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O título deste livro - e a palavra 'livro', no caso, já não é bem a que melhor o denota - é, de um lado, abso­lutamente fiel a um dos seus muitos objetivos: A marca e o logotipo brasileiros. Qualquer industrial, artesão, cria­dor de coisas, comerciante, banqueiro, financista, barga­nhador, intermediador (de bens, benesses, serviços, rela­ções) que se defrontar com a necessidade de ter a sua marca ou o seu logotipo, nele encontrará um repertório de informações tão rico e aliciante que, sem dúvida, sairá, depois de manuseá-lo e apreendê-lo, enriquecido de idéias

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para criar ou fazer criar ou escolher a sua marca ou o seu logotipo. Assim, o objetivo primeiro está aqui cabal­mente cumprido.

Mas marca e logotipo têm história, forma, função, estrutura, inseridas na cultura. E o lado visual da cultura, se não é sensorialmente o predominante, é por certo dos mais relevantes, se bem que os sentidos continuem e continuarão a ser campo aberto ao conhecimento huma­no, como elos situacionais do vivente para consigo mes­mo, do vivente para com o vivente, do vivente para com

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o não-vivente e, por extensão, de ser para com ser. Percamos uns minutos com relação às duas palavras­

chaves deste livro. A base morfológica correspondente ao português

marca ocorre em quase todas as Hnguas germânicas; e, através do teutônico, deve ter sido cedo introduzida no românico, aparecendo, tanto em forma feminina quanto em masculina, como em ambas (como é o caso do por­tuguês marca e marco, ademais de marcha, e sem con­tar seus cognatos), no francês, no provençal, no italiano,

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no espanhol, com sentidos que se irradiam entre 'sinal, signo, sinete, limite, moeda (porque 'marcada'), padrão, módulo, modelo, traço, càráter' e afins. Em português há documentação escrita, tardia embora, já a partir de 1179 e daí por diante com ocorrências nos diversos sentidos referidos. Mas o ligado mais diretamente à problemática deste livro, vale dizer, a 'marca comercial', não deve ser anterior ao século XVI, como se pode inferir da palavra inglesa correspondente, trade mark, cuja acepção se faz clara já por 1571, embora a forma fixa de composto só

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se documente por 1838. De outro lado, a palavra logotipo é de formação mo­

derna, calcada sobre elementos gregos (lógos, 'palavra', e typos, 'impressão, marca') e tem sua origem inequivo­camente estabelecida: foi forjada em 1816, em inglês, pelo conde Stanhope, citado da Typographia, de 1825, no Hansard's Parliamentary Debates, nos seguintes termos, por tradução: "Estimei oportuno forjar um novo par de caixotins compostos. . . introduzindo um conjunto novo de letras duplas, que denominei logotipos". Daí - dada

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a internacionalidade e motivação óbvia em línguas de cul­tura - a palavra passou para outras, sempre, de início, como termo de tipografia no sentido de 'tipo com uma palavra, ou duas ou mais letras, fundidas numa peça única'. Talvez a primeira dicionarização da palavra em português seja a da chamada 1o.a edição (1954) do di­cionário originalmente do nosso compatrício Antônio de Morais Silva (cuja grande edição é de 1813), em que ocorre sob a forma logótipo- por requinte filológico pos­tulado pela quantidade breve do y grego original, como

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nos casos de protótipo, genótipo, fenótipo, biótipo etc. Mas em tipografia, na linha consagrada para com mono­tipo e linotipo, parece que não há como contestar o pa­roxítono de logotipo. O que há é consignar o fato de que, do sentido original, a palavra logotipo tem hoje em dia, pelo menos no Brasil, uma aura semântica que se apro­xima da de 'marca comercial', 'marca de fábrica', ou, mais ainda, de 'marca, sinal, símbolo, emblema, insígnia empresarial' e afins.

Estão, assim, perdidos os minutos solicitados para

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as palavras em causa, que poderiam ser horas ou dias. Fui, quanto pude, breve. E prossigamos.

Ora, se de um lado este livro, como dissemos, é absolutamente fiel a um dos seus objetivos, com ser, como é, catálogo racional e temático de marcas e logotipos brasileiros capaz de ministrar aos usuários um repertório riqurssimo de espécimes dessa natureza, vai ele, de outro lado, muito além disso, pois constitui sem favor uma pre­ciosa iniciação à faculdade e ~rte de ver.

Houve e há uma tradição que crê os sentidos e os

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instintos - e entre eles os limites continuam operação de dificllima definição, em todos os ramos das blociên­cias - como manifestações de vida biologicamente trans­mitidas, cujas potencialidades se atuallzam no curso da aventura própria de cada vida. e multo provável que haja ar um lastro de verdade. Mas é mais provável que haja ar apenas· um lastro de verdade, mas nAo a verdade. O homem, como ser sócio-histórico-cultural, faz-se a si mes­mo. E faz-se a si mesmo porque, dentre muitos outros fazeres, faz cada vez mais humano o ouvir, o ver, o de-

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gustar, o olfatar, o tatear, o termar, o etcetrar- correndo o risco, assim, de também cada vez mais desfazer o hu­mano que já tenha conquistado. Assim, o homem tem fatalmente de aprender tudo, desde o primeiro até o últi­mo momento do seu viver, aprender inclusive o morrer. E não há saber que se possa erguer e apreender sem confrontação, debate, dúvida, divergência, polêmica, en­saio, erro, obstinação, prova, contraprova, prática.

Ora, este livro 'organiza' o material, que se propôs documentar, segundo vários pontos de vista. De um lado,

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postula um tipo de 'leitura' - quero sobretudo dizer 'vi­sura' ou 'vistura' - em que haja uma operação contra­pontística: se as páginas pares são, em certas áreas, preferencialmente documentos visuais presentes, moder­nos, as páginas ímpares são preferencialmente documen­tos pretéritos, modernizados ou atualizados pelo contra­ponto. As raízes brotam e emergem na floração de hoje. Mas pedem mais estas páginas: pedem que o 'leitor' -ou 'visor' ou 'vistor' ou 'vedor' - acompanhe os apro­fundamentos que se propõem sucessivamente, desde, por

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exemplo, uma página com uma quadrícula central ape­nas, até às seguintes, em que o tema quadricular - como num esquema de transformação do Bauhaus - se ampli­fica, se transfigura, se enriquece, se despoja, se bar­roquiza.

Creio dever aqui também ressaltar outra dentre as muitas sabedorias consumadas neste livro. A tecnologia gráfica e tipográfica - se posta em evidência nos seus mais requintados recursos - poderia ter feito dele uma obra de arte gráfica luxuosa, suntuária, até mesmo dila-

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pidatória: seria 'belo', mas seria irreal para o nosso meio, transformando-o em coisa de bibliófilo, o que não é de­feito, mas é, até muitos pontos, coisa para os 'eleitos' da tribo. A sabedoria a que me refiro consistiu em fazê-lo realmente funcional e belo, mas com uma exemplar eco­nomia de meios, com recorrer a técnicas gráficas menos onerosas e nem por isso menos eficazes: consciência social.

O livro, assim, diagramado em ativa operação men­tal - e aqui o visual é, efetivamente, à Leonardo da Vinci, cosa mentale -, se torna um permanente desafio ao usuá-

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rio, propondo-lhe associações, oposições, conexões, cor­relações, dissociações, simplificações, atomizações, con­glomerações, análises, sínteses, expansões, contrações, dispersões, compactações, com problemas que transcen­dem o teorético da Gestalt, do behavior, do abissal. i: uma

obra aberta, no melhor sentido didático, o de aprender sempre, de educar-se sempre, dentro ou sobretudo fora dos centros institucionalizados de instrução - as esco­las, quaisquer que sejam os seus nomes: creche, mater­nal, pré-primário, primário, ginasial, colegial, técnica, ate­nau, vestibular, academia, superior, faculdade, universida­de, colégio e o demais -, como na visão antecipatória de Ivan lllich.

Os textos que acompanham o material visual fervi­lham de proposições e insinuações, mas não se prendem rigidamente a um sistema de idéias ou de teorias fecha­do: são eles também, na sua concisão lapidar, convites à mentação, à pensação, à indagação, à pesquisa, à dis­cussão individual (de si para si) ou colegiada (de vários para vários), permitindo hipóteses de trabalho das mais diversas e fecundas. Os campos da comunicação e da expressão, teórica e praticamente, se problematizam assim, compelindo a um pensar e um fazer experimentais de que velhos erros e novas luzes brotarão.

O poderoso escritor que é João Felrcio dos Santos*, com ter seu nome associado à co-autoria deste livro, deve ter-se sentido rejuvenescer dentro de um novo universo, já que o seu era o de um veterano campeão de outro, o verbal. E Wladimir Dias Pino**, na sua seriedade de um dos mais perspicazes pesquisadores do visual no Brasil, deve sentir-se feliz com esta realização, que encontrou nos editores .e gráficos Antonio da Costa Martins e Apa­rfcio Miranda , a benemérita compreensão de que aqui se feiçoou algo muito mais do que um catálogo de mar­cas e logotipos. Esse algo, este livro, deverá ser um vademécum para quantos estudantes haja no Brasil onde se estudarem, para valer, os problemas da comunicação e expressão visuais. Oxalá esse meu voto se confirme, para que venhamos a ter a enciclopédia do visual que Wladimir Dias Pino sonha - e pode - realizar.

Antonio Houalss Rio de Janeiro, 10 de julho de 1974

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