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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Faculdade de Serviço Social
Juliana Fiuza Cislaghi
Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma
universitária brasileira
Rio de Janeiro
2010
Juliana Fiuza Cislaghi
Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.
Orientadora: Prof. Dra. Elaine Rossetti Behring
Rio de Janeiro
2010
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data
C579 Cislaghi, Juliana Fiuza Análise do Reuni: uma expressão da contra – reforma
universitária brasileira\ Juliana Fiuza Cislaghi – 2010. 187 f. Orientadora: Elaine Rossetti Behring Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Serviço Social. Bibliografia. 1. Reforma do ensino – Brasil - Teses. 2. Universidades e
faculdades públicas – Brasil - Teses. I.Behring, Elaine Rossetti. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III. Título.
CDU 378
Juliana Fiuza Cislaghi
Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.
Aprovada em: 15 de setembro de 2010. Banca Examinadora:
________________________________________ Profa. Dra. Elaine Rosseti Behring (Orientadora) Faculdade de Serviço Social da UERJ
________________________________________ Profa. Dra. Marilda Vilela Iamamoto Faculdade de Serviço Social da UERJ
_________________________________________ Prof. Dr. Roberto Leher Faculdade de Educação da UFRJ _________________________________________ Profa. Dra. Katia de Souza Lima Faculdade de Serviço Social da UFF
Rio de Janeiro
2010
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, uma daquelas que continua lutando por uma educação pública e de
qualidade, preciosa interlocutora nesse trabalho.
À minha querida mestra, professora Elaine Behring, mais uma vez excelente
companheira nessa viagem.
À professora e companheira Maria Inês Souza Bravo que constrói todo dia a
universidade que queremos para todos e por isso e por muitas outras coisas é um grande
exemplo a ser seguido.
A todos os professores e alunos do Mestrado na FSS/UERJ com quem convivi nos
últimos anos e que, entre tapas e beijos, tornaram muito mais incrível essa experiência.
Deixam a gente mais convencido que o ensino não pode ser à distância.
Aos professores Roberto Leher, Katia Lima e Marilda Iamamoto, membros da
banca pela generosidade e pelas importantíssimas contribuições.
Aos militantes do movimento docente e estudantil com quem tenho compartilhado
lutas e experiências já há tantos anos. Em particular, nesse momento, aos diretores e
funcionários da ADUFRJ sem os quais, certamente, essa dissertação não seria a mesma.
A todos os meus amigos que ajudaram (e atrapalharam) na elaboração dessa
dissertação. Não tenho como, porém, não destacar alguns que contribuíram diretamente:
Agnaldo e Elaine pela valiosa bibliografia; Graziela, Victor, e Matheus pelas muitas
conversas; Elisa, João, Sílvia, Flávia e Taty, pelo constante incentivo.
E ao Hilde, com todo meu carinho, companheiro da vida e meu primeiro e mais
entusiasmado leitor.
RESUMO
CISLAGHI, Juliana Fiuza. Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira. 2010. 187 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
Em abril de 2007 o governo instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. O decreto caracteriza-se por um contrato de gestão que fixa rígidas metas de desempenho para recebimento de contrapartidas financeiras. Seu objetivo seria a criação de condições de ampliação de acesso e permanência no ensino superior. No entanto, o que o REUNI propõe, na prática é uma redução proporcional do número de docentes nas universidades federais bem como uma redução proporcional dos recursos de custeio, levando à redução da qualidade e da autonomia, conforme inscritas na Constituição brasileira.
Palavras-chave: Contra- reforma universitária. REUNI. Universidade.
ABSTRACT
In April 2007 the government established the Program of Support for the
Restructuring and Expansion of Federal Universities - REUNI. The decree is characterized by a management contract that sets stringent performance targets for receiving financial compensation. Its goal would be to create conditions for expanding access and retention in higher education. However, what REUNI is actually proposing is a proportionate reduction in the number of faculty in public universities as well as a proportional reduction of resource expenditure, leading to reduced quality and autonomy, as listed in the Brazilian Constitution.
Keywords: University reform. REUNI. University.
LISTA DE SIGLAS
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESC Associação Brasileiras de Escolas Superiores Católicas
ABRUEM Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais
AI-5 Ato Institucional nº 5
AID Agency for Internacional Development
ADUFRJ Associação de Docentes da UFRJ
ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições do Ensino Superior
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares
BM Banco Mundial
CAPES Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEDES Centro de Estudos Educação e Sociedade
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa
CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
COFINS Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social
CONAES Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior
CONTEE Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
CSLL Contribuição sobre o Lucro Líquido
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
C&T Ciência e Tecnologia
DA Diretório Acadêmico
DCE Diretório Central dos Estudantes
DDE Docente com Dedicação Exclusiva
EAD Ensino à Distância
ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ENC Exame Nacional de Cursos
FASUBRA Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras
FIES Programa de Financiamento Estudantil
FINATEC Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos
FMI Fundo Monetário Internacional
FURGS Fundação Universidade do Rio Grande do Sul
GERES Grupo Executivo para a Reforma do Ensino Superior
GT Grupo de trabalho
GTPE Grupo de Trabalho em Políticas Educacionais
IES Instituições de Ensino Superior
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IR Imposto de Renda
ISSQN Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MEC Ministério da Educação
MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
NASDAQ National Association of Securities Dealers Automated Quotations
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos
OMC Organização Mundial do Comércio
OS Organização Social
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNE Plano Nacional de Educação
PROUNI Programa Universidade para Todos
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SINAES Sistema de Avaliação do Ensino Superior
UBES União Brasileira de Estudantes Secundaristas
UNB Universidade de Brasília
UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNE União Nacional dos Estudantes
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UFF Universidade Federal Fluminense
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
TCU Tribunal de Contas da União
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Recursos empenhados pelo conjunto das universidades brasileiras para fundações de apoio - Movimento líquido -(2002/2007)...........................................129 Gráfico 2 – Orçamento das IFES de 1989 à 2007 – todas as fontes............................................135 Gráfico 3 – Recursos próprios aplicados em investimentos nas IFES de 1990 à 2002...............136 Gráfico 4 – Relação entre o orçamento total das IFES e o PIB anual de 1989 à 2007................137 Gráfico 5 – Vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior em 2008...............................159 Gráfico 6 – Orçamento do programa assistência ao estudante de graduação..............................169
LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Ampliação do número de docentes e regime de trabalho – UFF e UFRJ..................150 Tabela 2 – Comparação da relação professor/ aluno entre UFF e UFRJ pelos critérios do
TCU...........................................................................................................................151 Tabela 3 – Comparação da previsão de ampliação da relação professor/ aluno na UFFe UFRJ
pelos critérios do REUNI..........................................................................................151 Tabela 4 – Comparação do DPG da UFF e da UFRJ..................................................................152 Tabela 5 – Comparação da ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ prevista por ano, de
acordo com as metas do REUNI...............................................................................153 Tabela 6 – Comparação da previsão de ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ no total, de
acordo com as metas do REUNI...............................................................................153 Tabela 7 – Ampliação do banco de professores equivalentes prevista e executada na UFF e na
UFRJ.........................................................................................................................154 Tabela 8 – Ampliação do banco de professores equivalente prevista e executada na UFF e na
UFRJ: percentuais.....................................................................................................154 Tabela 9 – Ampliação das matrículas, total e noturna, prevista e executada na UFF e na
UFRJ.........................................................................................................................154 Tabela 10 – Crescimento das matrículas na graduação presencial entre 2002 e 2008................158 Tabela 11 – Comparação das metas de conclusão do REUNI entre UFF e UFRJ......................160 Tabela 12 – Previsão de verbas REUNI do MEC em valores nominais.....................................169 Tabela 13 – Recursos totais de custeio das IFES que participam do REUNI.............................169 Tabela 14 – Impacto do REUNI no total do orçamento de custeio destinado às IFES participantes do REUNI..........................................................................................170 Tabela 15 – Recursos totais de investimento das IFES que participam do REUNI....................170 Tabela 16 – Impacto do REUNI no total do orçamento de investimento destinado às
universidades federais...............................................................................................171 Tabela 17 – Repasse do REUNI para a UFRJ entre 2007 e 2010...............................................172
Tabela 18 – Diferença entre o Acordo de Metas e o repasse anual pela LOA do REUNI: total entre 2007 e 2010 na UFF...........................................................172 Tabela 19 – Dívida anual da UFRJ – Custeio e Investimento.....................................................174 Tabela 20 – Orçamento executado em 2009 e previsto para 2010 na UFRJ, por fonte..............175 Tabela 21 – Comparação entre recursos previstos pelo REUNI e necessários ao Plano Diretor
na UFRJ....................................................................................................................176
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................14 1 MUDANÇAS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO.................................19 1.1 Financerização do capital e o papel do fundo público..........................................27 1.2 Reestruturação produtiva........................................................................................30 1.3 Mundialização do capital: relações entre centro e periferia.................................33 1.4 O papel da inovação tecnológica..............................................................................37 1.5. O papel da ideologia..................................................................................................45 2 FORMAÇÃO SOCIAL DO BRASIL E A TRAJETÓRIA DA
EDUCAÇÃO.............................................................................................................49 2.1 A trajetória da educação no Brasil: surgimento e consolidação do ensino
superior......................................................................................................................68 2.2 A contra-reforma do Estado: o governo Cardoso..................................................79 2.3 O governo Lula da Silva: continuidade ou ruptura?.............................................92 3 A CONTRA-REFORMA NAS UNIVERSIDADES............................................102 3.1 Novas expressões da contra-reforma: análise do REUNI...................................138 3.2 Reestruturação: as mudanças curriculares..........................................................142 3.3 Precarização e superexploração do trabalho docentes: a expansão das matrículas e o aumento da relação professor/aluno............................................148 3.4 Redução da evasão e políticas de permanência para os estudantes...................160 3.5 Um novo padrão de financiamento?......................................................................165 4 CONCLUSÃO..........................................................................................................178 REFERÊNCIAS........................................................................................................181
14
INTRODUÇÃO
O trabalho ora apresentado tem como preocupação central a universidade, num momento
de profundos ataques contra-reformistas que afetam não só essa instituição como a totalidade dos
direitos e políticas sociais conquistados historicamente pela classe trabalhadora, em acordo com
as necessidades do capitalismo em sua fase madura.
A partir da década de 1970, o padrão keynesiano/fordista de organização do trabalho,
financiamento público e regulação estatal dá lugar a um processo mundial de liberalização
financeira, reestruturação produtiva e mundialização das economias financeirizadas, o que
significou um novo fluxo para os fundos públicos. A disputa entre capital e trabalho pelos fundos
públicos passa a ser francamente vencida pelo capital que, com o discurso da crise fiscal do
Estado, tem monopolizado a utilização de seus recursos através de mecanismos como a dívida
pública, isenções fiscais e até financiamento direto a investimentos de infra-estrutura.
Se no período do fordismo os Estados capitalistas se constituíram em Estados de Bem
Estar, ainda que em diferentes graus quantitativos e qualitativos de acordo com a luta de classes
interna e com cada inserção na dinâmica mundial, o ataque da burguesia tem significado um
retorno ao Estado caritativo ou assistencialista. Ou caminhando para o pior cenário imaginado
por Oliveira (1988) nas suas teses sobre o anti-valor1: “uma mescla altamente perigosa de
assistencialismo e repressão” (OLIVEIRA, 1988, p. 46).
Dentro desse contexto, a educação como política pública tem características comuns a
outras políticas sociais. Assim como as políticas da Seguridade Social (assistência social, saúde e
previdência social), a educação responde contraditoriamente tanto às necessidades de valorização
do capital, ao preparar a força de trabalho para suas atividades, quanto aos trabalhadores, ao
socializar o conhecimento historicamente acumulado. A educação torna-se uma política pública,
portanto, como conquista dos trabalhadores e ao mesmo tempo reivindicação do capital, para que
a capacitação para o trabalho deixasse de ser um custo da produção, tornando-se salário indireto.
1 � Incorporamos as elaborações de Oliveira (1988) sobre o fundo público apresentadas nas suas teses sobre o anti-valor associadas as críticas de Behring (2008, p.54) que refutam exatamente a idéia do capital como anti-valor, dado que o mesmo “participa de forma direta e indireta do ciclo de produção e reprodução ampliada do valor” negando, em conseqüência a tese de inaplicabilidade da lei do valor no capitalismo monopolista.
15
Mota (2008, p. 24) levanta como hipótese que essa característica, comum às políticas de
educação, torna as políticas de Seguridade Social alvos prioritários de “reformas” em períodos
de crise do capital, pois, em resposta a queda das taxas de lucro, o capital se utiliza das políticas
sociais para manter-se hegemônico.
Na nossa hipótese não só as políticas de Seguridade Social, mas o conjunto de políticas
sociais, onde a educação se destaca, são alvo de mudanças em momentos de crise. Seja para
darem maior suporte à valorização e à realização do capital através de uma maior funcionalidade
e uma menor abrangência das políticas públicas, racionalizando a utilização do fundo público
para esse fim, seja para redefinir as condições sócio-políticas de resposta do capital,
reestruturando seus mecanismos de reprodução social.
A educação institucionalizada (...) serviu ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. (...) O fato de a educação formal não poder ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato de, no seu todo, ela estar orientada para aquele fim (MÉZSÁROS, 2005, p. 35-56).
Esse papel que cumpre na reprodução social não torna a educação formal, como política
implementada e/ou regulada pelo Estado, por si só nem capaz de sustentar o sistema do capital
nem de fornecer soluções emancipadoras radicais. Sua função é produzir a conformidade e o
consenso tanto quanto for possível dentro dos seus limites institucionalizados. Dessa forma, as
reformas dentro da educação, por mais progressivas que sejam não desafiam a lógica do
capitalismo enquanto uma mudança institucional isolada. Elas podem eliminar os piores efeitos
da ordem reprodutiva do capital, mas não eliminar seus fundamentos causais. “É por isso que é
necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa
educacional significativamente diferente” (MÉZSÁROS, 2005, p. 27). Ou como diria Fernandes
(1979, p. 15): “se me colocasse diante dos nossos problemas educacionais e dos nossos dilemas
culturais em termos de minhas convicções, só recomendaria uma saída, que é fornecida pelo
socialismo”.
No entanto, a reivindicação da educação pública, numa conjuntura onde a privatização
das políticas sociais, antes realizadas pelo Estado, é fundamental para a valorização do capital,
torna-se uma bandeira de transição com potencial irruptivo. A disputa da consciência dos
trabalhadores e da construção de conhecimento crítico, referendado nas necessidades da maioria,
16
também passa pela garantia da educação, e particularmente das universidades, como espaço
público e autônomo. A progressiva privatização sobrepõe os interesses privados aos públicos,
passando a situá-la fora dos limites da democracia, mesmo formal.
Por tudo isso, a disputa pela reforma educacional, ainda que não possa alterar a estrutura
do capitalismo, é importante, na medida em que pode fortalecer o capital ou o trabalho tanto do
ponto de vista ideológico quanto, de forma indireta, na organização da produção e na produção e
difusão do conhecimento.
Em outra medida, com o desenvolvimento histórico da tecnologia na produção a
necessidade de educação e capacitação para os trabalhadores cresceu e tornou-se elemento de
solicitação ao Estado, como mecanismo de ascensão social para o trabalho. Segundo Romanelli
(2009), o ensino superior em sociedades em fase de modernização tem como função precípua a
definição ou redefinição da situação dos indivíduos na estrutura social. Por isso é no ensino
superior que há maior “cooperação” internacional sendo por onde as reformas educacionais se
iniciam. Netto (2002) aponta ainda que é atribuído ao ensino superior um papel irradiador e suas
mudanças afetariam graus inferiores do sistema educacional.
Os elementos apresentados demonstram a importância do estudo das “reformas”
educacionais, em particular no ensino superior, como mecanismos fundamentais nos ajustes
necessários ao capitalismo em momentos de crise e que são inevitavelmente atravessados pela
luta de interesses entre capital e trabalho.
Desde a década de 1990, momento de ascensão das políticas neoliberais no Brasil, as
universidades públicas têm sido ameaçadas com inúmeros projetos contra-reformistas, que
obtiveram vitórias apenas parciais, graças à resistência de setores organizados da comunidade
universitária.
Em abril de 2007, o Ministério da Educação do governo Lula da Silva instituiu o decreto
6.096 que criava o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI). Supostamente garantindo a autonomia universitária, já que a adesão ao
programa era voluntária, o REUNI atropelou os processos de debate e embate entre reforma x
contra-reforma, aparentando ser uma intervenção limitada e pontual.
De conteúdo, o Programa promete concursos públicos para pessoal e aportes de custeio e
investimento em troca do cumprimento de duas metas: a elevação das taxas de conclusão da
graduação para 90% e o aumento da relação entre docentes e estudantes, que atualmente gira em
17
torno de 1 para 14, para 1 para 18. Com isso, o objetivo seria dobrar as vagas para estudantes nas
universidades públicas em 5 anos, objetivo louvável em princípio.
O decreto, aparentemente restrito a 5 anos, no entanto, anuncia mudanças estruturais nas
universidades públicas brasileiras e, por conseguinte, alterações profundas na produção de
conhecimentos e na formação de força de trabalho intelectual no país.
O imbricamento de múltiplos fenômenos, inerente ao capitalismo, leva a necessidade de
buscar cada vez mais a totalidade que relaciona as contra-reformas universitárias, a captura do
fundo público, a ideologia pós-moderna, a desregulamentação do trabalho e mais tantas variáveis
típicas do capitalismo maduro. Por isso, o primeiro capítulo trata de reconstituir essas variáveis,
sobretudo aquelas que rebatem na organização da produção e da cultura e afetam o papel das
universidades.
Nossa opção é, inserindo na discussão do capitalismo na sua fase madura, buscar as
especificidades brasileiras, de sua inserção dependente e sua formação histórica, além das
questões particulares da luta de classes local. O segundo capítulo trata, então, do
desenvolvimento histórico do capitalismo no Brasil e de como esse desenvolvimento afetou a
educação como política pública, com um recorte específico para o governo Cardoso e Lula da
Silva, por se tratar do período fundamental estudado.
E por fim, o terceiro e último capítulo constitui-se de uma pesquisa documental,
bibliográfica e orçamentária para debater o papel cumprido pela política do REUNI no contexto
definido, a partir da hipótese de que o mesmo aprofunda e mantém a lógica de “reforma”
universitária do capitalismo monopolista, iniciada no Brasil durante o governo militar, com
inflexões que refuncionalizam as universidades para as necessidades do atual modelo de
acumulação. Hipótese apoiada por Leher (2005, p. 212) para quem “as atuais formas de
mercantilização e privatização do ensino superior não podem ser pensadas como processos
desvinculados da modernização conservadora [do regime militar] e de seu modelo universitário”.
Partimos do princípio de que são três as funções básicas das universidades hoje: a
formação de força de trabalho intelectual, o desenvolvimento de ciência e tecnologia e da
ideologia. As universidades estão sendo, dentro dessas funções, modeladas pelas necessidades do
capital, e no caso brasileiro, pelas necessidades do capital num país periférico. O ataque do
capital às universidades é realizado com a mediação do Estado e passa por três questões que nos
parecem fundamentais: o desfinanciamento público, a privatização da gestão por meio das
18
fundações, com retrocesso na autonomia e na democracia e políticas de ensino que interferem
diretamente no mercado com a massificação e remodelamento da força de trabalho intelectual.
Trata-se de uma universidade que só reforça a condição de heteronomia e dependência do país
em relação ao capitalismo central apesar do transformismo no discurso daqueles que elaboram e
implementam esse projeto. As agendas universitárias vêm se adequando, com a cumplicidade de
parte de seus trabalhadores, estudantes e dirigentes, às necessidades do capital privado e do
Estado como seu indutor.
Compactuaremos com a tese de Behring (2003) na afirmação de que as reformas
neoliberais, ao contrário de períodos anteriores do capitalismo, não são parte de uma
modernização conservadora que signifique, ainda que nos marcos burgueses, “saltos para
frente”. Ao invés disso tratam-se de contra-reformas que retrocedem o desenvolvimento
econômico e os direitos conquistados no país2. Acreditamos, no entanto, ser necessário estudos
mais aprofundados sobre o governo Lula da Silva que possam referendar tal tese nesse período,
já que originalmente foi formulada durante o governo Cardoso. Com isso não queremos dizer
que há um processo de ruptura entre os dois governos, mas certamente existem inflexões que
precisam ser medidas. Esperamos que esse trabalho contribua para isso.
Colocando-nos claramente comprometidos com a causa da universidade pública,
autônoma e democrática, a intenção desse trabalho é produzir novos subsídios que fortaleçam a
disputa de hegemonia, a favor de um projeto societário vinculado aos interesses dos
trabalhadores. Se a universidade laica do século XIX é a ruptura com a Igreja, a libertação dos
mercados é a nova laicização necessária ao conhecimento socialmente referenciado na maioria
da população.
2 Por isso o uso de aspas no termo reforma quando nos referimos a, na verdade, a retrocessos, contra-reformas, apesar do governo se utilizar de forma transformista do termo. “Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas” (SARAMAGO, 2005, p.65).
19
1 MUDANÇAS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
O início do século XX traz para o capitalismo novos tempos. A livre concorrência
conduzida pela mão invisível reguladora do “mercado perfeito”, na explicação da economia
política clássica, distanciou-se definitivamente da realidade do sistema. A intensa
industrialização levou à concentração do capital em empresas cada vez maiores, centralizadas
cada vez em menos mãos. Essa concentração trouxe a necessidade de cada vez maiores
montantes de capital, dificultando o surgimento da concorrência. Dessa concentração crescente
do capital surgem os monopólios. Segundo Lênin (2008, p. 21) “o aparecimento do monopólio
devido à concentração da produção é uma lei geral e fundamental da presente fase do
desenvolvimento capitalista”.
Quando a concorrência transforma-se em monopólio a produção socializa-se entre seus
poucos donos. Esses passam a monopolizar a força de trabalho qualificada, as vias de transporte
e comunicação. Com isso monopoliza-se também os inventos, o progresso técnico e as patentes.
A monopolização e a cartelização, controlando preços, organizando a produção e
distribuindo os lucros, passam a ser a base da vida econômica. O capitalismo transforma-se,
nessa fase, em imperialismo.
O imperialismo, chamado por Lênin a fase superior do capitalismo, modifica também o
papel dos bancos. De meros intermediários dos pagamentos, os bancos têm suas operações
ampliadas, dada a grande necessidade de crédito dos monopólios. Essas operações também
passam a se concentrar num reduzido número de instituições financeiras. Poucos bancos passam
a dispor de todo capital-dinheiro dos monopólios, pequenos patrões e do salário dos
trabalhadores. Passam a
[...] primeiro conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição de crédito, facilitando-o ou dificultando-o e, finalmente, de decidir inteiramente sobre seu destino, determinar sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções etc (LENIN, 2008, p. 35).
O superdimensionamento da esfera financeira da economia com a fusão do capital
industrial com o capital bancário através da posse de ações, sendo o primeiro cada vez mais
dependente do segundo, também é característica central do período monopolista. Em uma
20
relação dialética os bancos também são responsáveis pela aceleração da concentração do capital
e da formação dos monopólios, e passam a interferir ativamente no desenvolvimento da
indústria, na inovação tecnológica.
Lênin (2008) afirma que além de bancos e indústrias o Estado também é parceiro nas
sociedades do monopólio. O Estado não é uma invenção do capital. Ele está intrinsecamente
relacionado aos interesses da propriedade privada e no capitalismo passa a ter características
específicas para garantir o interesse dos proprietários de capital e mercadoria, assegurando parte
das funções superestruturais que “podem ser genericamente resumidas como a proteção e a
reprodução da estrutura social (as relações de produção fundamentais) à medida que não se
consegue isso com processos automáticos da economia” (MANDEL, 1982, p. 333). Mandel
inclui entre as funções do Estado capitalista já estudadas amplamente pelos autores marxistas - a
função repressiva e a função integradora - uma terceira: a de providenciar as condições gerais de
produção.
Esse domínio funcional do Estado inclui essencialmente: assegurar os pré-requisitos gerais e técnicos do processo de produção efetivo [...] providenciar os pré-requisitos gerais e sociais do mesmo processo de produção [...] e a reprodução continuada daquelas formas de trabalho intelectual que são indispensáveis à produção econômica, embora elas mesmas não façam parte do processo de trabalho imediato (...) (MANDEL, 1982, p. 334).
Uma característica importante do Estado burguês que o distingue das outras formas de
Estado, e que é parte inerente do modo de produção capitalista, é seu papel na separação entre as
esferas pública e privada. A concorrência entre vários capitais coloca para o Estado a função de
mediador, imputando-o uma autonomia relativa. Essa mediação, porém, tem conseqüências nos
interesses particulares dos diversos grupos de capitalistas que precisam assim ter um papel ativo
na política para defendê-los (MANDEL, 1982, p. 334).
Quando o capitalismo passou da fase concorrencial para a fase monopolista essa
configuração do Estado sofreu inflexões. Primeiro porque a centralização do capital coincidiu
com o fortalecimento dos partidos da classe trabalhadora e a necessária concessão de direitos
políticos como o sufrágio universal. O Estado passou então a mediar conflitos de classe no seu
interior obrigando a uma maior centralização de poder dentro dos espaços institucionais. Esse
crescimento do poder político das organizações de trabalhadores levou também o Estado a
avançar numa legislação social com uma dupla função: reduzir a pressão dos trabalhadores
21
concedendo direitos, e garantir a reprodução ampliada do modo de produção através da
reprodução da força de trabalho por meio de salários indiretos (MANDEL, 1982;
OLIVEIRA,1988).
Portanto, o que Lênin não assistiu foi que, após a II Guerra Mundial, uma guerra
imperialista pela disputa de territórios, o capital teve que dar um passo atrás nos países centrais
através de uma partilha mais igualitária dos fundos públicos organizada pelos Estados, não só
para neutralizar a luta de classes, mas como estratégia para a ampliação dos mercados. Mas o
que Lênin previu e que encaixa-se perfeitamente no fordismo como modelo de acumulação é que
os grandes lucros monopolistas poderiam “subornar as classes inferiores para conseguir sua
aquiescência” (2008, p.104). Ou seja, exportando a superexploração da força de trabalho para os
países dependentes, através das políticas de colonização e dominação típicas do imperialismo, e
reconfiguradas no pós-guerra por uma nova partilha do mundo entre os vencedores, foi possível
num determinado momento histórico elevar as condições de vida de parte do proletariado dos
países centrais com políticas de benefícios das empresas e políticas sociais do Estado que
reduziram os custos da reprodução.
Harvey (2003) divide o período monopolista/imperialista em três fases. A primeira, de
1870 a 1945, é precedido pela primeira crise de sobreacumulação capitalista3 entre 1846 e 1850
na Europa que teve como saída o investimento infra-estrutural de longo prazo e as expansões
geográficas. Em meados de 1860, esse meio de absorver excedentes se esgotou pelas tensões
internas na Europa e nos Estados Unidos (que iniciava uma guerra civil). Foi necessária uma
reordenação espacial para a exportação dos capitais europeus excedentes, levados a força para o
exterior para investimentos e comércio especulativos. Para resolver o paradoxo entre a
necessidade de expansão espacial e as bases de organização em Estados-nação, o imperialismo
da época mobilizou forças nacionalistas racistas, baseadas em doutrinas de superioridade racial,
que legitimaram o que Harvey chama de acumulação via espoliação, num processo de
colonização violento e opressivo. Suas características essenciais envolveram a divisão forçosa do globo em terrenos definidos de posse colonial ou de influência exclusivista [...], a pilhagem de boa parte dos recursos do mundo pelas potências imperiais e a instauração disseminada de virulentas doutrinas de superioridade racial – ações que se fizeram acompanhar de um fracasso total e previsível em resolver o problema do capital excedente [...] (HARVEY, 2003, p. 46).
3 O autor define a crise de sobreacumulação como “um excedente de capital para o qual não há meios lucrativos de emprego.” (ibidem, 2003, p. 43).
22
A Grande Depressão de 1929 é o ápice desse fracasso que culmina na II Guerra Mundial
entre as potências imperialistas de 1939 a 1945, período de ascenso dos Estados Unidos como
grande potência imperialista mundial.
Após a II Guerra Mundial o imperialismo chega a sua segunda fase que irá de 1945 a
1970, marcado pela hegemonia norte-americana. Dominantes economicamente, lideravam a
tecnologia e a produção e possuíam um aparato militar apenas comparável ao da União Soviética
(que saía da guerra com bastante debilidade).
O imperialismo norte-americano é, segundo Harvey, marcado por uma dominação que
combina relações comerciais privilegiadas, patronato, clientelismo e coação encoberta,
respeitando a independência formal dos países criando um “sistema mais aberto de colonialismo
sem colônias” (HARVEY, 2005, p.36). Internamente se utilizaram da ascensão soviética – que se
expandiu territorialmente após a guerra - para inaugurar um período conhecido como Guerra
Fria. A doutrina de McCarthy acabou com a liberdade de expressão, perseguindo a tudo que
pudesse ser comunista, uma política chamada por Harvey de “paranóide”. A unidade do país
contra a ameaça externa do comunismo foi o que deu bases a um pacto social entre as classes,
elemento central para a implementação do chamado modelo fordista.
Ainda que o modelo de Ford tenha se iniciado em suas fábricas em 1914 foi apenas após
a II Guerra Mundial, com a vitória sobre o nacional-socialismo, que o fordismo se consolidou
como regime de acumulação imposto diretamente em países ocupados e indiretamente por meio
do Plano Marshall e do investimento direto norte-americano. Mais do que apenas uma aplicação
da divisão do trabalho taylorista e de inovações tecnológicas e organizacionais o fordismo
caracterizava-se por ser um novo modelo baseado na produção e no consumo em massa, com
“um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência
do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade
democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY, 2006, p.121). Associado ao
keynesianismo, que pregou a maior participação do Estado na implementação de políticas anti-
cíclicas, o fordismo foi hegemônico até a década de 1970. No entanto, sua aplicação
diferenciava-se em cada país. Mundialmente ele significou a formação de um mercado de massa
global permitindo a exportação da capacidade produtiva excedente dos Estados Unidos e
globalizando um mercado de matérias primas baratas.
23
Nesse período, os Estados Unidos escondem seus ímpetos imperialistas por trás de um
pretenso universalismo, protegendo econômica e militarmente todas as elites do globo. Assim, se
envolvem em golpes militares por todo o mundo, incluindo o Brasil, e sustentam regimes no
Oriente Médio e no extremo Oriente. Sua dominação envolvia imperialismo cultural, cultivando
um pró-americanismo global onde “se descrevessem como o pináculo da civilização e um
bastião dos direitos individuais” (HARVEY, 2005, p.53) apesar de promotores de regimes
sangrentos em todo o mundo.
Vários acordos, a exemplo de Bretton Woods4 foram realizados, a fim de estabilizar o
sistema financeiro internacional e várias instituições como o Fundo Monetário Intrnacional
(FMI), o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), foram projetados para coordenar o desenvolvimento do capitalismo. Em todo mundo
há um forte crescimento com formação de novas tecnologias, capital fixo e amplas melhorias
infraestruturais. Um período de desenvolvimentismo keynesiano em países centrais que
formaram Estados de Bem-Estar Social expandindo o consumo a setores da classe trabalhadora e
provocando “efeitos secundários fora do núcleo, se bem que de modo atenuado e desigual, por
todo mundo não-comunista” (HARVEY, 2005, p.55). Assim:
O problema da sobreacumulação do capital, embora sempre ameaçador, foi contido até o final dos anos 1960 por uma mistura de ajustes internos e de ordenações espaço-temporais tanto dentro como fora dos Estados Unidos (HARVEY, 2005, p.55).
Essa segunda etapa se encerra no início dos anos 70 com mais uma crise de
sobreacumulação. A capacidade interna de absorver excedentes nos Estados Unidos começa a se
estagnar no final dos anos 1960, acirrando a competição econômica, chegando o Japão e a
Alemanha a afetarem e até superarem os Estados Unidos em algumas áreas. Os altos custos com
a guerra do Vietnã, pressão de uma economia de guerra permanente do complexo industrial-
militar, e o consumo doméstico excessivo levaram a uma crise fiscal do Estado intervencionista
keynesiano. Para resolver, os Estados Unidos passam a imprimir mais dólares o que resulta numa
pressão inflacionária mundial, uma explosão da quantidade de capital fictício e o colapso das
estruturas internacionais fixas forjadas no período anterior, acabando com toda a estrutura do
sistema de Bretton Woods. Além disso, a organização do trabalho, sob o regime fordista do
4 O acordo de Bretton Woods, de 1944, transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou com firmeza o desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-americana” (HARVEY, 2006, p.131).
24
período, levou à pressão por crescentes gastos sociais do Estado e gastos com salários nos
centros mais dinâmicos do capital, que significaram uma redução dos lucros.
Sob todos esses efeitos, o capitalismo passa à estagflação, entrando em uma longa onda
de estagnação, com tendência a queda das taxas de lucro, que dura da década de 1960 até os dias
de hoje. Aspectos fundamentais desse período, como apontam Duménil e Lévy (2003, p.15), são
a diminuição do crescimento e os baixos investimentos, o conseqüente aumento do desemprego,
a inflação, a redução do ritmo do progresso técnico, a lentidão da progressão dos salários e a
diminuição da rentabilidade do capital. Outra característica do período é a queda da
produtividade do capital, isto é, “obtém-se uma quantidade cada vez menor de produto para o
mesmo estoque de capital (capital fixo) ou, de maneira equivalente, investe-se uma quantidade
maior de capital para o mesmo produto.” (DUMENIL ; LEVY, 2003, p.20) Segundo os mesmos
autores, ainda que os salários tenham se reduzido nesse período, essa redução não foi o suficiente
para compensar “o declínio das performances do progresso técnico” (DUMENIL ; LEVY, 2003,
p.20).
Nesses marcos passamos à terceira fase do capitalismo monopolista/imperialista,
caracterizado pela hegemonia neoliberal. A resposta neoliberal articulada ocorre nos anos 1990
com o Consenso de Washington5 apesar das iniciativas que preparam essa hegemonia virem
desde o final dos anos 1970 inicialmente com o governo Thatcher na Inglaterra, o governo
Reagan nos EUA e com Pinochet na periferia do capital.6
Para Dumenil e Levy o “acontecimento emblemático da nova ordem social” é o que
chamam de “golpe de 79”: a decisão do Banco Central americano de aumentar as taxas de juros
para controlar a inflação, sem se importar com as conseqüências sociais para os demais países o
que consideram “uma violência política” (DUMENIL ; LEVY, 2005, p.85). O “golpe de 79” foi
especialmente contundente nos países periféricos, que desde 1976 vinham se aproveitando das 5 [...] o Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho neoclássico, elaborado pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelos think tanks de Washington e que, agora, passa como sendo a única interpretação racional possível dos problemas de estabilização e crescimento” (NUN apud MOTA, 2008, p.79). Compreende as seguintes medidas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, eliminação das restrições ao investimento estrangeiro direto, privatização das estatais, desregulamentação econômica e trabalhista, defesa do direito à propriedade intelectual (MARQUES, 2010, p.7). 6 Para Harvey o esmagamento da greve dos mineiros na Inglaterra e dos controladores de vôo nos EUA pelos governo de Thatcher e de Reagan, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, são o marco de uma nova relação da burguesia, através do Estado, com os trabalhadores que abre caminho para a retirada de direitos do neoliberalismo. Podemos fazer paralelo com a greve do petroleiros nos anos 1990 no Brasil, derrotada pelo governo Cardoso, nosso marco no avanço da neoliberalização.
25
aberturas de crédito derivadas dos “petrodoláres”, ou seja, de dinheiro resultante da alta do
petróleo. Os altos juros tornaram esse endividamento cada vez maior, culminando nas crises da
dívida na América Latina e tornando a década de 80 uma “década perdida” para esses países do
ponto de vista econômico (CHESNAIS, 2005). Além disso, as dívidas reconfiguraram e
aprofundaram a dominação dos países centrais sobre os periféricos, tema que retomaremos mais
a frente.
A teoria de Harvey (2005) também defendida por Chesnais (2005) e Dumenil e Levy
(2005) é que o sentido fundamental da virada neoliberal é a retomada da hegemonia da
burguesia. Durante o período do Estado de Bem-Estar no pós-guerra, a burguesia permitiu, claro
que também devido a uma correlação de forças de avanço dos trabalhadores organizados, uma
maior distribuição das riquezas7. Essa situação foi tolerada enquanto havia crescimento
econômico estável. Com a crise dos anos 1970, a queda das taxas de lucro significou perdas
importantes para a classe burguesa. As políticas neoliberais surgem assim como “um projeto
político de restabelecimento das condições de acumulação do capital e de restauração do poder
das elites econômicas” (HARVEY, 2005, p.27). Apesar de não ter sido muito eficaz no primeiro
objetivo, no que tange a retomada de um crescimento econômico estável, teve sucesso no
segundo ampliando significativamente a desigualdade social no mundo todo.8
Significa dizer que o neoliberalismo enquanto teoria econômica foi na prática vencido
pelo pragmatismo político da classe dominante. Se havia entre os teóricos neoliberais alguma
utopia de reorganização mundial do capitalismo essa foi vencida pelo projeto burguês. Isso
justifica porque a receita neoliberal foi aplicada de forma tão desigual entre os países e nas
diversas conjunturas, chegando a perder todos os seus pressupostos básicos se fosse de interesse
da classe dominante.
Dumenil e Levy (2005, p.87) colocam o neoliberalismo como o segundo período do
capitalismo hegemonizado pela finança, sendo o primeiro o período entre o fim do século XIX e
a crise de 29. Esse novo período de hegemonia das finanças iniciado na década de 1970 tira
partido da crise estrutural do período. Para Dumenil e Levy: 7 Segundo Harvey (2005) o 1% da população mais rica dos EUA concentrava 16% da renda nacional antes da Segunda Guerra passando a 8% no pós-guerra e sofrendo acentuada queda nos anos 1970. Com a neoliberalização os 1% mais ricos voltam a deter 15% da renda nacional no fim do século. 8 A relação da renda entre os 20% da população dos países mais ricos e os 20% da população dos países mais pobres do globo era de 30 para 1 em 1960 chegando a 74 para 1 em 1977 (HARVEY, 2005, p.27).
26
A forte desaceleração do crescimento, o aumento da instabilidade macroeconômica (...), o crescimento do desemprego e da inflação acumulativa não puderam ser vencidas pelas políticas keynesianas de reativação da economia, que foram provadas ao longo da década anterior. O problema era de outra natureza: a crise estrutural resultava de uma queda gradual da taxa de lucro nos principais países capitalistas desenvolvidos, mais ou menos desde os anos 60 (2005, 89).
Antunes (1999, p.30) concorda que o deslocamento do capital para as finanças foi
conseqüência da redução das taxas de lucro geradas pela produção, por sua vez decorrentes da
crise do período, crise estrutural de superprodução do capital. Se o objetivo da financeirização
era a busca por lucros suas origens estruturais estão na acumulação industrial obtida no período
de expansão anterior, quando famílias com maiores rendas começaram a aplicar suas poupanças
em títulos de seguro de vida, bem como a obrigação dos assalariados abrirem contas em bancos
(CHESNAIS, 1999, p.37).
Comungamos com a tese de que a financeirização é elemento básico do capitalismo
neoliberal, marcando um “novo imperialismo” nos termos de Harvey ou uma “mundialização
financeira” nos termos de Chesnais, de onde se originam as características societárias
contemporâneas, tentativa de resolver, ou postergar, a crise atual do capital, sobretudo no que
tange a retomada das taxas de lucro.
A crise do padrão de acumulação fordista é, portanto, apenas expressão fenomênica da
crise estrutural, fruto da sua incapacidade de responder a retração do consumo, resposta ao início
do desemprego estrutural. A reação burguesa iniciada no fim dos anos 70 vai impor, então, uma
nova forma de estruturação da produção com conseqüências para a regulação do trabalho e da
reprodução social, que recoloca o capital em uma avassaladora ofensiva na busca por
superlucros.
Outras marcas da ofensiva do capital na crise atual são a corrida tecnológica, uma nova
divisão do trabalho e da relação entre centro e periferia do capital e o ajuste neoliberal,
“especialmente com um novo perfil das políticas econômicas e industriais desenvolvidas pelos
Estados Nacionais, bem como um novo padrão de relação Estado/sociedade civil, com fortes
implicações para o desenvolvimento de políticas públicas, para a democracia e para o ambiente
intelectual e moral” (BEHRING, 2003, p.34), elementos que aprofundaremos agora.
27
1.1 Financerização do capital e o papel do fundo público
Iamamoto (2007) aponta a retomada da financeirização do capitalismo na
contemporaneidade, como o eixo estruturante da configuração atual das relações sociais.
Chesnais (2005) parte do mesmo pressuposto, de que na configuração atual específica do
capitalismo o capital financeiro encontra-se no centro das relações econômicas e sociais. A
reestruturação produtiva, com a marca da flexibilização nas relações entre trabalho e capital, a
captura do fundo público através dos mecanismos da dívida justificando a redução do gasto
público para os trabalhadores e as mudanças na esfera cultural, fundamentada no ethos pós-
moderno, são dimensões do fenômeno que tem por objetivo alimentar a engenharia do mercado
financeiro, reproduzindo de forma ampliada o capital.
A mundialização do capital tem na esfera financeira do capital sua ponta de lança. O
capital nascido no setor produtivo tem seus rendimentos, formados na troca, canalizados em
grande parcela para o mercado financeiro. Nessa esfera vários processos, em grande parte
fictícios, incham o montante nominal dos ativos financeiros. Apesar da financeirização estar
necessariamente vinculada ao processo produtivo, já que apenas na esfera da produção cria-se
valor, o mercado financeiro aparece personificado. Três dimensões da ascensão do setor
financeiro se relacionam a essa personificação: a sua relativa autonomização em relação à
produção e a intervenção das autoridades monetárias, o fetichismo das formas de valorização do
capital de natureza especificamente financeira e a determinação de seus traços por seus próprios
operadores (CHESNAIS, 1998).
Para Chesnais, o lugar que hoje ocupa o capital financeiro se afirmou a partir da
intervenção dos Estados imperialistas quando liberaram e desregulamentaram a movimentação
dos capitais, desbloqueando seus mercados financeiros, além de implementar políticas que
estimulassem e facilitassem a centralização das poupanças das famílias e dos lucros não-
reinvestidos do capital. Com isso expande-se a acumulação financeira9 através de novos
9 Entende-se por acumulação financeira, segundo Chesnais (2005, p.37) “a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que tem por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações- mantendo-os fora da produção de bens e serviços.”
28
organismos como fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros e
bancos que administram sociedades de investimento.
Para Dumenil e Levy (2005) a finança caracteriza-se por uma nova forma de propriedade
que evolui historicamente da propriedade familiar e individual das empresas, gestadas por seus
proprietários até a propriedade financeira, constituída através da posse de títulos, e caracterizada
pelo poder concentrado nas instituições financeiras. Cria-se uma nova classe de administradores,
o que explica a complexidade das estruturas de classe contemporâneas.
Esses novos proprietários situam-se em exterioridade à produção, mesmo quando estão
no cerne dos grupos industriais. Chesnais (2005) não nega a interpenetração entre o capital
industrial e o capital portador de juros, porém coloca um elemento a mais. A aparente
exterioridade do capital portador de juros em relação à produção é, segundo o autor, “um dos
traços mais originais da contra-revolução social contemporânea” (CHESNAIS, 2005, p.54). O
administrador-financeiro moldado pelos interesses das finanças substitui o administrador-
industrial e difere-se dele pelos seus objetivos, criando novas normas de rentabilidade. “A taxa
de lucro necessária para a realização das normas do ‘valor por acionista’ conduz a rejeição de
todos os projetos de investimento que não garantirão a taxa exigida” (CHESNAIS, 2005, p. 58).
As conseqüências que decorrem dessa nova racionalidade que prima pela retirada dos
lucros da esfera produtiva para alimentar a esfera financeira são a redução dos investimentos
produtivos e da participação dos salários nos custos da produção.
Segundo Chesnais (2005), a redução da parte dos lucros voltada para o setor produtivo
tem duas consequências: a redução da capacidade de consumo dos assalariados e a reduzida
propensão em investimentos. A lógica financeira é contraditória com investimentos de longo
prazo como as inovações tecnológicas, o que acaba tornando-a um obstáculo ao aumento da
produtividade. Daí o fracasso do neoliberalismo na reversão das baixas taxas de crescimento.
Dumenil e Levy (2005) reforçam essa tese ao afirmar que a lógica do modelo neoliberal é
desfavorável à acumulação e ao crescimento, lógica que se caracteriza pela primazia do
pagamento de juros e dividendos a acionistas e credores, em prejuízo do investimento produtivo.
Essa aparente exterioridade do capital portador de juros da produção “tende também a
modelar a sociedade contemporânea no conjunto de suas determinações” (DUMENIL ; LEVY,
2005, p.61). Gera uma propensão a “demandar da economia mais do que ela pode dar” o que é
uma das forças motrizes da desregulamentação do trabalho e das privatizações.
29
O superdimensionamento da esfera financeira do capital também reproduz as relações de
dependência entre o capitalismo central e periférico. Isso porque as finanças de mercado são
mais excludentes e concentradas que em períodos anteriores, ou seja “a idéia de uma irradiação
planetária pelos capitais não corresponde a realidade do mundo contemporâneo” (DUMENIL ;
LEVY, 2005, p.13). Como o essencial das ações emitidas pelas empresas são aplicadas em suas
próprias bolsas, os países periféricos ficam em desvantagem, pois não possuem nem mercados
emergentes que possam ser integrados nem empresas capazes de atuar nos mercados dos grandes
países industrializados.
Os Estados nacionais, por sua vez, além de não deterem mais o controle e a supervisão
da esfera financeira, são os responsáveis pelo principal mecanismo de captação dos mercados
financeiros: os impostos diretos e indiretos pagos ao Estado e transferidos para a esfera
financeira a título de pagamento de juros ou da própria dívida pública. Está aberto, assim, o canal
que vai redirecionar o fundo público. Ao invés de investido, pelo menos parcialmente, em
políticas públicas universais, como no período do pós-guerra, ele agora é aplicado diretamente
no mercado financeiro. Desnecessário dizer que são os países periféricos os maiores afetados por
esse mecanismo, já que são os maiores portadores de dívidas10. Outros mecanismos transformam
o Estado no neoliberalismo num “Robin Hood às avessas” dentro dos territórios nacionais, como
a revisão das leis tributárias, cada vez mais regressivas, e o oferecimento de subsídios e isenções
fiscais às pessoas jurídicas. (HARVEY, 2005, p.177).
Além de alterar o fluxo do fundo público nacional em favor das finanças, a dívida pública
aprofunda a relação de dominação entre os países centrais e periféricos. Os países periféricos
foram chantageados11 para adequarem-se às políticas de ajuste estrutural ditadas pelo FMI e
pelos demais organismos internacionais, pela força de suas dívidas.
Nos anos 80, a dívida pública permitiu a expansão dos mercados financeiros ou a sua ressurreição em outros países [...] Ela é o pilar das instituições que centralizam o capital portador de juros. Em seguida, a dívida pública gera pressões fiscais fortes sobre as rendas menores e com menor mobilidade, austeridade orçamentária e paralisia das despesas públicas. [...] foi ela que
10 Segundo Harvey (2005, p.175) “calcula-se que, a partir de 1980, mais de 50 Planos Marshall [...] foram remetidos pelos povos da periferia aos seus credores no centro. “Que mundo peculiar’, suspira Stiglitz,’em que os países pobres estão na prática subsidiando os mais ricos’”. 11 Os argumentos de chantagem têm sido bastante eficazes ideologicamente para obter consentimento da população sobre as contra-reformas e os cortes orçamentários o que não significa que não contam com a cumplicidade das burguesias locais.
30
facilitou a implantação das políticas de privatização nos países chamados “em desenvolvimento (CHESNAIS, 2005, p.42).
O Estado, portanto, se impõem enquanto agente ativo dos interesses das classes
dominantes na retomada das taxas de lucro. Segundo Dumenil e Levy (2005, p.87) “não se pode
deduzir que o Estado tenha perdido toda a função. O neoliberalismo se impôs sob a proteção do
Estado”. É ideológica e falsa a idéia do Estado neoliberal como um Estado mínimo. O Estado é
mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital. Ou como aponta Fontes (2010, p.17) um
“Estado pitbull”, forte para defender o capital das ameaças dos trabalhadores, mas sem gorduras,
ou seja, sem políticas sociais. É o Estado que vai cumprir o papel de administrar as crises com
política anticíclicas, “estimular” os negócios e ao mesmo tempo controlar a classe trabalhadora,
assolada pelo desemprego estrutural e pela redução da proteção social, através do
superdimensionamento da sua face penal (WACQUANT, 2003).
Para Dumenil e Levy (2005, p.88), o Estado num regime democrático caracteriza-se por
sintetizar compromissos da classe dominante com outras frações de classe para garantir sua
legitimidade e o poder, o que não muda a natureza do poder estatal mas “as modalidades de seu
exercício”. O neoliberalismo destrói, dentro dessa lógica, o compromisso entre a classe
dominante e os assalariados, do período do keynesianismo.
1.2 Reestruturação produtiva A retomada das taxas de lucro passa necessariamente por uma maior exploração dos
trabalhadores, extraindo deles maior taxa de mais valia. Ainda que a financeirização do período
tenha inchado esse setor da economia, é no mundo da produção que o valor se cria por meio do
trabalho. Era necessário, portanto, na estratégia da burguesia reestruturar a produção e o trabalho
para responder a crise estrutural do capital que, como já apontamos, tinha no esgotamento do
modelo fordista/keynesiano uma expressão de aparência do fenômeno.
A tese de Antunes (1999, p.47) é de que a reestruturação produtiva decorre da
concorrência inter-capitalista, onde em momentos de crise intensificam-se as disputas entre os
grupos transnacionais e monopolistas, e da necessidade de responder à luta de classes,
controlando a resistência dos trabalhadores. Para o autor o ressurgimento de ações ofensivas da
31
classe trabalhadora, após o período mais consensuado do Estado de Bem-Estar Social, é
elemento central na crise do fordismo. O objetivo da reestruturação era o aumento da
produtividade e da extração da mais-valia relativa, pela intensificação do trabalho, sem abdicar
da ampliação da mais-valia absoluta, com o aumento das jornadas.12
Emerge, então, uma nova forma de produção, em muitas características importada ou
inspirada no modelo japonês13 que por isso passa a ser chamada de modelo toyotista,
inaugurando o período da acumulação flexível.
Vários teóricos interpretam distintamente esse fenômeno. Antunes (1999, p.48) expõem
três interpretações diversas. A primeira tem uma visão positiva das mudanças, a tese da
especialização flexível. Autores como Sabel e Piore acreditam que a acumulação flexível ao
possibilitar o aproveitamento das qualidades criativas dos trabalhadores, reduzem a alienação
característica do período fordista, sendo mais favoráveis ao trabalho.
A segunda tese, de autores como Tomaney, defende que as mudanças não alteram as
configurações existentes no trabalho fordista, mas intensificam as tendências existentes.
Outros autores acreditam que o toyotismo traz elementos de ruptura e continuidade com o
modelo anterior, mantendo intactos, porém, o caráter e os pilares fundamentais do modo de
produção capitalista, tese a qual filia-se Antunes (1999) e que adotaremos nesse trabalho. Em
suma: o padrão de acumulação flexível articula um conjunto de elementos de continuidade e
descontinuidade que acabam por conformar algo relativamente distinto do padrão taylorista /
fordista de acumulação” (ANTUNES, 1999, p.52).
Esse modelo fundamenta-se num padrão de produção, organização e tecnologia
avançado. Introduz novas técnicas de gestão da força de trabalho que baseiam-se no trabalho em
equipes que passa a “requerer, ao menos no plano discursivo, o ‘envolvimento participativo’ dos
trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as
condições do trabalho alienado e estranhado” (ANTUNES, 1999, p.52). Ao contrário do 12 Segundo Antunes (1999, p. 33) “apesar do significativo avanço tecnológico encontrado (que poderia possibilitar, em escala mundial, uma real redução das jornadas ou do tempo de trabalho), pode-se presenciar em vários países, como a Inglaterra e o Japão, para citar países do centro do sistema, uma política de prolongamento da jornada de trabalho.” 13 Em relação à proporção em que as características do modelo japonês são incorporadas nas diferentes empresas e países: “claro que sua adaptabilidade em maior ou menor escala, estava necessariamente condicionada às singularidades e particularidades de cada país, no que diz respeito tanto às suas condições econômicas, sociais, políticas, ideológicas, quanto como à inserção desses países na divisão internacional do trabalho” (ANTUNES, 1999, p.57). Aprofundaremos essas questões nos próximos capítulos.
32
fordismo, onde o trabalho organizava-se apenas para explorar a capacidade física dos
trabalhadores, no toyotismo o capital passa a se apropriar também da capacidade criativa, de
cooperação, da organização dos trabalhadores. Entra em cena o trabalhador polivalente,
multifuncional. Segundo Bihr (1998):
Um trabalhador que raciocina no ato de trabalho e conhece mais dos processos tecnológicos e econômicos do que os aspectos estritos do seu trabalho imediato é um trabalhador que pode ser tornado polivalente. [...] Cada trabalhador pode realizar um maior número de operações, substituir outras e coadjuvá-las.
A polivalência combinada com a horizontalização da estrutura das empresas está a
serviço do capital, reduzindo o tempo de trabalho e intensificando a exploração num modelo
distinto do fordismo. Segundo Antunes (1999, p.56):
A apropriação das atividades intelectuais do trabalho, que advém da introdução da maquinaria automatizada e informatizada, aliada a intensificação do ritmo do processo de trabalho, configuraram um quadro extremamente positivo para o capital, na retomada dos ciclos de acumulação e na recuperação de sua rentabilidade.
A isso associa-se um modelo de disciplinamento, que busca a adesão do trabalhador
numa relação de confiabilidade onde o trabalhador “veste a camisa” da empresa entregando sua
subjetividade ao capital. Ao mesmo tempo, uma característica central da reestruturação é a
desregulamentação e a retirada de direitos dos trabalhadores.
Enquanto os trabalhadores do centro da produção, mais qualificados, ainda conseguem
melhores remunerações, amplia-se o número de trabalhadores excluídos de direitos e de
estabilidade. O processo de liofilização organizacional14 significou um enxugamento das
unidades produtivas através da terceirização de tudo que não é central em sua especialidade. Os
métodos e procedimentos da empresas centrais se expandem para seus fornecedores e quanto
mais o trabalho distancia-se das empresas centrais mais ele se precariza.
Antunes divide os trabalhadores, analisando a reestruturação do mercado, entre
intelectualizados e subproletários. Para ele, ao mesmo tempo em que o capitalismo passa a
necessitar de mais trabalhadores altamente qualificados, que se desenvolvem junto com os
avanços tecnológicos, por outro lado empurra a maioria dos trabalhadores para a
14 Categoria batizada por Castillo (1996) e utilizada por Antunes (1999).
33
subproletarização, vagas sem regulamentação, sem acesso a direitos, e sem necessidade de
qualificação especializada. Ainda que esses últimos estejam fora do centro do processo de
criação de valores de troca “é este conjunto de segmentos, que dependem da venda da sua força
de trabalho, que configura a totalidade do trabalho social, a classe trabalhadora e o mundo do
trabalho” (ANTUNES,1999, p.52). Continuam, portanto, apesar da aparência imensamente
fragmentada, todos aqueles despossuídos dos meios de produção, fazendo parte da mesma classe
trabalhadora, contribuindo para a produção e reprodução do valor.
Harvey (2006) divide essa “nova” classe trabalhadora em centrais e periféricos.
Enquanto os trabalhadores centrais possuem ainda contratos estáveis com possibilidades de
promoção e bons salários, para os trabalhadores periféricos surgem duas categorias: os
empregados em tempo integral, sujeitos à alta rotatividade, baixa qualificação e salários instáveis
e os subcontratados, trabalhadores em tempo parcial, sem contrato ou com contratos temporários
e sem direitos trabalhistas.
Tal divisão tem significado para os trabalhadores uma redução da sua consciência de
classe e, conseqüentemente, redução de seus instrumentos de organização. Esse tem sido um
fator objetivo fundamental para a construção de uma nova ideologia do capital, adequada a este
novo modelo de acumulação, que possibilita a construção de um novo consenso e dominação
sobre os explorados.
Associa-se a isso o desemprego chamado estrutural, conseqüência do pouco investimento
produtivo que gera baixas taxas de crescimento, o que amplia o exército industrial de reserva
dificultando ainda mais sua organização e a reivindicação por direitos já que o trabalhador
empregado torna-se um “privilegiado”, apenas por essa condição.
1.3 Mundialização do capital: relações entre centro e periferia
É da natureza do capital, desde seu início uma permanente expansão globalizada gerando
o “desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e subordinação”
(MEZSAROS, 2002, p.111), criando uma hierarquia entre Estados nacionais.
34
Mandel (1982) chama a atenção de que sob o modo de produção capitalista convivem
outros modos de produção mais atrasados além de estágios variados dele mesmo. Essa
combinação, já chamada por Trotsky de desenvolvimento desigual e combinado do capital,
compõe uma unidade orgânica, “um sistema articulado de relações de produção capitalistas,
semicapitalistas e pré-capitalistas, ligados entre si por relações capitalistas de troca e dominados
pelo mercado capitalista mundial” (MEZSAROS, 2002, p.32). Relações de produção não-
capitalistas ou semi-capitalistas são auxiliares ao desenvolvimento do capital, não escapam a sua
órbita e não tendem, necessariamente, a tornarem-se capitalistas no decorrer linear do tempo.
Pelo contrário, Mézsaros (2002, p.114) afirma que em qualquer “modo de controle
sociometabólico humanamente viável”, onde inclui-se o socialismo, vigora a lei do
desenvolvimento desigual. Porém na ordem do capital esse desenvolvimento desigual é
destrutivo, dada a constante centralização e concentração do capital que engole unidades
menores de produção e gera taxas diferenciadas de exploração no centro e na periferia.
Oliveira (2003), discordando da idéia de “modo de produção subdesenvolvido”, diz que
a existência de uma relação dual entre “atrasado” e “moderno”, para explicar setores mais e
menos capitalistas da produção, só existe formalmente. Na realidade os chamados “setores
atrasados” alimentam o crescimento dos “setores modernos”. Dessa forma, o
subdesenvolvimento não pode ser entendido apenas como um traço histórico superável, mas
como parte da formação capitalista.
Isso explica, sobretudo, a relação entre os países centrais e periféricos, também chamados
de países desenvolvidos e “em desenvolvimento”. Países periféricos, geralmente ex-colônias,
tiveram suas riquezas utilizadas na acumulação primitiva de capital dos países centrais. Mandel
(1982, p.40) coloca que a Revolução Industrial só foi possível no Ocidente devido a trezentos
anos de pilhagem sistemática de ouro, prata e capital monetário do resto do mundo por meio da
colonização. A proibição pelas metrópoles do desenvolvimento de manufaturas locais gerou uma
relação desigual de troca de mercadorias (mercadorias de alta produtividade do centro por outras
de baixa produtividade das periferias), o que fazia escoar a riqueza das periferias para o centro.
Associado a isso, a existência de grandes reservas de trabalho a preços muito baixos levou a uma
acumulação de capital com composição orgânica baixa.
No primeiro período do imperialismo, chamado por Mandel de imperialismo clássico, a
progressiva mundialização do mercado levou a uma nova relação, ainda mais dependente entre
35
periferia e centro. Passou a ser a exportação de capitais do centro para a periferia, e não os
esforços das burguesias locais, o principal impulsionador do desenvolvimento econômico. Com
isso o desenvolvimento econômico dos países periféricos foi sufocado, pois todo excedente
passou a ser expropriado pelo capital estrangeiro e as classes dominantes locais foram
consolidadas no meio rural, impedindo a acumulação local. Assim, Mandel (1982, p.37) afirma
que não foi a má vontade do imperialismo nem a incapacidade social ou racial nas periferias o
que impediu seu desenvolvimento, mas o fato da acumulação de capital industrial ter, por
motivos econômicos, se tornado menos lucrativo, menos seguro que em campos como o
comércio exterior, especulação imobiliária e da terra, usura e empresas de serviços da lúmpen-
burguesia e da pequena burguesia como corrupção, loterias, jogo e etc.
A aliança entre as burguesias agrárias locais e o capital imperialista manteve no campo
relações pré-capitalistas de produção limitando a expansão do mercado interno, tolhendo a
industrialização e dirigindo para setores não industriais a acumulação primitiva nacional. Os
países periféricos tornaram-se complementares no desenvolvimento dos países centrais.
Harvey (2005, p.155) aponta a necessidade do capital se expandir geograficamente para
resolver sua necessidade de valorizar capital excedente. Para o autor a exportação tanto de força
de trabalho como de capital excedente para criar nova capacidade produtiva em novas áreas é o
que possibilita por maior tempo a capacidade de absorção de excedentes. No entanto os países
periféricos que recebem esses excedentes tendem a criar um “ajuste espacial”, isto é, uma lógica
interna própria passando a competir com os países metropolitanos. Para evitar essa tendência as
metrópoles criam formas de impor dependência para que a periferia produza o que desejam na
quantidade em que desejam.
Essa complementaridade significou a concentração da produção desses países em matéria
primas vegetais e minerais. A necessidade dos países centrais de uma produção em larga escala e
com baixos preços criou a necessidade de subsunção real da produção ao capital. Isso em países
marcados por uma baixa composição orgânica gerada por um preço tão baixo da força de
trabalho que o emprego de capital fixo não podia competir. O atraso anterior tornou-se
dependência, aumentando a defasagem industrial, a diferença de produtividade com o centro, e
para os trabalhadores o subemprego e o desemprego em massa.
A exploração de força de trabalho barata, por algum tempo fonte de superlucros,
aumentou tanto a diferença de produtividade entre centro e periferia, ou seja, entre a produção de
36
manufaturados e matérias-primas, que levou a um aumento de preços das últimas. Fato que tanto
gerou a crise do capitalismo concorrencial como a do imperialismo clássico. A resposta do
capital foi o deslocamento da produção de matérias-primas para o centro, industrializando esse
setor da economia com novas tecnologias, nova organização do trabalho e relações de produção.
Os resultados, no início do capitalismo tardio são o aumento ainda maior da diferença
entre centro e periferia do capital, com a redução dos mercados de matérias primas gerando
crises sócio-econômicas no “Terceiro Mundo” que levaram a rebeliões, revoltas e libertações. O
capital deixou de se transferir do centro para as periferias.
Nesse momento o capital monopolista passa a não somente produzir ele mesmo as
matérias primas como a produzir nos próprios países periféricos bens que poderiam ser vendidos
nos mercados locais a preço de monopólio. Os países centrais passam a vender capital fixo para
as periferias, exportando tecnologia obsoleta.
[...] a industrialização em sendo tardia, se dá num momento em que a acumulação é potencializada pelo fato de se dispor, no nível do sistema mundial como um todo, de uma imensa reserva de “trabalho morto” que, sob a forma de tecnologia, é transferida aos países que iniciaram o processo de industrialização recentemente (OLIVEIRA, 2003, p.67).
Para Mandel (1982, p.43) essa é a base da “ideologia do desenvolvimento” promovida
pela burguesia metropolitana nos países periféricos. Ideologia que é a base do
“desenvolvimentismo” que serviu no Brasil para desviar a atenção do problema da luta de
classes exatamente num momento onde ela se agudizava pela passagem da base agrária para a
base urbano-industrial (OLIVEIRA, 2003).
O aumento da produtividade não leva, na periferia, à incorporação de novas necessidades
sociais aos salários apesar da queda do custo da reprodução da força de trabalho. Isso ocorre,
segundo Mandel (1982), dada à existência histórica de um imenso exército industrial de reserva,
que cresce ainda mais com a industrialização, e que leva a uma desfavorável correlação de
forças, já que dificulta muito a organização dos trabalhadores.
Com isso o mercado interno em países periféricos é sempre limitado, sendo uma barreira
à expansão do capital, apesar de elemento importante para a manutenção de taxas médias de
lucro altas mundialmente.
37
Essa industrialização da periferia não significou uma homogeinização mundial do
capitalismo, segundo Mandel (1982, p.43), e sim, tão somente uma nova relação entre
desenvolvimento e subdesenvolvimento, novas diferenças entre acumulação de capital,
produtividade e extração de excedente.
No neoliberalismo as diferenças entre centro e periferia se agudizam. As taxas de
crescimento mundial não foram retomadas nesse período e, ao contrário do período de
crescimento anterior que tendeu a ser convergente no plano internacional, o parco crescimento
atual se concentrou em duas zonas apenas, na década de 90: os Estados Unidos da América
(EUA), até a crise da Nacional Association of Securities Dealers Automated Quotations
(NASDAQ) em 2001, e os chamados “tigres asiáticos”, até o começo da crise financeira em
1997. Atualmente os investimentos só chegam aos países periféricos que ainda possuem
matérias-primas que o centro necessita e países como a China e a Índia, que possuem força de
trabalho qualificada, disciplinada e muito barata (CHESNAIS, 2005, p.67).
1.4 O papel da inovação tecnológica
Na fase de intensificação da taxa de utilização decrescente do valor de uso das
mercadorias (MÉZSÁROS, 2002) todas as mercadorias devem ter um tempo de vida útil cada
vez mais reduzido. Com isso acelera-se o circuito produtivo ampliando a velocidade da produção
de valores de troca, fundamental para a reprodução ampliada do capital.
Mandel (1982), em O capitalismo tardio, reserva um capítulo para a discussão sobre a
aceleração da inovação tecnológica. A necessidade do capital de reduzir o tempo de rotação do
capital fixo faz com que cada vez mais se necessite da ciência, para que as rápidas inovações
tecnológicas tornem, cada vez mais rapidamente, obsoletas as maquinarias.
Essa é a inovação tecnológica: colocar as invenções desenvolvidas pelos homens a
serviço da valorização do capital. “O capital investido na esfera da pesquisa e desenvolvimento
que segue ou precede a produção efetiva só consegue a valorização na medida em que o trabalho
ali realizado seja produtivo” (MANDEL,1982, p.178).
38
Isto é, que o conhecimento produza novas mercadorias. A atividade científica só é força
produtiva quando incorporada imediatamente a produção, senão se limita a uma força potencial
que tende a refluir por restrições ou dificuldades afetadas pela necessidade de valorização do
capital.
Ainda que Marx já tivesse apontado essa necessidade do capital, segundo Mandel a
organização plena e sistemática da pesquisa e do desenvolvimento como um negócio específico
sob bases capitalistas só se manifesta na sua plenitude no capitalismo tardio. Para tanto é
necessária a aceleração da própria invenção, desenvolvendo o trabalho intelectual, e a rápida
aplicação dessas invenções às mercadorias para que assim se tornem inovações tecnológicas. Foi
na segunda revolução científica, graças ao crescimento de investimento em pesquisas
demandado pela II Guerra Mundial, que se garantiram as condições objetivas de superestrutura
que possibilitaram esses avanços. Essa superestrutura se manifestou no aumento dos setores de
pesquisa das companhias bem como na expansão de empresas especializadas que vendem suas
pesquisas, como por exemplo alguns laboratórios.
São essas rendas tecnológicas, segundo Mandel, uma das principais fontes de
superlucros, ou seja, lucros acima do lucro médio. Entretanto, os riscos desses investimentos em
pesquisa são altos, na medida que nem todas as invenções poderão ser aplicadas. Outro risco do
investimento é a possibilidade de que a empresa concorrente desenvolva inovação simultânea.
Esses riscos só podem ser assumidos, portanto, por aqueles que dispõem de grande
capital. Considerando que os monopólios não estão livres da concorrência de produtos mais
desenvolvidos que os seus, se tornam eles hoje os grandes investidores em pesquisa e
desenvolvimento. A contradição, segundo Mandel, é que ao mesmo tempo os monopólios tolhem
o progresso técnico ao estreitar e diversificar o desenvolvimento das pesquisas, já que é
necessário para seus lucros acelerar a valorização.
Esse crescimento da demanda por pesquisa e desenvolvimento, com o ingresso do
trabalho intelectual na esfera da produção, significou um aumento significativo da demanda por
trabalhadores intelectuais altamente qualificados fazendo crescer e transformar o perfil das
universidades para que se adequassem as necessidades do capital.
A universidade clássica das duas fases anteriores do capitalismo servia, nas palavras de
Mandel, para “essencialmente dar aos filhos mais inteligentes [...] da classe dirigente a educação
clássica desejada e os meios de dirigir eficazmente a indústria, a nação, as colônias e o exército”
39
(1979, p.41). A universidade era, portanto, um instrumento de educação e meio para a coesão
ideológica da classe dominante. O ensino profissionalizante era secundário.
A “crise” da universidade tradicional humanista não se dá, segundo Mandel (1979), por
razões formais, isto é, excesso de estudantes, alto custo da formação, falta de infraestrutura
material, nem por razões sociais globais como o crescimento do desemprego entre a
intelectualidade ou a necessidade do uso ideológico da ciência. A verdadeira crise da
universidade tem razões diretamente econômicas: se dá pela necessidade de adequação dos
currículos, estrutura e escolha dos estudantes às necessidades de aceleração das inovações
tecnológicas. No capitalismo tardio, a universidade passa por transformações dada “a
necessidade de força de trabalho especializada no plano técnico na indústria e num aparelho de
Estado em crescimento [...]” (MANDEL, 1979, p.42). A universidade desse período se massifica
e passa a ser espaço de especialização profissional para setores da classe trabalhadora que
procuram, através do ensino superior, ascensão social. A terceira revolução industrial necessita
da entrada de trabalhadores intelectuais na produção, supervisionando as máquinas e mesmo
organizando o processo de trabalho. Segundo Mandel:
A aceleração da inovação tecnológica implica uma integração em larga escala do trabalho intelectual no processo de produção. Enquanto nas fases anteriores do capitalismo o trabalho intelectual estava em larga medida limitado à esfera da superestrutura social, revela-se hoje cada vez mais orientado para a infraestrutura da sociedade (MANDEL, 1979, p.43).
O autor chama esse processo de proletarização do trabalho intelectual. O capital passa a
necessitar de produtores com capacidades específicas mais qualificadas tanto para a produção
como para a circulação de mercadorias. A fragmentação e alienação do trabalho penetram, assim,
a esfera da ciência e da produção do conhecimento, nunca puro, mas aplicado ao
desenvolvimento de novos valores de troca, que maximizem os lucros. Mas não é só na produção
que o capital vai necessitar de um novo tipo de qualificação para o trabalhador. Faz-se
necessária, para adequar a reprodução da sociedade às necessidades da produção, a incorporação
de força de trabalho qualificada nas instituições superestruturais.
Por tudo isso aumenta significativamente o número de trabalhadores que ingressam nas
universidades, num processo de massificação da graduação de terceiro grau. Mas esse processo
não se dá de forma direta. Mandel demonstra como a ideologia do capitalismo atual está a
serviço de
40
[...] orientar a juventude para as áreas que lhe são convenientes na ciência e na tecnologia ( a esse respeito, uma importante função é desempenhada pelos meios de comunicação de massa, desde as revistas em quadrinhos, os livros infantis e a televisão, até a ficção científica) (1982, p.185).
Esse fascínio causado pelo desenvolvimento tecnológico, que para os trabalhadores é a
promessa de libertação do enfadonho trabalho manual, traz em si uma nova dimensão para a
contradição geral do capitalismo: o papel emancipador, em potencial, da ciência para a
humanidade e a apropriação privada pelo capital que faz desta o meio para alcançar seu único
objetivo, a obtenção de lucro (MANDEL, 1979,186).
Para dar conta dessa necessidade do capital a universidade precisa passar por mudanças
na sua estrutura curricular, material e administrativa. Essa passagem é chamada por Mandel da
universidade tradicional para a universidade tecnocrática.“A ligação entre a terceira revolução
tecnológica – muitas vezes designada técnico científica -, a crescente procura de mão-de-obra
intelectual e a reforma universitária tecnocrática é uma ligação evidente” (1979,p.43).
A universidade é forçada, pela intermediação reguladora do Estado, a tornar-se funcional
ao capital, submetendo sua gestão, pesquisa e ensino às necessidades do próprio Estado
neoliberal e do capital privado. Nesses marcos as próprias universidades transformam-se em
espaços privilegiados de criação de inovações tecnológicas e divulgadoras das ideologias do
capital.
Entretanto essas inovações tecnológicas estão trancadas em patentes o que tem
conseqüências para os países “atrasados” no desenvolvimento científico. Oliveira (2003, p.139)
aponta duas importantes: os sistemas capitalistas periféricos só podem copiar o descartável não
tendo acesso a matriz da unidade técnico-científica, disso decorrendo a segunda conseqüência
que é a cópia do descartável entrar em obsolescência acelerada, nada sobrando dela. O
conhecimento científico passa a ser uma mercadoria e essa mercantilização reforça as relações de
dependência entre os países por meio da monopolização de patentes. A desigualdade no
desenvolvimento técnico e científico entre as nações se potencializa e se perpetua (IANNI,
1976).
A relação imperialista entre países “avançados” e “atrasados”, ou seja, a manutenção e
ampliação de um “diferencial internacional de produtividade” (MANDEL, 1982, p.243) é
inerente a lógica do capital na busca por superlucros. Mandel (1982) defende que no capitalismo
tardio a troca desigual, fonte secundária de superlucros, passa a ser a principal forma de
41
exploração das periferias, substituindo a produção direta de superlucros nas colônias, originada
na diferença das taxas de lucro entre colônias e metrópoles. Essa diferença nas taxas de lucro,
por sua vez originava-se nos seguintes fatores: a.uma composição orgânica menor do capital na
produção colonial; b. uma taxa de mais-valia absoluta significativamente maior e um valor
menor da força de trabalho nas colônias; c. um enorme exército industrial de reserva nas colônias
que levava o preço da força de trabalho a cair abaixo do seu valor; e d. a transferência dos custos
indiretos da produção nas colônias para o sobreproduto não capitalista pela mediação do Estado
através da arrecadação tributária, o que possibilitou uma elevação da taxa de lucro sobre o capital
investido produtivamente.
A troca desigual passa a ser a principal fonte de superlucros no capitalismo tardio devido
a mudanças estruturais da economia mundial que levaram a uma inversão do fluxo de capitais,
anteriormente do centro para a periferia, passando a ocorrer entre as nações centrais,
metropolitanas. Ao mesmo tempo os países periféricos com os processos de independência
nacional passaram a forçar uma maior participação das burguesias locais na distribuição dos
lucros da produção nacional. A troca desigual caracteriza-se por uma troca de quantidades
desiguais de trabalho, mesmo em mercadorias de valores internacionais iguais. Segundo o
exemplo dado por Mandel (1982,p.254):
A troca desigual consiste na troca do produto de 300 milhões pelo produto de 1,2 bilhão de horas de trabalho, ou seja, o fato de que, no mercado mundial a hora de trabalho do país desenvolvido é considerada mais produtiva e intensiva que na nação atrasada.
Como conseqüência, a troca desigual leva a uma transferência internacional de valores, que
perpetua e agudiza as diferenças entre centro e periferia do capital. O que Mandel está dizendo é
que independente do tipo específico da produção material ou do grau de industrialização, as
diferenças constituídas historicamente do grau de acumulação do capital, de produtividade do
trabalho e de mais-valia continuam sendo uma fonte de superlucros. A homogeneização geral da
produção capitalista em escala mundial secaria, portanto, a fonte dos superlucros.
A acumulação de capital industrial visível nas periferias no período mais recente é, então,
seguindo o raciocínio de Mandel, uma transferência da acumulação da esfera das matérias-
primas e manufaturas para a indústria “mas permanecendo em média um ou dois estágios atrás
em termos de tecnologia ou do tipo de industrialização predominante nas metrópoles”
42
(MANDEL, 1982, p.260) tendo por razão o pequeno mercado interno, o enorme exército
industrial de reserva e a utilização de maquinaria obsoleta. Mesmo quando se utiliza tecnologia
de ponta nos países periféricos, a capacidade empregada é muito pequena. Os preços dos
produtos industrializados da periferia não conseguem, por conseguinte, competir no mercado
mundial, mantendo esses países como exportadores de matérias-primas.
A conclusão final a ser fixada é que:
O fator decisivo continua sendo a impossibilidade da plena industrialização dos países subdesenvolvidos no âmbito do mercado mundial no período do capitalismo tardio e do neocolonialismo, que era tão grande quanto no período “clássico” do imperialismo. As diferenças regionais de desenvolvimento, industrialização e produtividade estão constantemente aumentando (MANDEL, 1982, 264).
Por essa razão, que segundo o autor é “orgânica” do desenvolvimento do capitalismo
tardio, é que as universidades brasileiras, bem como as dos demais países periféricos, perpetuam-
se em condições de heteronomia (FERNANDES, 2006) no desenvolvimento científico,
propriedade inerente à inserção dependente do país no mercado capitalista mundial. Assim,
mantendo a produtividade desigual, mantêm-se as fontes de superlucro do grande capital.
Atualmente apenas 8 países, com 15% da população mundial, detêm quase todas as
inovações tecnológicas. Outros 15 países, entre eles o Brasil, com 50% da população mundial
conseguem adaptar e incorporar essas inovações no seu sistema produtivo e no consumo. Os
demais países, com 35% da população ficam completamente excluídos do desenvolvimento
tecnológico (OLIVEIRA, 2004, p.87).
Porém, mesmo entre os países centrais há descompassos no desenvolvimento da
produção científica e tecnológica com ampla vantagem para os EUA. Essa vantagem possibilitou
o país se tornar rentista sobre os lucros gerados pela tecnologia produzida lá, o que foi garantido
pelo acordo de propriedade intelectual defendido pela Organização Mundial do Comércio
(OMC)15 que consta também no Consenso de Washington. Essa política constitui uma das bases
do novo imperialismo, se constituindo num bloqueio à inovação nos demais países (NEVES ;
PRONKO, 2008, p.145).
15 Neves e Pronko (2008) destacam que o papel que os organismos internacionais (OMC, BM, OCDE entre outros) vêem tendo nesse debate caminha para uma mesma direção: a inserção subordinada dos países periféricos no capitalismo internacional seja pela importação e adaptação da tecnologia desenvolvida, pelo controle da propriedade intelectual ou pela definição de indicadores econômicos e sociais padronizados internacionalmente.
43
Ainda assim a necessidade de aumento da produtividade, via superexploração do trabalho
através de rápidas inovações tecnológicas, não é resolvida nem nos países centrais. A falta de
consumo, numa sociedade com massivo desemprego estrutural, coloca para o capital não
produzir como alternativa melhor do que produzir sem superlucros, optando pela financeirização.
Duménil e Levy (2003, p.26) traçam um paralelo interessante entre a crise vivida pelo
capitalismo nas últimas décadas do século XIX e a crise vivida em finais do século XX, próprias
da dinâmica do sistema. Nas duas situações, guardadas suas singularidades históricas, o
restabelecimento das taxas de rentabilidade, dependentes do aumento da produtividade,
encontraram resposta na revolução técnico-organizacional e na explosão de mecanismos
monetários e financeiros e das rendas financeiras com políticas correspondentes. Essa análise é
importante na medida em que relativiza as mudanças ocorridas no capitalismo contemporâneo.
Se pensarmos nas inovações tecnológicas como o carro, a eletricidade, a televisão,
revolucionárias na sua época, a mundialização em curso desde as grandes navegações, podemos
inserir o capitalismo tardio como mais uma fase dentre muitas do sistema capitalista.
Harvey aponta que, no marco das enormes transformações ocorridas no pós 1970, não
podemos perder de vista “o fato de as regras básicas do modo capitalista de produção
continuarem a operar como forças plasmadoras invariantes do desenvolvimento histórico-
geográfico ”(1992,p.117).
Quais seriam essas regras básicas? Para além de regras gerais trans-históricas o que
marca o capitalismo como modo de produção é seu modus operandi específico, qualitativamente
superior aos modos de produção que o antecederam. Wood (1995) aponta os imperativos da
competição e da maximização dos lucros, a subordinação da própria produção à auto-expansão
do capital, a necessidade sempre crescente de aumentar a produtividade do trabalho por meios
técnicos como a dinâmica particular que vai determinar as leis do movimento capitalista. A
autora, ao negar o determinismo tecnológico de parte da tradição marxista, nega que a História
seja movida pelo crescimento unilinear e necessário das forças produtivas, ainda que estas
tendam a ser cumulativas. A necessidade de revolução constante através de inovações
tecnológicas permanentes é, portanto, característica específica do modo de produção capitalista.
Citando Gray:
44
Na economia de mercado capitalista, há um poderoso incentivo para as empresas inovarem tecnologicamente e para adotarem as inovações pioneiras dos outros, pois as firmas que insistem em usar tecnologias menos eficientes perdem mercado, têm lucros declinantes e finalmente são fechadas (GRAY apud WOOD, 1995, p.111).
Assim, a lógica de expansão permanente do capital, que submete toda a produção à
necessidade de maximizar os lucros, movida pela acirrada competição, é que torna a inovação
tecnológica componente condicionante para toda a lógica deste modo de produção.
Mas o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo não significa a busca pela
redução do tempo de trabalho para a produção de mercadorias para reduzir, dessa forma, o tempo
de trabalho coletivo. O desenvolvimento das forças produtivas objetiva aumentar o tempo de
trabalho excedente dos produtores, aumentando assim a extração de mais-valia. Essa mais-valia,
que representa a produção de um número maior de mercadorias em um tempo de trabalho igual é
o que Marx denomina mais-valia relativa. O tempo de trabalho excedente dos trabalhadores,
trabalho não pago, produtor de mais valia aumenta, dessa forma, sem que se aumente o tempo
absoluto de trabalho, isto é, o tamanho da jornada.
Reside exatamente na forma de extrair mais valia, com a maior separação entre
produtores e meios de produção da História, o núcleo duro do capitalismo que se mantém
inalterado apesar de todas as mudanças interiores ao modo de produção. As mudanças constantes
não ocorrem para além do capitalismo mas, ao contrário, são inerentes a sua própria dinâmica
interna. Citando Marx:
A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso todas as relações sociais. (...) Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes (1998, 43).
Esse movimento de mudança, dentro do modo de produção, especialmente contundente a
partir da década de 70, não pode ser explicado apenas pelo progresso técnico observado no
período, mas pela forma como o progresso técnico alterou as relações de produção e o modo de
reprodução no interior do sistema, em especial a luta de classes.
[...] relações de classe são o princípio do movimento dentro do modo de produção. A história de um modo de produção é a história do desenvolvimento de suas relações de classe e, em particular, da transformação destas em relações de produção (WOOD, 1995, 920).
45
Não é, portanto, a tecnologia que explica as mudanças recentes do capitalismo, mas a
necessidade de aumentar a extração de mais valia aumentando a produtividade e a troca desigual
e maximizando os lucros, fatores essenciais do capitalismo, que moverão o crescente progresso
técnico e a inovação tecnológica permanente.
1.5 O papel da ideologia
Ianni (1976) chama cultura o conjunto de idéias, valores, princípios e doutrinas que
precisam ser reproduzidas para que as relações capitalistas em escala nacional e internacional se
reproduzam. A burguesia constrói sua ideologia a partir do trabalho intelectual, seja ele material
ou espiritual, base da cultura capitalista. O autor parte do pressuposto de que assim como a
ideologia burguesa influencia e predomina no pensamento das outras classes sociais16, no plano
das relações internacionais a indústria do imperialismo influencia os países periféricos criando
uma cultura do imperialismo e uma cultura da dependência.
Ianni (1976, p.23) parte da premissa marxista de que “toda forma de produção cria as
relações jurídicas e políticas sem as quais ela não pode funcionar.” Logo, mudanças nas bases
materiais de produção modificam a dinâmica de reprodução na sociedade capitalista, gerando
inflexões na sua cultura.
A base da cultura burguesa, intrínseca ao modo de produção capitalista, funda-se no
princípio da propriedade privada, da livre circulação de coisas e pessoas e na transformação das
relações capitalistas em naturais e imutáveis, em leis humanas universais (IANNI,1976, p.24).
Sem prejuízo a essa base, as mudanças no modo de produção capitalista tendem a formar novos
“modos de regulamentação” que em um modo de produção tão instável, vão garantir alguma
coerência e ordem, pelo menos por algum tempo (HARVEY, 1993).
Conseqüentemente, também na esfera cultural/espiritual o capitalismo “estabelece regras
de obsolescência programada de idéias e concepções” (IANNI, 1976, p.26), obsolescência que se
acelera no capitalismo tardio. Ianni dá alguns exemplos de como, segundo os interesses, 16 Idéia que encontra-se desenvolvida no texto. A Ideologia Alemã (2006) de Marx e Engels: “As idéias da classe dominante são também as idéias predominantes em cada época, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é também a força espiritual dominante.
46
sobretudo imperialistas, passa-se rapidamente de uma doutrina a outra como quando os Estados
Unidos foram rapidamente da doutrina da guerra fria à da coexistência pacífica, ou a idéia da
defesa nacional deu lugar à da segurança nacional interna, justificando os regimes militares
ditatoriais na América Latina.
No capitalismo tardio, para a constituição de uma nova organização da produção uma
nova ideologia tem-se estruturado sob o signo de pós-modernidade. Jameson (1996) inicia seu
debate sobre o significado ideológico da pós-modernidade questionando exatamente se existe de
fato tal categoria ou se é, o próprio pós-modernismo, mera mistificação. Para ele:
[...] dotar a cultura pós-moderna de qualquer originalidade histórica equivale a afirmar, implicitamente, que há uma diferença estrutural entre o que se chama, muitas vezes, de sociedade de consumo e momentos anteriores do capitalismo de que esta emergiu (JAMESON,1996, p.80).
Segundo o autor, pode-se dizer que existem quatro posições neste debate, todas elas
suscetíveis tanto a leitura progressista quanto reacionária do ponto de vista político. Podemos
dividir essas posições em dois blocos. O primeiro traz as concepções antimoderna/pró-pós-
moderna e pró-moderna/antipós-moderna. Em comum entre elas a aceitação da idéia de ruptura
entre o momento moderno e pós-moderno, sendo este caracterizado por um novo modo de pensar
e estar no mundo afinado com a tese política de vivenciarmos uma sociedade pós-industrial. No
outro bloco temos as hipóteses que negam a idéia de ruptura questionando a utilidade da
categoria pós-moderno. Pós-moderno torna-se uma expressão da própria modernidade, “uma
mera intensificação dialética do velho impulso modernista de inovação” (JAMESON, 1996,
p.87). Dentro de cada bloco o que diferencia as posições é um julgamento de valor que tenta
classificar como positivo ou negativo esse novo período. Concordamos com Jameson quando
este coloca que: Ao invés de cair na tentação de denunciar a complacência do pós-modernismo como um sintoma final da decadência, ou de saudar as novas formas precursoras de uma nova utopia tecnológica e tecnocrática, parece mais apropriado avaliar a nova produção cultural a partir da hipótese de uma modificação geral da própria cultura, no bojo de uma reestruturação do capitalismo tardio como sistema (JAMESON, 1996, 87).
Ainda para Jameson o traço ideológico fundamental da nossa época é o que chama de
ideologia do mercado, segundo a qual o mercado faria parte da própria natureza humana,
portanto impossível de ser superado. O triunfo da ideologia do mercado tem, para o autor, como
um de seus principais determinantes o fracasso das experiências socialistas do século XX, o
47
chamado socialismo real. Mas o estrondoso crescimento da mídia também é elemento central
para a apologia do mercado.
A reificação do período, transformação das relações sociais em coisas, tem como
característica fundamental o apagamento dos traços de produção e deslocamento do conceito de
produção para a esfera da distribuição e do consumo. Para Jameson isso é fundamental para uma
sociedade fundada no consumismo, que quer esquecer as classes sociais; é preciso que o
consumidor não pense em quem produz as mercadorias para que não se sinta culpado. Diz
Brecht no Romance dos três vinténs (1976): “Os seres humanos naturalmente não podem ser
levados a renunciar às empresas lucrativas, mas são fracos o bastante para tentarem esconderem
alguns resultados delas.”
É nessa mesma perspectiva, de apagamento dos traços da produção com o argumento de
que a sociedade atual seria pós-industrial, que tem se articulado uma teoria, também no campo
ideológico, de que estaríamos vivendo a sociedade do conhecimento. Essa noção se consolida
como referência acadêmica, política e econômica no fim dos anos 1960 como uma alternativa ao
socialismo e ao capitalismo, sendo inicialmente adotada pelos organismos internacionais. O
conceito se apóia numa suposta democratização social pela ampliação do acesso à informação e
ao conhecimento, possibilidade aberta com o avanço da tecnologia. Um de seus alicerces é a
transformação em sinônimos dos termos informação e conhecimento, negando a necessidade de
reflexão necessária para que a informação passe a conhecimento, e que esse conhecimento cada
vez mais está atrelado à produção para valorização do capital.
Com base nessa receita, a ideologia da sociedade da informação/conhecimento se firma na ocultação das relações sociais concretas nas quais esse conhecimento/informação se produz, se processa e se distribui, dissimulando a verdadeira natureza do modelo idealizado e proposto (NEVES ; PRONKO, 2008, p.148).
Mas a ideologia não é única nem absoluta. Seguindo o raciocínio de Lowy (1992), a
ideologia é fruto de seu momento histórico, da realidade em que está inscrita. Essa realidade não
produz uma visão de mundo única, mas uma série de ideologias e utopias17 que em última
análise são produzidas pelas classes e segmentos de classes sociais que compõem a sociedade e
17 Lowy utiliza a distinção de Mannheim entre os conceitos de ideologia e utopia. Ideologia como o conjunto de valores, idéias e concepções a serviço da manutenção, legitimação e reprodução da ordem e utopia, ao contrário, como os valores, idéias e concepções que visam uma outra realidade ainda inexistente.
48
que se enfrentam, contradizem e não podem chegar a um consenso pois se constituem nos
lugares diferentes dentro da produção que as classes ocupam. Nessa contradição é que torna-se
possível forjar uma cultura que afirme um projeto contra-hegemônico de ruptura com a ordem do
capital.
As universidades apresentam-se, nesse sentido, como espaços fundamentais na
construção da cultura burguesa e na sua difusão, bem como de culturas contra hegemônicas, com
maior ou menor espaço e autonomia em cada momento histórico.
No entanto é nos anos de 1990 que Menegat (2009) vai apontar a maior ruptura com a
tradição do pensamento social crítico nas universidades, com avanço da terceira revolução
industrial (ou terceira revolução tecnológica) aprofundando mais ainda as relações de
dependência entre países centrais e periféricos. Nesse contexto, o conhecimento produzido nas
universidades vai, cada vez mais, se mercantilizando e se submetendo às regras de produção e
comercialização de mercadorias. Dois setores da economia passam a dirigir o conhecimento: a
indústria da tecnologia – onde o país se enquadra como mero reprodutor das matrizes, e na
indústria cultural. Nesse último setor cabe às ciências humanas não o papel de produção de
conhecimentos profundos sobre a realidade, mas “servindo antes como técnica de controle social
e gestão da barbárie, ou tão somente como uma tarefa obrigatória e formal para cada um que
pretende ser um produtor de saber e comercializar esse esforço” (MENEGAT, 2009, p.166).
Os professores passam a ser os “produtores e comercializadores” do saber passando a
serem avaliados por sua produtividade como qualquer trabalhador manual do nosso tempo.
Alienado de seu valor de uso, o conhecimento passa a ser valorizado na medida em que é
vendável. Opinião de medalhão (isto é, ‘especialista’) que integra o Clube dos Contentes, que venha ao seu modo dar a sua ‘modesta’ contribuição a esse processo de naturalização da barbárie, que é, aliás, a garantia da continuidade de uma sociedade que desmorona e que se mantém (MENEGAT, 2009, p.168).
49
2 FORMAÇÃO SOCIAL DO BRASIL E A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO ATÉ A DECADA DE 80
O Brasil caracteriza-se no capitalismo mundial pela sua inserção periférica e dependente.
Retomar o debate da formação social, econômica, política e cultural do país significa articular os
elementos que, originários dessa condição, são comuns aos demais países dependentes e os
traços absolutamente particulares do capitalismo nacional que só se explicam na reconstituição e
interpretação de sua trajetória histórica. Nessa trajetória a educação escolarizada sofreu
mudanças em suas características e objetivos, mudanças associadas, sobretudo, ao mundo do
trabalho.
A integração do país no mundo ocidental tem sua colonização como gênese e traz desde
aí suas marcas. Prado Jr. (1994) interpreta esse processo de colonização a partir da sua
totalidade. Rompendo com a naturalização dos acontecimentos históricos, o autor nega a
inexorabilidade na sucessão dos fatos que sucedem o descobrimento. Para Prado Jr.:
(...) a colonização portuguesa na América não é um fato isolado, a aventura sem precedente e sem seguimento de uma determinada nação empreendedora; ou mesmo uma ordem de acontecimentos paralela a outras semelhantes, mas independentes delas (1994, p.20).
Com isso o autor passa a dar uma interpretação materialista à expansão marítima e à
colonização com suas características peculiares, pautada não em sentimentos ou traços
psicológicos abstratos, mas em interesses econômicos e comerciais, num processo que relaciona
o conjunto de nações européias, tendo como condição objetiva o avanço das técnicas e
tecnologias para navegação que possibilitaram a travessia do Atlântico. Quanto ao pioneirismo
português, a explicação materialista e objetiva do autor o imputa à vantagem geográfica de
Portugal, que está no extremo da Península Ibérica.
Para o autor, o que os primeiros navegadores buscavam eram novas rotas para o
comércio com as Índias. A descoberta da América foi um obstáculo para esse objetivo e a idéia
de povoamento não ocorria a nenhum país colonizador num primeiro momento.
Prado Jr. diferencia, na colonização propriamente dita, a trajetória e os objetivos nas
colônias do Norte e do Sul. As colônias do Norte, com clima semelhante à Europa, não
ofereciam produtos que não existissem na metrópole. Essas colônias tiveram, mais tarde já no
50
século XVII, função de povoamento. Isso porque iniciava-se na Inglaterra as protoformas do
capitalismo. A expropriação da terra, expulsando os camponeses, e as guerras político-religiosas
estimularam correntes migratórias para a América do Norte e o clima, pouco interessante para o
comércio, era de fácil adaptação para os colonos.
Já nas colônias do Sul, de clima tropical ou subtropical, os interesses da metrópole são
mais claramente comerciais. A exploração agrária visava à obtenção de produtos que faziam falta
na Europa. O europeu branco migrava para ocupar postos dirigentes e a falta de força de
trabalho exportável de Portugal levou à utilização de força de trabalho escrava nas suas colônias.
Na estrutura de classe no Brasil, a presença dos escravos como a grande massa de força
de trabalho reduziu os espaços de trabalho para as camadas médias de trabalhadores livres,
muitos se tornando agregados das fazendas, dependentes das grandes classes proprietárias, outros
desocupados permanentes das cidades. Não era possível conseguir força de trabalho livre a um
preço compensador, pois os homens livres possuíam condições autônomas de sobrevivência,
enquanto, para gerar lucro, o trabalho nos latifúndios precisava ser superexplorado (KOWARIK,
1994, p.21).
Sem entrar nas razões políticas das colonizações distintas, Holanda (1995) também
percebe que a produção de gêneros agrários nas colônias americanas está vinculada às
necessidades da Europa, o que explica a monocultura de gêneros tipicamente tropicais.
Assim, desde a sua formação, a economia brasileira está voltada para fora do país,
produzindo commodities para o mercado externo.
É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem do interesse daquele comércio que se organizarão a sociedade e a economia brasileira. (PRADO JR.,1994, p.32)
O sistema colonial, sobretudo nas colônias do sul tropical que produziam artigos
inexistentes na Europa para exportação, constituiu “uma das alavancas fundamentais para a
acumulação da burguesia metropolitana” (KOWARICK, 1994, p.20). As colônias foram uma
expressão do mercantilismo, importante para a acumulação primitiva de capital na Europa. Seus
excedentes estavam voltados para esse fim.
A razão da formação capitalista no Brasil ter na dependência heteronômica uma
característica central desde sua origem, está para Fernandes (2006) na tardia passagem para a
51
“ordem social competitiva”, que distingue o capitalismo. A burguesia ascendente, relacionada ao
“setor novo” do comércio de importação e exportação e do setor de serviços, crescentes com a
urbanização, não se constituía consciente de um papel histórico revolucionário, mas “pretendia
uma evolução com a aristocracia agrária e não contra ela” (FERNANDES, 2006, p.221).
Burguesia e aristocracia agrária estavam unidas por interesses comuns. Os setores novos, mais
dinâmicos no processo de modernização do país, ao capitular a ordem escravocrata – senhorial,
adaptando-se a ela, foram “compelido (s) a fechar os olhos diante da relação dependente com o
mercado externo e a ficar com os proventos que lhe cabia(m) no rateio social” (FERNANDES,
2006, p.218). Era o setor do alto comércio, de importações e exportações, o elo com as
influências externas que, sem perceber criticamente as conseqüências, dobrava-se ao
imediatismo da dependência.
Na explicação de Holanda (1995), se anuncia a “revolução passiva” usada posteriormente
por outros autores para explicar as sucessivas mudanças “por cima” que marcam a História do
Brasil. Os rearranjos entre aristocracia tradicional e burguesia nascente que dispensaram
revoluções e rupturas são, segundo Holanda, traços da formação ibérica. A ausência de
feudalismo reduziu as dificuldades para a burguesia mercantil, que “não precisou adotar um
modo de agir e pensar absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os
quais firmasse permanentemente seu domínio” (HOLANDA, 1995, p.36). Foi na aliança entre a
classe burguesa e a aristocracia rural, onde a burguesia assimila princípios da antiga classe
dirigente, que se reconfigura, no Brasil e em Portugal, a classe dominante nas protoformas do
capitalismo.
Fernandes (2006) aponta que a revolução burguesa não é no Brasil acontecimento
histórico, mas processo de desagregação do sistema escravocrata- senhorial e de formação da
sociedade de classes e de uma economia de bases monetárias e capitalistas. Esse processo tem
como marco primordial a Independência.
A mudança do estatuto colonial para o de Estado nacional independente significou,
porém, uma autonomização política que não teve correspondência na autonomização econômica
brasileira. As estruturas econômicas mantiveram-se hegemonizadas pela grande lavoura, pela
escravidão e pela monocultura com traços de heteronomia em relação ao mercado externo que se
perpetuaram sob novas bases. A independência possibilitou aos senhores rurais uma relação com
a exportação dos produtos sem a espoliação da metrópole, com a internalização das fases
52
econômicas. Concomitantemente internalizavam-se os círculos de poder e a dominação, antes
circunscrita às unidades produtivas fechadas e isoladas, ampliava-se nacionalmente forjando
solidariedade e, em certo sentido, unidade entre os senhores rurais. O processo da Independência
possuía dois elementos: um revolucionário que almejava libertar a ordem social, herdada da
sociedade colonial, de suas características heteronômicas para adquirir a autonomia exigida por
uma sociedade nacional e outro contraditoriamente conservador, com o propósito de preservar e
fortalecer uma ordem social que não possuía condições materiais e morais suficientes para
garantir a autonomia necessária para construção de uma sociedade nacional (FERNANDES,
2006).
Forma-se nesse processo um Estado ao mesmo tempo, no seu aspecto jurídico-legal,
pautado pelas idéias liberais e, na prática, instrumento para a generalização do mandonismo
patrimonialista, o que Fernandes (2006) chama de burocratização do domínio patrimonialista.
Ainda que por caminhos diferentes18, já que atribui sempre a características psicológicas e de
caráter os padrões originariamente políticos, econômicos e ideológicos, na interpretação
marxista, Holanda concorda com os efeitos do patrimonialismo e da centralidade da família na
formação brasileira, confundindo-se com o Estado para a formação de uma cultura e de uma
superestrutura particular no Brasil.
A absorção do liberalismo aqui não preencheu os requisitos para a construção de uma
ordem nacional autônoma, mas para o desenvolvimento de uma ordem social heterônoma, com
inserção livre, porém, dependente no mercado externo, legitimando inclusive uma visão passiva
e complacente dessa condição. Apesar do conflito entre o velho, marcado pelo patrimonialismo,
e o novo trazido na ordem legal pelo pensamento liberal, limitando o liberalismo aos estamentos
dominantes, a existência da influência liberal permitiu que pelo menos esse conflito existisse. Os
interesses dos estamentos dominantes eram convertidos em interesses gerais por meio do
18 Holanda supera as análises biológicas e positivistas de Gilberto Freyre, mas acaba por optar por um viés psicologicista e moral, que busca as causas de fenômenos de ordem social, econômica, política e cultural em traços de caráter a partir de tipos ideais de clara influência weberiana. Antonio Candido referenda essa análise no prefácio de Raízes do Brasil, escrito em 1967: “Num momento em que os intérpretes do nosso passado ainda se preocupavam sobretudo com os aspectos de natureza biológica, manifestando, mesmo sob aparência do contrário, a fascinação pela “raça”, herdada dos evolucionistas, Sérgio Buarque de Holanda puxou sua análise para o lado da psicologia e da história social (...)” (CANDIDO apud HOLANDA, 1995, p.20). Mesmo negando a natureza biológica dos fenômenos, a opção pela psicologia exclui outras determinações sociais, abrindo mão das diferenças entre classes sociais, gênero e etc como explicação para ideologias que acabam sendo percebidas como traços de personalidade incorporados de forma homogênea na constituição da identidade do povo.
53
exercício do poder político. Para isso precisavam do aparato militar, administrativo, policial,
jurídico e político, e não privada e localmente, mas na nação como um todo. A contradição é que
positivamente o liberalismo possibilitou a construção de um poder central independente que
concorria com o poder tradicional do modelo patrimonialista, ainda que esse na prática fosse por
vezes hegemônico. Criou-se uma aparente dualidade estrutural entre a ordem legal e a
tradicional. O Estado nacional tinha a função de manter o monopólio do poder nas mãos dos
estamentos dominantes e, ao mesmo tempo, garantir condições econômicas, sociais e culturais
para a formação de uma sociedade nacional, movida a princípio pela ânsia da modernização,
evoluindo para a tentativa de implantação de condições jurídicas, políticas e econômicas para a
construção de uma sociedade competitiva plena. Em nenhum momento exigindo “a defesa
implacável dos direitos do cidadão” (FERNANDES, 2006, p.46).
Schwarz (2008) aponta que o liberalismo como ideologia burguesa fazia parte da
identidade nacional pós-independência no bojo do raciocínio econômico burguês, inevitável já
que a economia do país estava voltada para o comércio internacional. No entanto as idéias, que o
autor chama de “fora do lugar”, chocavam-se com a realidade do país que tinha na escravidão
seu principal regime de trabalho. “Por sua mera presença a escravidão indicava a impropriedade
das idéias liberais” (SCHAWARZ, 2008, p.15). Na tese do autor, a cultura tinha, porém, um
lugar separado da vida econômica não guardando coerência com ela, não sendo a escravidão
“nexo efetivo da vida ideológica” (SCHAWARZ, 2008, p.15). O liberalismo foi interpretado em
nossas terras de forma sui generis, passando a ser instrumentalizado para explicar uma realidade
que nada tinha a ver consigo, ao contrário era seu exato oposto. Foi assim que a universalidade
foi substituída pelo favor nas relações entre os homens livres, tornando-se “nossa mediação
quase universal” (SCHAWARZ, 2008, p.16), e escondendo a natureza violenta da produção
escravista. Em resumo:
[..]as idéias liberais não se podiam praticar, sendo, ao mesmo tempo, indescartáveis. [...] Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas [...] e rancoroso pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distinção (SCHAWARZ, 2008, 26).
Mazzeo (1989), pensando em que superestruturas foram constituídas no Brasil no rastro
de uma formação capitalista com traços particulares marcados pela herança colonialista, inicia
caracterizando a burguesia brasileira como uma classe reacionária e atrelada aos interesses
54
metropolitanos, fruto de uma estrutura de produção historicamente agrária, rudimentar e
estagnizante. Mesmo a independência político-formal do Brasil de Portugal foi obra muito mais
da crise mundial do sistema colonial do que de um ímpeto liberalizante da burguesia local, que
modificasse e desenvolvesse as forças produtivas e relações de produção coloniais. Após a
independência, portanto, quem conduz a formação do Estado nacional é a burguesia latifundiária
brasileira, de acordo com seus interesses anti-democráticos e seus parâmetros ideológicos
conservadores.
O autor atenta também para o traço fundamental da formação política brasileira que são
as permanentes “articulações pelo alto” que excluem a classe trabalhadora dos processos
políticos, substituída por “acordos de cavalheiros” entre frações da burguesia. Nosso processo de
formação capitalista, para Mazzeo, possui especificidades que não permitem enquadrá-lo de
imediato no conceito de “via prussiana” conforme desenvolvido por Lênin. Apesar de
semelhanças com o caso alemão, que dá origem ao conceito, como a acumulação pela
agricultura, a unidade nacional forjada de cima para baixo e a industrialização tardia, o Brasil
carrega a especificidade da colonização levando o autor a chamar seu processo de “via
prussiana-colonial”.19
Em síntese, o autor aponta que o Estado brasileiro é composto de dois aspectos fundantes:
traços de dependência e desenvolvimento tardio, comuns a outras formações nessas
circunstâncias e particularidades oriundas do escravismo e do latifúndio, limitadores para a
formação de uma classe burguesa revolucionária no país.
Formou-se um Estado que sempre primou pela defesa da iniciativa privada, e ao mesmo
tempo contraditoriamente gestou as bases necessárias à construção de uma sociedade nacional.
Por iniciativa privada deve-se entender a perpetuação de uma sociedade de privilégios, nascida
na ordem escravista – senhorial. A natureza do capitalismo brasileiro é marcada por essa
característica. Fernandes (2006, p.223) entende privilégio: “como a faculdade de influenciar ou
de estabelecer as condições dentro das quais as relações e os processos econômicos deveriam ser
adaptados à situação de interesse do agente econômico”. Ou seja, contraditório com a formação
de uma esfera pública num Estado de direito de base liberal, já que as regras se alteram de 19 Behring (2003, p.111) aponta que Coutinho defende a associação do conceito leninista de via-prussiana, mais centrado nos aspectos infra-estruturais, à idéia gramsciana de revolução passiva caracterizada pelo “(...) fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil (...) e a prática do transformismo”, incorporando demandas dos trabalhadores, para explicar a formação brasileira, destacando o momento político de forma mais consistente.
55
acordo com quem as aplica e sobre quem são aplicadas. Esse modelo de iniciativa privada,
chamado por Fernandes (2006, p.224) de rapinante, está no cerne da aliança entre setor agrário e
setor mercantil.
A formação do capitalismo no Brasil se dá de forma latente, isto é, a formação do Estado
nacional cria condições e, mais de que isso, necessidades de dinamizar um setor novo ligado aos
serviços, ao crédito, ao comércio, porém, acomodado à velha aristocracia rural e dominado por
seus interesses. Ao mesmo tempo não era a grande lavoura em si o obstáculo da estagnação
econômica colonial, mas o contexto sócio-econômico que a sufocava. Com a criação do Estado
Nacional “as potencialidades capitalistas da grande lavoura passaram a manifestar-se com
plenitude crescente” (FERNANDES, 2006, p.44) e foram canalizadas para o crescimento
econômico interno, favorecendo a urbanização e a expansão de novas atividades econômicas.
Todo esse processo que se inicia com a independência vai consolidar o capitalismo mercantil
no país. Os excedentes econômicos da grande lavoura que se multiplicam graças ao fim da
espoliação da metrópole, passam a ser empregados no chamado “setor novo”, capitalista, em
ascensão auxiliando na construção de um novo padrão de desenvolvimento. Na interpretação de
Fernandes (2006, p.127):
[...] não foi nem a produção agrícola exportadora, nem a produção manufatureira ou industrial que galvanizou, historicamente, o primeiro surto integrado do capitalismo no Brasil. Essa função foi preenchida pelo complexo comercial, constituído sob as pressões econômicas concomitantes do neocolonialismo, da emancipação política e do desenvolvimento urbano.
Enquanto para Prado Jr. a formação nacional é incompleta pois ainda em meados do século
XX a economia brasileira não tinha “evoluído” de colonial à nacional, para Fernandes a
interpretação traz outras nuances. Porque a Independência coloca a dependência econômica
brasileira sob novas bases, que o autor caracteriza como neocoloniais, qualitativamente
diferentes do período colonial, tese com a qual concordamos.
Em fins do século XIX as pressões do mercado mundial e o próprio desenvolvimento dos
setores capitalistas locais colocam em xeque a utilização da força de trabalho escrava na grande
lavoura dado seu alto custo e sua baixa produtividade. Dentro da produção os custos do sistema
escravista eram maiores, pois o pagamento das despesas do trabalho era adiantado, a rotação do
capital variável era mais rápida que a do fixo, a eficiência do trabalho escravo era menor e a
escravidão bloqueava uma maior divisão sócio-técnica do trabalho bem como sua especialização.
56
Os custos da reprodução e do trabalho de coação e vigilância aos escravos estavam dentro da
produção, encarecendo e tornando inviável sua concorrência com a empresa capitalista. Além
disso, o regime escravista impedia a ampliação do mercado consumidor (MELLO, 1994, p.76).
A situação da escravidão, apesar da sua desvantagem do ponto de vista econômico, só se
mantinha até esse ponto graças a meios extra-econômicos, ou seja, o monopólio do poder
político e o controle do Estado exercido pelos senhores.
Começa a introduzir-se no Brasil, então, o que Fernandes chama de “plantação comercial
típica em regime de trabalho livre” (2006, p.141) caracterizada pela mudança técnica e política
dos meios de dominação e organização patrimonialista da produção, iniciada, sobretudo, nas
fazendas paulistas de café. Esse processo, contudo, ocorre mais uma vez excluindo os
trabalhadores e evitando rupturas políticas e convulsões sociais. O escravo é liberto e colocado a
sua própria sorte sem preocupação com seu destino, ao mesmo tempo em que eram garantidas
condições favoráveis aos proprietários das grandes lavouras nessa transição.
Com a escravidão tornando-se inviável econômica e politicamente, a empresa cafeeira,
hegemônica no período, necessita de nova fonte de abundante força de trabalho. Mas ao invés de
buscar força de trabalho no país, prefere importar trabalhadores europeus, tão empobrecidos e
expropriados que concordam em vender sua força de trabalho a preços aviltantes20. Submetidos a
processos de coação que os obrigavam a manter os contratos de trabalho que o imobilizavam nas
fazendas, como as dívidas de viagem, os imigrantes se submetiam nas grandes propriedades a
condições de trabalho semelhantes a dos escravos, condições que os trabalhadores livres locais
recusavam-se a aceitar, num regime conhecido como parceria. “Prevalecia um sistema que, na
prática, nada mais era do que um regime de escravidão disfarçada” (KOWARICK, 1994, p.69).
Segundo o autor, outro marco importante na formação dessa nova força de trabalho no
Brasil foi a Lei de Terras de 1850, que impediu o acesso dos trabalhadores a terra. Enquanto o
trabalho era escravo as terras valiam pouco, pois os escravos eram a maior fonte de riqueza.
Martins (1979, p.32 apud KOWARICK, 1994, p.76) afirma que “num regime de terras livres, o
trabalho tinha que ser cativo: num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa.”
20 Meszaros (2002, p 102) afirma que para se tornar o mais dinâmico e competente extrator de trabalho excedente da História o capital precisa se livrar das possibilidades subjetivas e objetivas de auto-suficiência dos trabalhadores. Com essa liberação o ganho histórico na produtividade do trabalho é inegável. O trabalhador livre brasileiro ainda não encontrava-se nessa condição de total falta de condições de subsistência fora a venda de sua força de trabalho. Ainda.
57
Assinada no mesmo ano da Lei que acabava com o tráfico de escravos para o Brasil, essas
medidas preparavam a generalização do trabalho livre, obrigando os trabalhadores expropriados
de condições mínimas para sua subsistência de trabalhar por baixos salários para os
proprietários.
Acontece no Brasil uma contradição apontada por Harvey (2005b) na formação do
capitalismo quando, ao mesmo tempo em que o sistema necessita da mobilidade dos
trabalhadores para seu desenvolvimento, os capitalistas individuais preferem uma força de
trabalho estável e confiável, coagida através de mecanismos extra-econômicos com o apoio do
Estado. É na transição do regime de escravidão para o trabalho livre que o Estado no Brasil
interfere pela primeira vez para a constituição de um mercado de trabalho.
Esse processo é, para Fernandes (2006, p.264) a passagem da fase de eclosão do mercado
capitalista moderno, iniciado desde a Abertura dos Portos e do processo de Independência para a
fase de formação e consolidação do capitalismo competitivo, que caracteriza-se pela
consolidação da economia urbano-comercial associado a primeira transição industrial
importante, na perspectiva do autor, fase que vai até a década de 50 do século XX. O
desenvolvimento do capitalismo local necessitava da formação de um mercado livre de trabalho
para avançar e esse é o marco do capitalismo competitivo no país.
A transição do mercado capitalista neocolonial para o mercado capitalista competitivo no
Brasil se estende de fins do século XIX, com o fim da escravidão até a década de 30, marcada
pela crise capitalista de 29 e pela Revolução de 30. Nesse período, o capitalismo mercantil chega
a um ponto de concentração que o leva a tornar-se capitalismo industrial. Em parte pela
influência do capital dos países centrais que, caminhando para a monopolização, necessitavam
ampliar sua influência do intercâmbio comercial para a totalidade dos processos de
desenvolvimento econômico nos países periféricos. O desenvolvimento econômico é, portanto,
induzido de fora não permitindo que sejam rompidos os laços de dependência com o exterior,
pelo contrário aprofundando-os. O desenvolvimento do setor “moderno”, urbano, capitalista da
economia não significava a superação da dualidade - aparente - entre o arcaico e o moderno,
expresso na dicotomia, sobretudo, entre as relações no campo e na cidade. Eram exatamente
desses setores “atrasados” que se originavam os excedentes que alimentavam as classes
dominantes locais e as economias centrais, “portanto, suprimir a articulação inerente à
58
superposição da economia urbano-comercial e da economia agrária seria o mesmo que matar a
galinha dos ovos de ouro” (FERNANDES, 2006, p.278).
É no campo, na organização e nas relações de produção arcaicas que se opera a acumulação
primitiva no Brasil, baseada em um enorme contingente de força de trabalho, na oferta elástica
de terra e na construção de uma infraestrutrura de transporte pelo Estado. Não se dava a
expropriação de propriedades dos camponeses, como na Europa, mas a expropriação dos
excedentes produzidos na posse transitória da terra, sem necessidade de nenhuma ou quase
nenhuma capitalização prévia. Oliveira (2003, p.43) defende ainda que em certas condições,
sobretudo no capitalismo das periferias, a acumulação primitiva não ocorre apenas nos
primórdios da sua formação, nas suas palavras “a acumulação primitiva é estrutural e não apenas
genética”. Isso torna o subdesenvolvimento “uma forma de exceção permanente do sistema
capitalista na sua periferia” (OLIVEIRA, 2003, p.131).
Nesse sentido a dependência é inibidora do desenvolvimento capitalista local. Ela induzia
avanços econômicos nos limites estruturais de um capitalismo periférico sob a égide da
dominação do imperialismo em plena ascensão.
Oliveira (2003), concordando com a tese de Fernandes (2006), vai criticar os modelos
interpretativos que atribuem a superação do subdesenvolvimento à suplantação dos setores
atrasados pelos modernos da economia. Para Oliveira no processo real o “chamado ‘moderno’
cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’” (2003, p.32) numa unidade de contrários. Em
síntese: A originalidade consistiria talvez em dizer que (...) a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera a força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo (OLIVEIRA,2003, p.60).
Assim, a situação de subdesenvolvimento em relação aos países centrais não é uma
circunstância histórica, mas parte da formação capitalista pautada na divisão internacional do
trabalho. Nesse sentido o que há não é uma oposição entre as nações, mas um arranjo entre as
classes dominantes do centro e da periferia para dividirem entre si os excedentes do trabalho
total. O subdesenvolvimento não está relacionado a uma “evolução truncada”, num sentido
etapista ou evolucionista, mas a um determinado lugar na divisão internacional do trabalho
59
indutor de dependência e um arranjo particular na articulação dos interesses internos
(OLIVEIRA, 2003, p.127).
A industrialização que começa a caminhar, desenrolando-se nos anos 30 do século XX tem
como eixo o comércio com o mercado mundial nos limites de uma economia neocolonial que se
materializava na conjunção dos interesses da burguesia local, como sócia minoritária, e da
burguesia externa.
Tudo isso sob a dominação política burguesa, que mantinha os traços do mandonismo
patrimonialista, com novas roupagens, formando um Estado que só era democrático
formalmente21, com procedimentos na prática denominados por Fernandes (2006) de
“autocráticos”. A fragilidade na participação dos segmentos trabalhadores na vida econômica,
social e política é herdada da ordem escravista-senhorial. Mesmo com o estabelecimento de um
mercado de trabalho livre o trabalho continuou a ser identificado como a “mercantilização das
pessoas”. Essa condição, que era incorporada também pela força de trabalho, atrasou a formação
da classe trabalhadora no Brasil e o despertar de sua consciência, pois gerava uma negação da
legitimidade do conflito e da competição nas relações contratuais de trabalho. As vinculações do
trabalho livre reproduziam a lógica do trabalho escravo, ultrapassando as relações de mercado,
“perpetuando o tradicionalismo e o patrimonialismo através da secularização da cultura”
(OLIVEIRA, 2003, p.230) A presença dos imigrantes, com tradição sindical nos seus países de
origem, foi elemento importante na reeducação da classe trabalhadora nacional para a
constituição de mecanismos de organização e solidariedade de classe que questionassem “o
controle conservador e o poder autocrático das elites das classes dominantes como fio condutor
da história” (OLIVEIRA, 2003, p.231).
A partir de 193022, vai chegando ao fim a hegemonia agrário-exportadora e iniciando a
predominância do modelo de base urbano-industrial exatamente por meio da indução de fora,
com a importação de capital fixo, modelo conhecido como industrialização por substituição23.
21 Segundo Holanda (2008, p.160). A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. 22 No inicio da passagem ao capitalismo tardio de Mandel (1982) ou à fase monopolista de hegemonia norte-americana segundo a divisão de Harvey (2003). 23 “A crise cambial encarece os bens até então importados e, no limite, a não-disponibilidade de divisas e a Segunda Guerra Mundial impedem, até do ponto de vista físico, o acesso aos bens importados; isso dá lugar a uma demanda contida ou insatisfeita que será o horizonte de mercado estável e seguro para os empresários industriais que, sem
60
Dentro da divisão internacional do trabalho, porém, o papel das periferias continuava a ser a
produção de matéria prima e produtos agrícolas para o centro, que, no pós-guerra, dedicou-se a
reconstruir as economias industrializadas perdedoras, contra a ameaça do socialismo
(OLIVEIRA, 2003).
No Brasil, a produção inicialmente se concentra em bens de consumo não-duráveis,
destinados ao consumo das classes populares, mas desemboca num “processo concentracionista”
de fabricação de bens de consumo duráveis o que:
não se deve a nenhum fetiche ou natureza dos bens, (...), mas à redefinição das relações capital-trabalho, à enorme ampliação do ‘exército industrial de reserva’, ao aumento da taxa de exploração, às velocidades diferenciais de crescimento de salários e produtividade que reforçaram a acumulação. Assim, foram as necessidades da acumulação e não as do consumo que orientaram o processo de industrialização (OLIVEIRA, 2003, p.50).
Além disso, o Estado brasileiro, para criar bases para a acumulação capitalista industrial,
estimula esse setor investindo em infraestrutura, dando subsídios cambiais para baixar o preço
das importações de capital fixo, ampliando o crédito, transferindo recursos do fundo público, ao
mesmo tempo em que impôs um confisco cambial ao café, desestimulando a economia agrária.
A agricultura cumpre um novo papel. Cabe a ela não obstaculizar o desenvolvimento industrial
fornecendo alimentação às massas urbanas a baixo custo (OLIVEIRA, 2003).
Esse novo tratamento dado à agricultura ao mesmo tempo discriminatório e confiscatório,
foi compensado em certa medida pela possibilidade que o crescimento industrial deu para as
atividades agropecuárias manterem um padrão atrasado de produção baseado na alta taxa de
exploração da força de trabalho, reforçando seu papel na acumulação (OLIVEIRA, 2003, p.45).
A agricultura atrasada financiava a agricultura moderna e a industrialização.
Outro importante papel exercido pelo Estado foi a construção de empresas públicas ou
semi-públicas como a Petrobrás e a CSN em Volta Redonda. Ao contrário da infraestrutura
necessária para um mercado capitalista de traços hegemonicamente mercantis, as necessidades
de infraestrutura para um sistema de produção industrial não poderiam ser supridas pela
ameaça de competição, podem produzir e vender produtos de qualidade mais baixa que os importados a preços mais elevados” (OLIVEIRA, 2003, p. 48). Para o autor esse fator é superestimado nas análises da industrialização no Brasil.
61
iniciativa privada, seja estrangeira ou local, ficando essa função a cargo do Estado24
(FERNANDES, 2006, p.287).
Afirma-se com isso um novo modo de acumulação, onde o Estado brasileiro atua como
planificador, ampliando suas funções, induzindo e regulando um novo modelo econômico
(Oliveira, 2003, p.40).
Nesse contexto, começam a se regulamentar os fatores da produção. Uma das mais
importantes regulamentações é a da relação capital/trabalho com a legislação trabalhista. Assim,
o Estado brasileiro institucionalizava o mercado de trabalho livre transformando a população que
imigrava dos campos em exército industrial de reserva, igualava por baixo o preço da força de
trabalho, rebaixando os salários de trabalhadores especializados e expulsava, com isso, os custos
de reprodução da força de trabalho de dentro das empresas através da instituição do salário
mínimo. A regulamentação do trabalho é estruturante na industrialização brasileira, pois é das
novas relações entre capital e trabalho pós-escravismo que irão se recriar as fontes internas de
acumulação.
Oliveira (2003) defende que no Brasil a estrutura de emprego, com participação
significativa do setor terciário, não é contraditória com acumulação capitalista. Os serviços
foram necessários no crescimento das cidades, como suporte à industrialização, realizados a base
de somente força de trabalho, remunerada com salários baixíssimos. Barbosa (2008, p.288)
também atenta para que esse suposto “terciário inchado” é na prática uma força de trabalho a
serviço do capital tanto para responder à lógica truncada de reprodução de força de trabalho, bem
como reserva permanente para as necessidades do capital em momentos de expansão. Assim,
esse setor informal, historicamente associado aos serviços “não resultaria de uma deficiência do
capitalismo nos trópicos, indicando, ao contrário, o caráter segmentado e não-universalizante da
sua expansão, comandado pelos interesses econômicos e pelo Estado particularista”
(BARBOSA,2008, p.289).
É a intensa exploração da força de trabalho e a presença dos serviços de características
não-capitalísticas, uma das bases de apoio à industrialização tardia brasileira. Por ser tardia, essa
industrialização queima etapas, “entre as quais a mais importante é não precisar que o preço da
força de trabalho se torne suficientemente alto para induzir transformações tecnológicas que 24 Numa função de Estado classificada por Mandel (1982) como a de assegurar os requisitos para a produção, idéia já desenvolvida no primeiro capítulo desse trabalho.
62
economizam trabalho” (BARBOSA 2008, p.67). Na combinação entre a massificação da força
de trabalho urbana, com baixos custos de reprodução gerados pelo modelo agropecuário
implementado e pelo aumento dos serviços, com o crescimento da produtividade industrial,
especialmente com o giro para a produção de bens de consumo duráveis, é que surge tanto a
enorme acumulação industrial ulterior como, ao mesmo tempo, a tendência à concentração de
renda.
Mello (1994, p.17) vai afirmar, como sua tese central, que “a industrialização latino-
americana é problemática porque periférica.” Esse período de industrialização da periferia que o
autor chama de “etapa do desenvolvimento para dentro” carrega os traços da desigualdade do
desenvolvimento mundial que refletem-se no descompasso entre as técnicas produtivas
avançadas do centro e na periferia, a falta de capacidade de poupança, a relativa fragilidade da
demanda e a falta de indústrias de bens de capital que possam absorver a força de trabalho,
evitando o desemprego estrutural.
Para Mello (1994, p.18) a industrialização da periferia encontra na fragilidade da
demanda, isto é na falta de desenvolvimento do mercado interno, um de seus empecilhos. Apesar
da magnitude numérica da população das periferias, as debilidades de demanda, conseqüências
da baixa renda gerada pelas trocas historicamente desiguais com o centro, fazem com que não
haja vantagens, nem capital, para o emprego de novas técnicas que gerem uma produção em
massa.
Da década de 50 em diante, o Brasil passa do capitalismo competitivo ao capitalismo
monopolista. Para Fernandes (2006, p.294) essa transição é muito mais complexa do que a
instauração do capitalismo competitivo em nações periféricas recém egressas de situações
neocoloniais. Isso porque a monopolização requisitava: altos índices demográficos
generalizados; alta renda per capita ao menos em setores médios e altos da população para
aumentar os padrões de consumo; um mercado interno diferenciado, denso e integrado; capital
excedente que pudesse imigrar para o mercado financeiro para fazer crescer o crédito ao
consumo e à produção; modernização tecnológica e estabilidade política através do controle
efetivo do Estado pela burguesia local, condições que apenas algumas nações periféricas
alcançavam. Para o resto da periferia, onde o Brasil incluía-se, a estratégia do capital
monopolista foi instalar-se através das grandes corporações assumindo significativamente o
controle da exploração e da comercialização internacional de matérias-primas, das atividades
63
financeiras e da produção industrial para consumo interno. As estruturas herdadas do período
neocolonial eram vantajosas para as corporações pela falta de mecanismos defensivos à
incorporação de suas economias. As corporações já estavam antes no país, contudo sua
influência diluía-se no padrão competitivo, ainda que contribuíssem para a transição ao
capitalismo monopolista nos países centrais, por meio de excedentes drenados para essas
economias.
Passa-se a observar “uma forma de incorporação devastadora da periferia às nações
hegemônicas e centrais, que não encontra paralelos nem na história colonial e neocolonial do
mundo moderno, nem na história do capitalismo competitivo” (FERNANDES, 2006, p.296) A
periferia torna-se um atrativo mercado para a expansão do capitalismo pós-II Guerra Mundial e
as corporações passam a disputar esse espaço “gerando o que se poderia descrever, com
propriedade, como a segunda partilha do mundo” (FERNANDES, 2006, p.296).
Do ponto de vista político a ameaça do socialismo, levada a cabo em países como Cuba e
a Iugoslávia, tornava necessário um reforço no controle da periferia, fundamental para a
expansão do capital, seja como fonte de matérias-primas seja como espaço para a expansão dos
mercados.
Por isso mesmo, com a pressão das corporações, os governos dos países centrais junto
com organizações internacionais ligadas à comunidade de negócios passam a desenvolver
projetos econômicos, financeiros, tecnológicos, de assistência, e voltados para educação,
sindicatos, saúde, militares entre outros, com o objetivo de reforçar o poder de decisão e controle
das burguesias “associadas” ao capitalismo central.
O primeiro momento dessa fase no Brasil relaciona-se com o governo Kubitschek e o
segundo aos governos militares pós-64. No primeiro momento as corporações apenas
beneficiavam-se da falta de autodefesa, ou seja, de mecanismos de controle econômico e político
(OLIVEIRA, 2003).
No período Kubitschek, a conjuntura internacional pouco vantajosa reduziu as
movimentações financeiras entre governos fazendo crescer o endividamento externo privado que
se beneficiava de uma estrutura fiscal primitiva e regressiva (OLIVEIRA, 2003, p.72). A corrida
por industrialização do período fundamentou-se na compra de tecnologia ao capital estrangeiro
pelo Estado. Essa incorporação de capital fixo, ainda que obsoleto para os padrões dos países
centrais, foi decisiva no crescimento da economia, já que a pífia acumulação primitiva interna
64
não seria capaz de suprir essa necessidade. Essa tecnologia, porém, não era transferida às
empresas nacionais pela intermediação do Estado. “Inclusive as políticas científica e tecnológica
de instituições como as universidades eram completamente desligadas da problemática mais
imediata da acumulação de capital” (OLIVEIRA, 2003, p.77). Ou seja, o empresariado nacional
não enxergava no Estado essa função, não exercendo pressão nesse sentido.
A política econômica foi elaborada deliberadamente a partir das possibilidades internas
para o crescimento. Um crescimento que não alterou, pelo contrário, a desigual distribuição de
renda e a concentração do poder político.
O aumento da exploração da força de trabalho foi o outro flanco que gerou os excedentes
para a acumulação, ao aumentar a relação da produtividade com os salários reais, tendência que
só se alterou nos momentos de ascenso da organização trabalhadora como em 1961, no período
do governo Goulart (OLIVEIRA, 2003, p.78). Outro elemento, que rebaixava a capacidade de
compra dos salários sem a necessidade de que essas reduções fossem nominais, era o avanço da
urbanização, da industrialização e da mercantilização da sociedade, que aumentava as
necessidades sociais e, portanto, os custos da reprodução da força de trabalho e reduzia as
possibilidades de subsistência por outros meios, o que não era coberto pelos salários. Para
Oliveira (2003) é dessa pauperização concreta da classe trabalhadora urbana, que tinha seu
potencial de consumo relativamente reduzido quando comparado aos avanços da
industrialização, que se originam os fatores de conflito que desembocarão na crise de 64.
Fernandes (2006, p.375) afirma que a situação não chegava a patamares pré-
revolucionários anti-burgueses, mas era potencialmente pré-revolucionária. Ainda que os
conflitos não colocassem em risco o domínio burguês, suas divisões internas e a situação
efervescente da luta de classes restringiam a eficácia da dominação burguesa, que não encontrava
solução rápida e superação definitiva.
O autor atribui o êxito da saída autocrática a: características demográficas, econômicas e
sociais que tornavam possível uma nova onda de industrialização com a colaboração externa; a
assistência econômica, técnica e política dos países capitalistas centrais e dos organismos
internacionais, chamados por ele de “comunidade internacional de negócios”; a identificação das
Forças Armadas com os objetivos e interesses burgueses e sua atuação na rearticulação da
dominação burguesa; e a ambigüidade e fraqueza dos movimentos reformistas e socialistas
revolucionários com pouca irradiação na classe operária mais baixa. A partir daí a solidariedade
65
de classe da burguesia deixa de ser democrática ou autoritária passando abertamente a ser
totalitária e contra-revolucionária, forjando uma “ditadura de classe preventiva” (FERNANDES,
2006, p.368).
Nesse segundo momento de consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, a
política econômica unificava governo e empresários, abrindo o espaço necessário à consolidação
desse novo padrão de desenvolvimento. As transformações necessárias para essa transição no
mercado e na produção são profundas e nocivas a vários grupos e classes sociais de forma que
“ela se torna impraticável sem um apoio interno decidido e decisivo, fundado na base de poder
real das classes possuidoras, dos estratos empresariais mais influentes e do Estado”
(FERNANDES, 2006, p.302).
A exclusão histórica da classe trabalhadora brasileira de todos os processos sociais,
culturais e políticos sempre tornou o Estado nacional instrumento monopolizado pela burguesia.
Na transição ao capitalismo monopolista essa monopolização tornava-se ainda mais aguda e
necessária. O padrão de desenvolvimento econômico, racional e modernizador dissocia-se,
então, do padrão de desenvolvimento político, que “atrelou o Estado nacional não a clássica
democracia burguesa, mas a uma versão tecnocrática da democracia restrita, a qual se poderia
qualificar [...] como uma autocracia burguesa” (FERNANDES,2006, p.313).
Esse modelo político altamente repressivo, que limitava os espaços de participação legal
às elites da classe dominante defensoras do regime, tinha um elemento econômico. Os
trabalhadores também foram vítimas de processos de expropriação, para gerar novas fontes de
acumulação primitiva, relacionados à depressão de salários e alta dos preços. O regime
autocrático atuava “transferindo para a esfera da segurança nacional os comportamentos
coletivos de autodefesa econômica das massas trabalhadoras” (FERNANDES, 2006, p.322).
Esse novo padrão de capitalismo também não rompe, nem pode romper, com a lógica de
convívio de múltiplas formas econômicas extra-capitalistas e capitalistas arcaicas herdadas de
épocas anteriores. Isso porque, nas periferias, essas continuam sendo as fontes principais da
acumulação primitiva que sustentam a modernização econômica, tecnológica e político-
institucional.
Mas o legado deixado pelo regime militar é a construção de um novo país, que mantém a
heteronomia, a exclusão e as soluções pelo alto, mas concretiza a modernização conservadora
66
através de um Estado refuncionalizado, consolidando, nos termos de Gramsci, um perfil
ocidental ao menos no plano econômico (BEHRING, 2003).
Conseqüência dos novos arranjos entre Estado, capital privado nacional e capital
transnacional, onde as medidas ainda mais repressivas pós-68, notadamente o Ato Institucional
nº 5 (AI-5), tiveram papel central na contenção dos movimentos contestatórios e no
aprofundamento da exploração do trabalho, a década de 70 no Brasil é o momento do “milagre
econômico”. As concessões do Estado ao capital privado nacional e estrangeiro promoveram
concentração e centralização, consolidaram um padrão de industrialização voltado para as elites
nacionais e para a demanda exterior, viabilizando o processo de modernização conservadora25.
Superando a crise de 1961-1967, a partir de 1968 o Brasil passa a uma fase de recuperação e
expansão da sua economia. O desenvolvimento se dava às custas da privatização dos fundos
públicos e do endividamento externo e representou mudanças significativas na estrutura
produtiva, na formação do mercado de trabalho e na infra-estrutura urbana. Contudo seu saldo
foi a ampliação da concentração de renda, a pauperização da maioria da população e a
precarização das suas condições de vida e trabalho (MOTA, 2008, p.60).
Para Ianni (1976) o “milagre” brasileiro, financiado pelo capital norte-americano, teve
também um papel ideológico. Se o “milagre” japonês foi apresentado como alternativa à China
socialista na década de 1960 e o “milagre” alemão como resposta a Alemanha socialista pós-
muro na década de 1950, o “milagre” brasileiro era a propaganda do bem sucedido modelo de
desenvolvimento capitalista associado como alternativa ao socialismo cubano e chileno26.
As crises do petróleo dos anos 70, catalisadores da crise do capital já analisada no
capítulo anterior, exigiram ajustes na política nacional. A tentativa do governo Geisel foi
desenvolver o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que dava ênfase no
desenvolvimento da indústria de base e de bens de capital. O Plano fracassou graças à disputa de
interesses dos grupos nacionais e multinacionais e aos elementos externos de crise. A política 25 Behring (2003, p.107) baseada em Moore Jr., caracteriza a modernização conservadora como “uma aliança entre a classe comercial e industrial demasiado fraca e dependente para tomar o poder, com a aristocracia proprietária de terras e a burocracia estatal, configurando um governo conservador e autoritário [...]. O Estado é um instrumento de reforma e motor da industrialização, além de manter os operários e camponeses no seu lugar, seja pela força, seja com políticas sociais.” 26 Não cabe aqui uma análise do governo Allende mas há de se ressaltar as diferenças entre Cuba, que passou por uma revolução em fins da década de 1950 e o processo chileno, uma vitória eleitoral da Frente Popular. Ainda que ambos fossem bastante incômodos aos EUA é questionável se, como afirmado por Ianni, o Chile chegou a viver um regime socialista.
67
nacional de então dependia do crédito internacional, obtido por meio de renegociações da dívida.
Esse endividamento externo, que se apresentava como ‘solução’ para os problemas econômicos
do período, abriu as portas para a financeirização da economia brasileira (Oliveira, 2003, p.132).
Essa política é a base geradora da crise dos anos 80, com a suspensão do crédito
internacional em 1983, que obrigou o país a exportar capital para pagar suas exorbitantes
dívidas27. Passamos do “milagre econômico” de 1970 à “década perdida”28 de 1980,
caracterizada pelas baixas taxas de crescimento do PIB, compressão dos salários e mais
concentração de renda. Assim como os demais países latino-americanos o Brasil transformou-se
num “pobre provedor de capital para os centros hegemônicos” (OLIVEIRA, 2003, p.69). Ao
mesmo tempo, despontavam os movimentos políticos, sobretudo relacionados ao novo
sindicalismo do ABC, o que iria minar de vez os alicerces do regime político dos militares
(OLIVEIRA, 2003, p.62).
O processo de transição do regime militar para a democracia burguesa, assim como todas
as transições anteriores no país desde a Independência, foi novamente controlado pelas elites
para evitar saídas populares radicais, uma transição chamada “conservadora sem ousadias e
turbulências” por Fernandes (apud BEHRING, 2003, p.130).
Para Mota (2008) as soluções para a crise que eclodiu da década de 80, que são as raízes
do Consenso de Washington, sofreram inflexões na segunda metade da década de 1980. Isso
porque a lógica de ajuste automático fracassou, o que não foi diferente no caso brasileiro. O
discurso da crise como um fato que afetava indiferenciadamente o conjunto da sociedade, abriu
as possibilidades para construção de um pacto social entre trabalhadores, empresários e Estado,
baseado numa “cultura indiferenciada entre trabalhadores e empresários acerca do enfrentamento
da crise no Brasil” (MOTA, 2008, p.83). As reivindicações dos trabalhadores por melhores
condições de vida e trabalho foram insuficientes para gerar uma cultura própria e uma frente de
peso.
No entanto, o processo de ascenso dos movimentos sociais, repercutindo o novo
sindicalismo e as lutas pela reabertura democrática no país, forjaram uma Constituição em 1988,
27 Processo conhecido como crise da dívida que afetou não só o Brasil, mas o conjunto da América Latina. Fizemos referência a ele no primeiro capítulo desse trabalho. 28 Década perdida do ponto de vista econômico mas de grande ascenso dos movimentos sociais na luta por direitos e democracia.
68
anacrônica para a reação burguesa no plano internacional em curso, mas “em alguns aspectos
embebida da estratégia social-democrata e do espírito ‘welfariano’”(BEHING, 2003, p.129). O
texto refletia a disputa de projetos hegemônicos avançando em aspectos como os direitos sociais,
humanos e políticos mas mantendo, por outro lado traços conservadores, somando o novo e o
velho, tão ao gosto da lógica nacional. “Uma Constituição programática e eclética, que em
muitas ocasiões foi deixada ao sabor das legislações complementares” (BEHRING, 2003, p.143).
Na porta de entrada para os anos 1990, período de profundas contra-reformas e ataques
aos trabalhadores, como veremos nas próximas seções, ainda se vê uma nova tentativa de
resistência à dominação burguesa expressa nas eleições de 1989, quando uma candidatura
representante dos interesses dos “de baixo” chega perto da presidência da república. Collor de
Melo, apesar de vitorioso, “não representava a vontade política efetiva da burguesia brasileira,
como demonstram os fatos ulteriores que resultaram no seu impeachment em 1992” (BEHRING,
2003, p.113).
Em 1990 o Banco Mundial prescreve um “novo consenso” que afirma não ser possível
que o ajuste econômico dê certo sem “reformas” estruturais. Essas “reformas” estruturais têm
seu discurso baseado no tratamento e amenização da pobreza através de políticas focalizadas
associadas à desregulamentação do mercado, a privatização do setor público e a redução do
Estado, no que tange ao atendimento das demandas dos trabalhadores.
Resolvida a crise política que gerou o impechment de 1992, a burguesia brasileira pode
retomar seu projeto de hegemonia, adaptado a posição dependente do país no capitalismo
internacional, preparando um novo período de ataques a classe trabalhadora que vai se
consolidar com o Plano Real e a eleição de Cardoso em 199429.
2.1 A trajetória da educação no Brasil: surgimento e consolidação do ensino superior
29 Daremos destaque ao governo Cardoso bem como ao governo Lula em seções posteriores desse trabalho.
69
No século XIX, com a chegada da corte portuguesa no Brasil, criam-se os primeiros
cursos superiores não-religiosos30. Seu propósito central era a educação das camadas
dominantes, ficando os outros níveis de ensino abandonados. Contraditoriamente, o ensino
superior lança, ainda que lentamente, a base das mudanças de ideologia que se manifestarão no
período seguinte, introduzindo as idéias que vigoravam entre a burguesia européia de então.
Com a independência política e a ascensão do “setor novo” urbano, cresce a demanda por
educação. A educação torna-se um importante fator de ascensão social; o status do título de
doutor concorria com os títulos de propriedade de terras. A educação, contudo, permanecia
hegemonicamente relacionada à ideologia das elites rurais, chocando-se com o liberalismo, que
emergia como a ideologia a qual se filiaria a burguesia ascendente no Brasil31. Os formados no
ensino superior passam a assumir os cargos administrativos e políticos relacionados à máquina
estatal.
A divisão dual do ensino, existente desde a colônia, se perpetua: as escolas secundárias e
o ensino superior destinando-se às classes dominantes e o ensino básico e profissional à classe
trabalhadora. Porém, a urbanização e a industrialização que começam a emergir com mais força
a partir da década de 1930, colocam novas demandas para a educação escolarizada. Até esse
momento a educação disponível era suficiente para as baixas exigências do modelo econômico
existente. Cresce a necessidade de força de trabalho para os setores secundários e terciários da
economia.
O capitalismo industrial necessita massificar o conhecimento tanto pelas necessidades da
produção como pelas novas necessidades de consumo. No Brasil, essa necessidade se faz sentir
com enorme atraso frente aos países centrais e de forma desigual no próprio território nacional,
já que a urbanização e as conseqüentes demandas educacionais só se manifestam em alguns
centros urbanos.
A expansão educacional se dá, todavia, mais como resposta às pressões exercidas pelo
capital e pelos trabalhadores ao Estado por mais capacitação, do que como uma política nacional
planejada. Por essas razões a expansão do ensino foi insatisfatória tanto quantitativa quanto
30 Destaca-se a criação dos cursos médico-cirúrgicos no Rio de Janeiro e na Bahia, as Faculdades de Direito de São Paulo e de Recife , as Academias Militares, e a Academia de Desenho, Escultura, Pintura e Arquitetura, criada pela Missão Francesa, posteriormente Escola de Belas Artes. Todos datam das duas primeiras décadas do século XIX (ROMANELLI, 2009, p.38). 31 Com todas as contradições já apontadas nesse trabalho.
70
qualitativamente. Mantém-se o mesmo modelo de escola de traços aristocráticos e a divisão dual
entre o ensino para a elite e os trabalhadores também não é superada, conservando uma educação
superior insuficiente (ROMANELLI, 2008, p.61).
O ensino superior, apesar de existir no Brasil desde o início do século XIX, só passa a ser
organizado em universidades a partir de 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro.
Entretanto, apenas em 1931 cria-se o Estatuto das Universidades Brasileiras, sendo a
Universidade de São Paulo a primeira criada e organizada sob essas normas em 1934. As três
universidades existentes até então, no Rio, no Paraná e em Minas Gerais, eram apenas a
agregação de cursos anteriormente autônomos (ROMANELLI, 2008, p.132). O Brasil torna-se o
último país da América a criar ensino superior universitário. Nesta altura no continente já havia
mais de 100 instituições desse tipo, surgidas desde o século XVI (ORSO, 2007, p.44).
Segundo Orso (2007), o atraso na formação do ensino superior no Brasil não se deu nem
devido à inexistência de projetos, nem às dificuldades financeiras. Desde a Colônia e com mais
força no Império a idéia da criação de universidades estava presente. Chocavam-se, porém, os
modelos propostos: coimbrão e napoleônico pelo governo, mais centralizadores, e germânico
pelos liberais, apoiado na autonomia, liberdade de pensamento e ensino livre. A formação da
Universidade de São Paulo (USP) veio no bojo da Revolução de 30, regida pelos liberais que
“defendiam a educação superior como sendo a principal força inovadora da sociedade” (ORSO,
2007, p.53).
O Estatuto das Universidades Brasileiras instituiu o regime universitário no Brasil. Seus
objetivos, na prática, são a investigação científica e o preparo para o exercício profissional
“mas, apesar de ambos constarem da declaração de princípio da legislação, a Universidade
brasileira vem perseguindo, desde sua criação, apenas os objetivos ligados à formação
profissional, salvo raríssimas exceções” (ROMANELLI, 2009, p.133). A autora atribui as causas
do fracasso da pesquisa como objetivo das universidades à estratificação social, à herança
cultural mantendo a estrutura arcaica do ensino e a forma como evoluía a economia e a
industrialização.
O Estatuto também estabelecia a estrutura organizacional da universidade, as categorias
da carreira docente e os tipos de curso ministrados. Mantinha as características aristocráticas do
ensino, transplantando para o âmbito universitário “as relações sócio-políticas características do
coronelismo” (ROMANELLI, 2009, p.134) na dependência e submissão de todos os docentes
71
aos catedráticos. Coroava também uma relação descentralizadora internamente e ao mesmo
tempo centralizadora em relação ao governo federal que determinava até nomeações. O ensino
superior consagrava, ainda, a falta de diversificação com a obrigatoriedade dos clássicos cursos
de Direito, Medicina, Engenharia e Educação, Ciências e Letras. Tudo isso contribuía para a
universidade brasileira não viver um regime verdadeiramente universitário.
A expansão das universidades, respondendo a pressão da demanda, não era planejada
nem refletia as necessidades de desenvolvimento do país. Determinados cursos cresceram não a
partir dos imperativos sociais, mas da facilidade para sua implementação e os baixos preços para
a iniciativa privada, da tradição relacionando-os ao status social, continuando a formar uma elite
“apenas por diletantismo” (ROMANELLI, 2009, p.125). “Dessa forma o velho sobreviveu ao
novo, até na organização do ensino” (ROMANELLI, 2009, p.134). Segundo Orso (2007, p.60) a
universidade brasileira tinha, então, os mesmos objetivos da universidade clássica, conforme
descrita por Mandel (1979):
[...] por meio da criação da universidade, intentava-se criar uma espécie de aparelho ideológico para formar reciclar as elites, formar intelectuais de acordo com a concepção de mundo, de homem e de sociedade liberais e de acordo com os interesses burgueses, para, nas palavras de Mesquita Filho ‘ consolidar a democracia no Brasil’ ou, nas palavras de Antonio Carlos, ‘fazer a revolução antes que o povo a fizesse.
Apesar de constituída e inspirada na utopia liberal, a universidade brasileira vai sendo
moldada pelas transformações sociais, políticas e culturais gestadas, sobretudo, a partir da
década de 1950. A partir já de 1938 o caráter profissionalizante vai se sobrepondo a idéias de
estudos desinteressados e integração de todas as áreas do saber. Além disso, as pressões da classe
trabalhadora por vagas nas universidades colocavam em xeque o projeto elitista e aristocrático
original (ORSO, 2007b).
Na década de 1950, com a monopolização do capital sob o projeto desenvolvimentista
amplia-se a matrícula em todos os níveis da educação, com um acréscimo do investimento estatal
em sua própria rede de ensino. As taxas crescentes de urbanização e as novas formas de
industrialização necessitavam de uma ampliação da escolarização da classe trabalhadora. A
expansão do ensino superior, nesse período, caracterizou-se pela ampla participação do Estado e
pela diversificação progressiva tanto horizontal, com o aumento de cursos e especialidades,
72
quanto vertical, com a hierarquização em graus dos cursos superiores (NEVES E PRONKO,
2008, p.43).
Foi também na década de 1950 que foram criadas as primeiras instituições de fomento à
pesquisa e apoio à formação de pessoal de nível superior: a Campanha de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES, criada em 1951 com o intuito de aprimorar o quadro
docente do nível superior e o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, também criado em 1951
para coordenar e planejar o desenvolvimento das atividades de ciência e tecnologia no país
(NEVES E PRONKO, 2008, p.43).
O período seguinte, do regime militar, é marcado pela “cooperação” com organismos
internacionais, os conhecidos acordos MEC-USAID32. Romanelli (2009) aponta dois períodos
para a educação durante o regime militar, coincidentes com a periodização de duas fases para a
economia e a política. Até 1968 se implementou o novo regime, traçando uma política para a
recuperação econômica. Nessa fase, o crescimento da demanda por educação fez aumentar a
crise do sistema, forjando os acordos supracitados com organismos dos países centrais. Após
1968, a retomada do crescimento econômico e o aumento da repressão às lutas sociais coincide
com a implementação de medidas práticas de adequação do sistema educacional ao modelo
econômico vigente através das propostas trazidas pela Agency for International Development
(AID).
Netto (2002), que adota a mesma periodização apontando-a como consensual entre os
estudiosos desse período, afirma que a inflexão de 1968 não significa a existência de um novo
projeto educacional, mas da emergência de condições que permitiram levar a filosofia à prática33.
As pressões por reformas educacionais derivam-se segundo o autor, da crescente demanda
educacional surgida na década de 1950, sobretudo das classes médias por ensino superior, por
enxergarem aí sua possibilidade de ascensão social nos marcos de um modelo econômico
industrializante que criava, então, uma quantidade e variedade de novos empregos, que
32 São convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a AID – Agency for Internacional Development, organização estadunidense, para assistência técnica e cooperação financeira ao sistema educacional brasileiro (ROMANELLI,2009, p.196).
33 “Nesse período [1964-1968] [...] o regime tem outras prioridades, quer de repressão às tendências democráticas e populares no plano político, quer de viabilização econômica do seu projeto modernizador” (NETTO, 1990, p.56).
73
necessitavam de diversos níveis de qualificação. E essas classes têm papel fundamental na
sustentação do regime militar tendo a reforma educacional um “efeito político-social”,
principalmente a partir do ascenso do movimento estudantil e seu “potencial catalisador” da luta
contra a ditadura, que acabam por colocar a questão educacional como prioridade para o regime.
Essa demanda da classe média por vagas no ensino superior foi o mote da crise, já que
não era acompanhada do crescimento de vagas. Entre 1960 e 1964 o percentual de inscritos no
Vestibular cresceu em 50% e o número de vagas 64% gerando um saldo positivo. No período
seguinte o crescimento da demanda foi de 120% com um crescimento de apenas 52% da oferta
(ROMANELLI, 2009, 207). O problema colocado em pauta eram os excedentes, alunos que
passavam nas provas e não conseguiam vagas nas universidades.
A partir de 1968 inicia-se a implementação das propostas de “reforma” universitária do
regime militar. Essa refuncionaliação representou uma “modernização conservadora” que ao
mesmo tempo incorporava bandeiras históricas do movimento social na educação como o fim da
cátedra vitalícia e a adoção definitiva das universidades como modelos de organização para o
ensino superior em respostas às rebeliões estudantis, e mantinha antigas práticas, não rompendo
com o conservadorismo (GÓES ; CUNHA, 1985, p.83 apud NETTO, 2002, p.59). As mudanças
na educação iniciam-se exatamente pelo ensino superior, centro do movimento estudantil
contestador do regime e, segundo a AID, irradiador de mudanças nos outros níveis (NETTO,
2002, p.60).
É importante fazer um parêntese para retomar a centralidade do papel cumprido pelas
agências internacionais, em particular a AID, na educação no período. Para Romanelli (2009,
p.198) os objetivos da “ajuda” na superação do subdesenvolvimento partiam de uma concepção
técnica dessa condição. O subdesenvolvimento era encarado como atraso sendo a mudança nos
hábitos de consumo, ação e pensamento da população a chave para alcançar os níveis de
desenvolvimento centrais34. Nessa concepção a educação passa a ser setor estratégico por criar e
expandir mercados, seja pelo consumo ou pela formação de recursos humanos adequados ao
desenvolvimento. Em se tratando de sociedades colonizadas ou recém saídas do colonialismo, a ajuda internacional tem sido instrumento eficiente de fornecimento e preparo de mão-de-obra ou de recursos humanos
34 Concepção já criticada nesse trabalho, por desconsiderar o papel fundamental que os países “atrasados”, ao permanecer nessa condição, cumprem para a totalidade do desenvolvimento do modo de produção, que ocorre de forma desigual e combinada.
74
de vários níveis de qualificação, culturalmente adaptados aos objetivos da consolidação da dependência, mesmo após a emergência das sociedades nacionais (ROMANELLI, 2009, p.200).
A reformulação das universidades proposta pela AID tem por objetivo constituir uma
dependência direta das instituições dos países dependentes em relação às instituições norte-
americanas por meio da “colaboração” entre elas.
A crise educacional gerada pelo desequilíbrio entre oferta de vagas e demanda foi usada
como justificativa para a “cooperação”. Seu objetivo, entretanto, era “assegurar ao setor externo
oportunidade para propor uma organização do ensino capaz de antecipar-se, refletindo-a, à fase
posterior do desenvolvimento econômico” (ROMANELLI, 2009, p.209). A fase era propícia
graças às condições de dominação interna suscitadas pelo regime militar.
Percebe-se na reforma universitária do regime militar uma expansão de vagas,
respondendo às pressões da ampliação da demanda tanto pela classe média quanto pelo sistema
econômico que necessitava de recursos humanos. Essa expansão, embora grande, não respondia
a toda a necessidade de vagas, pois era limitada pela política econômica adotada. Romanelli
(2009, 203) aponta que a expansão depende de certas condições internas, já que a seletividade
fornecida pela restrição de vagas pode ser útil na manutenção do status quo ou na permanência
de uma força de trabalho de baixo nível. Até a década de 1950, antes da penetração maciça de
multinacionais, as necessidades de treinamento de força de trabalho podiam ser supridas por
instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria (SENAI) e o Serviço
Nacional de Aprendizagem do Comercio (SENAC).
Somente, pois, quando há necessidade de redefinição na expansão econômica que implique o aparecimento ou o incremento de demanda econômica de recursos humanos de vários níveis de qualificação e também quando o remanejamento das forças na estrutura do poder objetive utilizar-se da modernização como ideologia de justificação e necessite aumentar as oportunidades educacionais em determinada direção, é que as pressões da demanda social de educação começam a ser consideradas. Esse processo é sempre definido em termos de interesses, pelo aumento ou não da participação social no jogo político (ROMANELLI, 2009, p.203).
A autora vai apontar que as mudanças acentuadamente quantitativas e que a isolam do
conjunto da sociedade, na prática tiram da educação a função demandada pelas classes que
almejam ascensão. Isso porque os processos de massificação gerados pela modernização geram
“perda do poder aquisitivo que o trabalho qualificado pode oferecer ao indivíduo, perda
75
progressiva de status pelas profissões de nível superior” (ROMANELLI, 2009, p.204). Essas
considerações têm importância central no desenvolvimento desse trabalho pois as expansões
atuais na educação superior, objetos de nosso estudo, guardam semelhança com as expansões
implementadas no regime militar sobretudo na forma em que afetam o mercado de trabalho.
Esse aumento de vagas não foi proporcional ao aumento de custos. A introdução da
lógica empresarial na gestão universitária, com medidas burocratizantes e racionalizadoras,
visava baratear o ensino superior para o Estado. Possibilitava, assim, atender a demanda da
classe média por vagas e ao mesmo tempo contingenciar os recursos públicos destinados às
universidades. Foi também nesse momento que o ensino superior privado se expandiu,
ampliando vagas de baixa qualidade, na sua maior parte ocupadas por trabalhadores mais pobres.
Entre 1968 e 1973 a oferta de vagas nas universidades aumentou 210% na rede pública e 410%
na rede privada (NETTO, 2002, p.63).
As possibilidades críticas e criativas da universidade foram reprimidas pela força do
regime enquanto o Estado passava a comprar tecnologia dos países centrais, em particular dos
EUA. Nesse ambiente, praticamente livre dos elementos de contestação, o capital conseguiu
qualificar a força de trabalho, com a ajuda do Estado, de acordo com suas novas necessidades.
Destarte, os vários mecanismos que degradaram intelectualmente a universidade não afetaram o projeto autocrático burguês: antes constituíram um de seus feitos – a universidade neutralizada, esvaziada, reprodutiva e asséptica era funcional a ele (NETTO, 2002, p.66).
Esse modelo também tem a AID como suporte. Segundo sua concepção “não cabe à
universidade nenhuma ação inovadora, revolucionária, mas tão-somente modernizadora,
acomodatícia, vale dizer conservadora. Essa é a sua missão” (ROMANELLI, 2009, p.211)
Do ponto de vista de seu conteúdo, a “reforma” universitária do regime militar foi
moldada pelas propostas USAID, mas não explicitamente. O governo criou em 1967 a Comissão
Meira Matos35 e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária36, todavia “o que essa comissão
35 Compunham essa comissão: o Coronel Carlos Meira Matos, da Escola Superior de Guerra, os professores Hélio de Souza Gomes e Jorge Boaventura de Souza e Silva, o promotor Affonso Carlos Agapito da Veiga e o Coronel- Aviador Waldir Vasconcelos, do Conselho de Segurança Nacional (ROMANELLI, 2009, p. 219). 36 O grupo de trabalho foi designado pessoalmente por Costa e Silva e era composto por: Tarso Dutra, então ministro da educação, Roque Spencer Maciel de Barros, catedrático da USP, Newton Sucupira da UFPA e membro do Conselho Federal de Educação, Valnir Chagas da UFC, também membro do Conselho Federal de Educação (CFE), Pe. Fernando Ávila, vice-reitor da PUC RJ, João Lira Filho, reitor da UEG, João Paulo dos Reis Veloso do Ministério do Planejamento, Antônio Couceiro da UFRJ e presidente do Conselho de Pesquisas, Leon Peres, João Carlos Moreira Bessa,
76
veio propor coincidia exatamente com as propostas dos autores do Acordo MEC-USAID”
(ROMANELLI, 2009, p.215).
As propostas da comissão se assemelham muito com a agenda que vem sendo discutida
nas “reformas” universitárias pós-Constituição democrática. As principais, segundo resumo de
Romanelli (2009, p.219) são a ampliação da capacidade de vagas pelo melhor aproveitamento da
infraestrutura com multiplicação de turnos, redução de férias e etc e a instituição de anuidades
para o ensino superior público para aqueles que podem pagar. Por outro lado, também incorpora
reivindicações ainda bastante atuais como a melhoria do sistema de remuneração docente, a
ampliação de vagas e maior rigor nos critérios de reconhecimento das instituições particulares.
Mais impactante ainda é observar como coincidem as propostas específicas para o ensino
superior e as propostas mais recentes da “reforma” universitária do governo Lula37, quais sejam:
redução de currículos e diminuição dos cursos de formação profissional, criando carreiras de
curta duração, instituição de vestibulares unificados possibilitando o aproveitamento de todas as
vagas pelos aprovados, criação de ciclo básico comum para cada área, criação de um primeiro
ciclo especializado para carreiras de curta duração como formação de professores, criação de um
segundo ciclo especializado para carreiras de longa duração como Medicina e Engenharia. Ainda
objetivava a eliminação dos “espaços ociosos e dos professores ociosos” aumentando a
produtividade com redução de custos objetivando a “plena utilização da capacidade instalada”.
As propostas progressistas apresentadas incorporavam as reivindicações pró-reforma
universitária dos segmentos estudantil e docente que cresciam desde antes do regime militar .
“Essa bandeira foi incorporada pelo Estado, até que, após o golpe militar, foi completamente
arrebatada pelos militares em 1968” (ORSO, 2007b, p.75), que “fizeram a revolução antes que o
povo a fizesse”. Por isso Fernandes (1975 apud ORSO, 2007b) chama a reforma de “reforma
universitária consentida”.
presidente do DCE da PUC RJ e Paulo Passos, estudante de Engenharia da UFRJ. Os dois últimos estudantes recusaram-se a participar do grupo (ORSO, 2007b, p.74). 37 Referimo-nos ao REUNI, objeto desse trabalho, e ao documento “Universidade Nova”, inspirador dessa nova fase de reformas. Aprofundaremos o conteúdo dessas propostas e suas semelhanças com a “reforma” do regime militar, que não são fruto de mera coincidência.
77
Em relação às representações estudantis o documento propunha a substituição das
entidades consideradas subversivas por lideranças democráticas38 reforçando grupos já existentes
e promovendo cursos por órgãos do MEC.
O Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, segundo Romanelli (2009, p.222) não
fugia aos objetivos do Relatório Meira Matos sendo o central adequar e instrumentalizar o ensino
superior às necessidades do desenvolvimento econômico em curso. Era pautado também pelos
princípios de eficiência e produtividade.
Além disso, a reforma em curso também implementou a pós-graduação, para criação de
uma elite a serviço dos objetivos nacionais e reorganizou o ensino médio para profissionalizar e
qualificar a força de trabalho nesse nível, reduzindo a demanda por ensino superior. Foi nesse
período que se desenvolveram e se consolidaram os programas de pós-graduação que receberam
estímulo para uma ampla expansão com o Primeiro Plano Nacional de Pós Graduação em 1975.
Outras definições importantes apontadas pelo grupo de trabalho (GT) foram a liberdade
dada às universidades para definirem seus regimes jurídicos entre autarquias, fundações e
associações, a centralização da já então nada democrática escolha de reitores e diretores que
passa a ser prerrogativa da Presidência da República e a definição de ciclos e de cursos de curta e
longa duração, conforme o Relatório Meira Matos, implementados em decretos governamentais.
A expansão proposta pelo GT observava a necessidade de adequar a demanda às
necessidades do mercado de trabalho, orientando a abertura de vagas para as necessidades da
expansão econômica. Essa preocupação se materializou no Decreto nº 63.341 de 1º de outubro
de 1968 que orientava a expansão para áreas que não estivessem saturadas.
O primeiro Decreto Lei, nº 53 de 18 de novembro de 1966, determinava mudanças na
organização que resgatassem os princípios de economia e produtividade. A existência das
cátedras dava aos catedráticos poderes e recursos que eram manipulados segundo seus desejos de
prestígio e status, gerando feudos que sobrepunham bibliotecas, laboratórios e infraestrutura para
fins idênticos dentro da mesma escola ou universidade. A racionalização modernizadora do
regime militar visava o fim dessa duplicação para reduzir o desperdício de recursos. O decreto
criava também um órgão central de supervisão do ensino e da pesquisa, acabando assim com a
estrutura universitária limitada a uma aglutinação de escolas independentes. 38 Provavelmente semelhantes às atuais lideranças da União Nacional dos Estudantes UNE, debate que também retomaremos mais a frente.
78
O Decreto Lei nº 252 de 18 de fevereiro de 1967 deu continuidade à reestruturação com
os mesmos fins de racionalização de recursos. Criou dentro das unidades universitárias unidades
menores chamadas departamentos, eliminando a possibilidades de duplicação de disciplinas
idênticas na mesma unidade.
Em relação ao financiamento, o governo concedeu auxílio para a expansão das matrículas
através do Decreto Lei 405 de 31 de dezembro de 1968, exigindo que sejam asseguradas
produtividade, eficiência e plena utilização da capacidade instalada.
Ao mesmo tempo o governo colocava a UNE na clandestinidade, permitindo apenas a
existência de representação estudantil local através de Diretórios Acadêmicos (Das) e Diretórios
Centrais de Estudantes (DCEs) que, no entanto, estavam impedidos de qualquer ação,
manifestação ou propaganda político-partidária, segundo o artigo 11 do Decreto Lei nº 252.
Associou-se a isso o Ato-Institucional nº 5 e o Decreto Lei 477 de 1968. Este último,
exclusivo para o corpo docente, discente e administrativo proibia qualquer manifestação política
e de protesto dentro das universidades. Essas medidas diminuíam, ou ao menos adiavam, a
pressão por mais vagas da demanda reprimida. Estavam também relacionadas entre si, na medida
que faziam parte da garantia de condições para retomada e consolidação do poder da classe
dominante.
A reforma universitária, como modernização conservadora no regime militar, estava
imbuída da mentalidade empresarial, porém de cunho ideológico, relacionando intrinsecamente
medidas repressivas e técnicas nas mudanças.
Desenvolvimentismo, eficiência, produtividade de um lado; controle e repressão, do outro. Ambos, portanto, interdependentes: a mentalidade empresarial dando conteúdo ao desenvolvimento, e a utilização da força garantindo a implantação do modelo (ROMANELLI, 2009, p.218).
Seu modelo organizacional era o norte-americano, racional e capitalista, voltado para a
produtividade; “alterava-se o velho lema positivista da ‘ordem e progresso’ para ‘segurança
nacional e desenvolvimento’ alinhado incondicionalmente aos Estados Unidos” (ORSO, 2007,
p.79).
Por outro lado essa foi a primeira vez que o Estado se propôs a organizar o sistema
educacional segundo seu modelo econômico, ainda que ambos questionáveis. A “reforma”,
entretanto, não tinha por objetivo resolver os problemas educacionais, mas sim “modernizar” e
79
eliminar obstáculos políticos de maneira que a crise do ensino superior não foi resolvida, apenas
aplacaram-se as pressões do movimento estudantil (ORSO, 2007, p.83).
Na década de 1980, o Brasil vive a transição da autocracia burguesa, materializada no
regime militar, para a democracia liberal. Em 1988 é aprovada a nova Constituição. Na seção I
do capítulo III, que dispõem sobre a Ordem Social, a Constituição afirma que a educação é
direito de todos e dever do Estado e da família com o apoio da sociedade. Afirma a gratuidade da
educação em instituições públicas, a autonomia universitária e possibilita a educação em
instituições privadas desde que observadas a regulamentação nacional do ensino e a aprovação e
avaliação da qualidade pelo Estado.
No que tange ao ensino superior, durante o governo Sarney, foi formado o Grupo
Executivo para a Reformulação do Ensino Superior (GERES). O grupo foi desfeito por sofrer
grande oposição dos movimentos sociais organizados nas universidades. O centro do debate que
ali se iniciava era o questionamento do modelo único, isto é, da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, como princípio para as universidades do país (ANDES, 2007, p.14).
Mas durante essa década pouco se conseguiu avançar seja nas reformas governamentais,
seja nas iniciativas dos trabalhadores e estudantes que conseguiram resistir, ao menos, aos
retrocessos propostos. O debate da reforma universitária voltará com força na década de 1990,
no bojo da Reforma do Estado durante o governo Cardoso. Esse é o debate que retomaremos na
próxima seção.
2.2. Contra-reformas do Estado: o governo Cardoso
Apesar da Constituição de 1988, na “contramão da história” (MARQUES, 2010, p.1)
tender à ampliação do Estado no campo social, já em 1989 a vitória de Collor para presidente do
país na primeira eleição direta pós-ditadura, marca o início da adoção do pensamento neoliberal
na política econômica brasileira. Até então, a força da organização e as expectativas dos
trabalhadores no processo de democratização, no plano político, e a explosão da dívida externa e
da inflação, no plano econômico, não permitiram a adoção das políticas propostas pelo FMI e
pelo Consenso de Washington (MARQUES, 2010, p.7). Do seu curto governo, encerrado pelo
80
processo de impeachment motivado por inúmeras denúncias de corrupção, ficaram como herança
a abertura do comércio exterior e a ideologia crescente de defesa da redução do setor público
através das privatizações, não tendo sido bem sucedido no combate à inflação.
Assume então a presidência seu vice, Itamar Franco. Durante seu governo, o Ministério da
Fazenda, capitaneado por Fernando Henrique Cardoso, implementa o Plano Real. O Plano
consistia numa conversão da moeda de cruzeiro para o real acompanhado pela âncora cambial, o
que impediu a retomada da inflação. O sucesso do Plano Real no combate à inflação leva a
vitória de Cardoso nas eleições, assumindo a presidência em 1995. Sua vitória permite uma
“rearticulação das forças do capital no Brasil”, promovendo uma virada na correlação de forças
entre as classes (BEHRING, 2003, p.156).
Em todos os seus aspectos o governo Cardoso representou uma violenta adequação do país
aos princípios do Consenso de Washington. Não é coincidência ter sido Bresser Pereira,
representante brasileiro na reunião que determinou os passos para a implementação do Consenso
na América Latina39, o ministro responsável no governo Cardoso pela “Reforma do Aparelho do
Estado”. Bresser Pereira (1991), no entanto, criticava o que chama “abordagem de Washington”
no diagnóstico e nas receitas para a crise latino-americana. Não é uma crítica frontal, porém, mas
uma abordagem, segundo ele próprio, em parte complementar em parte alternativa tanto na
explicação quanto na proposta de reforma decorrente40. Para o autor a “abordagem de
Washington” vê nas razões da crise o excessivo crescimento do Estado, gerado pelo modelo de
substituição de importações e o populismo econômico “definido pela incapacidade de controlar o
déficit público e de manter sob controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto do
setor público” (1991, p.6). A “abordagem da crise fiscal”, adotada por Bresser Pereira considera
essa explicação correta, porém, insuficiente. Isso porque as duas características sempre existiram
nos países latino-americanos, que, apesar disso, tiveram momentos de crescimento econômico. 39 Em 1993 especialistas se reuniram mais uma vez em Washington para definir um plano de ajuste para a América Latina. O plano ocorreria em três fases: a. dirigida ao superávit fiscal, redução do déficit na balança comercial e desmonte da previdência pública; b. dedicada a reformas estruturais, liberalização financeira e comercial, desregulamentação dos mercados e privatização das estatais; e c. retomada de investimentos e crescimento econômico (MONTAÑO, 2008, p.30). 40 Segundo o autor, a abordagem verdadeiramente alternativa é a “nacional-populista” que rejeita os ajuste fiscais e propõe déficit público e salários elevados para promover ampliação da demanda e desenvolvimento econômico. Afirma que não lhe dará atenção no texto de 1991, pois perdeu credibilidade e apoio nos últimos anos. Na primeira década do século XXI, porém, governos como Chávez, Morales e Correa respectivamente na Venezuela, na Bolívia e no Equador, tem ressuscitado essa perspectiva, que guardadas diferenças entre eles e limitações, tem se mostrado uma alternativa mais soberana e distribuidora de renda na região.
81
Sua perspectiva, segundo ele próprio, não é oposta à dominante, que ele considera como a
neoliberal, mas agrega a idéia de crise fiscal que, segundo ele, tem na América Latina cinco
características: o déficit público, a poupança pública negativa ou muito pequena, uma dívida
pública interna e externa enorme, falta de crédito do Estado e de credibilidade dos governos.
Deste modo, dois eixos centrais estariam de fora das propostas de ajuste de Washington: o
enfrentamento da dívida pública para recuperar a capacidade de investimento do Estado e a
mudança do modelo de substituição de importações.
Assim para a superação da crise, que para Bresser Pereira é uma crise do Estado, não
seria suficiente estabilizar e liberalizar a economia, combater o populismo econômico e reduzir o
Estado, que deixa de ser executor e passa a coordenar a economia, mas ir além:
Através do cancelamento da dívida que não pode ser paga e de um ajuste fiscal que contemple a redução de despesas e aumento de impostos sobre aqueles que podem pagar, será possível recuperar a capacidade de poupança do Estado, para que esse possa, no curto prazo, executar uma política macroeconômica e, no médio prazo, definir uma política de retomada do desenvolvimento, da qual faça parte uma política industrial e tecnológica, uma política social e uma política para o ambiente” (BRESSER PEREIRA, 1991, p.16, grifos nossos).
É difícil hoje, passados os oito anos de gestão do governo Cardoso que contou com
Bresser Pereira como um de seus principais ideólogos, acreditar nessa fala de 1991,
questionando o pagamento da dívida pública e voltada ao desenvolvimento econômico nacional.
Ainda que seja um crítico do desenvolvimentismo, na sua retórica há muito de transformismo e
ressemantificação, como veremos mais a frente, num suposto combate ao neoliberalismo. Porém,
sua crítica à nova direita neoliberal “temperada por certo pragmatismo” (BRESSER PEREIRA,
1991, p.5) parece não ter impregnado suas supostas propostas “social-liberais de centro”
(BEHRING, 2003, p.174).
Bresser Pereira se reivindica um teórico social-liberal que defende um Estado
intermediário – nem liberal nem intervencionista cuja existência é condicionada à privatização e
à liberalização comercial (BEHRING, 2003, p.175). Montaño (2008) afirma, porém, que no
Brasil a década de 1990 não foi marcada por uma “terceira via” mais light pós hegemonia
neoliberal na década de 1980, como os países centrais, mas, ao inverso, pela hegemonia
neoliberal mais explícita substituindo o período mais social-democrata anterior
82
Lima (2007, p.58) analisa essa “nova” perspectiva do neoliberalismo caracterizada por
ela como “um processo de ideologização maciça sobre a possibilidade de um capitalismo
humanizado ou reformado, um projeto político ora identificado como terceira via, ora como nova
social-democracia, nova esquerda, centro-esquerda, social-democracia modernizadora ou
governança progressista.” A autora identifica os pressupostos teóricos e a ação política da
terceira via sobretudo no governo Lula mas como podemos ver no discurso de Bresser Pereira
essa pseudo-crítica ao neoliberalismo está presente desde o governo Cardoso que esteve,
inclusive, nas três primeiras reuniões da Cúpula da Governança Progressista em 1999, 2000 e
200241. Essa perspectiva, baseada no pensamento de Giddens, objetiva a formação de uma nova
sociabilidade fundada na igualdade de oportunidades e na solidariedade social, tendo, portanto, a
educação grande destaque como meio para a coesão social. Ainda segundo Lima (2007, p.60), a
Terceira Via realiza quatro movimentos bastante adequados ao pensamento liberal: nega o
homem como sujeito político, atomizando-o e esvaziando seu conteúdo de classe; naturaliza o
capitalismo colocando sua humanização como único horizonte político possível; utiliza o fim do
socialismo real como justificativa para a inviabilidade do fim da divisão entre classes e da
transição para outro projeto de sociabilidade diferente do capitalismo; recupera os elementos
centrais da crítica neoliberal ao Estado de Bem-Estar como a tendência a burocratização, o
excesso de gastos e a suposta passivização dos indivíduos.
A “reforma” do Estado, elaborada, e inicialmente implementada no governo Cardoso,
acompanha esses pressupostos. Está sistematizada no documento “Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado”, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do
Estado, capitaneado por Bresser Pereira, e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado42 em
1995 e posteriormente pelo governo da República.
No documento, mantém-se o diagnóstico de que a crise da década de 1980 é uma crise do
Estado que no período anterior desviou-se de suas funções para atuar no setor produtivo, razão
da crise fiscal e da deterioração dos serviços públicos. O aparelho do Estado seria composto,
41 Para os autores do Coletivo de Estudos de Política Educacional, grupo de pesquisa CNPq/ Fiocruz, o “neoliberalismo de terceira via” se inicia com a vitória do governo Cardoso em 1994 (NEVES E PRONKO, 2008, p.54). 42 A Câmara da Reforma do Estado era composta por: Clóvis Carvalho - Chefe da Casa Civil, Bresser Pereira, Paulo Paiva - Ministro do Trabalho, Pedro Malan – Ministro da Fazenda, General Benedito Onofre Bezerra Leonel – Ministro Chefe das Forças Armadas e José Serra – Ministro do Planejamento e posteriormente candidato do governo derrotado na sucessão de Cardoso em 2002.
83
dentro da sua lógica, por quatro setores. O primeiro o núcleo estratégico onde estão o poder
executivo strictu sensu, o poder legislativo, judiciário e o Ministério Público.
O segundo, o setor de atividades exclusivas onde o Estado exerce seu poder de
“regulamentar, fiscalizar e fomentar” tendo como exemplo: a cobrança de impostos, a polícia, o
serviço de trânsito, emissão de passaportes. Ao lado desses, três exemplos que envolvem
políticas sociais, tendo como característica a restrição ao básico e a limitação no papel de
execução, qual sejam: previdência social básica, compra de serviços de saúde pelo Estado,
subsídio à educação básica, seguro desemprego.
O terceiro setor é de serviços não-exclusivos. Estes se caracterizam por um setor onde o
Estado atua ao lado das “organizações públicas não-estatais e privadas”. Esse setor seria
idealmente ocupado por propriedades públicas não-estatais, que se tratariam de organizações
sem fins lucrativos que, segundo o documento, apesar de não exercerem o poder de Estado
estariam diretamente orientadas para o interesse público. A presença do Estado só se justifica
porque envolvem a garantia de direitos humanos fundamentais e ganhos sociais que não podem
ter retorno direto ao mercado, mas representam muito para a sociedade. Nesse setor estão
colocadas as universidades, os hospitais e os centros de pesquisa.
O quarto e último setor é a área de atuação das empresas que “ainda permanecem no
aparelho do Estado” como infraestrutura. Essas atividades só estão no âmbito estatal ou por falta
de investimentos privados para supri-las ou por sua natureza monopolística. Nesse caso o
documento adverte que a privatização precisa ser acompanhada de regulamentação rígida.
Enquanto para o setor de produção para o mercado o caminho traçado é o da privatização,
nos serviços não-exclusivos o documento propunha um processo de “publicização”, o que
transformaria as fundações e organizações públicas então existentes em entidades de direito
privado, passando a ter sua dotação orçamentária atrelada à celebração de contratos de gestão
com o Estado. Como conseqüência os serviços teriam maior autonomia, o controle social seria
exercido por conselhos de administração e a sociedade participaria do seu financiamento por
meios “da compra de serviços e doações”. O objetivo seria o aumento da eficiência e da
qualidade dos serviços a um custo menor.
A suposta publicização significa exatamente seu oposto. Na verdade um processo de
privatização que autonomizaria a gestão e prestação de serviços sociais do âmbito dos
mecanismos de controle democrático possibilitando contratação temporária, inexistência de
84
concursos públicos, inexistência de licitações públicas, de controle social democrático sobre
gastos e recursos e de garantia da continuidade dos serviços entre outras coisas. Uma estratégia
que orienta-se numa perspectiva “desuniversalizante, contributivista e não constitutiva de direito
das políticas sociais” (MONTAÑO, 2008, .p46).
Em curto prazo, o objetivo traçado pelo documento era a elaboração e aprovação de uma
lei que transformasse as organizações executoras dos ditos “serviços não-exclusivos” do Estado
em organizações sociais43. O objetivo é retirar desse setor o poder de Estado partindo do
pressuposto de que serão mais eficientes se financiados pelo Estado e geridos de forma “pública
não-estatal”. Seu financiamento é estatal, mas pode, e deve, ser complementado através de
prestação de serviços, doações e etc onde “se busca uma maior parceria com a sociedade que
deverá financiar uma parte menor, mas significativa, dos custos dos serviços prestados” (1995,
p.60). Essa parceria, um dos conceitos chave da “publicização” segundo Montaño (2008, p.47),
significa, na prática, uma desresponsabilização do Estado das políticas sociais, transferindo-as
para o setor privado seja para fins privados, isto é, visando lucro, seja para fins públicos44.
Os objetivos do país envolveriam, portanto, um novo modelo de desenvolvimento e uma
reforma administrativa do Estado pautada por “fortalecimento de sua ação reguladora” voltada
não para os meios e processos mas para a eficiência dos resultados, o que o documento chama de
administração gerencial. Para Behring (2003), no entanto, a reforma administrativa é apenas um
elemento desse processo. O Plano Diretor é muito mais amplo, revê o conceito de Estado e
refunda a relação Estado-sociedade.
Seus objetivos “inadiáveis” eram: o ajustamento fiscal, reformas econômicas orientadas
para o mercado garantindo concorrência interna e condições de competição internacional, 43 “Entende-se por ‘organizações sociais’ as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo,obtêm autorização legislativa para celebrar contratos de gestão com esse poder, e assim ter direito à dotação orçamentária” (BRASIL,1995, p. 60) 44 Montaño (2008) critica os teóricos e defensores da perspectiva do “terceiro setor”, “um novo setor público porém privado” por dividirem a sociedade em três setores compartimentalizados, desmontando a relação dialética existente entre a sociedade civil, Estado e mercado. A própria noção de sociedade civil é emprestada por esses autores de Gramsci, porém numa leitura liberal que tira da sociedade civil um inerente caráter classista, permeado por conflitos e disputas de interesse. O próprio conceito de “terceiro setor” tem para o autor inúmeras debilidades teóricas, quais sejam: o terceiro setor seria na verdade o primeiro, pois é a sociedade civil é anterior ao Estado; não há definição sobre quais são as entidades que o compõem tornando-se um conceito que reúne em si múltiplas organizações de finalidades diferentes e até opostas. Em suma, “[...] Mais do que uma categoria ontologicamente constatável na realidade, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um ‘setor’ da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas atividades, porém, com interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios”(MONTAÑO,2008, p.57).
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reforma da Previdência Social, inovação nas políticas sociais visando aumentar sua abrangência
e qualidade, reforma do aparelho do Estado com o objetivo de aumentar sua eficiência na
implementação de políticas públicas.
Foi cumprindo esses objetivos que durante os dois mandatos do governo Cardoso, no
decorrer de oito anos, a política econômica brasileira passou definitivamente a se subordinar aos
ditames neoliberais respondendo aos interesses dos credores internacionais e do capital
financeiro em geral (MARQUES, 2010, p.7). O governo efetivamente promoveu estabilização
monetária, aprofundou a abertura comercial e financeira, acelerou o processo de privatização das
estatais, avançou na desregulamentação do mercado de trabalho, reformou a Previdência Social e
desmontou o aparelho de Estado comprometido com o desenvolvimento (NAKATANI ;
OLIVEIRA, 2010, p.27).
A sobrevalorização do câmbio e a excessiva abertura comercial, com a consequente
necessidade de altos juros para atrair capitais – especulativos, todavia - inauguraram uma política
econômica onde o crescimento da produção e da demanda ao invés de metas passaram a ser
encarados como obstáculos à estabilização (BEHRING, 2003, p.158). Os juros altos, por sua vez,
associados a sucessivos déficits na balança comercial brasileira ampliaram significativamente a
dívida pública “o que transformou a economia brasileira em uma economia de ‘endividamento’”
(NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010, p.30) aprofundando a vulnerabilidade interna e externa do
país. Também fez migrar os capitais dos investimentos produtivos para o mercado financeiro
ampliando o desemprego e minando o crescimento econômico.
No segundo governo de Cardoso a política de sobrevalorização do câmbio se esgota, e a crise
de saída de capitais em 1998/9945, que teve como estopim uma crise internacional do capital,
leva o governo a adotar uma taxa de câmbio flutuante. Essa mudança, entretanto não diminuiu a
vulnerabilidade externa nem interrompeu o agravamento do déficit público, dada a manutenção
de exorbitantes taxas de juros. Esse endividamento levou o governo a busca de superávits
primários, conforme a imposição do acordo com o FMI, redução de investimentos e mais
ataques às políticas sociais. Para garantir os superávits a política econômica apoiou-se em dois 45 O governo tentou estimular a entrada de capitais, no início da crise em agosto de 1999, aumentando a taxa básica de juros de 29,75% para 49,75% anunciando, ainda, um novo ajuste fiscal e aumento de receita tributária. No entanto o governo continuou a perder suas reservas e a acumular déficits. Em dezembro de 1998, após a vitória eleitoral de Cardoso que garantia seu segundo mandato, o governo faz um empréstimo de 41,5 bilhões de dólares ao FMI e outros organismos internacionais. Em troca promete a manutenção de superávits primários de 3,5% do PIB (NAKATANI;e OLIVEIRA, 2010, p.32).
86
instrumentos: a elevação da carga tributária e o corte de despesas discricionárias, principalmente
de investimento (NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010, p.35).
Em relação ao aumento da carga tributária, Salvador (2007) defende que durante o governo
Cardoso esteve em curso uma verdadeira contra-reforma tributária. No que tange ao imposto de
renda, o tributo mais potencialmente progressivo dentro da estrutura tributária extremamente
regressiva do país, o congelamento da tabela entre 1996 e 2001 associado à redução de treze para
duas faixas de contribuição, significaram uma ampliação enorme dos trabalhadores descontados
na fonte além de perda de progressividade. Se em 1995 a isenção era para até 10,48 mínimos,
em 2005 passou a ser para até 3,9 mínimos. A alíquota mínima triplicou de 5% para 15%
enquanto a máxima foi reduzida pela metade, de 60% para 27,5%. Além dessas medidas, em
relação ao imposto de renda, houve mudanças na legislação da Contribuição Social para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e do PIS e medidas de desoneração do capital
como isenção de imposto de renda para remessas ao exterior e redução a zero de alíquotas de
imposto de renda e CPMF para investidores estrangeiros no Brasil. Tudo isso aumentou a
arrecadação de impostos em 101,62% no país entre 1996 e 2005, mas com aumento da
regressividade, ou seja, fazendo recair ainda mais os impostos sobre os trabalhadores46.
Do lado dos gastos, a partir do acordo com o FMI em 1999, as metas de superávit fixadas
levaram a contenção em todas as áreas, menos no pagamento dos serviços da dívida e de pessoal.
Em 2000 o superávit primário alcançado foi de 3,45% do Produto Interno Bruto (PIB), mais que
a meta do FMI que era de 2,5%, penalizando os investimentos produtivos e a área social,
exatamente aqueles setores que deveriam ser beneficiados pelo ajuste e pela “reforma” do
Estado. Para tanto medidas como o Fundo Social de Emergências (1994), o Fundo de
Estabilização Fiscal (1997) e por fim a Desvinculação das Receitas da União (DRU)47 foram
fundamentais, pois retiraram recursos da área social de forma “indireta e escamoteada” que
deveriam constitucionalmente estar a elas vinculados (BEHRING, 2000).
46 A incidência de tributos indiretos sobre bens e serviços saiu de 17,2% do PIB em 1996 para 20,8% do PIB em 2005. O aumento da regressividade na estrutura tributária associado a desonerações ao capital através de isenções fiscais fez com que os trabalhadores pagassem entre 1999 e 2005 quase cinco vezes mais impostos que o setor financeiro da economia. (SALVADOR, 2007) 47 A DRU garante que 20% das receitas vinculadas a Seguridade Social e à educação passem a ficar a disposição do governo para outros gastos. A medida foi mantida durante do governo Lula e apenas em 2009 a educação deixou de ser penalizada por esse mecanismo que, entretanto, continua em curso nas políticas da Seguridade.
87
Além dos golpes dados ao seu financiamento público, para as políticas sociais o ambiente
ideológico individualista associado à fragmentação das organizações da classe trabalhadora e as
necessidades do capital de privatizar setores anteriormente públicos como a saúde e a educação,
que passam a ser espaços de valorização, levam a uma tendência geral de perda de direitos,
reduzindo sua amplitude e alterando o seu caráter. O trinômio do ideário neoliberal para as
políticas sociais é, segundo Behring (2003) privatização, focalização e descentralização, sendo
este último o mero repasse de responsabilidades para outros entes da federação ou para o
chamado setor público não-estatal, no melhor espírito da publicização bresseriana. A
privatização, por sua vez, abriu espaços para o capital, sobretudo o capital nacional que havia
perdido espaços com a liberalização comercial, sendo a educação superior um dos principais
exemplos disso no período. Já a focalização passa a reduzir a política social a programas para
pobres e indigentes, perspectiva recomendada pelos organismos internacionais.
Vianna (2001) evidencia três mitos ideológicos que têm justificado o desmonte das
políticas sociais no neoliberalismo. O primeiro é o mito tecnicista que despolitiza o debate
transformando-o em decisões meramente técnicas de tratamento burocrático, sem participação da
sociedade. Com isso as decisões do Estado tornam-se aparentemente neutras. Ainda que exista
um elemento técnico na discussão das políticas sociais “o ambiente político não é uma variável
interveniente, externa; está imbricado ao processo decisório e o condiciona” (VIANNA, 2001,
p.180).
O segundo mito é o naturalista, no bojo da naturalização dos processos sociais. A
derrocada das políticas sociais passa a ser, portanto, parte das inevitáveis transformações
econômicas atuais. Essa visão também se nutre da redução do espaço da política em benefício da
técnica. Não há nada, porém, de natural nas medidas tomadas, o que se comprova na comparação
entre diversos países que interpretam de forma diferenciada as razões da crise atual e atuam
também de forma diferenciada, o que é característica da política.
O terceiro mito é o maniqueísta que passa a transformar os modelos de política social em
mutuamente excludentes. Um exemplo disso é o sistema previdenciário por capitalização ou
repartição. A superioridade de um sistema sobre outro, interpretação que tem raízes obviamente
políticas passa a ser apresentada como natural e, deste modo, inquestionável e, mais uma vez,
técnico.
88
Todos esses mitos apresentados por Vianna (2001) convergem para uma compreensão de
caminho único, consonante com o princípio neoliberal da TINA (there’s no alternative)48, onde
não existem opções políticas mas inevitabilidades técnicas, um discurso de cunho ideológico mas
largamente hegemônico atualmente.
A política econômica aplicada, associada às reformas estruturais deste período
conformam o que Behring (2003) caracterizou como um contra-reforma, isto é, uma “opção que
implicou, por exemplo, uma forte destruição dos avanços, mesmo que limitados, sobretudo se
vistos da ótica do trabalho, dos processos de modernização conservadora que marcaram a
história do Brasil” (BEHRING, 2003, p.198). Ou seja, ao contrário de outros períodos históricos
onde, apesar da condução conservadora, a modernização deu saltos a frente, no governo Cardoso
o componente destrutivo e anti-nacional fez retroceder as parcas conquistas e avanços anteriores.
A principal incongruência desse modelo, apontada pela autora, é a relação entre o discurso da
reforma e a política econômica. Ao mesmo tempo em que se afirma a necessidade de
refuncionalizar o Estado para aumentar sua eficiência e reduzir custos, a política econômica
adotada faz escoar monumentais somas de recursos para pagamento de juros e amortizações da
dívida pública.
Outra contradição foi a privatização das empresas públicas no Brasil. Anunciado como meio
para sanar as contas públicas e combater a crise fiscal, a privatização significou entrega de
patrimônio nacional para o capital estrangeiro, desemprego e desequilíbrio da balança comercial
(BEHRING, 2003, p.201).
Essa aparente incongruência entre o discurso da reforma e a política econômica, contudo, é
apenas aparência: “a prática da ‘reforma’ é perfeitamente compatível com a política econômica,
o que reforça a idéia de que seu discurso é pura ideologia e mistificação, no sentido de falsa
consciência, num explícito cinismo intencional de classe” (BEHRING, 2003, p.202). Assim
como o projeto neoliberal no mundo desenvolvido, a burguesia brasileira também se inseriu
durante o governo Cardoso, sobretudo, na dinâmica mundial marcada por um neoliberalismo
pragmático a serviço da retomada dos lucros e do poder da classe dominante que volta à
ofensiva. O que fica claro, na prática, é que o chamado ajuste fiscal não significou um redução
de gastos do Estado mas uma reorientação desses gastos a favor do capital financeiro.
48 Sobre isso ver Nakatani e Oliveira (2010) e Paulani (2008).
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Ferreira (2010), em interessante trabalho sobre a execução orçamentária da União49 entre
1990 e 2007, aponta como traços do período a priorização dos compromissos financeiros com os
serviços e amortizações da dívida pública, levando à crescente financeirização da economia e à
redução do papel do Estado como fomentador do crescimento econômico, com o forte marco da
redução de gastos em investimento e da política fiscal vinculada aos interesses financeiros e não
em prol do crescimento.
Para referendar sua hipótese, Ferreira (2010) levanta dados50 agrupados por grupo de despesa
e por função. Em relação aos grupos de despesa, os dados apontam para uma queda em gastos de
capital de 25,5% em 1994 para 11% em 2007, o que representa nominalmente uma passagem de
185,6 bilhões para 104,4 bilhões. Dentro desse grupo, os responsáveis fundamentais pela
redução foram os gastos com investimentos que caíram de 1,56% de participação em 1990 para
0,9% em 2007. Apenas em 1991, com a moratória do pagamento da dívida implementada pelo
governo Collor, houve um gasto maior com investimentos em relação aos juros chegando a
marca de 4,32% na participação total. Entretanto, desde 1990 incluindo 1991, como exceção, os
gastos com investimentos são extremamente baixos comparados aos padrões de décadas
anteriores. Em 1982, por exemplo, Ferreira (2010, p.64) encontra 16,02% de gastos de
investimento no orçamento total, o quádruplo de 1991, considerado ano excepcional na década
de 1990.
O grupo de “Pessoal e Encargos Sociais” apesar de passar por oscilações manteve-se ao final
em patamar similar na casa dos 10%. As transferências para Estados e municípios e os benefícios
previdenciários elevaram-se principalmente em função das mudanças decorrentes da
Constituição de 1988. As “Demais Despesas Correntes”, que representam gastos de consumo no
custeio do governo e pagamento de terceirizados tiveram uma queda na sua participação no
orçamento de 11% em 1990 para 7,4% em 2007.
Por outro lado, a maior parte da elevação da execução orçamentária ocorreu pelo aumento da
“Amortização da Dívida – Refinanciamento” que passou de 178 bilhões de reais em 1994 para 49 Para Ferreira (2010, p.53) “[...] a execução do orçamento é uma representação acabada das prioridades existentes nas ações do Estado e como isso pode revelar as mudanças que afetaram a atuação de tal instituição ao longo das últimas décadas”, tese que coadunamos. 50 A fonte dos dados é o banco da Secretaria do Tesouro Nacional e foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) para valores de março de 2008. Os dados vão até 2007, já no segundo mandato de Lula da Silva e, apesar de estarmos tratando do governo Cardoso, já corroboram para a tese de continuidade entre ambos que trataremos mais a frente.
90
576 bilhões de reais em 2005, uma elevação de 223%, resultando num aumento dessa rubrica de
24,5% em 1994 para 45,16% em 2005 e 32,2% em 2007 na sua participação no orçamento. Isto é
“o comprometimento do Estado com a dívida manteve-se elevado, sem que o pagamento de juros
e amortizações permitisse reduzir o montante destinado para o refinanciamento da dívida”
(FERREIRA, 2010, p.59). Mesmo com tudo isso, o pagamento de juros também se elevou nesse
período passando de uma participação de 4,14% no orçamento em 1990 para 12,02% em 2007.
No total, o peso dos encargos financeiros da União (soma de juros e encargos da dívida
mais amortização e refinanciamento) representou 50,2% do total de gastos em 1994, chegando a
ultrapassar 60% em 2000 e 2003, só apresentando uma redução para 52,5% em 2007, graças a
uma queda nos gastos com refinanciamento.
Em relação às funções, o que a autora observou foi uma redução significativa na função
de “Administração” que se explica dada a separação dos “Encargos Especiais” referentes à
dívida que antes a compunham. Nas funções ligadas a administração – executivo, legislativo,
judiciário - há certa manutenção nos patamares de participação dos gastos. Já as despesas
referentes à Segurança Pública reduziram sua participação de 2,23% em 1990 para 1,83% em
2007.
Na política de saúde observou-se um significativo aumento absoluto de gastos, passando
de 8,9 bilhões em 1990 para 49 bilhões em 1997, valores que têm permanecido estáveis desde
então. Sua participação no orçamento, no entanto, depois de ter aumentado com a Constituição
de 1988 e suas regulamentações de 0,78% em 1990 para 5,5% a 6% entre 1991 e 1997, voltaram
a se retrair chegando a 3,4% em 2007. Isso porque o aumento da arrecadação não tem sido
repassado para essa política. No campo, ainda, da Seguridade Social, a Previdência e Assistência
elevaram sua participação após a Constituição de 11,5% em 1990 para 19% em 1991 chegando a
22,19% em 1996 caindo a partir de então, só retomando este patamar em 200751.
Na função educação, a mais importante na presente análise, observa-se também um
declínio. A autora o atribui, na relação com a década de 1980, sobretudo às mudanças
constitucionais que modificaram as competências dos entes federativos para cada nível de 51 Ferreira (2010), porém, ao agrupar os dados das duas políticas deixa passar o crescimento da assistência dentro da Seguridade Social nos últimos anos, com a priorização de políticas de transferência de renda associadas a perda de direitos previdenciários e ampliação da informalização do trabalho, o que alguns autores têm chamado de assistencialização da política social. Para aprofundar esse debate consultar Mota (2008).
91
ensino, passando a União a ser responsável obrigatória apenas pela educação superior. Assim, a
participação da função educação no orçamento total sai do patamar de 13,14% em 1987
chegando na década de 1990 ao máximo de 4,15% em 1991, que como já mencionado foi um
ano excepcional, mantendo-se abaixo de 2% a partir de 2000, uma participação bastante baixa.
Nas funções que a autora chama de infraestruturais, já que propulsoras do crescimento e
do desenvolvimento nacional, como Habitação, Agricultura, Transporte, Energia Elétrica,
Comércio, Indústria e Desenvolvimento Regional nota-se uma redução da participação no
orçamento em todos os casos. Atenta, ainda, para a redução significativa nos gastos com
Transporte, Energia e Comunicações mesmo antes de serem privatizados, o que teve o
sucateamento de suas estruturas como conseqüência, induzindo a ineficiência e a privatização.
Assim como no estudo pautado pelos grupos de despesa, é a função “Encargos Especiais”
relacionada ao pagamento da dívida pública a que mais tem crescido proporcionalmente ao
orçamento e a que tem maior participação passando de 21,7% em 2000 para 34,2% em 2006 e
31,94% em 2007.
A conclusão, destarte, trazida pelo estudo de Ferreira (2010) é que, a partir da década de
1990, num padrão que segue posteriormente ao governo Cardoso, há, de fato, uma mudança no
padrão desenvolvimentista do Estado, que passa a sacrificar os gastos com investimentos em
benefício do mercado financeiro. Tudo isso, porém, sem reduzir o ônus da dívida pública no
orçamento, um dos elementos importantes apontados por Bresser Pereira no diagnóstico da crise
fiscal, que, apesar dos sucessivos superávits primários, tem aumentado sua relação com o PIB.
O que se tem, na realidade, é que o Estado retraiu sua função como propulsor do crescimento econômico – o que realizava principalmente mediante investimentos – e manteve sua participação ativa como “garantidor” da preservação de interesses financeiros e rentistas. A forma como os pagamentos dos juros e encargos da dívida, assim como sua amortização, se sobressaem nos dispêndios do governo é evidência disso (FERREIRA, 2010, p.72).
Todos esses elementos referendam a tese de que o ajuste fiscal proposto na década de
1990, que se transformou na única alternativa “técnica” para o enfrentamento da crise da década
de 1980, foi uma falácia. A maior parte de sua argumentação é meramente ideológica, a serviço
da transferência do fundo público para o capital, revertendo um padrão anterior de maior
participação das políticas sociais e de investimentos produtivos no orçamento público, situação
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que ocorreu mesmo em países como o Brasil onde um Estado de Bem Estar nunca de fato se
efetivou.
Não foi, porém, sem a resistência de setores organizados da classe trabalhadora brasileira
que as propostas neoliberais de Cardoso foram implementadas. Essa resistência, que contava
com a oposição do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo, apesar de insuficiente para, por
exemplo, impedir as privatizações, impediu que algumas contra-reformas estruturais, onde se
inclui a contra-reforma universitária, fossem implementadas na totalidade de sua proposta. Da
mesma forma o governo não conseguiu transformar hospitais, universidades e demais órgãos
públicos em organizações sociais, apesar do fortalecimento do papel Organizações não
governamentais (ONGs), Fundações e demais organizações do terceiro setor na execução de
políticas sociais nesse período, como veremos adiante.
2.3 O governo Lula da Silva: continuidade ou ruptura?
Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem atender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a lógica imperativa do aviltamento venha a demonstrar, afinal, que ainda havia uns quantos degraus para descer (SARAMAGO, 2005, p.59).
Depois de três eleições perdidas (em 1989, 1994 e 1998), na eleição presidencial de 2002,
Lula da Silva, ex-metalúrgico e símbolo do PT, sagrou-se Presidente da República. Sua vitória
pode ser atribuída em larga medida ao sentimento oposicionista de grande parte da população às
medidas regressivas, de retirada de direitos, implementadas pelo governo de Cardoso no período
anterior, associadas aos reflexos da crise econômica que atravessou seu segundo mandato. Seria
a expressão, no Brasil, de um avanço da esquerda na América Latina, resposta a crise do
neoliberalismo, que provocou aumento das desigualdades, redução do crescimento e crises
econômicas em toda região, sendo uma das mais agudas a que ocorreu na Argentina em 2001. A
partir desse momento “o posicionamento com respeito às reformas neoliberais tornou-se
obrigatório para qualquer perspectiva que se proponha alternativa na região” tendo “a própria
ortodoxia necessidade de reformular suas idéias – sem alteração do conteúdo- em virtude do
fracasso das reformas neoliberais” (CARCANHOLO, 2010, p.122).
93
Mesmo representando um sentimento anti-neoliberal, ainda na campanha eleitoral, Lula
da Silva fez questão de desmentir que seu governo fosse representar ruptura com a política do
governo anterior. O episódio mais importante foi a divulgação da “Carta ao Povo Brasileiro”. O
documento respondia à preocupação do capital com uma possível mudança de rumo, que poderia
ser implementada por Lula. Ainda que falasse muitas vezes de mudança e justiça social, eram os
credores, empresários e proprietários em geral seu público alvo. No meio das promessas, comuns
a qualquer candidato ou governo, de crescimento econômico e melhoria na distribuição de
renda, afirmava-se: “o respeito aos contratos e obrigações do país”, a compreensão de que “a
margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena”, o compromisso de
“preservar o superávit primário o quanto for necessário”, realizar reformas tributária,
previdenciária e trabalhista “desonerando a produção”, além de “valorizar o agronegócio”. Ou
seja, o documento tranqüilizava o capital de que os principais alicerces do governo Cardoso
seriam garantidos e que qualquer defesa do socialismo ficaria para os dias de festa. Somou-se a
isso a aliança com partidos de centro-direita e a aproximação com setores das elites tradicionais
como José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, caracterizando um governo policlassista desde
sua origem.
Mesmo assim, durante algum tempo setores do governo e do PT mais progressistas
atribuíam o continuísmo do governo a um período de transição necessário para a superação da
“herança maldita” deixada pelo governo Cardoso. Outra tese defendia a necessidade de “disputar
os rumos do governo” com os setores mais retrógrados que compunham sua coalizão.
Paulani (2008), assim como tantos outros autores, sustenta que a política de Lula desde o
início do seu governo tem “uma inclinação inequivocamente liberal” e afirma existirem dois elos
argumentativos que sustentam a política neoliberal no governo Lula. O primeiro é a idéia, já
debatida neste trabalho, de que não existem alternativas na política econômica e que as escolhas
são fundamentadas em critérios técnicos e não políticos ou ideológicos. O neoliberalismo, ainda
que com outros nomes, nesses marcos, é inevitável e não uma opção do governo.
O segundo elo argumentativo é a idéia da necessidade de retomar a “credibilidade” do
país. Esse argumento, segundo Paulani, sugere que recuperada a credibilidade abre-se espaço
para a alteração da política. Porém não é o que acontece já que “uma vez conquistada, a
‘credibilidade’ cobra um preço alto pela fidelidade: a manutenção de todos os mimos que
permitiram sua conquista [...]” ( PAULANI, 2008, 18).
94
Dessa forma a política neoliberal, semelhante a do governo Cardoso, implementada pelo
governo Lula estava longe de ser uma política de transição. Era, isso sim, o modelo adotado,
onde o crescimento econômico e a redução do desemprego seriam o permitido, dentro desses
limites. “Em poucas palavras, se for possível obter também esses resultados, por pífios que
sejam, ótimo. Se não...paciência. Mas, sendo assim, de que serve a tão buscada credibilidade?”
(Paulani, 2008, p. 18).
A resposta que a autora dá a sua própria pergunta é que a “credibilidade”, em nome da
qual são exigidos severos sacrifícios aos trabalhadores, na prática é necessária não para manter a
estabilidade e sustentabilidade do crescimento, mas sim a vulnerabilidade do país.
Vulnerabilidade necessária, por sua vez, para valorizar os capitais especulativos que dominam o
processo de acumulação.
Boito (2005) apresenta uma análise da política econômica do governo Lula com algumas
inflexões. Para o autor, o governo constrói uma “nova versão do modelo capitalista neoliberal”
que apresenta mudanças que não alteram a condição de dependência do país e as condições de
vida da classe trabalhadora, mas dão “um novo fôlego político a esse modelo anti-nacional e
anti-popular de capitalismo”, o que Lima (2004, p.29) vai chamar de “neoliberalismo
requentado”.
Para Boito o modelo implementado por Lula aproxima-se do adotado no segundo
governo Cardoso, aprofundando-o. Trata-se de uma política de estímulo à exportação mantendo
uma balança comercial favorável, que teve que ser seguida por Cardoso após a crise de 1999.
Essa medida agradou a burguesia interna que reivindicava tais medidas desde o governo anterior.
Boito atenta, entretanto, para dois fatos importantes: essa inflexão não rompe a
hegemonia do capital financeiro nem torna a política externa brasileira progressista, como
apontam alguns analistas do governo.
O primeiro fato ocorre, pois o estímulo à produção se dá na exata medida dos interesses
do capital financeiro. Ao estimular a exportação ao invés do crescimento do mercado interno, o
governo garante a captação de dólares que, por sua vez, são direcionados não para investimentos
nem para estimular mais ainda a produção, mas para o pagamento de juros da dívida. Para se
assegurar disso o governo mantém elevados superávits primários e juros.
O segundo fato se dá, pois, apesar de uma política externa voltada para a ampliação dos
mercados para produtos brasileiros, o governo limita-se a reivindicar no plano internacional o
95
direito liberal ao livre comércio, lutando contra políticas protecionistas de países centrais. Com
isso abdica de lutar por regras comerciais que protejam os produtos de países periféricos ou de
lutar por uma melhoria na posição brasileira dentro da divisão internacional do trabalho.
Contenta-se em se manter exportador de matérias primas e produtos industriais de baixa
densidade tecnológica, perpetuando as trocas desiguais que mantêm o país em condição de
dependência e atraso em relação aos países centrais.
Outros autores vão caracterizar o governo Lula dentro do espectro teórico e político do
novo-desenvolvimentismo52, ao lado dos Kirchner na Argentina, de Bachelet no Chile e Vasquéz
no Uruguai, que seria uma espécie de terceira via latino americana.
Katz (2010) afirma que a perspectiva novo-desenvolvimentista retoma a idéia de
oposição entre setores da burguesia financeira e da burguesia produtiva, devendo estabelecer
uma política que favoreça os últimos. Essa distinção entre “um capitalismo benfazejo, do bem-
estar” e um “capitalismo malfazejo e neoliberal”, como afirma Fontes (2010), nega a relação de
continuidade entre eles e a relação íntima entre capital industrial, bancário, comercial e fictício,
típico do período do imperialismo. Ainda assim, “Lula um líder natural do pelotão novo-
desenvolvimentista, mostrou (...) maior afinidade com o capital financeiro do que com os setores
industriais” (KATZ, 2010, p65).
Para Prado e Meirelles (2010) essa volta ao passado do novo-desenvolvimentismo, ao
contrário do desenvolvimentismo original, limita-se à análise econômica tradicional, não
retomando grandes questões políticas e sociais colocadas por seus predecessores. Ficando no
meio caminho entre a crítica ao neoliberalismo e ao arcaísmo da esquerda socialista, o novo-
desenvolvimentismo é, sobretudo, uma corrente ideológica que não rompe com a lógica central
do neoliberalismo e retoma a “ilusão do desenvolvimento” (PRADO ; MEIRELLES, 2010,
p.186) dentro de uma realidade capitalista e heterônoma. Reacende, com isso, as antigas
perspectivas etapistas53 de parte da esquerda latino-americana, que mais uma vez vai defender a
inevitabilidade de etapas anteriores à ruptura com o capitalismo para o combate dois “inimigos
52 Para aprofundar esse debate consultar os textos do livro organizado por Castelo (2010). 53 A origem da tese da revolução por etapas encontra-se nas elaborações dos Partidos Comunistas no período estalinista, que defendiam que os países do terceiro mundo encontravam-se em estágios feudais ou semi-feudais necessitando, portanto, de uma etapa capitalista. Para isso seria necessário uma aliança dos trabalhadores com a burguesia industrial para implementar a fase da revolução burguesa, anterior a da revolução socialista.
96
principais”: a direita oligárquica e a especulação financeira (KATZ, 2010, p.64). Para Katz
(2010, p.75): A postulação de que o socialismo pode ser iniciado em um período contemporâneo conduz à defesa, sem dissimulações da identidade socialista. Por outro lado, o favorecimento de uma etapa novo-desenvolvimentista induz à hesitação na luta contra o capitalismo.
Mas, apesar da política continuísta neoliberal, os indicadores econômicos e sociais
demonstraram alguns avanços no governo Lula. A que se devem esses avanços?
Na área econômica o governo pode contar com um cenário internacional favorável desde
2004. Durante o primeiro mandato de Lula a economia mundial cresceu em média 5% ao ano, o
que possibilitou ao país o crescimento de 3,4% do PIB ao ano em média nesse período, chegando
a 5,7% em 2004, maior alta desde 1994, primeiro ano do Plano Real. O governo também
manteve o saldo da balança comercial positivo, o que vinha ocorrendo desde 2001 com as
políticas de incentivo à exportação e se beneficiou ainda mais do aumento do preço de
commodities no mercado internacional observado entre 2003 e 2006. Esse período favorável só
pode ser aproveitado pelo governo, porém, a partir de 2005 na recomposição de suas reservas
internacionais, quando conseguiu saldar a maior parte de sua dívida com o FMI. Esses ventos
favoráveis internacionais só se modificam a partir de 2008. A crise econômica mundial que
começa a ser sentida nos países centrais fez cair o preço das commodities reduzindo os superávits
na balança e tornando o saldo da conta corrente deficitário em 2008 (NAKATANI ; OLIVEIRA,
2010). Apesar do otimismo de que a crise não aportará por aqui permanecer no país, Sampaio Jr.
(2010, p.48) defende que o hiato de tempo entre o impacto da crise nos países centrais e
periféricos se deve ao diferente encadeamento da relação crédito-gasto-renda, onde na periferia
“os efeitos multiplicadores da renda das exportações, ao ampliar o mercado interno, dão uma
sobrevida ao crescimento econômico”. Para o autor, analisando a América Latina (SAMPAIO
JR., 2010, p.52), a crise mundial do capitalismo tende a ampliar a dependência dos países,
retraindo o crescimento econômico:
Elo mais fraco do sistema capitalista mundial e zona de influência dos Estados Unidos a região será duramente pressionada a dar a sua contribuição no processo de socialização dos prejuízos do grande capital. Como a crise impõe a eliminação do parque produtivo redundante, é de se esperar uma aceleração e uma maior intensidade na tendência à desindustrialização e à especialização regressiva que têm caracterizado o ajuste estrutural das economias latino-americanas aos ditames da ordem global.
97
Mesmo com o cenário positivo na maior parte do período, o governo manteve as medidas
neoliberais de seu antecessor. Manteve a taxa Selic, mesmo com pequenas alterações, a posição
de taxa de juros real mais alta do mundo, um superávit primário superior ao acordado com o
FMI, uma relação desfavorável entre a dívida e o PIB que continuava na casa dos 40% em 2006.
Outro destaque foi a conversão da dívida externa em dívida interna a partir de 2006, com os
benefícios de isenção fiscal garantidos pela lei 11.312/06. A medida permitiu um aumento de
reservas, mas ampliou a fragilidade fiscal do país, pois os juros internos que passaram a incidir
sobre a maior parte da dívida pública, mantiveram-se bem maiores que os externos
(NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010).
Além disso, o governo aprofundou a “reforma” bresseriana do Estado, diluindo as
fronteiras entre o público e o privado, com a privatização da gestão pública. Exemplo central
disso foi a Lei das Parcerias Público - Privadas de dezembro de 2004. Com essa lei o governo
regulamentou a licitação e contratação de parceria público privado por órgãos da administração
pública direta e indireta através de contrato administrativo de concessão.
No início de seu segundo mandato o governo anunciou o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) que levou o governo a reivindicar mais claramente sua face novo-
desenvolvimentista54.
Em trabalho elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Orçamento Público e
Seguridade Social (GOPSS, 2007) demonstram-se as contradições colocadas pelo programa
desde sua elaboração.
Primeiro é apresentado no PAC um longo capítulo de desonerações tributárias, um
grande golpe no financiamento das políticas sociais, prevendo uma perda de arrecadação de R$
6,6 bilhões que deveria chegar a R$11,5 bilhões em 2008. Para isso foram implementadas as
seguintes medidas: “recuperação acelerada dos créditos de PIS e COFINS em edificações (de 25
anos para 24 meses), deixando de arrecadar cerca de R$ 3,45 bilhões em 2007/2008;
54 Não por coincidência a sucessora de Lula nas próximas eleições presidenciais foi coordenadora do programa. Em reportagem do Estado de São Paulo de 26 de dezembro de 2009 afirma-se: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer colar em Dilma o carimbo do "novo desenvolvimentismo” [...] Na prática, a volta da retórica à esquerda na seara do petismo é reflexo da vitória, dentro do governo, do grupo desenvolvimentista, que no primeiro mandato de Lula travou forte queda de braço com os monetaristas. "Nós interrompemos a visão neoliberal do Estado mínimo e recuperamos não só os bancos públicos, como estatais do porte da Petrobrás", argumentou o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), integrante da comissão escalada pelo partido para preparar o programa de Dilma. "Estamos, sim, construindo um novo desenvolvimentismo."”
98
desoneração de obras de infra-estrutura (suspensão da cobrança de PIS/COFINS nas aquisições
de insumos e serviços vinculados a novos projetos); programa de incentivos ao setor da TV
Digital que prevê redução a 0% de PIS/COFINS; programa de incentivo ao setor de semi-
condutores que prevê redução a 0% de PIS/COFINS; ampliação do benefício tributário para
micro-computadores, com alíquota 0% de PIS/COFINS para computadores até R$ 4.000,00;
prorrogação por dois anos do benefício que permite a contabilização fiscal da depreciação de
novos investimentos na metade do prazo normal, reduzindo a contribuição social sobre o lucro
(CSLL) devido pelas empresas; prorrogação do prazo de permanência da construção civil no
regime de cumulatividade do PIS e da COFINS até 31 de dezembro de 2008; criação da Receita
Federal do Brasil, diluindo os recursos da previdência social, agora sob gestão do Tesouro
Nacional” (BEHRING et al, 2008).
Essas isenções promoveram fortes perdas nas fontes de financiamento da Seguridade
Social, com isenções parciais e em alguns casos totais, de tributos que compõem a estrutura
central de realização das políticas de previdência, saúde e assistência social, aprofundando a
transferência do fundo público para o capital privado.
Tudo isso porque grande parte do capital necessário para a viabilização do PAC deve sair
da iniciativa privada – cerca de R$ 390,1 bilhões do setor privado e R$ 113,8 bilhões do setor
público – levando o governo a criar uma legislação que estimulasse esses investimentos. Ainda
assim ele não consegue criar condições para que estes se concretizem. Isso porque o
investimento público permanece muito baixo e o privado deve fazer investimentos longos e de
baixa rentabilidade, não necessariamente atrativos, o que coloca em questão a efetividade do
programa. Isso porque o setor público tende a não cumprir sua meta de investimentos devido ao
ajuste fiscal voltado para o pagamento da dívida pública, e a iniciativa privada, por sua vez,
tende a seguir a lógica contemporânea do capital que pressiona um maior investimento no
mercado financeiro do que no setor produtivo, por ter maiores vantagens no primeiro.
Na área social o governo também manteve e aprofundou a lógica neoliberal do governo
Cardoso, dando continuidade às contra-reformas estruturais, em acordo com o recomendado
pelos organismos internacionais.
O primeiro projeto importante do governo foi a segunda etapa da contra-reforma da
previdência. Se o governo anterior tinha iniciado a contra-reforma pelo setor privado o governo
Lula a implementa no setor público. Para Paulani (2008,43) o principal efeito da contra-reforma
99
é a substituição do regime de repartição para o de capitalização já que a instituição de tetos para
os benefícios levarão os trabalhadores a adotar fundos complementares de previdência55,
beneficiando mais uma vez o capital financeiro. Além disso, elevou contribuições, idade e tempo
de trabalho para a obtenção de benefícios taxou os inativos, contribuindo com o ajuste fiscal
pró-pagamento da dívida através da retirada de direitos dos trabalhadores.
Mas o carro-chefe do governo, que tem sido propagandeado como responsável pela
redução dos índices de pobreza no Brasil56, foi certamente o Programa Bolsa-Família. O
Programa foi instituído por Medida Provisória em 2003, sancionado por lei e regulamentado por
decreto em 2004. Seu objetivo era unificar a gestão e a execução das ações de transferência de
renda com condicionalidades existentes desde o governo Cardoso como o Programa Bolsa-
Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio Gás. Integrava uma estratégia de combate à fome e à
pobreza, o Fome Zero, transferindo renda com condicionalidades na saúde e na educação.
Famílias com renda mensal per capita entre o equivalente a 30,7 e 61 dólares e abaixo de 30,7
dólares em outra faixa, nos valores de 2007, teriam direito ao benefício se cadastradas no
Cadastro Único para Programas Sociais (Stein, 2008). Ao contrário do Benefício de Prestação
Continuada (BPC), um direto constitucional que garante um salário mínimo de transferência de
renda para idosos e portadores de deficiências incapacitantes para o trabalho, o Programa Bolsa-
Família depende dos recursos liberados pelo governo para a inserção dos usuários. Não se
constitui, portanto, enquanto direito garantido a todos aqueles incluídos em seus critérios, que
por si só já são extremamente rebaixados, limitando o programa àqueles que se encontram em
extrema pobreza.
Alguns autores têm apontado o Programa Bolsa-Família como o principal responsável
pela atual popularidade do governo Lula cuja aprovação está na casa dos 80%.
55 “Os fundos de pensão (que agora serão ainda mais numerosos e volumosos) funcionam como braço auxiliar da dívida pública, no papel de retirar da esfera da acumulação produtiva parcelas substantivas da renda real” (PAULANI, 2008, 46) alimentando assim a esfera financeira da economia. 56 Segundo o Plano para o Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (PNUD -ONU) de 2007, o Brasil apresentou: crescimento da renda per capita dos 10% mais pobres a taxa de 8% ao ano; crescimento da renda per capita geral de 0,9% ao ano; redução de 3,8% de brasileiros abaixo da linha de pobreza; redução de 5,6% de brasileiros abaixo da linha de extrema pobreza; e redução da desigualdade em 5% segundo o coeficiente Gini. Ainda assim o Brasil apresentava a oitava pior posição de desigualdade de renda entre os países acompanhados pelo PNUD, a frente apenas de sete países africanos.
100
Singer (2009, p.83) demonstra que, ainda que a votação de Lula em 2002, quando vence
seu primeiro mandato e em 2006, seu segundo mandato, tenham sido bastante semelhantes, uma
análise mais cuidadosa demonstra “um importante realinhamento político de estratos decisivos
do eleitorado” em 2006. O autor demonstra que de 2002 para 2006 o governo perdeu apoio de
seus eleitores tradicionais da classe média, devido à crise do mensalão e demais denúncias de
corrupção, aos ataques ao funcionalismo público e outras medidas que geraram desilusão em um
governo qualitativamente diferente dos anteriores. Por outro lado, passou a ter significativo
apoio de setores de baixíssima renda, o que o autor atribui principalmente ao Bolsa-Família mas
não só. Também o aumento real do salário mínimo verificado no período e o aumento do crédito
consignado, que ampliaram as possibilidades de consumo para essa faixa de renda, são
elementos que justificam a adesão dos subproletários ao fenômeno chamado pelo autor de
lulismo. O autor se utiliza de Marx, em sua obra “O dezoito brumário de Luis Bonaparte”, para
explicar a necessidade dessa fração da classe da trabalhadora de, com dificuldades estruturais
para se organizar, buscar no alto sua representação, isto é, não podendo representar-se, serem
representados. Apesar de concordarmos com essa análise de Singer, discordamos de sua
conclusão otimista em relação ao governo que teria, segundo ele, dado de forma inédita voz e
melhores condições para esse segmento da classe trabalhadora.
As políticas apontadas pelo autor como progressistas são bastante limitadas pelos
interesses hegemônicos, expressos pela política econômica francamente neoliberal, e
contraditoriamente também a favorecem. O aumento do crédito e a lógica da transferência de
renda, uma política social mediada pelas instituições bancárias, colocam no circuito da
financeirização da economia até os setores mais pauperizados da população, beneficiando
também o capital financeiro. Além disso, a transferência de renda, apesar de ter sido ampliada no
período do governo Lula, continua sendo uma política barata para o governo. A totalidade do
orçamento da Assistência Social, onde se insere o Programa Bolsa-Família, continua patinando
entre 2% e 3% do total do orçamento da União. As políticas também estão longe de se
constituírem como direito, representando mais brechas ou sobras de caixa garantidas pela boa
situação da economia do período e pelos sacrifícios impostos a outros segmentos da classe
trabalhadora.
101
Boito (2005) também identifica essa mudança de bases do governo57 que ele chama de
novo populismo. O governo para fazer política com os setores mais pauperizados ataca direitos
dos segmentos assalariados dos trabalhadores, e em particular os funcionários públicos,
reatualizando os “marajás” de Collor e os “vagabundos” de Cardoso, e passa a se utilizar
eleitoralmente desse segmento. Para Boito (2005, p.3):
Há semelhanças entre esse novo populismo e o antigo populismo de Getúlio Vargas, mas há diferenças importantes também. Vargas apelava aos trabalhadores para levar de vencida ou contornar a resistência das oligarquias e do imperialismo à industrialização do Brasil, enquanto o governo Lula, dando seqüência a um novo filão descoberto por Fernando Collor, apela aos descamisados para jogá-los contra os trabalhadores organizados de modo a fazer passar a política do capital financeiro nacional e internacional.
Em síntese, concluímos nossa análise identificando que o governo Lula teve como marca
a continuidade e não a ruptura, a partir de uma escolha política consciente. As contra-reformas
neoliberais foram mantidas e aprofundadas, bem como os principais sustentáculos da política
econômica de Cardoso: liberalização econômica, favorecimento do capital financeiro por meio
da dívida pública, juros altos, superávits primários. No que tange as políticas sociais aprofundou-
se a perspectiva focalista e manteve-se a privatização, por meio da lógica público-privada e
pública não-estatal.
As diferenças entre os governos Lula e Cardoso atribuem-se menos a origem de classe do
PT e mais aos necessários ajustes feitos pelo conjunto do capitalismo desde seus organismos
internacionais, que precisaram, ao menos no discurso, responder ao crescimento das críticas ao
neoliberalismo. Críticas geradas pelas crises econômicas, que desembocaram em inúmeros
movimentos de contestação na América Latina como os piqueteiros argentinos, os pingüins
chilenos, a luta contra a privatização da água na Bolívia, culminando com a eleição de Morales
na Bolívia, Chavez na Venezuela e mesmo Lula no Brasil. A esperança dos trabalhadores
brasileiros numa ruptura do governo com o modelo neoliberal acabou numa experiência que
apenas mesclou medidas do social-liberalismo com o novo-desenvolvimentismo, tendo como
ponto forte o peso ideológico da figura de Lula e os “bons ventos” da economia internacional,
que se mantiveram na maior parte de seu go
57 Boito (2005), porém, também atribui essa mudança de base social ao PT, hipótese de que discorda Singer (2009) para quem as mudanças se limitam a figura de Lula. A performance da candidatura do PT nas próximas eleições presidenciais, de Dilma Roussef, será um bom termômetro para esse debate.
102
3 A CONTRA - REFORMA NAS UNIVERSIDADES
Não foi apenas na política econômica que o governo Lula caracterizou-se, como Oliveira
chamou, de terceiro governo da era Fernando Henrique Cardoso (apud COUTINHO, 2003).
Também em relação às universidades as medidas do governo, ainda que com inflexões e
particularidades, seguiram, na sua lógica, o que vinha sendo implementado por Cardoso. É essa a
discussão que faremos nessa seção do trabalho.
Na década de 1990, durante o governo Cardoso, a contra-reforma do ensino superior
torna-se parte importante da contra-reforma do Estado em curso. A proposta do governo estava
em consonância com documentos produzidos pelos organismos internacionais como o Banco
Mundial, em particular o documento “O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência” de
199458. Esse é um marco importante na redefinição das estratégias do Banco Mundial para a
educação, quando o ensino superior passa a ter papel de destaque para o alívio da pobreza e para
a coesão social.
Para Leher (1999, p.30), “não é possível compreender o sentido e o significado das atuais
reformas sem considerar sua matriz conceitual, formulada no âmbito do Banco Mundial”. Na
hipótese do autor o substrato das reformas educacionais na América Latina está na relação entre
educação, segurança e pobreza. A educação passa a ser um importante mecanismo de
enfrentamento da questão da pobreza com conteúdos impregnados de ideologia, com o objetivo
de manter um ambiente seguro para os negócios. Para tanto, o Banco Mundial passa a investir
em educação a partir de 1990, com prioridade na periferia para um “ensino fundamental
‘minimalista’” e para a “formação profissional ‘aligeirada’” (LEHER, 1999, p.27). Isso porque
países periféricos com economias subordinadas têm sua produção restrita a mercadorias de baixo
valor agregado, requerendo um trabalho pouco qualificado.
O objetivo declarado do Banco Mundial, no documento de 1994, é orientar suas ações de
apoio e financiamento nos países periféricos, determinando um modelo ideal de ensino superior
a partir de experiências que considera bem sucedidas, como o modelo chileno. O diagnóstico 58 Para Neves e Pronko (2008, p.113): “Se é verdade que, no planejamento de suas ações político-pedagógicas, os Estados Nacionais possuem de fato uma autonomia relativa na definição de limites e possibilidades de implementação do sistema, é verdade também que estes seguem, em linhas gerais, as diretrizes dos organismos internacionais. Os planejadores locais, nesse contexto, desempenham majoritariamente o papel de adaptadores, em âmbito local, de políticas formuladas externamente.”
103
apresentado é de que, por serem financiadas pelo orçamento do Estado, as universidades públicas
seriam também responsáveis pelas crises fiscais, e mesmo assim continuavam com poucos e mal
aplicados recursos. Logo, seria possível, segundo o Banco, através da racionalização, reduzir os
recursos por estudante aumentando a qualidade do ensino. Para isso seria necessário superar: a. a
baixa relação professor-aluno; b. a subutilização de alguns serviços; c. a duplicação de
programas; d. as altas taxas de evasão e repetência; e. os altos gastos com serviços não-
educacionais como alojamento, alimentação e outros serviços subvencionados pelo o Estado para
os estudantes (BANCO MUNDIAL, 1994, p.3).
Outro argumento central é a injustiça que representa para a sociedade financiar as
universidades públicas quando, segundo o documento, a maioria dos estudantes dessas
instituições é proveniente dos setores de renda mais alta na sociedade. Essa é uma mentira que
foi tornando-se verdade de tantas vezes repetida, sustentáculo importante para a construção de
consenso acerca das contra-reformas propostas para as universidades. Segundo Siqueira (2004),
dados do INEP, instituto do próprio governo, de 2003, demonstram que há mais alunos carentes
em instituições públicas do que em privadas em todas as áreas. O Banco Mundial, entretanto,
sem dados concretos insiste na tese de que os estudantes das universidades públicas são ricos e
privilegiados59, desconsiderando também que as parcelas mais pauperizadas da população não
poderiam estar na universidade, pois sequer chegam ao ensino médio, e que essa realidade é de
responsabilidade dos governos. Mais uma vez a estratégia é dividir a classe trabalhadora jogando
os setores mais pauperizados contra os assalariados médios, quem de fato tem seus filhos nas
universidades públicas.
As propostas apresentadas para superar a crise do ensino superior se articulam em quatro
eixos: diversificação dos tipos de instituição, não mais numa perspectiva universitária, mas
terciária ou pós-secundária; incentivo à diversificação das fontes de financiamento das
instituições públicas; redefinição da função do governo no ensino superior; e adoção de políticas
destinadas a melhorar a qualidade e a equidade do ensino superior.
Em relação ao primeiro eixo - a diversificação das instituições - o Banco Mundial
considera que o modelo europeu é muito caro e pouco apropriado para países em 59 O Banco Mundial chega a afirmar que “em países cujos sistemas de governo são débeis, os estudantes ressentidos com a redução de seus subsídios e privilégios podem representar uma ameaça à estabilidade política. Em conseqüência os governos devem proceder com muita cautela ao implementar as reformas que talvez afetem as famílias mais poderosas, que podem desestabilizar o regime”(1999,5, tradução e grifo nossos).
104
desenvolvimento60. Sua proposta é que se amplie o ensino privado, o que permitiria responder a
demanda por vagas, em instituições mais capazes de responder rapidamente às necessidades do
mercado. Para isso sugere a implementação de inúmeros modelos de cursos terciários como
politécnicos, institutos profissionais e técnicos de ciclos curtos, community colleges61 e
programas de ensino à distância, que, segundo eles, teriam custos menores e seriam mais
atrativos para estudantes e para investidores privados. O “sistema de educação terciária”, novo
modelo defendido pelos organismos internacionais, pretende, em verdade, “conferir maior
organicidade (...) ao crescimento exponencial de um ensino fragmentado e privatista por ele
impulsionado” (NEVES e PRONKO, 2008, p.118).
Caberia ao Estado uma regulamentação de incentivos ao setor privado que evite o
controle das mensalidades e inclua uma política de acreditação, fiscalização e avaliação das
instituições privadas, além da possibilidade de incentivos financeiros. Observemos que a
fiscalização não aparece como uma política de controle, mas de incentivo ao ensino privado.
Como no ensino privado o custo do estudante é supostamente mais baixo, o Estado ganharia
dando incentivos públicos para a abertura de novas matrículas. O objetivo em longo prazo,
segundo o documento, seria, a partir de uma equalização na qualidade entre instituições públicas
e privadas, estabelecer condições de igualdade de financiamento público para ambas, baseando-
se apenas no critério da qualidade das suas propostas. Essa meta relaciona-se com o Acordo
Geral sobre Comércios e Serviços assinado pelos membros da OMC em 1995. O acordo incluiu
a educação como serviço em bases comerciais62 o que significa que
se o governo oferecer cursos que outros provedores privados também oferecem, ele estará em concorrência com esses outros provedores [...] e como ele tem financiamento público, pelas leis que regem o comércio isso seria uma concorrência desleal, portanto sujeita a sanções da OMC (SIQUEIRA, 2004, 56).
60 Para Leher (1999,27): “se o país submetido às orientações do Banco deve abdicar da construção de um projeto de nação independente, um sistema de ensino superior dotado de autonomia relativa frente ao Estado e às instituições privadas soa mesmo anacrônico”. 61 São institutos públicos de estudos pós-secundários que oferecem dois anos de ensino acadêmico e profissional (BANCO MUNDIAL, 1994, p.5). 62 A única exceção são os serviços “caracterizados como fornecidos no exercício da autoridade governamental e que não sejam oferecidos de forma comercial nem entrem em competição com um ou mais provedores de serviço” (OMC, 1995, p.285 apud SIQUEIRA, 2004, p. 56), ou seja, serviços exclusivos do Estado, o que não seria o caso da educação pertencente, na perspectiva neoliberal, ao setor público não-estatal.
105
O que quer dizer que, segundo essa norma, o setor público e o setor privado devem ter as
mesmas condições no acesso aos recursos públicos.
O segundo eixo refere-se à diversificação do financiamento das instituições públicas,
reduzindo, assim, a participação do Estado no seu custeio. Os objetivos seriam a mobilização de
mais recursos privados para as universidades públicas, a garantia de apoio a estudantes pobres
mais qualificados e a melhoria na utilização dos recursos nas instituições.
O aumento de recursos privados deve ocorrer através de três estratégias. Primeiro, pelo
aumento da participação dos estudantes nos gastos, isto é, o fim da gratuidade e da assistência
estudantil, o que, segundo o Banco Mundial, estimularia os estudantes a terminarem seus estudos
mais rapidamente e escolherem com mais cuidado seus cursos. Segundo, pelo financiamento de
ex-alunos e da indústria privada ou organismos externos. E por último, através de atividades que
gerem recursos como: cursos pagos, pesquisas encomendadas por empresas privadas e serviços
de consultoria. A meta sugerida inicialmente é de que 30% dos recursos das universidades
públicas passem a vir de arrecadação própria. Com isso espera-se que as universidades públicas
dependam menos do Estado e fiquem menos sujeitas às suas flutuações orçamentárias, sem
mencionar que elas passam a ficar sujeitas às flutuações e interesses de setores privados. Além
disso, o Banco aponta como fator positivo o crescimento da sensibilidade das instituições
públicas aos sinais do mercado. Isto é, as universidades perdem sua autonomia de funcionamento
a serviço da sociedade e passam a depender e se atrelar aos interesses e necessidades do mercado
capitalista.
No que tange ao apoio aos estudantes pobres qualificados podemos notar duas
características: a focalização e a meritocracia. Uma das medidas sugeridas é a melhoria da
eficiência dos programas de crédito estudantil com ampliação de sua cobertura. Já sobre a
assistência estudantil, a idéia é de que seja oferecida independente da instituição cursada, se
pública ou privada, por meio de programas de trabalho e estudo, o que permitiria ao estudante
optar, com as mesmas condições de um estudante com mais recursos e, estimularia a competição
entre as instituições por esses estudantes.
O terceiro eixo relaciona-se diretamente ao segundo porque uma mudança nas funções do
governo em relação às instituições de ensino superior é necessária para viabilizar os caminhos
propostos para ampliação das universidades privadas e privatização das públicas. A proposta é
que “em lugar de exercer um controle direto, a função do governo passa a ser de proporcionar
106
um ambiente de políticas favorável para as instituições públicas e privadas do nível terciário”
(BANCO MUNDIAL, 1994, p.10, tradução nossa). Ou seja, aos moldes das propostas
neoliberais da terceira via, o Estado passaria de executor à regulador, e instituições públicas e
privadas, conforme os acordos da OMC, devem ser igualmente tratadas inclusive no que tange
ao financiamento público. O único critério para diferenciar as instituições seria o de qualidade,
que deve ser verificada através de processos de acreditação. Essa acreditação, segundo o Banco
Mundial poderia ser dada pelos governos, o que é considerado, porém, muito oneroso, ou por
instituições privadas de acreditação ou associações profissionais que desempenhem essa função.
Além dessas medidas, é necessário também que as universidades públicas passem a ter mais
autonomia. A autonomia é entendida como direito a fixar taxas e mensalidades, contratar e
despedir pessoal e utilizar livremente o orçamento que lhe é garantido. O controle público se
daria apenas sobre os resultados das mesmas.
O quarto e último eixo do documento do Banco Mundial refere-se à qualidade,
adaptabilidade e equidade63, ou seja, determina finalmente quais são os parâmetros de
mensuração do grande critério que passaria a ser utilizado para a distribuição de recursos e
benefícios às instituições. O objetivo seria uma melhoria na qualidade do ensino e da pesquisa,
uma maior adaptação do ensino pós-secundário às demandas do mercado de trabalho e uma
maior equidade no acesso.
Para melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa o documento aponta a necessidade de
estudantes melhor preparados pelo ensino fundamental e médio e professores bem preparados,
motivados e com um ambiente que garanta os insumos pedagógicos necessários. Mais uma vez o
que determinará essa qualidade seriam avaliações internas e externas, sem expor até então que
critérios devem ser adotados para medi-la.
Mas fica claro que é o segundo objetivo desse eixo o que direciona o conteúdo esperado
no ensino e na pesquisa. O ensino deve se orientar para o mercado sendo que “em um contexto
de estratégias de crescimento econômico baseadas em inovações tecnológicas tem importância
fundamental que as instituições a cargo dos programas avançados de ensino e pesquisa contem
com a orientação de representantes do setor produtivo” (BANCO MUNDIAL, 1994, p.12,
63 Sobre equidade o Banco Mundial sugere políticas de cotas para aumentar a proporção de mulheres e minorias étnicas no ensino terciário, para que este cumpra seu papel na coesão social.
107
tradução nossa). O Banco Mundial sugere, enfim, a participação de representantes do setor
privado nos conselhos administrativos de instituições públicas e privadas para “assegurar a
pertinência dos programas acadêmicos” (BANCO MUNDIAL, 1994, p.12, tradução nossa). Ou
seja, a qualidade é, sem mediações, a qualidade para os interesses do mercado. Como prêmio o
setor privado incentivaria pesquisas conjuntas entre universidades e empresas, bolsas de estudos
para estudantes e cursos em tempo parcial para profissionais do setor produtivo.
Chauí (1999) critica essa nova perspectiva de universidade batizada por ela de
universidade operacional. O pressuposto ideológico que sustenta essa transformação é, para a
autora, a defesa do mercado como espaço de garantia do bem-estar e de racionalização sócio-
política e não mais o Estado.
A universidade clássica estava voltada para o conhecimento e a ela sucedeu a
universidade funcional, adaptada para as necessidades do capital de qualificação da força de
trabalho. A terceira fase da universidade seria a universidade operacional. Adequada à lógica de
“serviço público não-estatal” a universidade passa, então, de instituição social à organização
social. Para Chauí essa transformação leva a muitas implicações já que como organização ela
deixa de referenciar-se na sociedade e passa a auto-referenciar-se, ou seja, “está voltada para si
mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos” (CHAUÍ, 1999, 5). Assim a
organização social
É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe (CHAUÍ, 1999, p.3).
Nesse modelo de universidade a autonomia fica reduzida ao gerenciamento empresarial
de receitas e despesas, com liberdade para captação privada de recursos, com o objetivo de
cumprir as metas fixadas em contratos de gestão firmados com o Estado. O corolário da
autonomia é, por sua vez, a flexibilização compreendida como: flexibilização dos contratos com
o fim da estabilidade e dos concursos públicos, fim das licitações e das prestações de conta,
flexibilização dos currículos adaptando-os as necessidades do capital em cada localidade e
separação do ensino e da pesquisa. Já a qualidade, ainda segundo Chauí, passa a ser medida pela
produtividade: quanto se produz, em quanto tempo se produz e com que custo se produz, o que
108
irá definir os contratos de gestão. A qualidade é na verdade medida pela quantidade não
importando mais o que se produz, como se produz e para que (ou quem) se produz. Todos esses
princípios estão claramente em acordo com a proposta de Reforma do Estado assumida pelo
governo desde Cardoso64.
Esse documento do Banco Mundial de 1994 refere-se, porém, ao primeiro período de
mudanças na formação do trabalho intelectual, que se estendeu até o final dos anos 1990, e tinha
como objetivo o desmonte do sistema de educação superior então vigente, através de mudanças
no seu arcabouço jurídico e incentivo ao setor privado. Nos anos 2000, a “reforma” do ensino
superior entra numa nova fase caracterizada pela busca de uma nova organicidade ao novo
modelo que vinha sendo implementado, através da definição de novos parâmetros, estruturas
curriculares e expansão mais acelerada do acesso a esse nível de ensino. Nos anos 2000, a meta
prioritária de acesso ao ensino básico para os trabalhadores passa a ser ampliada, passando a
incluir essa população na “educação superior de novo tipo para o século XXI” (NEVES e
PRONKO, 2008, p.105). É nesse segundo período que estarão localizadas as iniciativas do
governo Lula.
Para esse novo período de contra-reformas o Banco Mundial lança um novo documento
em 2003 denominado “Construir sociedades de conhecimento: novos desafios para a educação
terciária”. Nesse documento o Banco afirma ampliar os temas discutidos no documento de 1994
dando ênfase a novas tendências quais sejam: o papel emergente do conhecimento como motor
do desenvolvimento, as mudanças decorrentes da ampliação do uso das tecnologias de
informação e comunicação (TIC), a internacionalização tanto de provedores da educação
terciária como de um mercado global de capital humano avançado, o aumento de demandas de
apoio financeiro e técnico ao Banco de países que querem reformar e desenvolver a educação
terciária e, por fim, a necessidade de estabelecer uma visão integrada da educação onde a
educação terciária tem papel crucial na criação de capital humano e social (BANCO MUNDIAL,
2003).
Observemos agora alguns aspectos fundamentais adicionados por esse documento às
perspectivas do Banco Mundial para a educação superior.
64 Segundo Sguissard (2009): “[...] uma especificidade da reforma da educação superior no Brasil reside nas diretrizes da reforma gerencial do Estado posta em prática a partir do Plano Diretor da Reforma do Estado, de 1995”.
109
O documento parte do debate de 1994 reafirmando a necessidade de diversificação do
ensino superior, ou educação terciária conforme denominado pelo Banco. Acrescenta, porém, a
tese da sociedade do conhecimento65 como pressuposto básico para o modelo a ser
implementado. Nessas sociedades o papel da educação terciária seria maior do que nunca. Isso
justifica, de acordo com o documento, o Banco Mundial rever e ampliar suas práticas para esse
setor, ao invés da ênfase dada ao ensino básico no período anterior.
O documento também relaciona os objetivos almejados do ensino terciário às propostas
gerais para o desenvolvimento fixadas pelo Banco Mundial. Quatro seriam os fatores favoráveis
ao desenvolvimento dos países, que podem ter no ensino terciário uma contribuição vital: o
regime institucional e de incentivos macroeconômicos, a infraestrutura das TIC, o sistema de
inovação nacional e a qualidade dos recursos humanos do país. Nesse contexto, o ensino
terciário teria entre seus objetivos a redução da pobreza, através do aumento da produtividade
dos países capacitando a força de trabalho local, gerando novos conhecimentos e adaptando
conhecimentos globais ao uso local, além de aumentar as oportunidades de emprego e ascensão
para estudantes com menos recursos66.
Ou seja, fica claro o duplo objetivo: formar força de trabalho qualificada de acordo com
as necessidades do modelo de acumulação e ao mesmo tempo buscar coesão social, ampliando as
possibilidades de acesso ao ensino superior, mesmo que menos qualificadas. Nesse ponto o
documento sugere uma ampliação dos programas de crédito educativo para estudantes com
menos recursos, o que seria uma política de equidade. Outro importante meio de expansão do
ensino terciário, para o documento, é o uso das TIC através do ensino à distância (EAD).
A expansão do ensino terciário, por meio de várias formas de diversificação, deve ser
acelerada para cumprir esse duplo objetivo, numa perspectiva de massificação. Segundo Neves e
Pronko (2008, p.118) o termo “massificação” só recentemente vem sendo utilizado pelos
organismos internacionais e no Brasil tem sido substituído pelo termo “democratização”, na
nossa opinião, numa perspectiva transformista para buscar adesão de setores progressistas da
65 Segundo Neves e Pronko (2008, p.110) para os organismos internacionais: “[...] as sociedades do conhecimento substituem as sociedades industriais porque o capital físico vem perdendo importância como fonte de riqueza depois que esta começou a ser impulsionada pelas inovações tecnológicas”, tese que tem no determinismo tecnológico suas bases e que discordamos, conforme exposto no capítulo 1 desse trabalho. 66 Lembrando que para o Banco Mundial existe uma relação direta e mecânica entre desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais.
110
comunidade universitária. Além da diversificação das instituições a massificação tem como
fundamento a equidade e a meritocracia, mecanismos que prometem aos segmentos mais
pauperizados da população acesso ao ensino superior de acordo com suas capacidades. Assim “o
sistema de educação terciária permite, de fato, que parcela da classe operária ‘chegue ao
paraíso’, desde que entre pela porta dos fundos” (NEVES ; PRONKO, 2008, p.130).
O documento também se preocupa em determinar de que forma as contra-reformas
devem ser implementadas para conseguirem resultados mais exitosos, através de três lições
derivadas de projetos implementados desde 1992 pelo Banco.
A primeira lição é que as “reformas” integrais são mais eficazes do que a tomada de
medidas isoladas, ainda que admita que as iniciativas em longo prazo possam ocorrer através de
uma série de operações complementares, isto é, uma contra-reforma em fatias.
A segunda lição é que deve se levar em consideração as dimensões políticas das
“reformas”, ou seja, que haverá resistências a sua execução. Para solucionar essa questão o
Banco Mundial aponta que as “reformas” do ensino terciário têm demonstrado melhores
resultados quando há consenso entre os integrantes da comunidade. A criação do consenso é a
primeira fase da contra-reforma , para a qual o Banco Mundial se propõe a facilitar o diálogo
entre as partes. “O Banco pode reunir na mesma mesa interlocutores que em condições normais
não dialogariam nem trabalhariam juntos” (BANCO MUNDIAL, 2008).
A terceira lição demonstra que o oferecimento de incentivos para a realização das
mudanças, ao invés de decretos de cumprimento obrigatório tendem a ter respostas melhores e
mais rápidas das instituições e dos atores envolvidos.
As receitas prescritas pelo Banco Mundial foram adotadas pelo Brasil com adaptações de
acordo com a realidade e com os conflitos e correlações de força locais no embate entre o projeto
neoliberal hegemônico e o projeto dos sujeitos políticos organizados em defesa da universidade
pública. As ações determinaram uma ampliação do ensino superior privado, já hegemônico no
Brasil desde o período anterior, e ao mesmo tempo mudanças que privatizaram e transformaram
por dentro as universidades públicas, num processo de contra-reforma.
A análise das inflexões nas propostas do Banco Mundial para o ensino superior nas
décadas de 90 e 2000 reforçam nossa tese de que as diferenças entre o governo Cardoso e o
governo Lula não são de cunho ideológico, que nos levem a identificar matizes de esquerda e de
direita, mas fruto de alterações no discurso e na estratégia do capital desde o centro, em resposta
111
às resistências impostas pelos trabalhadores ao neoliberalismo. Ninguém melhor do que um
símbolo da luta da classe trabalhadora no Brasil na presidência para obnubilar essa realidade.
Passemos, portanto, às medidas concretas da contra-reforma universitária brasileira
iniciada na década de 1990, centrando nosso debate nas conseqüências para as universidades
públicas. Por fim, analisaremos os dados concretos que vão demonstrar como essas medidas
alteraram ou aprofundaram o modelo de ensino superior do país.
a) A nova legislação: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Plano Nacional de
Educação (PNE), Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e as propostas de “reforma”:
Neves e Pronko (2008) creditam ao governo Cardoso o momento da implementação do
novo modelo de formação para o trabalho complexo67, adequado às novas demandas de
reprodução do capital. No entanto, identificam já na Constituição de 1988 alguns elementos que
foram importantes precondições para a direção posteriormente tomada, apesar de admitirem as
vitórias parciais inscritas na Carta.
As autoras destacam três pontos onde o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública68
sofreu derrotas importantes, que abriram brechas para o empresariamento da educação.
O primeiro ponto foi embate entre o Fórum e setores privatistas do ensino sobre o
financiamento público exclusivo para instituições públicas. Derrotada a proposta do Fórum,
manteve-se aberta a possibilidade de financiamento público ao setor privado, sob condições.
O segundo ponto foi a abertura da possibilidade de escolas privadas laicas poderem ser
instituições lucrativas, pela primeira vez na nossa História. Com isso legitimou-se juridicamente
a transformação destas instituições em empresas de prestação de serviços.
67 Neves e Pronko (2008) utilizam a categoria “trabalho complexo” baseando-se na formulação de Marx no volume I de O Capital: “(...) o trabalho complexo, ao contrário [do trabalho simples], se caracteriza por ser de natureza especializada, requerendo, por isso, maior dispêndio de tempo de formação daquele que irá realizá-lo” (NEVES e PRONKO, 2008, p.22). Estamos utilizando, para o mesmo fim, a categoria “trabalho intelectual” conforme utilizada por Mandel, que refere-se ao trabalho complexo historicamente situado no capitalismo tardio, caracterizado pela necessidade de formação superior. 68 Constituído em 1987 reunia entidades acadêmicas, sindicais, estudantis, profissionais e movimentos populares do campo da educação.
112
Por último, o Fórum foi derrotado na proposta de padrão único de qualidade para o
ensino superior, organicamente vinculado com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão e a exigência da organização desse nível de ensino em universidades. Em vez disso, o
padrão de qualidade tornou-se um princípio geral da educação como um todo e a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão ficou restrita às universidades, não tornando-
se a única forma possível de organização do ensino superior, que manteve a possibilidade de ter
diversificadas modalidades de organização (NEVES ; PRONKO, 2008, p.50).
Já no início do governo Cardoso, Lima (2007) vai enfatizar duas expressões centrais no
embate entre o projeto de educação pública dos sujeitos políticos organizados e o projeto de
educação neoliberal do governo junto a associações de universidades privadas, quais sejam: a
LDB e o PNE aprovados pelo governo respectivamente em 1996 e 2001 e as propostas
elaboradas pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
A nova LDB foi promulgada pelo Congresso Nacional em 12 de setembro de 1996,
substituindo o projeto de lei que vinha sendo debatido há oito anos por uma nova versão “mais
compatível com os interesses neoliberais de então” (NEVES ; PRONKO, 2008, p.58). O novo
projeto, elaborado pelo senador Darcy Ribeiro, apresentava concepções antagônicas de educação
às elaboradas pelo Fórum (LIMA, 2007, p.136).
Já o PNE, elaborado no Congresso Nacional de Educação de 1997, foi aprovado com
nove vetos presidenciais em 2001, no governo Cardoso. Os vetos referiam-se aos subitens que
promoviam alterações e ampliações nos recursos financeiros para a educação, sobretudo o ensino
superior. Lima (2007, p.140) destaca entre os vetos: a) a meta de manter 40% das vagas totais no
ensino público; b) a proposta de criação de um Fundo de Manutenção do Ensino Superior com
pelo menos 75% dos recursos da União vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino;
c) a ampliação do crédito educativo, alcançando pelo menos 30% dos estudantes do ensino
privado; d) a ampliação dos recursos para pesquisa científica e tecnológica com a meta de
triplicá-la em 10 anos; e) a elevação dos gastos públicos para, ao menos, 7% do PIB em 10 anos;
f) a exclusão das despesas com aposentados e pensionistas da fonte manutenção e
desenvolvimento do ensino; e g) a elevação dos valores por aluno a padrões mínimos
estabelecidos nacionalmente. Entre as metas aprovadas e mantidas pelo governo destaca-se
ampliação de vagas no ensino superior, para alcançar 30% dos jovens entre 18 e 24 anos até
2011.
113
Já no governo Lula, em 2004, o MEC lança o documento “Reafirmando princípios e
consolidando diretrizes da reforma da educação superior”, conhecido como Documento II, que
sistematizará as medidas da contra-reforma pretendidas pelo governo federal. O objetivo do
documento é forjar uma Lei Orgânica para a educação superior que regulamente aspectos como
autonomia, financiamento, avaliação, regulação, carreira dos trabalhadores entre outros temas. O
Grupo de Trabalho em Políticas Educacionais (GTPE) da Associação Nacional de Docentes do
Ensino Superior (ANDES) elaborou uma análise crítica a esse documento. De início já critica a
idéia de Lei Orgânica específica, defendendo um Sistema Nacional de Educação que integre
todos os níveis. Outro aspecto que destaca no documento é a manutenção da concepção
bresseriana de público-não estatal e de Estado como regulador.
Desde então o governo já aponta para uma ampliação de vagas no ensino superior, tendo
como referência a meta de matrículas do PNE, sem discussão sobre ampliação de recursos, o que
é criticado pelo GTPE/ANDES como uma abertura para a desqualificação do ensino, ampliação
da compra de vagas privadas e do EAD. Outra proposta que já aparece no Documento II, e vai se
consolidar no Decreto REUNI em 2006, é a proposta de elaboração de Planos de
Desenvolvimento e Gestão nas IFES, que estariam atrelados a aportes de recursos. Sobre isso a
posição do GTPE/ANDES (2004) é:
O plano de desenvolvimento institucional pode ser um valioso instrumento de gestão por estabelecer princípios, diretrizes, metas e responsabilidades, desde que elaborado com a participação e envolvimento daqueles que o executarão, sem imposição, e, muito menos, sob coação econômica por parte do governo federal . Como proposto, o plano de desenvolvimento e gestão estaria ferindo a autonomia universitária, pois as IFES deixam de ser públicas e passam a ser governamentais, atuando no interesse do partido político ou grupo dirigente temporariamente no poder. O tipo de mecanismo proposto proporciona um grande incentivo para que as IFES satisfaçam às exigências do mercado, deixando de estar a serviço do conjunto mais amplo da sociedade.
Em 2006, o governo manda para o Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº
7200/2006 com sua proposta de contra-reforma universitária, chamado Normas Gerais do
Ensino Superior, já na sua quarta versão e com o acréscimo de 368 emendas parlamentares. Essa
proposta foi apensada no PL nº 4214/04 e no PL nº 4221/04, ambos de cunho privatista,
fragmentador e desregulamentador, mesmas características das emendas parlamentares do novo
PL do governo Lula (ANDES, 2004).
114
A proposta do PL mantém, sistematiza e aprofunda as tendências já verificadas da contra-
reforma universitária no Brasil, como a diversificação das instituições de ensino superior, a
diluição das fronteiras entre público e privado sintetizadas na idéia de público não-estatal, a
desregulamentação do setor privado e a redução do papel do Estado como executor. Além disso,
abre o ensino superior brasileiro ao capital estrangeiro, reforça a EAD como modalidade de
ensino na graduação e na pós-graduação stricto sensu e mantém a centralidade dos critérios de
produtividade. O conceito de ensino passa a se restringir à graduação e à pós-graduação stricto
sensu, tornando a obrigatoriedade da gratuidade nas instituições públicas restrita a esses níveis, o
que institucionaliza definitivamente os, já pagos, cursos de extensão e pós-graduação lato sensu,
que se tornarão oficialmente fonte de arrecadação de recursos. Na mesma medida, referenda e
aprofunda o papel das fundações de apoio como mecanismo de privatização interna nas
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
Para ganhar a adesão dos estudantes, o decreto segue as recomendações do Banco
Mundial69, apontando para a implementação de política de cotas para egressos de escolas
públicas, negros e índios. O governo também promete a destinação de 9% das verbas das IFES
para políticas de assistência estudantil. Segundo dados elaborados pelo ANDES, com base nas
receitas das IFES em 2005, esse percentual corresponderia a R$1,00 para cada estudante por dia
letivo, o que não seria suficiente para financiar nem os restaurantes universitários.
Ainda assim, o governo conseguiu o apoio da UNE para seu projeto. Dirigidos
majoritariamente por estudantes ligados ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), partido da
base governista, desde o início do governo Lula a UNE vem tendo uma postura de diálogo e
contribuição, sendo acusada de “chapa branca”70 por outros setores do movimento estudantil,
alguns sequer a reconhecendo mais como sua máxima representação. O discurso adotado pela
entidade é o do “governo em disputa”. Sua análise geral é que o projeto de “reforma” do
governo, fora algumas objeções pontuais, contempla as bandeiras da entidade, sendo favorável à
69 O tema das cotas é controverso, mas também vem, em geral, sendo apoiado pelo movimento sindical e estudantil nas universidades. Esses movimentos, porém, costumam dar um tom mais de reivindicação transitória para democratização do acesso a universidade pública, com vistas à universalização dessa modalidade de ensino ao contrário da compreensão focalista e assistencialista do Banco Mundial. Para aprofundar esse tema ver: www.andes.org.br/2009/index/consciencianegra.html e www.une.org.br/home3/opiniao/artigos/m_16088.html 70 Através de estratégias de cooptação e consenso o governo Lula conseguiu o que almejava o governo militar: transformar as entidades estudantis de subversivas em “lideranças democráticas”, dentro da ordem.
115
educação pública. A disputa se daria nas emendas, essas sim de interesse dos empresários da
educação.
A disputa real começou. Está colocada a oportunidade de transformarmos a estrutura elitista da universidade brasileira. Ou nos organizamos e vamos com tudo para dentro do Congresso, ou corremos o risco de perder a luta contra o lobby dos tubarões do ensino e das forças conservadoras que não querem reformar a educação no país”, pondera o presidente da UNE, Gustavo Petta. (UNE, 2006)
Sua caracterização majoritária era de que o projeto continha avanços como a ampliação
de vagas públicas, mais verbas, regulamentação do ensino privado e ampliação de recursos para
assistência estudantil.71
Leher (2005b) atenta para o falso silogismo que existe entre os empresários da educação
criticarem o projeto e o projeto defender o ensino público. Para o autor não há divergência de
conteúdo entre as propostas dos empresários e a do governo, sendo a pressão dos empresários
expressão de divergências entre diferentes setores do ensino privado (confessionais, empresariais
e etc) e diferenças de grau, com uma pressão sobre o governo para “incorporar ao seu projeto os
anseios do setor privado de modo ainda mais incondicional” (LEHER,2005, p.1). Para o autor:
Somente desconsiderando o que de concreto já foi encaminhado pelo governo e se eximindo de uma leitura minimamente rigorosa do anteprojeto, é possível afirmar que os empresários não estão saindo ainda mais fortalecidos (LEHER, 2005, p.7).
Até o momento de conclusão desse trabalho a PL 7200/06 continuava na Câmara de
Deputados, aguardando votação.
Em 2007, o governo lançou o PDE , um conjunto de programas, decretos, resoluções e
portarias apresentado como um “plano executivo” para atingir as metas determinadas pelo PNE e
colocar em prática questões preconizadas desde a Constituição de 1988 (MEC, 2007). Segundo o
sítio do MEC, seu objetivo principal é garantir uma educação básica de qualidade e para alcançar
essa meta investir também em ensino superior e ensino profissional, por estarem ligados direta
ou indiretamente. Metas bastante de acordo com as propostas do Banco Mundial, e que reforçam
71 Em 2009 a UNE apresentou um PL próprio, o PL 5175/09 em trâmite no Congresso. Ainda que apresente pontos historicamente reivindicados pelo movimento sindical e estudantil das universidades, importantes para reversão da privatização, como a extinção das fundações privadas, a ampliação das vagas públicas e o aumento gradual de recursos públicos para as IFES, ele não toca em questões centrais como a diversificação das instituições de ensino superior, a necessidade de rediscussão dos mecanismos de avaliação em vigor e o fim do EAD na graduação e na pós-graduação.
116
a dualidade histórica da educação brasileira ao deixar de lado os investimentos públicos no
ensino médio.
Ainda segundo o sítio do MEC, o Plano foi baseado no Compromisso Todos pela
Educação. O compromisso é um contrato de gestão entre prefeituras e MEC, onde as primeiras
comprometem-se a alcançar algumas metas na educação básica em troca de aportes técnicos e
financeiros do Ministério. É importante destacar que o “movimento” Todos pela Educação, que
deu impulso a essa “ampla mobilização social”, nas palavras do MEC, é patrocinado por alguns
dos maiores bancos – Itaú, Unibanco, Real e Bradesco, e por algumas das maiores empresas –
Odebrecht, Gerdau, Camargo Correa e Suzano, do país72, lembrando as preocupações do Banco
Mundial de que a pobreza pode gerar um clima desfavorável para os negócios, e de que a
educação é necessária para aliviar as tensões do desemprego estrutural (LEHER, 1999).
Em relação ao ensino superior, o PDE apresenta os seguintes princípios: a) expansão da
oferta de vagas; b) garantia de qualidade; c) promoção da inclusão social; d) ordenação
territorial; e e) desenvolvimento econômico e social através da formação de recursos humanos
qualificados e do desenvolvimento científico-tecnológico. Os programas relativos ao ensino
superior são: o REUNI, lançado quase concomitantemente com o PDE; o Programa
Universidade para Todos (PROUNI)73, programa de crédito educativo que foi somado ao
Programa de Financiamento Estudantil (FIES), já em vigência desde 2005; o Sistema Nacional
de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) , programa de avaliação vigente desde 2004; a
Universidade Aberta do Brasil (UAB), programa de ensino à distância criado em 2005; o Plano
Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), só implementado em 2008; além de outros
referentes à extensão, à pesquisa e à pós-graduação. No bojo do PDE, também foi criado o banco
de professores equivalentes, por meio dos decretos interministeriais nº 22/07 e nº224/07.
Para o ANDES e para os setores minoritários do movimento estudantil, o PDE seria mais
um retrocesso ao caminhar para uma expansão de vagas baseada na redução da qualidade, o que
levou a formação de uma Frente de Luta contra a Reforma Universitária, que, apesar de ter
durado pouco, conseguiu realizar um encontro em 2007 e alguns materiais impressos.
72 O “movimento” é presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, uma das maiores fortunas do país, e contou entre seus sócios e colaboradores com Ruth Cardoso, fundadora da Comunidade Solidária, Vivianne Senna, da Fundação Ayrton Senna, Cristovam Buarque e Fernando Haddad, ex e atual Ministro da Educação, entre outras personalidades. 73 Aprofundaremos o conteúdo desses programas mais a frente.
117
Toda essa profusão de programas, planos, decretos, projetos de lei que vêem se
sobrepondo, mudando de nome e de discurso, fazem, na nossa visão, parte do mesmo processo
de contra-reforma universitária operada para adequar o ensino superior às necessidades de
formação de força de trabalho, de ciência e tecnologia e de ideologia às necessidades do capital
pós anos 1970, período do neoliberalismo, tendo as propostas do Banco Mundial como matriz.
As pequenas inflexões também acompanham as inflexões no Banco Mundial não se
caracterizando como rupturas progressivas com o modelo hegemônico de contra-reforma
implementado desde Collor, passando por Cardoso. As mudanças, quando existem, têm por
objetivo aumentar o consenso e a adesão em torno da contra-reforma, o que o governo Lula
conseguiu não só com a UNE, mas com diversos setores de docentes, técnico-administrativos e
da sociedade como um todo, fato que tem dificultado a existência de articulações como o Fórum
em Defesa da Escola Pública ou a Frente de Luta contra a Reforma.
Ao analisar a seguir a trajetória histórica de algumas políticas que têm sido eixo central
da contra-reforma dos sucessivos governos, acreditamos referendar a hipótese apresentada
acima.
b) Modelos de avaliação das universidades
Sguissardi (2009) aponta a qualidade como um fenômeno no ensino superior atualmente,
chamando atenção a freqüência com que essa noção se faz presente. Ainda que a qualidade do
fazer universitário sempre tenha sido uma questão, o autor defende que pelo seu caráter
polissêmico, o conteúdo do termo qualidade só pode ser compreendido dentro do contexto em
que é aplicado, no caso atual um contexto de internacionalização do ensino superior.
As razões assinaladas pelo autor para a emergência da qualidade como questão central
são a expansão do ensino superior e as dificuldades do financiamento público e duas premissas: a
teoria do capital humano, recentemente absorvida pelo Banco Mundial que vai defender um
maior retorno no investimento do ensino básico relacionando qualidade com empregabilidade, e
a tese de que o ensino superior seria um bem privado e não público. Ao se retirar da
118
responsabilidade exclusiva de expandir e gerir o sistema, o Estado passará a ser pressionado pela
classe média a ampliar seu papel na regulação e no controle, para assegurar o valor dos títulos.
Sobre o contexto da internacionalização, Sguissardi (2009) destaca a Declaração de
Bolonha como um marco no debate sobre a qualidade no ensino superior. O objetivo central da
Declaração, inicialmente assinada pelo Ministério da Educação de 29 países, é a construção da
Área Européia de Ensino Superior:
Visando maior mobilidade, empregabilidade dos diplomados e a competitividade do sistema europeu, busca-se a intelegibilidade e a comparabilidade dos graus conferidos pelos diferentes sistemas europeus de ensino superior”(SGUISSARDI, 2009, p.268).
Com o mote da competitividade se coloca a questão do controle da qualidade então, como
uma suposta “garantia pública”.
No Brasil, esse marco se dá nos anos 1980, com base, mais uma vez, no argumento de
que a universidade pública beneficiaria os ricos mais do que as privadas, e que, portanto,
precisaria aumentar sua eficiência e produtividade, supostamente passando a se reportar a partir
daí, sistematicamente a sociedade. A avaliação, desde a instituição do GERES, vai passar, então,
a estar na pauta do governo para as universidades, na defesa da qualidade.
Sguissard (2009, p.273), utilizando os argumentos de Limoeiro (1991) como apoio, vai
definir, no entanto, duas concepções distintas de qualidade, que necessariamente balizam lógicas
de avaliação também distintas.
A primeira baseia-se no critério da eficiência e produtividade, atualmente hegemônica,
conforme já apontamos na análise de Chauí (1999) e a segunda acadêmico-crítica, que integra
ensino e pesquisa e foge ao mero critério de produtividade. A avaliação é da importância
acadêmica, científica, tecnológica e sociopolítica da produção, da capacidade de ultrapassar as
demandas do mercado, desenvolver o pensamento crítico e produzir conhecimento livre do
controle burocrático e do poder (SGUISSARDI, 2009, p.274).
A avaliação hegemônica, baseada no primeiro critério, desconsidera, segundo Chauí
(apud SGUISSARDI, 2009, p.273): a) as condições concretas e específicas de cada instituição;
b) que a avaliação não pode se reduzir à soma das performances individuais dos docentes; c) as
condições oferecidas à e pela instituição para a produção acadêmica; d) o projeto institucional e a
119
política acadêmica como balizador chave da avaliação. Além disso, as avaliações tendem a se
associar à idéia de punição, o que aumenta a resistência dos envolvidos.
A primeira política de avaliação foi implementada ainda no governo Itamar Franco: o
Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB). Esse programa foi
idealizado pelo MEC em parceria com alguns setores das universidades e entidades como
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições do Ensino Superior (ANDIFES),
Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM),
Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e Associação Brasileira de Escolas
Superiores Católicas (ABESC). Segundo Lima (2007) ainda que esse programa tenha sido mais
avançado do que aquele que seria implementado posteriormente no governo Cardoso “o PAIUB
não pode ser analisado desconectado das demais ações do governo Itamar Franco, ordenadas
pela lógica da modernização conservadora das universidades públicas brasileiras” (LIMA, 2007,
p.133).
No governo Cardoso, através da lei nº 9131/95, se estabelece o Exame Nacional de
Cursos (ENC), que passa a ser conhecido como Provão. Determina que o MEC avalie os alunos
concluintes anualmente, que passam a ser obrigados a realizar a prova para conseguir seus
diplomas, ainda que as notas individuais não sejam divulgadas. Além da avaliação dos
estudantes, o processo de avaliação do ensino superior no governo Cardoso conta ainda com
avaliação institucional, feita a partir das diretrizes curriculares por especialistas designados pelo
MEC e a avaliação docente, que vincula a produtividade com o recebimento de uma gratificação
por desempenho.
Esse modelo sofreu muitas críticas e resistência por parte dos alunos que boicotaram
sistematicamente a prova entregando-a em branco numa campanha conhecida como “Nota Zero
para o Provão”. O Provão foi aplicado de 1996 a 2003, quando já avaliava 26 áreas totalizando
470 mil formandos, segundo dados do INEP.
Já no governo Lula, o Provão, bastante abalado pela sistemática oposição que sofria de
alunos e docentes, é substituído pelo SINAES. Seus eixos são a avaliação institucional, dos
cursos e do desempenho dos estudantes e é composto de vários instrumentos de avaliação:
avaliação externa por especialistas, auto-avaliação, avaliação dos cursos de graduação e o
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), uma versão requentada do Provão.
120
O ENADE manteve-se como um componente curricular obrigatório, ou seja, condição
para obtenção de diploma, modificando-se por passar a ser amostral, dividir os cursos por
grupos, que passam a fazer provas a cada três anos, e aplicado a formandos e alunos dos três
primeiros períodos. Apesar das semelhanças com o ENC de Cardoso, o SINAES passou a contar
com a adesão de vários setores da universidade críticos ao primeiro, como a UNE. Para a UNE o
novo método de avaliação teria pontos positivos como tirar o foco do estudante passando-o para
a instituição, além de recuar nos critérios punitivos, já que enquanto o Provão prometia o
fechamento dos cursos o SINAES apontava para um termo de compromisso entre o MEC e as
instituições mal avaliadas (UNE, 2006). Não só a UNE como outros docentes, antes críticos ao
modelo de avaliação, “aderiram” ao SINAES pelo seu suposto caráter mais amplo e
pedagogicamente mais correto.
Para o ANDES, o SINAES manteve o caráter regulador dos modelos de avaliação
anteriores. Mantém a lógica punitiva, ranqueadora e produtivista. Ao deixar nas mãos da
Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), estrutura restrita e
centralizadora nomeada pelo MEC, a elaboração de todos os critérios tanto da avaliação externa
quanto da avaliação interna, a lógica que fere a autonomia universitária continua.
A questão que nos parece central em relação ao debate da avaliação, conforme já
desenvolvido, é que ela nunca se dá de forma abstrata. Os critérios que orientam e valoram as
instituições como boas ou ruins são determinados pela lógica da política para o ensino superior
que está sendo implementada, em sua totalidade. Assim, não é possível avaliar os modelos de
avaliação em si mesmos, deslocados do todo, ou separando aspectos pedagógicos e melhoras
“técnicas” pontuais.
Do ponto de vista político o SINAES, e o ENADE dentro dele, mantêm o caráter de seu
antecessor, o famigerado Provão. Para Lima et al (2008), o que caracteriza as avaliações do
ensino superior nesse período é sua epistemologia positivista, onde a externalidade dos
avaliadores e de seus critérios supostamente imprimiria objetividade aos processos avaliativos.
“Baseada numa espécie de realismo ingênuo, a avaliação positivista e tecnocrática remete para
uma ontologia da exterioridade, na qual a realidade é independente da consciência dos atores”
(2008, p.19). Concordando com essa crítica, perguntamos: quem avalia os avaliadores?
121
c) Política para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia
Historicamente, em acordo com sua inserção subordinada no capitalismo mundial, o
Brasil sempre optou pela importação de tecnologia ao invés da construção autônoma de
conhecimento.
Apenas no período desenvolvimentista, como já mencionado na segunda parte do
capítulo 2, com a criação da pós-graduação e de entidades de fomento à pesquisa é que se abriu
uma pequena possibilidade de construção de pesquisas autônomas destinadas às estatais. Ainda
assim, foi só em 1985 que criou-se um Ministério voltado para a Ciência e Tecnologia (C&T)
(NEVES ; PRONKO, 2008, .p163).
Na década de 90, quando o modelo desenvolvimentista passa a ser desmontado no país e
substituído pelo modelo neoliberal, uma nova política de C&T começa a ser delineada visando
ampliar a participação do setor privado com o objetivo de produzir inovações (NEVES ;
PRONKO, 2008, p.163).
Ainda no governo Collor e no governo Itamar Franco, as políticas neoliberais para o setor
começavam a ser implementadas, como o fim da reserva de mercado de informática conduzida
pelo governo Itamar Franco, e tiveram profundo impacto na política de ciência e tecnologia
(C&T) no país. Eliminaram-se as restrições à entrada de capital estrangeiro e definiu-se uma
nova política centrada em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e subsídios públicos ao setor
privado, o que estimulou mais ainda a transferência e adaptação de tecnologia dos países
centrais74 (LIMA, 2007, p.133).
Já em 1996 no governo Cardoso, cria-se o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
para estimular a produção em P&D por meio da reorientação do financiamento público para
parcerias público-privadas em áreas consideradas estratégicas.
Segundo Neves e Pronko (2008, p.164) o primeiro mandato do governo Cardoso concluiu
o processo de desmonte do aparato científico-tecnológico construído no período
74 Embora a lei tenha sido aprovada no governo Collor em 1991, sua vigência só começa com sua regulamentação já no governo Itamar Franco em 1993 (LIMA, 2007, p.134).
122
desenvolvimentista e iniciou uma contra-reforma jurídico-institucional que formou novas bases
para uma nova política de C&T.
Uma das principais medidas foi a criação dos Fundos Setoriais que materializaram as
parcerias público-privadas, passaram a definir as prioridades na política e redefiniram a função
do Estado, que passou de financiador e executor da C&T para planejador e coordenador de um
sistema público não-estatal. Os Fundos são administrados por comitês gestores constituídos por
representantes da comunidade científica, dos ministérios e do setor empresarial e financiados por
diversas fontes como royalties, licenças e autorizações de diversos setores produtivos. Com isso,
consolidaram a parceria entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo com
prioridade no apoio à pesquisa aplicada que conjugue tecnologia e inovação (NEVES ;
PRONKO, 2008, p.169).
Esses fundos têm seus recursos destinados à pesquisa aplicada, a chamada P&D, tendo
que obrigatoriamente destinar 70% dos seus recursos para essa área, restando 30% para a
pesquisa científica o que pode obrigar o país a ter que comprar pacotes científicos-tecnológicos
dos países avançados (OLIVEIRA, 2004, p.81)
Já no segundo mandato de Cardoso a política é definida, introduzindo o foco na inovação.
A partir de então C&T torna-se CT&I nos documentos institucionais.
Dois documentos sistematizam as políticas de CT&I do governo Cardoso: o Livro Verde
da Ciência, Tecnologia e Inovação75, produzido como apoio aos debates da 2ª Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o Livro Branco com a sistematização da
Conferência, que traçou as diretrizes para essa política até 2010.
Esses documentos adotam a ideologia da sociedade do conhecimento e buscam adequar o
Brasil aos ditames dos organismos internacionais, numa posição de subordinação que tem como
objetivo importar conhecimentos produzidos no exterior e adaptá-los a realidade local, e produzir
inovações que agreguem valor a produtos, processos e serviços. “Por intermédio desses
documentos vai ficando claro que a ênfase da política de C&T recai sobre o objetivo de
aumentar a produtividade do trabalho sob a ótica do capital, favorecendo e acelerando o processo
de valorização” (NEVES ; PRONKO, 2008, 165).
75 Participaram dessa elaboração representantes de universidades, empresas privadas e estatais, organizações da sociedade civil, políticos e representantes de organismos internacionais. Neves e Pronko (2008, p.164) chamam atenção para o fato de nenhuma entidade dos trabalhadores, como a SBPC, ter sido convidada.
123
O governo Lula manteve a mesma lógica do seu antecessor para essa política,
reafirmando a prioridade das inovações tecnológicas. Duas leis fundamentais foram aprovadas
no seu governo possibilitando o aprofundamento das políticas que vinham sendo implementadas,
de esvaziamento do papel do Estado e compensação do desfinanciamento público com o
incentivo aos investimentos privados: a Lei das Parcerias Público-Privadas e a Lei de Inovação
Tecnológica.
A Lei de Inovação Tecnológica foi discutida pelo governo fora do âmbito da reforma
universitária. No entanto afeta a universidade em profundidade “pois cria procedimentos mais
rápidos de transferência e licenciamento de tecnologia das entidades de pesquisa para a indústria,
sem as delongadas licitações” (MANCEBO, 2004, p.855). A lei se estrutura para: favorecer as
parcerias entre universidades e empresas, estimular que as entidades produtoras de conhecimento
desenvolvam inovação e incentivar também as empresas a fazerem inovações. Ao mesmo tempo
em que a lei possibilita a privatização do espaço e dos resultados de pesquisa pública, ela
também prevê recursos públicos para iniciativas de inovação em instituições privadas. Ainda
abre espaço para remunerações extras para os professores-pesquisadores das instituições públicas
que prestarem serviços a empresas e participação nos lucros gerados pelas inovações.
Assim, a lei de inovação tecnológica do governo Lula, no espírito da parceria público-
privada, regulamenta a venda da pesquisa pública para instituições privadas e incentiva a
diferenciação das condições de trabalho, salários e regimes de funcionamento dentro das
instituições públicas de acordo com sua submissão aos interesses do mercado. Fortalece, assim, a
mercantilização do conhecimento que deve, cada vez mais, estar voltado à inovação tecnológica
em detrimento de necessidades sociais coletivas (Mancebo, 2004).
Mercantiliza a pesquisa e não rompe com a histórica heteronomia. Continuamos seguindo o
modelo em que “é somente requentar e usar”76.
d) O EAD como política de expansão.
76 Em referência a música Parque Industrial de Tom Zé (1968): “Despertai com orações/ O avanço industrial/ Vem trazer nossa redenção.(...)/ Pois temos o sorriso engarrafado/ Já vem pronto e tabelado/ É somente requentar/ E usar,/ É somente requentar/ E usar,/ Porque é made, made, made, made in Brazil.
124
Outra iniciativa que se destaca até hoje e potencializou-se no governo Itamar Franco é a
política de EAD - Educação à Distância. Em 1993, o MEC e o Ministério das Comunicações
assumem um protocolo para a criação do Consórcio Interuniversitário de Educação Continuada e
à Distância Brasilead, que tinha por objetivo articular as ações na área desenvolvendo o EAD no
Brasil (LIMA, 2007, p.134).
Até meados da década de 1990 o ensino á distância era utilizado no Brasil em cursos
profissionalizantes e de complementação de estudos77. A partir desse período, com a ampliação
da internet, iniciou-se uma política nacional de educação superior à distância. Seu marco
fundamental está na LDB, que incentivou o surgimento desses programas, posteriormente
regulamentados pelos decretos 2494/98 e 2561/98 (LIMA, 2007, p.145).
O primeiro decreto caracteriza o ensino à distância como uma forma de ensino que
possibilita a auto-aprendizagem pela mediação de materiais didáticos organizados e veiculados
em vários meios de comunicação. O segundo decreto trata do credenciamento dos cursos à
distância, e foi complementado por outras portarias e documentos do MEC (LIMA, 2007, p.146).
Em 2001, o MEC publicou a portaria n º 2253 que autorizava instituições de ensino
superior a cumprirem até 20% da carga horária obrigatória de seus cursos regulares presenciais
por meio de EAD. No mesmo ano a Resolução CES/CNE nº 1 permitiu a abertura de cursos de
pós-graduação strictu sensu à distância, a serem regulados pela Campanha de Aperfeiçoamaneto
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Outra importante medida na implementação do EAD no
ensino superior brasileiro foi a criação de consórcios entre as universidades, com destaque para o
Consórcio de Ensino à Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ), que reúne
universidades do Estado do Rio de Janeiro para oferecer cursos de licenciatura à distância.
Ao contrário dos países centrais, onde as TIC agregam novas possibilidades
pedagógicas, nos países periféricos o uso dessas tecnologias tem significado substituição
tecnológica (LIMA, 2007, p.146). Uma política de ensino superior pobre para pobres, já que
declaradamente a EAD está associada à oferta de ensino para segmentos mais pauperizados,
77 Segundo Tonegutti (2010, p.61): “o EAD surge em decorrência da necessidade da classe trabalhadora (ou, mais geral, da sociedade) de ter acesso a educação, o que não era possível, na maioria das vezes, pelos meios tradicionais. (...) por vezes, é a única oportunidade de estudos para os adultos engajados no mercado de trabalho ou nos afazeres domésticos, que não possuem o tempo necessário às atividades de frequência obrigatória em um curso presencial, ou mesmo residem em localidades de difícil acesso (...)”.
125
conforme consta no PNE aprovado no governo Cardoso. A formação e atualização de
professores em serviço é outro dos focos da implementação do EAD desde o governo Cardoso
(LIMA, 2007, p.149). Essas duas metas, formação de professores e acesso ao ensino superior de
segmentos mais empobrecidos continuou sendo o horizonte da implementação do EAD durante o
governo Lula.
Para Tonegutti (2010) o EAD só deve ser considerado para estudantes mais maduros, que
precisam se beneficiar das vantagens da flexibilidade de horários e têm condições de estabelecer
hábitos de estudo independentes. Para estudantes mais jovens a intervenção mais direta do
professor com metodologias de ensino motivadoras é fundamental para uma aprendizagem mais
profunda. Além disso, o EAD poderia ser utilizado como complementação (e não substituição)
do ensino presencial e em educação continuada.
No entanto, no Brasil, a falta de vagas suficientes no ensino público presencial leva
estudantes jovens de 18 a 24 anos, com perfil para o ensino presencial, a ingressarem em cursos
à distância sem qualquer necessidade. No ensino público enquanto a média de candidatos por
vaga em 2007 em cursos presenciais foi 7, no EAD foi de 0,35 candidatos por vaga, tornando
esse sistema mais fácil de ser acessado. Tonegutti (2010, p.67) afirma com veemência que o
EAD não deveria ser usado como mecanismo de “democratização” do acesso ao ensino superior,
como defende o governo, com a finalidade política de cumprir a meta de 30% de jovens no
ensino superior até 2011 prevista no PNE. Ainda ressalta que a precarização do trabalho docente
é maior na EAD, onde a maioria dos professores é pago no ensino público por meio de bolsas e
contratos precários.
Em 2007, 4% do total de instituições de ensino superior ofertavam cursos de EAD sendo
45 públicas e 24 privadas. Porém, a maioria das matrículas concentrava-se no ensino privado.
Além disso, o número de vagas em 2007 foi 89,4% superior ao ano anterior (TONEGUTTI,
2010, p.63), demonstrando que o EAD cresce exponencialmente no ensino superior. Não há
ainda, no entanto, dados consolidados sobre o percentual de estudantes que terminam os cursos,
mas os poucos e parciais dados do INEP levam a crer que a evasão é substancialmente superior
nessa modalidade.
Várias entidades de ensino e pesquisa de diversas áreas do conhecimento bem como
conselhos profissionais têm se posicionado contra o ensino superior à distância como o Conselho
126
Federal de Biologia78, o Conselho Federal de Serviço Social e a Associação Brasileira de Ensino
e Pesquisa em Serviço Social.
Para a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS, 2009):
Quanto a graduação à distância, sabemos que realiza no máximo adestramento, mas jamais formação profissional digna deste nome. (...) estamos denunciando o uso da tecnologia para a padronização, empobrecimento e banalização da formação, além de meio de valorização do capital transformando a educação em mercadoria.
e) A regulamentação das fundações de apoio
Uma lei e um decreto definem a relação entre fundações de apoio e instituições de ensino
superior: a lei nº 8958 de 1994, elaborada pelo governo Itamar Franco e o decreto nº 5205 de
2004, que regulamenta a primeira, elaborado pelo governo Lula.
Segundo ambos, as fundações de apoio são fundações de direito privado com a finalidade
de apoiar projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e
tecnológico.
Desde sua criação as fundações de apoio têm sido amplamente criticadas pelo movimento
estudantil e de trabalhadores das universidades, além de terem sido em muitos momentos objeto
de investigação policial por desvio de verbas, sendo o caso da Universidade de Brasília (UNB) o
de maior repercussão79.
A principal crítica política à existência dessas fundações é que elas têm se constituído
como um mecanismo de privatização interna das instituições públicas de ensino superior. Apesar
de existirem desde 1970, foi a partir da regulamentação de 1990, que passaram a ser
instrumentos de captação de recursos fora do orçamento e de complementação salarial para parte
78 O Conselho Federal de Biologia chegou a negar registro para formados em EAD, o que foi contestado pelo MEC e revertido na Justiça em 2010, por considerar que os cursos de EAD não garantiam os requisitos necessários à formação de biólogos. Ver em: http://www.observatoriodaead.com/2010/02/curso-distancia-de-biologia-tem.html. 79 Em 2008 o reitor da UNB foi denunciado pelo Ministério Público por improbidade administrativa por ter, entre outras irregularidades, utilizado verba pública de pesquisa da FINATEC, fundação de apoio da universidade, para mobiliar seu apartamento funcional, um desvio de 470 mil reais. Depois de 15 dias de ocupação dos estudantes do prédio da reitoria, o reitor renunciou, pedindo desligamento, em seguida, seu vice (informações do site http://www.atarde.com.br/vestibular/noticia.jsf?id=874711, consulta em 24 de maio de 2010).
127
dos trabalhadores das universidades, resposta a redução de recursos de custeio e ao arrocho
salarial (TCU, 2008).
Assim as fundações, de acordo com o discurso hegemônico, passariam a garantir os
recursos que deixaram de ser repassados do fundo público, além de darem maior agilidade à sua
administração, garantindo, por meio da privatização, maior exercício de autonomia das IFES.
Em abril de 2008 o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a realização de uma
fiscalização das fundações de apoio das IFES motivado pelos então recentes escândalos
envolvendo a FINATEC e a UNB. O relatório dessa fiscalização, um longo documento de mais
de 100 páginas, concluiu que inúmeras ilegalidades ocorrem na relação entre as IFES e as
Fundações dentre elas:
a) utilização das Fundações de Apoio para simplesmente intermediar a
contratação de serviços, aquisição de bens e execução de atividades
administrativas;
b) formalização de convênios com órgãos da administração como mecanismo de
intermediação da contratação das fundações de apoio, inclusive para a execução
de serviços contínuos de atendimento ao público;
c) utilização de recursos públicos para a formação ou incremento de patrimônio
das fundações de apoio;
d) desvirtuamento das finalidades das fundações de apoio, passando a desenvolver
ações de caráter empresarial;
e) debilidade do controle finalístico e de gestão das fundações de apoio pelas
instituições apoiadas e a ausência de regras claras de relacionamento que
possibilitem a efetividade deste controle;
f) pessoal contratado para os projetos muitas vezes deslocado para o exercício de
atividades permanentes ou inerentes aos planos de cargos das IFES, configurando
128
a terceirização irregular de serviços (burla à licitação) e a contratação indireta de
pessoal (burla ao concurso público);
g) vários modelos de contratações irregulares: a fundação como laranja, a
fundação como mera compradora (caixa dois de despesas), a fundação como mera
manipuladora de receitas (caixa dois de receitas), a fundação como gestora
financeira integral (caixa dois global), a fundação como intermediária de mão de
obra.
O TCU afirma que, do ponto de vista da arrecadação, nota-se que a partir de 1995 com a
redução de recursos públicos destinados às IFES, houve uma corrida às fundações de apoio que
se multiplicaram 129% entre 1995 e 2002. No entanto, curiosamente, não foi verificado qualquer
acréscimo significativo no ingresso de recursos próprios arrecadados nos cofres da IFES. Pelo
contrário, houve um decréscimo. Isso porque a arrecadação própria intermediada pelas fundações
de apoio deixou de passar pela conta única do Tesouro, ficando a margem da legislação que rege
a execução orçamentária. Segundo o TCU “em que pesem variados eufemismos de triste
notoriedade não há como inventar conceitos: é a pura e simples formação de caixa dois (ou três,
ou quatro...) com recursos públicos, o descumprimento do princípio de unidade de tesouraria,
com os riscos de fraude e falta de controle”.
Outra “curiosidade” é que a partir de 2004, quando houve algum aumento de recursos do
governo para as IFES, também houve aumento do repasse das IFES para suas fundações,
justificado pela liberação tardia das verbas, que são empenhadas às fundações para não serem
perdida.
Gráfico 1
129
Recursos empenhados pelo conjunto das universidades brasileiras para fundações de apoio - Movimento líquido – (2002/2007) .Fonte: TCU Acórdão 2731/2008
Ainda segundo o documento os sucessivos governos vêem tendo uma política deliberada
de institucionalização e fortalecimento das fundações de apoio, apesar do discurso da
regulamentação, promovendo uma “autonomia às avessas” por intermédio das fundações.
Com tudo isso “corre-se o risco da privatização das instituições públicas por parte
daqueles que nela trabalham”, ou seja, incentiva-se a competição, ampliando as atividades dos
servidores para que complementem seus salários através de prestação de serviços nem sempre
relacionados a atividades acadêmicas e que são priorizados em detrimento das atividades
públicas, institucionais. Ainda com relação ao pessoal cedido das IFES para as fundações de
apoio, o TCU deixa claro que as bolsas só podem ser cedidas para ensino, pesquisa e extensão, e
desde que não signifiquem uma contraprestação de serviços, como ocorre no caso de professores
que ministram aulas em pós-graduações latu sensu organizadas pelas fundações. As bolsas de
ensino para docentes só podem significar bolsas para aperfeiçoamento. Quando cedidas para que
docentes ministrem atividades de ensino caracterizam nova burla.
O TCU entende ainda que obras e atividades de infra-estrutura não devem ser executados
por fundações de apoio recomendando ao MEC alteração na lei atual, que considera
inconstitucional. Deixa claro também que é vedado o repasse de recursos às fundações para
130
execução total de projetos seja de ensino, pesquisa, extensão ou desenvolvimento institucional
podendo as fundações, legalmente, apoiar projetos, mas não executá-los.
A partir desse diagnóstico são feitas uma série de recomendações para adequar as
fundações à função que lhes é atribuída na legislação, ampliar a transparência sobre a execução
de seus recursos e garantir efetiva autonomia às universidades, sem necessidade do recurso às
fundações. Em relação à autonomia as recomendações do TCU são as seguintes:
a) a adoção de um regime especial de execução da despesa, para procedimentos
críticos como a importação de materiais e equipamentos, que propicie às IFES maior
flexibilidade e agilidade na realização de serviços e aquisições;
b) a definição clara do percentual da receita constitucionalmente vinculada capaz de
garantir recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de
educação superior;
c) a adoção de um regime de repasses de recursos da União para as IFES sob a forma
de dotações globais;
d) a prerrogativa de que as IFES, a partir da dotação global transferida, elaborem e
executem seus orçamentos, assegurando a ampla possibilidade de remanejamentos
entre rubricas, programas ou categorias de despesa;
e) a adoção de mecanismo que garanta que excedentes financeiros de um exercício
sejam automaticamente incorporados ao exercício seguinte;
f) a promoção, em paralelo à atuação dos órgãos de controle interno e externo, do
controle social e do autocontrole pela comunidade acadêmica mediante mecanismos
transparentes de prestação de contas e de avaliação institucional baseada em medidas
de desempenho verificáveis.
131
Entre as determinações do TCU para corrigir as irregularidades das fundações
destacamos algumas relacionadas à gestão dos recursos. Primeiro a obrigatoriedade de que todos
os recursos passem pela conta única, incluindo qualquer receita auferida com a utilização de
recursos humanos e materiais das IFES tais como: laboratórios, salas de aula; materiais de apoio
e de escritório; nome e imagem da instituição; redes de tecnologia de informação; documentação
acadêmica e demais itens de patrimônio tangível ou intangível das instituições de ensino
utilizados em parcerias com fundações de apoio. Outra determinação é de que a administração
das IFES não emita empenhos em nome da própria IFES ou em nome de fundações de apoio sob
a alegação de inviabilidade de execução orçamentária temporal, em especial em proximidade de
final de exercício.
Apesar do documento do TCU ser de enorme valor, tanto em termos de dados e
visibilidade às irregularidades como na defesa do caráter público das IFES, o texto parte do
princípio que é possível readequar as fundações de apoio, restringindo suas funções.
Para o ANDES, as fundações de apoio são incompatíveis com a universidade pública.
Sua natureza privada as leva a desenvolver atividades empresariais inseridas na lógica do
mercado, estranha a produção e difusão de conhecimento crítico e socialmente referenciado. Para o Movimento Docente, a universidade pública não pode promover,acolher ou ser conivente com a utilização de seus recursos materiais e humanos e do seu prestígio social para o estabelecimento e desenvolvimento de empresas privadas que operam em seu interior. É preciso que essas instituições públicas retomem para si o papel que delegaram a essas fundações (ANDES, 2008, p.4).
No dia 10 de julho de 2010, durante reunião com a ANDIFES, o presidente Lula assinou
4 decretos e uma medida provisória (MP) sobre temas relacionados ao ensino superior, que ficou
conhecido como “pacote da autonomia”. Entre eles estão o decreto nº 7233 e a MP 495.
Um dos objetivos do decreto, bastante comemorado pela ANDIFES, é que a partir dele as
universidades passam a poder usar recursos não utilizados no ano anterior quando vinculados a
fonte de manutenção e desenvolvimento do ensino e quando forem recursos próprios. Essa é uma
medida importante para garantir que as universidades consigam executar seus recursos,
recomendada pelo TCU no acórdão 2731/2008. Mas isso precisa ser analisado dentro do
conjunto, já que ao mesmo tempo em que se melhorou os mecanismos de execução
132
orçamentária das IFES, também se ampliou as possibilidades de atuação das fundações de apoio
na medida provisória 495.
Essa MP é a medida mais problemática do pacote. Ela altera três leis anteriores: a lei
8666/93 que institui normas para licitações e contratos da administração pública; a lei 8958/94
que regulamenta a relação das instituições federais de ensino superior e pesquisa científica e
tecnológica com as fundações de apoio; e a lei 10973/04 que dispõe sobre os incentivos à
inovação e a pesquisa científica e tecnológica. Na lei 8958/94 as alterações são mais
significativas. Para adequar-se ao acórdão 2731/2008 do TCU mudam-se algumas regras na
regulação das Fundações. Em parte, algumas medidas vão ao encontro das preocupações do TCU
e são progressivas como a obrigatoriedade de divulgação pela internet dos contratos, das ações
executados e do pagamento a servidores públicos pelas fundações.
Mas outras medidas supostamente para adequação ao acórdão funcionam no sentido
contrário: passam a tornar legal o que o TCU apontava como problemático. Em primeiro lugar
nas finalidades das fundações inclui-se o apoio na gestão administrativa e financeira. Regula-se
também a compreensão de desenvolvimento institucional. A alteração realizada proíbe que
atividades como manutenção predial, limpeza, conservação, vigilância entre outras atividades
administrativas de rotina sejam entendidos como desenvolvimento institucional, mas permite que
as fundações apóiem atividades de natureza infra-estrutural, material e laboratorial se forem
atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica.
Outras mudanças muito importantes são a abertura da possibilidade de que agências de
fomento à pesquisa como a FINEP, a Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico possam firmar convênios e contratos
com as fundações de apoio, uma mudança que também consta na lei 10973/04 e a possibilidade
das fundações de apoio darem bolsas para estudantes de pós-graduação que participem de seus
projetos.
Em síntese, se analisadas em conjunto, a MP 495 e o decreto 7233 ao mesmo tempo em
que recolocam as atividades cotidianas de administração e infraestrutura sob a responsabilidade
das IFES, criando, inclusive, mecanismos que facilitam a execução orçamentária, abrem espaço
para uma maior participação das fundações de apoio em atividades de pesquisa (no sentido da
inovação tecnológica conforme compreendido pelo governo). Com isso, privatiza-se ainda mais
os recursos para a pesquisa no Brasil.
133
Todas essas medidas, de meados dos anos 1990 até fins da primeira década do século
XXI tiveram impacto no perfil do ensino superior no Brasil. Além das ações relacionadas à
vertente de privatização das instituições públicas, observa-se também no período uma ampliação
da transferência de verbas públicas a instituições privadas.
No governo Cardoso era o FIES80 o mecanismo principal de privatização de recursos
públicos no ensino superior. Em 2005, o governo Lula cria o PROUNI pela Lei 11.096 de 13 de
janeiro. O programa distribui bolsas integrais e parciais em instituições superiores privadas para
estudantes de baixa renda, com reservas de cotas para segmentos populacionais como índios e
negros e para deficientes.
Em troca, o governo garante mais isenções fiscais do que as então vigentes. Entidades
filantrópicas, que já tinham isenção, foram obrigadas a participar do programa com 20% da
receita em atividades assistenciais, 20% em bolsas integrais e 20% em bolsas de qualquer
modalidade. Entidades sem fins lucrativos que já tinham isenção de imposto de renda e
Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) passam a ter isenção de COFINS e PIS, oferecendo
10% de bolsas, sendo 5% integrais e 5% parciais. Entidades com fins lucrativos também podem
ter isenções fiscais se participarem do programa com as mesmas isenções, COFINS, PIS, CSLL
e imposto de renda, e a mesma cota de bolsas, 5% integral e 5% parcial, das entidades sem fins
lucrativos. Isso significaria em 2005, segundo o MEC, 250 milhões em isenção fiscal, caso todas
as instituições privadas aderissem ao PROUNI. Em 2007 a perspectiva era de que o PROUNI
beneficiasse 301.321 alunos com uma renúncia fiscal de 126,05 milhões de reais. Com isso o
governo festejava que cada aluno custaria, em 2007, 418,32 reais por ano para os cofres públicos
(ANDRÉS, 2008, p.18).
O que o governo não diz é que a dívida das instituições privadas, segundo a própria
Receita Federal, chegava a quase 12 bilhões em 2007. Ao se iniciar, o PROUNI previa que as
instituições participantes teriam que comprovar até dezembro do ano anterior da sua adesão, sua
adimplência com os tributos federais que deveriam recolher. O governo estendeu em mais um
ano, entretanto, o prazo dessa comprovação, adiando, em 2006 mais uma vez o prazo para 2007
e, então, para 2008. Em dezembro de 2007, através da Lei 11.552, o governo estabeleceu que as
80 O FIES foi criado em 1999 para substituir o Programa de Crédito Educativo/ CREDUC. É intermediado pela Caixa Econômica Federal. O estudante recebe o crédito desde que cumpra uma série de exigências e paga ao governo depois de formado.Ver: www3.caixa.gov.br/fies/FIES_FinancEstudantil.asp
134
instituições que participassem do PROUNI poderiam parcelar as dívidas anteriores a 2006. As
instituições poderiam pagar suas dívidas em 120 parcelas mensais, sem apresentação de garantias
ou arrolamento de bens (ANDRÉS, 2008, 19). E não foi só isso. A lei que criou o PROUNI
permitiu a revalidação de certificados de filantropia que haviam sido cassados pelo Conselho
Nacional de Assistência Social por não aplicarem 20% da sua receita em ações assistenciais, o
que significou “uma anistia velada para as instituições que burlavam a lei” (ANDRÉS, 29). A
fiscalização das entidades filantrópicas de ensino superior passaria a ser feita pelo MEC, apesar
do Ministério não dispor nem de auditores nem de fiscais para essa atividade. O PROUNI foi,
portanto, um grande negócio para os empresários da educação.
Em termos de impacto em 2006 o PROUNI representava um acréscimo de 61,3% das
vagas custeadas pelo governo federal (considerando as vagas das IFES). No entanto, os 138.668
bolsistas parciais e integrais do PROUNI representavam, naquele ano, apenas 3% do alunado
total do ensino superior.
Outra crítica feita ao PROUNI é que ele seria um programa para “matricular alunos
carentes em instituições que ofereciam ensino de má qualidade” (ANDRÉS, 2008, p.31). Mesmo
a UNE, quase sempre aliada ao governo, criticava o programa em 2006, pois os 237 piores
cursos, segundo o ENADE, avaliação do próprio governo, estavam oferecendo bolsas. A
legislação prevê um período de seis anos até que um curso mal avaliado duas vezes possa ser
desligado do PROUNI. Levando-se em conta que há um período de 4 anos entre as avaliações,
os cursos considerados de péssima qualidade, de acordo com critérios do próprio governo,
podem passar no mínimo dez anos vinculados ao programa, recebendo dinheiro público, sem
realizar nenhuma melhoria.
A transferência do fundo público para instituições privadas no ensino superior brasileiro
não foi inaugurada no período neoliberal. Os governos militares já se utilizavam de incentivos e
isenções fiscais, o que explica o boom do ensino privado naquela época. A Lei nº5172/66
determinava, por exemplo, que impostos sobre renda, patrimônio e serviços não incidiriam sobre
quaisquer instituições de ensino. “Assim, as organizações privadas de ensino superior gozaram,
desde a sua criação, dos privilégios da imunidade fiscal (...) valendo-se desse expediente para
crescerem” (ANDRÉS, 2008, p.25). Avigoramos com Lima (2007, p.130):
135
A privatização da educação brasileira não é um elemento político exclusivo do projeto neoliberal de sociabilidade: constitui-se em uma marca histórica da inserção capitalista dependente do Brasil na economia-mundo, seja por intermédio da privatização interna das universidades públicas ou do estímulo à abertura de cursos privados.
Segundo Andrés, na década de 1970 a imunidade de Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU) permitiu que as instituições privadas adquirissem imóveis, a isenção de Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e COFINS estimulou o aumento de matrículas, pois
não havia oneração sobre a prestação de serviços, e a isenção de imposto de renda e CSLL
garantiu a saúde financeira das instituições. Esse bom resultado permitia que as instituições
conseguissem empréstimos bancários, auxílio externo e benefícios das agências de fomento.
Lima (2007) afirma que apesar da privatização do ensino superior não ter começado no
período neoliberal, ela tem, nesse momento, especificidades próprias, como a redução do
financiamento público. Vejamos os dados no gráfico:
Gráfico 2
Orçamento das IFES de 1989 à 2007 – todas as fontes. Fonte dos dados: TCU acórdão 2731/2008 e IBGE – em preços de 2008 corrigidos pelo IGPDI.
Os dados demonstram que foi a primeira década dos anos 2000 o pior momento para o
financiamento das IFES, com clara redução dos recursos no segundo governo Cardoso e no
primeiro governo Lula. Apenas em 2006 há uma recuperação, não chegando, entretanto, ao
patamar de 1989.
136
A excepcionalidade do período entre 1993 e 1996 é explicada pelo aumento de recursos
próprios nas IFES. Amaral (2003) explica que o alto valor de recursos próprios arrecadados no
período de 1993 a 1995 ocorreu porque as verbas de pessoal eram aplicadas no mercado
financeiro pelas IFES para compensar os altíssimos índices inflacionários, e os ganhos eram
incorporados aos recursos próprios, mecanismo que, segundo autor, era de conhecimento do
MEC. Curiosamente o crescimento das fundações de apoio, apenas para recordar o que já foi
discutido nesse trabalho, começou exatamente em 1995.
Gráfico 3
Recursos próprios aplicados em investimentos nas IFES de 1990 à 2002 Fonte: AMARAL
(2003). Corrigido pelo IGP-DI. Elaboração própria.
137
Essa redução na aplicação de recursos nas IFES é ainda mais evidente se comparamos
esses recursos ao PIB anual.
Gráfico 4
Relação entre o orçamento total das IFES e o PIB anual de 1989 à 2007. Fonte dos dados: TCU acórdão 2731/2008 e IBGE – em preços de 2008 corrigidos pelo IGPDI
O gráfico 4 demonstra que em relação ao crescimento de riquezas no país a aplicação de
recursos no ensino superior é amplamente descendente e mesmo a recuperação a partir de 2006 é
bem pequena. Portanto, o aumento de recursos no segundo governo Lula deveu-se, sobretudo, ao
bom momento da economia, tendo um crescimento vegetativo em relação ao PIB que apenas
retomou os níveis de 2002, início do seu governo, bastante distante ainda de 1989
(desconsiderando o período de 1993 a 1996 pelos motivos já citados). Em suma, apesar dos
montantes aplicados nas IFES a partir de 2006 serem superiores a todo governo Cardoso, são
menores, contudo, a todo governo Cardoso na sua relação com o PIB.
Não se pode desconsiderar, ainda, que durante esse período houve ampliação das vagas
nas IFES e, no caso do governo Lula, inclusive abertura de novas IFES.
O REUNI foi o “canto da sereia” mais recente para os defensores do ensino superior
público no Brasil. Na próxima seção analisaremos o que o decreto propõe e qual tem sido o
impacto de sua implementação até o momento.
138
3.1 Novas expressões da contra-reforma das universidades: análise do REUNI
Em 24 de abril de 2007 o governo institui o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, através do decreto nº 6.096.
Um dos principais argumentos do governo e da ANDIFES em apoio à iniciativa era de
que o decreto garantiria a autonomia das universidades, pela liberdade de decisão sobre sua
participação no programa e na elaboração dos seus planos. Essa estratégia de “descentralização”
já era preconizada pelo Banco Mundial (2003) como um mecanismo que facilitaria adesão e
consenso da comunidade universitária81. Ainda assim em todas as universidades houve protestos
de setores do movimento estudantil e docente contra a adesão das universidades ao decreto, que
levaram a ocupações de reitoria em diversas universidades82.
O decreto caracteriza-se por um contrato de gestão que, como tal, fixa rígidas metas de
desempenho para recebimento de contrapartidas financeiras. Amaral (2003, 118), afirma que a
lógica de financiamento por contrato vinha tentando ser implementada desde o governo Cardoso.
Nesse momento, os contratos de gestão, estavam diretamente vinculados ao debate da
transformação das IFES em fundações públicas de direito privado83 ou organizações sociais. O
governo Cardoso chega a apresentar o documento “Etapas para a viabilização da aplicação da
Lei de Organizações Sociais na recriação de Universidade Públicas a ser administrada por 81 “Ao ‘utilizar incentivos em lugar de decretos de cumprimento obrigatório’, os dirigentes conquistam um número maior de aliados, uma vez que ‘as instituições e atores envolvidos tendem a responder melhor e mais rapidamente a estímulos construtivos” (BANCO MUNDIAL, 2003 apud NEVES ; PRONKO, 2008). 82 Ver: “Projeto do REUNI gera polêmica na UFRJ” em http://webmail.andes.org.br/modules/smartsection/item.php?itemid=141; “Estudantes protestam contra o REUNI” em http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/estudantes-protestam-contra-reuni; “UFF contra o REUNI” em http://ocupacaouff.blogspot.com/; “Contra o REUNI – UFPE” em http://ocupaufpe.blogspot.com/, entre outros textos e blogs de protesto contra o REUNI em 2007, na sua implementação. Na página http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=4810 do sítio do ANDES, há atalhos para os blogs de todas as ocupações realizadas então (todas as consultas realizadas em 12 de agosto de 2010). 83 “A fundação ou sociedade civil de direito privado se habilitaria a administrar os recursos humanos, as instalações e os equipamentos pertencentes ao poder público e a receber os recursos orçamentários para o seu funcionamento. Seriam celebrados contratos de gestão com o Poder Executivo para a execução de parceria entre o privado e o público”(AMARAL, 2003, 118).
139
Contrato de Gestão”. Graças à rejeição da comunidade universitária, a proposta foi, por ora,
deixada de lado.
Mas durante todo o governo Cardoso a proposta de financiamento por contrato esteve
presente, atrelada aos debates sobre a concepção de autonomia universitária, que substituía a
idéia de autonomia da gestão financeira pela de autonomia financeira, isto é, responsabilizando a
própria universidade pela captação de seus recursos.
O debate da autonomia universitária é central para a compreensão crítica do
financiamento por contratos de gestão. A legitimidade da autonomia na formação da
universidade moderna é a reivindicação da independência do conhecimento face à religião e ao
Estado. No Brasil, a universidade nunca pode exercer plenamente sua autonomia, graças as
características autoritárias do Estado, que restringiam a autonomia das universidades em relação
a ele (MANCEBO, 2006, p.20). As políticas de contra-reforma universitária, marcadas pela
redução do financiamento têm levado a autonomia universitária a adquirir novos contornos. O
aumento da autonomia financeira (e não da gestão financeira) significa, na prática, a
impossibilidade da autonomia didático-científica e administrativa colocada na Constituição. O
financiamento “autônomo” precisa do mercado e do próprio governo que atrela as universidades
aos seus interesses exatamente através de mecanismos como os contratos de gestão.
Segundo Amaral (2003), as iniciativas de implementação de contratos de gestão
estiveram travestidas de Planos de Desenvolvimento Institucional e Contratos de
Desenvolvimento Institucional, que não obtiveram apoio das IFES no governo Cardoso. Para o
autor essas ações constituiriam “uma verdadeira ‘antiautonomia’ universitária, por obrigar as
instituições, mediante Contrato de Gestão, a cumprir determinadas metas definidas numa
negociação, em que há claramente um lado mais frágil no embate com o governo: as próprias
instituições” (AMARAL, 2003, p.132). Só no governo Lula, com o decreto REUNI, a
contratualização como mecanismo de financiamento, consegue ser implementada.
O objetivo do programa, segundo o decreto, seria a criação de condições de ampliação de
acesso e permanência no ensino superior “pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de
recursos humanos existentes nas universidades federais” (Brasil, 2007, grifo nosso), numa clara
perspectiva racionalizadora, que parte do princípio, coincidente com o do Banco Mundial, de que
há sub-aproveitamento nas universidades federais, diagnóstico presente no Brasil desde a
“reforma universitária” da ditadura militar.
140
O programa estabelece duas metas globais que materializam esses objetivos: a elevação
da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90% e da relação de alunos
de graduação em cursos presenciais por professor para 18, num período de 5 anos. O parâmetro
para o cálculo de indicadores seria fixado pelo MEC. Iremos aprofundar esse debate
posteriormente, mas é importante já destacar que o MEC, na regulamentação do decreto, alterou
todos os mecanismos para o cálculo dos indicadores de desempenho das universidades, fixados
por órgãos fiscalizadores como o TCU, o que dificulta muito um comparativo histórico entre a
realidade no momento do decreto e as novas metas. Além disso, a unilateralidade na definição
dos parâmetros abriu brechas para manipulações na aferição das metas, de acordo com os
interesses do governo, como veremos a frente.
As diretrizes do programa são:
I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas,
em particular no período noturno;
II- ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares
e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos,
mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre
instituições, cursos e programas de educação superior;
III- revisão da estrutura acadêmica, com a reorganização dos cursos de graduação
e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante
elevação da qualidade;
IV – diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não
voltadas à profissionalização precoce e especializada;
V – ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil;
VI – articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a
educação básica.
As diretrizes começam a definir, assim, sobre que bases as metas devem ser alcançadas, o
que seria aprofundado no documento do MEC “Diretrizes do REUNI”, limitando os planos
locais a essas orientações. Nas entrelinhas das diretrizes deixa-se subentendido possibilidades de:
transferência de estudantes do setor privado para o público (inciso II), ampliação do uso de EAD
(inciso III) e implementação de ciclos básicos e bacharelados interdisciplinares (inciso IV) entre
141
outras, que foram posteriormente sendo definidas, como as bolsas de docência para alunos de
pós-graduação (inciso VI).
Na medida em que elaborassem e apresentassem seus planos as universidades teriam
aportes de recursos de pessoal, custeio e investimentos. As propostas, porém, necessitariam ser
aprovadas pelo MEC e os repasses estariam subordinados ao cumprimento das etapas.
Os recursos seriam destinados a: I – construção e readequação de infra-estrutura e
equipamentos necessários à realização dos objetivos do programa; II - compra de bens e serviços
necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos; e III – despesas de custeio e
pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação.
Em relação ao terceiro inciso, que trata dos aportes de pessoal e custeio, o decreto fixa o
acréscimo a um limite de 25% das despesas de custeio e pessoal num período de 5 anos,
excluindo os inativos, tendo por base o orçamento inicial da execução do plano em cada
universidade, mesmo antes de definir a proporção da expansão proposta. Já no documento do
MEC “Diretrizes do REUNI” (2007, p.13) o acréscimo fixado é ainda menor limitando-se a 20%
a mais no decorrer de 5 anos, tendo como parâmetro o orçamento de 2007 e a expansão exigida é
de no mínimo 20% das vagas.
Com isso, o programa REUNI define uma expansão de vagas nas universidades federais,
desconsiderando os déficits anteriormente acumulados nos orçamentos de custeio e pessoal.
Segundo dados de Amaral (2003), só entre 1995 e 2002, os recursos de custeio, excluídos os
benefícios aos trabalhadores e o pagamento de substitutos, haviam se reduzido em 62%, padrão
que no período posterior não foi reposto.
A expansão das vagas nas universidades públicas é uma reivindicação histórica dos sujeitos
coletivos da sociedade. Desde sua origem, o ANDES defende a universalização do ensino
superior público, compreendido como direito. Nas suas propostas para o financiamento da
universidade consta: “A expansão da rede pública de ensino em todos os níveis e modalidades
com recursos assegurados para o pleno aproveitamento da capacidade física instalada para
ensino, pesquisa e extensão é prioridade” (ANDES, 2003).
Apropriando-se dessas bandeiras, o decreto REUNI conseguiu grande adesão da sociedade.
A expansão proposta, porém, está atrelada a uma reestruturação da universidade para os padrões
requisitados pelo capitalismo em sua fase atual, materializados nas propostas do Banco Mundial.
É, portanto, uma “jogada de mestre”, que se aproveita da confiança depositada no governo Lula
142
por sujeitos e movimentos sociais, que enxergam na expansão “nossas reivindicações”, e do
histórico recrudescimento dos orçamentos públicos das universidades federais, tornando os
recursos prometidos pelo REUNI um sopro de esperança, após um período mais evidente de
exclusivo incentivo ao ensino privado. Não se pode perder de vista, entretanto, que essa suposta
virada de prioridades para as instituições públicas, não extinguiu o financiamento público para as
instituições privadas, que, ao contrário, aumentou no governo Lula através do PROUNI e da
ampliação do FIES.
Outro artigo determina que: “o atendimento aos planos é condicionado à capacidade
orçamentária e operacional do MEC”, o que significa que não há garantias dos repasses, nem são
as necessidades das universidades federais que os orientam, continuando subordinados aos
limites orçamentários determinados pela política econômica e a flutuações da conjuntura.
Após a elaboração e a aprovação dos Planos de Expansão nos Colegiados Superiores das
universidades federais, os reitores assinaram junto ao MEC um acordo de metas onde se
comprometem com uma expansão determinada de suas vagas em troca de aportes financeiros e
concursos para pessoal. Esses acordos não são públicos na maioria das universidades.
A seguir iremos detalhar algumas das conseqüências da implementação do REUNI, o que foi
desenvolvido dos documentos posteriores e como tem sido o repasse financeiro para as
universidades federais, tendo como referência o início da implementação dos planos, entre 2007
e 2008, e meados de 2010. Com isso poderemos chegar a algumas conclusões de como o REUNI
vem funcionando na prática, ainda que preliminares dado que o programa se estenderá até 2012.
Assim poderemos referendar ou refutar as hipóteses levantadas inicialmente sobre os caminhos
que estariam sendo abertos para a contra-reforma das universidades públicas a partir do decreto.
3.2 Reestruturação: as mudanças curriculares
Segundo Lima (2009), o REUNI é uma face do projeto Universidade Nova (UniNova),
elaborado por docentes da UFBA. Ambos baseiam-se na mesma proposta de “nova arquitetura
curricular” através da organização de bacharelados interdisciplinares dividindo a formação entre
ciclos básicos e ciclos profissionalizantes. O projeto UniNova sofreu, porém, críticas dos reitores
143
por desconsiderar a necessidade de ampliação do orçamento público para garantir as metas de
expansão e reestruturação, “o REUNI, portanto, é o UniNova com (algum) financiamento
público” (LIMA, 2009, p.23), ainda que o decreto não faça menção explícita a suas propostas.
O projeto Universidade Nova foi lançado em 2007, quase concomitante ao REUNI, e
recebido com entusiasmo pelo MEC. Ele parte do princípio de que as reformas universitárias no
Brasil são incompletas porque tratam da gestão, da regulação, do financiamento, do acesso, mas
não mexem nas estruturas curriculares. O diagnóstico da falência do modelo de educação
superior no Brasil é dado pelos seguintes aspectos, segundo o projeto UniNova:
[...] estreitos campos do saber contemplados nos projetos pedagógicos, precocidade na escolha das carreiras, altos índices de evasão de alunos por desencanto com os estudos e por falta de condições de permanência, descompasso entre a rigidez da formação profissional e as amplas e diversificadas competências demandadas pelo mundo trabalho e, sobretudo, os desafios da Sociedade do Conhecimento, são problemas que, para sua superação, requerem modelos de formação profissional mais abrangentes, flexíveis, integradores (UFBA, 2007b, p.10)
Outro aspecto relevante citado no projeto é a necessidade de adequar o Brasil ao ensino
superior do mundo globalizado, construindo “um modelo compatível tanto com o Modelo Norte-
Americano, quanto com o Modelo Unificado Europeu (processo de Bolonha), sem, no entanto,
significar submissão a qualquer um desses regimes” (UFBA, 2007b, p.9).
O Processo de Bolonha teve início com um acordo assinado em 1999 por 29 Ministros da
Educação europeus. Seu objetivo é a criação de uma área comum européia de ensino superior
que amplie a competitividade das instituições daquele continente. As metas traçadas até o fim da
primeira década de 2000 eram: ampliação da mobilidade estudantil e docente, criação de regras
de equivalência de diplomas entre as instituições, divisão do ensino superior em duas fases – a
primeira profissionalizante de 3 anos e a segunda de mestrado e doutorado (DECLARAÇÃO DE
BOLONHA, 1999).
Já o modelo norte-americano é marcado pela diversificação de instituições: universidades
de pesquisa, de ensino e cursos pós-secundários, os colleges, voltados para a formação rápida de
mão de obra para o mercado (RISTOFF, 1999).
Ainda que negue ser coincidente com os dois modelos84, a UniNova parte do mesmo
princípio de necessidade de integração e equivalência na titulação entre os países e de adequação
84 O Processo de Bolonha vem exatamente para disputar hegemonia com os EUA, num processo caracterizado por Lima et al (2008) como integrador e diferenciador, ou seja, ao mesmo tempo em que cria um mercado comum europeu de
144
de currículos e conteúdos às novas competências exigidas pelo mercado aos trabalhadores
intelectuais.
Com isso pretende adequar a força de trabalho intelectual às necessidades do capital
mundializado, ampliando as possibilidades de mobilidade da força de trabalho, o que amplia
potencialmente o exército de reserva global.
Ao mesmo tempo adequa as competências dos trabalhadores às necessidades do regime
de acumulação flexível. O Projeto Universidade Nova cita o documento que é resultado do
Congresso Mundial sobre o Ensino Superior da United Nations Educational Scientific and
Cultural Organization (UNESCO), ocorrido em 1998, como importante fonte de dados
balizadora das competências que o mercado de trabalho espera dos trabalhadores egressos do
ensino superior. Essas competências seriam: flexibilidade; capacidade de contribuir para a
inovação, demonstrando criatividade; capacidade de enfrentar a incerteza; desejo de aprender ao
longo da vida; sensibilidade social e aptidão para a comunicação; capacidade de trabalhar em
equipe; espírito empreendedor; preparo para a internacionalização do mercado, familiarizando-se
com culturas diferentes; largo espectro de competências genéricas em variados campos do
conhecimento, especialmente das novas tecnologias, que formam a base das diversas
competências profissionais. Todas são características adequadas ao princípio da polivalência e à
lógica do trabalho instável e desregulamentado. Essa massa de trabalhadores genéricos, com uma
formação equivalente em diversos países, permitiria uma mobilidade ainda maior do capital, bem
como uma redução de salários como produto do aumento da competição entre os trabalhadores,
com tendência à desregulamentação das profissões. Sobre esse aspecto o documento da
Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2007a), critica frontalmente a elaboração das diretrizes
curriculares pelo que chamam de “corporações profissionais”, o que seria, segundo o documento,
uma perda de autonomia e uma submissão dos currículos ao mercado85.
educação superior para competir com outras instituições, agudiza a competição entre as instituições européias, que aderem ao Processo de Bolonha, desconsiderando as debilidades prévias existentes. Assume, assim, “um modelo mercantil, competitivo e etnocêntrico, com claro viés imperialista”. 85 Argumentos infundados, em nossa opinião, que operam para minar a lógica de regulamentação das profissões. Essa regulamentação serve, muitas vezes como no caso do Serviço Social, exatamente para proteger o arcabouço profissional do pragmatismo do mercado que é beneficiado, isso sim, pela flexibilização dos currículos e a formação polivalente dos futuros trabalhadores.
145
A matriz do Projeto UniNova é o Projeto Tunning, parte do Processo de Bolonha,
elaborado na Europa e transplantado à América Latina pelo Projeto Tunning – América Latina.
Segundo os documentos da UFBA (2007a, p.28):
Os princípios da Universidade Nova tomam como referência pedagógica competências desenvolvidas no Projeto Tuning - América Latina, um consórcio de 62 universidades latino-americanas, incluindo instituições brasileiras. Com essa iniciativa, procurou-se iniciar um diálogo para melhorar a colaboração entre essas instituições de educação superior, favorecendo o desenvolvimento da qualidade, da efetividade e da transparência no intuito de identificar tanto competências genéricas proporcionadas pela educação superior como competências específicas relacionadas às profissões. Esses pontos comuns identificados surgiram da necessidade de alargar os canais destinados ao reconhecimento das titulações na região e com outras regiões do planeta.
Essas competências genéricas, definidas pelo Projeto Tunning, são as mesmas que
orientam os projetos pedagógicos da UniNova, bastantes adequadas às competências definidas
também pela UNESCO. A noção de competência substitui a de conteúdos acadêmicos e sintetiza
a combinação de conhecimentos teóricos, capacidade de aplicação prática e valores (ABOITES,
2009). No Tunning há 25 competências genéricas, além das competências específicas de cada
carreira, estando todos no UniNova, quais sejam:
1. Responsabilidade social e compromisso cidadão
2. Capacidade de comunicação oral e escrita
3. Capacidade de comunicação em um segundo idioma
4. Habilidades no uso das tecnologias da informação e da comunicação
5. Capacidade de investigação
6. Capacidade de aprender e atualizar-se permanentemente
7. Capacidade de crítica e autocrítica
8. Capacidade para atuar em novas situações
9. Capacidade criativa
10. Capacidade para identificar, planejar e resolver problemas
11. Capacidade para tomar decisões
12. Capacidade de trabalho em grupo
13. Capacidade de motivar e conduzir para metas comuns
14. Compromisso com a preservação do meio ambiente
15. Compromisso com seu meio sócio-cultural
146
16. Valorização e respeito pela diversidade e multiculturalidade
17. Habilidade para trabalhar em contextos internacionais
18. Habilidade para trabalhar de forma autônoma
19. Capacidade para formular e gerir projetos
20. Compromisso ético
21. Compromisso com a qualidade
22. Capacidade de abstração, análise e síntese
23. Capacidade de aplicar os conhecimentos na prática
24. Capacidade para organizar e planejar o uso do tempo
25. Conhecimentos sobre uma área de estudo ou profissão
Aboites (2009,10) critica o projeto, em primeiro lugar, porque ele fere a autonomia
universitária e teve um processo de definição das competências centralizador, restritivo e
inclinado ao pensamento único. Do ponto de vista pedagógico-educativo, o autor define a lógica
das competências como abstrata e irreal, pois desconsidera as diferenças regionais, os contextos
sociais, a diversidade, a cultura e a pluralidade de visões e enfoques da realidade, gerando um
ensino fragmentado que conduz ao que chama de “profissionais de manual”. Cada competência é
tomada em si mesma, sem relacionar-se com o todo.
A lógica de estrutura curricular, propriamente dita, proposta pela UniNova passa a dividir o
ensino superior em três ciclos: o bacharelado interdisciplinar, a formação profissional em
licenciaturas ou carreiras específicas e a formação em nível de pós-graduação.
Os Bacharelados Interdisciplinares (BI) compreendem “uma nova modalidade de curso
de graduação”, “interdisciplinar, geral e propedêutica” (UFBA, 2007a, p.13). Tem duração de 3
anos e é pré-requisito para os outros ciclos. Ao fim do BI o estudante passa por uma nova
seleção a fim de ingressar no segundo ciclo. A titulação, ao fim do BI, refere-se a uma área de
concentração, sendo cada um dos 4 BIs (Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia e Saúde)
composto por várias áreas. Os estudantes terão, ainda, a opção de fazer apenas os dois primeiros
anos do BI, de formação geral, saindo com um Diploma de Curso Sequencial, que permite
acesso aos cursos tecnológicos, que fornecem diploma de Tecnólogo após 2 a 3 semestres.
Após os BIs os alunos poderão ingressar em cursos de licenciatura, com mais 1 a 2 anos
de formação, cursos profissionais, com mais 2 a 4 anos de formação, ou diretamente para
147
programas de pós-graduação, se aprovados em processos seletivos, para tornarem-se docentes ou
pesquisadores.
A idéia dos três ciclos assemelha-se ao que vem sendo implementado pelo Processo de
Bolonha, mantendo a centralidade da mobilidade estudantil, já que os alunos podem disputar
nacionalmente as vagas a cada ciclo de formação. Na Europa essa política tem sido criticada
pelos estudantes, pois se mantém os entraves financeiros à mobilidade, que não é acompanhada
de políticas compatíveis de assistência (Lima et al, 2008). Na UniNova a assistência se traduz
em políticas de cotas associadas a projetos de permanência, voltados, de forma focalizada e
meritocrática, aos segmentos mais pauperizados.
Para Lima et al (2008, p.26) “em essência, a Universidade Nova não é a negação dos
modelos existentes nos EUA nem em implantação na Europa (Processo de Bolonha), mas sim,
uma mescla tímida de ambos”, sem a infra-estrutura das universidades norte-americanas e sem
encaminhar a formação profissional na graduação, o que ainda acontece na Europa.
Porém, na prática, as reestruturações acadêmico-curriculares dentro do REUNI tem
acontecido com diferentes ritmos e compreensões. Em janeiro de 2010 a ANDIFES publicou o
Relatório de Acompanhamento do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais. Nesse relatório são repassadas as informações enviadas pelas
universidades86 sobre os avanços realizados nos vários aspectos do programa. No que tange as
reestruturações acadêmico-curriculares, 45 das 53 universidades que aderiram ao REUNI, ou
seja, 85%, afirmam terem inovações em curso.
Apesar de todas as universidades estarem adequadas ao discurso, pregando flexibilização
e mobilidade, os graus de mudança são distintos, refletindo inclusive as diferenças de ponto de
partida.
86 As universidades que aderiram ao REUNI são: FURG (RS), UFAL (AL), UFAM (AM), UFBA (BA), UFC (CE), UFCG (Campina Grande – PB), UFCSPA (Ciências da Saúde de POA – RS), UFERSA (Semi-árido, CE), UFES (ES), UFF (RJ), UFG (GO), UFGD (Grande Dourados - MS ), UFJF (Juiz de Fora – MG), UFLA (Lavras – MG), UFMA (MA), UFMG (MG), UFMS (MS), UFMT (MT), UFOP (Ouro Preto – MG), UFPA (PA), UFPB (PB), UFPE (PE), UFPEL (Pelotas – RS), UFPI (PI), UFPR (PR), UFRA (Rural – AM), UFRB (Recôncavo Baiano – BA),UFRGS (RS), UFRJ (RJ), UFRN (RN), UFRPE (Rural – PE), UFRR (RR), UFRRJ (Rural – RJ), UFS (SE), UFSC (SC), UFSCAR (São Carlos – SP), UFSJ (São João Del Rei – MG), UFSM (Santa Maria – RG), UFT (TO), UFTM (Triângulo Mineiro – MG), UFU (Uberlândia – MG), UFV (Viçosa – MG), UVJM (Vale do Jequitinhonha e Mucuri – MG), UNB (BSB), UNIFAL (Alfenas- MG), UNIFAP (AP), UNIFEI (Itajubá-MG), UNIFESP (SP), UNIR (RO), UNIRIO (RJ), UNIVASF (Vale do São Francisco (NE), UFAC (AC), UTFPR (Tecnológica – PR). Apenas a UNIABC (SP) e a UNIPAMPA (RS) não aderiram ao programa pois, criadas em 2005 e 2007 respectivamente, ainda estão em fase de implantação.
148
Apenas 8 universidades já implementaram ou pretendem implementar um sistema de BI,
destacando-se a UFBA e a UNB, que já estão fazendo concursos de acesso apenas para esse
modelo. A UFJF, a UFT e a UFVJM implementaram BIs para alguns cursos, a UFRN
implementou um BI de dois ciclos, a UFERSA apenas para as Engenharias e a UNIFESP vai
implementar os BIs em 2011.
A maioria das universidades tem caminhado para um novo modelo por meio, até o
momento, da criação de cursos interdisciplinares, em alguns casos dirigidos por várias unidades
acadêmicas e centros setoriais. Algumas como a UFGD e a UFLA começaram a implementar
ciclos básicos de 3 semestres comuns a todos os cursos.
Mas também chama atenção como 17 universidades declaram como inovações
curriculares apenas mudanças muito pontuais na estrutura dos currículos, na estrutura
administrativa e na mobilidade interna dos estudantes.
Destacamos, ainda, como 6 universidades consideraram inovações a introdução do EAD
parcial para o ensino presencial e 2 consideraram políticas de bolsas para estudantes de pós-
graduação exercerem atividades de ensino, que deveriam ser ministradas por docentes, como
inovações importantes.
Essas inovações, em particular, se fazem necessárias na medida em que a expansão
proposta de matrículas não é proporcional ao aumento de docentes, o que traz a necessidade de
“alternativas” pedagógicas. Essa é a realidade que analisaremos na próxima seção.
3.3 Precarização e superexploração do trabalho docente: a expansão das matrículas e o
aumento da relação professor/aluno
O banco de professores-equivalente foi instituído pela Portaria Interministerial nº 22 de
2007 do MEC e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), seis dias depois
do decreto REUNI87. O banco é anunciado na portaria como um instrumento para a gestão
administrativa de pessoal, que permitiria as universidades ter autonomia para fazerem concursos 87 O governo instituiu através do decreto 7232 de 19 de julho de 2010 um banco de equivalentes para os trabalhadores técnico-administrativos das IFES, no molde do banco de docentes.
149
públicos e contratar substitutos dentro dos limites fixados pelo banco. O banco quantifica o
número de docentes de cada IFES através de um critério de equivalência que toma o professor
adjunto 40h como referência. Os docentes com dedicação exclusiva são multiplicados por 1,55 e
os docentes 20h por 0,5. Já os substitutos são multiplicados por 0,4 se 20h e 0,8 se 40h. As
autorizações para contratação de docentes para expansão das universidades, que expandiria,
portanto, o banco, passam a ser expressas na unidade professor-equivalente, cabendo às
universidades a definição sobre os regimes de trabalho dos concursos e contratos, dentro desse
limite.
Até pela sua proximidade, fica claro que o banco de professores-equivalente é uma medida
complementar à lógica de expansão determinada pelo REUNI.
O ANDES, em suas análises, temia que a lógica da equivalência levasse as universidades a
preferirem a contratação de três docentes 20h, em lugar de um docente em dedicação exclusiva,
já que desta forma conseguiria maior carga horária para o ensino, na medida em que o docente
efetivo DE dividiria sua carga horária entre ensino, pesquisa e extensão. Da mesma forma, as
universidades poderiam preferir a contratação de substitutos em lugar de efetivos, que teriam
carga horária exclusiva dentro da sala de aula e não onerariam a universidade futuramente com
gastos de aposentadoria e benefícios que são direito dos efetivos (ANDES, 2007).
Na prática, até 2009, não é isso que tem ocorrido. Houve na expansão das vagas uma redução
dos docentes 20h e uma ampliação dos docentes com dedicação exclusiva. A tendência só pode
ser explicada como uma resistência dos docentes dentro das unidades, que são responsáveis pela
decisão do regime de trabalho de cada nova vaga, já que recebem as vagas no critério de
equivalência.
Mas, apesar da contratação de professores 20h ou da troca de concursados por contratados
não ter se dado até o momento, essa preocupação deve se manter, pois a necessidade de força de
trabalho para lecionar na graduação pode constranger as unidades a fazerem essa opção mais a
frente. Uma opção que teria impacto na redução da pesquisa e da extensão, quebrando a lógica
da indissociabilidade que consta na Constituição brasileira.
150
Tabela 1 – Ampliação do número de docente e regime de trabalho – UFF e UFRJ88
Docentes 2007 2008 2009 AmpliaçãoUFRJ
20h 436 507 249 ‐43% 40h 399 388 376 ‐6% DE 2656 2655 2842 7%
Equivalente 4733,8 4756,75 4905,6 4% Substitutos 230 386 264 15%
UFF 20h 501 479 466 ‐7% 40h 181 200 169 ‐7% DE 1732 1767 2076 20%
Equivalente 3116,1 2446 3619,8 16% Substitutos*
Fonte: Relatórios de Gestão– Elaboração Própria *Não encontramos esse dado nos Relatórios de Gestão da UFF.
Essa necessidade de mais professores para dar aulas na graduação se intensifica a partir
da meta número 1 do REUNI, que vai reduzir proporcionalmente o número de docentes das IFES
em relação ao existente hoje.
A meta global número um é a ampliação da relação de alunos de graduação em cursos
presenciais por professor para dezoito ao final de 5 anos. Segundo os Relatórios de Gestão da
UFF e da UFRJ, elaborados pelos critérios do TCU, a relação desde 2003 é a exposta na tabela 2.
Na tabela 3, observamos, nos critérios do REUNI, como está prevista a ampliação da relação
professor/aluno até 2017.
88 Para ter uma melhor compreensão de como tem se dado a implementação do REUNI analisaremos mais
minuciosamente a realidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). A UFRJ é uma universidade de grande porte. Em 2007, antes do início do REUNI, contava com 141 cursos de graduação, 87 de mestrado e 73 de doutorado, totalizando 36.174 alunos de graduação e 7.650 alunos de pós-graduação além de 8 HUs e centros importantes de P&D como a COPPE. Isso tenderia a classificá-la, na lógica do governo, como uma universidade de pesquisa (RELATÓRIO DE GESTÃO UFRJ, 2007). Já a UFF é uma universidade de médio porte, que em 2007 possuía 70 cursos de graduação presenciais, totalizando 22.943 alunos, e 43 programas de pós-graduação, totalizando 3.382 alunos. Seria caracterizada, portanto, como uma universidade de ensino (RELATÓRIO DE GESTÃO UFF , 2007).
151
Tabela 2 – Comparação da relação professor/ aluno entre UFF e UFRJ pelos critérios do TCU
Relação professor/aluno critério TCU UFF UFRJ
2003 10,55 11,74
2004 10,65 12,88
2005 11,49 13,56
2006 10,75 13,19
2007 10,83 12,72
2008 11,84 13,53 Fonte: Relatórios de Gestão UFF e UFRJ– Elaboração Própria
Tabela 3 - Comparação da previsão de ampliação da relação professor/ aluno na UFF e UFRJ pelos critérios do REUNI
Relação aluno de graduação por professor RAP
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017
UFF 11,36 12,03 15,92 17,98 18 18 18,28UFRJ 15,09 15,85 17,28 16,27 16,22 18,26 18,28
Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria
Portanto para atingir essa meta a expansão do número de docentes não pode ser
proporcional à expansão do número de estudantes. Ainda que o número de concursos seja maior
do que nos últimos anos, a meta do REUNI é que em 2012 o número, já insuficiente, de
docentes seja proporcionalmente menor do que a situação atual.
O cálculo professor/aluno (RAP) presente no documento “Diretrizes do REUNI” é:
RAP= MAT
DDE – DPG
Nessa conta o numerador (MAT) é a soma das vagas de ingresso anuais multiplicado pela
duração mínima de integralização do curso e multiplicado por (1+fator de retenção) onde o fator
de retenção é determinado de acordo com cada área de conhecimento. Assim o número de
matrículas na graduação não equivale aos efetivamente matriculados, mas a uma estimativa que
leva centralmente em consideração o número de vagas anuais oferecidas.
152
O denominador é docentes com equivalência de dedicação exclusiva (DDE) que é igual a
soma de professores equivalentes dividido por 1,55, que é o índice da dedicação exclusiva89. Da
DDE subtrai-se a Dedução da Pós-Graduação (DPG) que é calculado pela soma de alunos de
mestrado e doutorado multiplicado pela média de avaliação da CAPES considerando-se como
mínimo uma dedução de 5% do DDE, o que seria a média nacional.
Essa dedução tem dois problemas. Em primeiro lugar desconsidera para o cálculo da RAP,
ou seja, da produtividade docente no sentido colocado pelo REUNI, os alunos da pós-graduação
lato sensu. No caso da UFF os relatórios de gestão estimam que são mais de 6.000. Se hoje as
pós-graduação lato sensu pagas (chamadas eufemisticamente nos documentos da reitoria da UFF
de auto-financiadas) já são a maioria, a retirada desses cursos da carga de trabalho considerada
tende a determinar de vez sua mercantilização. Em segundo lugar, a inclusão das notas do
CAPES, amplamente criticadas pelo seu caráter produtivista, leva a um favorecimento de
universidades com pós-graduações mais consolidadas. Com isso se firmam como universidades
de pesquisa que vão manter menor o número de alunos de graduação aquelas que já têm esse
perfil e como universidades de ensino de graduação aquelas que têm menos tradição na pós-
graduação stricto sensu.
Pode parecer pouco, mas não é. Na comparação entre a DPG da UFRJ e da UFF,
conforme os dados da tabela 4, retirados dos acordos de metas, percebe-se a gritante diferença
entre as universidades.
Tabela 4 – Comparação do DPG da UFF e da UFRJ
Dedução por integração na Pós‐
Graduação 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017
UFF 108,32 115,39 125,79 129,84 137,24 137,24 137,24
UFRJ 1179,72 1187,31 1143,56 1087,31 1049,81 1359,67 1359,67Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria
89 Em comparação aos critérios de equivalência do TCU há um aumento da exploração do docente já no cálculo da dedicação exclusiva. Para o TCU um docente DE equivale a 1, o mesmo que um docente 40h. Nos critérios do REUNI o peso do docente dedicação exclusiva (DE) aumenta 55% , multiplicado na equivalência por 1,55.
153
Disso decorre que a ampliação das matrículas de graduação na UFF segundo o acordado
pelo REUNI deve ser o dobro da ampliação na UFRJ conforme exposto nas tabelas 5 e 6. Ou
seja, a lógica de ampliação do REUNI já traz, em si, uma ampliação na diversificação das IFES
separando “escolões” de formação profissional de “centros de excelência” mais voltados à pós-
graduação.
Tabela 5 – Comparação da ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ prevista por ano, de acordo com as metas do REUNI
Ampliação da matrícula na graduação
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017
UFF 23384,8 26367,9 38056,8 44364,2 45934,5 46934,5 46934,5
UFRJ 32313,2 34599 41516,5 43624,5 46655,6 48598 48598
Ampliação na UFF 13% 44% 17% 4% 2% 0% Ampliação na UFRJ 7% 20% 5% 7% 4% 0%
Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria
Tabela 6 – Comparação da previsão de ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ no total, de acordo com as metas do REUNI Expansão da graduação 2007 ‐2012
UFF 101%
UFRJ 50%Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria
Em relação aos concursos docentes, há no acordo de metas de cada universidade uma
previsão de vagas de expansão do banco de professor-equivalente. Analisando a previsão de
expansão e a expansão ocorrida, tendo UFF e UFRJ como exemplo, verificamos que há um
atraso desses concursos, assim como há um atraso na expansão de matrículas prevista, sobretudo
nos cursos noturnos (tabela 10).
154
Tabela 7 – Ampliação do banco de professores equivalentes prevista e executada na UFF e na UFRJ
Professores equivalentes
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017
Previsto REUNI 3358 3577 3899 4025 4254 4254 4254UFF
Realizado 3116,1 2446 3619,8 Previsto REUNI 5147 5224,5 5495,7 5841,4 6077 6232 6232
Número de professores equivalente
UFRJ Realizado 4733,8 4756,7 4905,6
Fonte: Acordos de Metas e Relatórios de Gestão– Elaboração Própria
Tabela 8 – Ampliação do banco de professores equivalente prevista e executada na UFF e na UFRJ: percentuais.
Ampliação prevista 2007 ‐
2012
Diferença previsto e
ampliado 2007 ‐ 2010
UFF 27% ‐7%
UFRJ 21% ‐11%
Fonte: Acordos de Metas e Relatórios de Gestão– Elaboração Própria
Tabela 9. Ampliação das matrículas, total e noturna, prevista e executada na UFF e na UFRJ
Tabela de indicadores e dados globais Indicadores 2007 2008 2009 2010 Diferença
UFRJ
Previsto REUNI 6625 7095 8503 8923 Ampliado 6625 6825 7682 8254 ‐7%Previsto REUNI Noturno 1158 1738 1926 2131
Graduação Vagas Anuais
Ampliado Noturno 1158 1288 1550 1850 ‐13%UFF
Previsto REUNI 4818 5428 8008 9398 Ampliado 4628 5433 6070 7442 ‐21%Previsto REUNI Noturno 1140 1315 3095 3745
Graduação Vagas Anuais
Ampliado Noturno 970 1315 1429 2093 ‐44%
155
Fonte: Acordos de Metas – REUNI e dados do Vestibular UFF e UFRJ– Elaboração Própria
Como podemos observar na tabela 9 a ampliação de vagas docentes prevista na UFF é um
pouco maior que na UFRJ. Essa diferença não compensa, todavia, a ampliação de matrículas,
que na UFF será o dobro. Reforça, portanto, o nosso argumento: que o critério utilizado no
REUNI de dedução de pós-graduação vai ampliar a diferenciação entre universidades de
pesquisa e de ensino, já que a expansão será mais aprofundada e a redução proporcional do
número de docentes será maior em universidades que tem um menor número de estudantes de
pós-graduação stricto sensu e uma nota mais baixa na CAPES.
É importante considerar que esse crescimento desigual entre matrículas e concursos para
docentes e técnico-administrativos não é inaugurado pelo REUNI. A ampliação da relação
professor-aluno para 1 para 18 já parte de um déficit de docentes anterior. Segundo dados de
Silva Júnior et al (2010) as matrículas na graduação em universidades públicas cresceram, entre
1995 e 2004, em 71%. Na região Sudeste este aumento foi de 44% acompanhado de uma
ampliação de docentes em dedicação exclusiva de 23 mil para 26 mil, o que significa
aproximadamente 15%.
Essa redução proporcional do número de docentes das universidades públicas, que tende
a se ampliar, associado, ainda, ao arrocho salarial90, tem significado uma superexploração do seu
trabalho, com alterações importantes da sua natureza. O professor também passa a ser vítima da
reestruturação produtiva e, assim como os demais trabalhadores intelectuais que forma, passa a
ser exigido em novas competências.
Uma das importantes alterações na natureza do trabalho docente transforma o professor
em um empreendedor. Por meio da venda de pesquisas e da prestação de serviços em parcerias-
público privadas, captação dos fundos setoriais entre outros mecanismos. O trabalho dos
docentes passa a ser uma alternativa para o financiamento das universidades, bem como para a
complementação do seu salário, o que é estimulado pelo governo. Esse estímulo fica claro, por
exemplo, nas novas propostas de regulação da dedicação exclusiva do governo Lula. A proposta
90 Ainda segundo Silva Júnior et al (2010, p.21), o salário do professor titular doutor em regime de dedicação exclusiva das universidades federais se reduziu, com correção inflacionária, de R$ 10.092,96 em 1995 para R$7.830,13 em 2007, um decréscimo de aproximadamente 25%.
156
apresentada em julho de 2010 flexibiliza a dedicação exclusiva ampliando as possibilidades
legais dos docentes receberem de outras fontes por serviços prestados91.
A polivalência se expressa na demanda por múltiplas atividades: ensino, pesquisa –
dentro do critério produtivista -, extensão – sobretudo por meio da venda de serviços- e
administração. Esse último aspecto tem sido cada vez mais demandado aos docentes, que sofrem
com a falta de recursos financeiros, de apoio administrativo e com a complexidade dos
procedimentos e processos decisórios, tornando uma atividade que deveria ser acadêmica numa
substituição de profissionais técnico-administrativos, também escassos nas instituições92
(LEMOS, 2010).
A flexibilidade no trabalho se expressa na necessidade de adaptação rápida a novas
modalidades de cursos (rápidos, à distância), a vários modelos de avaliação quantitativos por
produção, prazos reduzidos e resultados de aplicação imediata, além da já citada busca
necessária por financiamento aos seus projetos (LEMOS, 2010, p.32). Essa necessidade, por sua
vez, amplia a competitividade entre professores e entre alunos, o individualismo e, em
conseqüência, a alienação no trabalho.
Ao mesmo tempo, o docente tem, cada vez mais, seu trabalho controlado, perdendo sua
autonomia. Isso ocorre pela falta de financiamento à pesquisa, que fica subordinada a convênios
e editais, à ampliação da função reguladora de órgãos como a SESU e o MEC, e as inúmeras
avaliações internas e externas do trabalho docente e dos conteúdos programáticos, como ocorre
no ENADE. “Assim a autonomia do docente vai se restringindo cada vez mais e, até, se
transformando numa ‘ilusão de autonomia’” (LEMOS, 2010, p.35).
O ensino, por sua vez, por ser uma atividade que não garante produtividade, novas fontes
de financiamento, nem o status da pesquisa, contraditoriamente transforma-se numa atividade
marginal, deixando de ser prioridade para instituições e para os próprios docentes (LEMOS,
2010).
91 Para aprofundar esse debate ver as análises do ANDES em: www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=6720. 92 Segundo dados do INEP citados por Silva Júnior et al (2010) o número de funcionários técnico-administrativos decresceu em mais de 30% nas IFES entre 1995 e 2004. Segundo a hipótese dos autores as novas tecnologias permitiram uma transferência de funções dessa categoria para os docentes que passaram a preencher planilhas de notas, programas de disciplinas e formulários de agências de fomento online.
157
Todas essas mudanças impostas ao trabalho docente no ensino superior são a expressão
da reestruturação produtiva para esse segmento da classe trabalhadora e tende a ampliar a
sujeição da subjetividade docente aos interesses do capital e a alienação em relação ao seu
trabalho. Associa-se isso o refluxo do movimento sindical, também comum a outros setores da
classe trabalhadora.
A reestruturação do trabalho acadêmico, o esvaziamento material e cultural da Universidade pública, a diferenciação e hierarquização dos docentes, enfim, a ofensiva neoliberal impôs, na década de 90, a desmobilização e o recuo defensivo do movimento docente (LEMOS, 2010, p.36).
Entre os docentes, Lemos (2010) demonstra variadas posições em relação à participação e
percepção do movimento sindical que vão desde a rejeição à discussão política até a assunção de
um papel político limitado ao exercício profissional, constituindo uma nova concepção de
militância fora da participação de órgãos de classe ou partidos políticos.
[...] ao se afastarem da militância, buscaram construir um papel como professor, que pudesse se aproximar desse papel militante. Essa aproximação inclui a dimensão de ser um “observador crítico”, “um apoiador da decisão coletiva da greve” e a “assessoria a organismos sociais, por intermédio de uma visão crítica da realidade”. Por outro lado, as assembléias, Congressos e Encontros contam com um número cada vez mais reduzido de professores para a deliberação do movimento docente, o qual termina sendo criticado por aqueles que não comparecem às atividades políticas do movimento (LEMOS, 2010, p.36).
Essa situação é ainda pior entre os novos professores que, sem experiência política
anterior já ingressam nas universidades com grande condicionamento aos valores neoliberais.
Silva Júnior et al (2010) apontam ainda que a atividade imaterial, como a exercida pelos
docentes, caracteriza-se pelo limite pouco perceptível, sobretudo quando é um trabalho
superqualificado que dá prazer ao trabalhador. Esse elemento, associado ao enfraquecimento das
organizações de classe e a retórica de adesão típica da reestruturação produtiva levam a um
excesso de trabalho que pode significar um aumento da incidência de doenças mentais ou
somáticas na categoria. Ao mesmo tempo a mercantilização do conhecimento faz com que toda
essa sobrecarga de trabalho esteja cada vez mais a serviço do capital e não da maioria da
população, com a mediação do Estado.
Mas mesmo com toda a propaganda da expansão de vagas nas universidades federais,
como vimos às custas da sobrecarga do trabalho docente, os dados do INEP demonstram que
158
durante o governo Lula o percentual de vagas públicas em relação ao total não aumentou, pelo
contrário. O total de vagas no ensino superior cresceu entre 2002 e 2008 46%, sendo que as
vagas nas universidades federais cresceram apenas 20,9%, e o total de vagas públicas 21,1%.
Tabela 10. Crescimento das matrículas na graduação presencial entre 2002 e 2008
Privadas
Aumento das vagas
privadas
Públicas Aumento das
vagas públicas
Total
Aumento do
total das vagas
Participação das vagas públicas no
total 2002 2.428.258 1.051.655 3.479.913 30,2% 2003 2.750.652 13% 1.136.370 8% 3.887.022 12% 29,2% 2004 2.985.405 9% 1.178.328 4% 4.163.733 7% 28,3% 2005 3.260.967 9% 1.192.189 1% 4.453.156 7% 26,8% 2006 3.467.342 6% 1.209.304 1% 4.676.646 5% 25,9% 2007 3.639.413 5% 1.240.968 3% 4.880.381 4% 25,4% 2008 3.806.091 5% 1.273.965 3% 5.080.056 4% 25,1%
Fonte: Censo do Ensino Superior – INEP 2008 – Elaboração Própria
Em entrevista para o Jornal Valor Econômico, em julho de 2010, o reitor da UFRJ,
Aloísio Teixeira, chamava atenção de que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam
matriculados em cursos superiores no Brasil, quando a média da América Latina é de 32% e da
Europa de 60%. Afirmava que, mesmo que o número de vagas nas universidades federais
dobrasse até 2012, o que está colocado pelas metas do REUNI, esse percentual aumentaria muito
pouco. Primeiro porque o número de vagas federais é pequena comparada com o total do ensino
superior no Brasil. Em 2008 a divisão das vagas era conforme o gráfico 5.
Gráfico 5
159
Vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior em 2008. Dados: Censo do Ensino Superior – INEP - 2008– Elaboração Própria
Em segundo lugar o resultado da expansão é que alunos que hoje estão no ensino privado
migrarão para o ensino público. Para Teixeira o assustador é que o número de vagas oferecidas
no ensino superior em 2010 é equivalente aos formandos no ensino médio. Isto quer dizer que é
durante o ensino médio que ocorre o maior estrangulamento na progressão ao ensino superior, já
que grande parte dos estudantes não se forma nesse nível. Outro problema é o enorme número de
vagas privadas que além de mais baixa qualidade, ficam ociosas porque os estudantes pobres não
podem pagar suas mensalidades.
Todos esses dados colocam a nu que as necessidades postas para uma mudança no ensino
superior brasileiro que supere a marca da privatização e se amplie para os 30% de jovens no
ensino superior até 2011, meta do PNE, não será garantida sem uma ampliação radical de
recursos públicos, concursos públicos e garantia de mecanismos públicos de gestão, o que o
REUNI está longe de garantir.
3.4 Redução da evasão e políticas de permanência para os estudantes
160
A meta global dois do REUNI é a elevação da taxa de conclusão média dos cursos de
graduação presenciais para 90%.
A medida da taxa de conclusão dos cursos de graduação é dada pela média entre os
diplomados em determinado ano e a quantidade de vagas oferecidas 5 anos antes. Mede,
portanto, segundo os parâmetros estabelecidos pelo MEC no documento “Diretrizes do REUNI”,
não diretamente as taxas de sucesso, mas em que medida a universidade é eficiente na ocupação
de vagas ociosas decorrentes do abandono dos cursos. Em última análise, para esse indicador
nada importa se os estudantes ingressos no Vestibular concluíram seu curso, e sim se a
universidade consegue substituir os alunos que abandonaram seus cursos com eficiência. Por isso
tanto se fala no REUNI da mobilidade estudantil (sem excluir a possibilidade da transferência de
universidades privadas para públicas), na flexibilização dos currículos e no uso de “práticas
pedagógicas modernas e o uso intensivo e inventivo de tecnologias de apoio à aprendizagem”
(DIRETRIZES DO REUNI, 2007, p.10), traduzindo: educação à distância.
A tabela 11 demonstra as taxas de conclusão na graduação previstas pelo REUNI na UFF
e na UFRJ. Percebe-se que a UFRJ sai de uma taxa de conclusão mais alta, o que significa que,
para alcançarem o mesmo objetivo de 90% num mesmo período de tempo, a UFF terá que
empreender um maior esforço. Em todas as metas fixadas, desconsidera-se que as universidades
saem de patamares iniciais diferentes. É importante considerar também, que taxas de
conclusão de 90% são bastante altas se, por exemplo, compararmos com as taxas dos países da
OCDE, que eram de 70% em 2007 (OCDE, 2008, .p76).
Tabela 11– Comparação das metas de taxa de conclusão do REUNI entre UFF e UFRJ
Taxa de conclusão da graduação 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017
UFF 64% 68% 71% 71% 87% 90% 90% UFRJ 78% 81% 87% 90% 92% 106% 88%
Fonte: Acordos de Metas UFF e UFRJ– REUNI– Elaboração Própria
Outra diretriz apontada é a disponibilização de mecanismos de inclusão através da
assistência estudantil. Em dezembro de 2007, no rastro do REUNI, o governo instituiu através da
Portaria Normativa nº 39 do MEC o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), a
ser implementado a partir de 2008. O programa considera “a centralidade da assistência
161
estudantil como estratégia de combate às desigualdades sociais e regionais, bem como sua
importância para a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência dos
jovens no ensino superior público federal” (Portaria nº39). Entende assistência estudantil como:
moradia, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e
apoio pedagógico. Suas despesas correriam através de dotações orçamentárias ao Ministério da
Educação que faria a descentralização dos recursos.
Observando os dados de descentralização temos que em 2008, primeiro ano do programa
foi pactuado R$4.613.802,95, segundo o Relatório de Gestão da UFF de 2008. Segundo o
mesmo Relatório só foram repassados R$120.265,85, 3% do previsto. Na UFRJ aconteceu o
mesmo. O Relatório de Gestão dessa universidade explica que isso decorreu do atraso nos
repasses que só saíram em dezembro. No caso da UFRJ dos R$ 11 milhões acordados para 2008,
R$ 7 milhões tiveram que ser devolvidos por insuficiência de tempo até para o empenho. Em
2009 não constam repasses do programa nos Relatórios de Gestão de nenhuma das duas
universidades denotando que o PNAES, na prática, ainda não existiu.
Em 19 de julho de 2010 o PNAES, que era uma portaria do MEC, foi transformada no
decreto presidencial nº 7234. No decreto foram relacionados os objetivos do programa que são:
I- democratizar as condições de permanência nas IFES; II-minimizar os efeitos das
desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III-reduzir
as taxas de retenção e evasão; e IV-contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.
Na alínea IV fica claro que a assistência estudantil é estratégica para difundir a educação
superior como possibilidade de ascensão social e para buscar coesão social apor meio das
promessas da educação.
Outra mudança trazida pelo decreto é a inclusão dentro das ações de assistência estudantil
do acesso, participação, desenvolvimento e aprendizagem para estudantes com deficiências ou
superdotação.
Outra diferença importante em relação a portaria original é que, apesar de manter os
critérios de seleção dos beneficiados sob responsabilidade das IFES o decreto determina de
forma mais detalhada os estudantes que devem ser prioritariamente atendidos. Enquanto a
portaria dizia apenas que os estudantes deviam ser “prioritariamente selecionados por critérios
sócio-econômicos” (art.4º) o decreto aponta que devem ser atendidos “prioritariamente
estudantes da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário
162
mínimo e meio” (artigo 5º). Ou seja, o governo aparenta garantir autonomia às IFES, mas
determina critérios focalizados extremamente rebaixados para o acesso às ações de assistência
estudantil.
Apesar de não ter havido, até o momento, uma rubrica específica no orçamento para o
Plano de Assistência Estudantil, é inegável um aumento significativo das verbas para o programa
de assistência ao estudante no orçamento das universidades93. Comparamos o ano de 2002, ainda
no governo Cardoso, com 2006 e 2007, antes do REUNI quando ainda não se notam aportes
significativos e os anos de 2008 e 2009, quando ocorrem os maiores aumentos. Para o ano de
2010 estão autorizados mais de 300 milhões para o programa no total nacional, dividido entre
todas as IFES.
Ainda que o orçamento executado entre 2002 e 2009 pelo programa tenha crescido 9
vezes, o aumento não é tão exorbitante se considerarmos que ocorre em meio a um processo de
expansão das matrículas nas universidades federais É importante ainda reforçar que a
comparação se dá com patamares anteriores baixíssimos, sem qualquer recurso de investimento
para ampliação da assistência estudantil então existentes.
Gráfico 6
Orçamento do programa Assistência ao estudante de graduação no total das IFES. Fonte: Siga Brasil – Senado Federal – Corrigido pelo IGP-DI– Elaboração Própria.
93 Apesar de nesse programa também ser notável a dificuldade de execução do orçamento. Aprofundaremos esse ponto na próxima sessão do trabalho.
163
No seu documento de balanço do REUNI (ANDIFES, 2010), a ANDIFES aponta as
políticas que estão sendo implementadas para redução da evasão e, em separado, políticas de
assistência estudantil.
Nas políticas de redução da evasão destacam-se a ampliação de bolsas, a flexibilização
dos currículos, ampliação da mobilidade entre os cursos, melhoria geral na infraestrutura de
laboratórios e bibliotecas, ampliação de atividades de reforço e tutoria, ampliação dos cursos
noturnos e utilização de EAD. As atividades de assistência estudantil são genericamente
apresentadas contando com: reforma e ampliação de moradias estudantis, ampliação e
construção de novos restaurantes universitários, distribuição de passes para transporte, ampliação
na assistência à saúde dos discentes associado a atividades de esporte e lazer e inclusão digital,
com ampliação do acesso dos alunos a computadores. Destaca-se, ainda, que em todas as áreas
algumas universidades optam por bolsas: Bolsa Moradia, Bolsa Alimentação, Bolsa Transporte,
Bolsa Permanência. Bolsas que diferem das acadêmicas pela sua característica eminentemente
assistencial e focalizada. Essa lógica tira do debate a universalização da assistência estudantil por
meio de ações como a ampliação de infraestrutura (moradia, restaurantes) das universidades
associadas a ampliação de direitos como o passe livre para estudantes universitários no
transporte público, por exemplo.
Sobre a ocupação de vagas ociosas que, como mencionamos, é o verdadeiramente central
para as metas do REUNI, o documento aponta que as IFES estão reformulando seus
regulamentos para otimizar mecanismos como: rematrícula, reopção, transferências, ingresso
como portador de diploma superior, mudança de curso e mudança de turno. Além dessas
modalidades, 4 universidades destacaram o Novo ENEM como mecanismo de ocupação de
vagas.
O Novo ENEM é uma reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio, que passou a
ser, a partir de 2009, uma forma de seleção unificada para as universidades públicas e privadas.
Os objetivos seriam democratizar o acesso às vagas, ampliar a mobilidade acadêmica e induzir
reestruturações no currículo do ensino médio. Segundo o site do MEC, as universidades teriam
autonomia para optar por quatro possibilidades na utilização do ENEM: como fase única, como
primeira fase, combinado com o Vestibular próprio da instituição, ou para ocupar as vagas
remanescentes do Vestibular. Ao mesmo tempo o MEC busca ter o poder de centralizar os
164
currículos do ensino médio e o perfil esperado dos candidatos ao ensino superior e, além disso,
unificar as vagas de ingresso nas universidades numa mesma lista o que possibilitaria, segundo
ele, maior mobilidade dos estudantes e menor número de vagas ociosas.
A redução de vagas ociosas é uma preocupação maior para universidades privadas que
registraram 55% de ociosidade das vagas oferecidas em 2008 (INEP, 2008). As universidades
federais registraram apenas 4% de ociosidade, o dobro de 2007 quando era de 2%,
provavelmente por causa da expansão verificada de 9,3% de vagas oferecidas em 2008.
No seu primeiro ano em 2009, segundo o sítio do MEC, a seleção unificada contou com
800 mil candidatos inscritos dos 2,5 milhões que fizeram a prova do ENEM. Preencheram-se
85% das vagas federais oferecidas, sendo as 7 mil vagas sobrantes destinadas para políticas
afirmativas ou para o segundo semestre. Na lista de espera havia ainda 136 mil candidatos.
Outro balanço foi o aumento da taxa de mobilidade. Antes apenas 1% dos candidatos saia
do seu Estado para cursar universidades federais. Em 2009, verificou-se uma taxa de 25%. No
entanto, o Estado que mais exportou alunos foi São Paulo, o Estado mais rico da federação.
Ainda há poucos dados sobre a mobilidade estudantil que possam determinar se a lógica do
Novo ENEM tira as poucas vagas dos candidatos dos Estados mais pobres para estudantes mais
bem preparados e capazes de custear seus estudos do sul e do sudeste, ou se, ao contrário, haverá
mais oportunidades para estudantes do norte e nordeste, onde há menos vagas. Sendo São Paulo
o Estado que mais exportou estudantes em 2009, a primeira hipótese, desde já, apresenta-se
como a mais provável. No entanto, Ministro da Educação, alegava no site do MEC, que o mesmo
ocorreu devido a pouca oferta de vagas públicas em São Paulo, fato que deve ser levado em
consideração (MEC, 2010a).
No final de 2009, na repactuação do MEC com as universidades dos recursos REUNI, o
Novo ENEM passou também a ser critério para recebimento de recursos, no caso de assistência
estudantil. Mais uma vez o MEC utiliza a atrelamento do financiamento a sua política, limitando
a autonomia das universidades. Segundo essa nova matriz de distribuição de recursos, as
universidades que utilizarem integralmente o ENEM para sua seleção receberão 100% dos
recursos de assistência estudantil, as que utilizarem o Novo ENEM para 50% das suas vagas
receberão 75% dos recursos, 50% dos recursos para as que utilizarem parcialmente o ENEM e
apenas 25% dos recursos para demais casos.
165
3.5 Um novo padrão de financiamento?
Amaral (2003) aponta quatro modelos possíveis de financiamento que são utilizados no
ensino superior: o financiamento incremental, o financiamento por fórmulas, o financiamento
contratual e o financiamento por subsídios às mensalidades dos estudantes. Para o autor as quatro
metodologias enquadram-se na filosofia eficientista e economicista do neoliberalismo, pois não
baseiam-se em uma análise das necessidades das instituições. Negam também, portanto, o
contido no artigo 55 da LDB que prevê que cabe a União recursos suficientes para a
manutenção e desenvolvimento das IFES.
As IFES hoje se utilizam dos três primeiros modelos. O financiamento incremental
determina que os recursos financeiros de um ano baseiam-se no ano anterior, um valor que é
definido pelo governo e aprovado pelo legislativo, sem a participação das instituições. É esse o
modelo adotado até hoje no que tange ao orçamento global destinado pelo MEC às IFES.
O financiamento por fórmulas acontece por meio do estabelecimento de variáveis e
indicadores que, através de fórmulas matemáticas, vão determinar ao fim um percentual que
deve se destinar a cada instituição. Até 1994 não havia critérios públicos de distribuição de
recursos entre as universidades federais. A partir desse ano o decreto 1286 do MEC passa a
determinar parâmetros baseados no número de alunos, na área da instituição, e nos gastos dos
anos anteriores para definir a distribuição dos recursos. Além desses critérios que pretendem
medir as necessidades, são levados em consideração critérios de desempenho como a avaliação
da pós-graduação fixada pela CAPES e a titulação do corpo docente.
Esse modelo deveria ser revisto anualmente, como foi feito em 1999. A partir daí, os
critérios passam a se dividir entre ensino e pesquisa. Como componente de ensino passa a se
considerar basicamente o número de alunos, estimulando a expansão de vagas, e como
componente de pesquisa mantêm-se os mesmos critérios de produtividade da CAPES.
Esse cálculo é conhecido como Matriz ANDIFES, pois é fixado num acordo entre essas
duas partes. A ANDIFES passa a assumir, assim, um papel de reguladora na distribuição do
orçamento.
166
A partir de 2004, mudam-se mais uma vez os critérios de distribuição. Essa necessidade
de mudança é justificada pela ANDIFES pelas seguintes críticas ao modelo anterior: estimulava
competição desigual entre as IFES, obrigava ao crescimento de matrículas sem contrapartida de
recursos, desconsiderava investimentos em recuperação, modernização e infra-estrutura.
O novo modelo aprovado teria como princípios: reconhecimento e valorização das
desigualdades entre as IFES, criação de parâmetros que estimulem a redução da evasão e da
retenção, a criação de cursos noturnos, de licenciaturas e de interiorização. Além desses, a
ANDIFES já aponta para um projeto de expansão das universidades a ser construído junto ao
MEC e fala da necessidade de manutenção da qualidade e correção de distorções.
A base do orçamento de manutenção passa a se basear na Unidade Básica de Custeio.
Essa unidade é calculada pela divisão do total de recursos das IFES pelo total da unidade “aluno-
equivalente”, chegando a um valor médio. Cada universidade multiplica esse valor médio pelo
seu total de “alunos-equivalente” chegando ao seu orçamento básico de manutenção. O cálculo
do aluno-equivalente por sua vez baseia-se no total de alunos ativos ponderado pelas exigências
do curso em que estão vinculados94. Outros critérios também são previstos, como o número de
diplomados e a oferta de vagas noturnas, de acordo com os novos princípios da distribuição
(JORNAL DA UFRJ, 2007).
Esse novo modelo foi, na ocasião, duramente criticado pelo reitor da UFRJ, professor
Aluísio Teixeira. Isso porque, na prática, a construção de uma unidade para todas as
universidades, desconsidera a diferença entre elas. Em entrevista para o Jornal da Associação de
Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ) de agosto de 2004, o reitor
denunciava que, enquanto o valor médio, que servia de base para o cálculo da partilha em 2003,
era de R$778,66, o custo médio na UFRJ era de R$ 1.152,78. Isso porque a universidade é uma
instituição de grande porte, com uma infra-estrutura de pesquisa e tecnologia onerosa. Ou seja, o
novo cálculo da matriz ANDIFES passa a beneficiar universidades de ensino, com muitos
alunos, mas com menos estrutura de hospitais, laboratórios e, portanto, menor atuação na
pesquisa e na extensão.
Além do orçamento básico de manutenção, o orçamento das universidades estaria ainda
dividido em: orçamento de qualidade e produtividade que manteria os critérios anteriores com
94 Alunos de cursos como Medicina e Odontologia, por exemplo, teriam pesos maiores, pois têm custos maiores.
167
componentes de ensino e pesquisa na proporção de 80% para o ensino e 20% para a pesquisa;
orçamento de equalização que repassaria recursos para investimentos mediante apresentação de
projetos para o MEC; e orçamento de políticas públicas e expansão, também dependente da
negociação de recursos extras.
No decreto 7233, de julho de 2010, prevê-se uma mudança na matriz de distribuição a ser
ainda definida por uma comissão paritária formada por representantes do MEC e da ANDIFES.
Já indica-se, porém, alguns parâmetros para esse distribuição no decreto, quais sejam: número de
matrículas, ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação, oferta de cursos de
graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento, produção científica,
tecnológica, cultural e artística e seu reconhecimento nacional e internacional, o número de
registro e comercialização de patentes, a relação entre número de professores e alunos, o
resultado no SINAES, a avaliação dos cursos de mestrado e doutorado pela CAPES e a
existência de programas de extensão com indicadores de monitoramento. Esses parâmetros
levam a elaboração de uma matriz de distribuição de recursos atrelada aos critérios fixados pelo
REUNI, aos critérios de produtividade vigentes, à lógica de qualidade fixada pelo SINAES e
pela CAPES e às políticas de inovação do governo. Ganha mais recursos a universidade que
melhor se adequar a política do MEC, ampliando os constrangimentos para que não haja
qualquer resistência das IFES a implementação do projeto do governo, negando mais uma vez a
autonomia universitária e o princípio de que as universidades devem receber recursos suficientes
para suas atividades, e não “prêmios” por seus resultados e, sobretudo pela sua adesão, o que
alimenta o pior da tradição política autoritária brasileira.
Amaral (2003, p.116) atenta para o fato de que essas metodologias criam competitividade
entre as instituições “[...] é preciso lembrar que o bolo financeiro é praticamente o mesmo de um
ano para o outro, e quando uma instituição consegue aumentar a sua fatia é porque outras
instituições, obrigatoriamente, ficaram com porções menores”.
Além desses dois modelos de financiamento, a partir do decreto REUNI em 2006, as
IFES passam, também, a ter um financiamento contratual com o governo federal. Esse tipo de
financiamento caracteriza-se pelo estabelecimento entre a instituição e o Estado de um contrato,
onde a IFES se compromete com determinado programa, ou a atingir determinados objetivos,
recebendo, com isso, uma contrapartida financeira (AMARAL,2003, p.112). No caso do REUNI,
como já mencionado, as universidades através de acordos de metas, assinados com o governo
168
federal comprometeram-se com uma expansão de vagas que pode ultrapassar os 100%, como no
caso da UFF, ampliando a relação professor aluno para 1 para 18 e a taxa de sucesso na
graduação para 90%.
Em troca, segundo o documento Diretrizes do REUNI “o valor acrescido ao orçamento
de custeio e pessoal de cada universidade aumentará gradativamente, no período de 5 anos, até
atingir ao final o montante correspondente a 20% do previsto para 2007”. Já os recursos de
investimentos serão distribuídos entre as universidades de acordo com critérios vinculados ao
número de matrículas projetadas. Ou seja, quanto mais aumentam as vagas mais as universidades
receberão recursos. No caso do custeio, a ampliação de 20% em relação a 2007 que se concluirá
em 2012 desconsidera a inflação do período. Além disso, como a expansão de vagas será maior
que 20% em todas as IFES, necessariamente os recursos de custeio por estudante vão se reduzir.
As tabelas abaixo demonstram o total de recursos prometido pelo MEC para o REUNI e o
impacto desses recursos no orçamento de custeio e investimento das IFES no exercício de 2008,
2009 e o autorizado em 2010.
Tabela 12 – Previsão de verbas REUNI do MEC em valores nominais- em milhares de reais.
Previsão de acréscimo orçamentário a partir do decreto n. 6096/ 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Investimento 305.843,00 567.671,00 593.231,00 603.232,00 Custeio/ Pessoal 174.157,00 564.247,00 975.707,00 1.445.707,00 1.970.205,00
Total 480.000,00 1.131.918,00 1.568.938,00 2.048.939,00 1.970.205,00 Fonte: Diretrizes do REUNI, MEC, 2007. Tabela 13 – Recursos totais de custeio das IFES que participam do REUNI:
Custeio
Total
Autorizado Empenhado Pago %Empenhado do Autorizado
%Pago do Autorizado
2007 2.498.245.939,49 2.340.388.798,87 2.015.211.742,5 94% 86%
169
2008 2.766.983.894,61 2.485.044.029,31 2.108.587.421,9 90% 85%
2009 3.194.554.660,81 2.747.939.763,07 2.241.280.337,7 86% 82%
2010 3.849.358.213,00 ‐ ‐
Ampliação 2007 2009
28% 17% 11%
Fonte: Câmara de Deputados– Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração Própria Tabela 14 – Impacto do REUNI no total do orçamento de custeio destinado às IFES participantes do REUNI:
REUNI Impacto do REUNI no custeio total Autorizado Empenhado Pago Autorizado Empenhado Pago ‐ ‐ ‐ 2008 81.173.610,29 74.082.635,29 34.894.599,10 4% 4% 2% 2009 198.882.295,72 196.753.825,41 141.095.206,41 6% 7% 6% 2010 441.359.418,00 ‐ ‐ Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria Tabela 15 – Recursos totais de investimento das IFES que participam do REUNI:
Investimento Total
170
Autorizado Empenhado Pago %Empenhado do Autorizado
%Pago do Autorizado
2007 668.737.421,70 608.527.524,84 179.142.445,17 91% 29% 2008 1.216.031.017,40 692.659.559,04 61.480.819,67 57% 23% 2009 1.731.724.002,26 1.554.366.679,59 9.361.472,28 90% 28% 2010 1.865.996.132,01 ‐
Ampliação 2006‐2009
259% 255% 245%
Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria
Tabela 16 – Impacto do REUNI no total do orçamento de investimento destinado às universidades federais:
REUNI Impacto do REUNI no investimento total
Autorizado Empenhado Pago 2008 256.394.726,00 122.593.498,00 5.254.423,00 10% 5% 0,27% 2009 964.850.939,00 835.465.584,00 208.044.724,00 63% 61% 54% 2010 944.698.504,00 53% Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria
As tabelas revelam que no primeiro ano do REUNI os recursos autorizados pelo governo
ampliavam o orçamento total de custeio das universidades em 28% e ampliaram 2 vezes e meia
171
os patamares de investimento verificados em 2007, antes do REUNI. No entanto, as tabelas
também revelam as dificuldades encontradas nas IFES para gastar esses recursos.
No caso do custeio, em 2008, 94% do autorizado foi empenhado e desse empenho 86%
dos recursos foi executado durante o ano, ficando o que sobrou nos restos a pagar do ano
seguinte. Os 6% que não foram sequer empenhados, voltaram para os cofres da União, num total
de cerca de 200 milhões de reais. Essa quantia é bastante alta. Para se ter um parâmetro o maior
orçamento executado de custeio no ano, o da UNB, foi de 309,2 milhões de reais e o segundo
maior, da UNIFESP foi de 132,8 milhões de reais, quase a metade do total devolvido pelas IFES.
O caso do investimento é ainda pior. Em 2008, 43% do orçamento total não foi sequer
empenhado voltando para o MEC. Dos recursos empenhados em 2007 e 2010 apenas 30% foi
efetivamente executado ficando todo o restante nos restos a pagar, o que explica atrasos nas
obras que deveriam garantir a infraestrutura da expansão.
Como as universidades não têm conseguido gastar os recursos, nos anos subseqüentes a
2008 os repasses do MEC começaram a reduzir, ficando abaixo do que estava fixado nos acordos
de metas.
Tabela 17- Repasse do REUNI para a UFRJ entre 2007 e 2010 – Em milhares de reais95
2007 2008
Diferença entre o
acordo e o autorizado
2009
Diferença entre o
acordo e o autorizado
2010
Diferença entre o
acordo e o autorizado
Custeio 17,79 54,41 93,02 Previsto no Acordo de Metas Investimento 28,77 28,77 29
Custeio 11,52 ‐35% 32,96 ‐39% 34,64 ‐63% Autorizado na LOA Investimento 17,26 11,51 0% 17,34 ‐40% 20,3 ‐30%
Fonte: Siga Brasil – Elaboração Própria
95 Os recursos de 2007 são um adiantamento dos recursos de 2008. Se somados os recursos de investimento de 2007 e 2008 são exatamente os 28,77 milhões previstos no acordo de metas.
172
Tabela 18 - Diferença entre o Acordo de Metas e o repasse anual pela LOA do REUNI: total entre 2007 e 2010 na UFF
Total Repasse REUNI 2007‐2010 Acordado Autorizado Diferença Faltam 168.956.671,27 89.234.396,74 ‐47% 79.722.274,53 Fonte: Acordo de Metas, LOA 2010 e Siga Brasil – Elaboração própria
A pergunta óbvia que surge a partir dessa constatação é: se as universidades vivem uma
situação de subfinanciamento há anos, porque quando surgem maiores recursos elas devolvem
esses recursos ao MEC? Algumas hipóteses podem ser levantadas. O reitor da UFRJ, professor
Aluísio Teixeira, alegava em reunião com a ADUFRJ em setembro de 2009, que a universidade
não contava com um corpo de técnicos capazes de preparar os projetos de novas instalações
físicas, obrigando a universidade a licitar a elaboração dos projetos e a execução e a fiscalização
das obras, o que tornava o processo muito demorado. Ainda que elementos como esse possam
ser parte da explicação, a situação se remete aos limites da autonomia da gestão financeira das
universidades.
Foi em 2007 que os primeiros aportes financeiros do REUNI começaram a ser repassados
para as universidades que tiveram aprovados seus projetos. Os recursos de 2007 foram
adiantamentos dos recursos de 2008, ano no qual iniciava-se efetivamente o REUNI e não
entraram nas unidades orçamentárias desde o início do ano, sendo repassados por transferência
no segundo semestre.
No já citado acórdão 2731 de 2008, que tratava da relação entre universidades e
fundações de apoio, o TCU constatou que todos os recursos de investimento repassados para as
IFES em 2007 foram empenhados em nome das fundações de apoio96, o que também pode ser
confirmado na leitura dos Relatórios de Gestão das IFES. Assim, o TCU, dá destaque aos
recursos do REUNI, proibindo que eles sejam empenhados em nome das fundações. Reafirma
que a compreensão de “desenvolvimento institucional” adequada à Constituição exclui obras e
serviços de engenharia que, portanto, não devem ser executados por fundações de apoio. Com
isso as universidades perdem o recurso da “autonomia às avessas”, isto é, burlar as dificuldades
impostas pela legislação por meio da privatização dos recursos via fundações de apoio. Se em
96 Isso também pode ser visto claramente no gráfico 1 deste trabalho. Nota-se pelo gráfico o crescimento vertiginoso de repasses financeiros das IFES para as fundações em dezembro de 2007.
173
2008 o empenho em nome das fundações pudesse ser feito, provavelmente as universidades
teriam recorrido a esse expediente, não devolvendo o dinheiro aos cofres do MEC. A
conseqüência disso, porém, seria que todas as ações de investimento do REUNI seriam
realizadas sem licitação, sem controle do poder público, o que poderia levar a esquemas de
corrupção e desvio de recursos, além da perda de recursos REUNI que seriam pagos às
fundações a título de taxa de serviço, taxas que, apesar de consideradas ilegais pelo TCU,
continuam existindo e oscilam entre 5% e 10%.
A solução seriam mudanças na legislação, garantindo dotações globais para as
universidades e repasse dos recursos não utilizados para anos ulteriores, o que afirmaria uma
autonomia da gestão financeira de fato.
Apesar das mudanças na execução orçamentária trazidas pelo decreto 7233/2010, para
receber os recursos perdidos, sobretudo de investimentos, nos decorrer dos primeiros anos do
REUNI as universidades terão que executar os recursos empenhados, empenhar a totalidade dos
recursos de 2010 e 2011 e aí então reivindicar novos aportes que constavam nos acordos de
metas. Dependem, então, das garantias verbais da prorrogação do recebimento de recursos feito
pelo MEC, em meio a uma mudança de governo, que pode mudar os rumos do Ministério. O
próprio ministro Fernando Haddad, num lapso de sinceridade, declarou em 10 de agosto desse
ano, durante inauguração de novo prédio da UNB, que os recursos do REUNI estão esgotados e
que seu sucessor vai precisar buscar novas fontes de recursos para dar continuidade ao programa
(JORNAL DA ADUFRJ, 14 de setembro de 2009).
Mas se fossem executados até o fim, os recursos do REUNI seriam suficientes para
resolver os problemas históricos das universidades e garantir uma expansão com qualidade?
Independente das situações particulares das universidades é importante reafirmar que um
incremento de 20% no orçamento de custeio para uma expansão de estudantes que pode chegar a
mais de 100% é, na prática, não uma ampliação de recursos mas, ao contrário, uma redução do
orçamento de custeio por estudante.A ampliação de pessoal é também, como já analisamos, na
prática, uma redução, já que vai se ampliar o número de estudantes por professor. Portanto, ainda
que haja uma ampliação absoluta dos recursos, há uma redução relativa dada a expansão de
vagas e de cursos exigida pelo REUNI.
Mas vejamos o caso da UFRJ. A universidade acumula historicamente, todos os anos,
déficits no seu orçamento de custeio e de investimento. Em 2008 houve uma redução desse
174
montante, mas em 2009, apesar dos recursos REUNI, a dívida anual voltou a subir, como
exposto na tabela 17.
Tabela 19 – Dívida anual da UFRJ – Custeio e Investimento
Dívida UFRJ ‐ Custeio e Investimento
2006 19.656.351,12 2007 41.824.805,64 2008 11.338.967,24 2009 30.483.720,00
Fonte: Dados da PR-3 UFRJ corrigidos pelo IGP-DI– Elaboração Própria
Dessa dívida 13,4 milhões referem-se a unidade orçamentária UFRJ97. O que mais chama
atenção na composição do déficit são 5 milhões referentes a serviços de energia elétrica
remanescente de 2008, 5,3 milhões referentes a auxílio financeiro a estudantes/ bolsas e 4,4
milhões referentes a pagamento de terceiros e obrigações tributárias e contributivas, isto é, a
funcionários terceirizados.
O restante da dívida foi contraído pela unidade orçamentária do complexo hospitalar da
UFRJ e refere-se ao gasto com “outros serviços terceiros pessoa física HU” da ordem de 15
milhões e “obrigações tributárias e contributivas HUs” da ordem de 3 milhões de reais.
Ou seja, a falta de pessoal concursado onerou o custeio da universidade que teve que
contratar e pagar pessoal com esses recursos, somando um total de 22,4 milhões do déficit de
2009.
Na proposta orçamentária para 2010, apresentada pela reitoria da universidade no
Conselho Universitário de 9 de dezembro de 2009, chama atenção que o esforço de ampliação do
orçamento é maior em recursos próprios, ou seja, arrecadado por convênios e contratos pela
universidade, do que em recursos provenientes da União.
Tabela 20 – Orçamento executado em 2009 e previsto para 2010 na UFRJ, por fonte
97 A partir de 2009 os hospitais universitários passaram a ser unidades orçamentárias separadas das universidades. No caso da UFRJ, criou-se o complexo hospitalar, unidade orçamentária que reúne todos os hospitais e unidade de assistência à saúde da universidade.
175
Comparação 2009-2010 por fonte (custeio+capital)
2009 2010 Aumento
Tesouro 174.998.637,50 199.619.693,00 14,07%
Receita Própria 21.658.609,98 26.856.133,00 24%
Fonte: PR- 3 UFRJ – atualizado para 2010 com a previsão de inflação do Banco Central de 4,4%.– Elaboração Própria
Passemos à questão dos investimentos. Concomitante à implementação do REUNI na
UFRJ, a universidade aprovou um Plano Diretor que propõe uma reordenação espacial na
universidade, na expectativa de concentrar todas as unidades da cidade do Rio de Janeiro no
campus do Fundão, acabando com as atividades acadêmicas nos demais campi98. Sem entrar em
todos os aspectos políticos da proposta, não há dúvida no Plano Diretor da necessidade de uma
significativa ampliação de prédios para atividades acadêmicas, bibliotecas, alojamentos e
restaurantes estudantis, bem como infraestrutura de transporte, comunicação entre outros, para
comportar a transferência das unidades associada à expansão exigida pelo REUNI.
A única fonte de recursos apresentada no Plano Diretor da universidade são os recursos
do REUNI. A comparação entre os recursos previstos pelo acordo de metas do REUNI e os
necessários para a execução do Plano Diretor demonstram que os recursos REUNI são
insuficientes (tabela 19) Sem mencionar as dificuldades na execução, o que coloca em risco,
conforme já exposto, que os recursos de investimento sejam recebidos em sua totalidade.
Tabela 21 – Comparação entre recursos previstos pelo REUNI e necessários ao Plano Diretor na UFRJ
Total Investimento (exceto projetos) Valor
Recursos garantidos REUNI 115.106.225,00
Expansões acadêmicas com valores definidos 84.651.745,45
98 Os campi da Praia Vermelha e do Colégio de Aplicação, na Zona Sul da cidade, da Faculdade de Direito, da Escola de Música e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Centro, teriam novas funções não muito especificadas no Plano Diretor. Em linhas gerais propõe-se a construção de centros culturais nesses espaços.
176
Restaurantes e residências (exceto a FAU/ EBA/IPPUR) 43.110.241,22 Equipamentos e
mobiliário 5.572.617,00 Infraestrutura e instalações 7.572.075,56
Total de recursos para o Plano Diretor 140.906.679,23
Situação de recursos ‐25.800.454,23
Fonte: Plano Diretor UFRJ e Acordo de Metas– Elaboração Própria
Os dois exemplos do déficit de custeio anual e da insuficiência de recursos e indefinição
de fontes para a implementação do Plano Diretor, no caso particular da UFRJ, demonstram que
os recursos do REUNI continuam não sendo recursos suficientes para a manutenção e
desenvolvimento das IFES. Para realizar seu Plano Diretor, a UFRJ vai ter que expandir sua
capacidade de captação de recursos próprios, o que evidencia que os novos aportes de recursos,
tão festejados, não significaram uma virada nos problemas de financiamento das universidades.
Dados todos os atrasos e dificuldades de execução dos recursos, em agosto de 2009 o
MEC propôs critérios de repactuação dos recursos REUNI para 2010 e 2011. Essa repactuação
adicionaria mais 1,2 bilhões aos recursos REUNI para custeio e pessoal, metade da ampliação
original de 20%, ou seja, um aumento de um terço sobre os recursos de 2007. Deve-se descontar
desses novos aportes, porém, a inflação de 21% acumulada desde o início de 2007, pelo índice
IGP-DI, que foi desconsiderada quando se fixaram os recursos anuais que deveriam ser
repassados às universidades. Essa ampliação de 50% dos recursos originais corrige, portanto,
essa inflação e deve, ainda, levar em conta a inflação de 2011 e do segundo semestre de 2010. O
acréscimo real de recursos nessa repactuação é, assim, pequeno em relação ao valor inicial do
programa.
Todos esses dados nos levam a crer que houve uma mudança na lógica de financiamento,
que passa a ser contratualizada, o que além de ser um golpe (mais um) na autonomia
universitária segue não garantindo os recursos necessários às universidades, no sentido inscrito
na Constituição Brasileira.
177
Os recursos de investimento são insuficientes para as necessidades de expansão e os
recursos de custeio ampliados em 20% em universidades que pretendem dobrar o número de
alunos significam, na prática, uma redução proporcional de recursos, ainda que nominalmente
tenham se ampliado.
Além disso, e talvez o mais importante, é que a lógica da distribuição dos recursos do
fundo público brasileiro não se alterou, seguindo sendo desviada para o capital financeiro, o que
faz com que o aumento do PIB não se reflita na ampliação de recursos para as universidades.
Com isso não há qualquer garantia de que os recursos prometidos cheguem, já que o
financiamento público das universidades públicas continua não sendo prioridade
178
4 CONCLUSÃO
Balanço parcial do REUNI: à guisa de conclusão.
Esse trabalho foi concluído no fim do primeiro semestre de 2010. Considerando que o
primeiro adiantamento de recursos do REUNI foi realizado em 2007 e que o primeiro ano oficial
do programa foi em 2008, ainda é cedo para termos dados conclusivos sobre o que de fato
mudou nas universidades federais após sua implementação. Os últimos dados centralizados pelo
MEC sobre o ensino superior são do censo de 2008 e os relatórios de gestão das universidades
são de 2009. Ainda temos até 2012 pela frente, em que pese que o resultado das eleições
presidenciais no fim de 2010 pode alterar em diversas gradações os rumos do programa.
Ainda assim, todas as análises parciais não só do REUNI como do conjunto de medidas
da contra-reforma universitária mais recentes, que no governo Lula foram efetivamente
aprofundadas apenas a partir do segundo mandato, demonstram de forma inequívoca que a
ampliação de vagas proposta não altera as características do ensino superior no Brasil, marcado
pela privatização e no período mais recente pelo subfinanciamento das universidades públicas.
A história do ensino superior no Brasil acompanha a trajetória da nossa formação sócio-
histórica. A criação tardia das universidades reflete nossa heteronomia, marca central do papel
do país dentro do capitalismo mundial. O avanço do neoliberalismo como contra ofensiva do
capital reatualiza e reconfigura esse papel.
A contra-reforma universitária recente, ao mesmo tempo em que guarda continuidade
com a “reforma” da ditadura, que pretendia adequar o ensino superior às necessidades do capital
monopolista num país de capitalismo dependente, tem também em relação a ela rupturas. Agora,
a contra-reforma universitária pretende atender não só aos interesses do capitalismo central
imperialista, mas, ao capitalismo neoliberal reestruturado que avança sobre os direitos dos
trabalhadores e sobre o fundo público dos países para garantir sua sobrevida em meio a crises
estruturais cada vez mais frequentes.
Assim, as universidades públicas, mais do que nunca, se mercantilizam no mesmo
processo pelo qual passam as demais políticas sociais, geridas e financiadas num mix público-
privado. Ao mesmo tempo, o governo injeta cada vez mais recursos públicos em universidades
privadas para favorecer classes proprietárias que como diz Oliveira (2010, .p46) “não as
179
chamemos de burguesia, que era até uma designação honrosa – seus maiores protagonistas não
passam de gangsters, que aparecem também no noticiário policial pelos golpes contra seus
concorrentes, por via do fundo público”.
Além desses processos, que garantem maiores lucros ao capital de forma imediata com a
abertura de novos espaços de valorização, a universidade também é chamada a mudar seus
conteúdos para adequá-los às necessidades de produção e, sobretudo, reprodução de inovações
tecnológicas e formação de trabalhadores intelectuais para as necessidades do capitalismo
contemporâneo.
O REUNI, nesse contexto, só tem aprofundado uma lógica gerencial de gestão com
financiamento por contrato baseado em resultados e metas. Esses mecanismos reduzem ainda
mais o espaço de autonomia universitária, princípio que mesmo que nunca completamente
garantido no Brasil, visa permitir o comprometimento dos interesses da universidade com a
maioria da população e não com o mercado ou o governo. Essa lógica de financiamento e gestão,
perseguida desde o governo Cardoso, que o REUNI generaliza, coloca a universidade pública
brasileira a serviço dos interesses do capitalismo atual, com a facilitação garantida pelo governo.
O financiamento por contrato de gestão funciona como uma chantagem para o conjunto da
comunidade universitária. Ainda que parte dela seja cúmplice consciente das mudanças
promovidas, muitos são levados pela suposta inevitabilidade das adequações e a ilusão da
autonomia, em troca de recursos.
Ao mesmo tempo, a expansão de vagas e de assistência estudantil, ainda que focalizada,
vão servir à coesão social e às ideologias de ascensão social via educação, num período de
agudização das expressões da Questão Social, do desemprego estrutural e da desigualdade. Esse
acesso massificado, todavia, significa uma redução da qualidade defendida pelos movimentos
sociais e inscrita na Constituição de 1988, que é calcada na indissolubilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Também não garante princípios pedagógicos básicos como o ensino
presencial, condições infraestruturais adequadas, professores suficientes. Também é importante
ressaltar, mais uma vez, que ainda que nominalmente haja uma ampliação de recursos
financeiros e concursos públicos o que o REUNI propõe, na prática é uma redução
proporcional do número de docentes nas universidades federais bem como uma redução
proporcional dos recursos de custeio.
180
Possivelmente o REUNI não teria sido tão abnegadamente aceito se o governo não fosse
do Partido dos Trabalhadores, com uma figura com tanto lastro de confiança dos setores mais
progressistas das universidades como Lula. Também possivelmente o REUNI não teria sido tão
unanimidade se não estivesse sendo implementado após um período de grande restrição
orçamentária para as universidades federais, como foi o governo Cardoso. Mas é importante não
perder de vista que a ampliação nominal dos recursos, além de desproporcional à expansão
proposta pelo REUNI, só foi possível num período de crescimento econômico que gerou para o
governo “sobras” de caixa. Na análise da relação dos recursos para as universidades com o PIB,
fica claro que não houve qualquer inversão de prioridades no governo Lula, que segue pagando
religiosamente juros e amortizações da dívida pública com o capital financeiro.
Mesmo com todas essas questões, houve, e ainda há ainda que minoritária, resistência à
implementação do REUNI nas universidades, principalmente entre setores do movimento
estudantil e docente. Ainda que o governo tenha jogado alto para cooptação do movimento
sindical e estudantil, a crítica segue viva e as contradições começam a aparecer. Podemos
comparar o REUNI a uma bomba relógio pronta para explodir em 2012, quando as universidades
estiverem ampliadas e sem garantias de financiamento. É dessas contradições, com o
protagonismo dos novos estudantes, técnico-administrativos e docentes, que surgirão novas
resistências e novas mobilizações pela universidade pública, autônoma e socialmente
referenciada na maioria da população. Afinal a história não pára, ou, como diria o poeta: “a
história é um carro alegre, cheia de um povo contente e que atropela, indiferente, todos aquele
que a negue.
181
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