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Analisar um documento iconográficoT

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orto Editora

Identificar o documento:

– natureza (ilustração, pintura, escultura, fotografia, cartaz,caricatura, etc.). É também importante verificar se a imagemapresentada é uma obra completa ou um fragmento de umconjunto mais vasto;

– situação no tempo e no espaço (quando e onde foi produzido);

– autor e/ou comanditário;

– título/tema.

Identificar o contexto histórico no momento da sua produção.

Discriminar os elementos figurativos e suas inter-relações (se acomplexidade da imagem o exigir, decompô-la em setores –centro, direito, esquerdo, superior, inferior – e/ou planos – pri-meiro plano, segundo plano…).

Interpretar/descodificar o documento (termine sintetizando,numa frase ou pequeno parágrafo, a mensagem principal dodocumento).

Regras de análise

Charles Le Brun, Retrato do Chanceler Seguier, c. 1660. Óleo sobre tela, 295x351 cm, Museu do Louvre.

Para uma completa descodificação do documento, torna-se imprescindível efetuar uma pequena pesquisa que forneça elementos sobre o

retratado, o pintor e as circunstâncias em que foi efetuado o retrato. Em casos como este, o recurso à Internet revela-se rápido e eficaz.

1. Apresente o documento.

2. Forneça alguns elementos sobre o retratado e sobre o autor da obra.

Questões

Análise de documentos/fontes

3. Em que contexto é representado o chanceler?

4. Descreva, em traços gerais, o quadro.

5. Que imagem do retratado nos é transmitida? Que elementos a veiculam?

6. Avalie o contributo do documento para a compreensão histórica da época.

1. A imagem reproduz um quadro a óleo de Charles Le Brun, de dimensões impressionantes, que retrataum alto dignitário francês, o chanceler Pierre Seguier, rodeado de um pequeno séquito. Executadapouco depois de 1660, a obra encontra-se hoje no Museu do Louvre.

2. O retratado, Pierre Seguier (1588-1672), foi um dos homens mais influentes do seu tempo. Oriundo deuma família de comerciantes parisiense, notabilizou-se como jurista e, de degrau em degrau, subiu na car-reira administrativa até ao seu mais alto cargo, o de chanceler, função que desempenhou durante 37 anos.Responsável pela aplicação da chancela (ou selo) real, sem a qual os decretos, sentenças, perdões, con-cessões de títulos e todos os demais documentos careciam de valor legal, Seguier retirava do seu cargohonrarias, protagonismo e poder. Em 1650, Luís XIV agraciou-o com o título de duque de Villemor.O pintor Charles Le Brun (1619-1690) conta-se entre os mais famosos pintores do século XVII e tinha,para com o chanceler, uma dívida de gratidão. Ainda adolescente, beneficiara da proteção de Seguier,que o acolhera e custeara a sua formação, enviando-o a Itália para que copiasse as obras dos grandespintores do Renascimento. À época em que o retrato foi pintado, Le Brun ocupava já um lugar proemi-nente na corte do Rei-Sol, para quem trabalharia até à sua morte, mas mantinha grande deferência peloseu primeiro mecenas. Alguns críticos de arte acreditam que se autorretratou, nesta obra, na figura dopajem que segura o guarda-sol.

3. Ao encomendar este retrato, o chanceler quis imortalizar a sua participação no cortejo solene que, em26 de agosto de 1660, percorreu a cidade de Paris, por ocasião do casamento do jovem Luís XIV comMaria Teresa de Áustria, infanta de Espanha. Numa época em que os cerimoniais e a pompa assumiamgrande importância social e política, Pierre Seguier abrilhantou a sua participação fazendo desfilar todo opessoal da chancelaria em traje de gala, bem como um corcel ricamente ajaezado que carregava, nodorso, dentro de um cofre, o selo do Estado, de que era guardião (fig. 1).

Comentário

Fig. 1 – Reproduçãode um dos catorzedesenhos que repre-sentam a participa-ção da chancelaria naentrada do casal realem Paris. Presumi-velmente mandadosexecutar pelo chan-celer Seguier, encon-tram-se em Esto-colmo.T

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4. No quadro figuram sete personagens, mas toda a composição é dominada pela figura de Pierre Seguier.No centro do quadro, o chanceler enverga um sumptuoso traje comprido, de brocado dourado, e montaum belo cavalo branco, com rédeas também douradas e o dorso inteiramente coberto por uma mantabordada a fio de ouro. Rodeiam-no seis pajens a pé, vestidos de forma requintada, que lhe conduzem ocavalo e seguram um dos guarda-sóis de seda que protegem o chanceler. Por trás da montada, adivinha--se um outro elemento, que suporta o segundo guarda-sol.A cena recorta-se sobre um pavimento neutro e um céu nublado, sem quaisquer outros elementos quedistraiam o espectador do grupo representado.

5. O quadro transmite, de imediato, a posição proeminente do chanceler. Num tempo em que o poder semanifesta externamente através de convenções, símbolos e ostentação, o retrato é eloquente quanto àelevada posição do retratado. Evidencia-se ela:– no retrato equestre, tipo de representação desde sempre reservada aos altos dignitários, que agiganta

a estatura do retrato e lhe confere imponência;– na sumptuosidade dos tecidos, em que predomina o brilho do ouro, símbolo do esplendor e da riqueza;– no chapéu que lhe cobre a cabeça e que só a sua condição superior lhe permite usar numa cerimónia

real. A cabeça descoberta dos demais personagens acentua o valor desta convenção;– no colar da Ordem do Espírito Santo que ostenta ao peito, a mais prestigiada ordem de cavalaria da

monarquia francesa;– nos guarda-sóis que o cobrem, assinalando, de forma clara, que, protegido por eles, desfila um grande

senhor;– no séquito que o rodeia, ricamente trajado, mas em evidente situação de inferioridade face ao ilustre

senhor que serve;– no porte altivo e sereno, que lhe confere um ar quase majestático.

6. A obra apresentada espelha, de forma clara, a importância assumida pela hierarquia social no AntigoRegime. Nesta época, o lugar de cada um na sociedade estava definido com precisão, conferindo deve-res e direitos específicos que todos deviam aceitar e cumprir. Deus, pensava-se, não desejava a igual-dade entre os homens, reservando a alguns uma condição superior, plena de dignidade e poder. Frutodesta conceção, os sinais de grandeza manifestavam-se de forma explícita, exibindo os grandes, comorgulho, as insígnias da sua condição.No entanto, mesmo em tal contexto, o retrato do chanceler revela-se algo excessivo.As dimensões gigantescas da tela, o fausto e imponência dada à figura do retratado fazem deste quadrouma obra única e asseguram-lhe um lugar próprio entre os muitos retratos de aparato que, da época,nos ficaram. É como se o chanceler quisesse confirmar, de forma inquestionável, o seu direito a umlugar cimeiro, lugar que não lhe pertencia por nascimento, já que Pierre Seguier pertencia à nobreza detoga, ao punhado dos que lograram elevar-se pelos bons serviços prestados ao rei. Numa sociedade deordens, em que o berço constituía a base da distinção social, tal facto não conferia prestígio, bem pelocontrário. Talvez por isso, Charles Le Brun empregue todo o seu talento para colocar, desta forma tãoenfática, o seu protetor entre os grandes do seu tempo.Em suma, mais do que o retrato de um homem, o quadro de Charles Le Brun é o retrato de uma épocae dos seus critérios de valor social.

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