelo objeto; representa o objeto; só pode representar o objeto; pode até mesmo
representá-lo falsamente; representar um objeto significa que o signo está apto a afetar uma
mente è produzir nela algum tipo de efeito è esse efeito produzido é chamado de
interpretante do signo; o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e
mediatamente determinado pelo objeto; o objeto também causa interpretante mas através do
signo
O método semiótico
A semiose é um processo de revelação, e todo processo de revelação envolve em sua
natureza a possibilidade de engano ou traição.
Todo método que revele algo (alguma verdade sobre o mundo, ou algum aspecto sobre
o mundo ou algum campo de investigação) na medida em que revela é um método
semiótico. (John Deely p 29)
FENOMENOLOGIA
A tarefa da fenomenologia é traçar um catálogo de categorias
Faculdades de que necessitamos : Qualidade de ver o que está diante dos
olhos, como se apresenta, não substituído por uma interpretação; Qualidade
de discriminar de maneira resoluta; Qualidade de generalizar
Primeiridade/ Secundidade/ Terceiridade
Realidade e Pensamento
A distinção geral entre Mundo Interior e Exterior reside no fato de que os objetos
interiores submetem-se prontamente às modificações que desejamos, e os exteriores
são fatos difíceis, ninguém pode fazer nada com eles. (Os Pensadores, Peirce, 1980,
p.19)
A associação de idéias é regulada por três princípios – semelhança, contigüidade,
causalidade. Seria igualmente verdadeiro dizer que os signos denotam segundo esses
três princípios. Uma coisa é signo daquilo que lhe está associado por semelhança,
contigüidade ou causalidade; o signo relembra a coisa significada. (Peirce, Os
Pensadores, p.80)
... A vida do pensamento e da ciência é inerente a símbolos... (idem p.100)
“ Pode-se fotografar a mesma montanha de diversos ângulos, em diferentes
proximidades, de variados lados, ou mesmo de cima, se tomarmos a foto de um
helicóptero, por exemplo. Em cada uma dessas variações, são distintos os objetos
imediatos, pois varia o modo como o mesmo objeto dinâmico, a montanha, nelas
aparece. (Santaella, 2002, 19)
Peirce afirma que o homem enquanto símbolo verdadeiro é imortal, e um símbolo
verdadeiro é aquele que deixa provas da sua existência, é aquele cujo caráter peculiar
o transforma num signo na consciência de outros homens.
Mesmo os fenômenos vão crescendo em significado na medida em que o homem
busca conhecê-los melhor. Assim como os signos que o homem cria, o mundo é uma
cadeia de signos a ser elucidada pelos homens e o homem um signo a ser
compreendido por ele mesmo.
Semiótica ou Lógica – o lugar da semiótica na Lógica Peirceana
Estética – inúmeras variedade de qualidades estéticas
Ética
Lógica ou Semiótica
Gramática especulativa – classificação dos signos
Lógica Crítica – estuda as várias formas de raciocínio: abdução, dedução,
indução
Retórica especulativa ou Metodêutica – estuda a função dos signos, a forma
de relações eficientes; a semiose (exercício do autocontrole, otimização do
desempenho das três forças: imponderabilidade do acaso, força do real, forças
do inconsciente com autocontrole
LÓGICA
Ciência das condições necessárias para se atingir a verdade
O tempo não outra coisa que o desenrolar-se da semiose. (John Deely – Semiótica
Básica 1990)
“ Nada pode ser tanto logicamente ou moralmente bom sem um propósito para sê-lo.”
(CP 1575 , in Santaella 1992)
GRAMÁTICA ESPECULATIVA
- teoria geral dos signos -
É alguma coisa que representa alguma coisa para alguém: é determinado pelo
objeto; representa o objeto; só pode representar o objeto; pode até mesmo
representá-lo falsamente; representar um objeto significa que o signo está
apto a afetar uma mente produzir nela algum tipo de efeito esse efeito
produzido é chamado de interpretante do signo
o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e mediatamente
determinado pelo objeto
o objeto também causa interpretante mas através do signo
TEORIA GERAL DO SIGNO DE PEIRCE
Peirce esclarece que algo ou qualquer coisa independente de sua natureza é também um
signo
Assim o objeto da semiose é tanto imanente quanto transcendente
As partes de que se compõe o signo I
Representâmen - o corpo do signo, sua materialidade
As partes de que se compõe o signo II
O signo comporta dois objetos:
a) imediato - é aquele que o signo carrega dentro de si mesmo
b) dinâmico - é aquele que está na realidade
As partes de que se compõe o signo III
Interpretante
a) interpretante imediato: é o significado, ou imagem mental que o signo está
apto a produzir em nossas mentes. É um significado que pode estar lá dentro
do signo, qualquer que seja ele.
b) interpretante dinâmico: é o significado ou imagem que o signo efetivamente
produziu ou produz na minha mente, ou na sua.
c) interpretante em si, ou interpretante final: deverá ser o resultado final do
processo de semiose, são as várias explicações, significados, efeitos e imagens
que o signo é capaz de produzir na medida em que ele transita em várias
mentes, por várias gerações e assim por diante. Esse significado seria muito
amplo, e, dada a vastidão do seu conceito nós só podemos imaginar esse tipo
de interpretante
SEMIOSE
Processos irreversíveis, auto-organizatórios já em algumas reações.
O tempo é o desenrolar da semiose, por isso cada comunidade vive num tempo
diferente, pois a semiose que se opera dentro dela tem velocidade diferentes das
outras, isso não significa que uma comunidade é melhor ou pior, apenas está em
semioses diferentes
Tendência para a autocorreção, para a verdade, para chegar a um contato efetivo com
a realidade
Ação dos signos. Quando o futuro exerce influência sobre o presente temos aí uma
semiose
é, portanto: uma conexão formal extrínseca entre o sujeito conhecedor e o objeto
conhecido. – possível logo de início. É muito fácil ver-se o que é o interpretante do
signo: é tudo que está explícito no signo mesmo, não se considerando o contexto e
circunstâncias de produção deste signo
Antropossemiose
Inclui todos os processos sígnicos em que os seres humanos se envolvam, todos os
processos sígnicos que são específicos da espécie humana – a língua se insere nessa
teia
O papel da semiótica no processo educacional é analisar a antropossemiose no
discurso educacional, no tecido formado pelas relações das diferentes linguagens
emanadas dos diferentes aparatos tecnológicos ou não utilizados como veículos de
informação e conhecimento
O MÉTODO SEMIÓTICO
A semiose é um processo de revelação, e todo processo de revelação envolve em sua
natureza a possibilidade de engano ou traição.
Todo método que revele algo (alguma verdade sobre o mundo, ou algum aspecto sobre
o mundo ou algum campo de investigação) na medida em que revela é um método
semiótico. (John Deely p 29)
Um método implementa um ou alguns aspectos de um ponto de vista. Na verdade um
método consiste exatamente na implementação sistemática de algo sugerido por um
ponto de vista. Entretanto um ponto de vista que pudesse ser totalmente
implementado por um único método seria bastante acanhado. Quanto mais rico um
ponto de vista, tanto mais diversos são os métodos necessários para a exploração das
possibilidades de entendimento latentes nele. (J. Deely, p.27)
O conceito de linguagem em Peirce
Não há nenhuma estrutura atômica no mundo tal que corresponda a ela palavras uma
a uma. (John Deely, p37)
A linguagem como rede objetiva é parte de um todo maior de relações objetivas. A
rede lingüística se alimenta da estrutura da experiência como um todo e é
transformada por ela em sua irredutibilidade ao ambiente físico. (idem, p.38)
1. Semiótica
1.1 Histórico
Semiótica é uma ciência nascida nos primórdios de nosso século, no entanto, há umas poucas
décadas ela começa a despertar interesse de um público um pouco mais amplo.
A Semiótica tem como objetivo maior estudar a ação dos signos sobre os homens, sobre os
objetos que esses signos representam e sobre outros signos; essa ação é conhecida como
semiose. Deste vasto escopo da Semiótica, podemos concluir que ela tem um caráter
interdisciplinar porque trabalha com os signos, que representam seu universo e todos os
elementos que aí estão, que fazem parte do nosso universo, real ou imaginário, podendo ser
até mesmo, objeto de estudo de qualquer outra ciência. Por tudo isso podemos dividi-la em
dois níveis: a Semiótica Pura, doutrina dentro da qual se configura a teoria dos signos e suas
ações sobre o mundo como um todo e a Semiótica Aplicada, que se nos deparamos ao utilizá-
la como ferramenta de outra ciência.
A Semiótica Aplicada visa estabelecer critérios de um sistema ou categorias que possam
capacitar a análise de um sistema de signos pertencente a qualquer universo que possibilite
conhecimento.
A doutrina dos signos teve dois pais que viveram na mesma época, mas não se conheceram. O
primeiro, europeu chamava-se Ferdinand de Saussure, e é na realidade pai da Lingüística,
ciência que tem como objetivo o estudo da linguagem verbal, e tendo estudado as várias
relações da palavra com o homem Saussure em sua busca nos legou muitos conceitos e termos
que podemos utilizar como empréstimo.
Saussure (1971:82) pareceu vislumbrar uma Semiótica, chamada por ele de Semiologia, ao
afirmar: "quando a Semiologia estiver organizada, deverá averiguar se os modos de expressão
que se baseiam em signos inteiramente naturais - como a pantomima - lhe pertencem de
direito(...)", mais tarde foi Roland Barthes que apodera-se desse termo e desenvolve amplos
conceitos que se estendem e se solidificam até hoje.
O outro pai da Semiótica era norte-americano, filho de um professor de Harward, bacharel em
Química, lógico e matemático. Charles Sanders Peirce, como se chamava, era apaixonado pela
Lógica e por toda a sua vida busca relacionar o envolvimento dos fenômenos e dos signos que
os representam. A obra de Peirce é muito vasta, para se ter uma idéia aproximada de tudo que
ele estudou é necessária uma leitura de suas 12.000 páginas publicadas em vida e das quase
95.000 que ele passou a visa produzindo e ficaram sem publicação; ainda hoje, muitos
pesquisadores procuram dar conta de suas anotações, e como Saussure teve muitos
seguidores um que primeiro se destacou foi Charles Morris que divulgou muitos dos conceitos
deixados por Peirce.
Conforme nos indica Winfried Nöth (1994:13) o termo "semiótike" surgiu num livro de John
Locke (1632-1704) que se intitulava "Essay on human Understanding" de 1690 e postulava
uma doutrina dos signos. Um termo semelhante "zemaiotikon" foi utilizado por Galenum de
Pergamun, um médico que viveu de 139 a 199 e utilizou o termo num estudo do diagnóstico
dos signos das doenças.
O termo "semeion" em grego significa sinal, marca. Semeion ou Sema gerou muitos vocábulos:
Semântica, disciplina que estuda a significação das palavras, esse termo, parece ter se
analogia com o termo "mancia" que significa adivinhação, que podemos observar em
quiromancia, por exemplo, que é a arte de se adivinhar o destino das pessoas pelas linhas e
sinais na palma da mão entre essas arte ainda encontramos, hidromancia, rabdomancia e
geomancia entre outras. O vocábulo Semiologia utilizado por Saussure também, advém do
mesmo radical, porém parece-nos uma latinização em analogia às outras "logias". Semiótica o
termo utilizado por Peirce é cunhado diretamente do grego e não se carrega de dúbias
interpretações por contaminações e analogias anteriores. Para Peirce o procedimento de
utilizar termos novos para idéias novas faz parte de uma ética, que segundo a qual, ainda que
a grosso modo, termos novos ainda não se conspurcaram de significações aleatórias ou
errôneas.
O termo Semiótica foi adotado internacionalmente em 1969 pela Associação de Estudos
Semióticos da qual participava Roland Barthes, Emile Benveniste, Greimas, Jakobson, Sebeok
entre outros. Nesta época os estudos semióticos estavam ampliando seus horizontes a muitas
linguagens não verbais além da verbal.
Vemos , então, explicitamente, que o termo pulsou aqui e ali e se generaliza em 1969, porém o
interesse por uma doutrina que se preocupasse com os signos remonta Platão (427-347).
Platão se refere a um signo de três componentes a) ónoma (nome; b) aidos, logos (idéia,
noção); c) pragma (coisa). Esta preocupação em nomear o objeto e estabelecer as relações que
esse objeto mantém com seu nome e a idéia que ele desperta na mente das pessoas não é
recente.
Sendo assim a preocupação com o desenho, a palavra ou o som que utilizamos para nomear as
coisas por não ser nova, desperta muitas dúvidas até hoje, principalmente porque a tecnologia
é responsável pela proliferação de equipamentos que multiplicam essas linguagens numa
velocidade vertiginosa, povoando o mundo de muitos códigos complexos e mistos. É neste
momento que a Semiótica nos auxilia com suas teorias a fim de que tentemos compreender a
trilha dos signos que se abre a nossa frente no nosso dia-a-dia, seja nos estudos ou no ir e vir
de todos nós.
A diferença entre a Semiótica e as outras ciências da linguagem, como a Lingüística, por
exemplo, é que ela vê os signos que povoam o mundo como um objeto de estudo sem
descartar o objeto do qual resultou o signo, como fizeram outros pensadores da linguagem.
Como Saussure, por exemplo, que chamou de significante a parte material do signo, e seu
processo mental, de significado. Hoje as várias correntes semióticas existentes trafegam em
muitos caminhos diferentes, o que aqui veremos será delineado pouco a pouco.
1.2 Suscitando Dúvidas
Segundo o próprio Peirce (1975:53) " a ação do pensamento é excitada pela incitação da
dúvida e cessa com o atingir a crença; e assim o chegar à crença é a função única do
pensamento." Disto posto, esse caminho é para gerar dúvidas a fim de gerar conhecimento.
Peirce ainda diz que ao atingirmos a crença estaremos, momentaneamente em repouso,
porém na medida em que aplicamo-la, teremos novamente a ação do pensamento e aí então
geramos conhecimento outra vez, nas mesma medida em que geramos dúvida.
1.3 Esboço de uma teoria
Charles Sanders Peirce, passou toda a sua vida buscando conhecer a relação entre as várias
formas e manifestações do conhecimento humano. Para ele Semiótica seria um outro nome
para a Lógica, a Lógica Pura, como Peirce a concebia. Alguns lógicos, atualmente, preferem
denominar de logística a Lógica Aplicada.
A Semiótica de Peirce consolida-se em bases filosóficas anteriores. Ao percorrermos os
escaninhos da filosofia que o antecedeu, percebemos que Peirce conheceu profundamente
seus predecessores. Sua genialidade deixou-nos uma teoria do conhecimento na medida em
que desenvolve métodos de se desembaraçar as relações entre os signos que representam a
realidade e aqueles que os interpretam. Observar a realidade que está a nossa volta,
interpretando-a dando-lhe novas interpretações e criando outras formas de representá-la é
um ato que Peirce denomina de semiose.
Conforme nos aponta Fisch, via Nöth (1990:42) " Estritamente falando, a semiose e não o
signo, é o objeto de estudo da semiótica." Peirce, também via Nöth (idem) afirma que
semiótica "é a doutrina essencial da natureza fundamental das variedades possíveis de
semioses."
1.3.1 O Lugar da Semiótica entre outras Ciências
Se a Semiótica é uma doutrina que estuda as várias relações entre os signos e os signos são
unidades constituintes das três matrizes existentes de linguagem devemos colocar ordem no
caos antes de encaixarmos a Semiótica em seu devido lugar.
1.3.1.1 Realidade e Linguagem
Para tentarmos conceituar a realidade sempre teremos de utilizar uma forma de linguagem, e
isto, sempre dificulta a compreensão de conceitos e veremos o porquê adiante.
Linguagem define-se como um sistema de representações utilizado para materializar nossos
pensamentos, que por sua vez existem porque o mundo à nossa volta os despertam, já que o
homem é dotado da capacidade de transformar aquilo que vê, ouve, toca e sente em
linguagem.
Então tudo o que podemos ver, tocar, ouvir, sentir, saborear podemos denominar de
realidade. Se a realidade é algo percebido, pois como sabemos, os olhos, a boca, a pele o nariz
e os ouvidos são as portas da nossa percepção, então, no momento em que percebemos os
objetos a nossa volta, seja, por qualquer uma dessas portas "traduzimos" esse sentir por um
pensamento, e esse pensamento pode vir em forma de palavras, de sons, de imagens, ou tudo
isso junto, depende da capacidade de pensar de cada um. Imagens, sons, palavras, tudo isso
são formas de representação, funcionam como signo do objeto percebido, aquele que ali está
compondo a realidade ao nosso redor.
Para tornarmos esse pensamento comum, transformamo-lo em desenhos, palavras, música,
etc; em unidades de representação, ou seja, um signo.
Vejamos como isto funciona: Se você está sentado para almoçar e as travessas vão sendo
postas na mesa e assim uma delas esbarra em sua mão, no mesmo momento seu cérebro
recebe uma mensagem enviada pela sua pele: "Quente!", aí então, você tira sua mão
depressa, sacudindo-a no ar dizendo: - "Ai! Está quente." Você representou essa realidade por
intermédio de dois signos; um visual, o gesto, e um verbal, a frase.
Você transformou aquilo que era real, que estava fora de você, em linguagem, você
comunicou (tornou comum) o que você absorveu da realidade.
Transformar a realidade em linguagem é conhecê-la, quanto mais somos capazes de utilizar
signos, ou linguagens, para traduzir o que nos rodeia, mais conheceremos a realidade.
A linguagem é o único caminho que nos levará até a realidade, de outra forma ela será
intocável, inatingível, pois o seu toque sobre ela já estará sendo uma forma de interpretá-la, já
estará carregado com a sua interpretação de mundo.
1.3.1.2 Fenomenologia
A Fenomenologia para Peirce era necessária, conforme vimos anteriormente, pois só se é
capaz de descrever e explicar coisas se as vemos, tocamos, cheiramos, saboreamos etc. Se
para ele semiose é a ação do signo e esta por sua vez estabelece uma ligação entre o homem
e os objetos que compõem a realidade, então a Fenomenologia entra como um método para
estudar os fenômenos e suas interpretações.
Fenômeno vem do grego phainómenous e significa aquilo que se manifesta visivelmente. A
Fenomenologia nos convida a ver o mundo com olhos abertos, com as portas da percepção
escancaradas, já que ver pode se estender às outras formas de percepção, pois quantas vezes
o "Deixe-me ver" pode estar significando pensar, sentir, pegar etc.
Se a Filosofia deu a Peirce respaldo ao nascimento da Semiótica, a Fenomenologia também faz
com que Peirce a transforme num de seus instrumentos do pensar. Conforme coloca Santaella
(1992:122) ele estabelece o seguinte quadro:
1.1.2 Filosofia
1.1.2.1 Fenomenologia
1.1.2.2. Ciências Normativas
1.1.2.2.1. Estética
1.1.2.2.2. Ética
1.1.2.2.3 Lógica ou Semiótica
1.1.2.2.3.1. Gramática Especulativa
1.1.2.2.3.2. Lógica Crítica
1.1.2.2.3.3. Retórica Especulativa ou Metodêutica
1.1.2.3. Metafísica
Para Peirce a filosofia é uma ciência que se ocupa com "aprender o que pode ser apreendido
com uma experiência diária ou não." (1990:197), e acrescenta que a fenomenologia é parte
da filosofia, dentro da qual, ainda, ele estabelece as categorias universais do pensamento e da
natureza, e finalmente, as Ciências Normativas que trata das relações entre os fenômenos e
seus fins.
1.4 Delegando Poderes
Encontrada a Semiótica no quadro elaborado por Peirce vejamos aquelas com as quais ela
mantém relações de hierarquia:
a) Estética - ocupa-se em estudar as formas de representações da realidade
que tenham como finalidade despertar a qualidade do belo.
b) Ética - ocupa-se com a conduta do nosso raciocínio, com o modo de
conduzirmos nossas ações em conformidade com o objetivo a ser atingido.
c) Semiótica ou Lógica - seria a ciência responsável pelo estudo dos signos e
suas relações entre ele mesmo, entre ele e o objeto que ele representa e entre ele e a mente
que o interpreta; daí que ela seja dividida em:
- gramática especulativa ou gramática pura: estuda todos os tipos de
signos como eles representam aquilo que representam e quais as suas propriedades
aplicativas.
- lógica crítica: estuda os três estágios do raciocínio, como a mente os
recebe e os interpreta. São eles:
- abdução: capacidade contemplativa;
- indução: capacidade ,de discernir diferenças entre as coisas.
- dedução: capacidade de generalizar observações em
categorias ou classes abrangentes.
- retórica pura ou retórica especulativa: Estuda o poder que os signos
tem de gerar interpretantes.
Este quadro elaborado por Peirce é apenas o começo de sua arquitetura filosófica, e ao
procurar a lógica existente entre os vários fenômenos do universo ele acabou produzindo esta
hierarquia tão lúcida e necessária, entre outras. O ideal de Peirce era a Lógica e para conceber
seu exato lugar era necessário aprofundar-se naquelas ciências que a rodeavam.
Como podemos ver nas exposições a lógica ocupa-se com os vários modos do pensar e
encontra-se no cerne de sua Semiótica, enquanto que na sua primeira categoria, a lógica
concebida por Peirce é o ramo da semiótica mais conhecido, e exatamente o mais estudado,
inclusive essas relações de significação do signo foi a preocupação mais premente dos
lingüistas e daqueles primeiros semiólogos, podemos até supor que este fato tivesse levado ao
desenvolvimento de outras ciências preocupadas com a significação, tais como a psicanálise, a
antropologia a arqueologia; todas de certo modo trabalham com indícios de materiais para a
significação de algo, ora de atitudes humanas, ora de uma coletividade primitiva ou não, ora
com os restos deixados por uma civilização anterior à nossa.
Ora, Peirce coloca no coração da Semiótica a Lógica, o pensar, para ele, deve ser, então, o
responsável pelas conexões entre o homem e a realidade, e ao concordarmos com isso
chegaremos a concluir que a produção de linguagem só se opera dentro de nossa mente,
durante o ato do pensar. O modo como nos deparamos com os fenômenos e como os
encaramos a fim de tirarmos as nossas conclusões ou acrescentarmos mais algumas ou ainda,
aceitar as conclusões tiradas a respeito dele, faz com que transformemos aquilo que
apreendemos do mundo em linguagem, em signos. Como colocamos no início, a dúvida leva ao
conhecimento, e uma mente científica, ou seja, aquela que produz conhecimento, é um
alojamento de dúvidas porque nela o pensar não se esgota e a crença leva ao exercício da
aplicação de teorias, e toda aplicação, gera novamente mais dúvidas.
1.5 Homem X Signo
1.5.1 As Categorias Universais
O pensamento de Peirce, segundo ele próprio, dada a sua paixão pela lógica, leva-o a uma
visão lógica do universo. Lógico e Matemático, com um ideal a perseguir, Peirce procurou
deixar claro o lugar e a importância da lógica entre as outras ciências, e utilizando a
fenomenologia, demonstrou como os fenômenos esbarram e forçam as portas de nossa
percepção e nós os interpretamos e os transformamos em linguagem.
A Fenomenologia, segundo Peirce, é a primeira divisão da filosofia, a segunda seria a que
contém as Ciências Normativas e a Terceira a Metafísica. A Fenomenologia para que possa nos
servir de estudo, deve ter como ferramentas nossos órgãos do sentido bem despertos. Peirce
se refere às faculdades que o artista tem e "vê as cores aparentes da natureza como elas
realmente são(...)" (1980:17). Quando assume essa afirmação, o filósofo diz que "o poder
observacional do artista é altamente desejável na fenomenologia" (1980:17); e assim, ele
incorpora a tudo que está no presente momento em seu espírito, que seja provocado por um
fenômeno que, por sua vez, pode estar fora ou dentro de você, seja real ou não, seja um
existente individual ou não, esse algo pode se manifestar a você neste exato momento de
qualquer forma. Não que nós deveríamos ser artistas para absorvermos melhor a realidade,
mas sim que desenvolvêssemos um apurado controle dos nossos órgãos do sentido a fim de
aproximarmo-nos muito mais das coisas que nos rodeiam .
Faneron (phaneron) é o termo que Peirce utiliza para designar a noção de fenômeno, toda e
qualquer manifestação externa ou interna aos nossos sentidos, e, entre as últimas podemos
enquadrar os sonhos, os devaneios, a imaginação e a ficção, etc. Peirce leva esse conceito
muito além pois esse conceito há de gerar para ele o conceito de signo, já que o fenômeno
desperta o pensamento e ele por sua vez uma possível forma de representação.
Santaella (1994:157) nos apresenta uma das definições de signo encontrada na obra de Peirce,
entre as muitas deixadas por ele e segundo ela mesma é "bastante sugestiva": "(...) incluindo
sob o termo signo, qualquer pintura, diagrama, grito natural, dedo apontando, piscadela,
mancha em nosso lenço, memória, sonho, imaginação, conceito, indicação, ocorrência,
sintoma, letra, numeral, palavra, sentença, capítulo, livro, biblioteca, e, em resumo, qualquer
coisa que seja, esteja ela no universo físico, esteja ela no mundo do pensamento, que - quer
corporifique uma idéia de qualquer espécie (e nos permita usar amplamente esse termo para
incluir propósitos e sentimentos), quer esteja conectada com algum objeto existente, quer se
refira a eventos futuros através de uma regra geral - leva alguma outra coisa, seu signo
interpretante, a ser determinado por uma relação correspondente com a mesma idéia, coisa
existente ou lei (MS 774:4)".
Como podemos observar o faneron, responsável pela produção de signos pode ser uma
sensação, uma semelhança com outra coisa, ou ainda, uma causalidade ou até mesmo um
existente e se manifesta conforme três categorias universais.
1.5.1.1 Primeiridade
É original aquilo que é primeiro. A idéia de primeiridade é tão livre que se você se fixar para
pensar nela ela já estará aprisionada em alguma comparação e não será mais primeira.
A primeiridade é um estado de qualidade daquilo que é variado, múltiplo, impreciso, dada a
multiplicidade de possibilidades. Não é a imprecisão da ausência, mas sim, da fartura. Para
Peirce a primeiridade é uma qualidade de sensação, só a qualidade, pois o que produz essa
sensação ainda é incorpóreo. Imagine um frio sem ainda estarmos no inverno, uma cor sem
estar impressa em algo, uma dor ainda não sentida. Peirce afirma(1980:89) :"Parece-me que
uma qualidade de sensação pode ser imaginada sem qualquer ocorrência." Disto supomos que
a primeiridade está num estado pré ou quase.
1.5.1.2 Secundidade
É segundo tudo aquilo que é terminado, que tem como elemento o conflito. Se você empurra
uma cadeira, ela com sua massa e seu peso resiste até que sua força seja maior à sua
resistência e ela mude de lugar. Causa e efeito, ação e reação, memória, realidade, polaridades
negativo/positivo, doce/salgado, vida/morte. Se primeiro é vir a ser, o segundo é a existência
mesma.
1.5.1.3 Terceiridade
É a mediação. O início é primeiro e o segundo é o fim, entre eles está o terceiro. É terceiro
aquilo que representa algo para alguém, é a mediação entre a consciência e o que está fora
dela.
O terceiro é geral. A generalidade é um terceiro porque a aceitamos, porque ela nos faz ter a
idéia do que a realidade é efetivamente. Toda lei é um terceiro porque denota algo que ocorre
repetidamente, um desvio na estrada é um terceiro em relação ao início e o fim desta estrada
pois me faz entender que ela faz a mediação entre outras localidades; se lanço uma pedra para
o alto, sei que ela voltará. Tudo o que pensamos é a mediação entre a realidade e o que está
em nossa consciência.
A terceiridade nos delega um poder sobre o futuro porque na medida em que repetidas ações,
ou ainda repetidas palavras ou idéias vão sendo utilizadas com determinados sentidos, com
determinados significados eles podem nos trazer leis para as nossas ações futuras.
Conduzindo-nos a outras significações, essas ações e palavras podem gerar dúvidas, ao gerar
dúvidas ampliamos seus espectros e ampliaremos no futuro suas generalidades.
No mundo semiótico temos aquilo que é terceiro. No reino dos signos ocorre o que está
descrito sobre as ações futuras.
1.5.2 Visão pansemiótica do mundo
O prefixo pan significa todo e para Peirce, o homem é um signo, pois como vimos, o homem
poder ser considerado um terceiro, uma mediação entre outros homens e a realidade na
medida em que é um ser produtor de linguagem.
Para Peirce o homem pode ser considerado uma espécie de símbolo porque vai adquirindo
novos significados, novas conotações à medida que evolui assim como afirma o filósofo
(1975:307/8): " a palavra nada significa senão aquilo que algum homem a fez significar(...)",
isso é válido também para o homem, já que o homem se transforma e evolui e aprende novos
conceitos sobre si mesmo e sobre o universo que o rodeia, e, assim, conseqüentemente
aprende mais sobre si mesmo novamente.
Peirce afirma que o homem enquanto símbolo verdadeiro é imortal, e um símbolo verdadeiro
é aquele que deixa provas da sua existência, é aquele cujo caráter peculiar o transforma num
signo na consciência de outros homens.
Mesmo os fenômenos vão crescendo em significado na medida em que o homem busca
conhecê-los melhor. Assim como os signos que o homem cria, o mundo é uma cadeia de
signos a ser elucidada pelos homens e o homem um signo a ser compreendido por ele mesmo.
1.6 Alguns apontamentos sobre o signo
1.6.1 Introdução
O signo, conforme uma das várias definições de Peirce(1975:94), é "algo que sob, certo
aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém" . Sendo assim o signo
dirige-se a alguém substituindo o objeto ou referindo-se a ele, já que simplesmente o
representa. Mesmo a própria coisa pode representá-la pois, na medida em que a tocamos, ou
derramamos um olhar cheio de significação para ela já terá sido um signo. Re-presentar por
sua vez significa tornar presente, apresentar novamente; o signo representa, ou seja, torna
presente aquilo que no momento não está aqui, portanto o signo envolve um conceito de
substituição.
Na medida em que recebemos esse algo que substitui um componente da realidade, como
vimos anteriormente, criamos em nossa mente imagens e explicações para o signo que poderá
ser mais ou menos desenvolvidas, dependendo do grau de familiaridade que mantivermos
com ele. Por exemplo; se usamos a palavra água, ela sozinha pode conter muitas das nossas
experiências em relações a esse componente líquido, inodoro , insípido e incolor que existe na
realidade. Uma das nossas experiências pode ser o banho, o mar, a sede, a piscina ou até
mesmo a sua molécula H2O. Sendo assim esse signo água contém muitos objetos. Um signo
pode conter muitos objetos, mas sua única função é representar esses objetos, referir-se a
eles. A palavra água não pode permitir nenhuma experiência direta com a água mesma, nem
me fazê-la reconhecer, porque ao usar a palavra não sofro o mesmo efeito que ao abrir a
torneira. A água que não pode estar no mar, nos seus olhos, no copo e matar sua sede é a
palavra água.
Lúcia Santaella (1993:39) conclui "1) que o signo é determinado pelo objeto, isto é, o objeto
causa o signo, mas 2) o signo representa o objeto, por isso mesmo é o signo; 3) o signo só pode
representar o objeto parcialmente e 4) pode até mesmo representá-lo falsamente, 5)
representar o objeto significa que o signo está apto a afetar uma mente, isto é produzir nela
algum tipo de efeito; 6) esse tipo de efeito produzido é chamado de interpretante do signo; 7)
o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e mediatamente determinado pelo
objeto, isto é 8) o objeto também causa o interpretante, mas através da mediação com o
signo."
Estas conclusões vêm a sintetizar o que está exposto anteriormente: em (1) vemos que cada
objeto que compõe a realidade pode ser representado por um signo seja verbal, seja visual,
seja sonoro como já vimos, e isso se estende até (2) onde ao utilizarmos qualquer
representação de água não nos molhamos nem matamos nossa sede e em (3) vemos que a
conclusão confere e se estende ao (4) porque às vezes podemos com um simples papel
celofane azul criar um mar num comercial de TV, uma falsa representação de água, como no
filme "Os dez Mandamentos" de Cecil B. de Mille em que Moisés ao cruzar o mar Vermelho, o
separa para que o povo hebreu possa passar e assim fugir à perseguição dos homens do Faraó;
o item (5) refere-se às experiências que tenho do objeto, no nosso caso o banho, a sede, o
choro, a fórmula etc, essas experiências despertadas em nossa mente, na medida em que
utilizo ou alguém próximo de mim utiliza, chamamos de interpretante, que não podemos
confundir com intérprete ( o que interpreta, a mente interpretadora, portanto alguém), o
interpretante pode ser igual em muitas mentes interpretadoras, pode ser diferente na medida
em que determinados fatores culturais sejam diferentes; o interpretante surge em nossa
mente despertado pelo signo no momento em que pronunciamos uma palavra, contemplamos
uma foto, etc, vai daí que em (8) a afirmação de que o objeto também causa o interpretante
deve-se ao fato que na medida em que nossa necessidade de substituirmos, representarmos a
realidade, qualquer gesto, qualquer olhar derramado sobre ela está carregado de signos, daí
que a realidade em si produza interpretantes mas sempre através da mediação com o signo.
Vejamos um exemplo. No momento em essas páginas são lidas imaginemo-nos diante de uma
paisagem muito bonita que fica mais ou menos a quinhentos metros de onde estamos. À nossa
frente um rio manso desliza entre guapés, à margem oposta de onde nos encontramos muitas
colinas com verdes pastagens contrastam com as manchas brancas que podemos supor, sejam
bois. Ao longe ouvimos o ruído de uma barcaça que se aproxima, sabemos que se aproxima
porque ouvimos o efeito do som se acelerar. Tudo isso ocorre, dentro da realidade, ao mesmo
tempo, se fosse real, nossos olhos e nossos ouvidos escolheriam pontos em que se apoiar a fim
de que pudéssemos descrever em forma de palavras, se fosse uma fotografia nosso olhar
debruçar-se-ia sobre um ponto mais atraente até os pequenos detalhes, se fosse uma música
que ainda não conhecêssemos, com certeza os sons mais estridentes chamariam mais a nossa
atenção.
1.6.2 As partes de que se compõe o signo
Para que o que ficou dito atrás se resolva agora de modo mais ordenado, coloquemos ordem
nessas conjeturas. Se compreendemos os passos anteriores, encontraremos um terreno firme
na próxima estrada.
O signo é um todo, é algo que não pode ser dividido, no entanto, podemos dizer que ele é
composto de três partes, elas são inseparáveis, já que o signo é uma unidade de representação
da realidade.
1.6.2.1 O representâmen
Peirce denominou de representâmen o corpo do signo, sua materialidade. A materialidade do
signo nada tem a ver com o objeto que ele representa, às vezes poeticamente é possível,
porém para efeitos didáticos, digamos que essa materialidade é aquela que utilizamos para
fazer o signo aparecer.
Para exemplificar quando escrevo a palavra seis, as letras S,E,I,S colocadas uma ao lado da
outra materializam algo e essas letras colocadas desta forma sempre serão signo de algo que
envolve a quantidade que elas representam. Se tomo em minhas mãos a foto de uma criança o
representâmen é o papel a textura do papel, o colorido, os contornos daquela criança, sua
imagem. Se ouço um som sua tonalidade, sua intermitência ou sua suavidade serão sua
materialidade, seu representâmen.
Concluímos então, que o representâmen é o corpo no qual o signo se manifesta, assim como o
seu corpo necessita de roupas adequadas para uma festa ou outra ocasião, os objetos
necessitam de letras, cores, traços ou sons para se deixarem representar.
1.6.2.2 O objeto
O signo comporta dois objetos: a) imediato e b) dinâmico:
a) Objeto imediato: é aquele que o signo carrega dentro de si mesmo.
O signo ÁGUA carrega dentro de si mesmo vários objetos: o Mar Vermelho separado,
representado no cinema, o celofane azul no comercial de TV, a foto do mar, o som de uma
cascata, a fórmula H2O, o copo de água, a lágrima etc. Todas essas coisas são signos da água e
comportam cada uma, um de seus aspectos, porém somadas não são a própria substância em
sua totalidade de aspectos, que já foi num passado distante cristalina e pura e hoje , nos
grandes centros, poluída e mal cheirosa. Por isso, algumas páginas atrás dissemos que o signo
comporta vários objetos, como pode comportar apenas um, como pode comportar um objeto
que ainda venha a existir, ou que já tenha existido. Por exemplo o livro Viagem à Lua de Júlio
Verne, na época em que foi escrito, era signo de algo que estava no futuro, como o filme Blade
Runner, o Caçador de Andróides pode estar sendo signo de algo que poderá existir; outro
exemplo, são as escavações de arqueólogos em busca de civilizações que desapareceram, às
vezes um dente, um crânio pode ser signo de algo que já tenha existido em grandes extensões.
b) Objeto dinâmico: é aquele que está na realidade, que pertence,
pertencerá ou pertenceu ao mundo não semiótico. Como já vimos o mundo não semiótico só
pode ser "tocado" por intermédio dos signos. O homem substituiu a realidade por signos e a
compreensão do conceito fica difícil porque ainda que quiséssemos exemplificar seria em
palavras e seria uma mediação.
Para que compreendamos melhor, execute uma tarefa: estenda sua mão agora enquanto lê
esse texto e toque em algo que esteja próximo a você e que não faça parte de você. Sinta esse
objeto, o seu toque sobre ele é um signo, sua pele é um órgão do sentido e transmite a você
alguma informação sobre ele, agora olhe-o, suas cores, sua materialidade, ouça-o se ele for
capaz de produzir algum som, agora abandone-o e lá está ele compondo a realidade.
Suponhamos que alguém entre onde você está, pegue esse objeto e o lance fora, pela janela;
lá estará ele, talvez a dez, talvez a dois metros abaixo, lá na rua, compondo a realidade.
A realidade aí está, você a toca de uma forma, outros de outra e sobre isso Peirce afirma que:
"Diferentes espíritos podem firmar-se nas mais conflitantes posições, e; não obstante, o
progresso da investigação os levará, por força externa a uma única e mesma conclusão"
(1975:667). Por que um lógico chegaria a essa afirmação? Porque conhece o caráter de
veracidade da realidade e sabe que caminhamos em busca de respostas e que chegaremos a
elas mais cedo ou mais tarde porque a realidade está à nossa espera e ao nosso alcance como
objeto do saber.
Disso tudo podemos concluir que o signo comporta dois objetos, um que está dentro dele, e
que só ele comporta, e outro que pertence, pertenceu ou pertencerá ao mundo externo, não
semiótico.
1.6.2.3 O Interpretante
O signo comporta três interpretantes: a) interpretante imediato; b) interpretante dinâmico e c)
interpretante em si:
a) interpretante imediato: é o significado, ou imagem mental que o
signo está apto a produzir em nossas mentes. É preciso compreendermos que o interpretante
imediato é aquele que está embutido no signo em potencial. É um significado que pode estar
lá dentro do signo, qualquer que seja ele.
b) interpretante dinâmico: é o significado ou imagem que o signo
efetivamente produziu ou produz na minha mente, ou na sua. No instante que se depara com
o representâmen ele desperta em nossa mente algum efeito.
c) interpretante em si, ou interpretante final: deverá ser o resultado
final do processo de semiose, são as várias explicações, significados, efeitos e imagens que o
signo é capaz de produzir na medida em que ele transita em várias mentes, por várias gerações
e assim por diante. Esse significado seria muito amplo, e, dada a vastidão do seu conceito nós
só podemos imaginar esse tipo de interpretante.
1.6.3 As tricotomias
Como já observamos, Peirce classifica os fenômenos sempre em três categorias. Ele denomina
de tricotomias as relações que o signo estabelece entre os objetos que denotam, ou entre os
representâmens ou ainda entre os interpretantes. Serão três tricotomias, das quais ele saca
dez classes de signos e segundo sua fórmula será o três elevado à décima potência, gerando
59.049 tipos de signos.
1.6.3.1 O signo e seu representâmen
Nesta relação temos uma relação de comparação, é uma relação de possibilidades lógicas já
que essa é uma tricotomia de primeiridade. O signo em si mesmo, ou seja, o representâmen
em si mesmo pode ser uma mera possibilidade, um existente real ou uma lei geral.
QUALI-SIGNO - qualidade, originalidade, estado quase. Não pode atuar como
signo até que esteja corporificado e quando se materializa não será mais um quali-signo.
Repare que a simples possibilidade de algo se manifestar como um signo é um signo.
SIN-SIGNO - Um evento real que é um signo. Algo que funcione como um
signo de alguma coisa. Aqui um existente pode nos avisar sobre a existência de outro.
Um grito, uma interjeição pertencem a esta categoria.
LEGI-SIGNO - Todo signo convencional. Toda aquela representação que foi
convencionalizada pelos homens. As palavras por exemplo são usadas significando o que
significam porque alguns antes de nós resolveram que elas significam aquilo. Para
entendermos esse tipo de convenção vejamos os códigos de certas gangues; os componentes
utilizam certos termos que só o grupo conhece o significado e utilizam quando precisam falar e
não podem ser entendidos por outros. Todo o nosso vocabulário se faz desta forma. As
pessoas convencionaram que as palavras significam o que significam, algumas palavras , no
entanto, ficariam de fora desta classificação, como por exemplo as onomatopéias, ou seja as
palavras que imitam os sons dos animais ou equipamentos ou fenômenos da natureza, talvez
elas possam ser enquadradas na categoria anterior.
Peirce, muitas das vezes, parece utilizar o termo signo no mesmo sentido de
representâmen, se isto estiver correto aqui seria o representâmen em relação a ele mesmo, e
nas seguintes o representâmen e suas conexões como o objeto que ele representa e na
terceira o representâmen e o que jaz nele , mesmo , que possa gerar interpretantes.
1.6.3.2 O signo e seu objeto
Essa relação se estabelece entre o representâmen e o objeto que ele representa. É uma
relação de desempenho, de natureza dos fatos reais. O signo pode manter algum caráter em si
mesmo, manter alguma relação existencial com seu objeto ou se referir ao objeto que denota
por força de uma lei.
ÍCONE - denota um objeto por força de sua semelhança com seu objeto, ainda
que esse objeto exista ou não. Qualquer coisa pode ser ícone de qualquer coisa na medida em
que seja semelhante a essa coisa em algum aspecto. Uma pintura abstrata, uma música
instrumental, etc.
ÍNDICE - Atua como signo do objeto que representa na medida em que é
afetado por este. Um girassol pode ser signo do sol na medida em que o acompanha durante o
dia.
SÍMBOLO - se refere ao objeto que denota por força de uma convenção, de
uma lei. A palavra é um símbolo por excelência.
1.6.3.3 O signo e seu interpretante
Essa relação se dá quando o representâmen está apto a despertar um interpretante como
signo de possibilidade, ou como signo de fato ou ainda como um signo de razão, por isso
Peirce afirma ser essa uma tricotomia das relações com o pensamento, da natureza das leis.
REMA - É um signo que para seu interpretante é um signo de possibilidade, ele
é entendido como um possível objeto. As formas nas nuvens que buscamos podem ser
consideradas remáticas porque geram interpretantes desta categoria.
DICENTE - É um signo que para seu interpretante é representado como um
existente, é entendido como representando seu objeto. Um exemplo dado por Peirce é a
bússola.
ARGUMENTO - É um signo que para seu interpretante é um signo de lei,
representa seu objeto em seu caráter de signo.
Essa tricotomia é a tricotomia da razão, do pensamento. O pensamento de
cada um de nós opera com várias linguagens, quando pensamos misturamos muitas
linguagens para traduzir o que pensamos. A todo momento usamos pensamentos que
ampliam pensamentos anteriores, portanto, todas as tricotomias aqui expostas não funcionam
isoladamente, mas sim em suas combinações.
1.7 As dez classes de signos
___________________________________________________
tricot representâmen objeto interpretante
cat.
___________________________________________________
Primeiridade quali-signo ícone rema
_____________________________________________________________
Secundidade sin-signo índice dicente
___________________________________________________
Terceiridade legi-signo símbolo argumento
___________________________________________________
A partir deste quadro Peirce elabora as dez classes de signos:
Signos de Primeiridade
- Quali-signo (remático - icônico):o quali signo é aquele cujo
representâmen é uma mera possibilidade, por isso é uma mera qualidade, como é um rema só
pode ser interpretado como um signo de possibilidade.
Signos de Secundidade
-Sin-signo icônico (remático): é um objeto particular e real que
estabelece analogia a outro pelas suas particularidades. Para Peirce um diagrama se enquadra
nessa classe pois é um objeto fruto de uma experiência que determina a idéia de outro objeto.
- Sin-signo indicial remático: É um objeto que pelas suas características
determina outro objeto, mas por ser remático seu interpretante representa-o como
possibilidade. Um grito, por exemplo.
- Sin-signo dicente (indicial): É um signo que afeta seu objeto
diretamente, que proporciona informação concreta a respeito do objeto. Para Peirce um cata-
vento se inclui nesta classe. Em tese uma manchete de jornal ou um briefing pode ser
incorporado nesta categoria.
Signos de Terceiridade
- Legi-signo icônico (remático): é um ícone interpretado como uma lei.
Um diagrama numa fábrica que produza muitas peças semelhantes. O Projeto gráfico de um
jornal, por exemplo
- Legi-signo indicial remático: Lei geral que estabelece que cada um de
seus casos seja afetado pelo objeto e atraia a atenção. Um pronome demonstrativo enquanto
palavra é um legi-signo porém, atrai a atenção para um objeto e é remático pois um pronome
demonstrativo sozinho, sem o substantivo que o acompanhe, seu interpretante o representa
como um signo de possibilidade. Uma placa de trânsito que anuncia a possibilidade de
encontrarmos adiante um desmoronamento, ou animais ou neblina, etc.
- Legi-signo indicial dicente: Objeto real que forneça informações reais
sobre um objeto. Uma placa de trânsito, por exemplo, daquelas que avisam sobre travessia de
escolares, curva fechada à frente, etc.
- Legi-signo simbólico remático - Símbolo-remático: qualquer símbolo
que ainda não seja uma proposição, ou seja que não procure definir um objeto qualquer. Uma
palavra no dicionário, por exemplo, é um símbolo remático, pois no dicionário ele representa
sua característica mais geral, mais variada na possibilidade e seu interpretante representá-lo
como um signo de possibilidades.
- Legi-signo simbólico dicente - Símbolo Dicente: Uma proposição; um
signo ligado a seu objeto através de uma associação de idéias de modo que se interpretante
represente-o como sendo realmente afetado por seu objeto, como uma lei ligada ao objeto
indicado.
- Argumento (Simbólico legi-signo): Representa seu objeto como um
signo ulterior através de uma lei, que tende a ser verdadeira.
1.8 A classificação dos signos de Peirce aplicada à leitura de uma primeira
página de jornal, apenas como exemplo
Seria muita ousadia aqui falar de toda a classificação dos signos de Peirce, já que sua extensa
obra prevê 59.049 tipos de signos. Mas atenhamo-nos principalmente às três matrizes as quais
utilizaremos: a primeira estabelece o signo em relação ao seu representâmen, ou seja o signo
em relação ao material de que ele é feito, a segunda, o signo em relação ao seu objeto, ou seja
o objeto que ele representa, a terceira finalmente é do signo em relação ao seu interpretante,
e para Peirce o interpretante é a imagem, ou imagens que o signo pode despertar numa
mente interpretadora.
Cada uma dessas categorias divide-se em três outras que se pode aplicar na leitura das
representações. Leitura aqui tem o mesmo sentido daquela que Popper nos ensina em seu
livro Conjecturas e Refutações, ou seja, leitura no sentido de interpretação.
Em primeiro lugar delimitemos nossa área : a primeira página de um jornal, a escolha da
primeira página é porque ela parece sintetizar o cotidiano das pessoas, seja num jornal de
pequena circulação ou não a primeira página estabelece um diálogo com o leitor, e que
mostra todos os principais fatos ocorridos na semana, se o jornal for semanal, ou no dia
anterior, se o jornal for diário. A primeira página tem uma diagramação, nos dias de hoje, que
depende de vários fatores. O principal é o tecnológico, já que os meios de produção gráficos
avançaram sobremaneira nos últimos dez anos, assim também, desde da década de setenta o
uso da cor se estabelece com um atrativo e deixa o diálogo mais realista, mais aberto ao
desejo, outro fator que determina a diagramação de uma primeira página é a seleção do que
precisa ser mostrado já que a primeira página é a propaganda do produto e o produto ao
mesmo tempo, e poderíamos acrescentar aí também o caráter de embalagem do produto, o
segundo fator que entra na composição da primeira página é a seleção dos assuntos que ela
apresenta, e que sempre é uma tarefa difícil, em virtude da grande quantidade de fatos que
produzem um volume extenso de informações.
A primeira página atingirá seu objetivo na medida em que contiver mais informações a fim de
atrair o leitor. A combinação das fotos, das legendas e dos textos nos guiará na ordem de
leitura dos cadernos do jornal. O jornal é um veículo de informação que pela própria natureza
de sua montagem pode ser lido aos cacos, ao contrário, aos poucos; essa característica, típica
da modernidade, faz o jornal renascer a cada leitor, e compor-se diferentemente aos olhos de
cada um, exatamente como nos coloca Júlio Cortázar em seu pequeno conto As Metamorfoses
do Jornal.
Tendo delimitado o objetivo de aplicação da semiótica, relembremos, embora de maneira
breve, a teoria que servirá de escopo à nossa leitura: a Semiótica de Peirce nos dá em uma de
suas divisões a ferramenta necessária ao nosso objetivo. A Gramática Especulativa é aquela
que trata da classificação dos signos e que será esclarecida daqui a pouco, a Lógica, ou a parte
da semiótica que trata dos processos mentais dos signos, e finalmente a Retórica Especulativa,
ou a parte da semiótica que elucida os vários empregos que fazemos dos signos e suas
significações. Tendo localizado nossa teoria elucidemo-la: a Gramática Especulativa vai nos
ensinar como classificar os signos que nos rodeiam, e como eles surgem dentro da nossa
realidade. Um signo pode ser observado apenas em seu caráter de signo, ou melhor, apenas a
sua materialidade.
O que faz de um signo ser um signo é que ele tem um corpo que representa parcialmente um
objeto, parcialmente porque esse é o caráter do signo, um signo não pode representar o
objeto por inteiro, pois aí ele não representaria, ele seria o próprio objeto; por exemplo uma
foto não é o objeto fotografado, assim como um filme apenas representa o filmado, nada
mais. Assim uma foto pode ser analisada apenas pela sua materialidade, sua cor, sua textura,
sem necessariamente nos atermos ao objeto que foi fotografado.
A primeira tricotomia dada por Peirce é aquela do signo em relação ao seu representâmen, ou
seja, a materialidade que faz com que o signo exista, todo signo habita um corpo que o
manifesta: a letra, a tela e a tinta, o livro e assim por diante, quando analisamos um signo
apenas pela sua materialidade podemos classificá-lo em quali-signo, sin-signo, e legi-signo. O
primeiro podemos conceituar como um signo em seu estado de qualidade pura; e a primeira
página em seu estado qualidade pura é papel, efêmero papel com algumas manchas gráficas.
O sin-signo, na concepção de Peirce é um evento que ocorre singularmente, uma única vez, e
exatamente a primeira página jamais se repetirá, apesar de ser a mesma todos os dias, de
parecer ser a mesma todos os dias, cada dia é uma, não se repetirá jamais. O legi-signo, para
Peirce é aquele signo que é uma lei, e como tal admite réplicas, ora a primeira página repete-
se todos os dias, seu esquema de diagramação é o mesmo todos os dias; todos os dias o editor
monta uma primeira página sobre os moldes que ele mesmo cria a fim de habituar os olhos do
leitor.
A tricotomia seguinte dada por Peirce é aquela que relaciona o signo ao seu objeto, ou melhor
dizendo, quais são os traços do objeto que podemos encontrar no signo, exemplificando;
numa foto encontramos uma certa semelhança da imagem com o fotografado, o que não
ocorre numa palavra, uma vez que seu significado foi convencionado pelos homens. Assim
sendo Peirce divide essa tricotomia em Ícone, Índice e Símbolo. O Ícone é o signo que
possibilita qualquer analogia com o objeto, um traço, uma cor podem ser análogos ao objeto,
para o criador da semiótica, um diagrama pode ser ícone, uma vez que ele guarda
semelhanças com o objeto que representa, uma primeira página é um diagrama, pois o que
está disposto nas fotos, legendas e textos, traz uma hierarquia entre os fatos que estão ali
alinhados, a primeira página é o diagrama do mundo no dia anterior, ela traz o mundo
retalhado em boxes, em fotos, em legendas e textos, diagramados de modo a trazer para o seu
leitor uma imagem do dia anterior no seu país, na sua região, na sua cidade no dia anterior. O
signo indicial é aquele que se vê afetado pelo objeto que representa, ora o jornal e seu
compromisso com a objetividade traz em suas reportagens, principalmente as da primeira
página, a maior precisão de fatos possível, uma vez que enquanto veículo de informação , tem
seu compromisso com a verdade, e enquanto produto tem um compromisso com seu
consumidor. Vai daí que o signo indicial que podemos encontrar numa primeira página são as
matérias veiculadas dando o rigor de verdade. É uma foto dentro de uma batalha, é um ladrão
esfaqueado na calçada, ou a inauguração de uma rodovia pelo prefeito da cidade, esses textos
ou essas fotos reconstroem a realidade de cada um de nós. O signo simbólico para Peirce é
aquele signo arbitrário e convencional. A arbitrariedade na primeira página está naquilo que o
editor convencionou ser o mais importante do dia, e você enquanto leitor aceita essa
convenção, arbitrária ou não a primeira página é aquilo que o leitor engole como o principal
porque alguém antes dele já determinou como tal. Simbólicos somos todos na medida em que
aceitamos a convenções que ordenam o mundo dentro de uma lógica pré-selecionada.
A terceira tricotomia de Peirce nos oferece o signo e seu interpretante. Interpretante, como já
foi citado, é o efeito que o signo provoca em uma mente interpretadora, esse efeito pode ser
visual, verbal, sonoro ou misto. Esta tricotomia nos ensina que o Rema é o signo cujo efeito é
uma mera qualidade, a primeira página desperta a cada manhã trazendo uma surpresa, ela
procura dar conta do estado em que se encontra o mundo e exatamente a junção de todas as
coisas que ela traz pode despertar um rema. Um signo remático, vem a ser a primeira página
ao despertar em nós uma possibilidade de sentir o mundo diante de nós. O signo dicente é
aquele que nos dá uma proposição, é aquele que afirma algo sobre alguma coisa. Uma foto de
alguém que eu conheço, por exemplo é um signo dicente na medida em que demonstra a foto
de alguém que eu reconheço como sendo aquele alguém, ou ainda uma oração com um
sujeito e um predicado que enuncie algo sobre o sujeito, e a partir daí então, eu posso inferir
que a primeira página em seu caráter de signo dicente me faz reconhecer o que acontece no
mundo, pois as fotos trazem legendas que enviam novamente às fotos e aos textos internos,
os textos me remetem aos textos mais esclarecedores dos cadernos seguintes e assim por
diante, podemos concluir que na medida em que a primeira página é uma proposição do que
será desenvolvido no interior do jornal que ela se comporta, nesse aspecto como um signo
dicente. Por último nesta categoria encontramos o Argumento, que para Peirce mora no
coração da lógica. O Argumento é um signo feito de algumas proposições a respeito de um
determinado objeto a fim de determinar o caráter de veracidade daquele objeto. O
Argumento é composto de proposições a respeito de um objeto de modo que se esclareça algo
sobre ele. Se inferirmos a respeito de uma primeira página qualquer, descobriremos que ela é
uma tentativa de reconstrução da realidade dentro da qual vivemos, ao elaborar uma primeira
página com os cacos do mundo, o editor compõe uma realidade que acreditamos ser a nossa,
que acreditamos ser daquela forma, porque vivemos nela.
Enfim, uma primeira página é sempre uma e múltipla ao mesmo tempo, é algo repetível
dentro de sua irrepetibilidade, é um relativo dentro de absoluto, é a afirmação de uma
negação, pois ao negar a do dia anterior afirma-a porque dentro de si a mesma lei que
produziu a anterior, é a multiplicidade dentro da singularidade, pois ao ser a única daquela
edição, traz as outras edições que fizeram o jornal ser o que é, é caótica pois divide o mundo
em pedaços e o recompõe de forma a criar uma outra realidade em que nos reconheçamos
como tal. É um lugar, é o topos que nada contém, pois é efêmera demais para ser algum lugar,
para conter algo.
1.9 Concluindo ainda que precocemente
Para finalizar o importante é que fiquem claras as noções de representâmen, objeto e
interpretante e que não devem ser confundidas entre si. Para cada tipo de representâmen há
um ou mais tipos de objeto imediato ou dinâmico, ou tipos de interpretantes. Importante
também é não confundir, embora parece pouco provável, a idéia de objeto imediato com a
idéia de interpretante. O objeto imediato está dentro do signo e o interpretante é o que ele é
capaz de produzir fora dele, portanto o signo Água com seus inúmeros objetos imediatos em
estado latente, está apto a produzir em nossa mente várias imagens ou sons ou sensações,
talvez tantos quantos objetos imediatos ele comporte, a diferença consiste em o signo sendo
veiculado, pois ele exige uma mente interpretadora seja ela qual for, e assim comporta um
interpretante, bem como contém um objeto imediato; em estando em repouso, como no
dicionário por exemplo, a face que ele apresentaria seria a dos objetos imediatos.
Quanto às tricotomias que foram estabelecidas mais tarde, dentro delas Peirce estabeleceu,
então, as dez classes de signos e podemos perceber que ele as opera a partir do
representâmen, porque é ele que dá materialidade ao signo. O representâmen pode ser um
existente ou não (no caso, o quali signo é mera possibilidade) mas a existência do
representâmen é que determina as várias classes de signos.
Peirce vai combinando a partir da tricotomia dos representâmens porque eles definem
enquanto corpo, enquanto vestimenta o objeto que o signo representa e o interpretante que
ele desperta, e como o quali-signo é mera possibilidade ele só poderá combinar-se ao ícone e
ao rema, e portanto à primeiridade pura, pertence apenas uma classe, o que parece muito
natural, pois sem roupagem o signo não é capaz de trafegar pela linguagem. As três classes
que seguem serão pertencentes à secundidade, uma secundidade híbrida com a primeira para
as duas primeiras classes e uma secundidade pura para a última; para as classes de
terceiridade ficamos com muitas combinações e muitas possibilidades de construir signos, de
criar novas representações.
Podemos notar que o filósofo foi combinando os representâmens sempre com os quadros
anteriores superiores ou laterais, para representâmens singulares, os sin-signos, ele combinou-
os aos seus superiores e vizinhos, o mesmo se dá com os legi-signos, que se combinam com as
tricotomias de primeiridade, de secundidade e de terceiridade e surge assim um número maior
de legi-signos e suas nuanças . Muitos como podemos ver, são signos que embora sejam
convencionais podem ser icônicos, indiciais ou simbólicos, se a relação que eles guardam com
seu objeto for de primeiridade, secundidade ou terceiridade, o mesmo ocorre com o
interpretante que o representa: rema,dicente ou argumento.
Referências:
BONINI, L.M.M. O uso da imagem da criança na mídia: publicidade x jornalismo,
algumas considerações, in Revista Brasileira de Lingüística, Vol. 12, no. 1, 2003,
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DEELY, J. Semiótica Básica. Ática. São Paulo. 1990
ECO, U. Apocalípticos e Integrados, 5ª.ed., São Paulo: Perspectiva, 1998
PEIRCE, C. S. Semiótica e Filosofia, Ed. Cultrix, SP, 1975
SANTAELLA, L. O que é Semiótica, São Paulo. Ed. Brasiliense, SP, 1980
SANTAELLA, L. Semiótica Aplicada. Thomson. São Paulo. 2002
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