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APÊNDICE A
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
MARCOS ANTONIO AZEVEDO DE OLIVEIRA
A INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE NA RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES QUÍMICOS NO CENTRO DE RECUPERAÇÃO MÃO AMIGA (CREMA).
FORTALEZA 2014
MARCOS ANTONIO AZEVEDO DE OLIVEIRA
A INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE NA RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES QUÍMICOS NO CREMA.
Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.
Orientadora: Prof.ª Esp. Verbena Paula Sandy
FORTALEZA
2014
MARCOS ANTONIO AZEVEDO DE OLIVEIRA
A INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE NA RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES QUÍMICOS NO CREMA.
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da Aprovação: ____/____/______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________ Prof.ª Esp. Verbena Paula Sandy
(Orientadora)
____________________________________________________ Prof.ª Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes
(Examinadora)
Prof.ª Esp. Talitta Cavalcante Albuquerque Vasconcelos (Examinadora)
JACULATÓRIA AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS.
Alma de Cristo, santificai-me. Corpo de Cristo, salvai-me. Sangue de Cristo, inebriai-me. Água do lado de Cristo, lavai-me. Paixão de Cristo, confortai-me. Ó meu bom Jesus, escutai-me. Dentro das vossas chagas, escondei-me. Não permitais de vós me separe. Do espírito maligno, defendei-me. Na hora da morte, chamai-me. E mandai-me ir para vós. Para que com os vossos santos vos louve. Por todos os séculos dos séculos. Amém
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus pelo dom da vida, força, saúde e perseverança que
sempre me concedeu, mas, acima de tudo, por ser o centro de minha vida, guiando
meus passos e me abençoando.
A minha esposa, Janaína Araújo de Oliveira. Obrigado por compreender
essa fase, suportando meus choros e angústias, por estar comigo neste período,
sempre ao meu lado me motivando, não me deixando desencorajar neste percurso.
Do seu jeito, você se torna cada dia mais especial.
Aos meus pais, Rita Maria Azevedo de Oliveira e Antônio Marques de
Oliveira, por todo apoio, incentivo, amor, educação e criação, e toda minha família
que direta ou indiretamente me ajudaram e estiveram comigo nesse momento – Tia
Liduína Azevedo e Milton Lima, minha sogra e sogro, cunhadas e afilhados.
Aos meus irmãos, Ana Maria, Antônia Lúcia e Antônio Ronys, pelo apoio e
incentivo, sempre torcendo por mim.
Às amizades construídas no período da faculdade, em especial à
Deuzirene Lima, Isabelly Karynne, Joana D’arc Dantas, Letícia Bezerra, Miriam
Bandeira e Raimunda de Paulo, os quais fizeram parte de momentos alegres e me
fizeram rir, ainda em períodos difíceis na faculdade e na minha vida. Até mesmo
pelos momentos de divergências, que posteriormente foram revistos e
transformados em risos, gerando um maior conhecimento, confiança e
companheirismo diante dos amigos e colegas acadêmicos.
As outras amizades que, de uma certa forma, propiciaram-me a participar,
discutir e ampliar minhas percepções sobre participação política e assim contribuir
para a reavaliação da visão de mundo, tornando ação relevante para carregar em
minha bagagem na trajetória acadêmica, profissional e nas vivências como ser
humano.
A todos os professores que tive ao decorrer do curso. Cada um teve sua
importância, deixando uma carga de conhecimentos que levarei sempre na minha
vida pessoal e profissional.
Ao meu supervisor de campo, Luiz Carlos Favaron, por toda bagagem
dada a mim para que eu pudesse me tornar um Assistente Social comprometido e
competente. Também não posso deixar de agradecer a todos os profissionais e
residentes do Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA). Não existem palavras
para descrever toda minha gratidão a eles, principalmente os que contribuíram com
a minha pesquisa.
A minha orientadora Verbena Paula Sandy que, mesmo em um momento
corrido e atarefado em sua vida, não se negou a me orientar e sempre esteve
presente quando precisei.
A minha banca, Professoras Virzângela Paula Sandy Mendes e Talitta
Cavalcante Albuquerque Vasconcelos, pela disponibilidade de estarem presentes
nesse momento tão importante e especial para mim. Quero poder compartilhar com
vocês toda minha experiência e conhecimento ao longo da minha pesquisa.
Enfim, agradeço a todos que apostaram em mim e que estiveram ao meu
lado, acreditando que eu posso sempre mais, mesmo quando eu desacreditava. É
por vocês que nunca desisto, pois é a força que me move para ousar e enfrentar
novos desafios! MUITO OBRIGADO!
“Deus, conceda-me Serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, Coragem para modificar aquelas que posso e Sabedoria para reconhecer a diferença, Só por Hoje, Funciona.”
(ORAÇÃO DA SERENIDADE)
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Característica dos residentes quanto à faixa etária ................................ 20
Gráfico 2 – Característica dos residentes quanto ao estado civil .............................. 21
Gráfico 3 – Característica dos residentes quanto à escolaridade ............................. 21
Gráfico 4 – Característica dos residentes quanto à renda familiar ............................ 22
Gráfico 5 – Característica dos residentes quanto à religião atual ............................. 22
Gráfico 6 – Característica dos residentes quanto ao grau de importância à religião . 23
Gráfico 7 – Característica dos residentes quanto à droga de preferência ................. 24
Gráfico 8 – Característica dos residentes quanto ao primeiro acesso às drogas ...... 24
Gráfico 9 – Característica dos residentes quanto à idade inicial do uso de drogas .. 25
Gráfico 10 – Característica dos residentes quanto à forma como chegou ao CREMA .................................................................................................................................. 25
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CID-10 – Classificação Internacional de Doenças 10ª edição da Organização
Mundial da Saúde (OMS)
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CREMA – Centro de Recuperação Mão Amiga
CENTRO POP – Centro de Referência para População em Situação de Rua
DSM-V – Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição da
Associação de Psiquiatria Americana (APA)
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG – Organização Não Governamental
SENAD – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas
RESUMO
O tratamento para dependência de drogas ganha espaço na saúde pública brasileira e compartilha responsabilidade com o serviço de saúde convencional, visto que a dependência química é um problema de saúde pública que atinge toda a sociedade, desde as classes mais elevadas até as mais baixas. Devido ao aumento do abuso dessas substâncias, surgiram diversas formas de tratamento e, atualmente, constata-se que os trabalhos realizados pela sociedade civil, desenvolvidos nas igrejas, ONGs, fundações privadas, grupos de ajuda mútua, como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos etc., são os de maior representatividade no nosso país. As Comunidades Terapêuticas aparecem como um dos maiores representantes desse seguimento, pois oferecem hoje, o maior número de vagas de internação para o tratamento da dependência química, sendo que a maior parte dele se baseia na religiosidade, um acolhimento imediato, pautado na igualdade, sem julgamentos prévios e acima de tudo no respeito à vida. Tais intervenções são consideradas eficazes pelos indivíduos submetidos a elas e despertam a atenção destes pela forma humana e respeitosa pela qual são tratados. O presente trabalho tem por objetivo investigar como se dá a influência da religiosidade na recuperação dos dependentes químicos em atendimento no Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA), bem como compreender que fatores positivos ou negativos, ligados à religiosidade, que são apontados como importantes na recuperação desses dependentes químicos. Trata-se de uma pesquisa, dividida em quatro capítulos, baseada em estudos bibliográficos e documentais e lapidada com a pesquisa de campo, no qual se utilizou de método qualitativo, empregando-se a técnica de entrevista semiestruturada e a observação simples. Ela se realizou no período de agosto a dezembro de 2014, no Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA), localizado no município de Maracanaú e foi feita uma caracterização geral dos residentes em relação à: faixa etária; estado civil; escolaridade; renda familiar; religião atual; grau de importância à religião; droga mais usada e primeiro acesso às drogas; idade inicial do uso de drogas e forma como chegou à instituição. Da totalidade dos residentes, foram selecionados cinco sujeitos para participarem do estudo, sendo um representante de cada religião professada: católico; espírita; umbandista; evangélico e outro residente sem religião. De um modo geral, os resultados obtidos com a pesquisa demonstraram que 77,08% da totalidade dos entrevistados residentes no CREMA atribuíram à religiosidade como fundamental na sua recuperação e 22,92% deles acreditaram que a religião não é importante na sua recuperação.
Palavras-chave: Comunidade Terapêutica, Dependência Química e Religiosidade.
RESUMEN
El tratamiento para la adicción a las drogas está ganando terreno en la salud pública brasileña y comparte responsabilidad con el servicio de salud convencional, puesto que la drogadicción es un problema de salud pública que afecta a toda la sociedad, desde la más alta a las clases más bajas. Debido al aumento del abuso de sustancias, había varias formas de tratamiento y en la actualidad parece que el trabajo de la sociedad civil, desarrollado en las iglesias, organizaciones no gubernamentales, fundaciones privadas, grupos de autoayuda como Alcohólicos Anónimos y Narcóticos Anónimos etc. son los más representativos de nuestro país. Las Comunidades Terapéuticas aparecen como uno de los grandes representantes de este seguimiento, ya que ofrecen hoy en día, el mayor número de plazas de hospital para el tratamiento de la adicción, y la mayor parte se basa en la religión, una acogida inmediata, basada en la igualdad, sin juicios anteriores y ante todo en el respeto a la vida. Estas intervenciones se consideran eficaces para los individuos que se les presenten y despiertan su atención por la manera humana y respetuosa en que son tratados. Este estudio tiene como objetivo investigar cómo la influencia de la religiosidad en la recuperación de adictos a las drogas en atendimiento en el Centro Mano Amiga (CREMA) y entender que los factores positivos o negativos, vinculados a la religión, que se identifican como importantes en la recuperación de adictos a las drogas. Esta es una investigación, dividido en cuatro capítulos, con base en estudios bibliográficos y documentales, y pulida con la investigación de campo, que se utilizó método cualitativo, utilizando una técnica de entrevista semi-estructurada y la observación simple. Se realizó entre agosto y diciembre de 2014, en el Centro de recuperación Mano Amiga (CREMA), ubicado en Maracanaú y se hizo una caracterización general de los residentes en relación con: la edad; el estado civil; la educación; los ingresos familiares; la religión actual; el grado de importancia a la religión; las drogas más usadas y primer acceso a los medicamentos; la edad de inicio del consumo de drogas y cómo llegó a la institución. De todos los residentes, se seleccionaron cinco sujetos para participar del estudio, y un representante de cada religión que profesa: católico; espiritualista; umbandista; evangélico y otro residente sin religión. En general, los resultados obtenidos de la investigación mostraron que el 77,08% de todos los residentes entrevistados en CREMA, atribuirán a la religión como algo fundamental en su recuperación y 22,92% de ellos cree que la religión no es importante en su recuperación.
Palabras clave: Comunidad Terapéutica, dependencia química y la religiosidad.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 A EXPERIÊNCIA DA PESQUISA: O PERCURSO METODOLÓGICO................. 14
2.1 O cenário da pesquisa ...................................................................................... 17
2.2 Política geral da instituição .............................................................................. 18
2.3 O serviço social na instituição ......................................................................... 19
2.4 Caracterização dos residentes do CREMA ..................................................... 20
3 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E COMUNIDADE TERAPÊUTICA .............................. 27
3.1 Contexto Histórico ............................................................................................ 27
3.2 Uso de drogas, abuso e dependência química ............................................... 31
3.3 Comunidade Terapêutica – Alternativa da rede de atenção aos usuários de
álcool e outras drogas no Brasil ............................................................................ 35
4 RELIGIOSIDADE E PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES
QUÍMICOS NO CREMA ............................................................................................ 43
4.1 Conceitos: Espiritualidade, Religiosidade e Religião .................................... 43
4.2 Caracterização dos participantes da pesquisa ............................................... 45
4.2.1 Abdias ............................................................................................................... 46
4.2.2 Oséias .............................................................................................................. 46
4.2.3 Miquéias ........................................................................................................... 47
4.2.4 Isaías ................................................................................................................ 47
4.2.5 Jeremias ........................................................................................................... 47
4.3 A influência da religiosidade na recuperação de dependentes químicos no
CREMA ..................................................................................................................... 48
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
APÊNDICES ............................................................................................................. 62
ANEXOS ................................................................................................................... 67
12
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, o consumo de drogas tem aumentado de maneira
acelerada, bem como tem mobilizado organizações do mundo inteiro para tratar e
discutir o assunto. O consumo abusivo e a dependência de drogas estão
contribuindo para o crescimento dos gastos na área da saúde, para o aumento dos
índices de acidentes de trânsito, de violência urbana, de mortes prematuras e ainda
para a queda de produtividade dos trabalhadores.
É difícil pensarmos numa cultura que não tenha envolvimento com uma
ou mais drogas, diferindo apenas o tipo, os rituais e os significados de seu consumo.
E, ainda hoje, as drogas são usadas para reforçar valores e laços sociais. Da
mesma forma, ao longo da trajetória histórica é fácil percebermos que diferentes
drogas foram tornadas lícitas ou ilícitas por uma determinada sociedade de acordo
com critérios mais de ordem político-econômica do que relacionados à saúde
pública.
Para compreendermos esse universo, além da vasta pesquisa
bibliográfica e documental, foi realizada a pesquisa de campo no Centro de
Recuperação Mão Amiga (CREMA). O interesse de realizar a pesquisa nessa
instituição se fez, pelo fato, de o autor da presente pesquisa ter atuado por dois
anos, como estagiário, cumprindo a disciplina de Estágio Supervisionado em Serviço
Social, do curso de graduação na Faculdade Cearense e depois como pesquisador,
em uma unidade específica de dependência química, onde foi observada
empiricamente a adesão da religiosidade na recuperação dessa população, bem
como de toda a família.
É certo que existem vários tipos de tratamentos para a dependência
química que não correspondem somente à internação, todavia este trabalho se
detém às Comunidades Terapêuticas e a sua metodologia de tratamento na
dependência química, visando investigar como se dá a influência da religiosidade na
recuperação dessas pessoas em atendimento no CREMA, com o intuito de
compreender esse processo segundo a ótica dos indivíduos submetidos às práticas
religiosas.
Dessa forma, o objetivo geral desse estudo tratou de Investigar a
influência da religiosidade na recuperação de dependentes químicos no Centro de
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Recuperação Mão Amiga (CREMA). Para isso, demarcamos algumas investidas que
se configuraram como específicos, que são: realizar a caracterização dos residentes
do Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA); analisar como a religiosidade
interfere na recuperação dos dependentes químicos no Centro de Recuperação Mão
Amiga (CREMA) e identificar os fatores positivos e negativos, ligados à religiosidade,
que são importantes na recuperação de dependentes químicos no Centro de
Recuperação Mão Amiga (CREMA).
Para o alcance dos objetivos dessa pesquisa, foi necessário, em princípio,
abordar as categorias: drogas (contexto histórico); dependência química;
comunidades terapêuticas; espiritualidade, religiosidade e religião (conceitos).
No primeiro capítulo, intitulado – A experiência da pesquisa: o percurso
metodológico, foi descrita a trajetória metodológica da pesquisa, com as definições
dos tipos de pesquisa e o conhecimento do campo à luz dos autores que abordam
os aspectos metodológicos, apresentando uma caracterização geral dos residentes
do CREMA, além de enfatizar a política geral da instituição e o trabalho do Serviço
Social na instituição.
No segundo capítulo, - Dependência química e comunidades
terapêuticas, abordou-se os conceitos de drogas e o seu contexto histórico,
dependência química e comunidades terapêuticas.
O último capítulo, nomeado – Religiosidade e recuperação, foi utilizado
conceitos sobre espiritualidade, religiosidade e religião, que, por se tratar de uma
pesquisa de campo, dividiu-se em dois tópicos, o primeiro caracterizou os
participantes da pesquisa e o segundo discorreu sobre as discussões e os
resultados da pesquisa.
Nas considerações finais, foi explanada nossa concepção pessoal sobre
os resultados obtidos com a pesquisa, ressaltando que tais concepções são fruto de
todo o arcabouço teórico obtido através dos autores e de todos os que colaboraram
com essa pesquisa, sendo, portanto, não tão pessoais assim. Acreditamos que esta
pesquisa venha a colaborar com uma melhor compreensão sobre a dependência
química e a religiosidade, bem como uma melhor percepção sobre as relações
construídas entre a saúde do dependente químico, suas crenças e práticas
religiosas, independente de qual seja a religião professada.
14
2 A EXPERIÊNCIA DA PESQUISA: O PERCURSO METODOLÓGICO
Ao longo de nossa trajetória acadêmica e pessoal, tivemos conhecimento
de diversas questões que mereceram a atenção para debates e estudos, porém o
tema escolhido para o presente trabalho de conclusão de curso foi a influência da
religião na recuperação de um dependente químico do CREMA1.
A partir da nossa2 inserção no campo de estágio supervisionado em
Serviço Social, iniciado em agosto de 2012 e finalizado em dezembro de 2013, no
próprio CREMA, tivemos a oportunidade de aproximar dessa questão e também, de
alguns usuários de drogas, muitos destes que fazem da religião um suporte para a
sua recuperação.
É importante ressaltar que a metodologia utilizada pelo CREMA para o
tratamento dos residentes se baseou no Modelo Minesota dos Doze Passos da
Irmandade dos Narcóticos Anônimos3, no qual o Segundo Passo trabalha a ligação
do residente com um Poder Superior, de acordo com a concepção de cada um ou a
religião que professa.
Nesse sentido, estudar essa temática tem um significado muito especial
na minha vida, já que desde a infância a religião está presente nas decisões
vocacionais, familiares, profissionais, sociais, econômicas e políticas.
Para concretizarmos nosso trabalho, percebemos que a pesquisa
qualitativa é a que desejamos utilizar, pois fizemos dela uma unidade indissociável
entre teoria e prática, portanto nas práticas investigativas, tanto de caráter teórico,
como de análise da prática, buscou-se sempre a articulação entre ambas as formas
de apreensão do conhecimento.
Martinelli (1999) esclarece e reforça que na experiência de um trabalho com a
pesquisa qualitativa, é relevante a relação direta entre sujeito e o pesquisador, que
ainda não há desconexão do sujeito da sua estrutura, e a busca para compreensão
1
CREMA – Centro de Recuperação Mão Amiga. É uma organização não governamental; um equipamento em forma de comunidade terapêutica, destinado ao trabalho de recuperação de jovens e adultos, que fazem uso abusivo de drogas. 2 Fiz essa observação na primeira pessoa do singular, devido a uma escolha pessoal.
3 O Modelo Minnesota baseia-se nas seguintes concepções: Dependência química é uma
doença e não um sintoma de outra patologia; É uma doença multifacetada e multidimensional; O motivo inicial que leva ao alcoolismo não está relacionado com o resultado; Focaliza a causa que desencadeia o processo e não a predisposição para a dependência. ()
15
dos fatos se dá pela interpretação que ambos (pesquisador e sujeito) desenvolvem
de suas vivências cotidianas. Já para Queiroz (2008):
O qualitativo figura abertamente no início do trabalho, quando são apresentados as proposições teóricas; retorna ao primeiro plano no final, ao serem expostas as interpretações e as generalizações. O qualitativo está, além do mais, constantemente presente em todo o desenrolar do trabalho, uma vez que sem a palavra nenhuma transmissão de saber científico é possível. Na verdade, somente o procedimento qualitativo possibilita um aprofundamento real do conhecimento e uma acumulação do saber, dois predicados fundamentais da ciência.
Nesse sentido, fizemos pesquisa exploratória, que de acordo com Gil
(2002), pesquisa oferece maior familiaridade com o problema, possibilitando o
aprimoramento das ideias e a descoberta de instituições. Além disso, aponta que
esse tipo de pesquisa envolve o levantamento bibliográfico de livros, artigos
científicos, publicações periódicas que discutem o objeto e revela concepções de
pessoas que possuem experiência prática com o problema pesquisado.
Nesse período, descobrimos várias afirmações e posicionamentos sobre
a temática, contribuindo para visões novas da realidade e ampliação das minhas
noções sobre a dependência química e a religião.
Ao tratar da metodologia de pesquisa se faz necessário reconhecer que a
realidade é sempre mais complexa e abrangente do que as nossas impressões e
certezas e a apreensão a em sua totalidade exige métodos e técnicas de pesquisa
que deem conta da processualidade histórica em que o sujeito pesquisado está
inserido. Logo, as técnicas são assim definidas por Queiroz (2008):
As técnicas são maneiras de fazer bem definidas e transmissíveis, destinadas a produzir determinados resultados considerados úteis; sua função não é diretamente explicativa; busca operar reuniões de dados segundo esquemas específicos, com a finalidade de analisá-los, isto é, de, por meio da decomposição do todo em seus elementos, chegar a um arranjo dos dados que não existia anteriormente; acredita-se que a nova disposição dos mesmos levará a um conhecimento de significados implícitos ou latentes. As técnicas são diferentes em sua maneira de ser e agir, sendo indispensável conhecer com clareza os princípios que lhes são subjacentes, o que as distingue umas das outras, bem como os limites da ação que podem desenvolver.
Portanto, como técnicas de coleta de dados foram utilizadas: a
observação simples. Sobre o assunto Gil (2002) afirma que a observação é maneira
espontânea de observar os fatos, permanecendo alheio, e se identificando mais
como espectador do que ator do processo.
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A aplicação de questionários foi empreendida no intuito de elaborar o
perfil dos residentes do CREMA. Segundo Gil (2002), o questionário é identificado
como técnica que compõem um número de questões apresentadas por escrito às
pessoas, visando conhecer opiniões, crenças, interesses, expectativas, situações
vivenciadas. Foi aplicado um questionário para os quarenta e oito (48) residentes do
CREMA, nos dias 16, 18 e 20 de outubro de 2014.
Desse total, foram escolhidos cinco (5) participantes e os critérios
utilizados para escolha foram, a representação de cada religião professada, bem
como o grau de importância dada à religião na vida de cada um, não deixando de
escolher também um residente sem religião, por considerar que não há uma relação
genérica entre processo de recuperação e religião no que se refere a questão das
drogas, assim também para podemos contemplar as percepções acerca da religião
como contribuinte ou não para os residentes, atores da nossa pesquisa.
O tipo de entrevista foi constituído como semiestruturada, por possibilitar
uma relativa flexibilidade no decorrer das informações, caso surjam novos
questionamentos inerentes ao objeto da pesquisa, possibilitando a inclusão de
novas questões a serem perguntadas.
As entrevistas foram registradas através de gravações em áudio,
mediante o consentimento dos entrevistados, através do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, assinado pelos residentes entrevistados, e transcritas
posteriormente, no sentido de coletar informações, concepções e dados inerentes
aos objetivos do trabalho. Todas as entrevistas foram realizadas no mês de
Novembro de 2014 na própria sede da Comunidade Terapêutica, com autorização
do coordenador terapêutico da instituição, através da Carta de Anuência, também
assinada pelo mesmo.
Na pesquisa de campo, realizada no CREMA, na ocasião todas as
impressões que se apresentavam no real, foram registradas em diário de campo, a
fim de não corremos o risco de interferimos em suas respostas. Becker (1997)
menciona a importância do diário de campo e refere que esse instrumento deve ser
um meio de registro de comportamentos contraditórios com as falas, de
manifestações dos interlocutores quanto aos vários pontos pesquisados, dentre
outros aspectos.
Aos quinze de agosto de dois mil e catorze iniciamos a pesquisa de
17
campo, fazendo um levantamento do número de residentes no CREMA. Ao
chegarmos à instituição o bom acolhimento prevaleceu e os cumprimentos foram
feitos pelo Presidente do CREMA e alguns residentes, pois o ambiente fora
frequentado durante a disciplina de Estágio em Serviço Social III. O intervalo entre o
estágio e a pesquisa foi intencional, de sete (7) meses, para que não houvesse
nenhum mau entendimento durante a coleta de dados e/ou envolvimento emocional
do pesquisador.
Após essa etapa, a pesquisa continuou rumo à conclusão com a análise e
síntese dos dados coletados. Sobre essa temática, Demo (2006) afirma que uma
reconstrução crítica dos dados obtidos na entrevista, requer do pesquisador a não
contestação em apenas expor, descrever ou apresentar as falas, mas agir na
descoberta de relações ocultas, vazios e silêncios, aclamações, frases fortes e
fracas, presenças tímidas e avassaladoras, além das ausências, atentando para as
dinâmicas do fenômeno além da padronização posta. Além disso, é relevante citar
sua referência sobre o olhar – que não é fácil de ver e acompanhar os argumentos
elaborados para as perguntas realizadas ao que se quer investigar.
Assim define Roberto Cardoso de Oliveira em suas considerações sobre
o olhar, o ouvir e o escrever na pesquisa social:
Essas faculdades do espírito têm características bem precisas quando exercitadas na órbita das ciências sociais e, de um modo todo especial, na da antropologia: Se o olhar e o ouvir constituem a nossa percepção da realidade focalizada na pesquisa empírica, o escrever passa a ser parte quase indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao ato de pensar. Quero chamar a atenção sobre isso, de modo a tornar claro que – pelo menos no meu modo de ver – é no processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática. (OLIVEIRA, 2000).
Por fim, a análise e síntese dos dados coletados intencionam resultar em
um conhecimento mais claro, preciso e completo, nunca acabado e pronto, mas
sempre sujeito a modificações e atualizações ao longo de nossa história.
2.1 O cenário da pesquisa
O CREMA está localizado à rua Jaguaribe, 913 – Parque Luzardo Viana-
Maracanaú-CE e foi construído com a participação ativa dos atores envolvidos.
Apresenta a missão de ser referência no modelo biopsicossocial de tratamento de
18
dependência química na Região Metropolitana de Fortaleza.
Para tanto, têm como finalidades, o serviço privado de atenção às
pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas,
prestando assistência, orientação e acompanhamento, bem como à sua família, na
direção da recuperação e o resgate do convívio na família e na sociedade, com base
nos princípios de igualdade sem discriminação de nacionalidade, cor, idade, sexo ou
credo, assim como de qualquer outra ordem, utilizando de uma proposta terapêutica
pautada no “Modelo Minnesota”, com a utilização do Programa dos Doze Passos
das Irmandades, reconhecido internacionalmente como um dos mais eficazes no
tratamento de dependentes químicos.
2.2 Política geral da instituição
O CREMA tem como base a Política Nacional sobre drogas, que busca
tratar devidamente, de forma igualitária e sem discriminação, as pessoas usuárias
ou portadoras de drogas lícitas ou ilícitas. Baseia-se também na Política de atenção
aos usuários de álcool e outras drogas, pois visa implementar através dos serviços e
práticas, uma atenção articulada aos serviços da rede de saúde uma atenção mais
direcionada às pessoas com uso abusivo de álcool e outras drogas, promovendo a
redução do sofrimento decorrente desse uso e de novas perspectivas de vida.
Outra política vinculada é a da Regulamentação da ANVISA sobre
Comunidades Terapêuticas (Resolução RDC nº 29), que trata das instituições que
prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso
ou dependência de substâncias psicoativas. Conhecidas como comunidades
terapêuticas, esses locais oferecem aos dependentes químicos um ambiente de
convívio livre das drogas e a oportunidade de adotar novos hábitos de vida. Diante
disso, as entidades que trabalham com dependentes químicos tiveram que se
adequar às normas gerais de serviços de saúde.
Além disso, atualmente a Política de Assistência Social visa garantir o
acesso aos direitos de forma universal e igualitária, inclusive aos que sofrem
transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas, configurando
serviços mais atentos às desigualdades existentes, promovendo de forma
democrática às necessidades de cada usuário.
No campo da (re) inserção profissional, o CREMA já desenvolveu cursos
19
profissionalizantes, visando formações específicas para revitalização do profissional
sem emprego e para sua (re) colocação no mundo do trabalho, como: Eletricidade
Básica e Avançada, através do PROMIL – Corpo de Bombeiros; Pedreiro, através do
IDESC – Governo do Estado; Informática, desenvolvido pela Prefeitura de
Maracanaú, e participação em programas de inclusão social do Governo como o
PROJOVEM TRABALHADOR, entre outros. Além disso, é desenvolvida a
alfabetização dos residentes do CREMA, através da Educação Supletiva, dos cursos
de Educação de Jovens e Adultos (EJA) I, II, III, em parceria com a Prefeitura
Municipal de Maranguape.
Como estrutura organizacional, o CREMA é formado pela Diretoria e
Conselho Fiscal, junto a seu corpo técnico (Advogado, Pedagoga, Psicanalista) que
recebem ressarcimento do custo de deslocamento e o corpo de monitores residem
em uma casa alugada na própria comunidade. Os sujeitos citados são voluntários,
com exceção do Assistente Social e Coordenador Terapêutico.
2.3 O serviço social na instituição
Além do corpo técnico acima referido, o CREMA também conta com um
profissional da área do Serviço Social. Uma parceria que se originou a partir do
momento que o atual presidente da ONG, o Sr. Antônio Saraiva Filho, teve a ideia de
formar uma comunidade, para isso era preciso formar o corpo técnico. O convite foi
feito ao atual Assistente Social, especialista em Prevenção em Dependência
Química pela UNIFOR, que tinha sido residente, monitor e conselheiro em outras
Comunidades Terapêuticas, conhecedor do Modelo Minnesota e possuidor de uma
vasta experiência profissional.
O trabalho do Assistente Social no CREMA é então, o produto de
conhecimentos de várias áreas, focadas prioritariamente para a questão da
Dependência Química. Hoje é baseado no atendimento técnico, estudo de caso,
trabalho com a família (codependentes), palestras socioeducativas, realiza
encaminhamentos para os atendimentos socioassistenciais e médicos (CAPS, INSS,
atendimentos odontológicos e sociojurídico). Além disso, organiza reuniões com a
equipe terapêutica (técnicos, monitores e estagiários) no intuito de promover:
avaliação do processo; debate e planejamento das atividades; estudo de temáticas
relacionadas e dinâmica de grupo.
20
Já a inserção dos estagiários de Serviço Social se deu a partir da
persistência e necessidade deles no campo de estágio, culminando com a
formalização do convênio entre a instituição e a Faculdade Cearense, totalizando,
atualmente, quatro (4) estagiários4.
Como qualquer outra instituição sem fins lucrativos, no CREMA
encontramos muitas dificuldades, principalmente relacionadas ao fato de se
trabalhar com uma parcela mínima de recursos financeiros. Para se ter uma idéia
das condições de trabalho, por vezes faltam recursos para pagar as contas de água
e luz, chegando a ser cortado o abastecimento, por falta de uma receita mensal que
garanta o mínimo de recursos para despesas correntes. Além disso, não realizamos
atendimentos individuais periódicos, por falta de local adequado, e visitas
domiciliares, por falta de veículo para o transporte dos envolvidos.
2.4 Caracterização dos residentes do CREMA
No sentido de montarmos um perfil geral dos residentes pesquisados na
instituição, aplicamos um questionário com os quarenta e oito residentes, durante o
mês de outubro de 2014, contendo vinte e quatro perguntas objetivas. A seguir,
apresentaremos através de gráficos, a caracterização geral dos residentes em
relação à faixa etária, estado civil, escolaridade, renda familiar, religião atual, grau de
importância à religião, droga de preferência, primeiro acesso às drogas, idade inicial
do uso e a forma como chegou ao CREMA, dentre outros.
Gráfico 1 – Característica dos residentes quanto à faixa etária.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
4 O Assistente Social exerce também a função de Coordenador Terapêutico, daí a sua carga horária de
trabalho chegar há 44h semanais ou mais.
21
O gráfico 01 pontuou que 35,42% dos residentes se encontram na faixa
etária dos 21 a 30 anos, seguidos de um percentual de 31,25% com 31 a 40 anos,
20,83% com 41a 50 anos, 6,25% com 16 a 20 anos e com o mesmo percentual,
estão aqueles acima de 51 anos.
Gráfico 2 – Característica dos residentes quanto ao estado civil.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Percebemos no gráfico 02 que a maioria dos residentes se encontra
solteiro, sendo um percentual de 77,09%, seguido de 8,33% que se encontram
separados ou divorciados, enquanto que 6,25% são viúvos. O mesmo percentual de
6,25%, vale para os casados, enquanto que 2,08% dos entrevistados vivem uma
união estável.
Gráfico 3 – Característica dos residentes quanto à escolaridade.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Como se pode observar no gráfico 03 a maioria dos residentes possui o
Ensino Fundamental incompleto, representado por 43,75% dos entrevistados,
22
seguido de 27,10% que possuem o Ensino Médio completo e 10,41% que possuem
o Ensino Superior incompleto. Com o mesmo percentual de 8,33% estão os que
possuem o Ensino Fundamental completo e os que possuem o Ensino Médio
incompleto. O menor percentual está representado pelos não alfabetizados com
2,08%.
Gráfico 4 – Característica dos residentes quanto à renda familiar.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Conforme o gráfico 04, percebemos que o maior percentual 70,83% dos
residentes tem renda familiar entre um a três salários mínimos, enquanto que
14,58% não possuem nenhum tipo de renda. Ainda sobre a renda familiar, 8,33%
dos entrevistados tem entre quatro e dez salários mínimos, seguido 6,25% que
recebem menos de um salário mínimo.
Gráfico 5 – Característica dos residentes quanto à religião atual.
23
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Inferimos no gráfico 05 que a religião evangélica aparece com 43,75% dos
entrevistados, seguida pela religião católica com 31,25%, com a umbanda e
espiritismo com mesmo percentual de adeptos, representado com 2,08%, enquanto
que 20,84% não possuem religião.
Gráfico 6 – Característica dos residentes quanto ao grau de importância à religião.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam o questionário.
O gráfico 06 permite visualizar que 37,5% dos entrevistados tomaram
todas as suas decisões a partir de princípios e valores religiosos, seguido dos 25%
que dão muita importância à religião que professam. Na sequência aparece os
22,92% que não dão importância à religião e os 14,58% que pouco dão importância
à religião no seu tratamento.
O gráfico abaixo indica as drogas que mais prevalecem em referência ao
seu consumo, anteriormente a recuperação, dos residentes do CREMA.
24
Gráfico 7 – Característica dos residentes quanto à droga de preferência.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Conforme descrição é perceptível que o crack é a droga mais consumida
entre os entrevistados, representado por mais da metade, com 56,25%. Em seguida,
aparece o álcool com 27,09% e a cocaína com 12,50%. Com o mesmo percentual
de 2,08%, aparecem a maconha e os barbitúricos (comprimidos), na preferência dos
entrevistados.
Gráfico 8 – Característica dos residentes quanto ao primeiro acesso às drogas.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Percebemos que os grupos de amigos possuem maior representatividade
em relação à forma primária como os entrevistados tiveram acesso às drogas, sendo
25
representado por 66,68%. Outro dado interessante é que a família aparece em
segundo lugar com 12,50%, seguida do campo de futebol com 8,33% e das festas
com 4,17%, como meios iniciais de acesso às drogas. O mesmo percentual de
2,08% serve para igreja, escola, namorada e interesse próprio.
Gráfico 9 – Característica dos residentes quanto à idade inicial do uso de
drogas.
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
Observamos que a maioria iniciou o uso de drogas acima de18 anos,
representado por 43,75%, seguido de perto por 39,59% dos entrevistados, que
fizeram uso de drogas entre os 12 e 18 anos de idade. O restante do grupo,
representado por 16,66% dos entrevistados, utilizaram drogas com menos de 12
anos.
Gráfico 10 – Características da maneira como chegou ao CREMA
26
Fonte: A pesquisa com os residentes que responderam ao questionário.
O gráfico 10 demonstra 29,18% dos familiares se interessam em buscar
um tratamento no CREMA para os residentes, seguido de 18,75% dos amigos que
também buscaram ajuda, mais 8,33% dos próprios membros da instituição e 2,08%
tanto serve para outros residentes que apoiaram como para o próprio residente ou o
seu local de trabalho, que procurou ajuda no CREMA. Além disso, o Estado também
tem papel importante, representado por 22,92% de encaminhamentos dos CAPS,
6,25% da Coordenadoria de políticas sobre drogas de Fortaleza e 2,08% do Centro
Pop. Outra forma do residente chegar ao CREMA foi através dos meios de
comunicação, representado por 6,25%.
27
3 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E COMUNIDADES TERAPÊUTICAS
3.1 Contexto Histórico
Droga, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde-OMS
(2013), é qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade
de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, causando alterações em seu
funcionamento. A droga ainda pode ser definida como qualquer substância natural
ou sintética que, ao ser fumada, inalada, ingerida ou injetada, provoca alterações
psíquicas, sentidas como agradáveis numa primeira fase, mas que cria dependência,
tornando as pessoas incapazes de viverem normalmente e integradas na
sociedade.5
O termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) que
significa folha seca; isso porque antigamente quase todos os medicamentos eram
feitos à base de vegetais. Atualmente, a medicina define droga como qualquer
substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em
mudanças fisiológicas ou de comportamento.
Já numa linguagem mais técnica, droga serve para designar amplamente
qualquer substância que, por contraste ao alimento, não é assimilada de imediato
como meio de renovação e conservação pelo organismo, mas é capaz de
desencadear no corpo uma reação tanto somática quanto psíquica, de intensidade
variável, mesmo quando absorvidas em quantidades reduzidas. (LABATE, 2008)
O termo droga é tido, atualmente, como algo que se refere a uma
substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando suas funções,
sensações, humor e comportamento. Do ponto de vista legal, as drogas podem ser
classificadas como lícitas6 ou ilícitas7 e, conforme as alterações que provocam no
organismo das pessoas que as utilizam, são classificadas como depressoras8,
5 Fonte: http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/drogas/relatório-mundial-sobre-drogas.html
6 São aquelas comercializadas de forma legal, podendo ou não estar submetidas a algum tipo
de restrição, como o álcool, cuja venda é proibida a menores de 18 anos, e alguns medicamentos que só podem ser adquiridos por meio de prescrição médica especial. (NICASTRI,1993). 7 São as proibidas por lei. (NICASTRI,1993).
8 Essa categoria inclui grande variedade de substâncias, as quais diferem acentuadamente em
suas propriedades físicas e químicas, mas apresentam a característica comum de causar diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do Sistema Nervoso Central. Como consequência dessa ação, há uma tendência de redução da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade, sendo comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, aumento da sonolência.
28
estimulantes9 ou perturbadoras10.
A história vem nos mostrar que os seres humanos sempre buscaram
diversas substâncias psicoativas com o objetivo de provocar alterações nas funções
psíquicas e comportamentais, no qual o uso inicial dessas substâncias tinha fins
culturais, terapêuticos, religiosos, também como meio para atenuar clima e outros
vinculados a costumes de povos que vinham como útil em situações do cotidiano,
haja vista que se trata de um hábito histórico e cultural, perpassando diversas
sociedades, em tempos e espaços diferentes (LACERDA, 2008).
Desde a Pré-História, por exemplo, diferentes povos utilizavam plantas e
substâncias específicas para provocar alterações de consciência por vários motivos
e, com o passar do tempo, esse uso se manteve conforme as necessidades culturais
e do contexto (GONÇALVES, 2005).
Procurou o homem, desde a mais remota Antiguidade, encontrar um remédio que tivesse a propriedade de aliviar suas dores, serenar suas paixões, trazer-lhe alegria, livrá-lo de angústias, do medo ou que lhe desse o privilégio de prever o futuro, que lhe proporcionasse coragem, ânimo para enfrentar as tristezas e o vazio da vida. (SOLLERO, 1979, p. 39).
Para o uso do álcool, existem sinais arqueológicos de consumo para
redução da dor e alívio dos males físicos desde a antiguidade, há cerca de 6.000
anos antes de Cristo (a.C.). O seu emprego como medicamento também foi
mencionado em escrituras da Mesopotâmia em 2.200 a.C. Registros de mais de
4.000 anos a.C. na Suméria, atual Irã, relatam o uso da flor da papoula, conhecida
como “planta da alegria”, de onde é retirado o ópio, utilizado para permitir o “contato
com os deuses” (LACERDA, 2008).
Na América, a folha da coca vem sendo usada há milhares de anos por
populações andinas, geralmente mastigada, atuando como um estimulante que
suprime as sensações de fome, frio e cansaço. Na mesma região, no período pré-
colombiano, diferentes tipos de tabaco eram usados com fins recreativos, religiosos
e terapêuticos (Ibd, 2008).
(NICASTRI,1993). 9 Incluem-se neste grupo as drogas capazes de aumentar a atividade de determinados
sistemas neuronais, o que traz como consequências, estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos. (NICASTRI,1993). 10
Estão classificadas neste grupo diversas substâncias cujo efeito principal é provocar alterações no funcionamento cerebral, que resultam em vários fenômenos psíquicos anormais, entre os quais se destacam os de- lírios e as alucinações. Por esse motivo, essas drogas são denominadas alucinógenas. (NICASTRI,1993).
29
Especificamente, no século XIX, há registros de que os cientistas
conseguiram isolar os princípios ativos de muitas plantas psicoativas, possibilitando
o desenvolvimento de várias substâncias como a morfina (1806), a heroína (1883) e
a própria cocaína (1860). Assim, os períodos em que ocorreram mudanças sociais
significativas e guerras foram marcados por uma grande demanda por
medicamentos que diminuíssem os diferentes tipos de sofrimento físico e psíquico,
gerando assim um aumento da distribuição de derivados da morfina e da cocaína.
As consequências sociais geradas pela Revolução Industrial também provocaram o
uso de medicamentos baratos que continham a cocaína e opiáceos entre as classes
sociais menos favorecidas economicamente.
Em 1776, na Guerra Civil Americana, por exemplo, o ópio foi livremente
utilizado pelos soldados como anestésico. Já na Segunda Guerra Mundial, as
anfetaminas (estimulantes) foram utilizadas para combater a fadiga.
A utilização de drogas hoje consideradas ilícitas, como medicamento,
ainda esteve presente na década de 1960, quando ocorreu o auge do uso do LSD
(dietila-mida do ácido lisérgico, alucinógeno). Psiquiatras receitavam essa droga
para diversos transtornos mentais, o que se mostrou ineficaz posteriormente.
O entendimento de que o uso de drogas passou a ser um problema social
surgiu nos Estados Unidos, em meados do século XIX, em que o consumo de
substâncias derivadas do ópio e da cocaína, assim como o de bebidas alcoólicas,
passou a ser visto como problema de cunho principalmente racial, religioso,
econômico e político. Foram os Estados Unidos que iniciaram os primeiros debates
públicos sobre o tema e instituídas as primeiras leis específicas. Desde então, essa
discussão se expandiu por todo o mundo, o que inclui o Brasil e somente na virada
para o século XX órgãos institucionais e estatais começaram a se ocupar do
problema.
Em geral, a política de drogas no Brasil descende da política dos Estados
Unidos (EUA), maior referência da guerra contra as drogas. Curiosamente, até o
início do século XX, não havia, em nosso arcabouço jurídico, uma lei que abordasse
a questão das drogas. Por outro lado, algumas substâncias, principalmente os
venenos, já tinham sua venda controlada, antes mesmo da nossa independência.
As discussões sobre o álcool também foram limitadas até o século XX, e
não eram necessariamente direcionadas aos danos causados à saúde, mas sim, ao
30
problema do uso excessivo e de julgamento moral que acometia principalmente a
população de baixa renda.
A sociedade brasileira começou a se preocupar com essas situações,
quando atentou para o fato de que o “progresso do país” poderia estar ameaçado
em razão do aumento populacional nos centros urbanos, o aumento do alcoolismo,
da “vadiagem” e das “doenças venéreas”, atualmente denominadas Doenças
Sexualmente Transmissíveis, nas primeiras duas décadas no século XX.
Segundo a descrição de Pernambuco-Filho & Botelho11, no Brasil, no final
do primeiro quarto do século XX, distinguiam-se duas classes de “vícios”: os “vícios
elegantes”, que eram o da morfina, da heroína e da cocaína, consumidos pelas
elites (brancas, em sua maioria) e os “vícios deselegantes”, destacando-se o
alcoolismo e o maconhismo, próprios das camadas pobres, em geral, formadas por
negros e seus descendentes. Ainda, afirmam esses mesmos autores, não tardou
para que o produto (a maconha) trazido da África viesse a “escravizar a raça
opressora”. Essas colocações mostram, além da origem da maconha no país, que já
naquela época, ocorria a difusão do seu consumo por todas as classes sociais.
Visto de perto, o uso de drogas preenche expectativas e necessidades de
um dado momento na cultura, economia e condições sociais da vida de um povo.
Assim, como observa Mota (2009), a atual história do uso de drogas e seus efeitos
também se constituem em uma “invenção” da modernidade, mesmo considerando
que o fenômeno da intoxicação já fosse conhecido em algumas sociedades pré-
modernas.
De acordo com II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas
psicotrópicas no Brasil, de 2005, realizado pelo CEBRID12, o crack aparece como
tendo sido usado apenas por 0,3% da população, o álcool surge como sendo
consumido por 74% da população brasileira. A estimativa de dependentes de álcool
no Brasil chega a 12%. Apesar dessas diferenças tão discrepantes entre a incidência
11
Obtido do Curso Supera : O uso de substâncias psicoativas no Brasil – Secretaria Nacional de Políticas no Brasil – Ministério da Justiça- Brasília, 2011. 12
O CEBRID é o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas que funciona no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. Existe exclusivamente para ser útil à população. Para cumprir essa função, o CEBRID publica livros, faz levantamentos sobre consumo de drogas (entre estudantes, meninos de rua, domiciliar), mantém um Banco de Publicações Científicas de autores brasileiros sobre o abuso de drogas (cerca de 2.900 trabalhos) e publica um Boletim Trimestral. O CEBRID é constituído por uma equipe técnica composta de especia- listas nas áreas de Medicina, Farmácia-Bioquímica, Psicologia e Biologia.
31
do uso de álcool e do crack, pouco se fala sobre a questão do álcool como grave
problema de saúde pública e não vemos nenhum movimento urgente para reduzir
seu uso.
Se ainda formos separar as drogas por categorias, das drogas ilícitas
veremos que a maconha é a mais utilizada no mundo. De qualquer forma, ela teve
uma variação para mais de 4%, desde o final da década de 90 até os anos 2006 e
2007. Esse número, no entanto, leva muita gente, inclusive especialistas, a dizer que
o uso da erva explodiu no mundo.
Em segundo lugar temos as anfetaminas, com um aumento de 0,6%. Em
seguida, a coca é os seus derivados – cocaína, crack e outros. Depois, os opiáceos
com 0,4% de acréscimo. Por fim, temos a heroína e o ecstasy13, que é outra droga
que tem sido muito falada aqui no Brasil, com medidas muito restritas e duras, mas
essas drogas apresentam um aumento de 0,2% a 0,3%, desde o final da década de
90 até 2009.
De acordo com o Relatório Mundial sobre drogas (2013):
O uso de cocaína tem aumentado significativamente no Brasil, Costa Rica e, em menor grau, no Peru, enquanto nenhuma alteração no seu uso foi relatada na Argentina. O uso de cannabis na América do Sul é mais elevado (5,7%) do que a média global, mas menor na América Central e no Caribe (2,6 e 2,8%, respectivamente). Na América do Sul e na América Central, o uso de opioides (0,3 e 0,2%, respectivamente) e Ecstasy (0,1% cada) também continua bem abaixo da média global. Enquanto o uso de opiáceos permanece baixo, países como a Colômbia relatam que o uso de heroína está se tornando cada vez mais comum entre certas faixas etárias e classes socioeconômicas.
Diante disso, notamos que há um leque diverso da configuração de
consumo nos países, compreendemos que há também inúmeros fatores e
particularidades do espaço e cultura do espaço, o que decorre em inúmeras
acentuações diversas do consumo de substâncias psicoativas, inclusive nas
modalidades desse uso. Os quais são apresentados como uso, abuso e
dependência de drogas.
3.2 Uso de drogas, abuso e dependência química
13
É uma droga moderna sintetizada, neurotóxica, muito popular entre s jovens, cujo efeito na fisiologia humana é o estímulo da srcreção de seretonina, dopamina e noradranalina no cérero, causando euforia, sensação de bem estar, alterações na percepção sensorial e perda de líquidos. Disponível em: http:// drugsglmm.blogspot. com. br /2006/04/ ecstasy.html. Acessado em < 22 de dezembro de 2014>.
32
A temática que envolve o uso ou abuso de drogas não é um tema fácil de
conceituar, haja vista que se trata de uma questão que envolve diversos fatores,
determinações, particularidades e diversas implicações em várias dimensões da vida
de um ser, como na sua individualidade, na saúde e das relações sociais.
Assim, compreender esse assunto requer ter uma complexa investida em
apreender os diversos significados para os que conhecem, os que consumem e até
para os que não consumem. Dessa forma, explanaremos as definições do uso,
abuso e dependência química a partir de concepções, estudos e instrumentos
políticos para melhor compreender o tema em questão.
Percebemos na sociedade que o termo droga já traz inúmeros sentidos
de valores e significados que são construídos e internalizados na percepção de
muitas pessoas. Exemplo disso são as referências cotidianas como: "Ah, mas que
droga" ou "logo agora, droga...", ou ainda, "esta droga não vale nada!", sinalizando
assim sentido ruim, sem qualidade; ou mesmo trazendo significado atrelado à
medicina, como os remédios para curar doenças, embora sejam rejeitados por
muitos sujeitos14.
Por outro lado, o uso de drogas é a autoadministração de qualquer
quantidade de substância psicoativa; a forma ou maneira como uma pessoa faz uso
de uma determinada droga. A partir da primeira experimentação de um tipo de droga,
podemos considerar o que se denomina apenas como uso, que pode ser baseado
na quantidade, na frequência e na forma do consumo da droga. Seguindo esses
diferentes aspectos a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD, 2013)
demonstra diferentes tipos de uso, como o uso experimental, que se trata de um ato
de experiência, sem uso contínuo, decorrente do medo das consequências, por não
ter gostado dos efeitos ou de ter sido apenas um momento de curiosidade; o uso
recreativo (ou social), quando há o consumo ocorrido em momentos ocasionais, não
implicando adversidades para a vida pessoal e para as relações sociais; o uso
nocivo (ou problemático), referente ao consumo que acarreta problemas de natureza
física, psíquica e/ou social para o usuário e/ou para outras pessoas envolvidas no
cotidiano e nas relações sociais deste; e o abuso de drogas, que se compreende
como um tipo de uso que implica o risco de consequências prejudiciais ao usuário.
14
CEBRID: Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas - Livreto Informativo Sobre Drogas Psicotrópicas: Leitura recomendada para alunos a partir da 6ª série do ensino fundamental.
33
Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) o termo “uso
nocivo”, refere-se ao uso de drogas que resulta em dano físico ou mental, enquanto
o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) emprega o
termo “abuso”, que engloba também as consequências sociais.
A característica essencial do abuso ou uso nocivo da substância é um
padrão mal adaptativo de uso manifestado por consequências adversas recorrentes
do uso repetido da substância, podendo ocasionar dentre muitas adversidades, a
dependência de alguma substância psicoativa. Nesse caso, pode ser sinalizado pela
presença de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos. Características
essas percebidas nas vivências com os residentes do Centro de Recuperação Mão
Amiga (CREMA) que, embora muitos tenham cotidianamente resistido ao uso de
substâncias, são indícios recorrentes do consumo.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-V)15, a dependência da substância psicoativa pode ser sinalizada pela
ocorrência de três (ou mais) dos seguintes aspectos, geralmente manifestados
dentro de um período de 12 meses. Dentre as características, há a tolerância,
situação em que o usuário sente a necessidade de proporções maiores da
substância, no intuito de alcançar o efeito desejado, tendo em vista que houve perda
do efeito ocasionado antes consumido inicialmente; a abstinência, manifestação da
falta e de certa forma, precisão de consumo como maneira de aliviar sintomas de
abstinência; o ato frequente do consumo, ou em maiores quantidades; situações em
que mesmo com o desejo do usuário reduzir ou controlar o uso de drogas, não há
êxito; tempo ampliado em atividades dispensadas para a obtenção da substância ou
para a passagem do efeito; casos em que as atividades cotidianas, recreativas e
relações sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas;
quando mesmo com sinais de sofrimento e causas prejudiciais à saúde física e
psicológica, ainda há a continuidade do consumo de substância psicoativa.
Além dessas conceituações que indicam a dependência química, a
Classificação Internacional de Doenças (CID-10)16 aponta três ou mais ocorrências
15
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V é um instrumento desenvolvido para ser aplicado por profissionais habilitados, com experiência clínica e sólido conhecimento da psicopatologia. 16
A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID 10) é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas
34
que podem aparecer dentre um (1) ou doze (12) meses. São elas: um intenso desejo
ou compulsão para consumir a substância; a dificuldade em controlar o ato de uso
da droga; a abstinência, quando houve a cessão ou redução do consumo da
substância fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido; indícios
de tolerância, quando há crescentes doses da substância psicoativa; casos em que
não há mais sensações de prazer ou interesses por outras atividades, substituindo
gradativamente o tempo para o uso frequente da droga; a permanência do acesso a
substâncias psicoativas, mesmo havendo efeitos maléficos à saúde fisiológica, física
e psicológica.
Entretanto, Mota (2009), refere-se que:
Defino aqui um dependente químico por um critério sociológico, como um indivíduo que, em função de sua dependência de álcool e outras drogas causa uma série de problemas no âmbito de sua interação social. […] Enfim, um dependente químico é um indivíduo que não consegue utilizar substâncias psicoativas de forma moderada, não importando a frequência deste uso. (p. 30)
Relativo a essas definições acima apresentados, concluímos que
independente de qual nomenclatura, há riscos e possibilidades de problemas
relativos ao uso, abuso e quando decorre na dependência e, por sua vez, implica
dificuldades nas atividades cotidianas, individuais e sociais do consumidor.
O Relatório Mundial sobre drogas (2013) mostra que:
Nas Américas, foi observada uma alta prevalência da maioria das drogas ilícitas, impulsionada essencialmente pelas estimativas da América do Norte, com a prevalência de cannabis (7,9%) e cocaína (1,3%) particularmente elevadas na região. A prevalência anual do uso de cocaína na América do Sul (1,3% da população adulta) é comparável a níveis da América do Norte, enquanto permanece muito mais alta que a média global na América Central (0,6%) e no Caribe (0,7%).
Entretanto, Quinderé (2013), afirma que embora os relatórios mundiais
apontem para os percentuais de consumo e dos agravos possíveis decorrentes do
uso, construindo um imaginário de perigo principalmente das substâncias ilícitas do
que das lícitas, a intervenção do Estado ainda se acentua mais por meio de
dispositivos repressivos, do que no campo da saúde.
Contudo, muitas vezes o uso de substâncias psicotrópicas não
relacionados à saúde. A CID 10 fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.
35
desencadeia problemas, por fazer parte da cultura de um povo (SEIBEL; TOSCANO,
2001), podendo ser uma maneira de buscar prazer, reduzir as tensões e sofrimentos
(LESSA, 1998). Dessa forma, podemos compreender que há inúmeros efeitos que
podem se manifestar de formas variadas, considerando ainda os tipos de
substâncias psicoativas consumidas por um sujeito. E, além disso, as peculiaridades
do contexto histórico e espaço em que há as experiências com o uso de drogas,
tendo em vista que essas vivências também fazem parte de culturas de povos, como
Seibel e Toscano (2001) afirmaram acima.
Mas, evidentemente, considerando que algumas substâncias,
dependendo também da modalidade de uso, podem acarretar problemas a quem
consome, aponta assim a relevância para a necessidade de intervenções, como a
prevenção e o tratamento de pessoas. Diante disso, Quinderé (2013) explana que no
Brasil, as iniciativas em 2002 se apresentaram com características proibicionistas,
mas também com a redução de danos, através dos centros de referência em
tratamento, de pesquisa e de prevenção na área de álcool e drogas e das
comunidades terapêuticas, como veremos a seguir.
3.3 A política de Saúde Mental e comunidade terapêutica – Alternativa da rede
de atenção aos usuários de álcool e outras drogas no Brasil.
O cuidado aos que possuem problemas decorrentes do abuso de drogas
ainda é algo a pensar quanto o sentido de tratamento e a representação que
possuem socialmente. As intervenções realizadas demandam uma dimensão além
da concepção de saúde, que contempla a ausência da doença através do
afastamento de substâncias psicoativas aos usuários.
Acerca do tratamento ao uso abusivo de álcool e outras drogas no Brasil,
na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento da assistência
psiquiátrica, houve a criação de instituições para esse trabalho.
“Á época do nascimento da assistência psiquiátrica brasileira, a
internação era vista como única forma possível de tratar os alienados, sendo o
isolamento considerado essencial, “(...) contribuindo ao mesmo tempo para a paz e
bem-estar das famílias dos mesmos, e para a ordem e tranquilidade da sociedade
36
em geral” (administrador Frederico de Alvarenga, 1880)17.
Na história brasileira, a forma de tratamento aos que desenvolviam
transtorno mental no Brasil, bem como em outros lugares do mundo era a internação
psiquiátrica, como única alternativa. As pessoas com sofrimento mental eram
direcionadas a espaços denotados de aspecto carcerário, considerando o
isolamento, segundo citação anterior, alternativa para os que apresentavam
comportamento “inadequado” ou perigoso, considerados como loucos, e assim,
“retirados” dos âmbitos sociais.
Ao fim da década de 1950, a situação era grave nos hospitais
psiquiátricos: superlotação; deficiência de pessoal; maus-tratos; falta de vestuário e
de alimentação; péssimas condições físicas; cuidados técnicos escassos e
automatizados (Minas Gerais, 2006).
Foi a partir dos anos de 1970, que as primeiras transformações de
assistência aos portadores de transtornos mentais em geral foram empreendidas,
diante das críticas ao paradigma médico psiquiátrico, que tinha como forma de
tratamento, as internações em hospitais psiquiátricos, inclusive com ações violentas
nos manicômios, o que demandou mudanças na configuração de assistência à
saúde mental (Lacerda, 2008).
Dessa forma, empreendeu-se um processo de desinstitucionalização, que
para Rotelli e Mauri (1990), tratou-se de um processo de transformações no que se
refere à contenção e abordagem do indivíduo, do restabelecimento da relação deste
com o próprio corpo, e ainda a restituição dos direitos civis eliminando a coação, as
tutelas jurídicas e o estatuto de periculosidade18.
Diante das críticas e dos movimentos sociais acerca do antigo modelo de
tratamento, culminou no cenário brasileiro um processo de reconfiguração do
modelo de tratamento no campo da saúde mental, inclusive com os que possuíam
problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Esse período passou a ser
conhecido como Movimento da Reforma Psiquiátrica, após a eclosão da Reforma
Sanitária, que apresentava com ideia principal uma concepção contrária à medida
hospitalocêntrica de tratamento. Movimentos esses que favoreceram a legitimação
17
Revista Igualdade XLI – temática: Drogadição. Aspectos legais da internação psiquiátrica de crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais. Disponível: http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_37_7_2. php. Acesso em: 22 de outubro de 2014. 18
Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil - Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas.
37
de direitos no campo da saúde, assegurada pela Constituição de 1988.
Inicialmente foi criado por meio da lei 8.080, de 1990, o Sistema Único de
Saúde, que assegura o acesso à saúde a todos, sob dever do Estado. E após a III
Conferência Nacional de Saúde Mental, a qual foi ressaltada a inclusão social e a
convivência com a diferença, o setor da saúde pública passou a ampliar sua
atenção, incluindo ações relativas ao tratamento e a prevenção voltada à demanda
de álcool e outras drogas, passando a ser alvo de intervenções no âmbito das
políticas de saúde do Brasil.
Nesse sentido, em 2002, após a III Conferência Nacional de Saúde
Mental, as ações foram se voltando para a diminuição de leitos, de hospitais
psiquiátricos e da implantação de serviços ambulatoriais, considerando a
territorialidade dos usuários desses serviços de saúde mental. O Ministério da Saúde
passou a publicar diversas portarias dando início a um novo modelo de tratamento
às pessoas portadoras de transtorno mental, incluindo demandas decorrentes do
uso de álcool e outras drogas. A Coordenação de Saúde Mental, do Ministério da
Saúde passou a se responsabilizar pela política destinada a esses usuários,
incluindo ações de prevenção, tratamento e reinserção social.
Foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), incluindo os
CAPS AD, direcionados especificamente às demandas de álcool e outras drogas. Os
centros representam o novo modelo de atenção à saúde mental, com o
funcionamento sob as condições de serem referências de saúde, localizadas
territorialmente, no sentido de fornecer o acesso aos usuários das comunidades,
configurando modelo de tratamento ambulatorial.
Além disso, a Política do Ministério da Saúde para a Atenção integral aos
usuários de álcool e outras drogas em 2003, iniciou uma fase na política de saúde,
norteada pelos princípios de atenção integral, considerando diversas questões, tais
como: as demandas coexistentes com a questão das drogas; a lógica da redução de
danos, acreditando que a “solução” não é somente a abstinência, e sim a melhoria
na qualidade de vida e a intersetorialidade, desenvolvendo ações além da saúde, no
que se refere a outros serviços de políticas e direitos sociais.
Dentre as políticas sociais articuladas à saúde mental, ressalta-se o
desenvolvimento de Estratégia de Saúde da Família, criado na década de 1990,
referenciado pela Saúde Primária.
38
Outro serviço que se configurou como alternativa à assistência à saúde a
essa demanda foi o “Consultório de Rua”. Essa alternativa aparece como proposta
de ampliação de acesso à assistência aos usuários em situação de rua.
Em 2009, o Ministério da Saúde adotou a vinculação dos Consultórios de
ruas às secretarias municipais brasileiras, visando realizar intervenções junto aos
usuários de drogas em situação de rua. Foram selecionados 14 municípios para
executarem abordagem de rua com usuários de substâncias psicoativas por meio
das intervenções clínicas, psicossociais e educativas19.
Os Consultórios de Rua foram estruturados de acordo com a portaria
122º, de 2012, os quais devem contar com uma equipe mínima de profissionais, com
dois do Ensino Superior e dois do Ensino Médio, com a realização de ações
integradas às Unidades Básicas de Saúde (UBS), com os Centros de Atenção
Psicossocial, os serviços de Urgência e Emergência e outros equipamentos (Brasil,
2012).
Em 2005, no intuito de reduzir as demandas e ofertas de drogas, bem
como a promoção de saúde, vinculada à iniciativa de inclusão social aos usuários
que possuem problemas com o consumo de drogas, foi aprovada a Política Nacional
sobre Drogas (PNAD).
A referida política visa à promoção e à garantia de articulação e
integração em rede nacional das intervenções para (Unidade Básica de Saúde,
ambulatórios, Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas,
comunidades terapêuticas hospitais psiquiátricos, entre outros serviços).
Em 2007, o governo federal instituiu a Política Nacional sobre o Álcool
criada para enfrentar coletivamente os problemas relacionados ao consumo de
álcool. Contudo, ainda se percebe a propagação sobre o consumo de bebida
alcoólica, ressaltando que ainda é uma questão a se pensar, haja vista que em
casos percebidos na Promotoria de Defesa de Saúde Pública, a bebida alcoólica,
muitas vezes, é a “porta de entrada” para o consumo de outras drogas.
Os próprios meios de comunicação que publicitam sobre certos produtos
de bebida alcoólica, induzindo ao consumo “prazeroso”, são os próprios
divulgadores de informações sobre o aumento do uso de drogas, incluindo o álcool.
19
Dentre as cidades destacam-se: Maceió/AL, Manaus/AM, Salvador/BA, Fortaleza/CE, Brasília/DF, Uberlândia/MG, Belém/PA, João Pessoa/PB, Curitiba/PR, Recife/PE, Niterói/RJ, Rio de Janeiro/RJ, São Bernardo do Campo/SP, Guarulhos/SP.
39
Isso evidencia a necessidade do monitoramento e a fiscalização da propaganda e
publicidade de bebidas alcoólicas, como alternativas também de prevenção e
redução dos danos aos segmentos populacionais vulneráveis à estimulação para o
consumo de álcool.
A rede de atenção às demandas de uso de álcool e outras drogas
também contemplam diversos equipamentos de saúde e sociais como, os grupos de
Mútua Ajuda - os AA’s (Alcoólicos Anônimos) e os NA’s (Narcóticos Anônimos); as
UPAS (Unidades de Pronto Atendimento), que atendem as urgências e emergências
das demandas de saúde; o SAMU 192, que presta socorro à população em casos de
emergência; as Unidades de Desintoxicação, que, atualmente, para os quadros de
intoxicação aguda, localizado no Hospital de Saúde Mental de Messejana, em
Fortaleza; o Hospital Dia Elo de Vida, integrante do Hospital de Saúde Mental de
Messejana, que se caracteriza por um atendimento diurno, até o final da tarde.
Há também os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS
AD), que se caracteriza pelo modelo de atenção aos usuários de álcool e outras
drogas em modalidade ambulatorial, bem como os Centros de Atenção Psicossocial
Infanto- juvenil (CAPS), direcionados ao atendimento de crianças e jovens de até 15
anos de idade.
Os Hospitais Psiquiátricos também são inclusos no referido programa,
que contém os leitos de internação com atenção integral às situações de crises
psicóticas e casos agudos. Além dos Leitos de Atenção Integral, em atenção às
pessoas em intenso sofrimento psíquico, incluindo os casos de transtornos
decorrentes do abuso de substâncias psicoativas. Essa atenção implica o
atendimento de todos os serviços da rede municipal e regional.
Além das Terapias Comunitárias, alternativas de enfrentar o sofrimento
relativo ao uso problemático de drogas, focando no processo de recuperação,
reavaliação e possível transformação do modo de vida do indivíduo.
Contudo, ao tratarmos sobre as comunidades terapêuticas, parte do
nosso objeto de pesquisa, é preciso explanar sobre a origem e o desenvolvimento
desse meio de intervenção ao consumo de álcool e ouras drogas.
Antes de sublinhar sobre o contexto histórico das comunidades
terapêuticas, explanaremos através de Fracasso (2014) sua concepção sobre as
referidas áreas de intervenção:
40
As Comunidades Terapêuticas são ambientes de internação especializados, presentes em mais de sessenta países, que oferecem programas de tratamento estruturados e intensivos, visando o alcance e manutenção da abstinência, inicialmente em ambiente protegido, com encaminhamento posterior para a internação parcial e/ou para o ambulatório, conforme as necessidades do paciente. (p.126)
Na segunda década do século XX, Frank Buchman, ministro evangélico
luterano fundou uma organização religiosa, a First Century Christian Fellowship, que
transmitia como mensagem essencial o retorno à pureza e à inocência dos
primórdios da Igreja cristã. Os transtornos mentais e o alcoolismo eram
contemplados pelas preocupações do movimento por serem considerados sinais de
“destruição espiritual” (FRACASSO, 2014).
Ainda segundo Fracasso (2014), o termo “comunidade terapêutica” (CT)
foi primeiro usado por Maxwell Jones, que dirigia o hospital Dingleton, na Escócia. O
Dr. Jones era um psiquiatra preocupado com o fato de que a psiquiatria tradicional
parecia não ajudar os pacientes. Para solucionar esse problema, convidou vários
profissionais para o que chamou de “reunião mundial”, visando investigar como falar
diretamente com seus pacientes, procurando desmistificar a imagem autoritária dos
profissionais que atuavam nos hospitais, insistindo bastante na ideia de autoajuda,
de ajuda mútua e de que todos deveriam trabalhar juntos para ajudarem a si
mesmos e aos demais.
A natureza terapêutica do ambiente total (motivação geral das CTs de
Maxwell Jones) é precursora do conceito fundamental de comunidade como método
de tratamento de substâncias psicoativas. Esse modelo, fundamentado como uma
abordagem de mútua ajuda, manteve essa característica essencial e diversificou-se,
englobando e combinando com eficácia outros modelos psicossociais vigentes, tais
como a prevenção da recaída e técnicas motivacionais, além de inúmeros serviços
adicionais relacionados à família, à educação ou trabalho e à saúde física e mental.
No Brasil, o marco que deu início à expansão das Comunidades
Terapêuticas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul,
entre outros, foi a fundação da Fazenda do Senhor Jesus, por Pe. Haroldo J.
Ranhm, em 1978, na cidade de Campinas (SP).
A SENAD20 realizou em 2006/2007, o I Mapeamento das instituições
20
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, o órgão responsável por coordenar e integrar as ações do governo federal relativas à redução da demanda de drogas no Brasil.
41
governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao
consumo de álcool e outras drogas no Brasil – 2006/2007 (SENAD, 2007) e, com
uma amostra de 1256 serviços de tratamento para dependência química, constatou
que 38% do total de serviços pesquisados e 65% dos serviços não-governamentais
eram compostos por comunidades terapêuticas (n=596), o que respondiam a 75%
das internações realizadas no período do levantamento.
Segundo matéria do Jornal Diário do Nordeste do dia 10 de junho de
2013, em todo o Estado do Ceará, existem 150 comunidades para o tratamento de
dependentes químicos, as chamadas comunidades terapêuticas. Destas, apenas 30
são credenciadas. Isto significa que 80% do total de comunidades, no Ceará,
funcionam irregularmente, segundo o último mapeamento realizado pelo Conselho
Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas (CEPOD) em parceria com a Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).
Em 30 de maio de 2001, a diretoria colegiada da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) adotou a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC
101/01, substituída em 2011 pela RDC 29, estabelecendo o Regulamento Técnico
para o Funcionamento das Comunidades Terapêuticas – Serviços de Atenção a
Pessoas com Transtornos decorrentes do Uso ou Abuso de Substâncias Psicoativas
(SPA), segundo Modelo Psicossocial (ANVISA, 2001; ANVISA, 2011).
Dentre os requisitos dispostos nessa resolução temos: Objetivo,
Abrangência; Condição Organizacional; Gestão de Pessoal; Gestão de Infraestrutura
e Processos Operacionais Assistenciais. E o principal instrumento terapêutico a ser
utilizado para o tratamento das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso
ou dependência de substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares.
Em nota, sobre a regulamentação das comunidades terapêuticas, as
contribuições do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) para o debate,
publicada em 28 de novembro de 2014, apresentam posição contrária à
regulamentação das comunidades terapêuticas, tendo em vista que defendemos que
o tratamento de pessoas que consomem drogas de forma abusiva, ou que delas
criam dependências, seja realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio dos
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD), dos hospitais gerais e
dos consultórios de rua, conforme deliberado e explicitado nos documentos finais da
IV Conferência Nacional de Saúde Mental (2010), na XIV Conferência Nacional de
42
Saúde (2011) e, especialmente, na Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica).
Portanto, mais uma vez recorremos à nota sobre a regulamentação das
comunidades terapêuticas, publicada pelo CFESS, que diz ser constitucionalmente
um Estado Democrático de Direito, definido pela Constituição Federal, desde1891, o
Estado brasileiro tornou-se laico, ou seja, separado das opções e orientações
religiosas de qualquer natureza.
Neste sentido, o caráter laico do Estado deve se estender a todos os
serviços e dimensões da vida social por ele regulado, sendo necessária sua
preservação para a consolidação do processo democrático. Com base no
documento elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), que realizou
inspeção em 68 comunidades terapêuticas, a imposição de credo religioso é uma
prática evidenciada nas comunidades terapêuticas, o que compreendemos como
uma violação dos direitos das pessoas que têm sido atendidas por estas entidades.
Entendemos, portanto, que este tipo de recurso utilizado para tratamento fere
frontalmente a laicidade do Estado.
Ainda sobre o posicionamento do CFESS em relação às Comunidades
Terapêuticas, o texto diz que não é dever do poder público financiar estes serviços e
sim reforçar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) pública, garantindo um
atendimento digno à população, fazendo compreender que esse processo consiste
em um retrocesso no atendimento prestado às pessoas que consomem drogas
abusivamente ou dela são dependentes e que demandam tratamento.
43
4 RELIGIOSIDADE E PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES
QUIMICOS NO CREMA.
Compreender a rede de atenção aos usuários de álcool e outras drogas,
oportuniza a apreensão da configuração do atendimento das comunidades
terapêuticas, com esse intuito o capítulo que segue apresenta a especificidade da
atenção aos residentes da referida comunidade, considerando o aspecto da
religiosidade no processo de recuperação destes.
4.1 Conceitos: Espiritualidade, Religiosidade e Religião.
De maneira geral, as definições de espiritualidade, religiosidade e religião
vêm ganhando destaque na literatura internacional e brasileira. A seguir, serão
expostos tais conceitos, explicados por diversos autores.
Para Sullivan (1993), a espiritualidade é uma característica única e
individual que pode ou não incluir a crença em um “Deus”, sendo responsável pela
ligação do “eu” com o universo e com os outros. Engloba a necessidade de busca ao
bem-estar e crescimento, além da percepção do significado do mundo e daquilo que
realmente valeria à pena, estando além de religiosidade e religião.
De acordo com SAAD (2001), a espiritualidade é:
A propensão humana para encontrar um significado para a vida através de conceitos que transcendem o tangível, um sentido de conexão com algo maior que a si próprio, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal. É aquilo que dá sentido à vida, e é um conceito mais amplo que religião. Espiritualidade é um sentimento pessoal que estimula um interesse pelos outros e por si, um sentido de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos debilitantes, de culpa, raiva e ansiedade.
Em outras palavras, espiritualidade é um fenômeno apenas individual,
identificado com aspectos como transcendência pessoal, sensibilidade
“extraconsciente” e fonte de sentidos para eventos na vida.
Já para Fleck et al(2003), a espiritualidade coloca questões a respeito do
significado da vida e da razão de viver, não se limitando a algumas crenças ou
práticas, podendo porém desembocar forma religiosa ou não.
O termo espiritualidade é o mais amplo dos três e não depende de uma
religião, necessariamente, apesar de ser favorecido por ela, visto que esta estimula
44
a prática da religiosidade e, consequentemente, conecta o indivíduo à sua
espiritualidade.
Conforme Saad (2001), a religiosidade envolve um sistema de culto e
doutrina que é compartilhado por um grupo, e, portanto, tem características
comportamentais, sociais, doutrinárias e valores específicos.
Ainda, de acordo com Fleck et al(2003), a religiosidade é uma tendência
para se colocar questões existenciais relativas ao sentido da vida e de forma aberta
para a fonte transcendente de sentido e portanto, é uma tendência para assumir
uma forma religiosa de vida.
Também, nesta mesma linha de pensamento, Giovanetti (2005)
caracteriza o termo “religiosidade” a uma relação do ser humano com um ser
transcendente, em que a busca pelo sentido parte uma ligação com uma entidade
superior.
Neste trabalho optamos por denominar religiosidade a toda prática
religiosa relatada pelos entrevistados, como por exemplo, frequência ao grupo
religioso, orações, leitura de textos sagrados e a aceitação dos dogmas ou princípios
básicos da religião professada.
Nesse sentido, o pensamento pós-moderno abriu a possibilidade de
entender a religião como aspecto importante em nossas vidas e experiências
cotidianas. Isso acontece porque a religiosidade, que pode ser considerada como
uma forma de expressão religiosa, no relacionamento com Deus está inserida na
cultura e no cotidiano de muitas pessoas, pois quando se encontram em situações
de risco, de perdas, medo, doenças graves e às vezes de agradecimentos, acabam
se voltando para a sua crença ou fé, independentemente de sua religião.
Desta forma, entendemos que a religião é um agente modificador na vida
das pessoas que passam por um tratamento para a dependência química,
proporcionando ao usuário novas formas de enfrentar e levar a vida.
A influência da religião sobre a saúde e, em especial, a saúde mental, é
um fenômeno resultante de vários fatores. Entre os possíveis modos pelos quais o
envolvimento religioso poderia influenciar a saúde, estão os fatores derivados do
estilo de vida das pessoas religiosas, formas de expressar estresse e controlar as
emoções, direção e orientação espiritual em situações de fragilidade, entre outros.
(STROPPA; MOREIRA-ALMEIDA, 2008).
45
Segundo Fleck et al (2003), a religião é a crença na existência de um
poder sobrenatural, criador e controlador do universo. É a vivência de uma relação
com Deus, entendido como fonte última de sentido, com o absoluto e
incondicionado, sendo que essa relação terá maior ou menor repercussão na vida
da pessoa.
Já Wilges (1995) explica a religião em diversos aspectos. Para ele, as
religiões são constituídas por:
Uma doutrina, ou seja, um conjunto de crenças e mitos sobre a origem do cosmos, sobre o sentido da vida, sobre o significado da morte, do sofrimento e do além; Um conjunto de ritos e cerimônias que empregam e atualizam símbolos religiosos;Um sistema ético, com leis, proibições, regras de conduta, que são mais ou menos claramente expressas e codificadas; Uma comunidade de fiéis, com diferentes tipos de líderes e sacerdotes, que estão mais ou menos convencidos das crenças e que seguem os preceitos dessa religião.
Ainda, segundo Wilges (1995), religião é o conjunto de crenças, leis e
ritos que visam um poder que o homem, de fato, considera supremo, do qual se
julga dependente, com o qual pode entrar em relação pessoal.
4.2 Caracterização dos participantes da pesquisa
O perfil dos entrevistados foi predominantemente do sexo masculino, com
idades entre 26 a 46 anos, sendo a menor idade de iniciação ao uso de drogas entre
os sujeitos pesquisados foi aos sete anos e a maior idade, aos vinte e dois anos.
É importante lembrar que todos os entrevistados foram informados sobre
os objetivos da pesquisa, que seguiu o roteiro de perguntas deixando o entrevistado
à vontade para falar do assunto, que foi gravado com a aprovação dos mesmos em
que assinaram o termo de consentimento e transcrito na íntegra. Também foram
informados que será mantido o total sigilo e assegurado o anonimato de suas
informações coletadas, bem como de sua identidade, garantindo o manejo das
informações somente para fins científicos. Os nomes dos sujeitos foram mantidos
em sigilo e substituídos por nomes fictícios, caracterizados aqui como: Abdias,
Oséias, Miquéias, Isaías e Jeremias. Esses nomes foram retirados da Bíblia
Sagrada e representam os profetas do Antigo Testamento para os cristãos, devido ao
fato da maioria dos residentes entrevistados se definirem como cristãos.
Apresentamos, então, o perfil traçado dos principais interlocutores da
46
pesquisa que, muito embora carreguem traços comuns, a relação com as drogas e
trajetória de vida é marcada por caminhos específicos. Estes interlocutores foram
escolhidos, como ditos anteriormente no percurso metodológico, através de critérios,
no qual foi levada em consideração a representação de cada religião professada e o
grau de importância dada a sua religião. Foi entrevistado um representante da
Umbanda, do Espiritismo, do Catolicismo e outro Evangélico. Para completar, não
poderia deixar de escolher um residente sem religião, tendo em vista que não
devemos considerar que todos os residentes contemplaram a religiosidade como
aspecto relevante em seu processo de recuperação.
Dessa forma, compreendemos importante apreender uma ampliação da
concepção da contribuição ou não da religião no processo de tratamento das
demandas de uso problemático de álcool e outras drogas.
4.2.1 Abdias
O referido entrevistado tem 26 anos, mora atualmente em Fortaleza, veio
para a instituição através dos próprios membros do CREMA, sendo esta a sétima
internação. É solteiro e sua namorada é a principal responsável pelo sustento da
família. Tem o Ensino Fundamental incompleto, sua única forma de lazer é ir à praia.
Começou a usar drogas aos 22 anos, iniciando com maconha e o primeiro acesso
foi no grupo de amigos. Está há três (3) meses na instituição. A religião de Abdias,
antes de entrar no CREMA, era a Umbanda e ele continuou frequentando
assiduamente às reuniões, considerando a religião o norte para a tomada de todas
as suas decisões.
4.2.2 Oséias
O entrevistado supracitado tem 26 anos e mora atualmente em Fortaleza.
Chegou ao CREMA há um mês, através do CAPS, completando até o momento, a
sétima internação. Mora sozinho, pois, atualmente, está separado da companheira,
sendo ele o responsável pelo próprio sustento. Tem o Ensino Fundamental completo
e adora praticar esportes, principalmente a Capoeira. Começou a usar drogas aos
dezesseis (16) anos de idade, conhecendo a substância através dos amigos e suas
influências. Seu primeiro contato foi com o álcool, mas a sua droga de preferência é
47
o crack. Antes de entrar no CREMA, ele era evangélico, entretanto não se
considerava praticante da sua religião. Hoje, a religião citada não tem importância na
sua vida, mas, mesmo assim, crê em um Poder Superior.
4.2.3 Miquéias
O entrevistado tem 43 anos, é solteiro, mora com os pais em Fortaleza e
possui o Ensino Médio completo. Foi encaminhado pela família ao CREMA para
tratamento. Está há dois anos e dois meses na instituição e já é monitor do local.
Nos dias de folga, gosta de ir à praia. Começou a usar drogas aos sete (7) anos,
inicialmente com a bebida alcoólica, afirmou que bebia nas festas de família e
quando costumava ir à praia, seu lazer favorito. Antes de entrar no CREMA era
católico, sendo que atualmente é espírita, onde costuma frequentar às reuniões
semanalmente, tomando todas as suas decisões a partir de princípios e valores
religiosos.
4.2.4. Isaías
Com residência fixa em Fortaleza, morando com a esposa e seus filhos,
46 anos de idade, Ensino Superior incompleto, católico praticante desde criança, no
qual não costumava faltar uma missa na semana, retirava das leituras, sua fonte de
lazer. Foi encaminhado à instituição por indicação de um amigo, que também já foi
residente. Começou a usar drogas com quinze (15) anos de idade, conhecendo-as
através do motorista da família. Consumiu maconha pela primeira vez, mas é o crack
a sua droga de preferência. Já é a terceira vez internado, está há onze meses na
Instituição e desta vez pretende fazer diferente, pois toma todas as suas decisões,
consultando o seu Poder Superior.
4.2.5 Jeremias
O entrevistado tem 40 anos, é solteiro, mora em Fortaleza com os pais,
veio à instituição encaminhado pelo próprio local de trabalho. Está cursando Ensino
Superior na modalidade de EAD e tem na leitura sua fonte de aprendizado e lazer.
Sempre foi evangélico praticante e costuma tomar suas decisões a partir de
princípios e valores religiosos. Começou a usar drogas aos dezoito (18) anos, a
48
inserção às drogas se deu com a ingestão de bebidas alcoólicas, junto a um grupo
de amigos. Sua droga de preferência é o crack. Este é o seu décimo internamento
em comunidade terapêutica, sendo que atualmente está com três meses no
CREMA.
4.3 A influência da religiosidade na recuperação de dependentes químicos no
CREMA
Que consolo maior a um usuário de drogas do que o de saber que tudo o
que foi feito de errado pela droga ou sob o efeito desta pode ser apagado e
esquecido por aquele que governa o universo?
Para obter a resposta a esta e a outras questões, a religião, em geral, é
apresentada aos residentes como a primeira saída, num momento de total
desespero, quando estão abertos a qualquer proposta que lhes seja oferecida para o
afastamento das drogas e, por este motivo, não precisa oferecer muito mais do que
o simples apoio fraterno e disponibilidade de escutá-los a qualquer hora do dia.
Nesse sentido, André Stroppa e Alexander Moreira-Almeida (2008)
publicaram:
Crenças religiosas influenciam o modo como pessoas lidam com situações de estresse, sofrimento e problemas vitais. A religiosidade pode proporcionar à pessoa maior aceitação, firmeza e adaptação a situações difíceis de vida, gerando paz, autoconfiança e perdão, e uma imagem positiva de si mesmo.
Sendo assim, ao perguntarmos sobre a importância da religião em suas
vidas e sua recuperação, os residentes entrevistados colocaram suas opiniões:
É sim. A religião é muito importante, porque a programação é muita boa, é a religião que vai dar a força e a coragem para prosseguir até o final da vida. Prático a religião conforme o Evangelho pede: agradeço não só por mim, oro pelos meus inimigos, pela minha família. Resgatar o meu perdão, entregando as minhas vontades na mão de Deus, não me deixando ficar com raiva e o poder autodestrutivo que me levava ao uso de drogas. (JEREMIAS)
Porque quando cheguei aqui no CREMA, cheguei debilitado, tanto físico como espiritualmente, sem perspectiva nenhuma de vida. Daí, eu tinha que descobrir um poder maior do que as drogas; esse poder maior que uso é o Poder Superior, que é Deus. A religião hoje é tudo, tudo... está acima de qualquer coisa, a única coisa que está acima de mim é o Poder Superior.(ISAÍAS)
Outro fator, que contribui na recuperação dos residentes químicos do
49
CREMA são os Doze Passos de Narcóticos Anônimos21, no qual no Segundo Passo,
o Programa de recuperação diz que “Viemos a acreditar que um Poder Superior
maior do que nós poderia nos devolver à sanidade”, necessário para alcançar à
recuperação contínua.
A fala de um dos nossos residentes entrevistados retrata bem isso:
O papel é de bastante importância, porque pra mim o que funciona é a minha religião mais os Narcóticos Anônimos, são os dois juntos. Se eu usar só a programação de 12 Passos e não usar a religião, eu sou sujeito a recair e mais um pouco, porque a minha religião não é de brincadeira. Se eu faltar com os meus deveres, a cobrança é alta, vai vir pra cima de mim. Sem a minha religião, eu não me sinto fortificante; então assim: eu passei um tempo afastado dela e é como se eu tivesse fraco, fraco mesmo. E cada vez que eu busco mais a minha religião, eu necessito dela verdadeiramente pro meu dia a dia e quando eu reconheci que era importante pra mim, aí me entreguei. Todo santo dia, necessariamente eu vou pra minha religião, pois estou em fase de desenvolvimento; então assim, eu estou desenvolvendo a minha coroa de caboclo, eu trabalho diretamente com os caboclos. É muito perfeito, eu não troco a minha religião por outra religião. (ABDIAS)
Dentre os vários métodos particulares aplicados pela maioria das religiões
cristãs, todas têm em comum, e a seu favor, um fenômeno que é o acolhimento a
usuários extremamente dependentes de drogas e decididos a deixar o consumo.
Sanchez e Nappo (2008) reconhecem essa qualidade afirmando que o
contato físico sem preconceitos impressiona e valoriza os dependentes de drogas,
pois é consenso entre eles valorizar este tipo de tratamento que os coloca no
mesmo nível de quem os acolhe e ainda houve relatos de pessoas que como eles
erraram e foram redimidos. Podemos perceber esses dados na fala do residente a
seguir:
A religião me motiva a apreender mais de Deus e ter mais fé de acreditar e confiar mais em Deus. Saber que eu tenho um lugar que me sinto bem, alegro-me na presença do Senhor e ter o prazer para suprir as minhas necessidades. Ela me seduz e induz a presença de Deus, para buscar conhecimentos da palavra, pois a Bíblia é a própria boca de Deus e tem resposta de tudo. (JEREMIAS)
O sentimento da maioria dos residentes entrevistados é que a religião
funciona como um suporte emocional e um meio de se refugiar dos problemas deste
mundo, depositando num Poder Superior toda a sua confiança e esperança de dias
melhores.
É então que a proposta religiosa, principalmente entre os cristãos, pode
21
Ver a lista completa dos Doze Passos de Narcóticos Anônimos no Anexo A.
50
trazer uma “isenção” de culpa do novo fiel da culpa que o consome e se propõe a
auxiliá-lo passo a passo na reconstrução da nova vida. Não necessariamente a
droga é o cerne da crise, mas a vida que levam, da qual a droga é parte
fundamental. Desta forma, experiências traumáticas despertam o interesse por
“mudar de vida” e “recomeçar do zero”.
Dos 40 anos pra cá, eu deixei de praticar a minha religião. E quando eu vim perceber, eu deixei o meu Poder Superior dentro da instituição, mas agora eu estou fazendo diferente, através das meditações diárias e aos domingos indo à igreja, procurando uma missa, um contato mais forte com ele, não que eu sozinho não faça, mas me ajuda bastante a igreja, a estar junto com os outros irmãos, confessando com o Padre, comungando o Corpo de Cristo, ouvindo a Carta de Pedro e de João aos domingos. E hoje, eu não faço nada, eu não tomo uma atitude sem antes consultar meu Poder Superior. Eu boto em ação, depois faço a entrega e depois espero a resposta dele, porque hoje é Ele que rege a minha vida, na minha caminhada do dia a dia e pretendo levar para o resto da minha vida, porque foi o ponto principal nas duas recaídas, que eu detectei, foi a ausência do meu Poder Superior.(ISAÍAS)
Uma questão retratada na fala acima é a religião como fator de prevenção
ao uso de drogas. Essa questão tem recebido investimento até mesmo por parte da
SENAD, que também reconhece a importância da fé nesse âmbito. Em parceria com
a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ela criou o curso ― Fé na
Prevenção.22 Desenvolvido na modalidade de educação à distância, o curso
pretende capacitar líderes religiosos de diferentes doutrinas, bem como pessoas que
trabalham em CT‘s para o ― cuidado aos usuários de drogas. Baseado em técnicas
de intervenção, entrevista motivacional e mudança de comportamento, o curso
habilita seus alunos a atuar na prevenção do uso de drogas e outros
comportamentos de risco.
Vale notarmos também que o vínculo intenso com a igreja ocorre mais no
início da recuperação, quando o entrevistado percebe e sente maior ausência de
vínculo familiar e até comunitário como apoios para seu processo de recuperação.
Assim sendo, neste contexto o âmbito religioso é interessante e estimulante para
propiciar mudanças essenciais para a recuperação destes indivíduos. Além disso, a
religião , para muitos, passa a lhes indicar condições de refazer os seus vínculos de
amizade, por meio da realização de diversas atividades ocupacionais voluntárias,
facilitando assim o seu afastamento da droga e dos seus companheiros vinculados a
ela (Sanchez, 2006).
22
As informações sobre o curso estão disponíveis em: http://www.fenaprevencao.senad.gov.br/.
51
Ainda, segundo Sanchez (2006):
A religião não promove apenas a abstinência do consumo de drogas, mas, em especial, oferece recursos sociais de reestruturação: nova rede de amizades, ocupação do tempo livre em trabalhos voluntários, atendimento “psicológico” individualizado, suporte financeiro num primeiro momento, valorização das potencialidades individuais, coesão do grupo, apoio incondicional dos lideres religiosos, sem julgamentos.
A adoção de referenciais da religião faz com que o fiel confie na proteção
de Deus e respeite as normas e valores impostos pela religião, melhorando a
qualidade de vida dos adeptos. Esse comportamento levaria ao afastamento natural
das drogas, à falta de interesse impulsionada pelo medo ou apenas pela
conscientização da degradação moral associada ao abuso destas substâncias. O
enfrentamento das dificuldades a partir da perspectiva espiritual apoiado na fé acaba
proporcionando o afastamento natural de atitudes contrárias à moral difundida pela
religião. Além disso, o fato de se contar com a ajuda irrestrita de Deus gera um
amparo constante, conforto e bem-estar. A fé apresenta-se como um dos fatores,
que promove a qualidade de vida, segundo a fala dos residentes entrevistados.
E falando de mim hoje, é o que me mantém em recuperação limpo por esse período e pretendo por muito mais tempo na minha vida, graças a esse Poder Superior, porque se não fosse ele, o principal de tudo, a base, o pilar, a motivação maior pra me manter limpo, se eu não tivesse a certeza da existência dele, eu não estaria limpo e muito menos em recuperação, só por hoje. (ISAÍAS)
Quando eu tenho fé e tenho ação, é só esperar a providência de Deus. Confiar e esperar é exatamente o que a programação fala: o primeiro passo, a admissão, que é a esperança; o segundo passo viemos acreditar que é a fé; o terceiro passo é entregar nossa vida e nossas vontades, que é a decisão que se transforma em confiança em Deus. Apesar de a minha religião ser evangélica, mas o que salva é a fé em Deus e a palavra de Jesus Cristo. (JEREMIAS)
Sem o meu Poder Superior, eu não sou nada. Pra mim, o meu Deus Oxalá é tudo. Abaixo de Deus, estão as entidades, que baixam e vêm na minha coroa e fazem trabalhos, ajudando pessoas. (ABDIAS)
Sanchez (2006), afirma que a oração é o principal método de tratamento
da síndrome de abstinência e de qualquer sintoma de recaída associada à fissura, é
utilizada sempre que surge a vontade de usar e sempre que sentem necessidade de
“conversar com Deus”. Segundo um dos residentes entrevistados: “Eu pratico a
minha religiosidade através de prece e meditações, faço orações, louvando o Poder
Superior da forma como eu compreendo e pedindo ajuda para eu me manter limpo,
52
só por hoje.” (MIQUÉIAS).
Desta forma, mais uma vez lembramos dos Doze Passos de Narcóticos
Anônimos, que no Terceiro Passo, o Programa de recuperação diz que “Decidimos
entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós
compreendíamos”.
Para os Narcóticos Anônimos23, há a decisão de entregar nossa vontade
e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como cada um compreende. O
conceito de Deus não vem de um dogma, mas daquilo que acredita e funciona, ou,
como sendo uma força que mantém limpo. Não precisa ser religioso, só é preciso
boa vontade para abrir a porta para um Poder maior do que nós, qualquer um pode
dar esse passo.
A prece em geral é realizada pelo próprio usuário, que solicita forças ao
Poder Superior para que supere a vontade compulsiva de consumir a droga. É um
momento de solicitação de ajuda, quando passam a perceber que estão impotentes
frente a sua vontade e acreditam que o Poder Superior pode alterar este quadro.
Sanchez e Nappo (2008) corroboram com essa ideia:
A oração tranquiliza as pessoas usuárias de álcool e/ou drogas, através de um estado meditativo e de alteração da consciência. Além disso, a oração também promove a fé, que ameniza o peso da luta contra a dependência, uma vez que divide a responsabilidade do tratamento com Deus e sente sua intervenção protetora com o “bem” e o “mal”.
Portanto, a fé é o diferencial que ajuda a suportar esta abstinência e faz
com que o usuário se mantenha na proposta de não voltar a consumir a droga,
sendo a oração, considerada o substituto da terapia farmacológica, detentora da
função ansiolítica semelhante a um fármaco em relação ao tratamento da
dependência.
Nitidamente, os residentes entrevistados apresentavam mais questões
problemáticas em suas vivências no âmbito pessoal e familiar, do que simplesmente
aqueles decorrentes de questões orgânicas do consumo da droga, que poderiam ser
sanadas por um profissional da saúde. Nesse sentido, a religião pareceu contribuir
em seus diversos vácuos existenciais, através de uma abordagem global de
mudança de vida, que a medicina convencional não parece ser capaz de preencher.
23
Narcóticos Anônimos. Disponível em: http://www.na.org.br/. Acessado em: <22 de dezembro de 2014>.
53
A programação de NA é parte da Bíblia, sem falar o nome de Jesus, já que é ecumênica. Porque o poder de Deus faz milagres que nem a medicina explica, pois vi vários outros dependentes químicos curados. È unir o útil ao agradável. (JEREMIAS)
A busca pelo Divino e pelo consolo que Ele proporciona é parte integrante
de todo tratamento espiritual. No entanto, nem todos os residentes entrevistados
relataram ter conseguido atingir esta meta da mesma maneira e no mesmo tempo de
caminhada religiosa. O encontro com o Poder Superior se dá cedo ou tarde a todo
aquele que se propõe a seguir, com constância, uma religião. O que muda entre os
diferentes depoimentos é a intensidade deste encontro e o papel na recuperação do
dependente de drogas.
Gomes (2008) mostra que o indivíduo pode perder sua naturalidade por
decorrência da espiritualidade, pois a religiosidade pode, em determinadas formas
de apreensão, promover patologia, limitando o sujeito em seu dever humano,
passando a veicular relação em que o sujeito humano surge retificado, exilado de si
mesmo.
Eu acredito assim: o religioso em si é como se fosse um torcedor de time, da torcida organizada, que passa ser algo doentio, que vou querer defender o que eu compreendo, o que eu estou levando para minha vida, eu vou querer impor, às vezes é isso que acontece. Falando de experiência de vida: certo tempo eu passei um ano e dois meses sendo membro de uma igreja e quando eu me afastei da igreja, eu achei que tinha perdido totalmente a condição de uma mudança de vida, que por conta de não está mais em tal religião, eu era um cara totalmente afastado de Deus e acreditava que Ele me repudiava; isso me ajudou a ter várias recaídas. E até, também a meu ver, às vezes essa programação de NA, está soando como tal religião. Eu tenho aprendido que eu tenho que reter o que é bom; há várias pessoas que tem ficado bem, que deixaram de usar drogas e não é religioso, não participa de programação de NA. Eu acredito que isso depende muito do individual, se for isso que eu quero, no sentido de sugerir e não impor. (OSÉIAS)
Ainda sobre o assunto, Gomes (2008) afirma que a religião não é
saudável, pois para ele, as experiências religiosas e espirituais levam seus adeptos
a sofrer com o sofrimento de outros, sentindo-se obrigados a dedicar esforços para
ajudar ou aliviar dores e injustiças.
Eu não sou adepto à religião, até porque eu acredito que a religião não é sadia, já que de alguma maneira eu vou me libertar de algo e se prender a outro. Isso tudo, eu pude perceber que a religião não é benéfica; pode sim trazer o mal à pessoa, principalmente eu que tenho problemas com drogas; de alguma maneira, eu acredito sim, que ela pode me atrapalhar. Eu, no meu ponto de vista, em minha opinião, eu acredito que para nenhum tipo de pessoa, em qualquer classe, em qualquer área, ser imposta uma religião. Falando de mim, há várias coisas que eu não me identifico, de alguma
54
maneira vai ter uma frustração, pode me causar algum conflito e me fazer mal. Mas, eu tenho sim um consentimento, eu tenho uma crença em um Deus, em um Poder Superior, como a programação de NA sugere e é isso que em me apego, não é uma religião. (OSÉIAS).
Oséias, em sua fala, descreve que a religiosidade acaba atrapalhando o
tratamento, no sentido de tornar o residente um doente, devido ao seu caráter
alienante e fanático, colocando a religião acima de tudo e de todos.
Não devemos olhar a questão das drogas somente pela ótica do
indivíduo, já que se trata de uma das expressões multifacetadas da questão social,
assim a análise das determinações e mediações que envolvem este fenômeno é
imprescindível, uma vez que esta forma errônea de analisar a problemática tenha
inserido no seio do imaginário social a vinculação do usuário e dependente de
drogas a uma pessoa com – desvio de caráter, reforçando as perspectivas
moralizadoras e individualizantes a cerca da questão social.
Na busca do bem-estar pessoal, todos nós enfrentamos obstáculos e
situações ameaçadoras que podem prejudicar a saúde, a vida emocional, espiritual
e social. Cabe a cada um colocar em jogo capacidades, habilidades e senso comum
para enfrentar e controlar constantemente ameaças e conflitos, sobretudo, o ser
humano das grandes cidades, que experimenta uma série de situações estressantes
que o impedem de pensar e de sentir o palpitar da vida.
Contudo, não podemos deixar de considerar as condições objetivas,
como o contexto e espaço em que se situam como os fatores socioeconômicos.
Portanto, para a sua formação e crescimento, como pessoa e como indivíduo, o ser
humano precisa de amizades, contato e convivência com outros, fatores estes que
favorecem a vida espiritual e emociona.
55
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência dessa pesquisa certamente foi um marco na minha
trajetória acadêmica, tanto pelo fato de eu ver consumado o projeto de pesquisa que
me propus a desenvolver desde o início da graduação, ao qual permanecemos fiel
até a sua realização. Quanto pelo fato de acreditar que esse trabalho é apenas o
princípio da trajetória que ainda tenho para seguir. Muitas das minhas concepções
foram surpreendidas durante essa pesquisa e, mais amplamente, durante a
experiência da graduação. Percebi um grande amadurecimento na minha forma de
compreender as relações sociais e o contexto social em que vivemos, e uma imensa
vontade de contribuir para que outros também possam ter esse amadurecimento.
Podemos perceber que o problema das drogas existe tanto para o Estado,
como para a sociedade. Porém, podemos concordar que nem todo usuário
desenvolve problema e que a droga seja um problema para todo usuário. Todavia,
os males causados pelo abuso e a dependência, bem como os aspectos atuais da
produção, distribuição e consumo de drogas e seu significado econômico e social
são fatores que legitimam a preocupação dos governos e da sociedade.
O direito a saúde não deve deixar de ser entendido como o alvo das
políticas públicas, de responsabilidade e primazia do Estado, e este não pode se
acomodar diante dos trabalhos desenvolvidos nas igrejas, ONGs, fundações
privadas, grupos de ajuda mútua como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos,
etc. inclusive numa postura de irresponsabilização. Isto é, os tratamentos realizados
por Comunidades Terapêuticas, independente de ser o pior ou o melhor tratamento,
não eximem o Estado de dar assistência integral à questão das drogas.
Acreditamos que o internamento não é o único método de tratamento
eficaz, pelo contrário, cremos que esse deva ser buscado depois de constatada a
ineficácia do tratamento ambulatorial no caso, ou quando a dependência estiver
pondo em risco a vida do próprio dependente e das pessoas em sua volta, sendo
essencial, para isso, profissionais que tenham a sensibilidade e competência técnica
de compreender e dar encaminhamentos às múltiplas situações e demandas desses
sujeitos.
Na verdade, embora haja uma consideração relevante da religiosidade
por parte de muitos residentes em seu processo de recuperação, a atenção
56
multidisciplinar e a consideração das singularidades de cada residente devem ser
reconhecidas para um bom êxito no tratamento. A forma como são encaminhados os
residentes e o respeito que lhes é transmitido, auxilia eficazmente na recuperação
da autoestima. Porém, também é nítido que os residentes que se beneficiaram
destes métodos religiosos tinham características muito semelhantes (crise intensa,
pobreza, isolamento social, perda do convívio familiar, perda de emprego, situação
de rua, etc.), além disso, todos acreditavam em Poder Superior (independente da
religião professada) e buscaram fervorosamente a religião em momentos críticos de
risco e vulnerabilidade social e de maior envolvimento com as drogas.
Portanto, não podemos desconsiderar as experiências religiosas dessas
pessoas. Assim, compreendemos que é relevante reconhecermos os elementos
positivos da religiosidade nos processos de recuperação, além de outras formas de
intervenção devidamente precisas.
O despertar dessa espiritualidade pareceu intimamente associada à
religiosidade, já que a maior parte dos entrevistados desse grupo acreditava e
praticava uma determinada religião. A religião não apenas promove a abstinência do
consumo de drogas, mas oferece recursos sociais de reestruturação: nova rede de
amizades; ocupação do tempo livre em trabalhos voluntários; valorização das
potencialidades individuais; coesão do grupo e apoio incondicional dos líderes
religiosos, sem julgamentos e preconceitos.
Além disso, a religiosidade gera a crença na existência de um Poder
Superior, cujas leis visavam sempre ao bem-estar do indivíduo. Ela é também
considerada uma “fonte de forças” independentemente da religião professada,
sugerindo cuidados físicos e mentais, associados ao não uso de drogas.
A religiosidade se trata de um aspecto muito relevante para os
entrevistados, parecendo ocupar importante papel na estruturação da família,
contribuindo na formação de valores e princípios em que cada ser humano acredita,
auxiliando-o na construção de sua personalidade. Também aparece como importante
fonte divulgadora de informações quanto aos aspectos negativos do uso de drogas.
Apontados os pontos positivos, também temos que assinalar alguns
aspectos negativos que esse tipo de tratamento podem também existir. Primeiro, a fé
por si própria não ajuda e a religião pode, às vezes, ser apresentar aspecto, digamos
que alienante, pela dominação e fanatismo que ela pode causar na pessoa,
57
evocando, desse modo, o aspecto dogmático e institucionalizado da experiência
religiosa.
Outra questão importante é que a religiosidade não pode fazer com que
os usuários desconsideram o diagnóstico e o tratamento de uma patologia, deixando
de lado algum cuidado ou tratamento necessário.
Essa abordagem biopsico-sócio-espiritual pode fazer com que o paciente
aceite e melhore sua capacidade de lidar com as dificuldades da doença,
estabelecendo maior confiança no tratamento por parte do residente. Assim como a
abordagem desse tema pode trazer benefícios incalculáveis, também pode ter
resultados negativos se o assunto não for discutido e tratado com seriedade por
parte das instituições.
Trabalhar junto ao residente com assuntos religiosos e espirituais, agindo
com imparcialidade em relação à religião professada, mas respeitando a
necessidade de cada um, levantando a história de fé centrado no residente, pode
trazer grandes benefícios e evoluções no tratamento, bem como beneficiará o
vínculo profissional/residente.
Por isso, os profissionais devem procurar lidar de forma respeitosa e
imparcial quanto à maneira como a religião penetra as concepções de saúde/doença
ou até mesmo aprender com estas pessoas, na perspectiva de uma assistência
humanizadora e acolhedora, de construção de vínculos e confiança, elementos
fundamentais no trato da drogadição.
De modo geral, pelos resultados de pesquisas já realizadas nessa área, e
pelos achados encontrados nesta pesquisa, fica evidente a necessidade dos
tratamentos convencionais se adaptarem a essa necessidade e incluírem em suas
abordagens terapêuticas à religiosidade do paciente, não só como um item
coadjuvante ao tratamento, mas como item indispensável para o bem-estar do ser
humano em todos seus aspectos e dimensões.
A religiosidade se mostrou um instrumento relevante no tratamento dos
dependentes químicos, mostrando a importância de ser usada e podendo ser
utilizada nos tratamentos, bem como no desenvolvimento pessoal de cada usuário,
independente de crenças ou religião específicas.
Esta pesquisa mostrou e reforçou que a religiosidade pode contribuir
positivamente, mas também negativamente durante o tratamento e pós-tratamento.
58
No entanto, o que observamos foi à predominância da influencia positiva sobre a
negativa.
Assim, percebemos ainda, que a religiosidade, acompanhada de outros
aprendizados obtidos no tratamento, proporciona ao usuário novas formas de
enfrentar e superar certos desafios quanto às dificuldades que permeiam o uso
problemático de drogas, e de outras situações da vida humana. Para tanto,
compreendemos que haja necessidade de mais pesquisas e estudos para o
conhecimento de realidades de outros locais, culturas e sujeitos que tenham
passado por diferentes tipos de acompanhamento, em especial os que atrelassem à
religiosidade dentre os instrumentos terapêuticos.
59
REFERÊNCIAS
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WILGES, I. Cultura religiosa: as religiões no mundo. Petrópolis: Vozes, 1995.
62
APÊNDICE
APÊNDICE A - CARTA DE ANUÊNCIA
Pelo presente instrumento, eu, Luiz Carlos Favaron, Responsável Técnico
pelo CENTRO DE RECUPERAÇÃO MÃO AMIGA - CREMA, informo a autorização
desta Instituição, para a realização da pesquisa visando o embasamento científico
para o desenvolvimento do tema: “A influência da religiosidade no tratamento dos
residentes dependentes químicos acolhidos no CREMA” a ser desenvolvida pelo
aluno Marcos Antônio Azevedo de Oliveira, que informou-nos detalhadamente dos
objetivos visados e metodologia a ser utilizada.
Declaro que tanto nossa Instituição, quanto os pesquisados não
receberam nenhum pagamento ou vantagem pela participação. Igualmente,
declaramos que, como Instituição co participante da pesquisa poderá revogar a
presente Anuência, caso fique comprovada alguma ação ou atividade que causem
prejuízo à Instituição ou ao sigilo e/ ou confidencialidade dos dados.
É o que declaramos como verdade e dou fé.
Maracanaú, 15 de agosto de 2014
LUIZ CARLOS FAVARON
Secretário / Coordenador Terapêutico
Assistente Social CRESS > 3690 > 3ª Reg.
63
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO AOS RESIDENTES DO CENTRO DE RECUPERAÇÃO MÃO AMIGA
O (a) Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “A
influência da religiosidade na recuperação de dependentes químicos do Centro de
Recuperação Mão Amiga(CREMA)”, realizada por Marcos Antonio Azevedo de
Oliveira e sob a orientação da Profa. Verbena Paula Sandy. A pesquisa foi autorizada
pelo representante legal da instituição e seguirá todos os procedimentos éticos
exigidos.
Dessa forma, pedimos a sua colaboração nesta pesquisa para
responder a uma entrevista sobre a influência da religiosidade na recuperação de
dependentes químicos do Centro de Recuperação Mão Amiga(CREMA), solicitando
sua autorização para gravar as conversas geradas durante a entrevista. Garantimos
que a pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo no seu acompanhamento e
tratamento, independente da sua opinião sobre o tema. Todo o ônus da pesquisa
será de inteira responsabilidade do pesquisador. Nas entrevistas, todas as
informações serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada, pois não
haverá divulgação de nomes. Vale ressaltar que sua participação é voluntária e o(a)
Sr.(a) poderá a qualquer momento deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo
ou dano. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para pesquisa,
e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas
especializadas e/ou encontros científicos e congressos, sempre resguardando sua
identificação. Como benefício direto para os usuários, comprometemo-nos em fazer
a devolutiva dos dados ao serviço, coordenadores, gestores e aos próprios
participantes quando assim solicitado, através de quaisquer esclarecimentos acerca
da pesquisa e, ressaltando novamente, terão liberdade para participarem quando
assim não acharem mais conveniente. Contatos com a graduando Marcos Antonio
Azevedo de Oliveira, ou com a orientadora Prof.ª Verbena Sandy.
Este termo está sendo elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito
participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.
Eu, ___________________________________tendo sido esclarecido(a) a respeito respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.
64
Maracanaú-CE, ____/____/2014
____________________________ ____________________________
Participante Marcos Antonio Azevedo de Oliveira
65
APÊNDICE C- QUESTIONÁRIO
Nome: ______________________________________________________________
1. Onde você mora atualmente?__________________________________________
2. Qual a faixa etária que você se enquadra? ( ) até 15 anos ( ) De 31 a 40 anos
( ) De 16 a 20 anos ( ) De 41 a 50 anos ( ) De 21 a 30 anos ( ) Acima de 51
anos
3. Qual seu estado civil? ( ) Solteiro ( ) Separado ou divorciado ( ) Casado
( ) Viúvo ( ) União estável
4. Quem mora na sua casa? ( ) Moro sozinho ( ) Irmãos ( ) Avô(ó) ( ) Pais/
Padrasto/Madrasta ( ) Outros parentes ( ) Esposa / Companheira ( ) Amigos
ou colegas
5. Qual seu grau de escolaridade? ( ) Alfabetizado ( ) Não alfabetizado
( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino fundamental incompleto ( )
Ensino médio completo ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino
superior completo ( ) Ensino superior incompleto
6. Qual a sua renda familiar mensal, isto é, somando a sua renda e de toda a sua
família? ( ) Menos de 1 salário mínimo ( ) 10 a 20 salários mínimos ( ) 01 a 03
salários mínimos ( ) Acima de 20 salários mínimos ( ) 04 a 10 salários mínimos
7. Quem é o principal responsável pelo sustento da família? ( ) Você ( ) Pai ( )
Esposa
( ) Mãe ( ) Filho(a) ( ) Irmão(a) ( ) Outro(s):
_____________________________
8. Quais suas principais formas de lazer e sociabilidade (no seu tempo livre)? ( ) Ir
ao Cinema/teatro ( ) Conversar com os amigos ( ) Ler ( ) Namorar ( ) Ir
para a Igreja ( ) Ir à festas ( ) Praticar esportes ( ) Outras:
_________________________
9. Qual sua religião antes de entrar no CREMA? ( ) Católica ( ) Espírita ( )
Evangélica ou Protestante ( ) Umbanda ou Candomblé ( ) Sem religião ( )
Outra: _________________________________
10. Você se considerava “praticante” da sua religião? ( ) Sim ( ) Não
11. Com que frequência você participava das missas/ cultos/ reuniões? ( )
Diariamente ou mais de três dias na semana ( ) Semanalmente ( ) Frequentava
66
de vez em quando ( ) Mensalmente ( ) Não frequentava
12. Qual o grau de importância você dar a religião na sua vida?
( )pouca importância ( )muita importância ( )tomo todas as minhas decisões a
apartir de princípios e valores religiosos ( ) não tem importância
13. Qual sua religião atualmente? ( ) Católica ( ) Espírita ( ) Evangélica ou
Protestante ( ) Umbanda ou Candomblé ( ) Sem religião
14. Quando sair daqui, você pretende continuar frequentando a sua religião? ( )
Sim ( ) Não
15. Qual a religião predominante na sua família? ( ) Católica ( ) Espírita ( )
Evangélica ou Protestante ( ) Umbanda ou Candomblé ( ) Sem religião
16. Qual a sua droga de preferência?( ) Tabaco ( )Álcool ( ) Maconha ( )
Ecstasy / LSD ( ) Cocaína ( ) Crack( )Solventes ou inalantes ( ) Barbitúricos
(comprimidos) ( )Outra:____________________
17. Com que frequência fazia o uso delas? ( ) Quatro ou mais vezes por dia ( )
1 ou mais vezes por semana ( ) Duas ou três vezes por dia ( ) Eventualmente (
) Uma vez por dia ( ) todos os dias
18. Qual a primeira droga que você utilizou?( ) Tabaco ( )Álcool ( ) Maconha (
) Ecstasy / LSD ( ) Cocaína ( ) Solventes ou inalantes ( ) Crack ( )
Barbitúricos (comprimidos) ( )Outra:_______________
19. Onde/como teve o primeiro acesso ao uso de drogas? ( ) Na escola ou
universidade ( ) Na vizinhança ( ) Em festas( ) Grupo de amigos ( ) Outros:
__________________________
20. Como foi informado sobre o Centro de Recuperação Mão Amiga (CREMA)?
( ) Orientação/recomendação de alguma igreja ( ) Pela família ( ) Pelos
meios de comunicação: Qual? ______________________________ ( ) Pelos
próprios membros do CREMA ( ) Outro: Especificar:
_________________________________________
21. Há quanto tempo está em atendimento no CREMA? ( ) Menos de 1 mês ( )
De 4 a 6 meses ( ) De 1 a 3 meses ( ) De 6 a 8 meses ( ) De 3 a 4 meses (
) Mais de 8 meses
22. Você tem contato coma sua família? ( ) Sim ( ) Não
23. Você recebe visita da sua família? ( ) Sim ( ) Não
24. Com quantos anos iniciou o uso de drogas?
67
APÊNDICE D- ROTEIRO DA ENTREVISTA (SEMI-ESTRUTURADA)
Nome:_____________________________________________________
Idade:_____________________________________________________
Religião:___________________________________________________
1.Qual o seu período de internamento no CREMA ? E por quantos internamentos já
passou?
2. Que contribuições as atividades desenvolvidas no CREMA traz para a sua
recuperação?
3. Você considera a religião importante na sua vida? Por quê?
4. Como você pratica a religião em sua vida?
5. Que papel a religião tem na sua recuperação? Por quê?
6. Qual a influência do CREMA na escolha de sua religião?
7. Qual a influência da sua família na escolha de sua religião?
8. Você já sofreu algum tipo de preconceito, devido a sua religião?
68
ANEXO
ANEXO A - OS DOZE PASSOS DE NARCÓTICOS ANÔNIMOS (Programa de
Recuperação da Drogadição)
1. Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas
tinham se tornado incontroláveis.
2. Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à
sanidade.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da
maneira como nós o compreendíamos.
4. Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das
nossas falhas.
6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos
de caráter.
7. Humildemente pedimos a Ele que removesse nossos defeitos.
8. Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado, e dispusemo-
nos a fazer reparações a todas elas.
9. Fizemos reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível, exceto quando
fazê-lo pudesse prejudicá-las ou a outras.
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o
admitíamos prontamente.
11. Procuramos, através de prece e meditação, melhorar nosso contato consciente
com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o
conhecimento da Sua vontade em relação a nós, e o poder de realizar essa vontade.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos,
procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em
todas as nossas
69
ANEXO B - Ministério da Saúde
PORTARIA Nº 131, DE 26 DE JANEIRO DE 2012
Institui incentivo financeiro de custeio destinado aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal para apoio ao custeio de Serviços de Atenção em Regime Residencial, incluídas as Comunidades Terapêuticas, voltados para pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial.
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os
incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e
Considerando a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e
os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental;
Considerando o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990, e dispõe que as Regiões de Saúde devem conter
entre suas ações e serviços mínimos com a atenção psicossocial;
Considerando a Portaria nº 3.088, de 26 de dezembro de 2011, que institui a Rede
de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, no âmbito do
Sistema Único de Saúde;
Considerando a Resolução nº 29, de 30 de junho de 2011, da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, que dispõe sobre os requisitos de segurança para o
funcionamento das instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com
transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
Considerando a Resolução nº 63, de 25 de novembro de 2011, da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre os Requisitos de Boas Práticas de
Funcionamento para os Serviços de Saúde;
Considerando a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 448, de 6 de outubro
de 2011, que resolve que a inserção de toda e qualquer entidade ou instituição na
Rede de Atenção Psicossocial do SUS seja orientada pela adesão aos princípios da
reforma antimanicomial, em especial no que se refere ao não-isolamento de
indivíduos e grupos populacionais; e
Considerando a gravidade epidemiológica e social dos agravos à saúde
relacionados ao uso do álcool, crack e outras drogas, resolve:
70
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Fica instituído incentivo financeiro de custeio destinado aos Estados,
Municípios e ao Distrito Federal para apoio ao custeio de Serviços de Atenção em
Regime Residencial, incluídas as Comunidades Terapêuticas, voltados para pessoas
com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, no âmbito
da Rede de Atenção Psicossocial.
§ 1º Os Serviços de Atenção em Regime Residencial são os serviços de saúde de
atenção residencial transitória que oferecem cuidados para adultos com
necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas.
§ 2º As Comunidades Terapêuticas são entendidas como espécie do gênero
Serviços de Atenção em Regime Residencial, aplicando-se a elas todas as
disposições e todos os efeitos desta Portaria.
Art. 2º O incentivo financeiro de custeio instituído no art. 1º será da ordem de R$
15.000,00 (quinze mil reais) mensais para cada módulo de 15 (quinze) vagas de
atenção em regime de residência, até um limite de financiamento de 2 (dois)
módulos por entidade beneficiária.
§ 1º O número total de residentes na entidade beneficiária não pode ultrapassar 30
(trinta);
§ 2º O valor do recurso financeiro de que trata o caput desse artigo será incorporado
ao Limite Financeiro de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar dos
respectivos Estados, Municípios e do Distrito Federal, e destina-se a apoiar o custeio
de entidade pública ou parceria com entidade sem fins lucrativos.
§ 3º O recurso financeiro de que trata este artigo deverá ser utilizado exclusivamente
para atividades que visem o cuidado em saúde para os usuários das entidades.
Art. 3º O deferimento do incentivo financeiro de que trata esta Portaria ocorrerá na
seguinte proporção:
I - ente federado que possua CAPS AD III poderá solicitar incentivo financeiro para
apoio a um Serviço de Atenção em Regime Residencial, com até 2 (dois) módulos
de 15 (quinze) vagas, para cada CAPS AD existente; e
II - ente federado que possua apenas CAPS do tipo I ou II, que acompanhe de forma
sistemática pessoas com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool,
crack e outras drogas, poderá solicitar incentivo financeiro para apoio a um Serviço
de Atenção em Regime Residencial, com 1 (um) módulo de 15 (quinze) vagas, para
71
cada CAPS I ou II existente.
CAPÍTULO II DOS REQUISITOS PARA O FINANCIAMENTO
Seção I Do Pedido de Financiamento
Art. 4º Os entes interessados no recebimento do incentivo instituído no art. 1º
deverão integrar Região de Saúde que conte com os seguintes componentes em
sua Rede de Atenção Psicossocial:
I - pelo menos 1 (um) Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), preferencialmente
Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas III (CAPS AD III);
II - pelo menos 1 (uma) Unidade de Acolhimento Adulto;
III - serviço hospitalar de referência para pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas; e
IV - retaguarda de atendimento de urgência (SAMU e Pronto- socorro ou Pronto-
atendimento ou Unidade de Pronto Atendimento).
Art. 5º O pedido de financiamento deverá ser direcionado à Área Técnica de Saúde
Mental do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de
Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (Área Técnica de Saúde Mental do
DAPES/SAS/MS), com cópia para a respectiva Secretaria de Saúde estadual, e
conterá os seguintes documentos:
I - ofício do gestor de saúde local com as seguintes informações:
a) indicação completa da entidade beneficiária;
b) indicação do profissional responsável, na Secretaria de Saúde, pelo
monitoramento da entidade beneficiária, com nome completo, cargo exercido e
informações de contato;
c) compromisso de conformidade do Serviço de Atenção em Regime Residencial, de
acordo com os critérios estabelecidos nesta Portaria;
II - licença atualizada da entidade beneficiária, de acordo com a legislação sanitária;
III - comprovação da existência e do efetivo funcionamento da entidade beneficiária
há pelo menos 3 (três) anos quando da publicação desta Portaria;
IV - projeto técnico apresentado pela entidade beneficiária, com a observância dos
requisitos estabelecidos nesta Portaria; e
V - Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS).
Parágrafo único. No caso de pedido de financiamento para entidades com residentes
há mais de 30 (trinta) dias na data do pedido de financiamento, o pedido será
72
instruído também com relatório do gestor municipal de saúde acerca da condição
desses residentes, indicando- se o seguinte:
I - identificação e características dos residentes, especialmente sexo, idade, cor,
escolaridade, diagnóstico, naturalidade e local de residência prévia;
II - data de entrada na entidade na permanência atual;
III - datas de entrada e de saída em permanências anteriores na mesma entidade,
quando for o caso; e
IV - responsável pela indicação clínica de entrada na entidade, com nome completo,
categoria profissional e serviço de saúde a que esteja vinculado.
Seção II Do Projeto Técnico
Art. 6º Os projetos técnicos elaborados pelas entidades prestadoras de serviços de
atenção em regime residencial estarão embasados nas seguintes diretrizes:
I - respeitar, garantir e promover os diretos do residente como cidadão;
II - ser centrado nas necessidades do residente, em consonância com a construção
da autonomia e a reinserção social;
III - garantir ao residente o acesso a meios de comunicação;
IV - garantir o contato frequente do residente com a família desde o início da
inserção na entidade;
V - respeitar a orientação religiosa do residente, sem impor e sem cercear a
participação em qualquer tipo de atividade religiosa durante a permanência na
entidade;
VI - garantir o sigilo das informações prestadas pelos profissionais de saúde,
familiares e residentes;
VII - inserção da entidade na Rede de Atenção Psicossocial, em estreita articulação
com os CAPS, a Atenção Básica e outros serviços pertinentes; e
VIII - permanência do usuário residente na entidade por no máximo 6 (seis) meses,
com a possibilidade de uma só prorrogação por mais 3 (três) meses, sob justificativa
conjunta das equipes técnicas da entidade e do CAPS de referência, em relatório
circunstanciado.
§ 1º O período de permanência do usuário residente anterior ao recebimento do
incentivo financeiro instituído no art. 2º será contado para fins de apuração do prazo
máximo previsto no inciso VIII deste artigo.
§ 2º Em casos de permanência já superior a 6 (seis) meses quando do recebimento
73
do incentivo financeiro instituído no art. 2º, o Projeto Terapêutico Singular conterá
planejamento de saída em até 3 (três) meses após o início do repasse do incentivo
financeiro.
Seção III Do Funcionamento do Serviço de Atenção em Regime Residencial
Art. 7º O serviço de atenção em regime residencial passível de financiamento, nos
termos desta Portaria, deverá observar as diretrizes de funcionamento estabelecidas
nesta Seção.
Art. 8º A definição do funcionamento interno das entidades prestadoras de serviço de
atenção em regime residencial será de responsabilidade do respectivo coordenador
técnico, respeitados os seguintes requisitos mínimos:
I - direito do usuário residente ao contato frequente, com visitas regulares, dos
familiares desde o primeiro dia de permanência na entidade;
II - estímulo a situações de convívio social entre os usuários residentes em
atividades terapêuticas, de lazer, cultura, esporte, alimentação e outras, dentro e fora
da entidade, sempre que possível;
III - promoção de reuniões e assembleias com frequência mínima semanal para que
os usuários residentes e a equipe técnica possam discutir aspectos cotidianos do
funcionamento da entidade;
IV - promoção de atividades individuais e coletivas de orientação sobre prevenção
do uso de álcool, crack e outras drogas, com base em dados técnicos e científicos,
bem como sobre os direitos dos usuários do Sistema Único de Saúde;
V - estímulo à participação dos usuários residentes nas ações propostas no Projeto
Terapêutico Singular;
VI - realização de reuniões de equipe com frequência mínima semanal;
VII - manutenção, pela equipe técnica da entidade, de registro escrito,
individualizado e sistemático contendo os dados relevantes da permanência do
usuário residente; e
VIII - observância às disposições contidas na Resolução nº 63, de 25 de novembro
de 2011, da ANVISA.
Subseção I Da Estrutura dos Serviços de Atenção em Regime Residencial
Art. 9º A entidade prestadora de serviço de atenção em regime residencial estará
instalada em:
I - estrutura física independente e situada fora dos limites de unidade hospitalar geral
74
ou especializada, inclusive hospital psiquiátrico; e
II - local que permita acesso facilitado para a reinserção do usuário residente em sua
comunidade de origem.
Parágrafo único. Fica vedado o uso de quarto de contenção e trancas que não
permitam a livre circulação do usuário residente pelos ambientes acessíveis da
entidade prestadora do serviço de atenção em regime residencial.
Art. 10. A estruturação da entidade prestadora de serviço de atenção em regime
residencial observará as Resoluções da ANVISA de números 50, de 21 de fevereiro
de 2002, e 29, de 30 de junho de 2011.
Subseção II Da Equipe Técnica
Art. 11. Cada módulo de 15 (quinze) vagas para usuários residentes contará com
equipe técnica mínima composta por:
I - 1 (um) coordenador, profissional de saúde de nível universitário com pós-
graduação lato senso (mínimo de 36 horas-aula) ou experiência comprovada de pelo
menos 4 (quatro) anos na área de cuidados com pessoas com necessidades de
saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, presente diariamente
das 7 às 19 horas, em todos os dias da semana, inclusive finais de semana e
feriados; e
II - no mínimo 2 (dois) profissionais de saúde de nível médio, com experiência na
área de cuidados com pessoas com necessidades de saúde decorrentes do uso de
álcool, crack e outras drogas, presentes nas 24 (vinte e quatro) horas do dia e em
todos os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados.
Art. 12. Os profissionais integrantes da equipe técnica da entidade prestadora de
serviço de atenção em regime residencial deverão participar regularmente de
processos de educação permanente, promovidos pela própria entidade ou pelos
gestores do SUS.
Subseção I Do Ingresso de Novos Usuários Residentes
Art. 13. O ingresso de residentes no serviço de atenção em regime residencial será
condicionado ao consentimento expresso do usuário e dependerá de avaliação
prévia pelo CAPS de referência. Parágrafo único. A entrada de novos residentes
poderá ser indicada por Equipe de Atenção Básica, em avaliação conjunta com o
CAPS de referência.
Art. 14. A avaliação para ingresso no serviço de atenção em regime residencial será
75
realizada por equipe multidisciplinar e incluirá atendimento individual do usuário e,
se possível, de sua família.
§ 1º A avaliação definida no caput levará em consideração os seguintes referenciais:
I - esclarecimento do usuário sobre:
a) o modo de funcionamento do serviço de atenção em regime residencial;
b) os objetivos da utilização do serviço de atenção em regime residencial em seu
tratamento;
II - avaliação do risco de complicações clínicas diretas e indiretas do uso de álcool,
crack e outras drogas, ou de outras condições de saúde do usuário que necessitem
de cuidado especializado e intensivo de saúde que não esteja disponível em um
serviço de saúde de atenção residencial transitória; e
III - proporcionar ao usuário, sempre que possível, uma visita prévia à entidade
prestadora do serviço de atenção em regime residencial, para demonstração prática
da proposta de trabalho.
§ 2º A avaliação definida no caput servirá de base para a elaboração do Projeto
Terapêutico Singular, a ser registrado em prontuário do CAPS e/ou da Equipe de
Atenção Básica.
Subseção II Do Acompanhamento Clínico do Usuário Residente
Art. 15. O Projeto Terapêutico Singular deverá ser desenvolvido na entidade
prestadora do serviço de atenção em regime residencial, com o acompanhamento
do CAPS de referência, da Equipe de Atenção Básica e de outros serviços sócio-
assistenciais, conforme as peculiaridades de cada caso.
Art. 16. O CAPS de referência permanece responsável pela gestão do cuidado e do
Projeto Terapêutico Singular durante todo o período de permanência do usuário
residente na entidade prestadora do serviço de atenção em regime residencial.
Art. 17. A equipe técnica do CAPS de referência acompanhará o tratamento do
usuário residente por meio das seguintes medidas:
I - contato no mínimo quinzenal entre o usuário e a equipe técnica do CAPS, por
meio de atendimento no próprio CAPS ou visita à entidade prestadora, com o
registro de todos os contatos em prontuário;
II - realização do primeiro contato entre o usuário residente e a equipe técnica em
até 02 (dois) dias do ingresso no serviço de atenção em regime domiciliar;
III - continuidade no acompanhamento dos familiares e pessoas da rede social do
76
residente pela equipe técnica do CAPS, com a realização de no mínimo um
atendimento mensal, domiciliar ou no próprio CAPS, e/ou com a participação em
atividades de grupo dirigidas; e
IV - contato no mínimo quinzenal entre a equipe técnica do CAPS de referência e a
equipe do serviço de atenção em regime residencial, por meio de reuniões conjuntas
registradas em prontuário.
Subseção III Da Saída do Usuário Residente
Art. 18. A saída do usuário residente será programada em conjunto pelas equipes
técnicas do serviço de atenção em regime residencial e do CAPS de referência.
Art. 19. Na programação da saída do usuário residente, serão buscadas parcerias
que visem a sua inclusão social, com moradia, suporte familiar, geração de trabalho
e renda, integração ou reintegração escolar e outras medidas, conforme as
peculiaridades do caso.
Art. 20. Em até 5 (cinco) dias antes da data prevista para asaída do usuário
residente, as equipes técnicas do CAPS de referência e do serviço de atenção em
regime residencial realização reunião com a participação do usuário e de sua família.
Parágrafo único. Na reunião referida no caput poderá ser definida a permanência do
usuário residente no serviço de atenção em regime domiciliar, com a reavaliação da
programação de saída.
Art. 21. Todo usuário residente será livre para interromper a qualquer momento a sua
permanência no serviço de atenção em regime domiciliar.
Parágrafo único. O usuário residente que manifestar a vontade de deixar o serviço
de atenção em regime residencial será informado das consequências clínicas da
saída antecipada.
Art. 22. O coordenador da entidade prestadora do serviço de atenção em regime
residencial poderá interromper a permanência do usuário residente a qualquer
tempo, conforme critérios técnicos e em consenso com a equipe técnica do CAPS
de referência.
CAPÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 23. O repasse regular do incentivo financeiro de que trata esta Portaria ficará
vinculado à continuidade do cumprimento de todos os requisitos estabelecidos nesta
Portaria.
§ 1º As Secretarias de Saúde estaduais, municipais e distrital, com apoio técnico do
77
Ministério da Saúde, estabelecerão rotinas de acompanhamento, supervisão,
controle e avaliação do repasse de recursos e do funcionamento das entidades
beneficiadas nos termos desta Portaria.
§ 2º A aplicação dos recursos repassados e o cumprimentos dos requisitos
estabelecidos nesta Portaria também serão monitorados pelo Departamento
Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS/ SGEP/MS).
Art. 24. Os recursos orçamentários relativos às ações de que trata esta Portaria
correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar o
Programa de Trabalho 10.302.1220.8585 - Atenção à Saúde da População para
Procedimentos de Média e Alta Complexidade.
Art. 25. Esta Portaria entra em vigor em 1º de fevereiro de 2012.
ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA
78
ANEXO C - Ministério da Saúde Agência Nacional de Vigilância Sanitária
RESOLUÇÃO - RDC Nº 29, DE 30 DE JUNHO DE 2011
Dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de
instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos
decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso da
atribuição que lhe confere o inciso IV do art. 11, do Regulamento aprovado pelo
Decreto nº. 3.029, de 16 de abril de 1999, e tendo em vista o disposto no inciso II e
nos § § 1º e 3º do art. 54 do Regimento Interno nos termos do Anexo I da Portaria nº.
354 da Anvisa, de 11 de agosto de 2006, republicada no DOU de 21 de agosto de
2006, em reunião realizada em 30 de junho de 2011, adota a seguinte Resolução da
Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação:
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS
Seção I Objetivo
Art. 1º Ficam aprovados os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento
de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos
decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em
regime de residência.
Parágrafo único. O principal instrumento terapêutico a ser utilizado para o tratamento
das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência de
substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares, nos termos desta
Resolução.
Seção II Abrangência
Art. 2º Esta Resolução se aplica a todas as instituições de que trata o art. 1º, sejam
urbanas ou rurais, públicas, privadas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas.
Parágrafo único. As instituições que, em suas dependências, ofereçam serviços
assistenciais de saúde ou executem procedimentos de natureza clínica distintos dos
previstos nesta Resolução deverão observar, cumulativamente às disposições
trazidas por esta Resolução as normas sanitárias relativas a estabelecimentos de
saúde.
CAPÍTULO II DA ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO
Seção I Condições Organizacionais
79
Art. 3º As instituições objeto desta Resolução devem possuir licença atualizada de
acordo com a legislação sanitária local, afixada em local visível ao público.
Art. 4º As instituições devem possuir documento atualizado que descreva suas
finalidades e atividades administrativas, técnicas e assistenciais.
Art. 5º As instituições abrangidas por esta Resolução deverão manter responsável
técnico de nível superior legalmente habilitado, bem como um substituto com a
mesma qualificação.
Art. 6º As instituições devem possuir profissional que responda pelas questões
operacionais durante o seu período de funcionamento, podendo ser o próprio
responsável técnico ou pessoa designada para tal fim.
Art. 7º Cada residente das instituições abrangidas por esta Resolução deverá
possuir ficha individual em que se registre periodicamente o atendimento
dispensado, bem como as eventuais intercorrências clínicas observadas.
§1º. As fichas individuais que trata o caput deste artigo devem contemplar itens
como:
I - horário do despertar;
II - atividade física e desportiva;
III - atividade lúdico-terapêutica variada;
IV - atendimento em grupo e individual;
V - atividade que promova o conhecimento sobre a dependência de substâncias
psicoativas;
VI - atividade que promova o desenvolvimento interior;
VII - registro de atendimento médico, quando houver;
VIII - atendimento em grupo coordenado por membro da equipe;
IX - participação na rotina de limpeza, organização, cozinha, horta, e outros;
X - atividades de estudos para alfabetização e profissionalização;
XI -atendimento à família durante o período de tratamento.
XII - tempo previsto de permanência do residente na instituição; e
XIII - atividades visando à reinserção social do residente.
§2º. As informações constantes nas fichas individuais devem permanecer acessíveis
ao residente e aos seus responsáveis.
Art. 8º As instituições devem possuir mecanismos de encaminhamento à rede de
saúde dos residentes que apresentarem intercorrências clínicas decorrentes ou
80
associadas ao uso ou privação de SPA, como também para os casos em que
apresentarem outros agravos à saúde.
Seção II Gestão de Pessoal
Art. 9º As instituições devem manter recursos humanos em período integral, em
número compatível com as atividades desenvolvidas.
Art. 10. As instituições devem proporcionar ações de capacitação à equipe,
mantendo o registro.
Seção III Gestão de Infraestrutura
Art. 11. As instalações prediais devem estar regularizadas perante o Poder Público
local.
Art. 12. As instituições devem manter as instalações físicas dos ambientes externos
e internos em boas condições de conservação, segurança, organização, conforto e
limpeza.
Art. 13. As instituições devem garantir a qualidade da água para o seu
funcionamento, caso não disponham de abastecimento público.
Art. 14. As instituições devem possuir os seguintes ambientes:
I- Alojamento
a) Quarto coletivo com acomodações individuais e espaço para guarda de roupas e
de pertences com dimensionamento compatível com o número de residentes e com
área que permita livre circulação; e
b) Banheiro para residentes dotado de bacia, lavatório e chuveiro com
dimensionamento compatível com o número de residentes;
II- Setor de reabilitação e convivência:
a) Sala de atendimento individual;
b) Sala de atendimento coletivo;
c) Área para realização de oficinas de trabalho;
d) Área para realização de atividades laborais; e
e) Área para prática de atividades desportivas;
III- Setor administrativo:
a) Sala de acolhimento de residentes, familiares e visitantes;
b) Sala administrativa;
c) Área para arquivo das fichas dos residentes; e
d) Sanitários para funcionários (ambos os sexos);
81
IV- Setor de apoio logístico:
a) cozinha coletiva;
b) refeitório;
c) lavanderia coletiva;
d) almoxarifado;
e) Área para depósito de material de limpeza; e
f) Área para abrigo de resíduos sólidos.
§ 1º Os ambientes de reabilitação e convivência de que trata o inciso II deste artigo
podem ser compartilhados para as diversas atividades e usos.
§ 2º Deverão ser adotadas medidas que promovam a acessibilidade a portadores de
necessidades especiais.
Art. 15. Todas as portas dos ambientes de uso dos residentes devem ser instaladas
com travamento simples, sem o uso de trancas ou chaves.
CAPÍTULO III DO PROCESSO ASSISTENCIAL
Seção I Processos Operacionais Assistenciais
Art. 16. A admissão será feita mediante prévia avaliação diagnóstica, cujos dados
deverão constar na ficha do residente.
Parágrafo único. Fica vedada a admissão de pessoas cuja situação requeira a
prestação de serviços de saúde não disponibilizados pela instituição.
Art. 17. Cabe ao responsável técnico da instituição a responsabilidade pelos
medicamentos em uso pelos residentes, sendo vedado o estoque de medicamentos
sem prescrição médica.
Art. 18. As instituições devem explicitar em suas normas e rotinas o tempo máximo
de permanência do residente na instituição.
Art. 19. No processo de admissão do residente, as instituições devem garantir:
I - respeito à pessoa e à família, independente da etnia, credo religioso, ideologia,
nacionalidade, orientação sexual, antecedentes criminais ou situação financeira;
II -orientação clara ao usuário e seu responsável sobre as normas e rotinas da
instituição, incluindo critérios relativos a visitas e comunicação com familiares e
amigos, devendo a pessoa a ser admitida declarar por escrito sua concordância,
mesmo em caso de mandado judicial;
III - a permanência voluntária;
IV - a possibilidade de interromper o tratamento a qualquer momento, resguardadas
82
as exceções de risco imediato de vida para si e ou para terceiros ou de intoxicação
por substâncias psicoativas, avaliadas e documentadas por profissional médico;
V -o sigilo segundo normas éticas e legais, incluindo o anonimato; e
VI - a divulgação de informação a respeito da pessoa, imagem ou outra modalidade
de exposição somente se ocorrer previamente autorização, por escrito, pela pessoa
ou seu responsável.
Art. 20. Durante a permanência do residente, as instituições devem garantir:
I - o cuidado com o bem estar físico e psíquico da pessoa, proporcionando um
ambiente livre de SPA e violência;
II - a observância do direito à cidadania do residente;
III - alimentação nutritiva, cuidados de higiene e alojamentos adequados;
IV - a proibição de castigos físicos, psíquicos ou morais; e
V - a manutenção de tratamento de saúde do residente;
Art. 21. As instituições devem definir e adotar critérios quanto a:
I - Alta terapêutica;
II - Desistência (alta a pedido);
III - Desligamento (alta administrativa);
IV - Desligamento em caso de mandado judicial; e
V - Evasão (fuga).
Parágrafo único. As instituições devem registrar na ficha individual do residente e
comunicar a família ou responsável qualquer umas das ocorrências acima.
Art. 22. As instituições devem indicar os serviços de atenção integral à saúde
disponíveis para os residentes, sejam eles públicos ou privados.
CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 23. As instituições de que trata a presente Resolução terão o prazo de 12 (doze)
meses para promover as adequações necessárias ao seu cumprimento.
Art. 24. O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui
infração sanitária, nos termos da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem
prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis.
Art. 25. Fica revogada a Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA - RDC nº 101,
de 31 de maio de 2001.
Art. 26. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
DIRCEU BRÁS APARECIDO BARBANO
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