abordagem de classe de pierre bourdieu

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Abordagem de classe de Pierre Bourdieu Rupturas: 1. Com a tradição marxista: i) Substancialismo; ii) Economicismo; iii) Objetivismo. 2. Com a tradição weberiana: “Ao que tudo indica, Weber opõe a classe e o grupo de status como dois tipos de unidades reais que se confundiriam de modo mais ou menos frequente, conforme o tipo de sociedade (isto é, ao que parece, conforme o grau de autonomização e de dominação da ordem econômica). Para restituir às análises weberianas toda sua força e alcance, antes é preciso reconhecer que os grupos de status e as classes constituem unidades nominais que podem restituir a realidade de modo mais ou menos completo segundo o tipo de sociedade, mas que são sempre o resultado da opção de acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico (em proporções diferentes conforme as sociedades e as classes sociais de uma mesma sociedade), uma vez que as distinções simbólicas são sempre secundárias em relação às diferenças econômicas que as primeiras exprimem, transfigurando-as.(“Condições de classe e posição de classe”, p. 15. In: ____. A economia das trocas simbólicas).

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Page 1: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Rupturas:

1. Com a tradição marxista:

i) Substancialismo;

ii) Economicismo;

iii) Objetivismo.

2. Com a tradição weberiana:“Ao que tudo indica, Weber opõe a classe e o grupo de status como dois tipos de

unidades reais que se confundiriam de modo mais ou menos frequente, conforme o

tipo de sociedade (isto é, ao que parece, conforme o grau de autonomização e de

dominação da ordem econômica). Para restituir às análises weberianas toda sua

força e alcance, antes é preciso reconhecer que os grupos de status e as classes

constituem unidades nominais que podem restituir a realidade de modo mais ou

menos completo segundo o tipo de sociedade, mas que são sempre o resultado da

opção de acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico (em proporções

diferentes conforme as sociedades e as classes sociais de uma mesma sociedade),

uma vez que as distinções simbólicas são sempre secundárias em relação às

diferenças econômicas que as primeiras exprimem, transfigurando-as.” (“Condições de

classe e posição de classe”, p. 15. In: ____. A economia das trocas simbólicas).

Page 2: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Rupturas:

3. Com dualismos presentes na teoria social:

“Em termos muito gerais, a ciência social, tanto a antropologia como a

sociologia e a história, oscila entre dois pontos de vista aparentemente

incompatíveis, entre duas perspectivas aparentemente inconciliáveis: o

objetivismo e o subjetivismo, ou, se preferirem, o fisicalismo e o

psicologismo (que pode tomar diversas colorações – fenomenológica,

semiológica, etc.). De um lado, ela pode ‘tratar os fatos sociais como

coisas’, segundo a velha máxima durkheimiana, e assim deixar de lado tudo

o que eles devem ao fato de serem objetos de conhecimento – ou de

desconhecimento – na existência social. De outro lado, ela pode reduzir o

mundo social às representações que dele se fazem os agentes, e então a

tarefa da ciência social consistiria em produzir uma ‘explicação das

explicações’ (account of the accounts) produzidas pelos sujeitos sociais.”

Page 3: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Rupturas:

3. Com dualismos presentes na teoria social:

“de um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no

momento objetivista, descartando as representações subjetivistas dos

agentes, são o fundamento das representações subjetivas e constituem as

coações estruturais que pesam nas interações; mas, de outro lado, essas

representações também devem ser retidas, sobretudo se quisermos explicar

as lutas cotidianas, individuais ou coletivas, que visam transformar ou

conservar essas estruturas.” (“Espaço social e espaço simbólico”, p. 152 In: _____. Razões

práticas: sobre uma teoria da ação).

Page 4: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Definição de classe social:

“conjunto de agentes situados em condições homogêneas de

existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo

sistemas de disposições homogêneas, próprias a engendrar práticas

semelhantes, além de possuírem um conjunto de propriedades

comuns, propriedades objetivadas, às vezes, garantidas juridicamente

– por exemplo, a posse de bens ou poderes – ou incorporadas, tais

como os habitus de classe – e, em particular, os sistemas de esquemas

classificatórios.” (A Distinção: crítica social do julgamento, p. 97)

Articulação de três dimensões analíticas:- Espaço social (relações objetivas);- Habitus (disposições para agir);- Espaço simbólico (estilos de vida).

Page 5: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

A construção do espaço social (topologia social)

“Pode-se representar o mundo social em forma de um espaço (a

várias dimensões) construído na base de princípios de diferenciação

ou de distribuição constituídos pelo conjunto de propriedades que

atuam no universo social considerado, quer dizer, apropriadas a

conferir, ao detentor delas, força ou poder nesse universo. Os agentes

e grupos são assim definidos pelas suas posições relativas neste

espaço. Cada um deles está acantonado numa posição ou numa classe

precisa de posições vizinhas, quer dizer, numa região determinada do

espaço... Na medida em que as propriedades tidas em consideração

para se construir este espaço são propriedades atuantes, ele pode ser

descrito como um conjunto de relações de força objetivas impostas a

todos os que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos

agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os agentes.”

(p. 134)

Page 6: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

A construção do espaço social (topologia social)

Propriedades: recursos de poder => espécies de capital:

i) Capital econômico;

ii) Capital cultural;

iii) Capital social;

iv) Capital simbólico.

Espaço social => multidimensional: agentes estão distribuídos

conforme três dimensões diferentes:

1. Volume global do capital

2. Composição ou estrutura do capital;

3. Trajetória (modalidades de apropriação do capital).

Page 7: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classes no papel

classes teóricas ou prováveis.

“Com base no conhecimento do espaço de posições, podermos recortar

classes no sentido lógico do termo, quer dizer, conjuntos de agentes que

ocupam posições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes,

têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo,

práticas e tomadas de posição semelhantes.” (p. 136)

Tais classes “não existem como grupos reais embora expliquem a

probabilidade de se constituírem em grupos práticos, famílias (homogamia),

clubes, associações e mesmo ‘movimentos’ sindicais e políticos.” (Bourdieu, P.

“What makes a social class”, 1987: 137)

Page 8: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Habitus: disposições para ação; esquemas de ação, percepção, avaliação e

classificação;

1. Ações não são geradas pela explícita observação de normas ou por

cálculos racionais;

2. Ações ocorrem numa base pré-reflexiva (inconsciente de classe):

“Sustentar que a percepção do mundo social implica um ato de construção

não implica, de modo algum, que se aceite uma teoria intelectualista do

conhecimento: o que é essencial na experiência do mundo social e no

trabalho de construção que ele comporta opera-se, na prática, aquém do

nível da representação explícita e da expressão verbal... As categorias de

percepção do mundo social são, no essencial, produto da incorporação das

estruturas objetivas do espaço social.” (p. 140)

3. Habitus como uma estrutura estruturada e estruturante.

Page 9: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Page 10: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre BourdieuEspaço social apresenta-se aos agentes como um mundo estruturado.

“O espaço social... apresenta-se sob a forma de agentes dotados de

propriedades diferentes e sistematicamente ligadas entre si: quem bebe

champanha opõe-se a quem bebe uísque, mas estes também se opõem,

diferentemente, a quem bebe vinho tinto; mas quem bebe champanha tem

muito mais chances do que quem bebe uísque, e infinitamente mais do que

quem bebe vinho tinto, de ter móveis antigos, praticar golfe, equitação,

frequentar o teatro de bulevar, etc. Tais propriedades, ao serem percebidas

por agentes dotados das categorias de percepção pertinentes – capazes de

perceber que jogar golfe ‘é coisa’ de grande burguês tradicional –,

funcionam na própria realidade da vida social como signos: as diferenças

funcionam como signos distintivos – e como signos de distinção, positiva ou

negativa –, e isso inclusive à margem de qualquer intenção de distinção...

Em outros termos, através da distribuição das propriedades, o mundo social

apresenta-se, objetivamente, como um sistema simbólico que é organizado

segundo a lógica da diferença... O espaço social tende a funcionar como um

espaço simbólico, um espaço de estilos de vida e de grupos de estatuto,

caracterizados por diferentes estilos de vida.”

Page 11: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Habitus: “sentido de lugar” => distâncias objetivas se reproduzem na

experiência subjetiva da distância.

“o que é essencial na experiência do mundo social e no trabalho de

construção que ela comporta opera-se, na prática, aquém do nível da

representação explícita e da expressão verbal. Mais chegado a um

inconsciente de classe que a uma ‘consciência de classe’ no sentido

marxista, o sentido da posição ocupada no espaço social... está no domínio

prático da estrutura social no seu conjunto, o qual se descobre através da

posição ocupada nessa estrutura. As categorias de percepção do mundo

social são, no essencial, produto da incorporação das estruturas objetivas do

espaço social. Em consequência, levam os agentes a tomarem o mundo tal

como ele é, a aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra

ele, a oporem-lhe possíveis diferentes, e até mesmo antagonistas: o sentido

da posição como sentido daquilo que se pode ou não se pode ‘permitir-se a

si mesmo’ implica uma aceitação tácita da posição, um sentido dos limites

(‘isso não é para nós’) ou, o que é a mesma coisa, um sentido das distâncias,

a marcar e a sustentar, a respeitar e a fazer respeitar...”

Page 12: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Homologias entre o espaço simbólico e o espaço social, medidas pelo

habitus.

“Assim, os espaços das preferências relativas à alimentação, ao vestuário e à

cosmética organizam-se segundo a mesma estrutura fundamental, ou

seja, a do espaço social determinado pelo volume e estrutura do capital...

[Conviria] estabelecer, para cada classe e fração de classe, ou seja, para

cada uma das configurações do capital, a fórmula geradora do habitus

que, em um estilo de vida particular, retraduz as necessidades e as

facilidades características dessa classe de condições de existência

relativamente homogêneas e, feito isso, determinar a maneira como as

disposições do habitus se especificam para cada um dos grandes

domínios da prática, realizando um ou outra das possíveis estilísticas

oferecidas por cada campo: o do esporte e o da música, o da alimentação

e o da decoração, o da política e o da linguagem, e assim por diante.” (A

distinção, p. 197)

Page 13: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Gosto dominante: “senso de distinção” disposição estética (hedonismo

versus luxo versus ascetismo)

“Se é por demais evidente que a arte oferece-lhe seu terreno por excelência ,

ocorre que, em todas as áreas da prática, pode exprimir-se a intenção de

submeter as pulsões fáceis e as necessidades primárias à depuração, ao

requinte e à sublimação; além disso, em todos os domínios, a ‘estilização

da vida’, ou seja, o primado conferido à forma sobre a função que

conduz à denegação da função, pode produzir os mesmos efeitos. Em

matéria de linguagem, é a oposição entre a espontaneidade popular e a

linguagem altamente censurada da burguesia... Verifica-se a mesma

economia de meios no uso da linguagem corporal: ainda neste aspecto, a

gesticulação e a pressa, a aparência e as mímicas, opõem-se à lentidão...

à moderação e à impassibilidade que é a marca da altivez.” (p. 168)

Gosto popular como gosto pela “necessidade”: prioridade absoluta à função

ou à substância;

Gosto pequeno-burguês como boa vontade cultural: tensão entre o

reconhecimento e o conhecimento da cultura legítima => pequena

burguesia.

Page 14: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana

Campo

“Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmo social é constituído pelo

conjunto desses microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços

de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade

específicas e irredutíveis àquelas que regem os outros campos.”

Algumas propriedades invariantes:

i) Regras de jogo e desafios específicos;

ii) Espaço estruturado de posições ocupadas pelos agentes, que conferem

inteligibilidade a suas jogadas;

iii) Espaço de lutas e competição;

iv) Objetivo da luta é a apropriação do capital específico e/ou redefinição

desse capital;

v) Habitus específico;

vi) Autonomia relativa.

Exemplos: campo intelectual, científico, cultural, política, econômico etc.

Page 15: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana (II)

Habitus

“Sistema de disposições duráveis e transponíveis que exprime, sob a

forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das

quais ele é o produto: a correspondência [homologia] que se

observa entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos

de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem

habitus substituíveis...”

- Teoria disposicional da ação;

- Ruptura com os dualismos entre ação e estrutura;

- Ruptura com as concepções mecanicistas e intencionalistas da

ação.

- Aptidão social, transponível, durável, dotado de certa inércia

incorporada, “princípio não escolhido de todas as escolhas”.

Page 16: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Conceitos fundamentais na teoria bourdieusiana (III)

Capital

“Um ‘capital’ é um ‘recurso’... Isto é, um estoque de elementos... Que

podem ser possuídos por um indivíduo, um casal, um

estabelecimento... Um capital é também uma forma de ‘segurança’,

especialmente do ponto de vista do futuro; tem a característica de

poder, em determinados casos, ser investido e acumulado de modo

mais ou menos ilimitado.”

- Capital econômico;

- Capital cultural (incorporado, institucionalizado ou objetivado);

- Capital social;

- Capital simbólico.

Page 17: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Definição de classe social:

“conjunto de agentes situados em condições homogêneas de

existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo

sistemas de disposições homogêneas, próprias a engendrar práticas

semelhantes, além de possuírem um conjunto de propriedades

comuns, propriedades objetivadas, às vezes, garantidas juridicamente

– por exemplo, a posse de bens ou poderes – ou incorporadas, tais

como os habitus de classe – e, em particular, os sistemas de esquemas

classificatórios.” (A Distinção: crítica social do julgamento, p. 97)

Articulação de três dimensões analíticas:- Espaço social (relações objetivas);- Habitus (disposições para agir);- Espaço simbólico (estilos de vida).

Page 18: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Rupturas:

1. Com a tradição marxista:

i) Substancialismo;

ii) Economicismo;

iii) Objetivismo.

2. Com a tradição weberiana:“Ao que tudo indica, Weber opõe a classe e o grupo de status como dois tipos de

unidades reais que se confundiriam de modo mais ou menos frequente, conforme o

tipo de sociedade (isto é, ao que parece, conforme o grau de autonomização e de

dominação da ordem econômica). Para restituir às análises weberianas toda sua

força e alcance, antes é preciso reconhecer que os grupos de status e as classes

constituem unidades nominais que podem restituir a realidade de modo mais ou

menos completo segundo o tipo de sociedade, mas que são sempre o resultado da

opção de acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico (em proporções

diferentes conforme as sociedades e as classes sociais de uma mesma sociedade),

uma vez que as distinções simbólicas são sempre secundárias em relação às

diferenças econômicas que as primeiras exprimem, transfigurando-as.” (“Condições de

classe e posição de classe”, p. 15. In: ____. A economia das trocas simbólicas).

Page 19: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Os passos do argumento bourdieusiano

1. Ligação causal entre posição social e habitus;

2. Relação expressiva entre habitus e prática;

3. Construção das fronteiras de classe no plano simbólico.

Espaço social: estrutura de posições objetivas.

i) Sistema de posições sociais relativas;

ii) Definidas conforme se distribuem entre os agentes as

propriedades pertinentes a um dado universo social;

iii) Tais propriedades são os capitais, em suas diferentes formas e

espécies (econômico, cultural, social e simbólico);

iv) Volume, composição e trajetória são os três eixos que organizam

a distribuição dos capitais.

Page 20: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Habitus

Habitus: elo entre posição e prática.

“Sistema de disposições duráveis e transponíveis que exprime, sob a

forma de preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das

quais ele é o produto: a correspondência [homologia] que se

observa entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos

de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem

habitus substituíveis...”

Habitus como estrutura estruturada: produto da experiência de uma

condição específica de classe que caracteriza uma posição no

espaço social;

Habitus como uma estrutura estruturante: fórmula generativa

responsável pelos pensamentos, percepções e ações dos agentes.

Page 21: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Espaço dos estilos de vida

Passo seguinte:

2. Investigação de práticas e preferências de consumo, que incluem as

formas “canonizadas” de cultura (arte, literatura, música, teatro) e as que

pertencem à cultura num sentido etnológico do termo (comida, esportes,

vestuário, decoração).

Evidências de uma relação de homologia entre o espaço simbólico e o

espaço social.

Classes dominantes: “senso de distinção”;

Pequeno burguesia: “boa vontade cultural”;

Classes populares: “gosto de necessidade”;

Oposição entre o “luxo” das frações ricas em capital econômico” e o

“ascetismo” das frações ricas em capital cultural.

Page 22: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Senso de distinção

“Se é por demais evidente que a arte oferece-lhe seu terreno por

excelência , ocorre que, em todas as áreas da prática, pode

exprimir-se a intenção de submeter as pulsões fáceis e as

necessidades primárias à depuração, ao requinte e à sublimação;

além disso, em todos os domínios, a ‘estilização da vida’, ou seja,

o primado conferido à forma sobre a função que conduz à

denegação da função, pode produzir os mesmos efeitos. Em

matéria de linguagem, é a oposição entre a espontaneidade popular

e a linguagem altamente censurada da burguesia... Verifica-se a

mesma economia de meios no uso da linguagem corporal: ainda

neste aspecto, a gesticulação e a pressa, a aparência e as mímicas,

opõem-se à lentidão... à moderação e à impassibilidade que é a

marca da altivez.” (p. 168)

Page 23: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Oposições nas classes dominantes

“De um lado, a leitura, a leitura de poesia, de obras filosóficas e

políticas, do Le Monde e das revistas artísticas e literárias... de

outro, a caçada e as apostas e, quando há leitura, France-Soir... De

um lado, teatro clássico ou de vanguarda... museus, música

clássica... acampar, praticas montanhismo ou caminhadas; de

outro, viagens de negócios, almoços caros, teatro comercial... e

musicais, programas de variedade na TV... leilões, carros de luxo e

um iate, hotéis três estrelas e spas.”

Page 24: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Construção das classes no plano simbólico

Dimensão simbólica da prática: lutas de classes colocam em jogo a

definição da cultura legítima.

“Apreciar um certo tipo de música é, implícita ou explicitamente,

desprezar outras formas de música disponíveis; achar certos tipos

de culinária especialmente apetitosos é considerar outros sem

graça; ver certas escolas de pintura como instigantes é achar outras

fastidiosas... A sensibilidade estética que orienta as escolhas

cotidianas dos atores em matéria de comida, roupa, esportes, artes

plásticas ou música – e que se estende a coisas aparentemente

triviais como sua postura corpórea – serve de veículo através do

qual simbolizam a similaridade ou diferença social entre si.

Através dos detalhes do consumo cotidiano, em outras palavras,

cada indivíduo continuamente se classifica e, simultaneamente, a

todos os outros como semelhantes ou diferentes.” (WEININGER,

2015, p. 113).

Page 25: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Cultura e dominação

“Nada distingue, com efeito, mais rigorosamente as diferentes classes que as

disposições e as competências objetivamente exigidas pelo consumo legítimo

das obras legítimas; e, mais rara do que essa capacidade relativamente comum,

de adotar um ponto de vista propriamente estético sobre objetos já constituídos

esteticamente... é a capacidade reservada aos ‘criadores’ de constituir

esteticamente objetos quaisquer ou mesmo ‘vulgares’... ou a aptidão para

engajar os princípios de uma estética ‘pura’ nas escolhas mais ordinárias da

existência ordinária, em matéria de cozinha, de vestimenta ou decoração, por

exemplo.” (BOURDIEU, 1976, p. 8)

É assim que o estilo de vida popular se define tanto pela ausência de todos os

consumos de luxo, uísque ou quadros, champanhe ou concertos, cruzeiros ou

exposições de arte, caviar ou antiguidades, quanto pelo fato de que esses

consumos nele estão, entretanto, presentes sob a forma de substitutos tais como

os vinhos gasosos no lugar do champanhe ou uma imitação no lugar do couro,

indícios de um desapossamento de segundo grau que se deixa impor a definição

dos bens dignos de serem possuídos.” (BOURDIEU, 1976, p. 20)

Page 26: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política

Condições histórico-institucionais da política de classe

1. Surgimento e institucionalização de sindicatos na Europa e EUA no

início do século XIX;

2. Extensão do sufrágio para os não proprietários nos principais países

ocidentais, entre o fim do século XIX e início do século XX;

3. Concentração espacial dos trabalhadores, dando origem às

“comunidades de classe trabalhadora”.

Desconexão entre classe e política:

1. Afluência de setores da classe operária => orientação “privatista”;

2. Reivindicações pós-materiais no centro da luta política, num contexto de

superação da escassez absoluta nas sociedades pós-industriais;

3. Desalinhamento entre classe e voto;

4. Enfraquecimento da identificação de classe.

Page 27: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu

- Ruptura com a ilusão intelectualista que leva a tomar a classe teórica

como classe real:

A tradição marxista identifica “a classe construída com a classe real, quer

dizer, as coisas da lógica com a lógica das coisas... outras vezes,

distinguindo-as pela oposição entre a ‘classe-em-si’, definida na base de um

conjunto de condições objetivas, e a ‘classe-para-si’ radicada em fatores

subjetivos, ela descreve a passagem de uma à outra, sempre celebrada como

uma verdadeira promoção ontológica, em termos de uma lógica ora

totalmente determinista, ora, pelo contrário, voluntarista... Em caso algum

nada é dito acerca da alquimia misteriosa pela qual um ‘grupo em luta’,

coletivo personalizado, agente histórico que determina seus próprios fins,

surge das condições objetivas.” (p. 138)

Page 28: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (II)

- Homologia de posições:

“Os que ocupam posições dominadas no espaço social estão também em

posições dominadas no campo da produção simbólica e não se vê de onde

poderiam vir os instrumentos de produção simbólica de que necessitam para

exprimirem o seu próprio ponto de vista sobre o social, se a lógica própria

do campo de produção cultural e os interesses específicos que aí se geram

não produzisse o efeito de predispor uma fração dos profissionais

envolvidos neste campo a oferecer aos dominados, na base de uma

homologia de posição, os instrumentos de ruptura com as representações

que se geram na cumplicidade imediata das estruturas sociais e das

estruturas mentais...” (p. 152)

Page 29: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (III)

- Interesses dos mandatários políticos (dirigentes partidários, sindicais etc.)

“Estes têm sempre que fazer frente aos imperativos práticos... que surgem

da lógica da luta no seio do campo político, como é a necessidade de provar

a sua representatividade ou a preocupação de mobilizar o maior número de

votos ou de mandatos sem deixarem de afirmar a irredutibilidade de seu

projeto ao dos outros mandatários, vendo-se assim obrigados a por o

problema do mundo social em termos de uma lógica tipicamente

substancialista das fronteiras entre os grupos e do volume do grupo

mobilizado.” (p. 155)

A oferta de produtos políticos é determinada pela estrutura do campo

político: relação objetiva entre os ocupantes de diferentes posições e a

relação entre as tomadas de posição por eles propostas.

Page 30: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (IV)

- Classe como “representação e como vontade”

“O mistério do processo de transubstanciação que faz com que o porta-voz

se torne no grupo que ele exprime só pode ser penetrado por uma análise

histórica da gênese e do funcionamento da representação, pela qual o

representante faz o grupo que o faz a ele: o porta-voz dotado de pleno poder

de falar e de agir em nome do grupo e, em primeiro lugar, sobre o grupo

pela magia da palavra de ordem, é o substituto do grupo que somente por

esta procuração existe; personificação de uma pessoa fictícia, de uma ficção

social, ele faz sair do estado de indivíduos separados os que ele pretende

representar, permitindo-lhes agir e falar, através dele, como um só homem.

Em contrapartida, ele recebe o direito de se assumir pelo grupo, de falar e

de agir como se fosse o grupo feito homem...” (p. 158)

Page 31: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Classe e política: as contribuições de Pierre Bourdieu (V)

- Classe como “representação e como vontade”

“A classe existe na medida em que – e só na medida em que – os

mandatários dotados de plena potentia agendi podem ser e sentir-se

autorizados a falar em nome dela... e a fazê-la existir assim como uma força

real no seio do campo político. O modo de existência daquilo que hoje se

chama, em muitas sociedades... ‘classe operária’ é perfeitamente paradoxal:

trata-se de uma espécie de existência em pensamento, de uma existência no

pensamento de uma boa parte daqueles que as taxinomias designam como

operários, mas também no pensamento dos ocupantes das posições mais

afastadas destes últimos no espaço social.” (p. 160)

Page 32: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Cultura e política

Hipótese: homologia entre o espaço da tomada de posições política e o

espaço das classes sociais.

i) Distribuição desigual da competência política, entendida em dois

sentidos diferentes:

- técnico: “capacidade maior ou menor para reconhecer a questão política

como política e tratá-la como tal, fornecendo-lhe uma resposta do ponto

de vista político, ou seja, a partir de princípios propriamente políticos”;

- social: “socialmente reconhecido como habilitado a ocupar-se das

questões políticas, dar uma opinião a propósito dessas questões ou, até

mesmo, modificar seu curso.”

“A sondagem de opinião aceita implicitamente uma filosofia política que,

além de transformar a escolha política em um julgamento propriamente

político, implementando princípios políticos para responder a um problema

apreendido como político, reconhece a todos não só o direito, mas o poder

de produzir tal julgamento.” (p. 372)

Page 33: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Cultura e política (II)

ii) Distribuição desigual da capacidade de se apropriar das problemáticas

políticas:

“É o caso, evidentemente, quanto esta ou aquela questão, já constituída

politicamente por este ou aquele grupo político, portanto, para o conjunto

do campo da produção ideológica, não o é para aqueles que, afastados da

lógica da produção da problemática por sua incompetência estatutária, não

podem apreendê-la a não ser como uma questão da existência ‘prática’ que

faz apelo a uma resposta prática...” (p. 404)

“É assim que os mais despossuídos de competência política específica têm

todas as possibilidades de se situar no campo dos defensores da ordem

moral e social... sempre que são levados a apreender, segundo as categorias

do ethos de classe, determinados problemas já constituídos politicamente no

nível do campo da produção ideológica.” (p. 405)

Page 34: Abordagem de classe de Pierre Bourdieu

Cultura e política (II)

iii) Efeito das trajetórias coletivas sobre as disposições políticas:

“ocorre que só pode haver uma verdadeira compreensão das diferenças, às

vezes, imensas, que separam categorias, apesar de sua proximidade no

espaço objetivo – tais como os artesãos ou os agricultores e os

contramestres ou os técnicos –, se for levada em consideração, além do

volume e da estrutura do capital, a evolução no tempo dessas propriedades,

ou seja, a trajetória social do grupo em seu conjunto e do indivíduo

considerado e de sua linhagem, que se encontra na origem da representação

subjetiva da posição objetivamente ocupada. Uma das características mais

determinantes das escolhas políticas reside, efetivamente, no fato de que

elas fazem intervir, mais do que todas as outras escolhas... a representação

mais ou menos explícita e sistemática que o indivíduo tem do mundo social,

assim como da posição que ocupa e ‘deveria’ ocupar...”