adriana santana da silva...importância da obra de bell hooks1 (2013). em diálogo com outra...
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ADRIANA SANTANA DA SILVA
Ensino de Arte na Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Um estudo sobre
a atuação docente no trabalho com as relações étnico-raciais
Belo Horizonte
Faculdade de Educação da UFMG
2019
ADRIANA SANTANA DA SILVA
Ensino de Arte na Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Um estudo sobre a
atuação docente no trabalho com as relações étnico-raciais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Docência – PROMESTRE – da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Educação de Jovens, Adultos e Idosos
Orientador: Profº. Drº Natalino Neves da Silva
Co-orientadora: Profª Drª Juliana Gouthier Macedo
Belo Horizonte/MG
Faculdade de Educação da UFMG
2019
Agradecimentos
Agradeço à N’Zambi força maior e ancestral.
A todos meus guias espirituais.
À minha mãe, Dorcelina, por ser a maior incentivadora de meus estudos e realizações.
À minha irmã, Amanda, por acreditar em mim e me fazer querer continuar lutando.
A meu companheiro, Saulo, por estar ao meu lado mesmo nas dificuldades e a toda sua
família por me acolher sempre, em especial à Luana, pela torcida e incentivos.
Ao professor Natalino, pela paciência, generosidade no compartilhamento de saberes e pela
compreensão durante a trajetória desta pesquisa. Por me encorajar e contribuir tanto para o
meu crescimento como pessoa e pesquisadora.
À professora Juliana Gouthier, por sempre me acompanhar e me fazer acreditar cada vez mais
nos caminhos da educação e de uma arte emancipadora e transgressora.
À professora Analise, pela sabedoria compartilhada, pela atenção prestada neste processo.
À amiga Isabela Carolina, por estar sempre presente nos momentos difíceis e nos bons, por ter
me apoiado para que eu chegasse até aqui.
À Letícia Lorena, pela escuta paciente em vários momentos.
Às companheiras Brenda e Paula, por me inspirarem e por sempre emanarem boas energias
soteropolitanas.
Ao camarada Tiago Zanetti, por sempre me incentivar a continuar caminhando sem medo e
com fé.
Às amigas, pesquisadoras e educadoras, sem as quais este trabalho não teria sido realizado:
Silvia Regina, Milla Santos, Lisa Davis, Melina Rocha. Espelho-me na inteligência e coragem
de vocês.
À Gabi, pela amizade e leveza que trouxe a nossa convivência durante esta pesquisa.
À Marinete, por ser um exemplo de mulher e profissional e por me inspirar com sua força e
coragem.
Ao Sérgio, pela amizade, afeto e energia que me motivou em vários momentos.
À Gal, pela amizade, sorrisos e por trazer mais vida, com Cecília, ao nosso convívio.
Aos amigos Marquinhos, Regis, Franz e Pedro pela companhia e bons momentos na FAE.
À equipe do Programa Ações Afirmativas da UFMG, pela acolhida cuidadosa em especial à
Silvia Miranda e Camila pela torcida para que tudo desse certo.
Aos amigos e amigas educadores e educadoras com quem convivi e pude aprender durante
este tempo.
Aos educandos(as) com que trabalhei, que possibilitaram que eu amadurecesse e aprendesse
mais sobre ser artista/professora.
Aos jovens, adultos(as) e idosos(as) com quem convivi no campo de pesquisa e que
colaboraram com esta pesquisa;
À professora participante e aos funcionários da escola pesquisada, por aceitarem me receber e
contribuir para a pesquisa e para meu desenvolvimento acadêmico.
Aos artistas que contribuíram e vieram a contribuir com seus trabalhos, ideias e
posicionamentos para esta pesquisa.
A todos os(as) sujeitos(as) negros(as), indígenas, e não brancos(as), que resistem às
adversidades nos fazendo acreditar que vale a pena continuarmos lutando por uma realidade
melhor.
Iê
Maior é Deus
Maior é Deus, pequena sou eu
(Tudo) O que eu tenho foi Deus que me deu
(Tudo) O que eu tenho foi Deus que me deu
Na roda da capoeira
Grande e pequena sou eu
Camará…
Mestre Pastinha
RESUMO
A dissertação tem como objetivo central analisar as estratégias de ensino/aprendizagem
adotadas por uma docente referente à temática étnico-racial, nas aulas de Arte realizadas na
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Inicialmente, foi feita uma pesquisa exploratória, na
busca de escolas que ofertassem a modalidade de ensino, e em que o(a) professor(a), com
formação em Artes Visuais, abordasse as relações étnico-raciais em sala de aula. A busca se
deu através de contatos estabelecidos com professores(as) de Arte e funcionários(as) da
Secretaria de Educação Municipal e Estadual. Após a realização deste levantamento prévio, a
pesquisa foi realizada em uma escola municipal de Belo Horizonte, que oferta a EJA, para os
anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. Na expectativa de entender melhor esse
problema, adotamos um procedimento metodológico de pesquisa qualitativa aproximando do
uso da pesquisa-ação, tendo em vista que no desenvolvimento das atividades realizadas pela
docente havia a possibilidade de intervirmos na realidade escolar observada. Nesse caso,
observação participante também fez parte dos procedimentos de pesquisa adotados, visando
interagir com sujeitos, coletar dados sobre abordagem das relações étnico-raciais nas aulas e
perceber a utilização de recursos didáticos utilizados para tal fim. Além disso, foi realizada
uma entrevista semiestruturada com a docente participante. Os resultados das análises feitas
apontam para a necessidade de investir na formação inicial e continuada de professores(as) de
Arte articulada com a ERER. Revelaram ainda sobre as possibilidades e potencialidades de
estratégias de ensino para serem realizadas com os(as) sujeitos(as) jovens, adultos(as) e
idosos(as), no âmbito das relações étnico-raciais, principalmente, pensando as subjetividades
e os aspectos culturais étnico-raciais diversificados trazidos pelos sujeitos(as) inseridos(as)
nessa modalidade de ensino. Por se tratar de uma investigação inserida no Mestrado
Profissional, foi criado um site que contempla em seu conteúdo, referências artísticas para o
trabalho com a temática cultural afro-brasileira e africanas no ensino/aprendizagem de Arte
voltada especificamente para educadores(as) que atuam na EJA.
Palavras-chave: Ensino de Arte, EJA, Educação das Relações Étnico-Raciais.
ABSTRACT
The research aims to analyse the central education strategies adopted by a professor referent
to the ethno-racial theme, in Art lessons that happened in Young and Adults Education
(portuguese acronym EJA). Initially it was made a exploratory research looking for schools
that would offer the teaching modality and the teacher with Visual Arts grade and that would
approach the ethno-racial relations in the classroom. The search was made through contacts
with Art teachears, and Municipal and State Education Secretary staff. After this previous
data collection, the research was fulfilled in municipal school in Belo Horizonte that offers the
Young and Adults Education to last years of elementary school and high school. The central
question that motivated the accomplishment of this research was try to understand the what
the way that the Ethno-Racial Relations Education has been approached in Art education on
EJA. Expecting to understand better this problem was adopted a methodological proceeding
of qualitative research getting closer to using research-action, considering that there was the
possibility of interfere on scholar reality observed. In this case, the participatory observation
was part of the research procedure adopted aiming to interact to the subjects, to collect data
about the ethno-racial relations approach on lessons and to perceive the use of didactic
resources used to this purpose. Furthermore, an interview was done semi-structured with the
participant teacher. The analysis results indicates the necessity of invest on initial and
permanent education of Art teachers combined to the Ethno-Racial Relations Education. The
results revealed the possibilities and potential strategies of teaching to be realized with young
people, adults and elderlys, in the ethno-racial field. Mainly, thinking the subjectivities and
the cultural aspects ethno-racial diversified brought by the people inserted in this teaching
modality. By being a Professional Master’s Degree, it was created a digital educative material
that contemplates in its content, artistics references to the work with the african and afro-
brazilian culture theme on teaching Art specifically to educators that works on EJA.
Key-words: Art teaching, EJA, Relation Ethno-Racial Education
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01 - S/título, 2018............................................................................................... 10
Imagem 02 - A vista, 2018..................................................................................................... 16
Imagem 03 - S/título, 2018...................................................................................................... 26
Figura 01 - Parangolé -1972.................................................................................................. 30
Figura 02 – Lygia Clark -1980................................................................................................. 30
Imagem 04 - Lembrança, 2018................................................................................................35
Imagem 05 - A empena, 2018.................................................................................................. 44
Imagem 06 - S/título, 2018................................................................................................. 46
Imagem 07 - S/título, 2018.................................................................................................... 64
Imagem 08 - S/título, 2018................................................................................................... 73
Imagem 09 - S/título, 2018.................................................................................................... 101
Figura 03 - Livro Didático EJA Sexto-ano............................................................................ 59
Figura 04 - Livro Didático EJA Sexto-ano............................................................................ 59
Figura 05 - Livro Didático EJA Sétimo ano.......................................................................... 60
Figura 06 - Livro Didático EJA Nono ano.......................................................................... 60
Figura 07 - Sítio Base Preta, tela inicial................................................................................ 68
Figura 08 - Sítio Base Preta, dados do artista........................................................................ 69
Figura 09 - Sítio Base Preta, link para informações sobre o artista....................................... 70
Figura 10 - Sítio Base Preta, formulário de contato............................................................... 71
Figura 11 - O Que É Arte? Para Que Serve? (1978) ............................................................... 84
LISTA DE TABELAS
1 - Matriz Curricular Licenciatura em Artes Visuais EBA UFMG......................................... 32
2 - Matriz Curricular Licenciatura em Artes Visuais EBA UFMG......................................... 33
3 - Índices dos Livros Didáticos para Educação de Jovens e Adultos/PNLD EJA/2014...... 58
4 - Número de pessoas presentes em um dia de aula............................................................... 94
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11
Aproximação com tema de pesquisa ....................................................................... 11
O campo de pesquisa................................................................................................. 15
Aspectos metodológicos trabalho.............................................................................. 20
Organização do trabalho............................................................................................ 23
1 – Ensino/aprendizagem de Arte e Educação de Jovens e Adultos: um tema
em discussão
26
1.1- Ensino/aprendizagem de Arte como expressão de transgressão.................... 26
1.2- Educação Popular, Círculo de Cultura e EJA: um legado histórico.............. 35
1.3- EJA e o ensino/aprendizagem de Arte: Dilemas Contemporâneos............... 42
2- A atuação docente com o ensino/aprendizagem de Arte na EJA 45
2.1- Percepções obtidas a partir da observação e diálogos do trabalho do
ensino/aprendizagem de Arte na EJA.......................................................................
45
2.2 – O ensino/aprendizagem de Arte e o uso e a produção de materiais didáticos
para as relações étnico-raciais............................................................................
51
2.3 - Produto Educacional – A Base Preta........................................................... 62
3- Educação das Relações Étnico-Raciais, EJA e Ensino/aprendizagem de
Arte
71
3.1- Formação Continuada de Professores, ensino/aprendizagem de arte e
Relações étnico-raciais.............................................................................................
71
3.2-Sobre as especificidade de trabalhar o ensino/aprendizagem de Arte na
perspectiva da ERER com sujeitos(as) da EJA........................................................
86
3.3- Da história da arte à arte negra: desafios para a construção de novas
abordagens do ensino/aprendizagem de Arte na EJA...............................................
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 97
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 101
ANEXOS............................................................................................................ 108
Imagem 01 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
11
INTRODUÇÃO
Aproximação com o tema de pesquisa
Minha trajetória de formação artística começou aos quinze anos. Digo isso porque
entendo que o aprendizado construído para que hoje eu possa me identificar como educadora
não se concretizou apenas durante a universidade, mas vem de reflexões que nasceram há
muito tempo. Um processo que não é algo individual, mas coletivo e parte natural no ciclo de
vida de todo(a) sujeito(a) que se proponha a criar, observar, dialogar com outras referências.
Por isso, acho importante fazer essa contextualização. Meu reconhecimento como mulher
negra, assumindo os riscos e os preconceitos a respeito de ser artista e, mais tarde, o de optar
pela área de Arte na academia, foram processos difíceis construídos ao longo dos anos através
das experiências e descobertas sobre tudo isso.
Ser mulher negra, professora/artista e pesquisadora. Esse conjunto de definições é um
importante ponto de partida para a proposição deste trabalho, uma reflexão que precisou de
tempo e muitas colaborações para que fosse possível. Dentre as referências, trago a
importância da obra de bell hooks1 (2013). Em diálogo com outra referência já conhecida,
“Educação como prática de liberdade”, de Paulo Freire (1980), hooks conseguiu traduzir
alguns sentimentos e impressões de proximidades que ainda não havia percebido.
As questões abordadas de raça2 e gênero na obra, os questionamento a respeito da
visão de Freire, enquanto homem branco, e o reconhecimento de que assim como nós,
aprendizes dentro do campo da escrita tiveram sua evolução e amadurecimento intelectual
obra após obra, nos leva a acreditar em que de fato, há caminhos para a educação libertadora,
e é um caminho da educação construída, dialogada, crítica e emancipadora.
1 Gloria Jean Watkins mais conhecida como bell hooks, aderiu ao pseudônimo em homenagem a avó Bell Blair
Hooks. A letra minúscula vem da ideia de desafiar convenções linguísticas e acadêmicas, pretendendo dar
enfoque ao conteúdo da sua escrita e não à sua pessoa. 2 Kabengele Munanga (1999) defende que o termo raça foi utilizado inicialmente biologicamente para dividir e
inferiorizar indivíduos não brancos na sociedade, porém aqui ele é utilizado no sentido socio-político, definindo
a diferenciação das individualidades como marcador de um corpo que traz em seu corpo as características que
podem o discriminar em relação a outros na sociedade.
12
O interesse por pesquisas voltadas para a temática das relações étnico-raciais em
consonância com o ensino/aprendizagem de Arte3, fez com que meu trabalho ganhasse
sentido. O que antes conseguia perceber como problemático, a não presença de negros(as)4 e
periféricos(as) na área de arte, (ou a forma como esses corpos eram utilizados nas imagens)
passou a significar um motivo a mais para justificar o acesso ao conhecimento e reivindicar o
lugar de fala de corpos invisibilizados neste ambiente. Ironicamente, a universidade,
apresentada e problematizada aqui como um local colonizador, foi o que possibilitou chegar
às referências e estudos que propõe a descolonização do conhecimento e dos corpos pela
educação libertadora e emancipadora propostas por Freire (1978 e 1980) e em diálogo com
hooks (2013). Assim como hooks problematiza em sua obra o lugar, a academia ou a escola,
assim como outros lugares e áreas, precisam ajustar-se para a atualidade, acompanhando
discussões que avançam com as descobertas, reflexões, pensamentos. Foi um caminho
escolhido para este trabalho baseá-lo em referências que conversassem com propostas que
rompessem com o pensamento colonialista e a colonialidade, uma vez que entendemos que
essas dialogam com as propostas de construção de conhecimento e do ensino de Arte.
Reconhecer os processos colonizadores e a invenção de outra América Latina não
significa ignorar a herança europeia, mas passa, fundamentalmente, pela legitimação
do pensamento identitário latino-americano, especialmente o artístico-cultural, que
questiona o colonialismo e a colonialidade, em suas múltiplas facetas, e busca a
decolonialidade como perspectiva para pensar outras histórias e aprofundar a
(re)existência da América Latina. (MOURA, 2018, p.42)
Desde as experiências de estágios em escolas públicas, local onde até hoje passo pela
experiência de construir minha imagem de educadora e mediadora, perpasso pela primeira
impressão dos(as) educandos(as) ao me reconhecerem como um deles. Minha cor, idade,
linguagem corporal, textura dos cabelos, tudo me leva para uma aproximação dos(as)
sujeitos(as) que encontrei em sala de aula que me custou caro muitas vezes, referenciando na
prática a ideia de Freire (1978) de “quando a educação não é libertadora, o sonho do
oprimido é ser opressor” (FREIRE, 1978)
Quando concluí meu primeiro curso em Licenciatura em Artes Visuais, concebi junto
ao Trabalho Final de Curso um material didático baseado nas representações de pessoas
negras em desenhos de colorir. Esse material foi feito pensando na obrigatoriedade da Lei
3 Utilizamos aqui a expressão arte quando nos referimos às artes visuais, e Arte com a inicial maiúscula quando a
estamos tratando como disciplina, seja na educação básica ou superior. 4 Segundo Kabengele Munanga (1999) a denominação de negro, branco, amarelo trata-se de um conjunto de categorias cognitivas largamente herdadas da colonização, cujo conteúdo é mais ideológico do que biológico. É
com este conceito que trabalhamos nesta pesquisa.
13
n°10.639/035 e em propostas que propunham a discussão das relações étnico-raciais nas
escolas. Nele também propunha a reflexão a respeito dos referenciais abordados na maioria
das disciplinas, sempre baseados em representações eurocêntricas onde temáticas como
culturas afro-brasileiras, africanas e latino-americanas são deixadas de lado. Dessa forma,
ressalto a importância de levar a discussão da abordagem das relações étnico-raciais para a
universidade, principalmente, para a formação de professores, pensando em uma educação
voltada para as relações raciais e ao combate do racismo.
O material citado foi levado para oficinas com estudantes de Artes Visuais, de
Pedagogia e em escolas públicas de Ensino Médio de Belo Horizonte. Em cada uma das
abordagens feitas foi possível identificar impressões e conclusões distintas que colaboraram
para o enriquecimento da proposta.
Com o resultado da análise do material criado, pude perceber diversas lacunas em sua
proposta de utilização e, parte disso, se deu devido à carência trazida pelos(as) participantes
de um aprofundamento anterior das discussões a respeito da abordagem das relações étnico-
raciais no ensino de Arte.
Em imagens de livros didáticos, por exemplo, as gravuras de Debret6 para ilustrar a
escravidão, são recorrentes nos jornais, material muito utilizado em sala de aula para trabalhos
de construção de textos, ou mesmo de Arte. A maioria das reportagens traz imagens de
sujeitos(as) em situação de privação de liberdade, vítimas de crimes estampando as páginas
policiais. Novelas e filmes são outros tipos de veículos que raramente se preocupam em não
reforçar estereótipos racistas, isso desde a inclusão de personagens marginalizados(as)
representados por negros(as) como na quantidade de atores/atrizes negros(as) contratados(as)
para integrarem o elenco.
Sobre a arte africana7, exemplos estereotipados ainda povoam o imaginário de
educandos(as) e educadores(as). As referências utilizadas para exemplificar a produção do
5 A Lei n° 10.639/2003 torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro- Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares; Inclui o estudo da História da África e dos Africanos, a
luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil; Prevê que os
conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. A Lei n°11.645/11 a
modificou, incluindo a questão indígena em seu texto. Trata-se de um reconhecimento das culturas dos povos
indígenas como importantes para a educação. Aqui nesta pesquisa, há um recorte a respeito da história e cultura
negra, o que justifica a menção da Lei n°10.639/2003 ao longo do trabalho. 6 Identificar melhor 7 Arte Africana refere-se a trabalhos de autoria de artistas proveniente do continente africano. Segundo Conduru
(2007) a expressão arte afro-brasileira trata-se de um campo mais complexo, indicaria não um estilo ou um movimento artístico produzido apenas por afrodescendentes brasileiros, ou deles representativo, mas um campo
plural, composto por objetos e práticas diversificados, vinculados de maneiras diversas à cultura afro-brasileira, a
14
continente Africano ainda permanecem nas máscaras e pinturas tribais. Há um
desconhecimento de que em diversos países desse continente existe uma produção de arte
contemporânea ativa e que dialoga com diversos contextos atuais. A imagem construída a
respeito da África, de um local miserável e arrasado pela AIDS, ainda é a resposta mais
apresentada quando pergunta-se sobre o que sabem sobre esse continente. Um exemplo claro
de como as informações foram disseminadas pela mídia por um longo período de tempo em
contraponto à falta de abordagens de conteúdos específicos sobre as histórias e culturas
africanas nas escolas.8 Trata-se de um ciclo, no qual os preconceitos são naturalizados em
uma sociedade que ainda precisa desconstruir muitos problemas que envolvem o racismo
estrutural. Segundo Almeida (2018):
...o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo normal
com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares,
não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é
estrutural (ALMEIDA, 2018, p. 38).
Portanto, não diz respeito somente à escola apartada da sociedade, mas de uma
continuidade desta dentro dos muros da escola. Porém, estudos realizados na área têm
apontado que a problematização dessas questões dependem de um aprofundamento com
educadores(as), gestores(as) e de todo o sistema da educação, abertos a expandir a discussão
em suas formações.
O conceito de representatividade é central enquanto orientação teórica e de
concretização desta dissertação. Ele contribui para entender a grande exclusão da escola e na
escola de sujeitos(as) negros(as) e periféricos(as), e do problema da falta de discussões e
aprofundamento a respeito do racismo na escola, e como nos fala Gomes (2005, p.147),
Porém, antes de pensarmos em quais estratégias poderemos adotar, é importante que
estejamos atentos ao seguinte ponto: se todos nós estamos de acordo com a necessidade de se desenvolver estratégias de combate ao racismo na escola,
concordamos com o fato de que o racismo existe na sociedade brasileira. E mais,
concordamos que racismo está presente na escola brasileira. Esse é um ponto
importante porque rompe com a hipocrisia da nossa sociedade diante da situação da
população negra e mestiça desse país e exige um posicionamento dos(as)
educadores(as).
A representação da população negra, inclusive como forma de expressão artística,
suscita o movimento de desconstrução de padrões estabelecidos na escolarização e na
educação dos educandos(as) como uma das possibilidades de propostas para uma educação
partir da qual tensões artísticas, culturais e sociais podem ser problematizadas estética e artisticamente. Da
mesma forma a arte negra encontra-se em um campo vasto que agrega não só a produção latina e africana, mas
também trabalhos e produções que abarquem as culturas negras, podendo ser encontradas também nos Estados
Unidos e em países europeus devido ao fenômeno afrodiaspórico das culturas negras pelo mundo. 8 Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2393/africa-de-todos-nos>. Acessado em: 10 de dezembro
de 2018.
15
libertadora, emancipadora e que tenha como prioridade o crescimento pessoal do(a) sujeito(a)
e não apenas sua certificação ou sua exclusão.
A aproximação a esse e outros conceitos foi possível devido à minha participação em
grupos de estudos a respeito de questões raciais e de feminismos negro e de coletivos
feministas. Autoras(es) como Conceição Evaristo, bell hooks, Angela Davis, Milton Santos,
Abdias Nascimento, entre outros(as) que trazem a discussão racial e social de forma crítica,
contribuíram para formar uma consciência negra de qual caminho buscar na prática da
educação. Dessa forma, concluímos que pensar materiais e propostas de trabalho que
contemplem as necessidades de sujeitos(as) invisibilizados(as) pelo sistema educacional de
maneira geral e na Educação de Jovens e Adultos (EJA), em específico, possa contribuir de
alguma maneira com a formação inicial e continuada de professores(as) de Arte.
Imagem 02 - Adriana Santana da Silva, A vista, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
O campo de pesquisa
Encontrar o campo de pesquisa para realizar o procedimento metodológico de
observação da rotina de um(a) educador(a) de Arte na EJA, foi um dos processos mais difíceis
vivenciados para a realização deste trabalho. O perfil que buscava, descrito como ideal para
justificar o que se precisava, era a de um/a professor/a com formação na área específica e que
abordasse a discussão étnico-racial em suas aulas. Um primeiro percurso metodológico de
16
pesquisa então foi fazer um levantamento, nos cursos de formação da UNIAFRO9, de
profissionais que tivessem realizado a formação continuada para educadores(as), voltada para
a abordagem das relações étnico-raciais, ofertada pelo Programa Ações Afirmativas na
UFMG10
.
Nesse momento, nos deparamos com uma realidade inesperada. De duas listas, com
cinquenta nomes e contatos de educadores(as) que participaram do curso em duas edições,
foram encontradas três, sendo que uma não estava mais trabalhando como educadora e as
outras duas não estavam trabalhando na modalidade EJA. Outro fator foi que a formação
destas educadoras da busca não eram em Licenciatura em Artes Visuais, o que, a início, não
seria uma problema, já que as formações destinadas à área de Arte poderiam ser no teatro, na
dança, na música ou artes visuais ou plásticas (as nomenclaturas podem alterar de acordo com
as universidades que oferecem a formação). Porém, desejava-se que fosse encontrado(a)
um(a) profissional licenciado(a) em Artes Visuais ou Plásticas, campo de conhecimento da
pesquisadora.
Visto que não foi possível localizar o(a) profissional descrito acima, da forma
esperada inicialmente, partimos para realizar uma consulta nas secretarias de educação e
regionais do Estado e do Município, locais onde poderiam ser encontradas sugestões de
projetos e escolas que propusessem, em seus projetos políticos pedagógicos, a inserção de
temas que contemplassem a Lei n°10.639/2003.
Então, novos desafios foram impostos para o encontro do campo a ser realizado nessa
investigação. A partir de algumas questões burocráticas, que se impuseram durante a busca,
surgiu a reflexão sobre a forma com que os profissionais da EJA eram encaminhados para a
sala de aula, nos processos de designação ou até mesmo os(as) concursados(as). Em minhas
vivências pessoais, na busca para o ingresso no trabalho docente no município de Belo
Horizonte, percebi que é comum, na educação pública municipal, profissionais lecionarem
disciplinas para as quais não têm formação específica, como uma estratégia de
complementação de carga horária, denominada como dobra.
9 O Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Federais e Estaduais de Educação
Superior (UNIAFRO), é uma iniciativa das secretarias de Educação Superior (Sesu) e de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad).
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/uniafro>. Acesso em : 10 de dezembro de 2018
10 Sediado na Faculdade de Educação (FAE), o Programa Ações Afirmativas na UFMG existe congrega
docentes e discentes de diferentes unidades acadêmicas e distintas áreas do conhecimento. Desde o ano de 2002,
o Ações vem implementando políticas e práticas de permanência bem sucedidas na Universidade, tendo como foco jovens negros (as) sobretudo de baixa renda, regularmente matriculados(as) nos cursos de graduação da
UFMG. Disponível em: <https://acoesafirmativasnaufmg.blogspot.com>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018
17
A dificuldade em encontrar o(a) profissional na rede estadual de educação foi ainda
maior. Isso se deu em função da grande quantidade de professores(as) designados(as) na área
de Arte, uma consequência da falta de concursos públicos. Para nos situarmos, para a rede
estadual, houve um concurso para a cidade de Belo Horizonte em 201111
e, somente sete anos
depois, foi divulgado outro edital, em 201712
.
A respeito desta realidade, temos que estar atentos a outras especificidades, como a
demanda de educadores(as) para lecionarem na região metropolitana que contorna os limites
da cidade, formada por trinta e quatro municípios13
. Outra constatação no levantamento de
profissionais para a pesquisa foi de que muitos estão alocados nesses municípios e não na
região de Belo Horizonte.
Quando foi realizado o levantamento, a respeito de educadores(as) que poderiam
participar da pesquisa, nos deparamos com a questão de se seria colocada a possibilidade de
abranger outros municípios da cidade de Belo Horizonte, devido à grande quantidade de
educadores(as) que, ao entrarem em contato, informavam que seus locais de trabalho seriam
algumas dessas cidades, principalmente quando se tratavam de professores(as)
designados(as).
Devido a questões de deslocamento, tempo e de recorte a respeito do tema de
pesquisa, essa possibilidade teve que ser retirada. No entanto, ficou evidente que há uma
grande demanda de professores(as) nas cidades vizinhas e que poderiam de alguma forma
participar da pesquisa pela forma de trabalho e por estar ciente da importância da abordagem
do ensino-aprendizagem da arte na perspectiva da Educação para as Relações Étnico-Raciais
(ERER).
Um dos desafios observados foi o de que o(a) profissional designado(a) não tem
muitas possibilidades de participar de forma engajada em projetos, por não ter um vínculo
maior com as escolas estaduais, uma vez que os contratos são feitos no final de janeiro e
11
EDITAL SEPLAG/SEE Nº. 01 /2011, de 11 de julho de 2011. Professor de Educação Básica – PEB – Nível I
Grau A. Constava o total de 432 vagas para todo Estado de Minas Gerais, sendo no total 102 vagas de ampla
concorrência para a cidade de Belo Horizonte e 10 vagas reservadas aos portadores(as) de deficiência.
Disponível em: < http://www2.educacao.mg.gov.br/images/stories/noticias/2011/Julho/edital-see-11-07-.pdf>
Acessado em: 12 de janeiro de 2019.
12 EDITAL SEE Nº. 07/2017, de 27 de dezembro de 2017. Professor de Educação Básica– PEB – Nível I Grau
A. Constava o total de 1209 vagas para todo Estado de Minas Gerais, sendo no total 92 vagas de ampla
concorrência para a cidade de Belo Horizonte e 10 vagas reservadas aos portadores(as) de deficiência.
Disponível em: <http://www.fumarc.com.br/imgDB/concursos/Edital%20SEE%20n-07-2017%20-
%20FUMARC-20171228-132936.pdf> Acessado em: 12 de janeiro de 2019. 13 Segundo últimos dados do IBGE – São 34 municípios e 16 no colar metropolitano.
18
duram até o último dia do ano, em casos de cargo vago, ou só duram alguns meses ou menos,
nos casos de substituição.
Essa questão da falta de vínculo também gera outros problemas que afetam a
qualidade do trabalho docente, como o sentimento de não pertencimento, uma vez que ao
final do contrato não é uma certeza que poderá voltar para o mesmo local de trabalho. Além
disso, a insegurança de não saber se terá um emprego no próximo ano, a alta rotação de
profissionais que também cria a sensação de quebra na continuidade dos conteúdos, foram
fatores que apareceram nas falas dos educandos(as).
Entre outros problemas nessa forma de trabalho, as observações aqui mencionadas
puderam ser feitas a partir da minha experiência por dois anos como profissional designada
em escolas do estado, lecionando a disciplina Arte.
Após dias de telefonemas para sessões, na busca de um setor que entendesse e
direcionasse a busca pelo(a) educador(a) surgiu uma indicação de uma profissional, que
atuava nas salas da EJA de Belo Horizonte. Ao conseguir seu nome e instituição, depois de
muitas tentativas, o contato foi ocorreu duas semanas depois.
A educadora sujeita da pesquisa, nomeada aqui como Yêda Maria, é licenciada em
Artes Visuais e, na mesma escola, leciona Arte para a EJA e nas turmas de alfabetização.
Como muitos educadores(as) que trabalham na educação pública, atua em duas instituições,
uma escola particular de manhã e na Escola Municipal Arthur Bispo do Rosário14
na parte da
tarde.
Levando em consideração o que prevê a Lei n°. 10.639/03 e suas Diretrizes, portanto,
o problema central que norteou a realização desta pesquisa foi entender de que forma a
abordagem do ensino e história africana e afro-brasileira é feita pela educadora de Arte na
modalidade de ensino da EJA.
Para tal, estabelecemos como objetivo geral analisar as estratégias de
ensino/aprendizagem adotadas pela docente referente à temática étnico-racial nas aulas de
14 Como foi proposto no Termo Livre e Esclarecido, por motivos éticos os nomes da educadora e da escola
foram substituídos por nomes fictícios, para tal foram utilizados os nomes de dois artistas plásticos negros
brasileiros como uma forma de homenageá-los. Arthur Bispo do Rosário Paes, (1909 - 1989) deixou uma vasta
produção de arte, considerado louco segundo a medicina, sua história traz à tona as discussões sobre o
preconceito e os limites entre a insanidade e a arte no Brasil.
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Ros%C3%A1rio>. Acesso em: 10 de dezembro de 2018 Yeda Maria
Correira de Oliveira, (1932-2016) com extensa trajetória de formação acadêmica e artística, tem obras expostas
principalmente no Museu de Arte da Bahia e da Universidade de Illinois/ EUA. Em suas obras ela aborda temas
como paisagens e natureza morta, e também temáticas afro religiosas e políticas, o que acredita-se que tenha sido
influência da sua experiência com a comunidade negra norte americana. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa267833/yedamaria> Acesso em: 10 de dezembro
de 2018
19
Arte, em uma escola municipal de Belo Horizonte, nos anos finais do ensino fundamental e
ensino médio dessa modalidade.
Como objetivos específicos, buscamos: i) identificar quais têm sido as possibilidades,
dificuldades e potencialidades de abordar as relações étnico-raciais no ensino de Arte
desenvolvida pela docente; ii) perceber qual é a recepção dos(as) educandos(a)s da EJA
relacionado à temática racial; iii) verificar se o trabalho voltado para ERER no ensino de
Artes é concebido de maneira individual e/ou coletivo e analisar os materiais didáticos
utilizados por esse profissional relacionados à Arte e relações étnico-raciais.
A partir das primeiras percepções sobre o campo foi possível verificar que a realidade
escolar investigada é diferenciada de uma maneira geral. Essa constatação tem a ver com as
caraterísticas socioespaciais, o corpo docente, bem como a oferta exclusivamente do ensino
da modalidade EJA para turmas dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, entre
outros.
A Escola Municipal Arthur Bispo do Rosário se localiza em um bairro nobre da
cidade, na região Centro-sul, no mesmo edifício onde funcionam outras instituições públicas,
como por exemplo, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. O prédio é muito
bem estruturado, com elevadores, rampas e escadas, que garantem ampla acessibilidade. Além
de ser um lugar bem equipado e conservado, em relação a outras estruturas onde acontecem as
aulas da EJA em Belo Horizonte (inclusive muitas vezes em espaços improvisados para
possibilitar a oferta), tem como diferenciais os projetos desenvolvidos ali pela secretaria de
Educação do Estado.
Durante o campo, pude identificar dois exemplos: O Projeto Literário, que
disponibiliza livros nos corredores da escola para quem quiser adquirir um dos títulos
expostos, e o Projeto Identidade, explicado pela professora Yêda Maria: “Tem um projeto que
a gente faz todo ano que se chama Projeto Identidade, eles escrevem um pouco sobre sua
vida, de onde vieram, sua trajetória de vida até aqui, fora da escola e na escola”.15
Além destes, segundo Yêda, a escola já teve alguns projetos que davam ênfase às
culturas africanas, o que contribuiu inclusive para que a biblioteca adquirisse obras sobre esta
temática. Tratamos de forma específica, no capítulo 3, quais as influências observadas sobre a
questão das relações étnico-raciais no ensino de Arte para a EJA nos materiais e no campo de
trabalho para a pesquisa.
15 Entrevista Concedida por MARIA, Yêda, autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na
EJA. Entrevista I. [Julho, 2018]. Entrevistadora: Adriana Santana da Silva. Belo Horizonte. 2018. 1 arquivo
mp3 (50 min).
20
Aspectos Metodológicos do trabalho
Levando em consideração alguns dos critérios investigados, a saber: a vivência na sala
de aula, o diálogo com a educadora, bem como a análise dos materiais didáticos por ela
utilizados, a abordagem qualitativa se apresentou como sendo profícua como metodologia de
pesquisa. Ademais, adotamos a coleta de dados e a utilização de entrevista como forma de
aprofundar questões suscitadas durante o processo de investigação. Minayo (2010, p.16)
aponta a esse respeito a importância da pesquisa qualitativa em uma análise do sujeito e sua
relação com o meio, pois para ela “entendemos por metodologia o caminho do pensamento e
a prática exercida na abordagem da realidade.” A autora entende ainda que:
A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 2010, p.22).
Desta forma, a análise textual da entrevista foi realizada por meio do uso da técnica de
análise de conteúdo, com o intuito de aprofundar nas informações fornecidas pela sujeita
participante de maneira mais cuidadosa, e entendendo a importância deste material para a
pesquisa. Segundo Laurence Bardin (2016), a utilização deste contribui na realização de
trabalhos acadêmicos, tendo em vista que:
A análise de conteúdo é um conjunto de análise das comunicações. Não se trata de
um instrumento, mas de um leque de apetrechos, ou com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um
campo de aplicação muito vasto: as comunicações. (BARDIN, 2016, p. 37)
Para a análise do conteúdo da entrevista optamos por trabalhar com a Análise
Temática, uma vez que a entrevista foi realizada em torno do tema ensino/aprendizagem de
Arte e relações étnico-raciais na EJA. E através dos dados encontrados nas respostas da
sujeita procuramos construir os núcleos de sentido para a análise feita. De acordo com
Gomes, na “Análise temática, como o próprio nome indica, o conceito central é o tema. Esse
comporta um feixe de relações e pode ser graficamente apresentado através de uma palavra,
uma frase, um resumo” (GOMES, 2010, p. 86).
A observação participante consistiu em outro instrumento de coleta de dados, no
sentido de levar em consideração os sentidos e significados dos quais os(as) próprios(as)
sujeitos(as) atribuem à realidade a qual estão submetidos. Assim, buscamos no campo prático
da sala de aula, elementos que fomentaram e ilustraram a realidade do ensino atual de Arte na
perspectiva racial na EJA.
A observação é uma das mais importantes fontes de informações em pesquisas
qualitativas em educação. Sem acurada observação não há ciência. Anotações
cuidadosas e detalhadas vão constituir os dados brutos das observações, cuja
21
qualidade vai depender, em grande parte, da maior ou menor habilidade do
observador e também da sua capacidade de observar, sendo ambas as características
desenvolvidas, predominantemente, por intermédio de intensa formação (VIANNA,
2007, p.12).
Neste ambiente, de acordo com as possibilidades da professora Yêda Maria, a sua
rotina foi acompanhada durante quatro meses em três turmas da EJA, sendo duas do nono ano
do ensino fundamental, e uma do primeiro ano do ensino médio. As turmas mais numerosas
eram as do primeiro e segundo horários, sendo respectivamente, uma de nono ano e outra do
primeiro ano do ensino médio, onde estavam matriculados vinte alunos. O terceiro horário da
turma de nono ano ficava geralmente muito vazio, com a presença de cerca de cinco
educandos. Segundo a professora, acontecia porque alguns alunos participavam de uma aula
de educação física, realizada no mesmo horário. Os(As) educandos(as) presentes nas turmas
observadas eram em sua maioria adolescentes16
. Estes eram mais numerosos nas turmas do
nono ano. Já na turma do primeiro ano do ensino médio o público era bastante heterogênea
sendo sua maioria jovens, com a presença de poucos(as) adultos(as) e uma idosa.
A partir do acompanhamento sistematizado da rotina escolar, e também de algumas
constatações que puderam ser conferidas na entrevista, foi possível perceber que a professora
possui um entendimento de que é importante abordar temáticas que aproximem da realidade
dos(as) educandos(as) e, mais do que isso, de relacionar fatos, dados e contextos de outras
culturas, sobretudo às questões étnico-raciais.
Em uma das situações vivenciadas no campo, um dos conteúdos tratados em aulas foi
pautado pela discussão a respeito das culturas indígena e afro-brasileira, partindo do conteúdo
do livro didático adotado pela escola, mas também com questões levantadas em discussões
encaminhadas pela professora. Apesar disso, fica evidente, na fala de Yêda, que ela ainda
deseja aprofundar os estudos a respeito das relações étnico-raciais. Existem dispensas para
que os(as) educadores(as) façam cursos de formação, mas, a professora não se lembra de ter
sido oferecido algum curso específico a respeito das culturas negras, por exemplo.
Esta observação pôde ser feita mais ativamente na turma do sexto ano do ensino
fundamental, talvez pelo perfil mais participativo nos debates. Situações ocorridas em sala
como, por exemplo, um momento de desconstrução sobre o termo “macumba” também foi
vivenciado.
16 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) sujeitos que se encontram entre 10 e 19 anos são
considerados adolescentes, e pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos, são jovens, critério
este usado principalmente para fins estatísticos e políticos. Usa-se também o termo jovens adultos para englobar
a faixa etária de 20 a 24 anos de idade.
Disponível em: <https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/> Consultado em: 15 de dezembro de 2018.
22
A discussão iniciou-se quando foi mencionada a cultura indígena como algo que
também compõe a cultura brasileira. Uma educanda exclamou que aquilo seria
“macumba”. A educadora então levou o debate com os educandos de forma a
indagar o que seria “Macumba”, problematizou junto a eles as formas de preconceito
sobre culturas como indígena e afro-brasileira. (Diário de Campo, 08 de maio de
2018).
É importante pontuar que no momento em que a discussão se intensificou a intenção
da docente era apenas iniciar a temática e entrar na especificidade do conteúdo relativo à Arte,
como propunha a atividade do livro didático. No momento ela preferiu responder às questões
e pontuá-las, e posteriormente voltar ao conteúdo específico da disciplina.
Essa intervenção realizada pela docente fez-nos refletir se a presença da pesquisadora
em sala estaria influenciando o trabalho com a temática. De toda forma, com os dados obtidos
em entrevista, bem como a partir do engajamento da docente percebe-se que no sentido lato o
trabalho com a arte e a história africana e afro-brasileira tem sido realizado.
Em uma análise do livro didático utilizado, a esse respeito, verifica-se que, em certa
medida, a discussão da formação das culturas e do povo brasileiro aparece contemplada.
Durante o período de campo, em uma verificação dos conteúdos dos livros, percebemos
exemplos de capítulos dedicados a diversas culturas, dentre elas as afro-brasileiras, africanas e
também indígenas. Uma análise mais detida desses livros será discutida no capítulo 2 desta
dissertação.
Outro ponto que observamos foi a forma fluida de encaminhamento das discussões
com os (as) estudantes. Todos esses elementos foram indícios apontaram para percebermos
que o assunto, de certa forma, está inserido no cotidiano das aulas Durante o campo, a partir
dos registros das dúvidas geradas buscamos aprofundá-las no momento da entrevista
semiestruturada. Minayo (1996) defende ser esse o momento que permite aproximarmos os
fatos ocorridos na realidade da teoria existente sobre o assunto analisado, a partir da
combinação entre ambos.
Os diálogos estabelecidos contribuíram para apontar diversos caminhos para a
construção do produto educacional, de acordo com o edital do Programa de Mestrado
Profissional que contempla este trabalho.
A proposta consiste na criação de um sítio de referências artísticas que contemplem a
discussão a respeito das relações étnico-raciais. O intuito é que sirva de apoio para
educadores/as da EJA que busquem dados e informações que possam contribuir com o seu
trabalho em sala de aula.
Esse processo de pesquisa implica na adoção da metodologia proposta por Tripp de
pesquisa-ação. Tripp explica que: “pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação que
23
utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide tomar para
melhorar a prática (TRIPP, 2005, p.447).
No caso específico proposto aqui, há duas possibilidades do uso da pesquisa-ação, a
pesquisa-ação socialmente crítica e a pesquisa-ação emancipatória. A primeira surge da
necessidade em se tratar um tema que é um problema social, que no fundo tem a ver com o
combate e enfrentamento ao racismo através da educação e promoção de saberes do povo
negro, e no sentido de contribuir com a melhoria da realidade do ensino público da EJA,
através da proposta de intervenção do sítio criado.
A segunda característica trata-se de “outra variação da pesquisa-ação política, que tem
como meta explícita mudar o status quo não só para si mesmo e para seus companheiros mais
próximos, mas de mudá-lo numa escala mais ampla, do grupo social como um todo” (TRIPP,
2005, p.458).
Com a criação do sítio e a sua divulgação junto a educadores(as) que sintam
necessidade de uma fonte de pesquisa que reúna referenciais de arte afro-brasileiras, afro-
americanas e africanas, esperamos contribuir de alguma forma ao acesso a conteúdos que
comumente não são encontrados com facilidade.
A percepção da grande dificuldade de educadores(as) encontrarem materiais que
abordem temas relacionados à questão racial, mesmo com as possibilidades da internet é um
dos desafios que fazem com que a abordagem ainda seja incipiente na maioria das escolas.
Essa dificuldade se faz ainda mais presente na EJA, pelo problema da formação dos
educadores(as) que foi abordado aqui anteriormente.
Mesmo que na formação inicial de educadores, verificada aqui, ainda não possua
disciplinas obrigatórias que abordem o ERER para professores(as) de Arte, outros caminhos e
possibilidades podem apontar para a necessidade de uma busca por um ensino crítico, e que
aborde as diferentes culturas existentes, passando pela importância da pesquisa e
aprofundamento das culturas negras e indígenas, ponto que também é perceptível na
entrevista com a professora Yêda Maria.
Organização do trabalho
Além da introdução, o trabalho foi organizado em três capítulos. O primeiro deles
pretende descrever o processo de escolha do campo de pesquisa, bem como a escolha da
professora participante. Descreve de maneira detalhada as etapas do processo, as
24
particularidades da Escola Estadual Arthur Bispo do Rosário, as percepções iniciais e a
proposta de investigação realizada.
No segundo capítulo discutimos as especificidades do trabalho desenvolvido por Yêda
Maria na abordagem das relações étnico-raciais no ensino/aprendizagem de Arte na EJA, a
partir de apontamentos e dados coletados no processo de observação da pesquisa.
Apresentamos uma discussão sobre o uso e a produção de materiais didáticos por professores
de Arte na EJA e a estrutura geral referente ao Produto Educacional, criado após a análise e
observação dos aspectos observados na pesquisa, buscando atender as necessidades dos
professores de Arte para EJA, no que tange a busca de referências de artistas e obras que
tenham foco na temática afrodescendente.
No terceiro capítulo trazemos a discussão do ensino/aprendizagem de Arte em diálogo
com as relações étnico-raciais na EJA. Nesta parte problematizamos a formação de
professores de Arte como um ponto importante para entender os desafios da implementação
da Lei n° 10.639/2003. Apresentamos as percepções obtidas a partir da observação e diálogos
do trabalho da professora Yêda, traçando um paralelo para a realidade trabalho dos
professores de Arte na EJA. Neste capítulo, também problematizamos o processo de inserção
da temática étnico-racial no campo da arte e de como, historicamente, esse impactou o
ensino/aprendizagem de Arte da forma que acontece nos dias de hoje.
Nas considerações finais, destacamos as percepções alcançadas com a pesquisa e a
importância do desenvolvimento deste trabalho no âmbito do ensino/aprendizagem de Arte na
EJA e na ampliação do acesso às referências artísticas em consonância com as relações
étnico-raciais. Destacamos a importância da realização de estudos com propostas como esta,
que visem aproximar a construção de conhecimento, da descolonização/decolonização dos
saberes. Ressaltamos a necessidade da continuidade de construção de materiais e pesquisas
que contribuam para a efetivação da lei 10.639/2003 e da manutenção de políticas afirmativas
no Brasil.
25
Imagem 03 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
26
CAPÍTULO 1 – Ensino/aprendizagem de Arte e Educação de Jovens e Adultos: campos
de lutas e de transgressão
Não é fácil teorizar nossa dor, teorizar a partir desse lugar. Sou grata às muitas
mulheres e homens que ousam criar teoria a partir do lugar da dor e da luta, que
expõem corajosamente suas feridas para nos oferecer sua experiência como mestra e
guia, como meio para mapear novas jornadas teóricas (hooks, 2017, p. 103).
1.1 O ensino/aprendizagem de Arte como expressão de transgressão
A situação descrita na epígrafe acima, não se trata de uma situação isolada, mas de um
quadro que reflete as vivências e experiências de jovens, adultos e idosos(as) negros(as)
inseridos em processos de escolarização. O ambiente da escola tende a ser visto pelas
experiências negativas de exclusão e opressão que ocorrem em seu interior devido ao racismo.
Dessa forma, a saída de estudantes negros(as) e periféricos deste local se torna um fenômeno
frequente.
No caso específico da EJA, a oportunidade que esses(as) sujeitos(as) estão acessando,
ao estarem na escola, é notável. Aqui se descortina também maneiras de se entender como
eles(as), negros(as) e brancos(as), lidam com a estrutura do racismo em suas vidas. De modo
geral, o presente estudo aponta que as estruturas que ocasionam processos de marginalização
social têm sido historicamente produzidas e ainda muito pouco, de fato, problematizadas pela
instituição escolar de modo geral e nas práticas educativas de EJA, em específico.
A discussão sobre a exclusão de sujeitos(as) da escola, está intimamente ligada à EJA
e, a respeito dela, como já foi dito, são desenvolvidos outros projetos que têm o propósito de
diminuir os impactos do problema da negação à educação. Na escola, algumas disciplinas,
que possuem em suas discussões a possibilidade de agregar temas relativos às vivências
dos(as) educandos(as), são tidas como ponte para a possibilidade da diminuição dos impactos
de problemas trazidos de suas vivências extraescolares.
A Arte, por exemplo, é um desses conteúdos. Sua inclusão na Lei n°. 10.639/03 não
foi feita por mero acaso, mas levando em consideração a contribuição de educadores(as)
favoráveis à inclusão da discussão das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras nas
escolas e da diversidade de conteúdos relacionados à temática. É importante situarmos que o
termo arte utilizado aqui, é bastante abrangente e impreciso, como afirmam Calado e Silva
(2005), podendo ser empregada a diversos significados e sentidos, porém a utilizamos aqui
pela sua definição como artes visuais ou plásticas. A escolha deste recorte, como já foi dito,
27
diz respeito à área da formação da pesquisadora e da sujeita participante desta pesquisa, já que
há licenciaturas específicas, respeitando as singularidades das diferentes expressões. Ou seja,
há professores de Arte com formação em Licenciatura em Dança, Música e Teatro,
lecionando a disciplina Arte na educação básica17
. Sobre isso, ressaltamos que, de acordo com
a Lei nº. 13.278/01, a inclusão das demais formações nos currículos básicos são importantes
para promover o desenvolvimento cultural dos estudantes. Porém, é importante chamar a
atenção para a necessidade de melhorias na formação e receptividade dos(as) profissionais nas
escolas e da necessidade de se respeitar as especificidades de cada área.
Segundo Kunzler (2010) as nomenclaturas de artes visuais e plásticas, são
denominações constantemente problematizadas pelos(as) próprios artistas e estão
constantemente em expansão, uma vez que existem movimentos que lutam pela ampliação da
palavra, podendo agregar nessa área as performances, a arte política, o grafite, o pixo, a body
art, as artes digitais e outras expressões que ainda são novas até mesmo para nós,
pesquisadores(as) em/sobre arte. Ou seja, as expressões no campo das artes visuais ou
plásticas vão além do desenho, da pintura, da escultura e da gravura, como era comumente
divulgado como sendo arte tradicional. Além disso, todos essas denominações se expandiram,
seja nos seus procedimentos técnicos quanto nas importantes interseções entre si e também
com ações associadas à música, à dança, ao teatro e às chamadas artes áudio-visuais.
Temos então que perceber que tratamos de expressões que partem do bidimensional ou
do tridimensional, mas que podem ter aspectos variados e que permitem sua adaptação de
acordo com o que o(a) artista ou a obra propõem. Esta concepção de arte também é a que
norteia o currículo formativo de educadores(as) e da educação básica, lembrando que a
diferenciação, quando tratamos do termo como disciplina educativa, a grafia inicia-se com a
letra maiúscula.
Pela importância que deveria ser dada ao conteúdo Arte e, consequentemente aos(às)
profissionais que lecionam esta disciplina, o presente estudo contribui de alguma maneira para
apontar possibilidades, potencialidades e dificuldades que podem ser encontradas no trabalho
desenvolvido neste conteúdo articulado com a discussão da ERER.
17 De acordo com a Lei nº. 13.278/01 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN
9.394/1996)Ressaltamos que é preciso estar atentos sobre os riscos que corremos ao lidarmos com a situação da
polivalência no ensino básico. É preciso respeitar as especificidades de cada área ( Música, Artes Visuais, Dança
e Teatro), lembrando da antiga LDB que tratava da educação artística e que em sua nova versão de 1996, ainda
que clara, não conseguiu garantir a diversidade de expressões nas escolas. Não se trata de negar possíveis interseções e confluências interessantes para o ensino de Arte, mas respeitar as especificidades de cada área.
28
Dentre as dificuldades, é possível apontar a necessidade de se assegurar que a
formação e o ensino de Arte sejam abertos às novas possibilidades e teorias pedagógicas,
diferentemente do que ainda traz o ensino formal da academia, pautado em uma história da
arte eurocêntrica.
A formação acadêmica em Arte ainda é baseada em referenciais de estética e ensino
que refletem a herança do que alguns autores chamam de Missão Francesa no Brasil. A ideia
de produzir uma arte que seja “bela”, e que se aproxime das ideias dos cânones artísticos que
aparecem nos famosos livros de História da Arte, que dizem remontar uma linha do tempo de
imagens com representantes que são referência de cada época. No entanto, não existem
representantes negros(as) e indígenas nessas referências, quando surgem nestas linhas de
estudos estão em livros aparte com títulos que denominas como arte afro e indígena.
No ensino, essa ideia também surge em diversos momentos como, por exemplo, a
concepção de que só se deve trabalhar a questão indígena no dia 19 de abril e a arte afro-
brasileira no dia 20 de novembro, ficando o restante do ano muitas vezes apenas em
discussões sobre arte europeia, como um padrão universal que deva ser seguido.
É possível ponderar a esse respeito, considerando que a ausência de uma maior
problematização das concepções históricas da arte, que carregam o ensino de arte acadêmico e
o ensino básico, também é reflexo da formação que os(as) professores(as) tiveram nas
academias e que esses, muitas vezes, não têm oportunidades de participar dos debates mais
recentes e críticos sobre essas questões.
Trata-se de um tema recente se remontarmos às ideias, por exemplo, de Lygia Clark18
e Hélio Oiticica19
, com propostas de intervenções artísticas que provocam reflexões sobre as
concepções acerca da arte e qual o papel do espectador. Esses artistas propuseram, em vários
momentos, a participação do público como peças importantes do processo podendo até retirar
o significado original do trabalho caso o mesmo não seja respeitado. Ainda sobre Hélio, cabe
aqui relembrar outra questão levantada pelo artista sobre o público da arte. Em sua obra
“Parangolés”, essa discussão é feita ao ser desmembrada em muitos estudos a respeito do
público que, paradoxalmente, não acessa a discussão a respeito da arte, mas é ou já foi
utilizado como tema de obras, mesmo que raramente como protagonista. Esse debate será
18 Pintora artista plástica brasileira (1920-1988). Tem obras e proposições importantes para a história da arte
brasileira, onde foi integrante do movimento antropofágico e inovou com obras que requerem a participação dos
espectadores para fazer sentido. 19 Artista plástico brasileiro (1937-1980). Trabalhava com pintura, escultura e performances. Trazia conceitos em
suas obras que problematizavam questões sociais e políticas.
29
feito mais adiante, no capítulo sobre o produto material didático/pedagógico desenvolvido e a
sua importância sobre os referenciais acessados pelos educadores(as) da EJA.
Foto dos Parangolés ("anti-art por excelência" ), de Hélio Oiticica, utilizados por passista da Vai-
Vai.1960.
Lygia Clark, Objetos relacionales, 1980.
Mirian Celeste Martins, em seus estudos sobre curadoria e ensino de Arte, traz uma
questão interessante a respeito da visão que ainda paira sobre o ensino de Arte escolar em
contraponto com a educação feita nos trabalhos educativos em museus e exposições. Trata-se
de um trabalho que busque a aproximação do espectador com a arte real e atual, com os
30
trabalhos dos artistas contemporâneos a nós e um setor educativo que não seja explicativa,
mas que suscite ao participante contribuir com suas impressões para sua própria fruição das
obras.
No cotidiano dos(das) educadores(as) nas redes públicas de educação onde
encontramos a maior concentração da oferta do ensino da EJA constata-se que o acesso às
discussões a respeito dos modos de se ensinar e fazer arte, aparece como um privilégio. Na
elaboração desta dissertação, pudemos perceber o quão difícil é encontrar professores/as
licenciados em Arte. E, mesmo entre os que possuem a formação específica, são poucos que
conseguem fazer um trabalho em que suas abordagens estejam relacionadas às temáticas, tidas
como transversais, nos currículos da educação básica.
Ainda sobre esse público, constata-se que os(as) educadores(as) que conseguem dar
continuidade em suas formações, seja participando de cursos, palestras, debates e/ou
seminários, dentre outros, são escassos. Assim como também pudemos constatar no processo
de observação e na entrevista da professora Yêda Maria quando indagada a respeito de sua
formação:
Tem algumas matérias da pós-graduação que são relacionadas à formação de
minorias, alunos com inclusão, alfabetização de jovens e adultos, é uma pós
específica para jovens e adultos, então são diversas abordagens que são diretamente
úteis para escola. Quem me dera, pudesse ser dispensada para fazer tranquilamente,
mas isso não acontece não. (Yêda Maria,)
Uma análise da matriz curricular dos componentes curriculares da formação em
Licenciatura em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG contribui para situar
melhor as ponderações sobre a necessidade de repensar a formação deste profissional. É
importante frisar que na próxima atualização do currículo para a Licenciatura em Arte da
Escola de Belas Artes da UFMG, que sairá em 2019, o componente curricular das relações
étnico-raciais será obrigatório, importante avanço para as questões aqui pautadas.
Nos dois primeiros períodos do curso, tratam-se de disciplinas comuns a todos que
ingressam no curso, não tendo a obrigatoriedade de já ter optado por uma habilitação dentre
as que existem no curso: Licenciatura em Artes Visuais ou Bacharelado em Desenho, Pintura,
Gravura, Escultura e Artes Gráficas.
Destacamos aqui o quadro a partir do terceiro período de Licenciatura, por conter as
disciplinas que nos interessam a respeito da formação de professores. É possível observar que
não há neste quadro a especificidade de uma disciplina que traga a questão étnico-racial. Para
que algum estudante do curso acesse esta temática formalmente durante o curso, ele terá que
buscar por disciplinas optativas ou eletivas (disciplina feita fora do curso de origem).
31
Em diálogo com a coordenação do curso de Artes Visuais da Escola de Belas Artes da
UFMG, foi possível constatar que a própria disciplina optativa que trata das questões étnico-
raciais, existe devido à existência da Lei n°10.639/2003. Em uma visita de avaliação da escola
realizada por funcionários(as) do Ministério da Educação (MEC), ao ser constatada a falta da
disciplina, foi proposta como uma das adequações a existência de uma disciplina que
abordasse a questão de arte e culturas afro-brasileira e africana. A partir desta situação, a
obrigatoriedade da disciplina no âmbito acadêmico se torna mais próxima, com a contratação
de um professor efetivo com formação específica para assumir a vaga. Houve ainda um
esclarecimento relatando que há um incentivo para que os estudantes se matriculem como
forma de amenizar a falta das discussões em grande parte do currículo da escola.
32
Outra observação considerada importante é que o estudante de licenciatura em Artes
Visuais da UFMG tem obrigatoriamente algumas disciplinas a serem cursadas na Faculdade
de Educação da UFMG, como complementação da formação pedagógica. Esta situação
poderia justificar a ausência de disciplinas que tratem da questão étnico-racial na grade
33
obrigatória no curso de Licenciatura em Artes Visuais na Escola de Belas Artes, porém
estejamos atentos para a situação de que, mesmo que não seja para a formação básica,
professores(as) do bacharelado constantemente são contratados(as) por espaços de formação
como museus e escolas, por fatores de precariedade no equipamento público como apontado
aqui anteriormente. Esta situação pode parecer distante da proposta de pesquisa exposta aqui,
porém a dificuldade de encontrar profissionais que abordem a questão étnico-racial e que não
têm formação em licenciatura foi um ponto evidente no momento de busca por sujeitos(as) de
pesquisa.
Outro ponto que merece ser refletido é que, mesmo que haja na Faculdade de
Educação núcleos e projetos que tenham a preocupação com a abordagem da questão étnico-
racial, estas propostas não se estendem a toda faculdade. E são, inclusive, pauta de discussões
dos(as) estudantes(as) que sentem dificuldade por terem pouco a quase nenhum contato com
uma temática tão complexa, principalmente ao se depararem com situações de racismo, por
exemplo, em estágios obrigatórios.
Não podemos deixar de apontar que a UFMG, da qual pertence à grade curricular
citada, há ainda um programa que vem sendo construído há alguns anos, juntamente com
professores(as) e estudantes pesquisadores(as), que procura valorizar e ampliar as discussões
sobre saberes tradicionais afro-brasileiras e indígenas, o Programa de Formação Transversal
em Saberes Tradicionais.
Ele foi criado em caráter experimental em 2014 e instituído formalmente em 2015.
Este programa encontra-se em diálogo e se inspira na proposta do Encontro de Saberes do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCTI) de Inclusão no Ensino Superior e na
Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB). Os cursos são oferecidos aos(às) graduandos(as)
de todos cursos da UFMG, podendo ser acessados como disciplinas eletivas.
Do ponto de vista de uma compreensão no seu sentido lato consideramos, portanto,
que abordar a temática das relações étnico-raciais no desenvolvimento da prática pedagógica
já carrega em si mesmo uma determinada ruptura artística, pois conforme podemos notar,
ainda hoje a expressão artística negra é tratada de maneira bastante incipiente na matriz
curricular desse curso. Contudo, no sentido mais stricto o ensino de arte da história e cultura
afro-brasileira e africana, conforme preconiza a Lei, é aqui interpretado verdadeiramente
como expressão de transgressão.
Nos cursos universitários voltados para a formação inicial de professores(as) de Arte,
encerram por reforçar, conforme discutido anteriormente, o não lugar de fala e de
34
representatividades positivas negras. Mas, no contexto de implementação da Lei nº.
10.639/03, bem como na interação ocorrida entre sujeitos(as) da EJA, os quais a maioria são
oriundos da população negra brasileira, como temas relacionados à história e cultura afro-
brasileira e africana são abordados na disciplina de Artes instigou a proposta de realização
desta pesquisa.
Desta forma, reforçamos que há uma ligação no que tange os estudos que contemplam
as relações étnico-raciais e a formação inicial em Arte, continuada e básica na modalidade
EJA, e a forma de se ensinar e aprender. A importância desta devida atenção permeia a
representatividade negra nos referenciais de artistas e obras, a forma de ensinar que é
colocada em sala de aula para os(as) sujeitos(as) que estão inseridos nela e o saber que o(a)
educadora(a) constrói em sua formação para que possa contribuir para o trabalho.
Assim, do ponto de vista de uma teorização educativa, Hooks (2017) e Freire (1978),
entre outros, defendem educação transformadora e transgressora que acontece neste âmbito,
pois estamos lidando com um conteúdo pouco valorizado, em um sistema de ensino cada vez
mais regido por uma lógica privatista, e com profissionais que precisam buscar, muitas vezes,
individualmente a própria formação se optarem por continuar seus estudos, para que sujeitos
excluídos da/na escola possam ter acesso a conteúdo de qualidade.
Há também a questão do acesso à arte, que passa pelas discussões de classe e
raça, ainda pouco abordada em debates da área, mesmo que seja perceptível quem é o público
que acessa este tipo de arte. Por exemplo, há cidades onde simplesmente não há espaços
expositivos. Assim como o público da EJA nos aponta, há outras formas de acessar a arte, e
uma delas é muitas vezes pela educação, daí a importância do engajamento a respeito dos
conteúdos e materiais disponibilizados para estes sujeitos(as).
Assim como nos fala Martins (2011), o aprendizado em arte não precisa acontecer
somente dentro da sala de aula, e para termos ciência disto é importante trazermos a
consciência de que tratamos de algo que faz parte de um mundo fora da escola, das vivências
e cotidiano de nossa sociedade. Desta forma fica mais fácil de entender que há um mundo
onde existe a diversidade, e que ela também aparece em diversos momentos na arte.
35
Imagem 04 - Adriana Santana da Silva, Lembrança, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
1.2 Educação Popular, Círculo de Cultura e EJA: um legado histórico
Partindo do pressuposto de entendimento stricto do ensino de arte como transgressão,
é importante situar que existe uma estreita relação direta histórica entre a educação popular, a
cultura e a arte. Essa afirmação se dá pela análise dos processos de como a educação popular
se deu no país, aos recursos buscados para a efetivação do ensino aos sujeitos que necessitam
deste formato de ensino e da arte não só como disciplina, mas como elemento que faz parte de
suas vidas.
Porém, é importante situar que socialmente é afirmada uma separação entre alta
cultura e baixa cultura, onde a arte não poderia aparecer com a mesma qualidade estética de
um artista que teve acesso a cursos e referenciais europeus, por exemplo. Reconhecer a
produção artística cultural popular não se trata de um discurso filantropo ou otimista, se
percebermos os diversos exemplos de obras que eram tidas, a princípio, como linguagem de
baixa cultura ou popular e que foram apropriadas por artistas e galerias, sendo
comercializadas como produtos de linguagem acadêmica e do ciclo de comércio da arte.
Essa situação diz muito a respeito do que temos como referenciais na formação inicial
e continuada de professores de Arte. Não se pode esquecer que os próprios educadores(as), ao
passarem pela academia, se veem diante de uma realidade que é forçadamente tida como
36
natural, e é aceita como o padrão universal erudito20
que posteriormente será cobrado de seus
educandos(as) independente e de suas origens culturais, periféricas, negras ou indígenas.
Diante disso, poderíamos nos indagar como e por que uma realidade externa foi
naturalizada até nos processos de aprendizagem, e sua desconstrução passou a ser vista como
desnecessária ou doutrinadora, mesmo que estejamos apenas reforçando ou exaltando as
culturas de origem dos próprios educandos(as). Como nos falam Brandão e Assumpção
(2009), o sentido da educação popular também está na busca pela recuperação de valores
culturais que fomentem a valorização social popular.
Se é verdade que por toda a parte existe uma espécie de invasão cultural de tipo
erudito/dominante sobre a cultura popular em uma sociedade regida pela
desigualdade e pela oposição entre classes sociais, então um projeto de superação da
desigualdade social, da injustiça, da marginalização e até mesmo da exclusão de
pessoas e de comunidades populares deveria possuir uma dimensão também cultural
(BRANDÃO, ASSUMPÇÃO, 2009, p. 67).
Podemos dar o exemplo, a esse respeito, da xilogravura. A xilogravura é hoje tida
como erudita e explorada como linguagem tradicional brasileira, e que muitas vezes
esquecemo-nos de referenciar sua produção nordestina, uma vez que há uma preferência em
destacar sua origem chinesa ou portuguesa.
Há uma história da xilogravura no Brasil com nomes de artistas importantes como
Gilvan Samico, Abraão Batista, Amaro Francisco, José Costa Leite, José Lourenço e J.
Borges, etc. Lembrar e referenciar estes nomes como parte da valorização artística brasileira,
contribui, por exemplo, para que possamos chegar a outros tantos artistas que não alcançaram
fama e notoriedade nacionais e internacionais nos espaços de arte, mas que podem e devem
ser mais acessíveis aos educadores(as) e educandos(as).
Segundo Brandão e Assumpção (2009), historicamente, a educação do ensino público
é tida como um dos princípios para a definição de educação popular.
Aqui, consideramos dois sentidos usuais para a educação popular. Primeiro,
enquanto processo geral de reconstrução do saber social necessário, como educação
da comunidade e, segundo, como trabalho político de luta pelas transformações sociais, como emancipação dos sujeitos, democratização e justiça social
(BRANDÃO, ASSUMPÇÃO, 2009, p. 13).
Partindo do reconhecimento desse legado artístico cultural é que consideramos, a
partir do processo de observação e levantamento realizados em campo de pesquisa, que o
trabalho voltado para a formação de professores atuantes da EJA, seja uma das várias
contribuições que podemos dar para a educação e cultura popular no Brasil. Atentamos
também que o uso das palavras povo e popular não estão aqui por mera formalidade, mas pelo
20 A discussão sobre o termo erudito é trazida aqui no sentido de suscitar um pensamento crítico. Entendemos que sua validação seja mais um resquício colonizador a respeito da hierarquia de saberes em nossa sociedade, o
qual tentamos desconstruir neste trabalho.
37
fato de, a todo tempo, estarmos tratando de um tema onde os sujeitos da EJA, assim como da
educação popular são os protagonistas que movem toda essa discussão. Por serem sujeitos que
justificam a razão histórica e social da abordagem das temáticas étnico-raciais nos conteúdos,
e pela dívida histórica que o país tem com os mesmos.
A construção de formas para o reconhecimento da importância deles no processo de
construção da sociedade necessitaria de se tornar um dos objetivos da educação, uma vez que
seu acesso se dá de maneira íntima e direta no cotidiano da sala de aula e com o(a)
educador(a), responsável por grande parte do processo de ensino/ aprendizagem dos
envolvidos(as).
Do ponto de vista individual, as formas sucessivas de uma educação de adultos tinham por objetivo a participação de sujeitos marginalizados em um processo de
“desmarginalização”. As teorias da marginalidade social estavam então em plena
voga. Sujeitos pedagogicamente defasados (sem escola, ou com insuficiência de
ensino escolar) e socialmente marginalizados (pobres, subempregados, desnutridos
e, consequentemente, postos “à margem” dos processos sociais de
“desenvolvimento” e “modernização”) seriam reintegrados a uma vida social ao
mesmo tempo digna e produtiva. (BRANDÃO, ASSUMPÇÃO, 2009, p. 23)
Nesse sentido, a proposta é pensar a educação popular como processo de ensino
construído no Brasil e que de alguma forma desenvolva um trabalho em consonância com a
educação pública e acessível à população. Processo esse que, como podemos observar, foi e
ainda é conquistado devido às lutas dos movimentos sociais que engajaram em prol de sua
existência.
Uma primeira experiência de educação com as classes populares (com essa
concepção), a que se deu sucessivamente o nome de educação de base, educação
libertadora e, mais tarde, educação popular, surgiu no Brasil no começo da década
de 1960, no interior de grupos e movimentos da sociedade civil, alguns deles
associados a setores de governos municipais, estaduais ou da federação. Surgiu
como um movimento de educadores, que trouxeram, para o seu âmbito de atuação
profissional e militante, teorias e práticas do que então se chamou cultura popular e se considerou como uma base simbólico-ideológica de processos políticos de
organização e mobilização de setores das classes populares para uma luta de classes
dirigida à transformação da ordem social, política, econômica e cultural vigente.
(BRANDÃO, ASSUMPÇÃO, 2009, p. 27)
Assim podemos atentar que a educação popular é também uma longa luta de
educadores, políticos, intelectuais e grupos organizados de nosso primeiro operariado, que vai
forçar o Estado a tomar a seu cargo uma educação laica, pública e, pelo menos em tese,
“universal”, estendida a todos (BRANDÃO, ASSUMPÇÃO, 2009, p. 15). Observamos então que,
pela origem e contexto histórico do surgimento da educação popular, sua existência e
adaptação através dos anos também se deram como uma resposta a demandas da sociedade a
respeito de uma busca por acesso a direitos básicos, dentre eles, a educação.
Uma das análises que pudemos realizar nesse estudo diz respeito à identificação
dos(as) educandos(as) participantes com os conteúdos relacionados com a arte e as relações
38
étnico-raciais em sala de aula. Quando indagada a respeito da identificação dos educandos(as)
com os conteúdos que tratam da temática étnico-racial, a professora Yêda Maria nos responde
com um exemplo de aproximação do conteúdo e ao mesmo tempo não identificação com o
que no geral, é apresentado apenas no processo de escolarização para estes sujeitos.
Em relação aos mais novos, aqueles que têm quatorze, quinze anos, do ensino
fundamental, ou dezoito, dezenove anos, do ensino médio estes sim, vêm com uma
quantidade grande de preconceito. Eu não sei de onde, porque são bem novos, não
é? Mas eles vêm sim com uma formação muito precária, uma informação muito
precária em relação aos assuntos. Quando o assunto é abordado eles vêm com
muitos preconceitos e preguiça mesmo de trabalhar o assunto. Mas com insistência,
vai insistindo, vai insistindo... Os alunos mais velhos, eles vão participando das
aulas, e então eles se sentem de certa forma um pouco excluídos quando a aula é
mais participativa, e aí acabam participando de uma maneira ou de outra. Mas nem
todos eu consigo vencer esse preconceito que vem com eles. Às vezes, abordando
alguns assuntos em relação a mulheres, eles têm o perfil “Bolsonaro21
” de ser.
[Mulheres] É um objeto para ser “comido”, muitos deles dizem isso inclusive. Os
mais novos, em relação aos indígenas é como se fosse um ser a parte da sociedade...
(Yêda Maria,)
Segundo a docente, é possível apontar a reprodução de diversos preconceitos
introjetados em nossa sociedade nas falas dos estudantes. Ela aponta, por exemplo, relações
de posicionamentos machistas, por parte deles, principalmente devido ao atual momento
político brasileiro.
No depoimento de Yêda aparecem também aspectos contraditórios nas falas dos
educandos, como por exemplo, a prática do racismo, e do machismo, frequentes em alguns
pontos, e também dos preconceitos referentes ao indígena e à mulher. Comportamentos esses,
desenvolvidos, em maior frequência, por sujeitos negros e periféricos, também vitimas dos
preconceitos frequentes na sociedade.
Quando se aprofunda sobre a educação das relações étnico-raciais, e em especial em
outras culturas como a indígena, percebe-se que de alguma forma há uma reprodução do
racismo trazido de uma vida extraescolar, e que com o contato com os conteúdos se mostra
mais evidente. Como a própria professora explica, a formação anterior já parece ter sido
precária em relação à discussão de temas, quando tratamos principalmente de adolescentes.
Em relação à Arte, as discussões não se relacionam com algo como decorar nomes de obras e
artistas, mas de uma ampliação das discussões e temáticas que tratam de temas diversos
através dos conteúdos e aulas, como ela própria busca trabalhar relacionando as culturas
trazidas pelos(as) educandos(as) aos conteúdos.
21 Jair Messias Bolsonaro é um militar da reserva, político e eleito presidente do Brasil em 2018. Para além de
sua carreira política, ficou popularmente conhecido por vídeos onde são expostas suas falas e atitudes misóginas, machistas, racistas e LGBTfóbicas e pelo discurso de ódio a favor de políticas que facilitem o armamento da
população.
39
A abordagem da diversidade cultural de maneira geral e em específico, a diversidade
étnico-racial, suscita a abertura ao diálogo e às discussões de temas em que educandos(as) e
educadores(as) possam aprofundar o estudo da relações étnico-raciais como algo inerente da
nossa sociedade e não apenas como uma apêndice a parte dos currículos e planos de aula com
pouquíssimas abordagens dentro do calendário escolar.
A abordagem da diversidade cultural na escola se realiza, portanto, a partir do
encontro de nossos valores simbólicos, sociais, econômicos, culturais e do outro, (criança, adolescente, jovem, adulto e idoso), o diferente. Por fazer parte de uma
construção sócio-histórica imersa na cultura, tratando-se especificamente da
diversidade étnico-racial, torna-se cada vez mais necessária a revisão de
determinados padrões éticos, estéticos e formativos. (SILVA. 2011, p. 14)
Mesmo que possamos perceber, como apontado pela professora, que haja questões
negativas em relação à receptividade de temas e discussões em sala de aula de Arte da EJA,
ao mesmo tempo, percebemos apontamentos que reforçam positivamente o trabalho do
ERER, revelando que apesar dos distanciamentos encontrados em relação à questão da mulher
e dos indígenas, a questão negra não é vista com total estranhamento como nos relata Yêda
Maria:
...e quando eles aparecem nus, então existem piadinhas de todos os tipos. Em relação aos negros mesmo, por que eles são, né? Então quando eu lido com arte
africana, para eles então é a parte mais tranquila, não fazem piadinha nem nada
porque é o meio em que eles vivem. Sobre a produção de arte do morro, é o grafite
do morro, então eles até se identificam mais, agora, quando é em relação à mulher, e
ao indígena, ou outro que não seja a arte deles específica, então aí temos mais
problemas. (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora ensino fundamental e
médio da EJA)
Os educandos percebem a identificação cultural mais próxima pelo que há de comum
em suas vidas. O hip-hop, por exemplo, cultura que agrupa o rap, o grafite, o free style22
e a
dança, se popularizou no Brasil após os anos 70/80, principalmente nas periferias e nos
centros urbanos. Surgiu nos EUA com o intuito de criar estratégias que valorizassem o negro
e respondessem ao sistema opressor racista com arte. Atualmente, as ações que mais
aproximam a juventude são conteúdos nas aulas de Arte vinculados ao rap e ao grafite.
Em diversos momentos, durante a observação, pude presenciar a professora Yêda
Maria estabelecendo um diálogo muito interessado com seus educandos adolescentes e jovens
22
Freestyle é um estilo de compor músicas através de rimas improvisadas. MC é um acrônimo de Mestre de
Cerimônias, que se pronuncia "eme ci". Um MC pode ser um artista que atua no âmbito musical ou pode ser
o apresentador de um determinado evento que não está necessariamente ligado a uma manifestação musical. As
primeiras aparições de Mc’s foram na Jamaica, na década de 60, onde em festas (muitas vezes em salões de
dança), homens usavam o microfone para animar o público. Já nos anos 70, nos Estados Unidos, o MC aparece
nas funções conhecidas de hoje em dia, apareceu no âmbito do Hip Hop, onde trazia animação para as festas. O
MC interage com o público, criando um ambiente mais envolvente e também compõem e cantam o seu próprio
material. No Brasil, os MCs ganharam popularidade depois dos anos 80, com as batalhas de rima que
começaram em São Paulo de depois se popularizaram pelos outros estados do país. (FELIZARDO JUNIOR, 2017)
40
a respeito de alguma temática ligada a esse universo cultural. Porém, o mais importante aqui é
perceber que conteúdos como Português, Literatura, Arte e História, são ressaltados no meio
do hip-hop e cobrados pelos juris e lideranças e mais velhos como uma obrigação de quem
quer estar nas competições, seja de rima, dança ou grafite. As questões estéticas estão
imbrincadas com um movimento político e cultural que se constrói a partir da legitimação de
suas referências, sobrepondo ao que lhe é oferecido pelo sistema como padrão.
O desenvolvimento de projetos educativos que visem trabalhar as relações raciais na
escola nos desafia a reinterpretar os saberes e valores sociais e culturais que foram
sócio-histórico e culturalmente aprendidos. Os estudos realizados na área revelam
que as principais dificuldades na realização do trabalho da diversidade étnico-racial referem-se à existência do mito da democracia racial, à insuficiente formação
acadêmica docente e, ainda, à indiferença por parte dos gestores e das políticas
educacionais em abordar o tema. (SILVA, 2011, p.18)
Mesmo que nossa atenção esteja voltada para as artes visuais, como proposta de
recorte desta dissertação, não podemos deixar de observar que há uma interdisciplinaridade
com outras expressões artísticas, inclusive das que não são ainda legitimadas no meio
acadêmico, como o hip-hop. Essas linguagens artísticas, portanto, no contexto de
escolarização da EJA, necessitariam ser integralizadas ao cotidiano da sala de aula,
principalmente quando tratamos de abrir as possibilidades de conversa e de expressões
culturais trazidas pelos educandos(as)23
.
A esse respeito, por exemplo, através de uma conversa inicial com educandos(as)
sobre as expressões culturais locais que podem ser mais comuns em suas vivências e histórias,
são relatadas pelos jovens e adolescentes, a respeito dos grafites de Belo Horizonte e região
metropolitana, do Duelo de Mc’s24
, e o Quarteirão do Soul25
. Já pelos mais velhos, são
relatadas expressões como o Congado, Reinado, e outros costumes e festividades tradicionais
e importantes na nossa região.
Lembrando que, assim como apontado pela professora Yêda Maria, é comum
encontrar na cidade de Belo Horizonte uma diversidade cultural nas turmas de EJA que vão
além do estado de Minas Gerais, o que é bastante benéfico para a abordagem da diversidade
cultural e artística na abordagem das relações étnico-raciais.
23 É importante contextualizar as singularidades sociopolíticas e culturais das juventudes presentes na EJA para
não incorrer no risco de uma generalização sociocultural desta categoria sociológica. 24 Duelo de MCs é uma das principais batalhas de freestyle rap do Brasil. Acontecem geralmente no Viaduto
Santa Tereza em Belo Horizonte, Minas Gerais. O evento foi criado em 2007, pelo coletivo Família de Rua.
Realizada frequentemente, em Novembro ocorre o Duelo de MCs Nacional, uma competição que reúne os
melhores MCs de cada estado e os convocam para a competição, a premiação é de R$10.000 e uma gravação de
EP. 25 O Quarteirão do Soul surgiu nos anos 70 em Belo Horizonte, trata-se de um movimento de pessoas mais velhas (40 a 70 anos), advindas de diversas partes da cidade, que se reúnem aos sábados em quarteirões fechados
do Centro da cidade para dançar black music.
41
Este tipo de consciência por parte dos educadores(as), mostra que é possível dialogar
com outros tipos de arte, revelando que as aproximações e diferenças agregam no
aprofundamento teórico e prático no cotidiano da sala de aula.
Sob a perspectiva da diversidade cultural como princípio educativo interessa-nos
ater quais são os valores sociais e culturais que engendram o currículo formal da
educação escolar. Afinal, é função da escola, por meio da prática educativa,
transmitir as várias contribuições sociais, econômicas e culturais dos diferentes
grupos étnico-raciais que compõem nossa sociedade.
(SILVA, 2011, p. 17)
Quando tratamos da escolarização, educação e construção de conhecimento de pessoas
jovens, adultas e idosas que compõem maior parte da nossa população, e que acessam formas
de saberes e culturas diversas em suas vivências a todo tempo, percebemos também que o
caminho para a educação emancipadora faz muito mais sentido a partir de suas questões do
que apenas situada pelo conteúdo de livros didáticos. (Paulo Freire) escuta e diálogo – O autor
ajudaria a sustentar o que diz.
Observar, dialogar, explorar as temáticas trazidas pelos educandos(as) conforme
sugerido em uma concepção de educação popular e em certa medida pela professora
participante, nos mostra que o caminho para a implementação da temática das relações étnico-
raciais é possível. Não obstante, é preciso distinguir a dimensão formal de escolarização
adotada por órgãos públicos da dimensão prática existente em processos educativos
concretizados no cotidiano escolar. Essa distinção, nos mostra a força da história da formação
de nossa população em relação as suas origens e tradições.
Arte popular... Educação popular... Cultura popular... Conceitos que se
apresentavam como contrários a uma “arte para trabalhadores”. Ideias que se
propunham em uma direção diferente do simples aproveitamento do “folclore”, seja para “elevar o nível cultural do povo”, seja para “valorizar a cultura”, negando a
possibilidade que dela emergissem valores críticos e ativos de um trabalho de classe.
Assim, enquanto em alguns programas tradicionais de “informação cultural” ou de
educação de adultos, o teatro, a música e o cinema eram meios para transferir aos
setores populares conhecimentos eruditos da lógica dominante, nos movimentos de
educação popular, emergentes nos anos de 1970, a arte popular era concebida como
recurso pedagógico para efetuar uma comunicação biunívoca de efeito
conscientizador. Esta comunicação buscava partir dos valores das artes e culturas de
grupos e comunidades populares e utilizá-los como elementos próprios de reflexão
coletiva sobre as condições de vida e o significado dos símbolos do povo. Buscava
também levar aos setores populares uma arte erudita que geralmente lhes era negada,
acompanhada de situações de reflexão coletiva que devolviam ao pensamento do povo um sentido humano e crítico, que os movimentos de cultura popular
reconheciam terem sido perdidos ao traduzir-se em “cultura de massas”. Buscava,
enfim criar junto com os participantes dos projetos, uma arte que refletisse, a partir
da associação dos valores do povo com o aporte do trabalho dos educadores, um
modo novo de compreender o mundo e de saber vivê-lo. (BRANDÃO,
ASSUMPÇÃO, 2009, p. 51)
A respeito desta reflexão, podemos considerar que a busca por uma educação que seja
abrangente, e que possa não só ressaltar os aspectos culturais locais de um povo é a mesma
42
que também luta contra uma educação que traga apenas o conhecimento legitimado como
universal. A proposta de uma educação que traga a discussão das relações étnico-raciais nos
conteúdos, materiais e discussões não é no sentido de tornar a escola menos abrangente, mas
de mostrar que todo conhecimento pode ser relacionado a outros, e que assim talvez muita
coisa passe a fazer realmente sentido para quem mais interessa: educandos(as) e
educadores(as). Assim como buscava a proposta de Freire (1978), e também ao que busca
propor os movimentos de cultura e educação popular no Brasil.
1.3 EJA e o Ensino de Arte: dilemas contemporâneos
Como pode ser observado, a formação inicial de professores de Arte surge como uma
questão a ser problematizada ao colocarmos a questão da abordagem das temáticas étnico-
raciais na escola. No sentido lato mesmo que encontremos referências que pesquisem o
ensino de Arte como algo transgressor por si só, não podemos deixar de analisar que faltam
alguns recortes quando tratamos do tema.
A classe artística, tida majoritariamente como privilegiada em relação à grande parte
da população brasileira em relação ao acesso a arte, nos coloca em confronto com uma
discussão que passa despercebida por ser incômoda, mas que não pode deixar de ser dita.
Em um país onde ainda não é um hábito por parte da população no seu cotidiano
frequentar museus, galerias, teatros e óperas, esse aspecto cultural é revelador de determinado
recorte de classe e de raça. É possível, nesse sentido, entender porque há um estranhamento
em relação a muitos dos conteúdos trazidos para a sala de aula. Este recorte, também precisa
ser feito ao analisarmos quem são a classe e a raça que optam pela formação de licenciatura
em Arte, visto que as outras habilitações são comumente áreas que têm empregabilidade
baixa, obrigando o bacharel a ser autônomo ou amparado pelo mercado de arte, o que também
é um privilégio de poucos artistas.
No corpus deste estudo, trata-se de entender uma perspectiva da arte transgressora
capaz de valorizar as experiências populares em seus aspectos políticos e culturais.
Transgredir, é cada vez mais a capacidade de problematizar a retirada de direitos sociais
básicos por parte da população, sobretudo negra.
Como nos aponta Brandão e Assumpção (2009), o que é popular tem que ser tratado
não como algo inferior, mas lembrar que muito o que hoje é erudito veio do que originalmente
era popular. A arte advinda do negro e do indígena, nos cursos de graduação, portanto,
43
deveriam ser algo básico, dentro dos tantos conhecimentos europeus que são obrigados a
serem decorados.
No círculo artístico, a esse respeito, é inadmissível não saber o nome de um artista
francês, porém não conseguimos sequer pronunciar as produções artísticas africanas e
indígenas. Essas expressões artísticas da forma que estão legitimadas no espaço acadêmico,
por exemplo, ganham pouco ou nenhum destaque em detrimento dos padrões produzidos
culturalmente como universais. A esse respeito, é interessante observar o tempo de formação
inicial da carreira docente. A dificuldade de formação da professora Yêda Maria já há 25 anos
pode ser considerada maior em relação às novas gerações de professores de Arte.
Programas e disciplinas que tratam da temática das relações étnico-raciais, no âmbito
da escolarização, inclusive da EJA, foram impulsionados em consequência da Lei n°.
10.639/2003, como uma das propostas de adequação solicitadas pelo MEC. Ao longo dos
anos, pesquisas têm sido realizadas que buscam verificar o nível do processo de
implementação dessa política de ação afirmativa (GOMES, 2012).
Ao tomarmos contato com a prática da docente constatamos que a realização do
trabalho com práticas pedagógicas voltadas para a ERER se dá pela própria necessidade do
educador(a) que ao perceber os problemas da falta de abordagem nessas questões, parte em
busca do conhecimento em disciplinas e cursos específicos. Esse quadro local tem sido
respaldado por dados obtidos na pesquisa em âmbito nacional supracitada.
Nesse caso, no sentido stricto, constatamos que é na prática que muitos
educadores(as) atentam-se para o fato da falta de discussões que tratem da temática racial.
Portanto, há um grande dilema no que diz respeito à formação continuada de professores de
Arte, assim como também nos apontou Yêda Maria, em relação ao tempo para continuar os
estudos e da dificuldade em conciliar o excesso de trabalho para manter um salário digno.
Sem desconsiderar que é, muitas vezes, na própria sala de aula que o professor(a) de
Arte terá de lidar com as especificidades de se trabalhar com a EJA, modalidade de ensino
distinta da educação “regular”, que é mais comumente encontrada como campo para estágios
e pesquisas. Portanto, realizar estratégias de ensino de Arte voltada para o trabalho com a
ERER nessa modalidade de ensino pode ser apontado como fazendo parte dos desafios
contemporâneos para gestores, educadores(as) e políticas educacionais como um todo.
Contanto, um caminho apontado a partir da realização desta pesquisa é entender as dimensões
lato e stricto e sua relação com a expressão da arte.
44
Em decorrência dessa compressão mais ampliada é considerada profícua a
interlocução com o legado da educação e cultura popular no Brasil e o ensino de Arte. As
questões, raciais, de classe, culturais e educacionais já estão presentes nas vivências tanto
dos(as) educandos(as) quanto dos(as) educadores(as), sendo que muitas vezes elas podem ser
ou não percebidas. Ou até mesmo, apenas silenciadas por eles(as) mesmos.
A construção de conhecimento realizado se dá por meio da interação discente e
docente. No caso desse último, ele é o sujeito responsável pela ponte mais direta no cotidiano
da sala de aula. No que concerne à perspectiva da Educação das Relações Étnico-Raciais, EJA
e Ensino de Arte, nos últimos anos, foi construído todo um marco jurídico normativo que
subsidia o trabalho deste profissional.
No próximo capítulo, serão discutidas as políticas de promoção de igualdade racial no
âmbito da educação, bem como os subsídios da legislação brasileira, até então ainda vigente,
para formação de professores de Arte.
Imagem 06 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
45
CAPÍTULO 2 - A atuação docente com o Ensino/aprendizagem de Arte na EJA
Primeiro dia de observação na Escola Municipal Arthur Bispo do Rosário, que se
situa em um prédio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte onde existem outros
tipos de departamentos que oferecem serviços relacionados à Secretaria de Educação
da cidade. O acesso até à escola passa pelo trajeto de um elevador. A recepção
possui uma grade e um porteiro faz a recepção, permitindo o acesso a um grande corredor onde estão as salas de aula e a dos professores. A escola é bem estruturada,
as salas de aula bem arejadas, com uma janela grande e ventiladores. Possuem
carteiras comuns e carteiras almofadadas com braço de apoio. Como já havia feito o
contato previamente sobre o período de observação, me encaminham para a sala
onde acontece a aula de Arte, com professora Yêda. Ela me recebe, já cheia de
afazeres, me apresentando rapidamente como “estagiária”. Cumprimento a turma e
me sento ao fundo, tentando ser discreta.
Percebo uma turma cheia e uma quantidade bem maior de jovens do que de adultos
e idosos, homens em maior quantidade do que mulheres. No total são quatro. Um
dos educandos não prestou atenção na apresentação feita pela professora e me
percebe ao seu lado. “Você é aluna nova?” A professora Yêda está avaliando uma atividade nos cadernos. Pede concentração
aos educandos(as). Uma delas, uma mulher idosa, negra de pele retinta, aparentando
aproximadamente setenta anos e com alguma deficiência na perna direita, se retira
do local. Preferiu ir para outra turma, pois segundo ela, não estava sendo respeitada
pelos outros colegas de turma. No período de mudança de horário, a professora
Yêda nos direciona para outra sala e tenta, no caminho, me explicar sobre o
funcionamento da troca de salas. Relata que o tempo é pouco e o trabalho muito. Eu
entendo. Digo que vou apenas observar, tentando não atrapalhar. Entramos na
próxima sala, onde a maioria dos alunos é adulta. A educanda idosa, que saiu da
outra sala, se encontra aqui Pergunto a ela se posso me sentar ao seu lado, ela diz
que sim. Durante a aula, alguém direciona uma lista de interessados(as) para uma
excursão que aconteceria. A educanda idosa segue em silêncio, que interrompe, de vez em quando, com comentários inaudíveis. Ela se mostra preocupada com minha
presença e solicita à professora que inclua meu nome na chamada. Explico que não
era necessário, pois eu era apenas “estagiária”. Ela então disse: “- Parabéns! Já saiu
da escola, não perdeu tempo brincando, faltando com respeito como esses daí. (se
referia aos colegas jovens). Eles perguntam porque estou aqui, eu digo, porque é
minha vez!” (Diário de Campo, 24 de abril de 2018)
2.1 - Percepções obtidas a partir da observação e diálogos do trabalho do
ensino/aprendizagem de Arte na EJA
Acompanhar o cotidiano das salas de aula nas quais Yêda Maria trabalha com o
ensino/aprendizagem de Arte na EJA foi um dos aspectos importantes para que a realização
desta pesquisa. Segundo Vianna (2007), a observação é um recurso importante para a
pesquisa qualitativa, no qual é possível identificar dados que poderão ser analisados com mais
profundidade para a pesquisa. Este foi um dos procedimentos realizados no sentido de levar
em consideração os sentidos e significados dos quais os(as) próprios(as) sujeitos(as) atribuem
à realidade a qual estão submetidos(as), levando-se em consideração a interação professora -
educandos(as) em seu cotidiano.
Nesse sentido, as primeiras percepções no processo de observação no campo
contribuíram para perceber que:
46
Ainda sou vista como educanda. Não sou um corpo totalmente estranho nas turmas
da EJA. Em muitas aulas, educandos(as) que não me conhecem ainda por chegarem
após minha apresentação, faltosos ou novatos, me veem como mais uma educanda
da turma. Mulher negra, aparentemente jovem, trajes comuns, comportamento
resignado em sala. Eles me passam a lista de chamada mais uma vez (Diário de
Campo, 15 de Maio de 2018)
A rotina de observação realizada durante quatro meses, de Abril a Julho de 2018 na
Escola Municipal Arthur Bispo do Rosário, foi o momento de maior aproximação da rotina da
professora Yêda Maria, escolhida como sujeita participante do processo e de seus(suas)
educandos(as) da EJA.
Os níveis de ensino observados foram duas turmas do nono ano do ensino
fundamental, e uma do primeiro ano do ensino médio. O número de educandos(as) variava
bastante, mas mantinha uma média de vinte pessoas nas turmas do primeiro horário, já a do
terceiro horário estava constantemente mais esvaziada.
A rotina de trabalhos desta escola é bastante diferenciada em relação a outras escolas
que conheci durante os estágios no curso de licenciatura e locais de atuação profissional de
trabalho. Inferimos que esta situação se justifica devido às especificidades de trabalho da
escola, onde acontecem muitos projetos interdisciplinares da prefeitura da cidade para os(as)
estudantes. São projetos que variam desde campanhas para o incentivo da leitura até palestras
de temas variados como mercado de trabalho, planejamento familiar, entre outros.
Segundo registros consultados, a forma como a escola encontrou de ofertar a
modalidade EJA com qualidade para os(as) professores(as) e educandos(as) tem algumas
especificidades que variam entre acordos entre gestão, escola e regimentos da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte26
.
Por exemplo, o tempo de trabalho é uma das regras que se repete em outras escolas da
cidade. Hoje, a divisão se dá entre 21 horas semanais, sendo um dia da semana para
cumprimento de módulo dos(as) docentes. Nessa escola, a sexta-feira é um dia reservado para
formação continuada de professores(as), onde podem acontecer atividades como reuniões,
cursos e planejamento escolar. Esta especificidade resulta em uma semana de quatro dias de
aula, que acontecem de segunda a quinta-feira.
Outro aspecto observado, é que as aulas da Yêda acontecem sempre nas salas de aula.
Com isso, não há uma sala de arte para aulas práticas. Ao trabalhar em aulas que utilizam
26De acordo com a Lei n°7235 de 27 de dezembro de 1996
Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/mg/b/belo-horizonte/lei-ordinaria/1996/723/7235/lei-ordinaria-
n-7235-1996-dispoe-sobre-o-quadro-especial-da-secretaria-municipal-de-educacao-institui-o-plano-de-carreira-dos-servidores-da-educacao-da-prefeitura-municipal-de-belo-horizonte-estabelece-a-respectiva-tabela-de-
vencimentos-e-da-outras-providencias> Acessado em: 12 de janeiro de 2019.
47
vídeos e imagens, são disponibilizados equipamentos, que devem ser reservados previamente
para que o processo seja realizado em sala.
Devido a esta realidade, as aulas de Arte para EJA foram predominantemente teóricas.
Quando tratamos da importância do ensino/aprendizagem de Arte, esbarramos em alguns
problemas em relação ao que vemos nas teorias e com as realidades ocorridas nesse espaço.
Constatamos que tratar do conteúdo obrigatório e da qualidade do ensino em 50 minutos de
aula semanais para cada turma é um desafio para os educadores(as) da área.
A realidade de Yêda Maria diante de sua preocupação com o trabalho, pesquisa,
desenvolvimento de materiais didáticos para EJA é um exemplo disso. A profissional se vê
em verdadeiros dilemas sobre o que gostaria de fazer, incluindo aulas práticas em espaços
próprios, mas ao invés disto a demanda escolar a leva para outros caminhos nos quais precisa
priorizar o que é realizável.
A estrutura de organização de professores é diferente em relação ao ensino
considerado “regular”. Nas considerações da própria docente, ela considera a organização da
escola como sendo bastante complexa.
Nessa daqui são dois anos para o Fundamental e dois anos para o Médio. O início do
Fundamental e o final do Fundamental, e o início do Médio e final do Médio. Sendo
que no turno da noite, o perfil de alunos é muito maior, até porque são 18 turmas.
Então, tem uma turma específica para Enem. Então alguns alunos que querem fazer
ENEM, que querem uma aula mais “puxada”, que têm tempo para estudar, vão para
uma turma específica. É um projeto, não é uma turma na grade. Então esses alunos saem e vão para uma outra sala, seu nome de chamada continua oficialmente na
outra turma, mas ele vai frequentar a aula em uma turma específica, mais “puxada”
porque eles querem fazer o ENEM. Eles não querem só passar, eles querem estudar,
eles não querem ficar no ritmo dos outros que estão precisando apenas do diploma
do Ensino Médio (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e
fundamental na EJA).
As especificidades também aparecem em relação a outras necessidades dos
educandos(as) com maiores dificuldades no processo de aprendizagem. Mesmo que a
alfabetização não seja formalmente uma obrigação de licenciados(as) para atuação com os
anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, nota-se que esta é uma especificidade
que os profissionais que atuam na EJA têm que se atentar.
De tarde, ao contrário, como muitos ali estão na turma de alfabetização. Eu tenho 21
alunos na turma de alfabetização. Alguns ainda estão no nível da garatuja, outros já
conseguem ler, mas não conseguem ler e criar. Leem, mas não conseguem
interpretar muito bem o texto. (...) então, é também um agrupamento especial. O nome oficial está em outra turma. Projetos são feitos para eles se encaixarem em
outra turma diferente, para que eles consigam ler e escrever, porque dá muita dó!
Alguém matriculado no ensino médio, porque alguma escola doida por aí, deixou
esse menino passar e parar lá no ensino médio (Yêda Maria, autodeclarada branca,
professora do ensino médio e fundamental na EJA).
48
A percepção mais nítida sobre a organização das turmas e da programação de aula foi
a respeito da atenção da professora sobre as necessidades dos educandos(as) que, mesmo com
as separações, ainda saltam aos olhos durante as aulas. Essa realidade do educador(a) da EJA
pode passar despercebida ao tratarmos de temas padrões que “acolhem” aparentemente turmas
inteiras, apesar das diferenças. Por mais democráticos que sejamos em relação aos materiais
didáticos e conteúdos, trata-se de uma tarefa complexa elaborar materiais e conteúdos para
turmas com diferenças que vão além da questão geracional e que alcançam os limites e as
tensões a respeito da aprendizagem da EJA e as preocupações a respeito do direito a educação
acessado por seus educandos(as). Porém, há uma cautela sobre o que deve significar a EJA
para eles, no sentido de existir uma demanda de aprendizagem e não somente de uma
certificação.
Então, nós tiramos ele [estudante] de lá, quer dizer, tira entre aspas, e aí eu sento do
lado, e a gente vai tentar fazer com que ele aprenda a ler e escrever, senão mais uma
vez ele vai receber um papel por horas que ele ficou lá matriculado, mas vai sair sem
ler e escrever e aí é uma consciência que dói, e aí a gente tenta né? Então, às vezes o
aluno chega aos anos finais do Ensino Fundamental, e a gente passa para o Ensino
Médio no meio do ano, por que ele dá conta, porque ele tem um raciocínio bom,
porque tem uma base de vida que ajudou também. Então, ao mesmo tempo em que, nós passamos alguns para trás entre aspas, para que ele aprenda alguma coisa,
alguns também a gente pula, vai para frente. Então é uma divisão flutuante. (Yêda
Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
As especificidades envolvidas na organização da escola se configuram como um dos
aspectos mais difíceis que os(as) educadores(as) enfrentam ao atuarem na modalidade EJA. A
Escola Estadual Arthur Bispo do Rosário, com toda a sua estrutura diferenciada em relação às
demais, a saber: realização de projetos, organização burocrática da gestão, biblioteca
municipal, entre outros, consegue manter o funcionamento do ensino.
Na maioria das escolas de Belo Horizonte existe isso, essas divisões de Ensino
Fundamental e Médio. Existe nessa escola também, porque ela é específica de tarde
e noite, e acho que é essa é a única da cidade de Belo Horizonte, se não me falhe a
memória é a única de Minas. É porque o município agora é responsável só pelo
Ensino Fundamental, Ensino Médio ele é do Estado. Ela é uma espécie de anomalia,
mas se isso não existe também onde essas pessoas vão estudar? É só lá, é por isso
que o turno da noite, por exemplo, é muito cheio (Yêda Maria, autodeclarada branca,
professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Porém, em relação ao ensino de Arte, a estrutura disponibilizada para as aulas se
encontra, aparentemente, em segundo plano, tendo em vista as adaptações que precisam ser
feitas para que as aulas se realizem. Fato esse que não é exclusivo dessa escola em
comparação a outras instituições de ensino.
Paralelamente, o atendimento a necessidades específicas, como as relacionadas à
biblioteca da escola, por exemplo, tem atenção especial, ora por influência de projetos
49
realizados pela prefeitura, ora por incentivo dos próprios professores(as). Talvez a biblioteca
seja o espaço mais bem estruturado na escola, segundo Yêda Maria e a nossa observação.
A leitura e o acesso a títulos com diversidade de temáticas, em especial africanas e
afro-brasileiras, são aspectos que recebem atenção e dedicação do corpo docente e da gestão
escolar. A iniciativa, que começou com um projeto desenvolvido pela prefeitura, incentivado
pela implementação da Lei nº. 10.639/2003, passou a ser incorporada a escola pelos
educadores(as) e gestores(as).
Não, até o ano retrasado nós tínhamos sim, um projeto sobretudo para as questões
africanas né? Literatura específica africana, tanto que na nossa biblioteca temos uma
parte grande de livros específicos da cultura africana, lendas, personagens
específicos africanos. A gente tentou fazer, até porque era um projeto da prefeitura
de Belo Horizonte não era só da nossa escola. Inclusive escolas de ensino regular
tem uma parte grande de livros que foram doados aos alunos específicos de cultura
africana. Infelizmente, acho que isso acabou, porque não chegou mais. Então, esse
ano não chegou nenhum kit literário, inclusive. Não sei nem se vai chegar, a
promessa é que chegue, um dia quem sabe, mas esse ano nenhum kit literário. (Yêda
Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
A prática de equipar a escola e a biblioteca com materiais que auxiliem o(a)
professor(a) nas práticas pedagógicas em sala de aula não é uma preocupação exclusiva de
Yêda Maria como professora de Arte. A mobilização para a continuidade dos projetos e o
interesse pela questão étnico-racial são da equipe, o que pode ser um fator positivo em relação
à forma como a escola se posiciona em relação à realização de projetos da biblioteca, de
palestras, de passeios e de como configura sua estrutura organizacional.
Ao longo dos últimos anos a prefeitura tinha esse projeto em relação à cultura
africana e nós recebemos esses livros. Nós fizemos alguns projetos para aproveitar
os livros recebidos. Poucos que existem relacionados à arte indígena, foram
comprados por iniciativa da escola. (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Pela observação feita no processo de trabalho da professora Yêda, pudemos perceber
que as suas aulas se baseiam, principalmente, em conteúdos associados ao uso de imagens e
vídeos selecionados por ela para os(as) educandos(as). A respeito dessa prática, observamos
que não se trata de uma solução fácil para a concretização do que é planejado.
Hoje a aula terá a exibição de imagens e vídeos. Quando chego ao local,, Yêda já está na sala ligando os equipamentos. A sala está escura, mas posso perceber que
está mais cheia que o habitual. Depois percebo que são duas ou mais turmas que
estão reunidas para assistirem juntas a esta aula. Parece um pouco tumultuado no
início, mas depois percebo que são apenas interrupções de dúvidas dos(das)
educandos(as). Após o término desta aula continuo acompanhando ela na
desmontagem do equipamento. Trata-se de um carrinho onde ficam vários
equipamentos de uso de audiovisual acoplados a ele: retroprojetor, extensão,
computador, caixas de som e mais algum aparelho que talvez eu não tenha
50
percebido. Ela aceita minha ajuda para desligá-los e, ao final, levamos o
equipamento, de elevador, até o segundo andar para guardar no seu devido local. Ao
chegarmos, uma funcionária avisa que ela deve voltar com o carrinho para o andar
onde estava, pois haverá uma palestra e irão precisar dele. Voltamos pelo mesmo
caminho até o quinto andar, deixando o carrinho próximo ao local onde acontecerá a
palestra. (Diário de Campo, 29 de maio de 2018).
A observação de todo esse processo possibilitou entender que as complexidades
envolvidas na organização das aulas se tornam outra etapa que a docente enfrenta para que
tudo aconteça. Outro fator que interfere no cotidiano do ensino/aprendizagem de Arte diz
respeito à organização de trabalho, de outros componentes curriculares do turno, realizado por
outros(as) docentes. Ou seja, na maioria das vezes é necessário lecionar para duas turmas ao
mesmo tempo, reduzindo ainda mais o pouco tempo de trabalho, em função dos
deslocamentos e da organização do material audiovisual.
O acompanhamento na Escola Estadual Arthur Bispo do Rosário foi realizado até
junho de 2018. Sua interrupção se deu pela alteração do conteúdo lecionado pela professora
Yêda Maria. Ao chegar à escola no dia 05 de junho de 2018, a professora informou que a
partir daquele dia teria que assumir as turmas de alfabetização.
Ao procurarmos o coordenador do turno da escola, para tentar entender a situação,
fomos informados por ele que aquele tipo de alteração poderia ser feita para que o trabalho
continuasse. Como outro professor das turmas de alfabetização havia se aposentado, houve
uma reorganização geral do turno.
Ao perguntar mais sobre o ocorrido, o coordenador disse que a organização das
disciplinas se dá por blocos de áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da
Natureza e Ciências Humanas. Assim, caso haja alguma necessidade da instituição, os(as)
professores(as) podem ser remanejados para assumir outra função em sua área de atuação.
Já Yêda Maria, profissional formada para lecionar Arte, foi substituída por um
professor de História, que assumiu as suas aulas. Ao percebermos que as perguntas poderiam
estar criando um clima de interrogatório desconfortável, por razões éticas, foram
interrompidas.
A professora Yêda Maria, gentilmente, sugeriu que, se fosse nossa opção, poderíamos
acompanhar o trabalho de seu colega. Descartamos essa possibilidade, avaliando que
distanciaríamos do tema de pesquisa proposto. A partir dessa situação ficou claro que o
ambiente escolar, de maneira geral e da EJA em específico, mesmo para os professores(as) e
gestores(as), ainda é um campo de tensões e situações delicadas.
Lidar com esses espaços requer mais do que documentos norteadores que, em tese,
poderiam garantir que estejam em pleno funcionamento. Ou seja, é preciso disposição para
51
lidar com os problemas da gestão escolar como um todo. Isso de fato não consta nos cursos de
formação inicial e/ou continuada para professores(as), sendo aprendizados construídos no
cotidiano da atuação docente.
2.2 - O ensino/aprendizagem de arte e o uso e a produção de materiais didáticos para as
relações étnico-raciais
A análise de materiais didáticos para o ensino/aprendizagem de Arte se trata de um
campo importante para o aprofundamento da construção e dos usos feitos por profissionais no
cotidiano da sala de aula. Entender que cada professor(a) se encontra em um campo de
trabalho com especificidades únicas é um dos elementos que colaboram com melhorias e
apontamentos sobre a construção e uso dos materiais didáticos. Podemos encontrar nos
trabalhos de Anjos(2016) e Loyola (2016), análises sobre o uso e construção de materiais
didáticos em uma concepção que prevê o(a) educador(a) como sujeito(a) principal que irá
avaliar e decidir quais são as materialidades, temáticas e demandas necessárias para a
realização de suas propostas. Partimos destas referências ao fazer a análise dos materiais e
ferramentas utilizadas pela professora no campo desta pesquisa.
A organização de materiais didáticos para o ensino de Arte é uma tarefa que pode
variar muito de acordo com a abordagem realizada pelo educador(a). Loyola (2016, p.16)
reflete que “além de instrumentos ou objetos, são ideias, proposições e ações que objetivam
estimular no aluno a criação e a construção de conhecimentos em Arte”.
Os materiais utilizados pela professora observada variam entre livros didáticos,
disponibilizados pelo governo, imagens e vídeos resultados de suas pesquisas. Yêda Maria
relatou que o acesso a conteúdos com a temática étnico-racial, são frutos de suas buscas
pessoais tanto da realização de projetos da E. M. Arthur Bispo do Rosário, quanto de cursos
buscados na sua trajetória profissional.
Na EJA, que eu estou agora, qualquer material que eu precise eles arrumam. Então,
se eu preciso de um livro, eles compram. Na maioria das vezes eu mesma já tenho
os livros. Ao longo dos anos dando aula, eu já fui comprando meus livros e fazendo
a minha própria biblioteca particular, porque independentemente de onde estivesse
trabalhando estes livros estariam comigo. Então, preferi eu mesma comprar. Então
eu já tenho uma biblioteca razoável e todo ano eu tento comprar mais alguns. A cada
ano eu compro alguma publicação que parece mais interessante, mais atualizada, eu
compro (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
52
A organização e concepção de materiais didáticos por professores(as) de Arte são
etapas importantes do trabalho de ensino/aprendizagem, uma vez que entendemos que se trata
de um trabalho específico, que depende das condições e demandas encontradas por cada
profissional. A consciência de que o trabalho do(a) professor(a) perpassa a todo tempo por
pesquisas para a construção de propostas e materiais didáticos colabora para que não haja o
que Anjos(2016) chama de penumbra. Este termo se refere a situações onde a falta de
conhecimento por parte de outros setores da instituição (gestores(as) por exemplo) afeta o
processo de trabalho do(a) docente, interferindo, por exemplo, na construção de ferramentas
metodológicas e materiais didáticos necessários em seu campo de trabalho.
As dinâmicas de suas aulas perpassam pelo uso do livro mediado por discussões e
utilização dos recursos de vídeo e imagem para complementação das temáticas abordadas.
Desta forma, chamou atenção o modo de organização encontrada pela professora para que
esta dinâmica funcionasse entre as trocas de horários e de salas a cada 50 minutos. Porém,
apesar de sua vontade e disponibilidade de abordar de maneira mais aprofundada o conteúdo,
há uma limitação em consideração o tempo. Cada turma, normalmente tem 50 minutos de
aula de Arte por semana. As faltas ou alterações do fluxo de permanência dos estudantes
influenciam diretamente essa dinâmica de forma negativa.
Na aula de hoje dará continuidade a uma atividade iniciada na semana anterior. A professora escreve na lousa algumas perguntas a respeito da temática [relações
étnico-raciais] que foi abordada em um vídeo. O tema também se encontra no livro
didático. Um aluno reclama que não estava na aula, Yêda sugere que consulte o livro
na tentativa de resolver as questões, que dependem também da opinião dos(as)
educandos(as). Ele diz que não conseguirá realizar a atividade porque realmente não
sabe as respostas. (Diário de Campo, 15 de maio de 2018).
Dessa forma, o que chamamos de material didático utilizado pela docente basicamente
se limita ao uso de livros disponibilizados pela escola, sua biblioteca pessoal que serve de
embasamento teórico para as pesquisas e de imagens e vídeos utilizados para suas aulas.
Segundo ela, é possível ter acesso a recursos ou materiais solicitados inclusive por outro
educador(a) na própria escola, caso necessite. Porém, há de se observar as regras sobre os
prazos e possibilidades da disponibilização destes. Outro fator incluso nessa fala é a questão
do tempo mais uma vez evidenciando a preparação da aula como um fator importante na
elaboração do trabalho docente.
Quando eu preciso que os alunos tenham esse livro em mãos, os gestores da EJA
compram. Não tenho problema nenhum, muitas vezes eu preciso de algum material
audiovisual eles também adquirem, um filme, eles alugam. Então, não tenho problema nenhum em relação a material. Quando é para fabricar alguma coisa para
trabalho prático, eles também providenciam, então não tenho problema. Claro que
eu tenho que fazer um projeto com justificativa, objetivos, geral e específico, aquela
burocracia toda. O projeto tem que ser bem escrito, então eu gasto umas boas horas
53
da minha vida fazendo projeto. No projeto eu coloco a materialidade, e aí sim eu
tenho direito de ter o material. Então, desde o início do ano já tenho que estar com
tudo planejado para, ao longo do ano eu ter esse material em mãos (Yêda Maria,
autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Em relação aos livros disponibilizados pelo governo o detalhe é de que, mesmo sendo
gratuitos para a escola, a utilização destes pelos educandos(as) se dá dentro do espaço escolar.
Eles ficam guardados em um armário, podendo ser acessados apenas quando o professor(a)
autoriza. O número de livros por educando(a) não é suficiente para toda a escola e, para a
preservação, foi decidido que esta seria a melhor forma de utilização.
Esse que é mandado para lá, ele já tem em cada capítulo uma parte específica para
Arte, é interessante. Tem algumas abordagens específicas, como você pode ver lá,
sobre a arte africana, sobre a arte negra específica. Ele tem sobre arte indígena
também, e tem, por exemplo, na parte do fundamental, ele tem uma parte grande
sobre o período gótico, e na maioria das vezes esses alunos possuem dezesseis,
dezessete, dezoito anos (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino
médio e fundamental na EJA).
Um dos aspectos a respeito da formação de Yêda Maria é a de que ela possui uma
consciência crítica a respeito de temas como formação sociológica do Brasil, economia,
história geral, entre outros, que acabam surgindo em meio às matérias referentes à arte. O
material analisado possui em si qualidade e acessa de certa maneira temas que antes não
seriam encontrados em livros didáticos, mudança que podemos observar que tem acontecido
após o surgimento da Lei nº. 10.639/2003. Porém, analisando o público a que se destina, há
problemas em relação à linguagem utilizada nos textos, por exemplo, fato observado pela
professora em seu trabalho com a EJA, da dificuldade no acesso ao conteúdo direto do livro.
Outra questão seria em relação à abordagem da EJA, apresentada de forma muito
simples. Fato que gerou incômodo e que analisei como um dos provocadores para ela buscar
alternativas para trabalhar o ensino de Arte com a EJA de outras formas.
Os livros didáticos para o componente curricular Arte só foram incluídos
recentemente nos programas oficiais do governo e os livros de arte, em geral, não
são concebidos e editados especificamente como proposta didático pedagógica. Eles
são também essenciais para estudo e pesquisas, pois discorrem sobre temas
específicos, como estética, teoria da arte, crítica da arte, filosofia da arte, história da
arte, ou apresentam obras dos artistas vinculadas a textos que narram estilos de
trabalho e-ou trajetória de vida de cada um. No entanto, poucos são os que fazem
conexão com a imbricação do ser artista e ser professor. (LOYOLA, p.9, 2016)
Os livros didáticos utilizados pela escola, disponibilizados pela Secretaria de
Educação do Município de Belo Horizonte, fazem parte da política pública do Programa
Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos/PNLD EJA/2014, EJA da
Editora Moderna. São livros em volume único para cada série dos anos finais do Ensino
54
Fundamental com os conteúdos das disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia, Ciências, Língua estrangeira moderna (Inglês e Espanhol) e Arte.
A parte reservada para a disciplina Arte possui uma organização onde podemos
perceber algumas temáticas diversificadas e onde também aparecem temas relativos à ERER.
Vejamos a organização dos livros para os anos finais do ensino Fundamental:
Livro Anos Finais do Ensino Fundamental – Sexto Ano
Capítulo 1 - Brasil multicultural
1.1 - Cultura e culturas
1.2 - As Heranças Indígenas - Arte Indígena - O corpo e a identidade cultural
1.3 - As heranças europeias - Os Jesuítas - O Barroco - Os artistas viajantes -
A missão artística francesa
1.4 A herança cultural africana - As religiões afro-brasileiras - O samba Texto complementar: “A alegria e a irreverência são indispensáveis para as
marchinhas de carnaval”.
Capítulo 2 - Um país em festa
1 - Vamos festejar
2 - As Festas do Boi - O bumba meu boi
3 - Círios de Nazaré
4 - Festas juninas - O nordeste em festa
5 - Festa do divino
6 – Carnaval- O carioca - O carnaval pernambucano
7 - Oktoberfest
Texto Complementar: “A Capoeira”.
Capítulo 3 - Quando alimento vira arte
1 - Um piquenique no século XIX - A pintura de gênero
2 - A natureza morta - A arte do grotesco
3 - Alimento e Arte - Pigmentos naturais utilizados na pintura
4 - Os alimentos como tema para música - No tabuleiro da baiana
Texto complementar: “Comida”
Capítulo 4 - A publicidade na indústria alimentícia
1 - A arte do convencimento 2 - A publicidade dos alimentos
3 - Ética na publicidade infantil
Texto complementar: Andy Warhol: O profeta da cultura pop
Livro Anos Finais do Ensino Fundamental – Sétimo Ano
Sétimo ano:
Unidade 1 – Moradia Capítulo 1 - Arte e a cidade - Arte urbana
A obra de Amilcar de Castro
O concretismo e o Neo concretismo
2 - A intervenção 3 - O grafite - O grafite no Brasil
4 - A performance e o Happening
Texto complementar: “A arte urbana de Alexandre Orion”
Unidade 2 - Saúde e qualidade de vida
Capítulo 2 - O corpo na Arte
1 - As representações artísticas do corpo humano
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O corpo: pecado a beleza - A arte renascentista
As variações na figura humana no século XX
2 - O corpo na dança - A dança a partir do século XX
3 - O corpo fala
Texto complementar: “A linguagem corporal”
Capítulo 3 - A arte pode ser o melhor remédio
1 - Arte e qualidade de vida - As oficinas
2 - A arte e o inconsciente - O museu de imagens do Inconsciente
A obra de Arthur Bispo do Rosário
3 - O psicodrama
O jornal vivo e o Teatro do oprimido. Texto complementar: “Arte terapia
Livro Anos Finais do Ensino Fundamental – Oitavo Ano
Unidade 1 - O país
Capítulo 1 - Quando a arte e a história se encontram
1 - O registro dos europeus -A viagem pitoresca e histórica do Brasil
A pintura histórica no Brasil
3 - O modernismo e a arte nacionalista - O nacionalismo de Portinari
Texto Complementar: “A independência no quadro de Pedro Américo”
Capítulo 2 - Canções que falam do Brasil
1- Hino Nacional – Um dos símbolos oficiais do Brasil
Poesia Ritmo e melodia – O Brasil em obras eruditas - A brasilidade de Villa
Lobos
2-A aquarela do Brasil - A Era do Rádio
4- “Brasil mostra a tua cara”.
Unidade 2 - A sociedade Brasileira
Capítulo 3 - Arte e expressão
1-Arte a expressão do artista
2-Arte e sociedade - O fotojornalismo de Sebastião Salgado
3-Quando o artista não pode expressar-se - Censura no carnaval
Texto Complementar: “O povo gosta de luxo quem gosta de miséria é
intelectual”
Capítulo 4 - Arte e resistência
1-Regime militar no Brasil
2-Música e censura - “Apesar de você” - Um hino contra a ditadura 3-O teatro em tempos de ditadura
4-As artes gráficas - O pasquim
Texto complementar: A jovem Guarda
Livro Anos Finais do Ensino Fundamental – Nono Ano
Unidade 1 – Trabalho
Capítulo 1 - Artista popular e sua obra - Arte figurativa
Mestre Vitalino
Texto complementar: “Em cena o amador”
Capitulo 2 - De amador a profissão
Artista ou artesão - A arquitetura medieval
2-O artista no Renascimento
3-O fortalecimento das academias - Novas perspectivas
Texto Complementar: “A monalisa”
Capítulo 3 - A indústria cultural
1-O surgimento da indústria cultural
2-O cinema - A produção cinematográfica - O cinema nacional
3-A televisão - As telenovelas
4-Os veículos de comunicação e a indústria cultural
Texto Complementar: “Da novela ao reality show”
56
Unidade 2 – Desenvolvimento e sustentabilidade
Capítulo 4 - A Arte hoje
1-Liberdade para criar - As influências de Marepe
2-Mas isso é arte? - Museus de arte contemporânea
3-Novas técnicas e materiais - Novos elementos
Texto Complementar: “Lygia Clark hoje”
Fonte: Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos/PNLD EJA/2014.
A partir de uma primeira impressão, a ERER e a diversidade cultural são garantidas
como conteúdos nesses livros. No entanto, observa-se que a profundidade e variedade dos
temas se apresentam de forma limitada. Um exemplo disso emerge através da percepção de
Yêda ao identificar algumas deficiências em relação à linguagem e temáticas destinadas a
EJA.
Na turma do final do fundamental, não cabe ainda. Eles ainda não têm nem noção de
onde fica Europa, para trabalhar com eles período gótico. Idade Média para eles é
alguma coisa que passa em filme com os cavaleiros brigando com espada, é uma
realidade muito distante. Então, muitas vezes eu não sigo muito livro, porque a
turma naquele período, naquele momento, não se encaixou, mas no ano seguinte é
outro perfil de turma, aí eu já posso seguir o livro. Então, cada ano eu tenho que
fazer uma avaliação diagnóstica para saber que tipo de turma eu tenho, para saber se
dá para pegar aquele livro específico e ir seguindo, ou se tenho que fazer um outro
material (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e
fundamental na EJA).
Durante o período de observação, os livros mais utilizados pela professora foram o do
sexto ano, com a temática indígena e do nono ano com a discussão sobre arte e artesanato. Foi
observado que Yêda realizou um trabalho sobre a questão indígena, momento em que as
turmas levantaram questões importantes e que abarcaram outras nas aulas.
A forma de trabalho que Yêda adotou baseava-se em iniciar as discussões sobre as
temáticas nos livros e, em seguida, partir para a participação, como um diagnóstico, sobre o
que a turma conhecia do assunto. Outra estratégia se baseava em resolução de perguntas
abertas e/ou pesquisas a serem feitas fora da escola e o compartilhamento dos resultados
feitos na aula seguinte.
No livro do sexto ano, observa-se que há um foco maior na questão multicultural,
ainda que não aprofundando em questões específicas de arte. Esta talvez seja uma estratégia
de preparação dos conteúdos gerais para mais adiante surgir questões relativas à arte.
A problematização a respeito das culturas no Brasil também foi feita de forma pouco
aprofundada. Nesse caso, um dos aspectos que trouxe um desconforto se refere à organização
de festas populares brasileiras como o bumba-meu-boi, o círio de Nazaré e a festa do Divino.
Elas foram apresentadas por ela sem mencionar seu caráter religioso e político, sendo tratadas
57
apenas como folclóricas. Ainda a esse respeito, a capoeira aparece em uma unidade que trata
de festa. A perspectiva de resistência negra como luta, dança e música e ritual não foi
evidenciada.
Figura 03. Livro Didático EJA Sexto-ano. Capítulo 1 - Brasil um país multicultural
Figura 04. Livro Didático EJA Sexto-ano. Capítulo 2 - O corpo e identidade cultural.
Momentos de maior construção de conhecimento aconteceram mais visivelmente nos
diálogos e pesquisas. Em situações que os(as) educandos(as) ficavam a sós, com o conteúdo
do livro para leitura ou resolução de algum exercício, eram comum conversas entre os colegas
para sanar dúvidas em relação ao que estava sendo tratado e também com a professora.
Nas turmas do nono ano, onde o público era majoritariamente adolescente e jovem, as
dificuldades com a linguagem e conteúdos ficaram mais evidentes. Ao contrário da turma que
trabalhou a temática indígena por um período marcado de debates a respeito do tema, as aulas
não aprofundavam o tema tratado.
Em um momento, dois rapazes fizeram um paralelo a respeito do tema arte medieval e
a série Game Of Thrones. Em outros, as conversas variavam em assuntos como festas, roupas
e namoro, dentre outros. De alguma forma a série parecia interessante para eles no sentido da
58
ação, lutas, armaduras, mas o sentido histórico, que a inspirou, não lhes desperta tanto
interesse nem polêmicas.
Em geral, a coleção de livros analisada traz nomes importantes para o debate da arte e
das relações étnico-raciais, como Marepe, Arthur Bispo do Rosário, Almeida Junior,
Sebastião Salgado, Mestre Vitalino, Albert Ekchout, Jorge Tavares e Duma Junior. No
entanto, muitas vezes, as obras desses artistas são apresentadas apenas como ilustrações dos
temas tratados. Ou seja, sem ressaltar o campo de luta e de resistência da população negra e as
questões estéticas/poéticas. Esse trabalho se encontra a cargo do(a) professor(a) que, de
acordo com sua formação, irá, ou não, trazer outros artistas e contextos para tratar melhor
cada conteúdo.
Figura 05. Livro Didático EJA Sétimo ano. Capítulo 3 - A arte e o inconsciente - O museu de imagens do
Inconsciente
Figura 06. Livro Didático EJA Nono ano. Capítulo 3 - Liberdade para criar - As influências de Marepe.
Um ponto positivo a respeito da coleção é a não infantilização que em muitos
momentos aparecem em livros voltados para a EJA. Quando Yêda Maria aponta que não pode
dar os conteúdos de textos dos livros pela dificuldade que às vezes aparece, não se trata de
propor um empobrecimento da linguagem contida ali. O uso de palavras “simples” dentro da
norma padrão ortográfica, como são feitas nas explicações realizadas pela professora, diz
respeito à possibilidade inicial de estabelecer uma ponte de comunicação com os
educandos(as) no sentido de despertar interesse e que eles(as) queiram continuar a construção
do conhecimento.
Assim, quando a demanda é vinda dos(as) educandos(as), o trabalho de preparação de
material exige ainda mais da Yêda Maria. A atenção dela se divide em pensar o ensino de
59
Arte para EJA e o repertório da turma com a qual trabalha. Não que esta seja uma demanda
específica apenas dessa modalidade de ensino, mas a consciência de que o serviço prestado é
direcionado a sujeitos(as) que estiveram longe de discussões que são realizadas, em maior
concentração, no ambiente escolar, não pode ser ignorado, como ela mesma observa:
Sempre tomando cuidado para ligar esse aluno à realidade que ele possui. Senão,
para ele, não faz o menor sentido. Porque se ele ficou tanto tempo fora da escola, ela
tem que fazer algum sentido na vida dele. Se não tiver algo que prenda, que
mantenha o interesse dele, se ele não se identificar, ele sai de novo, porque já passou
muito tempo fora. Essa abordagem não é só minha mais de alguns [colegas]. Eu não
vou falar por todos, mas há os que tentam agir na mesma maneira, fazendo com que
a aula tenha mais identificação com o dia-a-dia desse aluno, para que ele se interesse
e se identifique e permaneça na escola, porque senão ele vai embora (Yêda Maria,
autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
A estratégia adotada pela professora é o uso e adaptação de materiais para que o
conteúdo faça sentido para os educandos(as). A partir desta constatação, o cuidado pela busca
de títulos para composição de sua biblioteca e sobre o uso do livro didático adotado pela
escola com o devido cuidado passa a fazer mais sentido.
Dessa forma, a importância do livro didático não é desmerecida, mas após um
processo de percepção dela, ele se torna uma ferramenta para guiá-la a respeito de muitos
conteúdos, porém a pesquisa e intervenção em sala vão além deles, assim como defende
Loyola (2016),
Os livros de arte, portanto, ampliam as possibilidades de construções de
conhecimentos artísticos, mas é preciso lembrar que os processos de criação e de
ensino-aprendizagem em Arte envolvem peculiaridades diferentes de outros ofícios
e de outras áreas de conhecimento. Em Arte, além da informação pertinente ao seu
conhecimento, é fundamental respeitar o jeito próprio de expressão de cada aluno,
uma vez que os processos de criação são únicos e próprios de quem cria (LOYOLA,
2016, p.9).
O estudo constatou que Yêda revela a preocupação com a atenção dada aos(às)
educandos(as) a respeito de uma aprendizagem. Ao mesmo tempo, nesta análise ela revela a
percepção de que algumas práticas como, por exemplo, o uso da lousa para textos longos são
vistas como mera formalidade, e não contribui para a aprendizagem, por isso evita o uso deste
recurso em suas aulas, como afirma: “porque se eu escrevo sempre no quadro, para eles
copiarem, o exercício mental não acontece. Então eles são copistas, se eu pedir para eles
lerem o que eles copiaram, eles nem sabem”.
Este também é um dos motivos que a docente prefira relacionar seus conteúdos com
temas considerados relevantes para os discentes, de forma que o conhecimento seja construído
e não apenas “passado” para os educandos(as), exemplo que se aproxima de uma concepção
de educação libertadora construída por Paulo Freire (1980). A esse respeito, ela justifica mais
60
uma vez a preferência pelo uso da reprodução de imagens e vídeos para a EJA como
alternativa para adaptação dos conteúdos para suas aulas.
Então, não utilizo quase nunca o quadro. Eu dou o texto e interpretação de texto,
eles têm que resolver tudo sozinhos. Depois a gente discute sobre as respostas que
deram, e, na maioria das vezes, são respostas de uma abordagem um pouco mais
pessoal, porque eles têm que pensar um pouco mais para responder. Porque quando
é interpretação de texto, eles vão lá e copiam parágrafo onde eles acham uma resposta, aquelas coisas que eles aprenderam a fazer. Quando é vídeo ou áudio
visual e a gente vai estimulando, fazendo perguntas, aí eles falam, e contribuem.
Então, não é que vai modificar o pensamento deles, ao longo de um ano que eu fico
com eles na sala. Não tenho essa pretensão de mudar nada não, mas pelo menos a
informação foi passada. Mas o que eles vão fazer com aquela informação eu espero
que uma boa coisa. A esperança de todo do professor é essa (Yêda Maria,
autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
A preocupação a respeito da interpretação de texto, leitura e prática de escrita são
observações cobradas de todos os(as) professores(as) da EJA na E.M. Arthur Bispo do
Rosário. Segundo Yêda, essa prática contribui para perceber se o(a) educando(a) consegue
seguir o curso regular na turma em que se encontra ou se terá que ser remanejado para ter uma
experiência mais positiva.
Assim, com esta atenção a respeito do desenvolvimento dos educandos(as), Yêda
relata, ainda assim, sua preferência pela exibição de vídeos com a intenção de facilitar a
evolução com discussões e o aprendizado em sala.
Então eu só posso dar pequenos documentários. Nada muito grande, ou eles vão
cochilar ou vão dormir. Quando o documentário é grande, o vocabulário também é rebuscado, eles não dão conta de compreender o que está sendo falado. E, muitas
vezes, também nos vídeos mais simples, eu tenho que parar para explicar, porque
existem palavras que eles não conhecem, ou mesmo algum levanta a mão lá no meio
e pergunta, e eu dou graças a Deus quando isso acontece (Yêda Maria, autodeclarada
branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Ainda sobre o uso de imagens, ela revela que há uma estratégia na abordagem
encontrada para suas aulas que prevê contornar problemas de aprendizagem detectados nos
educandos(as). O acesso aos vídeos e imagens utilizados é possível pela acessibilidade a sites
e plataformas digitais onde podem ser encontrados. Este aspecto demonstra o uso da
tecnologia como aliada de Yêda, colaborando com a construção de materiais que entende
como adequados à sua realidade, situação que tem sido cada vez mais comum na prática
docente.
Para o professor de Artes Visuais, as tecnologias digitais são aliadas em potencial
para a sua prática pedagógica/artística, uma vez que facilita o acesso a banco de
dados de imagens e textos, a museus e a galerias virtuais, em espaços criados pelos
próprios artistas, ou seja, oferece grandes possibilidades de trabalho e pesquisa
(ANJOS, 2016, p.47).
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A estratégia do uso de imagens e vídeos não funciona como um “passatempo” para
que os discentes se distraiam e o tempo da aula seja ocupado, mas exige atenção,
contextualização e devolutiva aos que necessitarem de aprofundamento em algum assunto.
Ali, quando você chegou na aula de arte indígena, a gente já tinha discutido o que
eles sabiam, já tinha escrito sobre o que eles sabiam, palavras na língua portuguesa
de herança indígena. Nós já havíamos pesquisado, já haviam visto outros vídeos a
respeito disso também, influência da língua indígena na língua portuguesa. Então já
tinham uma noção quando eu comecei a mostrar as imagens, porque as imagens sou
eu falando, porque é menos interessante para eles do que um vídeo. O vídeo é mais
dinâmico. Eu posso trabalhar vários vídeos, mas tem que cortar, explicar, mudar o assunto, então é outro pequenininho e outro pequenininho, não posso dar uma aula
inteira, por exemplo, um documentário jamais! (Yêda Maria, autodeclarada branca,
professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Após ter constatado, através de levantamentos teóricos do ensino/aprendizagem de
Arte como Barbosa (1998) e Loyola (2016) de que não há uma fórmula para a realização do
ensino de Arte, mas caminhos a serem criados pelos educadores(as) embasados em estudos já
realizados na área, o exemplo do trabalho da professora Yêda Maria na Escola Municipal
Arthur Bispo do Rosário, nos aponta que ainda há muito o que aprofundar e pesquisar no que
diz respeito ao ensino de Arte para as relações étnico-raciais na EJA.
Atentarmos para o trabalho de interdisciplinaridade proposta por a Lei nº. 10.639/03
nos currículos é considerado exercício mais do que necessário. Mesmo que tenhamos ainda
hoje uma legislação da educação voltada para a promoção da igualdade racial, com a
realização do estudo empírico, é importante entender que ainda existem inúmeros desafios
voltados para a abordagem das relações étnico-raciais no ensino da Arte nessa modalidade de
ensino.
Dessa forma, um dos pontos que tornam o trabalho da educadora Yêda mais
desafiador, é o fato de a sua formação ser em Artes Visuais. Contudo, no oficio desses
profissionais é necessário tratar a disciplina Arte levando em consideração temas relativos à
Música, Dança, Teatro e Artes Visuais.
Mesmo observando que o livro didático não trate dos temas com a devida
profundidade, conforme visto anteriormente, esta ainda é uma questão que necessita ser
seriamente debatida, por professores(as) de Arte, considerando os desafios com os quais se
deparam em sala de aula.
62
Imagem 07 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
2.3 - Produto Educacional - A Base Preta
Durante a pesquisa e após a análise dos dados coletados no processo, uma das
constatações feitas foi a dificuldade da docente de Arte em encontrar referências relacionadas
à produção e proposições de artistas negros(as) e não negros(as) que tratam das relações
étnico-raciais.
A professora Yeda Maria diz que o trabalho voltado para a ERER se dá por iniciativa
própria. Ampliando um pouco mais o estudo de caso, é possível inferir que essa situação se
verifica também em outros contextos escolares. A produção artística afro-brasileira, pelo fato
de não ser apresentada nos cursos de formação inicial e continuada dos(as) professores(as) de
Arte, fica à margem de um debate mais aprofundado. Afinal, quem são esses artistas?
Podemos dar exemplo dos nomes reconhecidos no meio da arte afro-brasileira, a
saber: Mestre Didi, Emanoel Araújo, Rubem Valentim, Yêda Maria, Jorge dos Anjos, Rosana
Paulino, entre outros. Além de todos esses(as), já consagrados por suas obras, que
consolidaram a arte afro-brasileira, já é possível acessar muitos outros que, além de
enriquecerem a abordagem dessa temática, também podem ser interessantes para
63
educadores(as) da EJA, principalmente partindo da desmistificação do artista intocável e
inacessível ao público. E é essa a proposta do produto educacional aqui elaborado, ou seja, a
de se ampliar as referências de artistas e obras como um recurso fundamental para se
potencializar a ERER.
Muitos(as) dos(as) artistas que constarão na plataforma por nós nomeada como Base
Preta27
são jovens, adultos(as) e idosos(as) com produção ativa e moradores de diversas partes
do país, buscando uma diversidade que possa criar uma identificação e aproximação para
os(as) educandos(as) da EJA.
Nessa direção, após observar os fatores que possam favorecer educadores(as) da EJA,
e ampliar o acesso aos conteúdos relacionados direta e indiretamente com a arte, a Base Preta
foi pensada em sintonia com as demandas de uma abordagem mais sistematizada das relações
étnico-raciais nos planos de ensino e projetos educativos para as aulas de Arte.
Após o trabalho de observação realizado, verificamos que conteúdos que convergem
com a realidade dos discentes é fundamental. Assim, o material proposto aqui também foi
elaborado de maneira que seja acessível. Em outros termos, a Base Preta irá apresentar
referências das relações étnico-raciais a partir de uma variedade de temas e abordagens de
modo a ampliar possibilidades de trabalho de acordo com as diferentes discussões que possam
ser desencadeadas em sala de aula.
Garantir a variedade de linguagens artísticas é também uma condição necessária.
Afinal, a situação da EJA e de seus(suas) docentes e discentes são bastante diversificadas.
Nesse sentido, o desafio de construir a plataforma passa pela necessidade de se abarcar as
diversidades culturais, principalmente a partir das diferenças regionais. Ou seja, que o
material produzido possa ser significativo não só no âmbito regional da cidade de Belo
Horizonte.
Em síntese, o produto educacional, o sítio eletrônico Base Preta, tem como proposta
ser uma base de referências de artistas e obras que carregam o mote da temática étnico-racial.
Através da divulgação, via uma página a ser disponibilizada nas redes sociais, com o apoio de
sítios com temáticas educacionais dispostas a colaborar com a abordagem da ERER, propõe-
se que a Base Preta sirva como um mote orientador, com referências e sugestões que
possibilitem que cada educador(a) se aproprie dos conteúdos, adequando-os à sua realidade e
também à sua metodologia de trabalho e aos materiais didáticos que utiliza.
O material didático para o ensino-aprendizagem em Arte é um componente
indispensável. Considerando que o ensino-aprendizagem não acontece de forma
27 Disponível em : <https://abaseeducacao.wixsite.com/basepreta>
64
linear e os recursos didático-pedagógicos não funcionam como numa receita pronta,
passo a passo, em Arte é fundamental o respeito às subjetividades dos alunos, o jeito
próprio de cada um perceber o mundo e de se expressar no mundo e com o mundo.
(LOYOLA, 2016, p. 13)
A proposta é que o sítio eletrônico seja sempre atualizado, hospedando uma variedade
de artistas, procedimentos técnicos e temas, não ficando restrito a artistas consagrados por
tempo de trabalho, número de exposições, renome internacional, premiações, formação
acadêmica ou pela mídia. A ideia é que também se configure como um espaço colaborativo,
permitindo trocas e sugestões de quem se interessar em participar.
Ponderamos que a possibilidade de encontrar mais artistas negros(as) ligados às
relações étnico-raciais, diz respeito também ao aumento de negros(as) nas universidades
devido as políticas afirmativas, como cotas raciais. Desde o início de sua implementação, as
cotas raciais fizeram com a população negra no meio acadêmico aumentasse de 2,2% em
2000 para 9,3% em 2017, segundo dados do IBGE.
Esse fator contribuiu para que artistas negros(as) estivessem em contato com temáticas
antes limitadas a pessoas do meio acadêmico artístico. O aumento desses(as) estudantes nas
universidades também tem refletido no número de artistas em contato com a formação
artística acadêmica, porém percebemos também outras linguagens e culturas sendo tratadas
em seus trabalhos.
Podemos citar como exemplo: Robinho Santana, Priscila Rezende, Rodrigo Marques,
Rimon Guimarães, Tarcio V, Silvana Mendes, entre outros. São artistas jovens que transitam
entre a linguagem acadêmica e suas culturas regionais.
A orientação de construção da Base Preta se deu através de um levantamento feito
através da internet utilizando a hospedagem do aplicativo Instagram em comparação a buscas
por sítios convencionais no servidor de buscas Google. Nesse processo, constatamos que
muitos artistas conseguem espaços nos diferentes ambientes virtuais apenas ao se destacarem
em algum edital, premiação ou exposição28
.
Na rede social Instagram, baseada em imagens, foi possível encontrar, em um
levantamento guiado pelo símbolo #, seguido de palavras chave como #artenegra,
#artistasafro, #artistasafrobrasileiros, #arteafrobrasileira, #arteafro etc, um grande número de
artistas brasileiros e de outros países, que por diversos motivos não aparecem em reportagens
28 Com a busca por Arte visual negra contemporânea o portal de busca Google detectou dez páginas com dez
resultados cada. Após a primeira página, os resultados começam a se repetir e um dos nomes mais citados nas
chamadas dos sites é o da artista Rosana Paulino. A artista está com uma exposição individual na Pinacoteca de São Paulo 8 de dezembro de 2018 a 04 março de 2019, o que pode ter gerado estes resultados. Disponível em:
http://pinacoteca.org.br/programacao/rosana-paulino/ Acessado em: 05 de fevereiro de 2019.
65
a respeito de arte afro. Dessa forma, percebe-se que temos uma potente ferramenta para
estreitar o acesso a obras e artistas que trabalham com a temática étnico-racial.
No Instagram, temos o exemplo da página @afropunk que se tornou sinônimo de
estilo e empoderamento de um público negro, jovem e adulto. O nome faz referência à
participação de pessoas negras no movimento punk, que é mais conhecido nos EUA, mas que
também tem sua participação em outras partes do mundo como em diversos lugares da África
e América Latina.
Este termo se tornou popular com a divulgação do festival Afropunk, uma festa
realizada no Brooklyn - Nova Iorque. Através de postagens do festival nas páginas do
Instagram, cresceram consideravelmente o número de páginas com mote principal de
temáticas ligadas ao empoderamento negro, seja de estética ou de temas políticos. O conteúdo
da página se compõe basicamente de fotos de anônimos negros que utilizam de uma
linguagem corporal e estilo de vida para revelar um posicionamento político e uma autoestima
elevada.
Assim como páginas inspiradas no Afropunk têm prestado diversos serviços à
população negra e interessados(as), o sítio Base Preta se baseia principalmente na
possibilidade de expandir a divulgação da arte afro para educadores(as) e interessados(as)
como forma de opção de conteúdos que ampliam a normatização muitas vezes imposta pela
mídia e convenções institucionais.
Os critérios utilizados para a escolha dos(as) artistas a serem disponibilizados na Base
Preta são: preferencialmente artistas autodeclarados(as) negros(as) (como forma de
democratizar o acesso a pessoas negras, e colaborar para a divulgação de seus trabalhos),
artistas que tratam de maneira valorativa a temática étnico-racial, artistas africanos(as) e
afrodescendentes de outras partes do mundo.
A escolha das imagens que irão compor as páginas dos(as) artistas que constam na
Base Preta respeitam as normas de divulgação que constam nos termos de uso do Instagram29
e da plataforma de hospedagem Wix30
, onde o sítio será hospedado. Junto com a imagem de
uma obra relevante do(a) artista, haverá um texto de apresentação e o link de sua página de
trabalho, sítio ou portfólio on-line.
29Termos de uso do Instagram disponível em:
<https://www.facebook.com/help/instagram/478745558852511> Acessado em: 29 de janeiro de 2019. 30Termos de uso site Wix disponível em: < https://pt.wix.com/about/terms-of-use> Acessado em: 29 de janeiro
de 2019.
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A disponibilização do endereço da Base Preta será feita também em uma página do
Instagram e autorizada a ser divulgada em diferentes mídias virtuais – ou não – sítios que
tenham alguma relação com educadores(as) que atuam na EJA e demais interessados(as).
Figura 07 - Registro da tela de apresentação do sítio Base Preta – Página inicial
Outro aspecto relevante é que a Base Preta não se trata de uma página de conteúdo
definido e/ou fechado. Como proposta aberta, será constantemente atualizado/modificado,
com o objetivo de se ampliar a diversidade de artistas e temáticas a serem disponibilizadas
para os(as) educadores(as). Em sua concepção inicial foram escolhidos(as) vinte artistas,
porém a ideia é que a divulgação de mais artistas seja feita constantemente por tempo
indeterminado e por diferentes colaboradores/as
O mapeamento de artistas visuais que tratam da temática étnico-racial no Instagram
possibilitou uma ampliação da diversidade cultural dos artistas escolhidos(as). Dessa forma,
pudemos divulgar na Base Preta, não só artistas que estão no eixo de circulação de
informações do Sudeste do Brasil, mas também do Nordeste, com a perspectiva de inclusão
de mais artistas do Norte do País, bem como os das regiões Centro-Oeste e Sul.
67
Figura 08 - Registro da tela de apresentação do sítio Base Preta – Dados do artista
Figura 09 - Registro da tela de apresentação do sítio Base Preta – Link para mais informações sobre o artista.
No primeiro momento, os 20 artistas a serem disponibilizados na Base Preta são os
seguintes:
1) Ana Carolina Fernandes
2) Arthur Bispo do Rosário
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3) Alexander Trigger
4) Helen Salomão
5) Mestre Didi
6) Samuel de Saboia
7) No Martins
8) Paulo Nazaré
9) Pedro Neves
10) Priscila Rezende
11) Renata Felinto
12) Robinho Santana
13) Rodrigo Marques
14) Rosana Paulino
15) Sidney Amaral
16) Silvana Mendes
17) Sônia Gomes
18) Tay Nascimento
19) Thiago Gualberto
20) Yêda Maria
A plataforma de hospedagem da Base Preta possui uma ferramenta de diálogo por
meio de um formulário que possibilitará aos usuários(as) fazerem perguntas, críticas,
sugestões e elogios. Esta ferramenta foi um dos critérios mais importantes na concepção da
página virtual, pensando na importância de se construir conhecimento em rede e na potência
de ações colaborativas no sentido de se ampliar as referências da produção artística
(poética/estética) nas abordagens da ERER.
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Figura 08 - Registro da tela de apresentação do sítio Base Preta – Formulário de contato
Originalmente, a Base Preta foi concebida de forma a ser direcionada a educadores(as)
da EJA e de outros níveis de ensino, porém, isso não impede que sua utilização também seja
feita em sala de aula pelos educandos(as) ou como fonte de pesquisa extra escolar.
A linguagem e acessibilidade da plataforma, simples e intuitiva, possibilita que
qualquer pessoa possa acessá-la com facilidade. Esta proposta também é baseada no crescente
e constante uso de celulares e redes sociais por educandos(as). Um comportamento que, se
por um lado, é visto como um problema, por outro, pode ser pensado em possibilidade para
ações que aproximem o educando(a) do conteúdo escolar.
A ideia de escolha da concepção de uma plataforma on-line vem ao encontro das
observações e análises realizadas relacionadas às dificuldades de acesso a materiais artísticos
que contemplem à ERER, tempo de dedicação para tal, possibilidades de escolhas dos temas,
e custo benefício em relação a materiais impressos, dentre outros.
Levando em consideração a divulgação fora do contexto da cidade de Belo Horizonte,
observando que a EJA acontece por todo território nacional, a plataforma também tem como
objetivo uma maior democratização do acesso, tal qual a internet nos possibilita.
A construção e a manutenção da Base Preta, e de sua plataforma de interação com o
Instagram, devem continuar por tempo indeterminado. Espera-se ainda que se desdobre para
além da proposta de abordagem das relações étnico-raciais e contribua com trabalhos e
artistas de outras localidades no âmbito América Latina, povos indígenas, africanos e de
outras possibilidades diaspóricas. Ou seja, que contribua para a decolonização, de maneira
ampla, do pensamento e dos processos educacionais em consonância com as proposições de
70
Paulo Freire e na perspectiva de educação entendida como prática de libertação e
transgressora, que sejam divulgadas para educadores(as) da área de Arte da EJA.
No próximo capítulo buscamos aprofundar as nossas análises a respeito das especificidades de
trabalhar o ensino de Arte na perspectiva da ERER.
Imagem 08 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
71
CAPÍTULO 3 - Educação das Relações Étnico-Raciais, EJA e Ensino/aprendizagem de
Arte
3.1 - Formação Continuada de Professores, Ensino/aprendizagem de arte e Relações
étnico-raciais
As relações entre a EJA com o campo de produção do conhecimento das relações
étnico-raciais e a formação continuada de professores têm sido problematizadas por vários
trabalhos acadêmicos (CARREIRA, 2014, DA SILVA, 2007, 2017, SILVA, 2007, 2010,
GOMES, 2005, SOARES, GIOVANETTI, GOMES, 2005, PASSOS, 2014, SABINO, 2017).
Apesar da existência desses trabalhos, percebe-se que, como já foi dito anteriormente,
as pesquisas que dialogam com o ensino/aprendizagem de Arte ainda são bastante incipientes.
Os estudos levantados que trazem esse recorte, discutem sobre a perspectiva das salas de aula
para EJA, dos(as) educadores(as) de Arte da EJA e do porquê da discussão das relações
étnico-raciais para essa modalidade. É importante lembrar a esse respeito que a abordagem
das questões étnico-raciais nas aulas de Arte na EJA, em sua maioria, acontece sem que a
estrutura social colonizada, patriarcal e capitalista seja problematizada.
Talvez isso auxilie-nos a entender, por exemplo, as interfaces entre os referenciais
artísticos recorrentes, os(as) artistas reconhecidos pelos meios de comunicação, as imagens
iconográficas veiculadas nos materiais didáticos e as personalidades que emergem nas feiras e
exposições de arte.
Essas ponderações estão relacionadas com a discussão sobre a valorização da
diversidade étnico-racial no fazer e saber das práticas educativas. Silva (2011) defende a
importância de entendermos a diversidade étnico-racial enquanto um princípio educativo em
conexão com os processos de aprendizagem no âmbito da educação escolar. Partindo desse
pressuposto, é necessário cada vez mais problematizarmos o conhecimento eurocêntrico e
hegemônico no que se refere ao ensino da Arte, por exemplo.
Quando buscamos refletir a respeito do impacto da implementação da Lei nº.
10.639/2003, no âmbito da formação docente em Arte, precisamos levar em consideração que
estamos tratando de uma história recente. Isso diz respeito tanto na forma de pensar os
pressupostos expostos na referida Lei e nas suas Diretrizes, bem como acerca da efetivação de
propostas práticas dessa discussão urgente.
A Lei nº. 10.639, ao estabelecer o ensino da História da África e da Cultura Afro-
brasileira nos sistemas de ensino, foi uma das primeiras leis assinadas pelo então Presidente
Lula, no ano de 2003. Isto serve como baliza ao reconhecimento da importância da questão do
72
combate ao racismo e à discriminação racial na agenda das políticas públicas brasileiras, com
vista à redução das desigualdades sociorraciais e educacionais.
No ano de 2008, a referida Lei foi alterada para a Lei nº. 11645, que incluiu a mesma
orientação quanto à temática indígena. Esse instrumento é interpretado pelos movimentos
sociais negros como parte de Políticas Afirmativas, no sentido de que reconhecem a escola
como lugar da formação de cidadãos(ãs) e afirmam a relevância de a escola promover a
necessária valorização das matrizes culturais que fizeram do Brasil o país rico, múltiplo e
plural que somos (BRASIL, 2009, p. 3).
Dessa forma, estamos cientes de que tratamos de um tema relativamente novo do
ponto de vista da história da educação nacional. A esse respeito, um dos pontos mais
problemáticos verificados no campo de pesquisa foi a formação docente que, ao ser
negligenciada em relação à abordagem dessas discussões, reflete na dificuldade dos
profissionais em abordar a temática em suas aulas.
Conforme discutimos anteriormente, a formação inicial do(a) professor(a) de Arte,
ainda hoje, avançou muito pouco – ou quase nada - em relação aos conteúdos da ERER. A
Resolução nº. 01/2004 e o Parecer nº. 3/2004 emitidos pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE/CP), que institui o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das
Relações Étnico-Raciais (DCNERER) deixa bastante explícito que:
observadas pelas instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da
Educação Brasileira e, em especial, aquelas que mantêm programas de formação
inicial e continuada de professores § 1º estabelece que As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos
que ministram, a Educação das Relações Etnicorraciais, bem como o tratamento de
questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes (BRASIL, 2009, p.
40).
Porém, o caminho é longo entre o que está previsto em Lei e a sua efetivação na
prática. A inclusão da ERER como conteúdo básico da matriz curricular nos cursos de
graduação, principalmente no de formação de professores, corroboraria para que seu
entendimento se estendesse a todos que estariam aptos a se formarem educadores(as) e não
somente a poucos interessados. A discussão étnico-racial, ao ser tratada como necessária ou
fundamental para garantir qualidade à educação brasileira, pressupõe que seja aberta e
alcançada por todos, e não somente a um público específico, por isso a insistência nas lutas a
respeito da implementação da Lei nº. 10.639/03.
De igual modo, precisamos considerar o direito à educação e o direito à diversidade
quando tratamos de entender concepções sociopolíticas que subsidiam propostas de EJA.
A constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito à educação de jovens e
adultos, quando expressa no art. 208 que o dever do Estado com a educação será
73
efetivado mediante garantia de: I. ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive para os que ele não tiverem acesso na idade própria. (SOARES, 2005,
p. 11, grifos nossos).
Direitos que, ainda que garantidos por lei, demandam a problematização do
entendimento sobre “idade própria”. Considerando o percurso da história da educação
brasileira, no qual a garantia de direitos básicos sociais é fruto de lutas e de conquistas,
chamamos a atenção à necessidade de se descontruir a ideia romântica de que crianças,
adolescentes e jovens estejam sempre em condições que os permitam estudar ao invés, por
exemplo, de trabalhar.
Devido a esse aspecto, jovens, adultos(as) e idosos(as) inseridos em processos de
educação na EJA não devem ser vistos como defasados, mas como sujeitos(as) que estão
acessando um direito no tempo em que lhes foi possível.
Na escola pesquisada, percebemos uma preocupação - devido também às normas das
secretarias de educação que regem a gestão escolar – de como lidar com as datas
comemorativas no calendário escolar, sendo que algumas delas têm motivação histórica a
respeito da questão étnico-racial, como o dia treze de maio (dia da Abolição da Escravatura),
dia 19 de abril (dia do Índio) e o dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) 31
.
Porém, percebemos que a forma como essas datas são trabalhadas na maioria das
escolas: enfatizando a imagem dos negros como escravos e os indígenas como exóticos, por
exemplo, deixa evidente a necessidade de se aprofundar as discussões sobre seus conteúdos,
no sentido de garantir visibilidade a respeito das contribuições da população negra e indígena.
Pesquisar, apontar e discutir são aspectos inerentes ao ensino de Arte de qualidade e
podem/devem ser realizados em todo processo de ensino/aprendizagem. A esse respeito, tratar
a diversidade cultural como componente do conteúdo curricular consiste em uma das formas
que a implementação da ERER pode acontecer. Não se limitando, portanto, a s datas pontuais,
esvaziadas de sentido e descontextualizadas das questões pertinentes à área.
Alguns pontos são importantes para aproximarmos da noção de cultura, muitas vezes,
no contexto de nossa sociedade, diz respeito a um demarcador de status social no contexto de
31 Em 2003, foi editado o Decreto nº 4.887, simbolicamente no dia 20 de novembro (Dia Nacional da
Consciência Negra), na Serra da Barriga, em União dos Palmares, AL, sede do Quilombo dos
Palmares. Esse Decreto apresenta um novo caráter fundiário, dando ênfase à cultura, à memória, à
história e à territorialidade, uma inovação no Brasil que é o reconhecimento do direito étnico.
A redação atual da lei 10.639 diz : O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia
Nacional da Consciência Negra‟ (Incluído na LDB (Art. 79-B.) pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003)
74
nossa sociedade. Primeiro, pensamos no termo no singular, enquanto estamos tratando de um
conceito que não é único para todos os povos e, exatamente por não ser único, traz em sua
concepção a diferença como uma característica própria. Desse modo, ao ponderarmos a
construção do fazer artístico levando em consideração as relações étnico-raciais no contexto
escolar de maneira geral e na EJA, em específico, instiga-nos a:
problematizar a noção de saber e de cultura. Da mesma forma que a cultura, o saber
relaciona-se com a situação socio-histórica, cultural e política de produção. Sob o
ponto de vista do saber e da cultura, somos desafiados a aprender com e na diferença
mediante o respeito e o reconhecimento do Outro (SILVA, 2011, p.15).
A problematização da ideia de valores sociais e culturais universais e o sentido de
escolarização para pessoas negras são pontos importantes quando refletimos sobre a formação
continuada de professores(as) articulada com a discussão das relações étnico-raciais.
E mais, precisamos situar o lugar que o ensino/aprendizagem de Arte tem ocupado nas
escolas. O conteúdo da Arte tem sido historicamente, tratado como valor secundário, em
detrimento, por exemplo, de componentes curriculares como a Matemática e o Português.
Paradoxalmente, a temática étnico-racial é considerada como um tema emergente.
Em relação a isso, em nossa pesquisa constatamos que o horário de Arte e de
Educação Física ficaram superpostos, obrigando os(as) educandos(as) a escolher acompanhar
apenas um deles. Essa situação, ainda que causando desconforto na professora Yêda, foi
consequência de uma decisão acordada com ela para o “funcionamento” da proposta
curricular.
Observando a segunda turma do dia, do nono ano do ensino fundamental, percebo
que coincidiu de ter uma aula de Educação Física no mesmo horário da de Arte.
Depois de alguns dias, percebo que é uma situação comum. De acordo com a
organização do tempo da escola, deixam a critério dos educandos(as) se nesse
horário participam da aula de Arte ou de Educação Física. A de Arte fica com cinco educandos adolescentes do sexo masculino e duas educandas adolescentes do sexo
feminino. Estas iniciam rapidamente a atividade proposta pela professora. Os outros
declaram que estão cansados por causa de outras atividades no horário da manhã.
(Diário de Campo, 24 de abril de 2018).
Sobre a situação descrita, cabe aos educadores acatarem, visto que é uma decisão
institucional. Quando a professora de Arte é indagada sobre o assunto, ela se diz impotente
diante de qualquer decisão a respeito da organização semanal.
Respeitando a autonomia da escola, apontamos a questão com a intenção de
problematizar esses valores, recorrentemente validados em boa parte das instituições
educativas. Em meio a diversos problemas que o ensino da EJA possui, ainda há a crença de
que componentes curriculares como: Alfabetização, Português e Matemática sejam mais
75
importantes do Arte. Sendo este considerado, por muitas pessoas, apenas como um
passatempo, em tese, poderia ser dispensado sem maiores prejuízos à formação dos(as)
educandos(as).
Quando problematizamos a concepção de cultura e como esta tende a aparecer em
diversos espaços (inclui-se aqui a instituição escolar), percebemos que o termo traz consigo
uma carga de valores tidos como universais, como o que é arte, por exemplo, como
percebemos na pesquisa de campo.
Silva (2011), ao discutir o que são os valores universais, chama atenção para a
abordagem dos saberes culturais inseridos nas culturas afro-brasileiras e africanas. Nesse
sentido, ao tratarmos das relações étnico-raciais, estaríamos provocando uma ruptura da
racionalidade ocidental, considerada universal.
Trazer para cena outros referenciais formativos ocasiona conflitos e deslocamentos,
assim como foi observado em uma aula a respeito das culturas negras e indígenas, quando um
educando interrogou: “Nossa, porque a gente estuda tanta coisa de preto? Você gosta “de dar”
coisa sobre índio e preto “né fêssora””? (Estudante da EJA, adolescente, negro, Diário de
campo, 22 de maio de 2018).
Esse era o dia de encerramento de abordagem da temática indígena e, anteriormente,
havia acontecido a discussão a respeito das culturas e suas diferenças. Esse comentário foi,
segundo Yêda Maria, inusitado, pois, para ela, não demonstrou a resistência a respeito dos
conteúdos de arte negra. Entendi a observação como uma percepção de mudança dos temas
abordados de uma escola que este estudante frequentou anteriormente para a de agora.
Uma situação nos revela como um conteúdo que difere do que é visto
convencionalmente nos livros de Arte, chamou a atenção do educando. Aa observação foi
aproveitada por ela como um ensejo para justificar, mais uma vez, a importância de
estudarmos nossas culturas, e mais a fundo, as origens delas.
Introduzir temáticas como essas suscita o trabalho de desconstruir o pensamento
colonizador, que traz o termo cultura no singular e geralmente hegemônica. Essa tendência de
ver a cultura como algo que não é do povo, popular, de raízes simples e periféricas, se
constitui em uma prática que distorce e dificulta a aproximação do que seja de fato a cultura
“do outro” como discute Silva (2011).
Se a aprendizagem e a construção do conhecimento prevê a troca e a busca por
saberes, temos uma tensão quando tratamos da abordagem das relações étnico-raciais: O que
pode ser ensinado na escola? Quais culturas do outro são aceitas e de que forma? Ou ainda,
76
porque o ensino de certos saberes sobre eles causa a resistência institucional ao tentar ser
inseridos na escola?
Se a relação entre cultura e educação produz aprendizagens, que aspectos da cultura
afro-brasileira têm sido abordados na educação escolar? O que se verifica, muitas
vezes, é a invisibilidade da história de lutas, enfrentamentos e resistências das ditas
“minorias” na educação escolar. Aprender os valores sócio históricos e culturais por
meio da prática pedagógica faz parte das reivindicações históricas do movimento negro em prol da educação democrática. (SILVA, 2011, p.17)
Outro ponto importante é o de questionar o que são valores sociais e culturais
universais, vistos que estes são defendidos de forma naturalizada, tanto dentro como fora da
escola. Quaisquer outros valores que confrontem o que é o universal, tradicional, vide herança
europeia e cristã, são questionados, como algo realmente subversivo e que não deve ser posto
em diálogo dentro das instituições de ensino.
A capacidade de manter vivo o questionamento em torno do saber, poder e identidade
que são produzidos na e pela cultura no interior da sociedade e difundida nas mais diversas
maneiras (educação escolar é uma delas) nos desafia (SILVA, 2011, p.18).
Não raro, coloca-se em dúvida, se o fato de trazer a diversidade de saberes como os
negros e indígenas, não seria estabelecer a diferença pautada pela separação. Durante o tempo
de observação da pesquisa, pude perceber vários momentos em que as discussões a respeito
da diversidade nos conteúdos em sala foram motivos para debates calorosos.
Professora Yêda traz para o debate o caso da estudante da UERJ Matheusa que, na
época, foi torturada e morta no Rio de Janeiro.. Aborda a questão da tolerância, do
respeito ao outro. Segundo ela: Tolerância é a palavra do momento. Foi citado um
caso de um culto ecumênico feito na escola, onde um estudante reivindicou a
presença de um líder religioso da sua crença (Não souberam dizer o nome correto,
mas pela descrição acredito que estavam tentando citar alguma religião de matriz
africana) e que apenas comunicaram que não havia possibilidade de atenderem ao pedido. (Diário de Campo, 08 de maio de 2018).
A identificação com os conteúdos pautados na diversidade cultural acontece também
em conversas com outras disciplinas, como relata professora Yêda, quando indagada sobre as
mudanças que a abordagem dessas temáticas pode gerar nos educandos(as):
Então, pelo Projeto Identidade32 a gente conhece um pouco mais a vida deles, e aí
eles conseguem se identificar um pouco mais, pois são obrigados a escrever sobre
eles, a pensar sobre eles antes de escrever né? Por que muitos deles vão
sobrevivendo e não pensam sobre o local onde eles ocupam. E depois a gente... este
ano a gente está com um projeto, além do Projeto Identidade, sobre a cidade de
Belo Horizonte, sobre o bairro que cada um mora. Então, o que tem no seu bairro? A maioria das pessoas que estão no seu bairro veio de onde? A maioria lá é evangélica,
Umbanda ou é misturado? Tem índio, você já viu algum? E no centro da cidade?
Quantas mulheres moram na sua casa? Quantos homens? Normalmente moram
32 Projeto Interdisciplinar realizado pelos gestores e professores da Escola Arthur Bispo do Rosário sobre as
origens, identitárias, familiares e culturais dos estudantes da escola.
77
muitas pessoas na mesma casa, nessas famílias. (Yêda Maria, autodeclarada branca,
professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Refletir sobre de onde vieram, de quais origens e quem são, como é proposto pelo
Projeto Identidade, são formas de mostrar que a identificação com a arte afro-brasileira e
africana não é sobre outro, mas sobre nós mesmos. Dessa forma, fica mais fácil entender o
que nos aproxima e nos distancia quando os conteúdos são tratados em sala de aula.
Ou seja, nesse processo podemos perceber uma arte que não é exótica, mas que fala do
cotidiano de uma maioria, que tem suas diferenças, mas também muitos elementos em
comum. Se há, para educadores(as) e educandos(as), o entendimento de um único padrão de
arte, o trabalho realizado pela docente, em certa medida, provoca deslocamentos, ao mostrar
que há outras formas de lidar com as artes visuais.
Nada mais legítimo, portanto, a tentativa, por ela realizada, de superar a visão de
produções de artes realizadas por artistas negros(as) muitas vezes avaliadas socialmente como
exóticas.
Um debate sobre as religiões africanas se estendeu durante toda aula. A professora
Yêda sentiu necessidade de propor um diálogo sobre as diferenças. Mesmo com suas
explanações e apontamentos sobre ser respeitoso com o outro e conviver de forma
saudável com as diferenças, ainda é possível ouvir alguns educandos comentando:
Isso é macumba! Isso é coisa de macumbeiros! Ah, macumba não, eu não gosto,
acho pesado! Ela ainda faz uma tentativa de mostrar como a generalização pode ser
cruel, dando um exemplo da população do oriente médio, sobre como nós mesmos o vemos a partir da construção que acompanhamos desde o atentando de 11 de
Setembro de 2001, em Nova Iorque, EUA. Yêda ainda relata sobre sua curiosidade
pessoal de, sempre que pode, se permitir conhecer outras culturas religiosas (Diário
de Campo, 08 de maio de 2018).
É possível perceber na proposta de debate, feito de improviso pela professora, uma
preocupação em pensar a importância da educação para o aprendizado de valores sociais e
culturais, que é um dos argumentos principais para levarmos a temática das relações étnico-
raciais para a educação. Mostrando de diversas formas, através de pesquisas, palestras, cursos
e materiais didáticos, que o desafio da aprendizagem não está somente no processo de
escolarização, mas também na formação de indivíduos mais conscientes sobre sua história,
origem e papel no mundo.
Dessa forma, a importância do ensino de Arte na EJA perpassa por questões que vão
além dos protocolos da escolarização e prevê que a percepção do pertencimento, da
identidade, entre outros fatores, contribua para a decolonização dos corpos e pensamentos,
uma vez que estamos falando de um público com o qual a nação tem uma dívida a ser paga,
devido aos processos históricos enfrentados.
78
Essa percepção é muitas vezes incompreendida principalmente por educandos(as)
mais velhos(as). Yêda demonstra consciência de que não é um trabalho fácil, mas que ainda
assim o assume com cautela.
É, ali como professora eu tenho que ser mais neutra possível para não influenciar
nem para cima nem para baixo, né? Nem para fazer com que eles deixem de gostar
do assunto, pelo fato de eles terem uma opinião diferente da minha. (Yêda Maria,
autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA)
Para entendermos um pouco mais da importância do ensino de Arte na EJA e sua
interface com ERER, é necessário refletir acerca da representação e construção de referenciais
imagéticos.
De acordo com Ana Mae (1998),
a maior parte de nossa aprendizagem informal se dá através da imagem e parte desta
aprendizagem informal é inconsciente. A imagem nos domina porque não conhecemos a gramática visual nem exercitamos o pensamento visual para descobrir
sistemas através das imagens. (BARBOSA, 1998, p. 138)
Com essa afirmação, podemos perceber que um dos aspectos importantes para o
ensino/aprendizagem de Arte na formação de educandos(as), não está somente relacionada ao
âmbito da escolarização, ela faz parte da formação de todos, desde nossas primeiras
experiências com as formas, sons, texturas, movimentos e pensamentos.
É importante ressaltar que o uso de imagens e a discussão acerca delas não se dá
somente no conteúdo de Arte. Temos o uso constante em materiais didáticos por
professores(as) em disciplinas como História e Literatura, como importantes pontos de
enriquecimento das metodologias de aula, que facilitam e são essenciais para o entendimento
de alguns temas.
Durante as aulas acompanhadas, pude perceber que o uso de imagens é um recurso
constantemente utilizado por Yêda, inclusive, ao montar materiais adaptados para as aulas ela
se preocupa com o formato em que será mostrado. “então [...], eu sempre mostro umas
imagens primeiro. A gente discute sobre o assunto, o quê que cada um sabe sobre o que está
sendo estudado”.
O uso de imagens é um aliado em turmas com sujeitos(as) diversos(as) e com níveis
de aprendizado diferentes, que necessitam de formas diferentes de ensino. A imagem, em sua
complexidade, apesar de utilizada como uma linguagem comum a todos, carrega referências
de aprendizado que cada um pode dar naquele momento, uma relação estreita com as
experiências culturais de cada um(a).
79
As imagens apresentadas nessas aulas são produções de artistas de áreas
diversificadas, que atuam como produtores de significados, através de suas obras, seja na
fotografia, vídeo, pintura, quadrinhos, esculturas e gravuras, dentre outras.
Ressaltamos que o conteúdo imagético não é um aspecto exclusivo do conteúdo Arte e
pode se configurar como um importante meio de valorização do reconhecimento da população
negra e dos conteúdos relacionados às questões étnico-raciais no ambiente escolar.
Então a gente tem uma contribuição dos próprios alunos muito interessante. Quando
os assuntos são abordados, para nossa sorte, sempre tem algum aluno com alguma
coisa para contribuir. Raramente acontece de alguma aula ficar em “brancas” nuvens
e ninguém nunca comentar nada. Sempre eles comentam alguma coisa. Nem que seja um vídeo que eles viram, um filme, eles gostam de comentar. (Yêda Maria,
autodeclarada branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA)
Um exercício realizado nas aulas, durante o período de observação, era uma espécie de
interação feita pela professora. Sempre, ao iniciar um novo conteúdo ou exercício, ela
apresentava imagens como uma espécie de sensibilização para o tema, buscando as
percepções que os(as) educandos(as) poderiam dar sobre o que seria falado. Uma prática que
se aproxima com o trabalho de muitas curadorias educativas em exposições, nos processos de
mediação propostos pelo setor educativo e que também nos remete ao trabalho de Ana Mae
Barbosa (1998) com a abordagem Triangular.
Barbosa (1998) construiu, ao longo de suas pesquisas, o que nomeou de Abordagem
Triangular, uma sistematização que inclui as ações de produção, fruição e reflexão como
bases para o ensino/aprendizagem da Arte. Ou seja, a Abordagem Triangular inclui o fazer
artístico, a fruição de imagens e a sua contextualização.
Durante a nossa observação, as aulas com As referências artísticas negras, bem como a
abertura para que haja construção de uma reflexão a respeito dos conteúdos, foram os
momentos de maior participação e construção de conhecimento dos educandos.
A proposta da Abordagem Triangular nos leva a outros caminhos que colaboram para
que o ensino de Arte seja abrangente, no sentido de que os educandos(as) possam participar
ativamente do processo de construção de aprendizado, desenvolvendo outras habilidades que
não somente o fazer artístico, mas também o falar sobre, pensar e expor suas ideias. Essa
abordagem difundida em todo o Brasil, sendo a mais adotada por educadores(as) e
pesquisadores(as) da área. Por seu caráter aberto, possibilita diferentes apropriações e
interpretações, o que reforça sua aceitação o que reforça sua credibilidade.
Há uma dificuldade em pensar a subjetividade do ensino de Arte, como aborda
Barbosa (1998), que pode trazer em seus próprios materiais e referenciais os conteúdos com
formas livres e caminhos diversos para a construção de conhecimento, de fruição e
80
discussões. Essa forma de se pensar uma disciplina se aproxima da Literatura e da Educação
Física, por exemplo, onde as diferenças dos indivíduos podem dar sentidos e possibilidades
diferentes para respostas e processos.
Por estarmos tratando da arte e de suas potencialidades na construção de
conhecimento, destacamos que se trata de um campo ainda pouco aceito, por exemplo, pelas
áreas científicas, principalmente por, historicamente, ter sido sonegada à maioria dos(as)
estudantes. Mas, quem tem a oportunidade de se aproximar da arte pode perceber sua potência
no processo educativo, na sua capacidade, inclusive, de ampliar as possibilidades de
questionamentos.
Podemos lembrar-nos da proposta de Paulo Bruscky33
em 1978, ao questionar, o que é
arte e para que ela serve. São questões para as quais não há uma resposta certa, tão pouco
única. No trabalho do artista a ideia era evidenciar isso, buscando o maior número de
respostas possível, assim como também podem, ou deveriam ser os processos de aprendizado
na sala de aula. E, como contrapartida, abre-se para o caráter não excludente e, ao mesmo
tempo, questionador de certezas, da arte que, segundo Barbosa, a coloca como “valiosa na
educação”, uma vez que “em arte não há certo ou errado, mas sim o mais ou menos adequado,
o mais ou menos significativo, ou inventivo” (BARBOSA, 2005,p.12)
33 Paulo Roberto Barbosa Bruscky (Recife, Pernambuco, 1949). Artista multimídia e poeta.
81
O Que É Arte? Para Que Serve? (1978), registro de ação realizada por Paulo Bruscky na Livraria
Moderna, no Recife.
Assim, temos que caminhar no sentido desfazer não só dos preconceitos em relação às
questões étnico-raciais, mas também daqueles referentes ao ensino/aprendizagem de Arte que,
são mantidos em ambos os campos em pleno século XXI.
A disseminação da ideia de que as aulas de Arte se restringem a entregar qualquer
desenho para que os educandos(as) coloram significa reduzir potencialidades do saber e do
fazer artístico.
O fazer artístico, mesmo que aconteça com os mais simples materiais, como verificado
em boa parte das escolas brasileiras, não é desprendido de saber e de construção de
conhecimento como muitos ainda acreditam.
Uma vez que a arte como criação, embora atividade manual chegou a ser
moderadamente aceita pela sociedade como símbolo de refinamento, quando
praticada pelas classes abastadas para preencher as horas de lazer, acreditamos que,
na realidade, o preconceito contra a atividade manual teve uma raiz mais profunda,
isto é, o preconceito contra o trabalho, gerado pelo hábito português de viver de
escravos. (BARBOSA, 2010, p. 27).
82
A respeito da forma que o pensamento, através do ensino de Arte e do saber-fazer
artístico, foi construído dentro da cultura ocidental, com seus estereótipos e ideias, podemos
pensar no local de sua origem, a cultura eurocêntrica.
Mesmo que deslocada para uma realidade de colonizados(as), ainda temos que realizar
um grande esforço ao tentar se descolonizar e desfazer das convenções criadas, mesmo na
educação. O ensino/aprendizagem de Arte não escapa a esta realidade, que reflete na
formação de educadores(as), na sala de aula e na construção de conteúdos.
Bhabha (1998) contribui nesse debate ao desenvolver a ideia de fixidez associado ao
conceito do estereótipo. Fixidez é o que não aceita a diferença como algo natural, próprio de
uma sociedade onde encontramos sujeitos(as) diversos(as). O aceito detém o que é comum, ou
seja, o discurso que se enquadra dentro de uma estrutura de poder para ser efetivado. Quando
tratamos desse discurso, falamos do que é o dominante, o legitimado dentro da estrutura
construída pela sociedade.
Os sujeitos do discurso são construídos dentro de um aparato de poder que contém, nos dois sentidos da palavra, um “outro” saber – um saber que é retido e fetichista e
circula através do discurso colonial como aquela forma limitada de alteridade que
denominei estereótipo (BHABHA, 1998, p. 120).
Apesar do caráter contextual de suas reflexões, consideramos adequadas as suas
contribuições para analisar a realidade social brasileira. Historicamente, temos toda uma
estrutura de poder que oculta as culturas tidas como marginalizadas, como as negras e as
indígenas, sendo ressaltado apenas as características que são aceitas, que se aproximam do
padrão cultural branco e, europeu e estadunidense.
Nesse caso, portanto, a “diferença do objeto da discriminação é ao mesmo tempo
visível e natural - cor como signo cultural/político de inferioridade ou degeneração, a pele
como sua identidade natural” (BHABHA, 1998, p. 123).
Em uma aula, sobre a Idade Média, um grupo de estudantes falam como gostam de
estudar sobre aquela temática. Não explicam bem o qual conteúdo especificamente,
mas que gostam dessas coisas “diferentes”. Um deles faz uma pergunta: “É nesse
lugar que acontecem aquelas lutas né fêssora? Tipo com espadas e tal.” Outro
responde: “É isso mesmo fi, de rocha, eu grado demais também, tipo Game Of
Trones” (Caderno de campo, 22 de maio de 2018).
A temática era sobre artistas na Idade Média na Europa, de como aprendiam seus
ofícios. Porém, a reação dos estudantes nos mostra o imaginário que a mídia cria a respeito do
que foi a Idade Média. O que chama atenção é perceber a naturalidade sobre o conhecimento
que é demostrado pelo tema. Diferentemente do que foi observado na aula sobre arte
indígena, por exemplo. É mais comum a identificação com um povo que possui um fenótipo
bastante diferente da maioria desses jovens, do que se verem próximos aos indígenas, por
83
exemplo. A contradição aqui se dá por uma aproximação que os tornam mais propensos ao
racismo: As diferenças entre os (as) sujeitos(as) e suas culturas.
Sobre a questão do marcador da diferença, um dos elementos que podemos analisar no
fenômeno do racismo, dentro da estrutura de poder, é de que quanto mais negra a pele, mais
visíveis os traços negroides, mais a diferença será apontada e percebida como inferior,
chegando a ser invisibilizada no que tange ao acesso aos direitos como cidadão.
Além do problema estrutural do racismo, há outro ainda pouco analisado e discutido,
que nasce das premissas de que o trabalho manual é algo que rebaixa o indivíduo à serviçal: O
fazer artístico. Então, temos duas tensões relacionadas dentro de um projeto que visa a
colaborar com a desconstrução do racismo via educação, mas que encontra muitas barreiras
sociais que o impede de acontecer.
Podemos observar na história da EJA, como apontam Brandão e Assumpção (2009), o
fato de ela ser uma modalidade que depende de uma mobilização constante dos movimentos
de luta pela educação para continuar existindo, diante de uma precarização iminente, em
consequência do descaso em relação a investimentos e interesses políticos.
Por essa razão, é importante dar a devida atenção aos materiais e conteúdos voltados
para aulas de Arte nos anos finais do ensino fundamental e médio da EJA, possibilitando que
o(a) educador(a) que está atuando nesse campo tenha possibilidades de aprofundar discussões
que, em geral, passam despercebidas, gerando outras formas de precarização, como
conteúdos rasos e o desprezo pela diversidade cultural.
Em vários momentos, Yêda defende uma maior atenção na preparação de materiais
didáticos que, segundo ela, tem uma grande demanda. Nesse sentido, é importante atentarmos
para a importância de materiais que, não reforcem os apagamentos. Pelo contrário que possam
romper com o fluxo contínuo de opressão, de excluir e anular a cultura do outro para que a
dominante seja sobreposta a sua, e dessa forma a dominação pelo saber mais, deter o “capital
cultural”, transforma-se em uma estratégia do racismo estrutural na demarcação das
diferenças.
Observa-se que o desejo de “uma originalidade que é de novo ameaçada pelas
diferenças de raça, cor e cultura” (BHABHA, 1998, p. 117), não se trata apenas de um
processo de exclusão social moderna, ligada aos grandes centros urbanos e/ou a determinadas
áreas ditas periféricas, mas de uma repetição que é histórica, marcada pelo racismo
institucional e pela violência de uma sociedade que continua “colonizando” e
objetificandoo(a) colonizado(a), como causa e efeito deste sistema.
84
Ana Mae (2010) explica como o fazer artístico e seu ensino passaram, ao longo da
história do Brasil, por diversos processos de resistência. Desde o início da colonização do
país, com a chegada de grupos como os Jesuítas com o objetivo de catequizar, o fazer manual
passou a ser visto como trabalho designado apenas a criados(as), escravizados(as), ou até
como criações constantemente desvalorizadas por não carregarem elementos da estética
europeia.
Um dado que nos ajuda a entender a origem da valorização da estética europeia, em
detrimento de outras, em nossa sociedade, assim como na percepção cognitiva dos
educandos(as) que se veem atraídos pelas referências europeias/brancas e, como contraponto,
demonstram estranhamento diante da arte negra. Uma preferência que não é exclusiva de
adolescentes e jovens, mas que permeia a maioria da sociedade brasileira.
Superar a desvalorização do fazer, reforçada muitas vezes pela falta de possibilidades
e referências no ensino de Arte que sejam atrativas para eles(as), torna, em muitos momentos,
o aprendizado do conteúdo com uma significativa forma de resistência.
Quando tratamos do fazer, estamos também nos referindo à forma como a Arte é vista
como campo de conhecimento, da crença de que o fazer seja restrito ao colorir e/ou desenhar
descontextualizado, estigma construído ao longo da história e que, a despeito de avanços
importantes, continua naturalizado em muitas instituições escolares e pelos próprios
educandos(as).
Segundo Barbosa, (2010) a desvalorização do fazer artístico também foi desenvolvida
na história do ensino de Arte no Brasil, e só começou ser combatido por pesquisadores(as) e
artistas ao longo do século XX.
Somente com a abolição da escravatura iniciou-se o processo de respeitabilidade do
trabalho manual. Isto coincidiu com a primeira etapa de nossa revolução industrial,
que consistiu na substituição do trabalho físico pelo trabalho mecânico, invertendo os pólos preconceituais (BARBOSA, 2010, p. 30).
Ainda que as lutas envolvendo professores(as) de Arte tenham avançado, notadamente
a partir dos anos de 1980, quando se iniciou uma mobilização dos profissionais da área, com a
participação decisiva da própria Ana Mae, notamos que há ainda práticas pedagógicas dos
educadores de Arte que não são pensadas de forma a serem construídas para/com os
educandos(as). Com isso, ficam longe de buscar, em suas subjetividades e vivências, formas
de tornar a construção do aprendizado possível. Nesse contexto, percebemos que, muitas
vezes, acabam por se transformar em um instrumento de demarcação de desigualdades.
Nesse aspecto, percebemos que o fazer artístico na EJA, que atende sujeitos(as) que
são oriundos de trajetórias de desigualdades, necessita priorizar uma educação transformadora
85
para que a realidade escolar seja diferente da que os acompanhou até ali, como bem observou
professora Yêda:
Porque a vida não permitiu que ele estudasse, tiveram que trabalhar muito cedo...
Alguns alunos moram em abrigo... A vida não é fácil. Depois que a gente vê a
história de vida deles, a gente vê que a nossa vida é a “Ilha de Caras” perante a
deles. (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino médio e
fundamental na EJA).
Trata-se de um público que busca não somente uma formação, mas uma nova
oportunidade, mesmo tendo ciência da realidade que o cerca fora da escola, que não os deixa
esquecer as marcas dos seus percursos de vida.
Observa-se que os jovens pobres são privados de acessos e têm seus direitos
negados e, portanto, não têm alternativas de possibilidades colocadas em
disponibilidade. Eles e elas não deixam de fazer porque querem. São impedidos de
fazer, muitas vezes, o que realmente querem. (SILVA, 2007, p. 234).
Observamos, então, que as práticas, o fazer e o aprendizado podem adquirir novos
significados para educandos(as), que vão além dos traçados formalmente em seus processos
de escolarização. Entre eles está o acesso ao desenvolvimento de habilidades estéticas e
intelectuais, que por vezes foram negadas devido aos sucessivos processos de exclusão aos
direitos e às oportunidades que enfrentaram até chegarem à EJA.
A necessária abertura para discussões de relevância para os educandos(as), que
possam perceber o diálogo do ensino com o que acontece na sociedade, é uma das formas que
podem ser inclusivas a partir da Abordagem Triangular. Assim, pensando na educação
transformadora, de Paulo Freire (1997), destacamos autores(as) e pesquisadores(as) como
Barbosa (1998), e Martins (2011 e 2014) e Cunha (2010), que defendem um ensino de Arte
que considere a cultura e o conhecimento dos(as) educandos(as) como fundamental para
propiciar a construção de um saber crítico e, dessa forma, transformador.
Faz-se necessário formarmos um público consciente, capaz de ler/interpretar os
códigos culturais que compõem o universo digital da sociedade em rede com
autonomia e criticidade, para não ser assimilado, sugado pela “ordem de
massificação humana” que tem como premissa a homogeneização. Por isto, educar
somente para a produção não garante a formação plena (CUNHA, 2010, p. 261).
Partindo desses pressupostos, o ensino/aprendizagem de Arte, em diálogo com a
temática étnico-racial, potencializa a formação mais consciente ao público da EJA. Isso
porque, as questões que essa interseção provoca diz respeito a esses educandos, que não são
apenas coadjuvantes nessa discussão, mas atores principais, não só no campo da sala de aula,
86
mas com suas histórias de vida, seja pela referência étnico-racial que carregam em seus
fenótipos, por membros de sua família e amigos ou mesmo pela origem social.
Como foi observado no campo e no relato da professora Yêda Maria, os(as)
sujeitos(as) que são acolhidos na EJA enfrentam diversas situações de conflito na escola,
como a de não se reconhecerem como parte dela. Nesse sentido, podemos inferir que a
ausência da abordagem das relações étnico-raciais, uma vez que a Lei nº. 10.639/03 é muito
recente em relação ao tempo em que retomaram os estudos, tem um peso significativo nessa
tensão.
É nesse campo de conflitos e discursos diversos entre os educandos(as), que o(a)
docente constrói sua rotina de trabalho e ensino. Por isso, consideramos como fundamental a
postura adotada por esse profissional, uma vez que os estudos realizados na área apontam para
a necessidade de se estar aberto aos diálogos que irão surgir e, também, aos que podem ser
silenciados em sala de aula, como os que envolvem as questões étnico-raciais.
Sendo assim, Jardilino e Araújo (2014) chamam à atenção para a sala de aula da EJA,
um local onde a diversidade de sujeitos(as) se encontra, sobretudo os que têm marcas da
exclusão em suas histórias de vida. Segundo eles “trata-se de um contingente de atores sociais
que foram historicamente excluídos dos processos educativos” (JARDILINO E ARAÚJO,
2014).
Também podemos observar que existem muitas questões envolvidas em relação à
formação continuada de professores(as) no que concerne o ensino/aprendizagem de Arte e as
relações étnico-raciais, uma vez que a implementação da Lei n°. 10.639/03 não é apenas
responsabilidade dos(as) docentes, sobretudo, de Arte, História e Literatura. É um processo
que envolve diferentes instituições, como as escolas de ensino superior, as secretarias de
educação do estado e do município e o próprio Ministério de Educação, entre outros. Não
obstante, os dados obtidos apontam que um importante passo a ser dado é o de se assegurar,
na formação inicial e continuada de professores(as) de Arte, História e Literatura, mas
também dos outros campos do conhecimento, componentes curriculares que contribuam para
o embasamento teórico/ prático a respeito da temática étnico-racial.
3.2 - Sobre as especificidades de trabalhar o ensino/aprendizagem de Arte na
perspectiva da ERER com os sujeitos(as) da EJA
Bonés, chinelos Kenner, Havaianas, blusas de time, cabelos cortados “na régua”,
descoloridos, sobrancelhas muito bem feitas (nos educandos que se identificam com
o sexo masculino), cílios permanentes, celulares de última geração. Muitas selfies.
Percebo que, por algum motivo, vou sair na foto propositalmente. Muitos causos,
87
muitas gírias. De repente não consigo mais entender o que dizem. Toda frase
termina com “Zé”, mesmo quando são as educandas que dialogam. – “Nossa Zé, de
rocha!” A professora vê a atividade enquanto eles conversam. (Diário de Campo, 15
de maio de 2018)
Há diferentes maneiras de percebermos a questão racial. Um breve olhar a esse
respeito é capaz de revelar a presença expressiva de educandos(as) negros(as) que se fazem
presente nas salas de aula da EJA, uma população que, historicamente, sofre com a ausência
de direitos básicos como educação, saúde e moradia.
Na escola observada, há jovens moradores(as) de bairros periféricos de Belo
Horizonte, mas também de toda região metropolitana, como as cidades de Betim, Ribeirão das
Neves e Santa Luzia, dentre outras. Os modos como se vestem, dialogam, aprendem e
compartilham seus conhecimentos são permeados de marcadores simbólicos sociais que
advém de suas classes sociais de origem. Esses(as) sujeitos(as) levam, para a sala de aula
questionamentos, impressões e situações vividas nas quais a questão racial faz parte, deixando
claro o quanto é importante entendermos a respeito das especificidades de trabalhar o ensino
de Arte na perspectiva das relações étnico-raciais na EJA.
Se os pressupostos básicos abordados pela academia na formação inicial de
professores priorizam questões acerca da didática, da psicologia da educação e das vivências
de estágios, a nossa proposta é a de aprofundar em um tema que foi, na maioria das vezes,
ignorado nessa formação.
A dificuldade de encontrarmos, no início desse trabalho, (as) professores(as) de Arte
que abordassem a ERER em sua prática, deixou nítido, para nós, que a formação desses
docentes foi estruturada em um currículo eurocêntrico.
A própria Yêda, durante a entrevista, relatou que não teve, em sua formação inicial,
nenhuma abordagem em relação à ERER e que o seu conhecimento a respeito da temática
étnico-racial é fruto de seus esforços pessoais, inclusive com investimentos em cursos de
formação continuada.
Pensar em novas epistemologias, na perspectiva de levar em consideração outras
formas de conceber os(as) sujeitos(as) e seus conhecimentos, tem sido, entre outras correntes
de pensamento, defendido a partir das Epistemologias do Sul (SANTOS, 2010).
Nesse modo de conceber o conhecimento, questões como pensar lugares, a educação
popular e formas organizativas que corroborem para o crescimento de seus participantes
ganham centralidade. A discussão das relações étnico-raciais também é aprofundada, na
perspectiva da descolonização dos corpos e de suas mentes, como uma forma de emancipação
individual e coletiva.
88
Ao buscarmos compreender os(as) sujeitos(as) da EJA, em suas dimensões identitárias
étnico-raciais, nessa modalidade de ensino, conforme preconizado em Lei, é necessário
investir no respeito às diversidades. Este é um pressuposto para que a escola seja um
ambiente de convivência e compartilhamento de conhecimentos que possibilitem a realização
da discussão da temática étnico-racial.
Assim, poderemos realizar discussões na escola que trabalhem temas como: a
influência da mídia, a religião, a cultura, a estética, a corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva afro-brasileira. Essas e outras temáticas
podem e devem ser realizadas ao longo do processo escolar e não somente nas datas
comemorativas, na semana do folclore ou durante a semana da cultura (GOMES,
2005, p. 151).
Esse percurso se relaciona com o processo de desconstrução do racismo estrutural em
nossa sociedade, que passa também por abordagens da ERER na escola. O racismo, nesse
caso, não se restringe a um fenômeno ligado a episódios de discriminação entre indivíduos,
em situações pontuais. Trata-se de algo mais profundo, que está enraizado na maneira com
que fomos educados para as relações raciais.
Ainda que a raiz da discriminação racial tenha seu cerne nos processos de
desumanização, advindos do período da escravidão, o racismo, ao longo da história, se
reconfigura, diversificando suas formas de manter, socioeconomicamente, situações desiguais
estruturais.
A sociedade produz novas formas de racismo que nada têm a ver com o passado
escravista. Portanto, a luta é contra este presente concreto, atual, cotidiano, visível e
comensurável e não contra um passado sobre o qual as novas gerações conhecem
pouco ou mal através de manuais de história (MUNANGA, 1996, p.82).
Estas questões não podem ser desprezadas ou minimizadas ao relacionarmos esse
contexto, ao campo de pesquisa do ensino/aprendizagem de Arte, que no Brasil - enfrenta
diversas lutas em relação à desconstrução de teorias e achismos a respeito do que deva ser
tratado ou não em sala de aula.
No caso de Yêda, por exemplo, ao decidir abordar temas relacionados à cultura,
identificação racial, gênero, classe, entre outros, ela se viu obrigada a buscar, por conta
própria, uma formação que lhe garantisse embasamento para realizar seu trabalho. Se por um
lado, esse dado demonstra o seu comprometimento com a aprendizagem dos educandos(as) e
o seu trabalho, por outro, evidencia os desafios postos para a formação de professores(as).
A constatação é de que com o aporte teórico a respeito do ensino/aprendizagem,
construído ao longo do tempo com teóricas como Ana Mae Barbosa (1998) e Martins (2011 e
2014), entre outros, não há espaço para tratar o ensino de Arte como menos importante,
dispensando uma formação específica para professores(as), o que pode acarretar danos no que
89
tange ao ensino e aprendizagem e consequentemente aos educandos (as) atendidos (as) por
estes profissionais.
Por isso, há de se desfazer não só dos preconceitos em relação às questões étnico-
raciais, mas também daqueles referentes ao ensino/aprendizagem de Arte que, em pleno
século XXI, ainda permanecem.
Nesse sentido, é importante reforçarmos a contribuição de Da Silva (2007, 2017),
Silva (2010) e Jardilino (2014), que dedicam suas pesquisas à EJA, suscitando o
rejuvenescimento negro na EJA. Fenômeno esse que é um desafio enfrentado pelos docentes
que atuam nessa modalidade de ensino a partir da diversificação etária e étnica dos(as)
sujeitos(as).
De igual modo, as contribuições de Carreira (2014), ao verificar de que maneira as
dimensões de gênero e racial afetam o processo educativo na EJA possibilita-nos entender que
o desafio recorrente da exclusão se dá devido a fatores internos e externos, a saber: o não
lugar social imposto aos educandos(as), o “fracasso” escolar colocado como consequência
individual de suas ações, a necessidade de manter a própria subsistência e de sua família com
o trabalho e o ingresso na vida marginal, entre outros.
Yêda destaca outro fator de exclusão, que diz respeito à situação de abandono familiar:
“quando tem alguém que cuide dele, (educando) um avô, um tio, um parente próximo ou mãe,
pai muitas vezes não tem, na maioria das vezes não, não é presente”. O que acontece fora da
escola, se estende e reflete na vivência escolar destes(as) sujeitos(as), um reflexo de uma
realidade complexa, que costuma ser encarado como rebeldia e/ou falta de vontade. No
entanto, pelo menos na E.E Arthur Bispo, há uma clara preocupação, tanto da gestão quanto
dos professores em enfrentar esse desafio de outras formas, considerando a realidade dos(as)
educando.
A responsabilização dos educandos(as) jovens, negros(as) e pobres vai além do
ambiente escolar, podendo ser identificada, em outras falas, advindas tanto do poder público
quanto da sociedade em geral, revelando a dificuldade destes em enxergá-los como pessoas,
cidadãos(ãs) de direitos, que merecem ter as oportunidades que, de fato, lhes foram negadas
anteriormente.
Com diversas justificativas, que podem ir além dos muros da escola, como família
desestruturada, dificuldades de aprendizagem relacionadas a transtornos psicológicos,
dificuldades financeiras, egressos de situações criminosas, esses(as) sujeitos(as) seguem
excluídos(as). Devemos nos atentar, pois, para a compreensão de que o(a) educando(a) dentro
90
dessas situações, na grande maioria dos casos, é vítima do racismo estrutural, que, de alguma
forma, busca culpá-lo pelo seu “fracasso” escolar. Isso se reflete na EJA, que:
todo ano recebe milhares de pessoas do grande contingente de alunas e alunos
excluídos da educação básica regular, a maioria jovens negros, que por diversas
razões voltam e dão “mais uma chance” à escola por meio da educação de jovens e
adultos (CARREIRA, 2014, p.211).
Desta forma, essa modalidade de educação é vista como uma possibilidade de retorno
dessas pessoas para o sistema que as excluiu, tentando, mais uma vez, se esquivar de um
caminho, muitas vezes imposto por um sistema que de fato as repele.
A turma é bastante heterogênea. Desses jovens, apenas dois são brancos. Os demais,
visivelmente, poderiam se enquadrar na identificação de pardos, negros e pretos (de
acordo com as opções estabelecidas pelo IBGE), sendo a idosa, a pessoa de pele
mais retinta da turma. Mesmo que sejam sujeitos(as) com necessidades, motivos e
condições diferentes para estarem frequentando a EJA, são perceptíveis um padrão
de cor de pele, textura de cabelos e origem social. Esse padrão se repete pelas outras
turmas da escola, mesmo nos outros níveis de escolaridade, sejam eles alfabetização,
ensino fundamental ou médio (Diário de Campo 24 de abril de 2018).
A professora participante também se mostrou consciente de perceber o fenômeno de
rejuvenescimento negro da EJA e entende o significado do retorno desses(as) sujeitos(as) à
escola. Na instituição investigada o quantitativo de jovens negros(as) é bastante superior em
relação ao de adultos(as) e idosos(as), que também são, em sua maioria, negros(as).
Em um dos dias de observação foi constatado, na turma do 9° ano do ensino
fundamental acompanhada, o seguinte perfil discente:
Ensino Fundamental - 9° ano EJA
Classificação Faixa
Etária
Número de
Educandos(as)*
Raça
Jovens 10 7 negros 3 brancos
Adultos (as) 3 2 negros 1 branco
Idosos (as) 1 1 Negra
Total de pessoas 14
*Número de pessoas presentes em um dia de aula
Entre os impactos gerados por uma educação colonizada, podemos perceber a
reprodução do modelo histórico instaurado em um país como o Brasil, que não contempla as
relações étnico-raciais em seus currículos (SANTOS, 2010). Um exemplo é que, geralmente,
qualquer atividade cotidiana que envolva abordagens judaico-cristãs, na escola, além de
aceita, é aceitável, como o ritual da reza antes da entrada para a sala, o oratório no pátio com
imagens etc.
91
Já as ligadas às matrizes culturais afro-brasileiras e africanas, são refutadas,
classificadas como magia [negra], mesmo não tendo relação alguma com o Candomblé ou a
Umbanda, religiões erroneamente associadas a esse termo. Quando indagada sobre a
resistência a respeito dos conteúdos relacionados com as histórias e culturas afro-brasileiras,
Yêda explica como trabalha:
Resistem alguns adultos, radicais religiosos quando eles são muito fervorosos. [...],A
gente tem que tomar mais cautela com o tipo de vocabulário que utilizamos em sala. Para respeitar a religião que ele tem, para não radicalizar muito e evitar o máximo
possível emitir a minha própria opinião, tentar ser o mais neutro possível na
abordagem dos assuntos. Eles me perguntam sempre, mas eu evito ficar dando a
minha opinião. Eles sempre me perguntam sobre qualquer coisa, opções sexuais,
opções religiosas, sobre isso e aquilo outro... eles querem sempre saber a minha
opinião até mesmo para ter uma espécie de um guia para saber se vão contra ou a
favor, mas eu evito totalmente dar a minha opinião. (Yêda Maria, autodeclarada
branca, professora do ensino médio e fundamental na EJA).
O preconceito e a discriminação racial em relação às religiosidades de matrizes
culturais afro-brasileiras e africanas são, na maioria das vezes, frutos da desinformação.
Porém, um dos desafios postos é o de como abordar o trabalho de Mestre Didi34
, por exemplo,
sem mencionar que a sua produção artística é inspirada nos símbolos culturais dessas
matrizes.
Nesse sentido, ao abordar as relações étnico-raciais, é fundamental que o(a) docente esteja
ciente dessas tensões para que possa se preparar e enfrentar as questões que surgem ao tocar
no assunto.
Isso porque ele(a) estará alterando a normatividade instaurada, de uma educação
cristã, branca e de referenciais colonizadores, tida como padrão e como a que deve ser
seguida e ensinada. Como também nos fala Santos (2010), em consonância com as
epistemologias colonialistas.
A religiosidade cristã é uma temática muito presente nos conteúdos de Arte, reflexo da
influência provocada pela igreja católica quando ocupava centro do poder político, utilizando
a arte como instrumento de demonstração de poder. Ainda assim, a professora Yêda relata
que, procura, em sua forma de trabalho, tratar todas as religiões como iguais, em relação à
atenção dada como conteúdo. Porém, as tensões aparecem. Presenciamos debates calorosos a
31Mestre Didi (Deoscóredes M. dos Santos) (1917-2013) Foi um importante escultor e sacerdote. Em 1925
Deoscóredes foi iniciado no culto aos ancestrais (Egungun) da tradição Iorubá na Ilha de Itaparica/BA, quando
ficou conhecido como “Mestre Didi”. Realizou dezenas de exposições nacionais e internacionais. Sua obra tem
grande destaque para as esculturas, o que lhe fez ser uma referência de artista que trata da temática afro-
brasileira. Disponível em:
<http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/indice-biografico/lista-de-biografias/biografia/2016/04/07/mestre-
didi-deoscoredes-m-santos> Acessado em: 21 de janeiro de 2019.
92
respeito ao que seria macumba e sobre as diferenças religiosas em relação a outras culturas,
como as indígenas, por exemplo. A abordagem desta temática no âmbito do ensino da Arte,
bem como em outros campos, permanece, no cotidiano das escolas, como um verdadeiro tabu.
Yêda, que também tem experiências em escolas Cristãs, percebe que nestas há um
ambiente mais propenso a sofrer represálias se o tema abordado for “polêmico”. Porém, ela
afirma que não deixa de realizar seu trabalho de educadora, prezando pelo diálogo em relação
a qualquer problema.
Mas eu abordo, sempre falo das religiões islâmicas, no Candomblé, da Umbanda...
No caso das indígenas, então para falar de arte indígena eu abordo a religião.
Quando estou falando especificamente de arte da Bahia eu abordo também, por que
a religião interfere diretamente nos artistas, sua arte traz influências diretas da
Umbanda, alguns deles né? Então, [...] não tem escapatória, eu tenho que falar sobre.
Mas onde eu estou agora, nas duas escolas que eu estou agora, nas particulares, não
tenho problema nenhum, mesmo sendo uma escola católica praticante, inclusive com aula de religião católica. Eles leem a Bíblia e tal… fui trabalhar outras
religiões, mas eu estava falando sobre, não estava pregando sobre, estava explicando
como elas funcionavam. (Yêda Maria, autodeclarada branca, professora do ensino
médio e fundamental na EJA).
O ensino/aprendizagem de Arte na perspectiva da ERER apresenta especificidades que
são necessárias de serem levadas em consideração. Por esse motivo também, é que, como já
foi dito, os cursos de formação inicial e continuada de professores(as), bem como as pessoas
dedicadas à produção científica da área, necessitam estar atentos aos enfrentamentos e
desafios vivenciados por docentes cotidianamente no desenvolvimento de suas práticas
educativas.
3.3 - Da história da arte à arte negra: desafios para a construção de novas abordagens
do ensino/aprendizagem de Arte na EJA
O tema da aula de hoje é a origem de algumas influências de culturas diversas na
escrita e nos numerais. Yêda está lecionando com uma atividade proposta no livro
didático, sobre “Arte rupestre”. Dentro do tema também é mencionada a questão
indígena. Curiosamente, uma educanda exclamou se a tradição musical indígena
seria “macumba”. A professora explica que não é um problema a cultura e religião
do outro ser diferente. Um debate sobre as religiões se instaura com a participação
de todos da turma. Após um tempo de discussão, surge a questão do preconceito,
sobre respeitar e ser respeitado e sobre nossos costumes que podem ser vistos com
preconceito por pessoas de outras culturas. A maior parte da turma se declarou
explicitamente cristã. Observo três educandos mais sérios, que não participam,
apenas observando de cabeças baixas. (Diário de Campo, 08 de Maio de 2018).
Os conteúdos dos materiais didáticos de Arte utilizados nas escolas enfatizam a
história da humanidade na arte pré-histórica, moderna e contemporânea. Mas, as temáticas
relacionadas às populações indígenas e negras, exigidas pelos editais, aparecem, salvo
93
algumas exceções, como algo à parte, tratadas isoladamente, desconectadas do contexto geral.
Se o(a) professor(a) não tem uma formação e sensibilidade em tratar esses temas, ,
quando discutir a história da Arte, tenderá a restringir suas aulas aos conteúdos de referências
europeias e estadunidenses. Esta situação se apresenta como problemática, principalmente se
consideramos a história da arte no Brasil.
Para entendermos melhor essa questão, precisamos retomar a própria história do
ensino de Arte em nosso país. Desde o período colonial, com o estabelecimento da escola
jesuítica, constatamos fatores que contribuíram para uma hierarquização do conhecimento. A
escrita e o fazer artístico são um exemplo desse período. Elas foram tratadas como saberes
distintos e, consequentemente com valores que os hierarquizaram.
Dentre as suposições jesuíticas, no presente, realço – pelas implicações
desencadeadas, principalmente, na autoestima profissional – a alegação de que a arte
é dispensável ao currículo escolar, devendo justamente por isso, ocupar uma posição
subalterna em relação aos outros saberes, inclusive, os considerados artísticos (NASCIMENTO, 2008, p. 28).
É importante lembrar que a Missão Jesuítica foi uma organização financiada pela
igreja católica com interesses na catequização disfarçada de educação formal e religiosa
dos(as) sujeitos(as) atendidos(as).
Nascimento (2008) reforça que dentre os interesses da igreja ao catequizar e ensinar
alguns saberes às crianças, havia também a diferenciação no ensino aos brancos e ricos, e aos
indígenas nativos, aos quais não só o ensino de leitura e escrita era necessário, mas também a
imposição de saberes culturais de uma sociedade desconhecida, estrangeira.
Considerando os diversos processos de ensino/aprendizagem, podemos destacar aqui
semelhanças e diferenças no trato com sujeitos(as) que advém de culturas construídas
socialmente como “diferentes”, principalmente da arte, conteúdo demarcado como supérfluo.
Essa distinção parece ter contribuído para disseminar outra equivocada suposição,
que perdura até hoje, também associada ao modelo aristocrático que moldou a
sociedade brasileira, como afirmou Ana Mae Barbosa. Refiro-me à ênfase à arte como um saber imprescindível na formação da elite, considerando-a em
contraposição, opcional ou desnecessária na educação da população, sobretudo à
pobre e miserável (NASCIMENTO, 2008, p. 37).
Dentre os diversos problemas advindos do período de exploração das terras brasileiras
por Portugal, como o extermínio populacional indígena, verificamos ainda que a construção
educacional implantou no imaginário nacional impressões equivocadas a respeito de uma área
de conhecimento.
Em razão do eficiente trabalho de subjetivação jesuítica, essa hierarquização passou
a fazer parte da “construção mental brasileira”. Muita gente comunga, ainda hoje,
por exemplo, da ideia de que língua portuguesa e literatura são indispensáveis no
94
currículo escolar enquanto a arte na educação é facilmente descartável
(NASCIMENTO, 2008, p. 28).
Por sua vez, Yêda busca sanar essa lacuna histórica por meio de cursos de pós-
graduação e os de formação continuada, estes ofertados pela SMED/BH, ainda que tenha
dificuldade para conseguir a liberação do trabalho e participar das aulas.
Tem algumas matérias da pós-graduação que são relacionadas à formação de
minorias, alunos com inclusão, alfabetização de jovens e adultos. É uma pós
específica para jovens e adultos, então são diversas abordagens que são diretamente
úteis para escola. Quem me dera, se eu pudesse ser dispensada para fazer tranquilamente, mas isso não acontece não. (Yêda Maria, autodeclarada branca,
professora do ensino médio e fundamental na EJA).
Se nomes de artistas como os de Michelangelo, Leonardo da Vinci e Donatello, entre
outros, são considerados indispensáveis para entender a História da Arte, podemos indagar:
Por quê? Quais são os elementos que estão presentes em suas obras? É preciso contextualizar
que a produção desses artistas foi concebida em períodos em que a igreja católica era o centro
do poder, e consequentemente, seus elementos estéticos e culturais se faziam presentes nos
temas e na concepção das imagens.
Assim, da mesma forma, temos no período jesuítico no Brasil uma demanda de
linguagens e temáticas indispensáveis.
A beleza era essencialmente formal. O conhecimento derivava das formas das
coisas, emanadas de Deus. A arte era guiada por um raciocínio justo de origem
divina. As artes tinham importância quando produzidas a partir de modelos que
seguiam as sa(n)gradas escrituras e catolicismo. A criação artística era uma espécie
de virtude criativa deixada por Deus. A pintura era considerada a leitura dos
iletrados (NASCIMENTO, 2008, p.33).
A partir desse exemplo da história da arte brasileira é possível reconhecermos as
marcas da colonização/religiosa na formação estética e subjetiva presente na população
brasileira, seguindo, pois, o mesmo modelo difundido na Europa. Assim, podemos
compreender determinadas resistências e dificuldades em trabalhar com outros referenciais
estéticos na educação básica e na graduação, como, por exemplo, a arte negra.
Ressaltamos que a definição do termo arte negra envolve divergências sobre seu uso e
atribuições entre autores(as) e pesquisadores(as). Nesta dissertação, optamos por uma
concepção ampla, observando que, ao tratarmos do conceito de raça, não falamos somente de
elementos ligados ao fenótipo na formação da identidade do artista, mas também de questões
culturais que o influenciam em relação ao meio social.
Segundo Munanga (2015), a complexidade em relação à arte afro-brasileira se dá
devido a vários processos, inclusive o de resistência dos povos escravizados, o que significa
utilizar o termo como uma forma de dar continuidade na conservação de culturas
95
afrodescendentes. Esta concepção não anula a discussão a respeito do lugar no negro na arte,
que é inclusive importante e complexa, mas se torna outra, que perpassa pela a afirmação
negra, não só nos artistas, mas também em suas temáticas e obras.
Na medida em que esta arte tornou-se uma das expressões da identidade brasileira,
ou seja, uma das vertentes da arte brasileira, qualifica-la simplesmente de arte negra
no Brasil seria cair num certo biologismo. Seria excluir dela todos os artistas que,
independentemente de sua origem étnica, participam dela, por opção político-
ideológica, religiosa, ou simplesmente por emoção estética no sentido universal da
palavra. É a partir desta noção mais ampla, não biologizada, não etnicizada e não
politizada, que se pode operar para identificar a africanidade escondida numa obra. (MUNANGA, 2000, p.108)
O trabalho de reapropriação dos saberes e fazeres artísticos passa também pela
criticidade de pesquisadores(as) de artes visuais com vista a legitimar e a ampliar as
contribuições culturais dos povos negros e indígenas de maneira política, crítica e reflexiva.
É possível considerar que a visão tomista tenha trazido consequências indeléveis à
arte na educação escolar. Sua persistência não tem mais sentido, necessitando, como
disse Cervantes, deixar o passado no passado, e tomar, no presente, outra vereda na
qual os diferentes tipos de arte possam conviver de igual modo e importância
(NASCIMENTO, 2008, p. 33).
Muitos(as) dos artistas que tratam da arte afrodescendente do Brasil, e de outras partes
do mundo, muitas vezes esquecidas pelo mercado de arte capitalista, como Cuba, África do
Sul, Haiti, entre outros, não são conhecidos(as) pelos educadores(as) e muito menos
apresentados(as) aos educandos(as), o que nos causa um hiato cultural pela falta de
aprofundamento nas discussões sobre as possíveis concepções de arte.
É possível inferir que daí advém a dificuldade da aceitação dos educandos(as) aos
exemplos de obras apresentadas pelos educadores(as) que trazem contextos diferentes de suas
culturas. Esses momentos, que poderiam ser oportunidade de diálogos, de aprendizados,
muitas vezes se convertem em ambientes de chacotas, de resistências e, nas palavras
deles(as), de zoação.
Essa constatação é feita por Yêda que, ao indagar seus(suas) estudantes sobre o
conhecimento a respeito de arte negra, percebe que muitos deles(as) nunca tinham tido
contato com esses conteúdos sendo tratados dessa maneira.
Nesse sentido, voltamos à Lei nº. 10.639/03 e as suas Diretrizes, como importantes
subsídios para se pensar abordagens de ensino de arte na EJA com o enfoque na arte negra.
Trata-se, na verdade, de pôr em relevo a produção de artistas, afro-brasileiros(as) e
africanos(as), negros(as) e não negros(as), que abordem em suas produções artísticas estéticas
contra hegemônicas.
Esse trabalho, que vem sendo realizado historicamente por vários artistas, é ainda
invisibilizados nos processos de escolarização, o que nos motivou a criação do sítio Base
96
Preta. Um recurso a ser disponibilizado para educadores(as) que demandam conhecer
referências, de artistas e obras, que tratam das questões étnico-raciais, para que, em
momentos distintos, possam utilizá-las nas salas de aulas, de acordo com suas necessidades e
propostas educativas.
A maioria dos conteúdos de Arte que encontramos hoje, mesmo para o Ensino Médio,
é voltada para crianças e adolescentes. Temos livros distribuídos pelo governo que trazem em
suas propostas artesanatos, experimentos e links da internet, que não levam em consideração a
realidade dos(as) sujeitos(as) que se encontram na EJA.
A arte contemporânea, por exemplo, conta com artistas que buscam tratar em suas
produções o tema das relações étnico-raciais. Mas, a possibilidade de acessá-la, e mesmo
problematizá-la, passa pela democratização do direito à educação em/sobre arte,
principalmente se considerarmos que grande parte dos(as) estudantes presentes na EJA nunca
esteve em galerias de arte, museus e exposições.
Essa dívida, histórica social, tem a ver a formação sociocultural do país. Assim sendo,
cada um dos educandos(as) inseridos na EJA pode e deve contribuir com exemplos de suas
realidades sobre as concepções de arte em suas culturas e saberes.
Mostrar a esses(as) sujeitos(as) que suas realidades possuem estéticas próprias, muitas
delas exploradas por diversos(as) artistas, e que há diferentes histórias dentro da cultura
brasileira, podem ser importantes estratégias para o ensino/aprendizagem. Além disso, é
fundamental valorizarmos a representação estética das populações negras e indígenas na
abordagem de seus conteúdos, reposicionando com isso a história da Arte que vem sendo
prescrita desde a inauguração da Academia Imperial de Belas Artes, em 1826.
97
Imagem 09 - Adriana Santana da Silva, s/título, 2018. Caneta nanquim sobre papel.
Considerações finais
Acompanhar o cotidiano escolar buscando perceber o processo de
ensino/aprendizagem de Arte realizado por Yêda Maria, em turmas da EJA, no trato das
relações étnico-raciais foi, inicialmente, a proposta apresentada para esta dissertação. Porém,
desde os primeiros contatos estabelecidos, fui tomada por um sentimento ambíguo entre
proximidade e distanciamento dos(as) educandos(as) com quem tive contato. Por ser negra,
jovem e ter o cabelo crespo fez com que eu me aproximasse deles(as) em pretenso “pé de
igualdade”.
Inclusive, durante o trabalho de campo, fui abordada diversas vezes como educanda
tanto por eles(as) quanto pelos(as) funcionários(as). Em contrapartida, o capital cultural
adquirido ao longo da minha trajetória, conforme estabelecido por Pierre Bourdieu, se
constituiu como baliza das diferenças, no sentido de posicionamento, forma de comunicação
com professores (as) e coordenação e a liberdade de circulação nos espaços da escola e de
horário, entre outros.
Nesse sentido, não é mero detalhe os(as) educandos(as) não aparecerem na maior parte
do tempo deste trabalho, a não ser como observados no processo de pesquisa. Este
98
comportamento me fez pensar como as diferenças, mesmo que “invisíveis”, tem poder na
demarcação de limites entre as pessoas.
Nas diversas situações vividas, pude perceber que o lugar ocupado, de mulher negra,
professora de Arte e mestranda em Educação, não é comum às jovens negras. Esta percepção
do lugar que ocupo trouxe também a consciência de que não se trata de meritocracia, e sim de
políticas públicas conquistadas (resultado de lutas movimentos sociais e da sociedade civil
organizada), que buscam assegurar direitos sociais, sobretudo à população negra e pobre do
nosso país.
Essas ponderações estão relacionadas com os propósitos da investigação realizada no
sentido de descontruir determinada visão romântica a respeito do que é ser negro, periférico,
mulher. E mais, quem são os(as) educandos(as) da EJA. Trata-se, portanto, da busca de
reconhecimento de direitos sociais de pessoas jovens, adultas e idosas negras e brancas por
seus direitos.
Se a sociedade é um lugar de tensões estabelecidas por problemas como a pobreza,
discriminações e genocídios, entre outros, a EJA é a modalidade de ensino privilegiada de
trabalhar com os(as) sujeitos(as) afetados(as) constantemente por situações sociais limite.
Situações que também fazem parte da história de muitos(as) artistas que tratam as relações
étnico-raciais em seus trabalhos. Estéticas identitárias peculiares, ao mesmo tempo ricas, que,
ainda hoje, não são tratadas com a profundidade necessária em materiais didáticos, como
livros, por exemplo. São vozes que reverberam na cena artística, mas que correm o risco de
nunca serem ouvidas.
Daí a importância da implementação das leis nº. 10.639/03 e nº11.645/08 e de das suas
respectivas Diretrizes. Elas reconhecem a produção, independência e desenvolvimento
artístico-científico da população negra e indígena no Brasil. Cabe ressaltar ainda, a esse
respeito, o movimento de empoderamento identitário impulsionado por artistas negros(as)
e/ou periféricos(as) em busca de conhecimento e aprimoramento de seus trabalhos estéticos e
artísticos.
Um dos resultados alcançados diz respeito à convivência com a professora que se
disponibilizou a participar deste trabalho. Em diversos momentos, as percepções variavam
entre questões técnicas e de empatia. Com a aproximação, na realização da pesquisa, tornou-
se nítido o quanto é desafiador o seu esforço profissional entre a dupla jornada na função de
educadora e mãe. Questão essa que acomete uma maioria de mulheres que atuam na educação
99
básica ou superior, pública ou privada e é ainda mais desafiadora para as autodeclaradas
negras.
A questão de gênero veio à tona em diversos momentos, principalmente devido às
discussões que ganharam corpo em função das eleições de 2018 e a perda de direitos sociais
como com a aprovação da Ementa Constituição nº. 9535
, durante o período vigente de
pesquisa.
Outro achado está relacionado ao motivo da interrupção do trabalho da observação na
escola, quando percebemos o campo de tensões demarcado no processo de
ensino/aprendizagem de arte em que docentes com outras formações estão habilitados a
ministrar as aulas de Arte.
Será que a extinção da disciplina de Matemática, por exemplo, seria viável para que a
de Arte pudesse ser lecionada? Esta indagação recoloca para o debate e contribui para
perceber que tanto na EJA assim como outras modalidades de ensino, há uma hierarquização
do status de conteúdos sendo que algumas disciplinas escolares são consideradas
imprescindíveis, enquanto outras são vistas como dispensáveis. Essa discussão também pode
abarcar a situação da sobreposição das aulas de Educação Física e Arte, provocando a
necessidade de que os(as) educandos(as) escolha qual frequentar. Diante dessas situações,
percebemos um constrangimento em Yêda Maria, mesmo que ela não tenha se manifestado
verbalmente sobre elas.
Em meio a tantos desafios, o ensino/aprendizagem de Arte aparece como um conteúdo
que merece menos atenção que outros, como Português e Matemática. Nesse sentido,
destacamos que, embora muitas vezes esse campo seja associado a uma concepção da arte
como decoração, aqui focamos em uma concepção de arte transgressora e política.
Isso significa que a abordagem dos conhecimentos voltados para ERER, no que tange
o fazer artístico e a fruição das obras, seja no âmbito das artes visuais, da música, do teatro ou
da dança, são atos políticos em si. Daí a importância do trabalho realizado pelos(as)
professores(as) no sentido de estabelecer possibilidades de resistências culturais na
perspectiva estética da Arte para seus educandos(as) com vista a valorizar o que já é muitas
vezes vivenciado por eles(as) em seus cotidianos.
A pesquisa também revelou a necessidade de acesso aos materiais didáticos para o
desenvolvimento do trabalho. Um ponto de reflexão a ser aprofundado diz respeito à maneira
que os livros da EJA, aprovados no PNLD de 2014, trabalham com temáticas referentes à
32 Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/legislacao/DetalhaSigen.action?id=540698>
Acessado em: 04 de fevereiro de 2019
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diversidade étnico-racial. Constatamos que as diferenças culturais e regionais locais
necessitam ser melhor abordadas, tendo em vista as especificidades encontradas na EJA em
relação à heterogeneidade, a saber: idade, raça, origem sociocultural, gênero, entre outras.
A esse respeito, os resultados apontam ainda para a necessidade de mais estudos que
contemplem o ensino/aprendizagem de Arte na EJA e a produção e o uso de materiais
didáticos voltados para as relações étnico-raciais. E mais, a importância de se aprofundar essa
discussão, garantindo sua presença na matriz curricular da formação inicial e continuada de
professores(as) de Arte.
O contato estabelecido com as práticas pedagógicas realizadas pela docente também
nos possibilitou pensar o uso de imagens e vídeos como mediadores de conhecimento nos
processos de ensino-aprendizagem de Arte, o que contribuiu para elaborar a proposta da
plataforma do site Base Preta. Uma ideia com o intuito de proporcionar aos professores(as) o
acesso democrático às obras produzidas por artistas negros(as) de diferentes regiões do país.
Com isso, esperamos contribui de alguma maneira com a implementação da Lei nº. 10.639/03
e das suas Diretrizes.
Com o término desta fase do trabalho, se por um lado consideramos que os seus
propósitos iniciais foram alcançados, por outro, identificamos a necessidade de produção de
outros estudos que reflitam sobre o ensino-aprendizagem de Arte na EJA articulado com a
ERER. Enfim, a realização desta pesquisa nos revelou outras possibilidades de estudos
Instiga-nos, por exemplo, conhecer melhor a maneira como os(as) estudantes da EJA, jovens,
adultos e idosos negros(as) concebem o saber-fazer artístico em sua vida cotidiana.
Das trilhas percorridas, esperamos que, juntamente com outros trabalhos, possamos,
de alguma maneira, contribuir para uma melhor compreensão da atuação docente do
ensino/aprendizagem de Arte na EJA no trato com as relações étnico-raciais.
101
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<http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaTextoSigen.action?norma=602503&id=14374327&
idBinario=15636054&mime=application/rtf> Acesso em: 30 de nov de 2018.
Brasil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, 2013.
Disponível em :
<http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-
pdf/file> Acesso em: 26 de out. de 2018.
Brasil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília:
MEC, 2000. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf>
Acesso em: 11 de mar. de 2018.
Brasil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais.
Brasília: MEC, 2003. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ cne/> Acesso em: 11 de mar.
de 2018.
Fontes Digitais
Google - https://www.google.com.br/
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
Acesso em: 12 de janeiro de 2019
Instagram - https://www.instagram.com/?hl=pt-br
Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea- http://museubispodorosario.com/museu/o-
museu/
Wix - https://pt.wix.com/
YEDAMARIA . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa267833/yedamaria>
Acesso em: 09 de dez de 2018
Anexos
108
ANEXO I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O(A) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “
Ensino de Arte na Educação de Jovens, Adultos e Idosos: Um estudo sobre a
atuação docente no trabalho com as relações étnico-raciais”
desenvolvida pela mestranda Adriana Santana da Silva, (Telefone celular
993689092, e-mail: drisanttana@gmail.com como atividade do Mestrado Profissional
em Educação da FAE/UFMG, na linha de pesquisa Educação de Jovens e Adultos.
A pesquisa objetiva:
a) Buscar no campo prático da sala de aula, elementos que fomentem e ilustrem a
realidade do ensino atual de Arte na perspectiva racial na Educação de Jovens,
Adultos e Idosos (EJA), levando em consideração a interação educador /educando e
a relação com o meio em uma escola pública estadual da cidade de Belo Horizonte;
b) Identificar e selecionar uma escola onde os professores de Arte egressos do
curso UNIAFRO, contemplem em suas aulas a temática das relações étnico-raciais
na EJA.
c) Analisar os materiais didáticos relacionados à disciplina de Arte e relações étnico-
raciais utilizados pelo professor (a) selecionado(a).
d) A partir da análise feita junto ao (á) educador (a) elaborar e criar um material
editorial voltado para o ensino de Arte, na Educação de Jovens, Adultos e Idosos,
com a organização dos referenciais que contemplem a temática étnico-racial no
ensino da Arte.
Para esta pesquisa adotaremos os seguintes procedimentos: a metodologia qualitativa para
que seja possível buscar no campo prático da sala de aula, elementos que fomentem e
ilustrem a realidade do ensino atual de Arte na perspectiva racial na Educação de Jovens,
Adultos e Idosos, levando em consideração a interação professor/educando e as relações
estabelecidas nessa situação. A observação, e entrevista ao (á) educador (a) na busca de
elementos e dados que contribuam para a construção do material editorial proposto.
A pesquisa apresenta riscos mínimos à saúde e ao bem estar de seus participantes, porém
a pesquisadora estará atenta e disposta a diminuir ao máximo esses riscos e desconfortos.
Os riscos envolvidos na pesquisa consistem no possível desconforto que o entrevistado
poderá sentir em compartilhar informações pessoais ou confidenciais, ou em alguns tópicos
que ele possa se sentir incômodo em falar. A pesquisa contribuirá para futuras reflexões
acerca do tema podendo converter-se em ações que proporcione melhorias no ensino
educacional.
109
Para participar deste estudo os participantes não terão nenhum custo, nem receberão
qualquer vantagem financeira. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando
finalizada.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias originais, sendo que uma
será arquivada pelo pesquisador responsável, no gabinete da orientadora desta
pesquisa, localizada na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, e a outra será fornecida ao Sr. (a). Os dados e instrumentos utilizados na
pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um período de 5 (cinco)
anos, e após esse tempo serão destruídos. Os pesquisadores tratarão a sua identidade com
padrões profissionais de sigilo, atendendo a legislação brasileira (Resolução Nº 466/12 do
Conselho Nacional de Saúde), utilizando as informações somente para os fins acadêmicos e
científicos.
Eu, _____________________________________________, portador do documento de
Identidade________________________ fui informado (a) dos objetivos da pesquisa “Ensino
de arte na educação de jovens, adultos e idosos: Uma proposta de estudo da abordagem
das relações étnico-raciais” de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas.
Declaro que recebi uma via original deste termo de consentimento livre e esclarecido e me
foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
( ) Concordo e autorizo a realização da pesquisa, com gravação de áudio, nos termos
propostos.
( ) Discordo e desautorizo a realização da pesquisa.
Belo Horizonte, _________ de __________________________ de 2015.
Nome Assinatura participante Data
110
Nome Assinatura pesquisador Data
Em caso de dúvidas, com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá
consultar:
COEP - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha- Belo Horizonte /MG CEP 31270-901 Unidade Administrativa II – 2° Andar – Sala 2005 Telefone: (031)3409-4592 E-mail: coep@prpq.ufmg.br Dados do Pesquisador Endereço: Rua João Calvino, 181 casa 4. Bairro: São João Batista. BH/MG. CEP: 31520220 Fone: 31 993689092 E-mail: drisanttana@gmail.com
Anexo II
111
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