adriano nascimento silva - dissertação - a 'via democrática para o socialismo' na obra de carlos...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO/ UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL
A VIA DEMOCRTICA PARA O SOCIALISMO NA OBRA DE CARLOS NELSON COUTINHO
ADRIANO NASCIMENTO SILVA
Victor Neves de SouzaTESE: ver as anotaes, mas especial ateno para as duas ltimas sees do captulo 2, especialmente as ltimas pginas deste captulo.
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ADRIANO NASCIMENTO SILVA
A via democrtica para o socialismo na obra de Carlos Nelson Coutinho
CCSA-UFPE/CCSA-UFAL 2003
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ii
Universidade Federal de Pernambuco Universidade Federal de Alagoas
Centro de Cincias Sociais Aplicadas Departamento de Servio Social
A via democrtica para o socialismo na obra de Carlos Nelson Coutinho
Adriano Nascimento Silva
CCSA-UFPE/CCSA-UFAL Maro/2003
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iii
Adriano Nascimento Silva
A via democrtica para o socialismo na obra de Carlos Nelson Coutinho
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social do Departamento de Servio Social da Universidade Federal de Pernambuco em convnio com o Departamento de Servio Social da Universidade Federal de Alagoas, como requisito parcial de obteno ao ttulo de Mestre em Servio Social, sob a orientao do Prof. Dr. Srgio Afrnio Lessa Filho e sob a co-orientao do Prof. Dr. Ivo Tonet.
Recife/Macei 2003
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iv
A via democrtica para o socialismo na obra de Carlos Nelson Coutinho
Adriano Nascimento Silva
Dissertao de Mestrado submetida comisso julgadora nomeada pelo Programa de Ps-Graduao do Departamento de Servio Social da Universidade Federal de Pernambuco em convnio com a Universidade Federal de Alagoas, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre.
Aprovada por:
Orientador: Dr. Srgio Afrnio Lessa Filho
Co-orientador: Dr. Ivo Tonet
Examinador(a): Dra. M. Alexandra M. Mustaf
Examinador(a): Dra. Maria de Ftima G. Lucena
Recife/Macei 2003
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v
SILVA, ADRIANO NASCIMENTO A via democrtica para o socialismo na obra de Carlos Nelson Coutinho Adriano Nascimento Silva. Recife/Macei: UFPE/UFAL, 2003. 169 p. Dissertao Universidade Federal de Pernambuco/Universidade Federal de Alagoas/ CCSA. 1. Socialismo-democrtico 2. Revoluo 3. Via democrtica 4. Marxismo (Mestrado-UFPE/UFAL). I. Ttulo
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Para Guga e Jos Ivo, com quem eu tenho vivido muitos momentos felizes
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AGRADECIMENTOS
integridade intelectual e pessoal e ao rigor terico do meu co-orientador Ivo
Tonet.
Aos colegas do Mestrado em Servio Social do Convnio Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE)/Universidade Federal de Alagoas (UFAL), pelos meses de
convivncia intelectual profcua.
Aos professores do Programa de Ps-graduao do referido convnio (Dra.
Erinalva Medeiros, Dra. Alexandra Mustapha, Dra. Ana Cristina Brito Arcoverde, Dra. Anita
Aline, Dr. Edmilson Veras e Dr. Srgio Lessa), que, sem nenhuma exceo entre estes nomes,
permitiram e respeitaram a liberdade na divergncia e influenciaram positivamente na minha
formao.
Virginia Borges do Amaral, Coordenadora do Programa de Ps-graduao,
em Alagoas, Quitria, secretria do Programa, em Macei, e Jacilene, em Recife, que
sempre atenderam com simpatia aos meus muitos apelos (muitos mesmos...).
Aos meus colegas (professores e func ionrios) da Faculdade de Alagoas
(FAL), em especial ao Felipe Cavalcante, Arim Soares do Bem, Cludio Canuto e Marins
Coral, grandes amigos e incentivadores.
Professora Rilene Arruda, Coordenadora Acadmica da FAL e ao seu
esposo Jofre Arruda (in memorian), pelo carinho e apoio inestimvel que sempre me
reservaram.
Aos meus alunos da disciplina Estado e Sociedade Civil, do Curso de Direito
da FAL, com os quais mantive sempre interessantes debates e recebi importantes
contribuies sobre o tema abordado na minha dissertao.
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As minhas filhas, Sacha e Nicole, com todo amor, pela ausncia que esta
dissertao sempre acarretou.
Simoni e ao Zilas, meus grandes amigos marxistas, pela integridade, pelo
apoio incontinenti, pela companhia, pelas discusses, por terem sido tudo que se espera de
grandes camaradas.
CAPES e FAPEAL, em diferentes momentos, pelos meses de bolsa
concedido e pela oportunidade de desenvolver a minha pesquisa.
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RESUMO
O objetivo de nossa investigao que resultou na presente dissertao de mestrado dialogar com as concepes de via democrtica para o socialismo e socialismo democrtico, sobretudo a forma em que se expressam na obra de um dos seus mais importantes tericos, o cientista poltico brasileiro Carlos Nelson Coutinho. Em nossa anlise, partimos do pressuposto de que a realidade tem um carter de totalidade e de que esta totalidade fundada no ato do trabalho. Totalidade que , tambm, sempre o resultado de um processo histrico-social e, simultaneamente, da determinao reflexiva entre subjetividade e objetividade. Da porque, ao nosso ver, a compreenso de qualquer momento do processo social impe a busca de sua gnese histrico-ontolgica e a sua articulao com a totalidade social em curso. A partir desse pressuposto procuramos fazer emergir a natureza, o sentido e as conseqncias da questo da transio democrtica e do socialismo democrtico. Para atender a necessidade de exposio do deslocamento representado pela idia de socialismo democrtico, iniciamos, ento, por perquirir a noo marxiana de socialismo. Para esta perquirio no foi suficiente a anlise da obras que Marx trata expressamente do tema, pelo que ampliamos, no primeiro captulo, nossa investigao para os textos em que est demarcado o fio condutor de seu pensamento. Buscamos, em seguida, no segundo captulo, verificar as determinaes decisivas da recepo do pensamento de Marx. Como se sabe, a verso dominante do marxismo foi aquela que teve nos integrantes da II Internacional os seus principais formuladores. Isto nos permitiu compreender as bases tericas e os desdobramentos prticos do conceito social-democrata de socialismo. Por fim, nossa investigao, no ltimo captulo, atingiu quilo que consideramos o ncleo fundamental deste trabalho. Vale dizer, a caracterizao, a partir da obra poltica de Carlos Nelson Coutinho, do que se chama de via democrtica para o socialismo, procurando demarcar como essa alternativa expressa um giro da centralidade do trabalho, prpria da impostao filosfica marxiana, para a centralidade da poltica. Palavras-chaves: Socialismo-democrtico, Emancipao poltica e Emancipao humana.
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ABSTRACT
The objective of our investigation which resulted in this masters dissertation is to talk with the conceptions of the democratic way to socialism and democratic socialism , specially how they are expressed in the work of one of the most important theoretical authors, the brazilian politic scientist Carlos Nelson Coutinho. In our analysis, we began from the presumption that the reality has a totality character and this totality is based on the act of labor. This totality is also the result of a social-historical process and, at the same time, the reflection between subjectivity and objectivity . This is why, in our point of view, the comprehension of every moment in the social process imposes a search for its historical-ontology genesis and its articulation with the social totality in course. From that presumption, we try to make it emerge the origin, the sense and the consequences of the democratic transition issue and the democratic socialism. To attend the need of displacement exposition represented by the democratic-socialism idea, we started searching Marxs notion of socialism. For this search the analysis of Marxs work that deals with the theme was not enough and this is why we enlarged in the first chapter our investigation for the texts where his thinking is underlined. In the second chapter we tried to verify the conclusive determination of Marks thinking reception. As it is well known, Marks dominant version which was the one formulated by the participants of the II International, allowed us to understand the theoretical basis and the practical consequences of the democratic social concept of socialism. In the end, our investigation in the last chapter reached what we consider the fundamental center of this work: The characterization of the so called democratic way to socialism from the political work of Carlos Nelson Cout inho, trying to underline with this express alternative a centrality spin of labor, characteristic of Marxs philosophical imposition to political centrality. Key-words: Democratic-Socialism, Political emancipation and Human emancipation..
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SUMRIO Introduo p. 12 1. Sobre a relao entre socialismo e liberdade p. 13 2. Procedimento metodolgico p. 15 3. O problema p. 18 Cap.1. A natureza do pensamento de Marx e as implicaes em sua concepo de socialismo
p. 22
1.1. Pressupostos iniciais p. 23 1.2. Marx e a perspectiva da totalidade p. 27 1.2.1. O deslocamento da centralidade da objetividade
para a centralidade da subjetividade p. 28
1.2.2. A superao dialtica das perspectivas unilaterais Da objetividade e da subjetividade
p. 36
1.2.3. A totalidade social como complexo de complexos p. 54 1.3. Marx e o complexo da poltica p. 58 1.4. Emancipao poltica e emancipao humana p. 68 Cap.2. O caminho social-democrata para o socialismo p. 74 2.1. Notas preliminares p. 77 2.2. O reformismo social-democrata p. 81 2.2.1. Revisionismo e reformismo em Berstein e Kautsky p. 85 2.2.2. Estado, democracia e socialismo,
segundo o reformismo social-democrata p. 91
2.3. As contradies do austro-marxismo p. 100 2.4. Notas sobre as conseqncias do caminho
social-democrata para a construo do socialismo p. 106
Cap.3. A via democrtica para o socialismo em Carlos Nelson Coutinho p. 113 3.1. Contexto histrico p. 114 3.2. A centralidade da poltica e o novo conceito de Es tado p. 128 3.2.1. Centralidade da poltica p. 128 3.2.2. Estado ampliado e o reformismo revolucionrio p. 130 3.3. A democracia e a cidadania como valores historicamente universais p. 142 Concluso p. 158 Referncias bibliogrficas p. 163
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INTRODUO
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1. Sobre a relao entre socialismo e democracia
No debate contemporneo, ampliam-se recorrentemente as discusses polticas
acerca das formas de governo, se parlamentar ou presidencial; sobre o sistema de
representao poltica, se pluralista ou bipartidarista; sobre a maneira de exercer o poder, se
em uma democracia direta, semi-direta ou representativa; alm de diversos embates sobre as
formas teis de se ampliar o gradiente de cidadania. Contudo, por mais acaloradas que sejam
as maneiras nas quais se expressam os conflitos polticos, quase no se questiona mais a
estrutura fundamental da sociedade, sua base determinante e determinativa. Portanto, da
maneira que se coloca o debate hoje, um termo, ou melhor, um conceito torna-se cada vez
mais remoto e at mesmo vilipendiado. Trata-se do socialismo. O extravio desse conceito tem
motivaes profundas.
Na concepo dominante, socialismo implica uma forma de exercer o poder
marcada profundamente pela imposio de um igualitarismo artificial que prejudicaria
sobremaneira o exerccio das liberdades. A partir dessa idia, identifica-se socialismo a
totalitarismo, a centralizao poltica, a planificao da economia, a massificao da
sociedade, a anulao da personalidade humana etc. Esse discurso assumido e propagado
pelo senso comum, sem que se defina o que se entende efetivamente por liberdade. Porm,
traduz, em linhas gerais, um sentido subjacente de liberdade como sinnimo de livre
iniciativa, ou liberdade como respeito s regras do jogo democrtico-parlamentar. Em
conseqncia, a posio que se manifesta com essa idia que haveria uma anttese entre
socialismo e liberdade, colocando estes termos como antpodas. Ou ainda, vinculando
socialismo a exerccio autocrtico de poder, enquanto democracia elevada ao status de
mximo exerccio de liberdade. Dito de outra maneira, democracia passa a ser sinnimo de
liberdade tout court.
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preciso afirmar, liminarmente, que a concepo que se tem de socialismo,
para aqueles que vem socialismo como antittico liberdade, circunscreve o socialismo
experincia poltica vivenciada no leste europeu. Submetem inextricavelmente o conceito de
socialismo ao regime construdo aps a Revoluo Bolchevique de 1917. O termo mais
utilizado para classificar as sociedades ps-capitalistas, como veremos no curso dessa
dissertao, , doravante, socialismo real, o qual seria sinnimo de socialismo autoritrio.
A assim chamada esquerda moderna, para no abandonar a proposta de
construo da sociedade socialista, enfatiza sempre que o erro do modelo sovitico, em amplo
grau e medida, era devido no instaurao, junto com a abolio do regime da propridade
privada, de mecanismos democrticos. Na Europa, autores representativos desta idia, como
Palmiro Togliatti, Umberto Cerroni, Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Pietro Ingrao e no
Brasil, tericos como Marilena Chau, Francisco Weffort e Carlos Nelson Coutinho, mutatis
mutandis, tm canalizado esforos tericos para evidenciar que o socialismo sucumbiu
naqueles pases por ter se tornado cada vez menos democrtico e mais autocrtico, ao
contrrio do que se esperava de uma prtica libertria, como a do proletariado. Deste modo, a
esquerda moderna, sempre que adota a expresso socialismo, demarca que se trata de um
socialismo democrtico em oposio s formas de socialismo autoritrio objetivadas pelo
mundo.
O objetivo de tal esquerda , portanto, evidenciar, de um lado, a diferena, a
distncia e a oposio de suas propostas em relao ao modelo sovitico e, de outro, a sua
profunda adeso aos valores democrticos. H, desse modo, uma efetiva converso da
esquerda democracia. Contudo, ao contrrio do que possa parecer, esse processo no foi em
nada simples. Implicou, tambm, uma profunda reformulao de conceitos fundamentais da
tradio marxista, tais como Estado, Revoluo, Sociedade Civil, Democracia, entre outros
que veremos no curso do nosso trabalho.
Victor Neves de SouzaSocialismo ("real" ou "autoritrio") x socialismo democrtico.
Victor Neves de Souza"converso" da esquerda democracia.
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Reformulaes tericas e mudanas prticas foram, simultaneamente,
influenciando na configurao da chamada via democrtica para o socialismo. Esta
alternativa se encontra, hoje, hegemonizada no interior da esquerda, tanto mundial como
nacional. No obstante, a nossa inteno nessa dissertao , em primeiro lugar, compreender
a natureza e o sentido dessa alternativa e, em segundo lugar, pr em dvida a pertinncia de se
entender o socialismo democrtico como a expresso efetiva do socialismo. Ao procurar
dialogar com a tese da via democrtica para o socialismo, na obra de um dos seus mais
profundos e slidos pensadores, o cientista poltico brasileiro Carlos Nelson Coutinho, temos
como propsito oferecer uma contribuio para esse debate.
Porm, antes de adentrarmos in media res, necessrio apresentar rapidamente
o percurso metodolgico que nos conduziu nesse trabalho.
2. Procedimento metodolgico
Vale dizer, antes de tudo, que para alcanarmos os objetivos investigatrios
propostos, lanamos mo em nossa pesquisa de mestrado do mtodo dialtico, no sentido de
apreenso da dinmica do real pela busca da totalidade. Esta totalidade, como sobejamente
sabido no , em Marx, o somatrio de partes arbitrria e epistemologicamente recortadas. A
totalidade sempre o resultado de um processo histrico-social. Neste sentido, para Marx, o
mtodo uma relao entre subjetividade e objetividade que se constitui historicamente.
Assim, o mtodo a capacidade da razo apreender o modo de ser e se reproduzir da
sociedade, nomeadamente do ser que lhe prprio: o ser social (gesellschaflichen Sein).
A representao terica o momento pelo qual se d a reproduo do mundo
real sob a forma de "concreto pensado". Nesse sentido, para a crtica dialtica,
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a totalidade concreta enquanto totalidade de pensamento, enquanto concreto do pensamento, de fato um produto do pensamento, da atividade de conceber, ele no pois de forma alguma o produto do conceito que engendra a si prprio, que pensa exterior e superiormente observao imediata e representao. O todo na forma em que aparece no esprito como um todo de pensamento, um produto do crebro pensante que se apropria do mundo do nico modo que lhe possvel, de um modo que difere da apropriao do mundo pela arte, pela religio (MARX, 1973, p. 286)
Nesse sentido, o mtodo impe-se como caminho para se reproduzir
idealmente a concretude do real, "como rica totalidade de muitas determinaes e relaes
(als bei einer reichen Totalitt von vielen Bestimmungen und Beziehungen)" (MARX, 1973, p.
285). Assim a compreenso de qualquer momento do processo social requer que este
momento seja articulado com a totalidade social, a qual, em Marx, tem como solo matrizador
o momento econmico.
Para afastar qualquer interpretao descabida importante demarcar ainda que
o objeto reproduzido pela conscincia como objeto do conhecimento, sem que por isso
altere sua autonomia. A sua essncia no se altera com a captura cognitiva. Para Marx, o
objeto real conserva sua independncia fora do esprito, pelo tempo em que o esprito
permanecer em uma atitude especulativa, puramente terica. Do mesmo modo, na abordagem
terica, necessrio que o objeto a sociedade esteja constantemente presente para a
subjetividade como fundamento primeiro. O mtodo procura, assim, apreender idealmente a
processualidade histrica, o desenvo lvimento imanente do processo objetivo.
Portanto, a busca da totalidade do real em sua integrao com os fenmenos
que sero examinados e a idia de que o mundo objetivo desenvolve-se dinamicamente, em
sua globalidade, so pilares que estruturam o nosso procedimento metodolgico.
Com base, pois, no materialismo dialtico, sintetizamos alguns princpios
fundamentais que balizam nossa investigao: a) necessidade de partir do real e no da
subjetividade para se produzir conhecimento; b) procurar ter como pressupostos sempre as
Victor Neves de Souzaobservao importante e correta sobre mtodo.
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzamtodo: partir do real para apreender o movimento das ideias.
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leis e tendncias que regem o evolver dos fenmenos na histria; c) examinar as relaes e
conexes existentes entre o fenmeno estudado e a totalidade que permite sua concretizao,
entre outros.
Desta forma, o mtodo para desvendamento do objeto que nos propomos
estudar consiste na estruturao de um determinado procedimento cientfico, na anlise de
uma dada manifestao ideolgica. Este mtodo esboado por Lukcs (1959), em El Asalto
a la Razn, ao afirmar que a anlise de um fen meno ideolgico implica necessariamente
determinar sua gnese e sua funo social. Porm, para Lukcs, estes dois momentos no so
suficientes. necessrio acrescentar a estes dois momentos a crtica imanente, fator
indispensvel na exposio e no desnudamento das contradies de tendncias ideolgicas.
Cabe agora, mesmo que em linhas gerais, demonstrar o significado de cada um
desses momentos que compem a proposta analtica que adotamos.
Antes de tudo, h que deslindar que por anlise imanente
no se compreende o estudo que confere ao produto ideolgico explcito, origem e desenvolvimento imanente ao prprio campo das ideologias. O que vale dizer que as ideologias, como todas a manifestaes superestruturais, no possuem uma histria autnoma, mas esta sua condio de dependncia gentica das foras motrizes de ordem primria no implica que elas no se constituam em entidades especficas, com caractersticas prprias em cada caso, que cabe descrever numa investigao concreta que respeite a trama interna de suas articulaes, de modo que fique revelado objetivamente seu perfil de contedos e a forma pela qual eles se estruturam e afirmam (CHASIN, 1978, p. 77).
Porm, no basta, conforme acrescenta Lukcs, estigmatizar certeiramente
[...] uma determinada tendncia. A anlise cientfica no pode estacionar neste momento,
deve lanar-se ao conhecimento intrnseco do objeto de estudo procurando demonstrar sua
falsidade, articulando a anlise imanente dos textos com a investigao da gnese histrica
das suas categorias e a funo social que desempenham.
Victor Neves de Souzacrtica imanente
Victor Neves de Souzaarticulao anlise imanente / crtica "gentica"-histrica.
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Ao segundo momento, o estudo gentico, dois pontos so fundamentais. De um
lado, a demonstrao dos passos que no campo do pensamento aplainam o terreno para a
conformao de uma determinada ideologia; e, de outro lado, a questo da gnese remete para
a apreenso da base que permite o surgimento de uma determinada superestrutura concreta,
dado que Sem descobrir os fundamentos reais da situao histrico-social no h anlise
cientfica possvel (LUKCS apud CHASIN, 1978, p. 78).
Visceralmente ligada questo da anlise gentica encontra-se a anlise da
funo social que, em um determinado contexto, joga uma especfica manifestao
ideolgica, visto que no havendo ideologias inocentes, na opo entre o novo e o velho
no decidem, em primeiro plano, as consideraes filosficas ou mentais, mas a situao de
classe e a vinculao a uma classe (Idem, ibidem).
Adotamos, assim, como pressupostos metodolgicos, essas trs necessidades:
1) buscar determinar o contexto histrico que permite a entificao do conceito de
socialismo democrtico, tendo todavia que fazer referncia ao solo histrico que possibilita
a gnese desta categoria; 2) demonstrar suas apreenses terico- ideolgicas e o papel que
desempenha no desenvolvimento terico, mediante a anlise imanente deste conceito; 3) e,
expor a funo social que este conceito desempenha na processualidade social e nas
escolhas/respostas dos indivduos em um dada margem histrica-social, ou seja, procurar
demonstrar a que tipo de luta social este conceito conduz.
3. O problema
Qual , em sntese, o problema? Partimos do pressuposto de que a proposta
marxiana era uma proposta radicalmente revolucionria, que tinha o objetivo de destruir
Victor Neves de Souzaa) estudo da gnese: 01 - referncias tericas e constit "imanente" do pensamento / 02 - apreenso da "base" material real.
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzab) estudo da "funo social" daquelas ideias.
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revolucionariamente a explorao do capital e de super- la a partir da construo positiva de
uma nova ordem societria, centrada na lgica do trabalho associado.
A forma como esse iderio foi recebido e compreendido pela tradio
marxista ps-Marx um momento importante da investigao que realizamos.
Em oposio idia revolucionria de Marx, no ltimo quartel do sculo XIX
e princpio do sculo passado, devido a um determinado contexto histrico-cultural, foi se
desenvolvendo a tese de que o socialismo viria como resultado das conquistas democrticas
da massa operria, que mediante suas reivindicaes edulcoraria a explorao capitalista, de
modo que a transio para uma forma de sociabilidade mais justa e igualitria seria
conseqncia de um processo gradativo e cont nuo de ganhos econmicos, polticos e civis.
Os partidos que defendiam esta tese, para demarcar as diferenas em relao aos comunistas
que advogavam a tomada violenta do poder poltico, passam a se intitular social-democratas.
Em um momento, entre o sucesso exordial e as vicissitudes que se seguiram
Revoluo de Outubro, a oposio entre os partidos comunistas e os socialistas se amplia cada
vez mais. Em outro momento, a evidncia de que a revoluo sovitica, apesar dos avanos
econmicos, no havia efetivado uma ordem social livre, mas sim um regime autoritrio, faz
reacender as crticas dos partidos socialistas aos partidos comunistas que elegiam o pas dos
sovietes como modelo.
A partir da, a idia de que o socialismo genuno deve ser democrtico em
oposio ao modelo de autocracia sovitica ganha fora. Em seguida, a idia de que a via para
o socialismo deve ser pavimentada democraticamente expande-se terica e praticamente. Os
principais arautos destas teses so os tericos ligados aos partidos comunistas da Itlia e da
Frana. Os primeiros articulando terica e praticamente, atravs de suas leituras de Gramsci,
aquilo que deveria ser a via democrtica para o socialismo, enquanto os segundos,
realizando a crtica do marxismo, sobretudo de suas concepes filosficas e polticas.
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
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O que sintomtico nessas alternativas o fato de que o ponto de partida para
a construo da alternativa democrtica
foi a concepo da incompletude e das profundas insuficincias da revoluo sovitica (e de outras que, depois, tentaram seguir-lhe os passos). Sua deficincia fundamental estaria na falta motivada por equvocos e dificuldades prticas de socializao do poder poltico. Teria havido uma subestimao da problemtica da democracia, j que, apesar de todos os percalos, quanto economia, a socializao estaria se efetivando. Tratar-se-ia, ento, de resgatar a dimenso democrtica, deixada em segundo plano pelo marxismo, evidenciando-a como uma dimenso essencial da existncia humana. O socialismo implicaria a socializao da economia e do poder poltico. Deste modo, a converso da esquerda democracia no teria um carter oportunista, mas significaria a crtica de erros passados e a descoberta de fundamentos slidos para orientar a construo de uma nova forma de sociabilidade (TONET, 2003, p. 2).
A crtica feita teoria de Marx e as reformulaes terico-prticas que se
seguem tm como ponto de partida e como fio condutor que urde suas teses essa concepo a
respeito da incompletude da transio sovitica.
Em tempo e sinteticamente, vale dizer que, para perquirir a justeza de suas
crticas a Marx e a pertinncia do conceito de socialismo democrtico, iniciaremos, no
primeiro captulo, com a anlise da noo marxiana de socialismo, porm sem nos
restringirmos aos textos em que ele trata expressamente do tema, mas lanando mo daqueles
em que ele explicita o fio condutor de seu pensamento, que manifesta uma radical ruptura em
relao forma de se fazer cincia e filosofia ocidental.
No captulo seguinte, buscaremos demarcar a forma como foi recepcionado e
apreendido o seu pensamento em uma das fraes dominantes do marxismo do sculo XX, a
concepo social-democrata de Kautsky, Bernstein e outros tericos da II Internacional
Comunista. Nosso objetivo ser demarcar como, fundada em uma dada anlise do capitalismo
e da possibilidade do socialismo, esta corrente ofereceu solues unilaterais, ora subjetivistas
ora positivistas, para o problema da transio. A crtica imanente do conceito de socialismo
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza"origens" da "converso" da esquerda democracia.
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dos autores referidos nos proporcionar condies para compreender o lastro terico da via
social-democrata para o socialismo, sendo sobremaneira importante, visto que a anlise do
autor que consideramos o ncleo central do nosso trabalho parte tambm da crtica aos limites
da postura social-democrata.
Enfim, o ltimo captulo ser reservado para a crtica imanente da via
democrtica para o socialismo em Carlos Nelson Coutinho. Neste derradeiro momento,
nosso objetivo ser demonstrar como este autor intenta, centrando a questo do socialismo em
uma necessria concepo universal do fenmeno democrtico, demonstrar a necessidade de
se articular os mecanismos da democracia representativa com as organizaes da democracia
de massas para se edificar uma nova ordem societria para alm da barbrie capitalista.
Victor Neves de Souza
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CAPTULO 1
A NATUREZA DO PENSAMENTO DE MARX E AS IMPLICAES EM
SUA CONCEPO DE SOCIALISMO
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O socialismo no ser e no pode ser inaugurado por decreto; no pode ser estabelecido por qualquer governo,
ainda que admiravelmente socialista. O socialismo deve ser criado pelas massas, deve ser realizado por todo
proletariado. Onde as cadeias do capitalismo so forjadas, a devem ser rompidas. Somente isto socialismo, e s assim ele
pode surgir. As massas devem aprender a usar o poder usando o poder. No h outro modo.
Rosa Luxemburg
1.1.Pressupostos iniciais
Para analisarmos a via democrtica para o socialismo e as propostas do
socialismo democrtico, a nosso ver, necessrio partirmos da investigao dos
fundamentos do socialismo expostos por Marx que parte da tese de que socialismo uma
forma de sociabilidade construda a partir de uma radical ruptura com a ordem social
burguesa. Adotar este ponto de partida em nossa trajetria indispensvel para termos
Victor Neves de Souzaboa epgrafe
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instrumentos hbeis para demarcar os lineamentos centrais e apontar o significado e as
conseqncias das propostas da chamada esquerda democrtica, a qual, como procuraremos
demonstrar, constri seu discurso a partir de um profundo giro em relao propositura
inicial marxiana.
Desse modo, imprescindvel resgatar a concepo de socialismo conforme se
apresenta em obras clssicas de Marx, tais como Manifesto do Partido Comunista, A
Ideologia Alem, Guerra Civil em Frana e Crtica ao Programa de Gotha, se intentamos
demarcar o corte ocorrido a partir das teses de caminhos democrticos para o socialismo.
Contudo, para centrarmos a problemtica do socialismo em um resgate da
concepo clssica de Marx, no basta a anlise dos textos em que Marx explicitamente trata
do socialismo, como os referidos acima. H necessariamente que se acrescentar quelas obras
os textos em que ele explicita o fio condutor que demarca a natureza do seu pensamento. Este
fio condutor consiste na articulao de algumas categorias que julgamos essenciais na
determinao da superao (Aufhebung) operada em relao postura cientfica e filosfica
ocidental. Fundamental e decisiva importncia est, portanto, em seu conceito de ser social,
que marcado pelo radical acento no concreto devir humano matrizado pelo trabalho. Deste
modo, ser necessrio buscar em obras juvenis como os Manuscritos econmico-filosficos e
As glosas crticas marginais, assim como em obras de sua maturidade, como os Grundrisse e
O Capital, dados analticos que expressem a sua revoluo terica (NETTO, 1990, p. 61-67).
Ao operarmos desta forma, elidimos liminarmente as hipteses, moda althusseriana, que
tendem a ver na obra de Marx uma fratura entre um Marx especulativo, influenciado por
Hegel em sua juventude por isso idealista e outro Marx cientista, que em sua idade
madura se afasta de Hegel e se aproxima das questes mais materialistas o Marx imergido
na economia poltica.
Victor Neves de Souza"esquerda democrtica" - afastamento em relao a Marx.
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Mas preciso dizer ainda que, ao iniciar um estudo sobre o socialismo
democrtico, buscando o resgate do que chamaremos aqui como via revolucionria do
socialismo, no pretendemos demonstrar que por si mesmo o abandono da impostao
marxiana seja uma traio aos ideais de uma manifestao superior de sociedade construda
na imaginao, tampouco que o giro realizado pela esquerda democrtica seja um
desvirtuamento da melhor exegese da letra de um texto consolidado maneira talmdica. No
disto que se trata.
Apenas adotamos como ponto de partida o pressuposto de que a proposio
revolucionria marxiana parte da idia de que o socialismo uma forma de sociabilidade
edificada a partir da ruptura com a ordem scio-metablica comandada pelo capital.
Socialismo, portanto, uma forma de sociabilidade construda a partir do capitalismo, porm
superior s melhores objetivaes j alcanadas at aqui (TONET, 2002, p. 6-7). No apenas
diferente em momentos isolados ou particulares. Sua essncia que completamente distinta.
Constitui-se, nas palavras de Marx, no movimento real que supera o estado de coisas atual
(MARX & ENGELS, 1996, p. 52). Trata-se, assim, de compreender o processo histrico de
autoconstruo humana e de identificar em cada momento histrico as possibilidades e as
barreiras encontradas no processo de tornar-se cada vez mais humano voltaremos a esta
questo mais adiante , visto que a histria humana tem uma linha de continuidade e s
apreendendo os traos determinantes desta continuidade possvel demarcar o ncleo
essencial e os esboos gerais de uma forma de sociabilidade que supere as contradies do
capitalismo.
Neste sentido, recusamos in limine as teses que tomam as experincias dos
pases do socialismo real como metro para se julgar o socialismo. Se tomarmos como
referncia a realidade dos pases ps-capitalistas (o Leste europeu, Cuba, China, entre outros),
estaremos adotando um ponto de partida equivocado e seguiremos sobre um veio falseado no
Victor Neves de Souzaboas observaes: (grifadas)
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzaaqui ele abadonou "in limine" a boa linha que vinha comeando a construir E aderiu "in limine" ao "tipo ideal negativo" que vitima tantos acadmicos "bem-intencionados" que entretanto so incapazes de imaginar o tamanho da dificuldade que deve ser construir um troo daquele Sempre me lembro da Luciana: "acham que dirigir um pas como dirigir um CA".
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curso da discusso. Isto porque, caso se persista na tese de que de alguma forma havia
socialismo nas experincias ps-capitalistas do sculo XX, duas posturas passam a ser
admitidas. De um lado, recusa-se, em princpio, a sociedade socialista devido adoo da
analogia entre socialismo e regimes de inspirao stalinista ou maosta, os quais, segundo as
idias hegemnicas, impunham um igualitarismo artificial responsvel pela limitao da
liberdade1 dos indivduos e por coibir, por via de conseqncia, as potencialidades
econmicas; ou, de outro lado, busca-se localizar os erros polticos das sociedades ps-
revolucionrias sobretudo os equvocos quanto no adoo de instrumentos democrticos,
como parlamento eleito pelo povo, pluralismo partidrio etc. para que se possa corrigi- los.
O resultado destes posicionamentos, conforme advoga Ivo Tonet (2002, p. 4-5), o
deslocamento do eixo do debate, ou em direo a aspectos particulares da economia, ou no
sentido de prescrever remdios polticos para os defeitos da administrao dos pases dito
socialistas (como exemplo, a adoo de franquias democrticas).
Como j dissemos, nossa proposta nesta dissertao ser orientada por um
outro ponto de partida, pelo qual intentaremos dar um diferente enfoque a esta questo. Em
um primeiro plano, procuraremos delinear a natureza do pensamento de Marx, ou seja, os
fundamentos de sua ontologia do ser social que repe em novas bases toda a problemtica
cientfica e filosfica na medida em que funda sua teoria social em um conjunto de categorias
densamente articuladas, que expressam as determinaes do mundo real e norteiam a
apreenso de qualquer fenmeno social. E, num segundo plano, procuraremos demonstrar as
conseqncias revolucionrias da sua concepo de ser social como um ente radicalmente
histrico e objetivo que funda seu devenir homem no ato do trabalho.
1 necessrio dizer que liberdade entendida na maioria das vezes como livre iniciativa ou como sinnimo de franquias democrticas.
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzaminha gente deslocamento do eixo do debate levar o debate pra se aquilo era socialismo ou no Pelamor "E viva o socialismo idealmente ideal dos professores". Sinceramente.
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1.2. Marx e a perspectiva da totalidade2
Vale advertir, antes de tudo, que o objetivo deste item no a discusso
exaustiva da densa urdidura do pensamento marxista, tampouco a ilustrao tpica de
conceitos. Antes disso, o que se pretende a exposio dos fundamentos da teoria social
marxista. Ou seja, o propsito desenhar as categorias fundamentais da ontologia marxiana,
procurando determinar em que consiste a superao que ela representa em relao s
perspectivas unilaterais tanto da objetividade, vigente no mundo greco-medieval, quanto da
subjetividade, que se inaugura na modernidade e alcana nossos dias como modo de pensar
hegemnico. Mais ainda: o que se pretende contra-arrestar a postura passiva e unilateral da
perspectiva da objetividade, assim como a hipertrofia da vontade, prpria da perspectiva da
subjetividade, a qual como adverte Tonet, aos poucos vem tomando a forma de algo
natural, uma espcie de pensamento nico, passando a influenciar tanto a elaborao
filosfico-cientfica quanto a ao prtica nas mais diversas modalidades (TONET, 2001, p.
26). precisamente por isso que a superao da centralidade da subjetividade em direo a
uma perspectiva da totalidade responsvel pela articulao entre subjetividade e
objetividade sob a regncia desta ltima ganha especial relevncia.
Na perspectiva ontolgica de Marx, a centralidade da objetividade resgatada
e reformulada sem que se reduza o papel ativo e a autonomia da subjetividade. A superao
da perspectiva tradicional da objetividade assim como do ponto de vista da subjetividade, a
partir do novo patamar de cientificidade posto pela impostao ontolgica da obra de Marx
indispensvel, caso queiramos fundamentar as possibilidades do socialismo e ainda proceder
2 Para a redao deste captulo, dois autores brasileiros foram de fundamental importncia. So eles Jos Chasin e Ivo Tonet. O primeiro pioneiro no Brasil na defesa da tese da ontonegatividade da poltica na obra de Marx, a partir, claro, da recuperao ontolgica dos escritos do pensador alemo. Partindo das indicaes do primeiro, o segundo tem desenvolvido nos ltimos anos importantes investigaes sobre a particularidade do pensamento marxiano, alm dos desdobramentos de tal particularidade para a concepo de socialismo. O dbito que ns temos com suas obras facilmente notado, apesar de que no os responsabilizamos por nossos equvocos e
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crtica ao deslocamento da centralidade (ontolgica) do trabalho para a centralidade da
poltica verificada nos autores da auto- intitulada esquerda democrtica.
Antes de comearmos a tratar dessa questo, necessrio um esclarecimento.
Ao se tratar de objeto e objetividade, sujeito e subjetividade, d-se de maneira recorrente uma
conotao gnosiolgica questo. Contudo, no contexto em que ser posto aqui no se
permanece no permetro do problema do conhecimento, pelo menos no exclusivamente nele.
Nos termos de Tonet (2001, p. 27): a relao gnosiolgica entre sujeito e objeto apenas um
momento de uma relao mais ampla que a criao da realidade social como totalidade,
pois os conceitos de sujeito e objeto implicam o homem como um ser ativo, um ser que
conhece e faz (id., ib., p. 26).
Em seguida, faremos um rpido percurso histrico para configurar como estas
perspectivas foram se fundando no processo de desenvolvimento humano at alcanar a
sntese marxiana.
1.2.1. O deslocamento da centralidade da objetividade para a centralidade da subjetividade
O nascimento e a explicitao do capitalismo permitem que possibilidades
apenas latentes na economia feudal, na medida em que se dissolviam e se desintegravam as
relaes feudais, pudessem se manifestar, denotando o trao marcadamente progressista da
nova objetividade social. A razo burguesa e suas lutas sociais permitiram uma passagem de
um modo de produo limitado para uma formao social extremamente rica em
potencialidades para o gnero humano.
Em termos gerais, para a perspectiva da objetividade (i.., para a tradio
greco-medieval), o cosmo era uma estrutura hermeticamente fechada e organizada a partir de
teimosias. Sobre a problemtica em questo, no corpo do texto e ao final da dissertao, se encontram referncias s suas principais obras.
Victor Neves de Souzacrtica "central" --> deslocamento da "centralidade ontolgica do trabalho" para a "centralidade da poltica"
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzasim. e em horrores inauditos porque em escala ampliada Basta lembrar que se tornou possvel, at, erradicar a vida humana do planeta - o que no pouco.
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uma rgida hierarquia que se baseava em princpios essencialmente imutveis (KOYR, 1979).
Seu alfa e seu mega eram dados por princpios exteriores ao mundo. Desta forma, o homem
era impotente em relao aos ditames objetivos de uma realidade a-histrica. Os fins da
sociabilidade eram alheios a qualquer determinao volitiva, a qualquer interferncia da
conscincia humana. No pensamento poltico clssico (grego e medieval), o modelo de ser
onde tudo, inclusive a socialidade, ganharia seu sentido centrava-se num horizonte
cosmocntrico-objetal (OLIVEIRA, 1996, p. 87). Neste horizonte de pensamento, resta ao
homem, diante do mundo, muito mais uma atitude de passividade do que de atividade,
devendo adaptar-se a uma ordem csmica cuja natureza no podia alterar, [portanto], ao
sujeito no cabia mais do que desvelar a verdade existente no ser (TONET, 2001, p. 27).
Assim, a relao do indivduo com a histria era dada atravs de uma prxis
poltica na qual o indivduo atualizava a sua natureza, isto , o agir do indivduo remetia sua
insero perfeita na ordem e estrutura imutveis do cosmo. No outro o sentido da
afirmao do filsofo grego Aristteles, de profunda influncia no s no mundo grego como
no mundo medieval, do homem como um animal poltico. Diz Aristteles:
Quando vrias aldeias so unidas numa nica comunidade, completa, bastante grande para ser quase auto-suficiente, o Estado passa a existir, tendo origem nas simples necessidades da vida, e continuando devido necessidade de uma vida boa. Portanto, se as formas primitivas de sociedade so naturais, tambm o o Estado, pois o fim delas, e a natureza de uma coisa o seu fim, o que cada coisa , quando plenamente desenvolvida, que chamamos de natureza, quer estejamos falando de um homem, de um cavalo ou de uma famlia. Alm disso, o resultado final de uma coisa expressa o melhor dela; e ser autosuficiente o melhor dos resultados. Por isso, evidente que o Estado uma criao da natureza, e que o homem por natureza um animal poltico.
Na concepo clssica de mundo, portanto, tanto o conhecer como o agir
humanos encontrariam na ordem imutvel e a-histrica do cosmo seu fundamento derradeiro.
Est na objetividade o eixo de toda reflexo e de toda prxis. E, como sabemos, este modo de
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de SouzaSeguir a referncia: Alexander Koyr: "Do mundo fechado ao universo infinito", Braslia: Forense Universitria, 1979.
Victor Neves de SouzaEste raciocnio aristotlico expresso de uma "viso de mundo", que tambm se expressa na lgica peripattica.
Eu e alguns companheiros viemos trabalhando com um raciocnio similar para pensar o processo poltico brasileiro recente - "o mximo desenvolvimento de algo expressa sua verdadeira natureza" (no caso, quanto ao PDP). Este raciocnio deve ser abandonado em nome de outro: que o desenvolvimento de uma coisa j a prpria coisa, que ela s existe em movimento, que ela SEU PRPRIO MOVIMENTO. Assim, um ponto mais desenvolvido no expressa seu "verdadeiro ser": expressa apenas como certas potencialidades contidas no ser da coisa se tornaram realidade e outras no etc
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pensar marcar a posio passiva e contemplativa do homem face ao mundo e sua histria
at o ocaso do mundo feudal.
O advento da modernidade, ou mais precisamente, a ascenso da burguesia e
as profundas transformaes econmicas, sociais, cientficas e polticas que ela engendra,
passa a ser responsvel por carregar ainda mais de contradies o mundo feudal. Configura-
se, a partir deste momento, o deslocamento de uma concepo de mundo cosmocntrico-
objetal para uma nova forma de conhecer e agir no mundo, a aqui denominada perspectiva
subjetiva, ou, nas palavras de Manfredo Oliveira (1996), a concepo antropocntrico-
subjetal. Marca este processo a ampla e difusa Weltanschauung burguesa, sob o acicate do
poder corrosivo e auto-expansivo do capital, que destri os grilhes da ordem feudal,
subjugando progressivamente o controle do metabolismo social ao poder impessoal dos laos
econmicos3. Como produto deste mesmo processo, o sujeito tomava conscincia de sua
posio ativa no s frente natureza pensemos em Galileu que v o universo como um
livro escrito com caracteres geomtricos e matemticos , mas tambm em relao ao mundo
social como expressa Vico, ao afirmar que Somente os homens fizeram este mundo; e esse
o primeiro e indiscutvel princpio desta [nova] cincia. Portanto, as intensas
transformaes no processo produtivo e reprodutivo da sociedade, no perodo de transio da
sociedade feudal para a sociedade burguesa, produzem pari passu uma relao ativa entre o
homem e o mundo. Na sntese de Tonet (2001, p. 27):
Por um lado, a relao do homem com o mundo tornou-se uma relao ativa. Embora o mundo natural continuasse a ser visto como exterior ao homem, a interveno nele, para transform-lo, j era vista como algo permitido e positivo. J quanto ao mundo social, este era visto, pelo menos em grande parte, como resultado da atividade humana. o momento em que surge a idia de histria e conscincia de que a histria dos homens profundamente diferente da natureza. Contudo, importante acentuar que a historicizao do mundo natural
3 O provrbio medieval nulle terre sans seigneur vertido no processo social de ascenso da burguesia pelo seu equivalente burgus largent na pas de matre.
Victor Neves de Souzaconcepo cosmocntrico-objetal x concepo antropocntrico-subjetal
(grandes linhas de viso de mundo)
Victor Neves de SouzaLukcs - j em HCC.
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e do mundo social sofreu, quanto a este ltimo, uma inflexo particular.
A inflexo de que trata o autor diz respeito ao carter ontologicamente
indissocivel que o homem continuou a ter com a natureza, na concepo dos tericos do
jusnaturalismo. Para estes tericos, mutatis mutandis, alm do fato de ser o homem um ser
natural, o qual possui uma base fsico-orgnica que o sustenta, sendo deste modo slida sua
dependncia das determinaes naturais que o compem e do sustentao a seu corpo, havia
ainda uma relao ntima, onto-gentica, do homem em relao natureza. Noutros termos: o
homem possuiria uma natureza humana natural que lhe pusera limites intransponveis.
No que se refere a este limite imposto pela natureza do ser homem, a prxis
humana teria uma atividade meramente acidental, no podendo agir no sentido de modificar
radicalmente a essncia do ser social. As leis da economia so a expresso desta essncia.
Estas frreas leis que marcam o bellum omnium contra omnes da sociedade civil-burguesa no
poderiam jamais ser rompidas. a marca ineliminvel, a determinao imutvel que o ser
social carrega, sendo a instaurao da sociabilidade fruto de determinaes intersubjetivas4.
Como resultado deste processo, a poltica passa a ser vista no s como princpio de
inteligibilidade da realidade social, mas ainda como plo regente de toda a atividade social
(TONET, 2001, p. 29). As categorias que ocupam o espao de momento fundante da
sociabilidade passam a ser a poltica, o direito e o Estado.
No cerne histrico desse processo encontra-se, em um plano, a liberao do
trabalho dos limites impostos pelos estamentos feudais; a categoria do indivduo submetido a
uma ordem universal e absoluta deixa de ser vlida na esfera social. O indivduo
progressivamente v-se como um homem livre. Porm, sua submisso s leis da diviso
4 Conforme adita Leo Kofler (1971, p. 287): quando Hobbes fala da existncia de leis sociais, ele se refere a uma norma abstrata de comportamento que flui em maior ou menor medida de um impulso interior e , por conseguinte, de carter subjetivo-psicolgico, [...] sendo para ele as leis subjetivas quem funda as relaes estatais e de poder.
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de SouzaBoa anotao. "Natureza humana" x "praxis".
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social do trabalho capitalista d a essa liberdade um carter extremamente particular e
contraditrio. O cientista poltico C. B. Macpherson, em sua obra Teoria poltica do
individualismo possessivo, expressa de maneira seminal a natureza da liberdade do homem
burgus.
A relao de propriedade, havendo-se tornado para um nmero cada vez maior de pessoas a relao fundamentalmente importante, que lhes determinava a liberdade real e a perspectiva real de realizarem suas plenas potencialidades, era vista na natureza do indivduo. Achava-se que o indivduo livre na medida em que proprietrio de sua pessoa e de suas capacidades. A essncia humana ser livre da dependncia das vontades alheias, e a liberdade existe como exerccio da posse. A sociedade torna-se uma poro de indivduos livres e iguais, relacionados entre si como proprietrios de suas prprias capacidades e do que adquiriram mediante a prtica dessas capacidades. A sociedade consiste na relao de troca entre proprietrios. A sociedade poltica torna-se um artifcio calculado para a proteo dessa propriedade e para a manuteno de um ordeiro relacionamento de trocas (MACPHERSON, 1979, p. 15). (Os itlicos so nossos)
Paralelamente, o desenvolvimento5 industrial, mesmo que em sua fase
manufatureira, responsvel por uma intensa socializao do trabalho, exigindo cada vez
mais a cooperao no apenas dentro de uma fbrica individual, mas entre diversas indstrias
e diversos ramos da produo. Alm disso, o surgimento do mercado mundial tornou
cosmopolita a produo e o consumo de todos os pases (MARX, 1998, p. 9), ampliando de
maneira inaudita a socializao e a complexificao da produo e tornando os homens cada
vez mais dependentes da diviso social do trabalho capitalista que era representada a partir do
sculo XVI em um palco global.
atravs desse processo que, como afirma Coutinho, a subsuno do indivduo
a uma ordem imutvel e universal substituda pela inerncia do gnero humano em cada
indivduo singular. Os pensadores comeam a ver na ao individual a realizao das leis
5 Desenvolvimento este permitido, entre outras coisas, pela massa de trabalhadores libertos dos ditames feudais, e com eles dos seus meios de produo e de consumo.
Victor Neves de Souza
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universais (COUTINHO, 1972, p. 20). Com efeito, a nova objetividade do mundo capitalista
tornou necessrio olhar para a histria universal de um ponto de vista cosmopolita,
conforme sugestivo ttulo de uma obra de Kant (1986). Isto , o conhecimento da realidade
com a mudana da centralidade da objetividade para a centralidade da subjetividade foi
tambm afetado: desapareceu o fundamento absoluto da verdade. A teoria do conhecimento
ficou com uma sria lacuna neste sentido, cabendo aos pensadores modernos a busca de novas
bases que sustentassem a verdade, o absoluto e o universal. Ou seja, a tarefa era a de
fundamentar, atravs da razo sem hipertrofias e recadas voluntaristas , uma nova base
para a verdade. Esta deveria ter fundamentos slidos e antpodas metafsica medieval, e
ainda reconhecer e absorver os avanos obtidos pelo empirismo.
nessa moldura que se enquadra a doutrina kantiana. Com o fito de alcanar
um tertium datur entre razo e sensibilidade, procurando absorver os avanos feitos tanto
pelos racionalistas como pelos empiristas, Kant submete os dados empricos aos conceitos
apriorsticos, portanto, lgica do conhecer, a qual j ela mesma determinada por categorias
ideais, subjetivas. Prova disso a teoria da incognoscibilidade da essncia que j d
dados suficientes de que a verdade, mesmo que baseada em dados empricos, construto do
sujeito. H, portanto, em Kant, possivelmente o mais radical e slido terico do liberalismo,
uma contraposio entre essncia e aparncia, entre nmeno e fenmeno, como nos mostra
Pierre Hassner (1996, p. 550):
O mundo dos fenmenos o mundo das coisas em sua manifestao ou aparncia; o mundo dos nmenos o mundo das coisas como so em si mesmas ou como poderiam ser conhecidas se o conhecimento delas pudesse lograr-se sem intermediao da experincia. O mundo dos fenmenos o que a cincia pode conhecer; o mundo dos nmenos o mbito que aberto pela moral. Neste ltimo mbito, a razo busca liberar-se perfeitamente do efeito condicionante e por isto limitador do mundo natural das coisas. Precisamente no mbito da razo no condicionada podem os homens ficar livres de toda coisa externa, de todo o objeto de fazer ou de adquirir. (Os itlicos so nossos)
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzatenho o livro, digitalizado no computador.
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Portanto, apesar de todo o esforo para romper com as unilateralidades do
ponto de vista metafsico e do empirismo, Kant no logra xito. Ao se posicionar sobre a
fratura entre conscincia e mundo real, termina recaindo na parcialidade genialmente
sustentada da centralidade subjetiva. A sua concepo de homem, em decorrncia disso, passa
para a idia de um sujeito moral. O sujeito moral assume o posto de nica chave para o
absoluto. Este s existe por um ato: o da vontade livre do homem capaz de escapar da ordem
natural e de constituir o sujeito como ser autnomo, como demiurgo de uma realidade social,
posto que ele (o homem) quem prescreve suas prprias leis. O indivduo moral kantiano
fim em si mesmo; uma injuno da razo, um imperativo categrico.
Decerto h ainda mais razo para que esta disjuntiva entre conscincia e
mundo real expressa no pensamento de Kant ainda se manifeste em outros pensadores.
Coutinho, em O estruturalismo e a misria da razo, afirma que mesmo os grandes
pensadores burgueses tambm sofriam limitaes impostas pela diviso capitalista do
trabalho, a qual responsvel pelo trao ideolgico ligado aos horizontes da sociedade
burguesa. Como bem expressa Coutinho (1972, p. 19), dentre as limitaes a mais
importante a separao entre trabalho manual e trabalho intelectual, que impediu a
elaborao de uma noo materialista de prxis e chegou a transformar a sntese hegeliana [...]
numa soluo idealista, que reduzia a atividade humana a algo puramente espiritual.
A incidncia da diviso capitalista do trabalho nas iluses que a filosofia
especulativa cria sobre si mesma foi expressa tambm por Marx e Engels, na Ideologia
Alem. Nesta obra eles afirmam textualmente:
A diviso do trabalho s se verifica a partir do momento em que surge uma diviso entre trabalho material e mental. A partir desse momento, a conscincia pode realmente se iludir de ser algo mais que a conscincia da prtica existente, de realmente representar algo sem, no entanto, representar algo real; a partir da, a conscincia est em
Victor Neves de SouzaCarlos Nelson tomou esta ideia a Lukcs (j est presente em HCC).
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condies de se emancipar do mundo e de proceder formao da teoria pura, da teologia, da filosofia, da tica etc (MARX & ENGELS, 1996, p. 74).
A contradio em que a filosofia se encontra em relao ao mundo real repousa
nas contradies em que as foras produtivas existentes se encontram com as relaes de
produo. Ao lado da contradio referida acima entre liberao do trabalhador do jugo dos
estamentos feudais e sua nova insero na condio de mercadoria, perfila-se a contradio
fulcral do modo de produo capitalista entre socializao da produo e apropriao privada
dos frutos das objetivaes do trabalhador coletivo. Ainda Marx & Engels (1996, p. 104):
De um lado, portanto, temos uma totalidade de foras produtivas que adquiriram como que uma forma objetiva e que, para os prprios indivduos, no so mais suas prprias foras, mas as da propriedade privada e, por isso, so apenas as foras dos indivduos enquanto proprietrios privados. [...] De outro lado, enfrenta-se com estas foras produtivas a maioria dos indivduos, dos quais estas foras se destacaram e que, portanto, despojados de todo contedo real de vida, tornaram-se indivduos abstratos; mas que, por isso mesmo, s esto colocados em condies de relacionar-se uns com os outros enquanto indivduos.
Marx identifica na contradio entre foras produtivas e relaes sociais
existentes a base para a dissociao entre conscincia e mundo real que marcou a trajetria da
filosofia e da cincia ocidentais. O ponto nevrlgico no est em identificar uma ordem a-
histrica imutvel ou recorrer a um demirgico esprito absoluto que se explicita na
histria. A proposio marxiana engendra-se como divisor de guas na medida em que pe o
acento radical na forma dos homens produzirem.
A necessidade de a filosofia centrar-se na imanncia humana no para se
emancipar do mundo mas para se emancipar no mundo a chave da virada ontolgica de
Marx. Prefigura como princpio da sua revoluo terica a realizao da filosofia,
acentuando ainda que a filosofia no pode realizar-se sem a ab-rogao do proletariado e o
Victor Neves de Souza"chave da virada ontolgica de Marx"
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proletariado no pode ab-rogar-se sem a realizao da filosofia (MARX, 1993, p. 93), visto
que, na medida em que a filosofia encontra as armas materiais no proletariado, assim o
proletariado tem as suas armas intelectuais na filosofia (id., ibidem). A questo fundamental
para Marx no proceder, portanto, crtica crtica, como jocosamente se referia
idiossincrasia dos neo-hegelianos de esquerda, mas colocar o mundo sobre os seus prprios
ps. Fincar as razes no mundo significa, no radical humanismo de Marx, encontrar a raiz do
homem no prprio homem, o homem para o homem o seu ser supremo (idem, p. 86).
Procuraremos sintetizar no prximo item os lineamentos deste giro ontolgico realizado por
Marx.
1.2.2. A superao dialtica das perspectivas unilaterais da objetividade e da subjetividade
Comear uma exposio sobre a natureza do pensamento de Marx pelo
deslindamento das Weltanschauungen que a precederam, alm dos sentidos expostos acima
tem tambm como propsito esclarecer que a teoria social marxiana no apaga a rica herana
filosfica do passado. Ela no surge de improviso, como Palas Atenas da cabea de Zeus.
Pelo contrrio. Como afirma Mszros (1993), o monumental legado filosfico de pensadores
como Aristteles, Vico, Hegel etc. integrado/superado em seu sistema, dando origem a uma
original concepo de mundo e a um novo patamar de cientificidade e de fazer filosofia.
Nos marcos do debate que travava com a filosofia hegeliana e com aqueles
que reivindicavam para si o seu legado intelectual, os neo-hegelianos de esquerda e de direita
, Marx, desde seu perodo juvenil, j expressava, em carta a seu pai datada de 1837, como
recupera o mesmo autor, a necessidade de se afastar do pensamento puro para perseguir a
idia na prpria realidade (MSZROS, 1993, p. 124).
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza pq?
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A sua crtica, nos anos subseqentes a esse insight de 1837, dirige-se sobretudo
ao materialismo contemplativo e ao idealismo especulativo e fruto do cotejo ininterrupto da
idia com o mundo real. O objeto de sua crtica juvenil sempre o distanciamento que a
filosofia clssica alem tem em relao realidade e, conseqentemente, atitude passiva
frente misria da auto-alienao humana que tal distanciamento acaba por resultar. Ele
estava ciente de que o desenvolvimento problemtico da filosofia como universalidade
alienada era a manifestao de uma contradio objetiva e tentava encontrar uma soluo para
essa contradio (Idem, ibidem).
A primeira crtica de Marx a Hegel d-se no campo de sua Filosofia do Direito
O universal aparecia na filosofia anterior a Marx como algo puramente abstrato. Em Hegel,
por exemplo, o prprio ontolgico ganha um carter especulativo. Lukcs (1979), em sua obra
A falsa e a verdadeira ontologia de Hegel, no deixou de ressaltar que a entificao do
universal ganha neste autor uma dimenso lgico-ontolgica.
Em Filosofia do Direito, Hegel (1997) d unidade ao diverso contido na
sociedade civil (brgerliche Gesellschaft) marcada pelos interesses estreitos, antagnicos e
egostas pelo ato de instaurao da sociedade poltica. , portanto, a lgica da razo do
Estado que confere dimenso lgica particularidade centrfuga da sociedade civil. A posio
de Marx, na crtica filosofia hegeliana presente em seus Manuscritos de Kreuznach, negar
a possibilidade da lgica do Estado conferir dimenso universal aos particularismos da
sociedade burguesa. Para Marx, no o Estado que funda a sociedade civil. Ao invs disso,
a sociedade civil que funda o Estado. Seguindo esse pressuposto, o campo de investigao
deve voltar-se para a dissecao da anatomia da sociedade civil.
Contudo, Marx, ao radicalizar sua crtica lgica de Hegel e aps refutar a
universalidade do esprito absoluto objetivado no Estado moderno, segue um caminho que
no em nada semelhante ao dos empiristas de sua poca que, por no apreenderem a
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universalidade da histria, vem a histria como uma coleo de fatos mortos, ou atual
capitulao ps-moderna, que, refm da complexificao do fetichismo da mercadoria no
mundo contemporneo e prisioneira da imediaticidade da vida cotidiana, interdita o
pensamento da histria universal e adota a tese das vrias histrias postas em um mundo
fragmentado e sem qualquer hierarquia.
A postura de Marx tangente filosofia especulativa a interrogao do mundo
para que este possa descortinar sua face. Quando adiante chega concluso, presente em A
Ideologia Alem, de que o problema no est no interior da filosofia especulativa, mas nas
contradies do mundo real e no seu reflexo nas representaes humanas, ele em lugar de
aderir a uma atitude de rechao crtica, prope e consolida seu programa de superao da
filosofia que alcanada com a realizao da filosofia, com a tensa sntese dialtica entre
a arma da crtica e a crtica das armas, cuja fora material se encontra no proletariado. No
outro o sentido de sua derradeira Tese ad Feuerbach: Os filsofos s interpretaram o mundo
diversamente, trata-se agora, por conseqncia, de transform-lo6. Em sua interpretao a
este aforisma, Chasin (1988, p. 43-44) afirma, lapidarmente:
Longe de ter proposto ou praticado a eliminao da filosofia, Marx, de fato, tracejou os lineamentos de todo um corpus filosfico revolucionrio. Independe do quantum realizado desta instaurao que isto seja a pedra angular de sua obra. Esta verdadeiramente inapreensvel sem a viragem ontolgica embutida em sua raiz. [...] No dispensa, nem muito menos sepulta, a filosofia, mas demanda uma filosofia transformada que interprete o mundo at o fim, e por esta radicalidade, seja a mediao consciente de sua transformao.
A tese em questo demarca e sintetiza o afastamento da filosofia especulativa,
sem que deixe de reconhecer os seus avanos, intentando instaurar a filosofia da
6 Para as Teses Ad Feuerbach, nos valemos da traduo crtica de Jos Chasin contida em Superao do Liberalismo . Mimeo: s/d.
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transformao, cuja dmarche fundada na apreenso ontolgica do mundo real como sntese
ativa e complexa da objetividade com a subjetividade7. Prossegue Chasin (1988, p. 44-45):
Dar as costas aos automovimentos da razo e voltar-se para os automovimentos do mundo real, eis o giro marxiano. Calar o pensamento que s fala de si, mesmo quando ardentemente deseja falar das pedras, para deixar que as pedras falem pela boca da filosofia. Esganar a especulao filosfica que fala pelo mundo, para que o mundo possa falar de si pela voz, assim tornada concreta, da filosofia. Descentrado de si mesmo e recentrado sobre o mundo, o pensamento, rompido o hermafroditismo da especulao, pode abraar a substncia que o forma e o fortalece. Procedente do mundo, ao mundo retorna. No para uma tarefa tpica ou para alguma assepsia formal. Volta ao mundo para tom-lo no complexo de complexos de sua totalidade. Debrua-se sobre ele para captur-lo pela raiz, colh-lo pela anatomia da sociedade civil, pela matriz da sociabilidade.
Ao determinar a necessidade de colocar o mundo sobre os seus prprios ps
e a partir desta base investigar o processo de entificao do ser social, a tarefa da filosofia da
transformao que pretende abandonar a especulao questionar qual o ato que se encontra
na matriz do processo de tornar-se homem do homem. No centro do devenir humano Marx
identifica o trabalho, como sntese de conscincia e mundo objetivo, de teleologia e
causalidade, como diria Lukcs. O encontro de Marx com a economia poltica foi
fundamental para suas conquistas neste campo.
nos Manuscritos econmico-filosficos, nos seus clebres esboos de 1844,
resultado de sua incurso pela economia poltica, que Marx parte da crtica filosofia clssica
para a crtica da economia poltica onde se configurar o seu sistema in statu nascendi, como
assevera Mszros (1981). Em seu percurso, traz os avanos alcanados em relao primeira
7 Jos Chasin, em seu Psfcio a Pensando com Marx, de Francisco Teixeira (1995), diz ainda que o direito unilateral da razo interrogar o mundo superado pela via de mo dupla de um patamar de racionalidade em que o mundo tambm interroga a razo, e o faz na condio de raiz, de condio de possibilidade da prpria inteligibilidade [...]. Essa reflexibilidade fundante do mundo sobre a ideao promove a crtica de natureza ontolgica, organiza a subjetividade terica e assim faculta operar respaldado em critrios objetivos de verdade, uma vez que sob tal influxo da objetividade, o ser chamado a parametrar o conhecer; ou, dito a partir do sujeito: sob a consciente modalidade do rigor ontolgico, a conscincia ativa procura exercer os atos cognitivos na deliberada subsuno, criticamente modulada, aos complexos efetivos, s coisas reais e ideais da mundaneidade (CHASIN, in: TEIXEIRA, 1995, p. 362).
Victor Neves de Souzaboa observao: "a razo interroga o mundo / o mundo interroga a razo".
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para o espao da crtica cincia do seu tempo, sob a forma de crtica economia poltica
clssica, na qual Smith e Ricardo so interlocutores privilegiados. Porm a crtica ontolgica
instaurada por Marx no uma crtica epistemolgica a uma cincia, nem tampouco pretende
preencher lacunas e insuficincias de uma cincia ainda no amadurecida. O escopo da crtica
marxiana entender os fundamentos da sociedade burguesa, sua anatomia. O fim capturar
as determinaes do objeto capital para encontrar o modo e as possibilidades de sua superao
(CHASIN, s/d, p. 29). Por no vislumbrar esta possibilidade e permanecer vinculada aos
horizontes do mundo burgus, a economia poltica clssica acaba oferecendo uma falsa
ontologia8. Ao se referir aos horizontes dos economistas burgueses, afirma Marx (1993, p.
158):
No iniciaremos a explicao, como faz o economista, a partir de um estado original lendrio, que nada esclarece; tal estado apenas desloca a questo para uma distncia opaca e nebulosa. Pressupe sob a forma de facto, de acontecimento, o que deveria deduzir, a saber, a relao necessria entre duas coisas, por exemplo entre a diviso do trabalho e a troca. assim que a teologia explica a origem do mal pela queda do homem; isto , pressupe como facto histrico o que se deveria explicar.
O ponto de partida, para Marx, no deve ser o homem tomado em si como um
ser competitivo, avaro e em guerra com outros avarentos. Ele infirma o pressuposto da
economia clssica, que era anlogo ao do jusnaturalismo, a saber: a defesa de uma natureza
humana a-histrica e imutvel. Ao retirar este alicerce da economia, oferece como ponto de
partida a prpria imanncia humana:
Os pressupostos que partimos no so arbitrrios, nem dogmas. So pressupostos reais de que no se pode fazer abstrao a no ser na imaginao. So os indivduos reais, suas aes e suas condies materiais de vida, tanto aquelas por eles j encontradas, como as produzidas pela sua prpria ao. Estes pressupostos so, pois, verificveis, por via emprica (MARX & ENGELS, 1996, p. 26).
8 A expresso de Lukcs em relao ao sistema hegeliano. No vemos problema em adotar esta parfrase.
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O primeiro pressuposto empiricamente verificvel na histria humana a
existncia de indivduos humanos vivos e suas aes. No h recurso a nenhum mundo
transcendental como o mundo das idias platnico, como tambm no h adoo de nenhum
juzo de valor nesta afirmativa. O sentido da investigao marxiana inverso a qualquer
especulao ou fantasia. Ele busca firmar a anlise do ser social a partir de um fato
empiricamente verificvel: a existncia de indivduos concretos. A partir deste fato real
necessrio pensar: O que fazem? De que modo agem? Quais as relaes que travam entre si
para produzirem e reproduzirem?
O primeiro pressuposto naturalmente a existncia de indivduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar , pois, a organizao corporal destes indivduos e, por meio disto, sua relao com o resto da natureza. [...] Toda a historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificao no curso da histria pela ao dos homens (id., ib., p. 27).
Admitir indivduos vivos que precisam agir para se reproduzir algo
incontestvel. A afirmao ontolgica de Marx vai neste sentindo, tomando sempre como
fundamento o ser-precisamente-assim do mundo dos homens. Para apreender as
determinaes desse ser, h que se deter na imposio que ele tem de preservar a sua
existncia, atravs da atividade de transformao material da realidade material.
A necessidade de refletir sobre a especificidade da atividade humana e seus
desdobramentos o que dar a condio para Marx realizar a sua ruptura original e dar ao seu
pensamento um carter prprio e uma postura nica em relao s filosofias que o
precederam. ao descobrir na atividade material o responsvel pela autoconstruo do gnero
humano que Marx d o passo decisivo para a apreenso da reproduo do
autodesenvolvimento do ser social (FREDERICO, 1995, p. 171).
O ser social, em Marx, antes que um ser passivo em relao s determinaes
exteriores, passa a ser entendido como um ser automediador da natureza, que, atravs da
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atividade humana fundamental o trabalho , se afasta dos limites impostos pela natureza,
distingue-se dela, e exerce uma ao transformadora sobre a mesma. Desta maneira, Marx
passa a admitir uma centralidade ontolgica do trabalho humano, que surge como a primeira e
mais importante forma de objetivao do ser social, entendido como ser que em sua atividade
material, isto , no processo de fabricao de instrumentos para satisfao de suas
necessidades, medeia o metabolismo homem-natureza e as relaes sociais com os outros
homens.
pela sua produo material que os homens modificam o mundo objetivo na
funo do desenvolvimento de suas necessidades, criando os objetos que devem satisfazer
suas necessidades e os meios de produo desses objetos, desde instrumentos rsticos at as
mquinas mais sofisticadas.
Desta constatao inicial de que o ser social se entifica atravs do intercmbio
do homem com a natureza mediada pelo trabalho, se deduz que o homem tambm um ser
natural, e que seu processo de intercmbio com a natureza no a anula, mas a re-configura.
Nas palavras de Marx (1993, p. 164): A natureza o corpo inorgnico do homem, isto , a
natureza na medida em que no o prprio corpo humano. O homem vive da natureza, quer
dizer: a natureza o seu corpo, com o qual tem de manter-se em permanente intercmbio para
no morrer.
Um ser social s pode se desenvolver sobre a base de um ser orgnico, bem
como um ser orgnico se desenvolve a partir do ser inorgnico9. O desenvolvimento mais
complexo de cada esfera ontolgica determina uma re-configurao e at mesmo uma maior
complexidade no desenvolvimento da esfera inferior do ser. por esse caminho, portanto, que
Marx afirma que o homem tem uma relao de interdependncia com a natureza. Entende que
entre homem e natureza h continuidade e ruptura. Mas necessrio que se acentue a justa
9 Ver a respeito Foladori., Guillermo. Os limites do desenvolvimento sustentvel. So Paulo: Unicamp, 2001. Especialmente os trs primeiros captulos.
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relao de continuidade e ruptura caso no desejemos recair nas posies equivocadas tanto
do idealismo como do materialismo mecanicista. na exata nfase dada prxis humana que
se adquire condies para posicionar adequadamente a articulao entre mundo natural e
social, sem que afastemos as particularidades de cada um. o trabalho responsvel pela
articulao entre o natural e o social preservando suas especificidades.
Em O Capital, se posicionando a respeito, Marx desenvolve a questo nos
seguintes termos:
Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operaes semelhantes s do tecelo, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construo dos favos de suas colmias. Mas o que distingue, de antemo, o pior arquiteto da melhor abelha que ele construiu o favo em sua cabea, antes de constru-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtm-se um resultado que j no incio deste existiu na imaginao do trabalhador, e portanto idealmente (MARX, 1995, p. 298).
Algumas linhas adiante, afirma que:
O processo de trabalho, [...] em seus elementos simples e abstratos, atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriao natural para satisfazer necessidades humanas, condio universal do metabolismo entre homem e a Natureza, condio natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas formas sociais (id., ib., p. 303). (Os itlicos so nossos)
neste ponto que as pesquisas de Lukcs avanam, sempre na trilha das
indicaes de Marx. O filsofo marxista hngaro acentua que a essncia do trabalho est em
ir para alm da fixao competitiva dos seres vivos com o seu meio ambiente. E diz ainda que
o momento essencialmente separatrio em relao ao meio ambiente est no papel da
conscincia que deixa de ser mero epifenmeno da reproduo biolgica. Porm, em Marx e
Lukcs, no s a conscincia que no um produto secundrio do organismo natural, ou o
Victor Neves de Souzateleologia
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mundo criado pelas objetivaes humanas uma derivao mecnica das frreas leis da
materialidade econmica, mas toda a esfera social, com suas objetivaes, pertence, por
essncia, a uma esfera diferente e superior do ser, dotado de leis prprias, irredutveis quelas
prprias da estrutura econmico-material (OLDRINI, 1995, p. 115).
Para Lukcs, precisamente na delimitao materialista entre mundo natural e
ser social que Marx confere conscincia um papel extremamente decisivo. J na
determinao da matriz gentica do homem, sobretudo no papel ativo dado conscincia no
seu conceito de trabalho, encontra-se in nuce a resoluo de complexos problemticos que
acompanham h muito tempo a filosofia, tais como liberdade e necessidade, essncia e
fenmeno, esprito e matria, entre outros.
Tomando como base as indicaes de Marx, Lukcs desenvolve os estudos a
respeito do ato ontolgico primrio caracterizando a articulao entre sujeito e objeto
realizada no trabalho como uma sntese entre teleologia e causalidade.
Lukcs designa o ser social que trabalha como um ser que d respostas. E toda
atividade laborativa surge, segundo este autor, como uma soluo de resposta a um
carecimento que foi provocado. A transformao de carecimentos em perguntas supe um
processo de captura, assimilao e desassimilao do mundo objetivo que manifesta a
irredutibilidade do momento ideal s determinaes objetivas (TERTULIAN, 1991, p. 52). A
esse processo de assimilao e desassimilao da realidade imediata atravs de demandas a
que se deve dar respostas, sob pena de perecer, Lukcs denomina generalizaes. Afirma
Lukcs (1978, p. 5):
o homem torna-se um ser que d respostas precisamente na medida em que paralelamente ao desenvolvimento social e em proporo crescente ele generaliza, transformando em perguntas seus prprios carecimentos e suas possibilidades de satisfaz-los; e quando, em sua resposta ao carecimento que a provoca, funda e enriquece a prpria atividade com tais mediaes, freqentemente bem articuladas. (Os itlicos so nossos)
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Victor Neves de Souzaarticulao sujeito-objeto / sntese teleologia-causalidade
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com a conscincia, atuando atravs de generalizaes, formando conceitos
(prvia- ideaes de objetivaes), que o homem d respostas ideais que serviro de guia e
conduziro a sua atividade. A generalizao o processo onde a realidade imediata vertida
na conscincia a conceitos abstratos. A realidade imediata assimilada e desassimilada na
conscincia e convertida em conceitos que, quando cristalizados em instrumentos, podem ser
utilizados para atender a fins conscientes. Reside nesta capacidade de generalizao o fato da
reproduo do ser social dar-se sempre mediante a produo do novo, no se fixando na
reposio do mesmo como na esfera orgnica.
Assim, a posio teleolgica entendida como o estabelecimento consciente
de fins a serem atingidos. As finalidades, como vimos, no podem ser derivaes mecnicas e
fenmenos secundrios da realidade material, mas devem ser tidas como socialmente criadas
e conscientemente formadas pelo sujeito. Vale dizer, em cautela, que as finalidades no so
criadas autonomamente pelo sujeito, j que, de um lado, so uma resposta a um carecimento
objetivo, ou seja, a objetividade no pe fins, porm responsvel pelo espao de manobra
que tem o sujeito; e, de outro lado, o prprio sujeito um produto social, que articula em si
dois plos, a individualidade e a generalidade, isto , o sujeito-singular tambm fruto de
uma formao histrico-social dada. Com efeito, as posies teleolgicas mesmo que livres,
como assevera Lukcs, encontram um campo de possibilidades material e subjetivamente
configurado.
Por sua vez, causalidade compreendida como lei espontnea de movimento
de todas as formas de ser (LUKCS, 1978). Ela observada sobretudo nas leis da natureza, que
agem independente de qualquer conscincia. O momento ontolgico do trabalho o ato que
faz com que a legalidade natural sofra a ao deste elemento novo que d outro curso
causalidade natural, que passar a se desenvolver em articulao complexa com o novo tipo
de ser o ser social. Mas, apesar do novo tipo de ser fundar leis prprias de desenvolvimento,
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souzaonde ASPECTOS das realidade etc.
Victor Neves de Souzaposio teleolgica
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em nenhum momento pode se inferir que as leis sociais sejam conduzidas por um processo
teleolgico. O fato de que todo ato da vida cotidiana relevante oriundo de uma posio
teleolgica em nenhum momento nega o fato de que o processo social em seu conjunto tenha
um carter rigidamente causal. assim que, na superao realizada por Marx, os traos
lgico-dedutivos presentes na filosofia de Hegel foram afastados da ontologia do ser social.
Na teoria marxiana do desenvolvimento histrico, os aspectos teleolgicos do processo foram
justamente estabelecidos apenas como particular categoria do trabalho, isto , teleologia
cabe a funo apenas de movimentar sries causais. Como afirma Lukcs (1978, p. 6):
As filosofias anteriores, no reconhecendo a posio teleolgica como particularidade do ser social, eram obrigadas a inventar, por um lado, um sujeito transcendente, e, por outro, uma natureza especial onde as correlaes atuavam de modo teleolgico, com a finalidade de atribuir natureza e sociedade tendncias de desenvolvimento de tipo teleolgico.
Em sntese, a teleologia o momento particular categoria trabalho, que
movimenta sries causais, determinando, na medida em que se objetiva, um novo tipo de
processualidade a causalidade posta ou social. Esta possui leis tendenciais de
desenvolvimento que, mesmo que complexamente articuladas ao mundo natural, no se
confundem nem tampouco se identificam com os nexos causais puramente naturais.
Pelo ato de atualizao das posies teleolgicas temos, portanto, o trabalho,
enquanto transformao material da realidade material, que implica em um salto ontolgico
que d lugar ao ser social. Com o pr teleolgico temos um salto que no tem analogias na
natureza e d origem a formas de objetividade social que surgem e se explicitam na prxis
social, a partir de uma base natural, para progressivamente se tornarem mais sociais. Ainda
segundo Lukcs (1979b, p. 93):
Victor Neves de Souza
Victor Neves de Souza
Victor Neves de SouzaErrado. Interpretao excessivamente restritiva de Lukcs - desautorizada pelo prprio e por sua afirmao do trabalho como "protoforma da prxis".
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Com o ato da posio teleolgica do trabalho, tem lugar o ser social. O processo histrico da sua explicitao, todavia, implica na importantssima transformao do ser em-si do ser social num ser-para-si e, por conseguinte, implica na superao tendencial das formas e dos contedos de ser meramente naturais em formas e contedos sociais mais puros, mais especificamente sociais.
Este processo, depois de Marx, Lukcs denomina como afastamento das
barreiras naturais. E exemplifica esta nova objetividade com a distino entre valor de uso e
valor de troca. Esta conceituada, por Marx, no primeiro captulo de O Capital, como
formadora de uma objetividade espectral. A determinao de fundo deste complexo de
problemas est no fato de que o aperfeioamento desta forma de ser consiste na substituio
de determinaes naturais puras por formas ontolgicas mistas, pertencentes naturalidade e
socialidade (LUKCS, 1979b, p. 93). Entretanto, importante deixar claro que, para Marx,
h um unidade indissolvel entre mundo natural e social, marcada porm por uma constante
complexificao do mundo no qual a socialidade ocupa progressivamente o momento
predominante do processo.
Para o melhor esclarecimento deste processo de tornar-se cada vez mais social
necessrio avanarmos para outros importantes aspectos que j se revelam no ato ontolgico
primrio do trabalho que at aqui no foram tratados. Estes aspectos so extremamente
necessrios compreenso da especificidade do ser social.
O primeiro destes aspectos est no carter radicalmente histrico do mundo
dos homens vale dizer, en passant, que historicidade a nica categoria universal, presente
tanto no mundo natural como no mundo dos homens. Explicitar esta natureza de radical
historicidade do ser social e de sua essncia de fundamental importncia, caso pretendamos
demonstrar a possibilidade da superao da emancipao poltica pela emancipao humana,
patarmar alcanado, se Marx estiver correto, apenas na sociabilidade comunista.
No que tange essncia humana, vale lembrar, a perspectiva greco-medieval
afirmou a existncia de uma ordem imutvel e una face aparncia mltipla e em constante
Victor Neves de Souzahistoricidade - natural e social
Victor Neves de Souza
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transformao do mundo. O papel do homem neste mundo no era em nada maior do que
realizar no mundo as determinaes necessrias de uma essncia a priori e a-histrica.
Em anttese concepo clssica e em resposta s profundas mudanas que
caracterizaram a era moderna, a concepo burguesa de mundo afirmou a dimenso histrica
do mundo dos homens. Todavia, esta dimenso histrica no alcanava o ncleo duro do ser
social, ou seja, a sua matriz econmica onde prevaleceria a eterna guerra de todos contra
todos. Em outras palavras, na concepo de mundo burguesa, a histria possui um ncleo
natural que as aes humanas, por mais positivas que sejam, no so capazes de modificar. A
este ncleo corresponde o dado natural de o homem ser socialmente insocivel, como se
expressou o filsofo burgus Immanuel Kant (1986). A possibilidade de o homem fazer sua
histria fica assim limitada aos complexos fenomnicos; apenas estes so passveis de
alteraes.
Para a perspectiva marxiana, o homem tambm tem uma essncia. Entretanto,
em contraponto s perspectivas anteriores, a essncia se apresenta como mutvel; constitui-se
historicamente como tendncia histrico-universal da sntese dos atos teleolgicos singulares.
A partir de sua anlise do trabalho, Marx constata que peculiar ao processo de trabalho o
fato de que, a partir dele, o homem altera a natureza natural e a sua prpria natureza, ou seja,
a sua essncia configurada na evoluo das relaes sociais de produo. precisamente na
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