abordagem de classe de pierre bourdieu
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Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Rupturas:
1. Com a tradição marxista:
i) Substancialismo;
ii) Economicismo;
iii) Objetivismo.
2. Com a tradição weberiana:“Ao que tudo indica, Weber opõe a classe e o grupo de status como dois tipos de
unidades reais que se confundiriam de modo mais ou menos frequente, conforme o
tipo de sociedade (isto é, ao que parece, conforme o grau de autonomização e de
dominação da ordem econômica). Para restituir às análises weberianas toda sua
força e alcance, antes é preciso reconhecer que os grupos de status e as classes
constituem unidades nominais que podem restituir a realidade de modo mais ou
menos completo segundo o tipo de sociedade, mas que são sempre o resultado da
opção de acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico (em proporções
diferentes conforme as sociedades e as classes sociais de uma mesma sociedade),
uma vez que as distinções simbólicas são sempre secundárias em relação às
diferenças econômicas que as primeiras exprimem, transfigurando-as.” (“Condições de
classe e posição de classe”, p. 15. In: ____. A economia das trocas simbólicas).
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Rupturas:
3. Com dualismos presentes na teoria social:
“Em termos muito gerais, a ciência social, tanto a antropologia como a
sociologia e a história, oscila entre dois pontos de vista aparentemente
incompatíveis, entre duas perspectivas aparentemente inconciliáveis: o
objetivismo e o subjetivismo, ou, se preferirem, o fisicalismo e o
psicologismo (que pode tomar diversas colorações – fenomenológica,
semiológica, etc.). De um lado, ela pode ‘tratar os fatos sociais como
coisas’, segundo a velha máxima durkheimiana, e assim deixar de lado tudo
o que eles devem ao fato de serem objetos de conhecimento – ou de
desconhecimento – na existência social. De outro lado, ela pode reduzir o
mundo social às representações que dele se fazem os agentes, e então a
tarefa da ciência social consistiria em produzir uma ‘explicação das
explicações’ (account of the accounts) produzidas pelos sujeitos sociais.”
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Rupturas:
3. Com dualismos presentes na teoria social:
“de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no
momento objetivista, descartando as representações subjetivistas dos
agentes, são o fundamento das representações subjetivas e constituem as
coações estruturais que pesam nas interações; mas, de outro lado, essas
representações também devem ser retidas, sobretudo se quisermos explicar
as lutas cotidianas, individuais ou coletivas, que visam transformar ou
conservar essas estruturas.” (“Espaço social e espaço simbólico”, p. 152 In: _____. Razões
práticas: sobre uma teoria da ação).
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Definição de classe social:
“conjunto de agentes situados em condições homogêneas de
existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo
sistemas de disposições homogêneas, próprias a engendrar práticas
semelhantes, além de possuírem um conjunto de propriedades
comuns, propriedades objetivadas, às vezes, garantidas juridicamente
– por exemplo, a posse de bens ou poderes – ou incorporadas, tais
como os habitus de classe – e, em particular, os sistemas de esquemas
classificatórios.” (A Distinção: crítica social do julgamento, p. 97)
Articulação de três dimensões analíticas:- Espaço social (relações objetivas);- Habitus (disposições para agir);- Espaço simbólico (estilos de vida).
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
A construção do espaço social (topologia social)
“Pode-se representar o mundo social em forma de um espaço (a
várias dimensões) construído na base de princípios de diferenciação
ou de distribuição constituídos pelo conjunto de propriedades que
atuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a
conferir, ao detentor delas, força ou poder nesse universo. Os agentes
e grupos são assim definidos pelas suas posições relativas neste
espaço. Cada um deles está acantonado numa posição ou numa classe
precisa de posições vizinhas, quer dizer, numa região determinada do
espaço... Na medida em que as propriedades tidas em consideração
para se construir este espaço são propriedades atuantes, ele pode ser
descrito como um conjunto de relações de força objetivas impostas a
todos os que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos
agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os agentes.”
(p. 134)
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
A construção do espaço social (topologia social)
Propriedades: recursos de poder => espécies de capital:
i) Capital econômico;
ii) Capital cultural;
iii) Capital social;
iv) Capital simbólico.
Espaço social => multidimensional: agentes estão distribuídos
conforme três dimensões diferentes:
1. Volume global do capital
2. Composição ou estrutura do capital;
3. Trajetória (modalidades de apropriação do capital).
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Classes no papel
classes teóricas ou prováveis.
“Com base no conhecimento do espaço de posições, podermos recortar
classes no sentido lógico do termo, quer dizer, conjuntos de agentes que
ocupam posições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes,
têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo,
práticas e tomadas de posição semelhantes.” (p. 136)
Tais classes “não existem como grupos reais embora expliquem a
probabilidade de se constituírem em grupos práticos, famílias (homogamia),
clubes, associações e mesmo ‘movimentos’ sindicais e políticos.” (Bourdieu, P.
“What makes a social class”, 1987: 137)
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Habitus: disposições para ação; esquemas de ação, percepção, avaliação e
classificação;
1. Ações não são geradas pela explícita observação de normas ou por
cálculos racionais;
2. Ações ocorrem numa base pré-reflexiva (inconsciente de classe):
“Sustentar que a percepção do mundo social implica um ato de construção
não implica, de modo algum, que se aceite uma teoria intelectualista do
conhecimento: o que é essencial na experiência do mundo social e no
trabalho de construção que ele comporta opera-se, na prática, aquém do
nível da representação explícita e da expressão verbal... As categorias de
percepção do mundo social são, no essencial, produto da incorporação das
estruturas objetivas do espaço social.” (p. 140)
3. Habitus como uma estrutura estruturada e estruturante.
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Abordagem de classe de Pierre BourdieuEspaço social apresenta-se aos agentes como um mundo estruturado.
“O espaço social... apresenta-se sob a forma de agentes dotados de
propriedades diferentes e sistematicamente ligadas entre si: quem bebe
champanha opõe-se a quem bebe uísque, mas estes também se opõem,
diferentemente, a quem bebe vinho tinto; mas quem bebe champanha tem
muito mais chances do que quem bebe uísque, e infinitamente mais do que
quem bebe vinho tinto, de ter móveis antigos, praticar golfe, equitação,
frequentar o teatro de bulevar, etc. Tais propriedades, ao serem percebidas
por agentes dotados das categorias de percepção pertinentes – capazes de
perceber que jogar golfe ‘é coisa’ de grande burguês tradicional –,
funcionam na própria realidade da vida social como signos: as diferenças
funcionam como signos distintivos – e como signos de distinção, positiva ou
negativa –, e isso inclusive à margem de qualquer intenção de distinção...
Em outros termos, através da distribuição das propriedades, o mundo social
apresenta-se, objetivamente, como um sistema simbólico que é organizado
segundo a lógica da diferença... O espaço social tende a funcionar como um
espaço simbólico, um espaço de estilos de vida e de grupos de estatuto,
caracterizados por diferentes estilos de vida.”
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Habitus: “sentido de lugar” => distâncias objetivas se reproduzem na
experiência subjetiva da distância.
“o que é essencial na experiência do mundo social e no trabalho de
construção que ela comporta opera-se, na prática, aquém do nível da
representação explícita e da expressão verbal. Mais chegado a um
inconsciente de classe que a uma ‘consciência de classe’ no sentido
marxista, o sentido da posição ocupada no espaço social... está no domínio
prático da estrutura social no seu conjunto, o qual se descobre através da
posição ocupada nessa estrutura. As categorias de percepção do mundo
social são, no essencial, produto da incorporação das estruturas objetivas do
espaço social. Em consequência, levam os agentes a tomarem o mundo tal
como ele é, a aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra
ele, a oporem-lhe possíveis diferentes, e até mesmo antagonistas: o sentido
da posição como sentido daquilo que se pode ou não se pode ‘permitir-se a
si mesmo’ implica uma aceitação tácita da posição, um sentido dos limites
(‘isso não é para nós’) ou, o que é a mesma coisa, um sentido das distâncias,
a marcar e a sustentar, a respeitar e a fazer respeitar...”
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Homologias entre o espaço simbólico e o espaço social, medidas pelo
habitus.
“Assim, os espaços das preferências relativas à alimentação, ao vestuário e à
cosmética organizam-se segundo a mesma estrutura fundamental, ou
seja, a do espaço social determinado pelo volume e estrutura do capital...
[Conviria] estabelecer, para cada classe e fração de classe, ou seja, para
cada uma das configurações do capital, a fórmula geradora do habitus
que, em um estilo de vida particular, retraduz as necessidades e as
facilidades características dessa classe de condições de existência
relativamente homogêneas e, feito isso, determinar a maneira como as
disposições do habitus se especificam para cada um dos grandes
domínios da prática, realizando um ou outra das possíveis estilísticas
oferecidas por cada campo: o do esporte e o da música, o da alimentação
e o da decoração, o da política e o da linguagem, e assim por diante.” (A
distinção, p. 197)
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Gosto dominante: “senso de distinção” disposição estética (hedonismo
versus luxo versus ascetismo)
“Se é por demais evidente que a arte oferece-lhe seu terreno por excelência ,
ocorre que, em todas as áreas da prática, pode exprimir-se a intenção de
submeter as pulsões fáceis e as necessidades primárias à depuração, ao
requinte e à sublimação; além disso, em todos os domínios, a ‘estilização
da vida’, ou seja, o primado conferido à forma sobre a função que
conduz à denegação da função, pode produzir os mesmos efeitos. Em
matéria de linguagem, é a oposição entre a espontaneidade popular e a
linguagem altamente censurada da burguesia... Verifica-se a mesma
economia de meios no uso da linguagem corporal: ainda neste aspecto, a
gesticulação e a pressa, a aparência e as mímicas, opõem-se à lentidão...
à moderação e à impassibilidade que é a marca da altivez.” (p. 168)
Gosto popular como gosto pela “necessidade”: prioridade absoluta à função
ou à substância;
Gosto pequeno-burguês como boa vontade cultural: tensão entre o
reconhecimento e o conhecimento da cultura legítima => pequena
burguesia.
Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana
Campo
“Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmo social é constituído pelo
conjunto desses microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços
de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade
específicas e irredutíveis àquelas que regem os outros campos.”
Algumas propriedades invariantes:
i) Regras de jogo e desafios específicos;
ii) Espaço estruturado de posições ocupadas pelos agentes, que conferem
inteligibilidade a suas jogadas;
iii) Espaço de lutas e competição;
iv) Objetivo da luta é a apropriação do capital específico e/ou redefinição
desse capital;
v) Habitus específico;
vi) Autonomia relativa.
Exemplos: campo intelectual, científico, cultural, política, econômico etc.
Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana (II)
Habitus
“Sistema de disposições duráveis e transponíveis que exprime, sob a
forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das
quais ele é o produto: a correspondência [homologia] que se
observa entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos
de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem
habitus substituíveis...”
- Teoria disposicional da ação;
- Ruptura com os dualismos entre ação e estrutura;
- Ruptura com as concepções mecanicistas e intencionalistas da
ação.
- Aptidão social, transponível, durável, dotado de certa inércia
incorporada, “princípio não escolhido de todas as escolhas”.
Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana (III)
Capital
“Um ‘capital’ é um ‘recurso’... Isto é, um estoque de elementos... Que
podem ser possuídos por um indivíduo, um casal, um
estabelecimento... Um capital é também uma forma de ‘segurança’,
especialmente do ponto de vista do futuro; tem a característica de
poder, em determinados casos, ser investido e acumulado de modo
mais ou menos ilimitado.”
- Capital econômico;
- Capital cultural (incorporado, institucionalizado ou objetivado);
- Capital social;
- Capital simbólico.
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Definição de classe social:
“conjunto de agentes situados em condições homogêneas de
existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo
sistemas de disposições homogêneas, próprias a engendrar práticas
semelhantes, além de possuírem um conjunto de propriedades
comuns, propriedades objetivadas, às vezes, garantidas juridicamente
– por exemplo, a posse de bens ou poderes – ou incorporadas, tais
como os habitus de classe – e, em particular, os sistemas de esquemas
classificatórios.” (A Distinção: crítica social do julgamento, p. 97)
Articulação de três dimensões analíticas:- Espaço social (relações objetivas);- Habitus (disposições para agir);- Espaço simbólico (estilos de vida).
Abordagem de classe de Pierre Bourdieu
Rupturas:
1. Com a tradição marxista:
i) Substancialismo;
ii) Economicismo;
iii) Objetivismo.
2. Com a tradição weberiana:“Ao que tudo indica, Weber opõe a classe e o grupo de status como dois tipos de
unidades reais que se confundiriam de modo mais ou menos frequente, conforme o
tipo de sociedade (isto é, ao que parece, conforme o grau de autonomização e de
dominação da ordem econômica). Para restituir às análises weberianas toda sua
força e alcance, antes é preciso reconhecer que os grupos de status e as classes
constituem unidades nominais que podem restituir a realidade de modo mais ou
menos completo segundo o tipo de sociedade, mas que são sempre o resultado da
opção de acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico (em proporções
diferentes conforme as sociedades e as classes sociais de uma mesma sociedade),
uma vez que as distinções simbólicas são sempre secundárias em relação às
diferenças econômicas que as primeiras exprimem, transfigurando-as.” (“Condições de
classe e posição de classe”, p. 15. In: ____. A economia das trocas simbólicas).
Os passos do argumento bourdieusiano
1. Ligação causal entre posição social e habitus;
2. Relação expressiva entre habitus e prática;
3. Construção das fronteiras de classe no plano simbólico.
Espaço social: estrutura de posições objetivas.
i) Sistema de posições sociais relativas;
ii) Definidas conforme se distribuem entre os agentes as
propriedades pertinentes a um dado universo social;
iii) Tais propriedades são os capitais, em suas diferentes formas e
espécies (econômico, cultural, social e simbólico);
iv) Volume, composição e trajetória são os três eixos que organizam
a distribuição dos capitais.
Habitus
Habitus: elo entre posição e prática.
“Sistema de disposições duráveis e transponíveis que exprime, sob a
forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das
quais ele é o produto: a correspondência [homologia] que se
observa entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos
de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem
habitus substituíveis...”
Habitus como estrutura estruturada: produto da experiência de uma
condição específica de classe que caracteriza uma posição no
espaço social;
Habitus como uma estrutura estruturante: fórmula generativa
responsável pelos pensamentos, percepções e ações dos agentes.
Espaço dos estilos de vida
Passo seguinte:
2. Investigação de práticas e preferências de consumo, que incluem as
formas “canonizadas” de cultura (arte, literatura, música, teatro) e as que
pertencem à cultura num sentido etnológico do termo (comida, esportes,
vestuário, decoração).
Evidências de uma relação de homologia entre o espaço simbólico e o
espaço social.
Classes dominantes: “senso de distinção”;
Pequeno burguesia: “boa vontade cultural”;
Classes populares: “gosto de necessidade”;
Oposição entre o “luxo” das frações ricas em capital econômico” e o
“ascetismo” das frações ricas em capital cultural.
Senso de distinção
“Se é por demais evidente que a arte oferece-lhe seu terreno por
excelência , ocorre que, em todas as áreas da prática, pode
exprimir-se a intenção de submeter as pulsões fáceis e as
necessidades primárias à depuração, ao requinte e à sublimação;
além disso, em todos os domínios, a ‘estilização da vida’, ou seja,
o primado conferido à forma sobre a função que conduz à
denegação da função, pode produzir os mesmos efeitos. Em
matéria de linguagem, é a oposição entre a espontaneidade popular
e a linguagem altamente censurada da burguesia... Verifica-se a
mesma economia de meios no uso da linguagem corporal: ainda
neste aspecto, a gesticulação e a pressa, a aparência e as mímicas,
opõem-se à lentidão... à moderação e à impassibilidade que é a
marca da altivez.” (p. 168)
Oposições nas classes dominantes
“De um lado, a leitura, a leitura de poesia, de obras filosóficas e
políticas, do Le Monde e das revistas artísticas e literárias... de
outro, a caçada e as apostas e, quando há leitura, France-Soir... De
um lado, teatro clássico ou de vanguarda... museus, música
clássica... acampar, praticas montanhismo ou caminhadas; de
outro, viagens de negócios, almoços caros, teatro comercial... e
musicais, programas de variedade na TV... leilões, carros de luxo e
um iate, hotéis três estrelas e spas.”
Construção das classes no plano simbólico
Dimensão simbólica da prática: lutas de classes colocam em jogo a
definição da cultura legítima.
“Apreciar um certo tipo de música é, implícita ou explicitamente,
desprezar outras formas de música disponíveis; achar certos tipos
de culinária especialmente apetitosos é considerar outros sem
graça; ver certas escolas de pintura como instigantes é achar outras
fastidiosas... A sensibilidade estética que orienta as escolhas
cotidianas dos atores em matéria de comida, roupa, esportes, artes
plásticas ou música – e que se estende a coisas aparentemente
triviais como sua postura corpórea – serve de veículo através do
qual simbolizam a similaridade ou diferença social entre si.
Através dos detalhes do consumo cotidiano, em outras palavras,
cada indivíduo continuamente se classifica e, simultaneamente, a
todos os outros como semelhantes ou diferentes.” (WEININGER,
2015, p. 113).
Cultura e dominação
“Nada distingue, com efeito, mais rigorosamente as diferentes classes que as
disposições e as competências objetivamente exigidas pelo consumo legítimo
das obras legítimas; e, mais rara do que essa capacidade relativamente comum,
de adotar um ponto de vista propriamente estético sobre objetos já constituídos
esteticamente... é a capacidade reservada aos ‘criadores’ de constituir
esteticamente objetos quaisquer ou mesmo ‘vulgares’... ou a aptidão para
engajar os princípios de uma estética ‘pura’ nas escolhas mais ordinárias da
existência ordinária, em matéria de cozinha, de vestimenta ou decoração, por
exemplo.” (BOURDIEU, 1976, p. 8)
É assim que o estilo de vida popular se define tanto pela ausência de todos os
consumos de luxo, uísque ou quadros, champanhe ou concertos, cruzeiros ou
exposições de arte, caviar ou antiguidades, quanto pelo fato de que esses
consumos nele estão, entretanto, presentes sob a forma de substitutos tais como
os vinhos gasosos no lugar do champanhe ou uma imitação no lugar do couro,
indícios de um desapossamento de segundo grau que se deixa impor a definição
dos bens dignos de serem possuídos.” (BOURDIEU, 1976, p. 20)
Classe e política
Condições histórico-institucionais da política de classe
1. Surgimento e institucionalização de sindicatos na Europa e EUA no
início do século XIX;
2. Extensão do sufrágio para os não proprietários nos principais países
ocidentais, entre o fim do século XIX e início do século XX;
3. Concentração espacial dos trabalhadores, dando origem às
“comunidades de classe trabalhadora”.
Desconexão entre classe e política:
1. Afluência de setores da classe operária => orientação “privatista”;
2. Reivindicações pós-materiais no centro da luta política, num contexto de
superação da escassez absoluta nas sociedades pós-industriais;
3. Desalinhamento entre classe e voto;
4. Enfraquecimento da identificação de classe.
Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu
- Ruptura com a ilusão intelectualista que leva a tomar a classe teórica
como classe real:
A tradição marxista identifica “a classe construída com a classe real, quer
dizer, as coisas da lógica com a lógica das coisas... outras vezes,
distinguindo-as pela oposição entre a ‘classe-em-si’, definida na base de um
conjunto de condições objetivas, e a ‘classe-para-si’ radicada em fatores
subjetivos, ela descreve a passagem de uma à outra, sempre celebrada como
uma verdadeira promoção ontológica, em termos de uma lógica ora
totalmente determinista, ora, pelo contrário, voluntarista... Em caso algum
nada é dito acerca da alquimia misteriosa pela qual um ‘grupo em luta’,
coletivo personalizado, agente histórico que determina seus próprios fins,
surge das condições objetivas.” (p. 138)
Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (II)
- Homologia de posições:
“Os que ocupam posições dominadas no espaço social estão também em
posições dominadas no campo da produção simbólica e não se vê de onde
poderiam vir os instrumentos de produção simbólica de que necessitam para
exprimirem o seu próprio ponto de vista sobre o social, se a lógica própria
do campo de produção cultural e os interesses específicos que aí se geram
não produzisse o efeito de predispor uma fração dos profissionais
envolvidos neste campo a oferecer aos dominados, na base de uma
homologia de posição, os instrumentos de ruptura com as representações
que se geram na cumplicidade imediata das estruturas sociais e das
estruturas mentais...” (p. 152)
Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (III)
- Interesses dos mandatários políticos (dirigentes partidários, sindicais etc.)
“Estes têm sempre que fazer frente aos imperativos práticos... que surgem
da lógica da luta no seio do campo político, como é a necessidade de provar
a sua representatividade ou a preocupação de mobilizar o maior número de
votos ou de mandatos sem deixarem de afirmar a irredutibilidade de seu
projeto ao dos outros mandatários, vendo-se assim obrigados a por o
problema do mundo social em termos de uma lógica tipicamente
substancialista das fronteiras entre os grupos e do volume do grupo
mobilizado.” (p. 155)
A oferta de produtos políticos é determinada pela estrutura do campo
político: relação objetiva entre os ocupantes de diferentes posições e a
relação entre as tomadas de posição por eles propostas.
Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (IV)
- Classe como “representação e como vontade”
“O mistério do processo de transubstanciação que faz com que o porta-voz
se torne no grupo que ele exprime só pode ser penetrado por uma análise
histórica da gênese e do funcionamento da representação, pela qual o
representante faz o grupo que o faz a ele: o porta-voz dotado de pleno poder
de falar e de agir em nome do grupo e, em primeiro lugar, sobre o grupo
pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que somente por
esta procuração existe; personificação de uma pessoa fictícia, de uma ficção
social, ele faz sair do estado de indivíduos separados os que ele pretende
representar, permitindo-lhes agir e falar, através dele, como um só homem.
Em contrapartida, ele recebe o direito de se assumir pelo grupo, de falar e
de agir como se fosse o grupo feito homem...” (p. 158)
Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (V)
- Classe como “representação e como vontade”
“A classe existe na medida em que – e só na medida em que – os
mandatários dotados de plena potentia agendi podem ser e sentir-se
autorizados a falar em nome dela... e a fazê-la existir assim como uma força
real no seio do campo político. O modo de existência daquilo que hoje se
chama, em muitas sociedades... ‘classe operária’ é perfeitamente paradoxal:
trata-se de uma espécie de existência em pensamento, de uma existência no
pensamento de uma boa parte daqueles que as taxinomias designam como
operários, mas também no pensamento dos ocupantes das posições mais
afastadas destes últimos no espaço social.” (p. 160)
Cultura e política
Hipótese: homologia entre o espaço da tomada de posições política e o
espaço das classes sociais.
i) Distribuição desigual da competência política, entendida em dois
sentidos diferentes:
- técnico: “capacidade maior ou menor para reconhecer a questão política
como política e tratá-la como tal, fornecendo-lhe uma resposta do ponto
de vista político, ou seja, a partir de princípios propriamente políticos”;
- social: “socialmente reconhecido como habilitado a ocupar-se das
questões políticas, dar uma opinião a propósito dessas questões ou, até
mesmo, modificar seu curso.”
“A sondagem de opinião aceita implicitamente uma filosofia política que,
além de transformar a escolha política em um julgamento propriamente
político, implementando princípios políticos para responder a um problema
apreendido como político, reconhece a todos não só o direito, mas o poder
de produzir tal julgamento.” (p. 372)
Cultura e política (II)
ii) Distribuição desigual da capacidade de se apropriar das problemáticas
políticas:
“É o caso, evidentemente, quanto esta ou aquela questão, já constituída
politicamente por este ou aquele grupo político, portanto, para o conjunto
do campo da produção ideológica, não o é para aqueles que, afastados da
lógica da produção da problemática por sua incompetência estatutária, não
podem apreendê-la a não ser como uma questão da existência ‘prática’ que
faz apelo a uma resposta prática...” (p. 404)
“É assim que os mais despossuídos de competência política específica têm
todas as possibilidades de se situar no campo dos defensores da ordem
moral e social... sempre que são levados a apreender, segundo as categorias
do ethos de classe, determinados problemas já constituídos politicamente no
nível do campo da produção ideológica.” (p. 405)
Cultura e política (II)
iii) Efeito das trajetórias coletivas sobre as disposições políticas:
“ocorre que só pode haver uma verdadeira compreensão das diferenças, às
vezes, imensas, que separam categorias, apesar de sua proximidade no
espaço objetivo – tais como os artesãos ou os agricultores e os
contramestres ou os técnicos –, se for levada em consideração, além do
volume e da estrutura do capital, a evolução no tempo dessas propriedades,
ou seja, a trajetória social do grupo em seu conjunto e do indivíduo
considerado e de sua linhagem, que se encontra na origem da representação
subjetiva da posição objetivamente ocupada. Uma das características mais
determinantes das escolhas políticas reside, efetivamente, no fato de que
elas fazem intervir, mais do que todas as outras escolhas... a representação
mais ou menos explícita e sistemática que o indivíduo tem do mundo social,
assim como da posição que ocupa e ‘deveria’ ocupar...”
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