a revista “as varie dades ou ensaios de literatura” e os ...a ser revista. daí porque revista...

Post on 28-Jan-2021

2 Views

Category:

Documents

0 Downloads

Preview:

Click to see full reader

TRANSCRIPT

  • 223

    A revista “As Varie-dades ou Ensaios de Literatura” e os primeiros indícios de jornalismo es-pecializado

    La revista “As Variedades ou Ensaios de Literatura” y y los primeros indicios de periodismo especializado

    TatianaMariaDOURADO1

    Resumo:Oartigosepropõearetornaràprimeiracon-cepçãobrasileira considerada revistanahistóriada im-prensa, “AsVariedades ouEnsaios deLiteratura”, quecompletoudoisséculosnesteano,eavaliarosindíciosdeum jornalismo especializado formulado indiretamentenaquelaestreanteversão.Emsuabrevehistória,arevista“AsVariedades”revelou-seumcontrapontoinformativoàsnotíciascotidianassobrepolítica,maiscomunsàque-la época colonial, e passou a veicular conteúdo sobrequestõesassociadasàmoral,alémdetemascomfoconoconhecimentofilosófico.Atravésdaversãofac-símiledarevista,lançadanomêsfevereiro,oestudobuscaassociarasnoçõesteóricassobretematizaçãonojornalismoparatraçaroretratodaespecializaçãodapublicação.

    Palavras-chave: históriadamídia;jornalismoderevista;especialização.

    Resumen: Elartículotienelaintencióndevolveralpri-mermuestra de la revistabrasileña en la historia de laprensa, “AsVariedades ouEnsaios deLiteratura”, queesteañocumpladossiglos,yevaluarlaevidenciadeunperiodismoespecializadoindirectamenterealizadoenesaprimeraversión.Ensubrevehistoria,larevista“LasVa-riedades”hademostradoseruncontrapuntoinformati-

    1Jornalista.AlunademestradonoProgramadePós-GraduaçãoemComunicaçãoeCulturaContemporânea(Póscom)daFaculdadedeComunicaçãodaUniversidadeFederaldaBahia(UFBA).Especialistaem Jornalismo eConvergênciaMidiática.E-mail: tatianamaria.dou-rado@gmail.com

    voalasnoticiasdeldíaenlapolítica,máscomunesenlostiemposcoloniales,ypasóaservirelcontenidoentemasrelacionadosconlamoralidad,ytemasconunenfoqueenelconocimientofilosófico.Enlaversiónfacsímildelarevista,lanzadaenelmesdefebrero,elestudiotratadevincular lasnocionesteóricasacercade la tematizaciónenelperiodismoparadibujarelretratodelaespecializa-ciónenlapublicación. Palavras clave: historia de los medios de comu-nicación, revista de periodismo, especialización. Introdução

    Emcomemoraçãoaosexatos200anosde im-pressaasuaprimeiraedição,emjaneirode2012foilan-çadaaversãofac-similarde“AsVariedadesouEnsaiosdeLiteratura”,pelaFundaçãoPedroCalmon2,empar-ceriacomaAssociaçãoBahianadeImprensa(ABI)eoNúcleodeEstudosdaHistóriadosImpressosdaBahia(Nehib).Apossibilidadederetomarahistóriaatravésdaversãofac-símilefoifrutodoesforçodeconservaçãodecolecionadorese,pronta,servecomoumdocumentodeacessoaosprimórdiosdahistóriadasrevistasbrasileiras.

    Opercursode“AsVariedades”,comoécostu-meiroabreviá-laesefaránopresenteartigo,foidescritocomprofundidadeemalgunspoucostrabalhosacadêmi-cos3que sedebruçaramsobreahistóriado jornalismoderevista.Noentanto,operiódiconãoconstaemalgu-maslistasconsideradasimportantesnahistoriografiadaimprensa, como o “Catálogo da coleção espécimes dejornaisedemaisperiódicosbrasileiros”eda“BibliotecaBrasiliense”,comocitaojornalistaLuisGuilhermePon-tesTavares(2011).Paraele,colaboraparaanãomençãoàrevistaararidadedapublicação:“(...)ovolumede‘AsVariedades’quepertenceàFundaçãoClementeMarianiseja, senão o último, umdos últimos que ainda resta”(TAVARES, 2011, pág. 50).No sentido de entender aevoluçãodoproduto,acredita-seservaliosopesquisarosindíciosjornalísticosnessaediçãofac-símile,demodoacontribuirparaapesquisaacadêmicavoltadaaojornalis-moderevista.

    Nestetrabalho,apropostaéobservaraspistasde um jornalismo especializado, característica elemen-tardasrevistas jornalísticas.É importanteressaltarqueo esforço da pesquisa é apreender, através dos textospresentesnapublicaçãoestudada,apenasosindicativosdeespecialização,aindaanacrônicos,inconscientes.Con-

    2ÓrgãovinculadoàSecretariadeCulturadaBahia(Secult),doGo-vernodaBahia.3MIRA(1997),COSTA(2007),SODRÉ(1999).

  • 224

    tudo, a análise, que estima associar tais indícios comaespecialização, contribui para compreender a distinçãoinformativadas revistas comocanal informativodesdea épocadoBrasil colônia,quando surgiu apublicação,datadade1812.

    Em estudos posteriores, aponta-se necessário,noterrenodahistóriadamídia,analisar,ainda,ospro-cedimentosadotadosnarotinadeproduçãodeconteú-do,assimcomoaescolhadosassuntosdaspublicaçõesnoticiosas,comvistasaentenderopapeldojornalismona realidade social.Ospesquisadores indicamque, em“AsVariedades”,todosostextosforamescritosporumportuguêsextraditado, chamadoDiogoSoaresdaSilvadeBivar,naépocaemqueelecumpriapenadereclusãonoFortedeSãoPedro,emSalvador(TAVARES,2011,pág.55),comoserápontuadonoartigo.

    Surgimento da revista e a sua distinção infor-mativa na sociedade

    Paraalémdodebatesobreosprojetosdopaís,daatuaçãodosrepresentantesoudeputadosdeprovín-ciasecríticasàCartaMagna, temasprevistosnaquelesperiódicos,principalmentenosjornaisepasquins(COS-TA,2007,pág.55),aprimeirarevistanacional,“AsVa-riedadesouEnsaiosdeLiteratura”,apegou-seaquestõestangenciaisàpolítica,maisqueajudavamacristalizaramoral,osbonscostumese saciavaa curiosidade sobreospensadoresouamodaeuropeiaentreaelitesocialdaépoca.

    Lançada em fevereiro4 de 1812 em Salvador,Bahia,natipografiadeManoelAntoniodaSilvaServa5,‘AsVariedades’ trouxe à tona umanova caracterizaçãode publicação, delimitando temáticas (especialização) epúblico específico (segmentação),mesmoque indireta-mente,logonoeditorialdeestreia.

    Discursossobreoscostumesevirtudesmoraes, e sociaes, algumas novelas deescolhidosgostos,emoral;extractosdehistoriaantiga,emoderna,nacional,ouestrangena,resumodeviagens;pedaçosdeAuthoresclassicosPortuguezesqueremprosa,queremverso–cuja leituratenda a formar gosto, e pureza na lin-

    4Aimpressãodapublicaçãoocorreuemjaneirode1812,porémcir-culouaopúbliconomêsdefevereiro,comdatareferenciadadomêsanterior,confusãoquecausaestranhezaentrepesquisadores.5Comercianteportuguêsque,comavaldoCondedosArcos, fun-douaprimeiraeditoraparticulardoBrasil,em13demaiode1811.Também criador do primeiro jornal da Bahia, o “IdadeD´Ouro”,chamadodetambémdeGazetadaBahia.

    guagem; algumas anedotas, e boas res-postas.&ctaessãoosmateriaesdequetencionamosservir-nosparaacoordina-çãodestaobra,quealgumasvezesoffe-recerá artigos que tenhão relação comos studos scientificospropriamentedi-tos,equepossãohabilitaros leitoresafazer-lhessentiraimportanciasdasno-vasdescobertasfilosóficas.(ASVARIE-DADES,2012)6.

    Otrechoacimaépartedoprimeiroeditorialdarevistaenãoseapresentouacompanhadadeassinatura7,assimcomotodosostextosdaedição.Alistadeinteres-ses temáticosque se sequencia logonoprimeiropará-grafodaseçãoevidenciaamescladegêneroslinguísticos–novela, resumodeviagem,extratodehistóriaantiga,anedota,prosaeartigocientífico–comvistasaampliaroconhecimentodopúblico-leitoràrealidadeculturalvi-vidaespecialmentenascidadesdaEuropa.

    Emumanotasobreaentãofuturarevista,des-cobertaporpesquisadoresemumacoleçãoencadernadado jornal “Idade d´Ouro doBrazil”8, datada de 1811-1812eintitulada“Prospectodeumaobraperiódicaquevaiapublicar-se,denominada:AsVariedades,ouEnsaiosdeLiteratura”,constatam-seindíciosdadelimitaçãocon-textual,temática,naqualseriaadotadalogomais,assimquelançada.Castro(2011,pág.18)foiumdosquetive-ramacessoaomaterial,cujostrechosdizem:

    Os jornais literários têm sido olhadosemtodootempocomoosmeiosmaiseficazes e próprios de derramar o co-nhecimentohumano.(...)AsArteseasCiências que diariamente dão passos,coadjuvam-se mutuamente pelas rela-ções que os jornais fazemnascer; e as

    6Anumeraçãodaspáginasdaversãofac-símileobedeceaoregimen-tocolonialdeusodeletrasenúmeros.Transcriçãocomoportuguêsnaépoca.7ArevistafoiidealizadapelofamosotipógrafoManoelAntôniodaSilvaServa.Osartigosnãoeramassinadoseatribuí-searedaçãodostextosàfiguradoportuguêsDiogoSoaresdaSilvaeBivar,formadoemDireitopelaUniversidadedeCoimbra:“Ocorrequesuatarefaeraexecutadaportrásdasgrades.ElepermaneceupresonoFortedeSãoPedroaté1821,condenadoquefora,porPortugal,aodegredosobacusaçãodetraição.Por trásdasgrades,BivarnãoapenasauxiliavaSilvaServa,comopode(sic)casar-seeconstituirfamília”(CASTROetal,2011,pág.54).8PertencenteàcoleçãodoInstitutoHistóricoeGeográficoBrasilei-ro(IHGB).OIdaded´OurofoiaprimeiragazetaimpressadaBahiaedoBrasil,iniciativaocorridatambémnatipografiadeSilvaServa.Apublicaçãocirculoudemaiode1811ajunhode1823.

  • 225

    descobertassefacilitam:oscostumessecastigameseaperfeiçoam;asmaneirasrecebem polimento, e a pureza e ele-gânciada linguagemcobraenergiaesevulgariza. (...)Debaixo deste ponto devistapoiséquesetemformadoopla-nodeumaobraperiódicaquecomeçaránomêsdejaneirode1812,equesehádedenominar(IDADED´OUROapudCASTRO,2011,pág.18-19).

    Outrocomunicado,comintuitosemelhantededivulgação, foi encontrado no mesmo jornal, o Idaded´Ouro,entãocomotítulomaisdefinido–“AsVarieda-des,oEnsaiosPeriódicosdeLiteratura”.Nessetexto,oredatordivulgaatemáticaeditorialqueseráabordadanasediçõesdarevista,dandoênfaseà“moral”social.

    ORedatordesejalimitar-seporora,e especialmenteàsCiênciasmorais,nãosóporqueelas sãoosmais só-lidos alicerces sobre que descansao majestoso edifício da felicidadeNacional,mastambémporquesen-dooseuestudomaisdoalcancedetodos,tendediretamentecimentaroamoràleitura,acujosatrativos,dizumjudiciosoescritor,parecequefoiassinadaaposiçãoquemedeiaentreosprazeressensuaiseosintelectuais(IDADED’OUROapudCASTRO,2011,pág.19).

    OhistoriadorHélioVianna(2011)avaliaqueaposturada revistamantémdiálogocomos“princípiosfranceses”,emcontraposiçãoaotradicionalismocatóli-codePortugal,nosentidoemquepriorizaoacessoaosnovos conhecimentos. Vianna se atenta à ausência de“quaisqueralusõesaprincípios religiosos,nãosepren-dendodiretamenteàmoralcristãospreceitossobreoscostumeseasvirtudesquepreconiza”(VIANNA,2011,pág.37).

    De modo a enfatizar a constatação, Viannaapontaqueacondutapodeserevidenciadaatravésdosconteúdosfilosóficosrecorrentesnapublicação,comoo“Quadrodemonstrativooucronológicodafilosofiaan-tiga”que,segundoexplicaohistoriador,“(...)mostratersido,talvez,voluntáriaaomissãodequalquerreferênciafavorávelàescolástica,nessaobrasmaisdedisfarçadadi-

    vulgaçãode ideias, então, reputadas ‘perigosas’,quedesimplesquestõesliterárias”(VIANNA,2011,pág.37).

    A terminologia adotada nesse início de século19tinhasentidodistintodaconvencional-osperiódicosnomeados ‘jornais’davamcontadaspublicações literá-rias;jáasgazetas,dasnoticiosas.Comopassardotempo,aideiafoinovamentealteradae“(...)oqueoutroraeragazetapassou-seaser jornaleoqueera jornalpassoua ser revista.Daí porque revista é o termoque, há al-gumtempo,define-semelhoroquefoi‘AsVariedadesouEnsaiosdeLiteratura”(CASTRO,2012,pág.54).Costa(2007,pág.55)complementaqueostermos“revista”e“jornais”,taiscomoutilizadashoje,começaaseradota-dapelosimpressosno“últimoquartildoséculoXIX”,cenáriojámarcadopelotelégrafo,telefone,fotografiaeprensa,queprofissionalizaramocampodaspublicações.

    Comarapidezdachegadadasnotícias,cabeaojornaleàimprensadiáriadedi-car-se aoque se convencionouchamardehard news (grifodoautor):atragédia,acatástrofe,ofatoocorridonavéspera.Eàsrevistas,sobretudoasilustradas,es-tariamreservadasinformaçõesempro-fundidade,aanálise,acrítica,oentrete-nimento(COSTA,2007,pág,55).

    Em sua primeira publicação, a revista circuloucom30páginas,aocustode560réis,comartigosinti-tulados9:“Sobreafelicidadedoméstica”,“Danavegaçãoentre os antigos”, “InstrucçãoMilitar”, “BriosoDesa-fio”, “Anecdotas eBonsDictos”.O segundo e últimovolume, de caráter duplo, foi publicado emmarço de1812,comostextos“Quadrodemonstrativodaphiloso-phiaantiga”e,dentreoutros,“Observaçõessobreapolí-tica”,novalordeummile120réispor67páginas(CAS-TRO,2011,pág.9-10).“Eraummaçomalencadernadodepapel,maiscomcaradelivro,quedeixavaexpostaaaridezvisualdosblocoscompactosdetexto.Durouape-nasumsegundonúmero,masserviuparacravaromarcoinauguraldasrevistasbrasileiras”(VEJA,2000,online).

    Acomercializaçãodosexemplareserarealizadomediantepréviaassinatura,modeloque,àépoca,semos-9Os artigos não eram assinados e atribuí-se a redação dos textosà figura do portuguêsDiogo Soares da Silva eBivar, formado emDireito pelaUniversidade deCoimbra: “Ocorre que sua tarefa eraexecutadaportrásdasgrades.ElepermaneceupresonoFortedeSãoPedroaté1821,condenadoquefora,porPortugal,aodegredosobacusaçãodetraição.Por trásdasgrades,BivarnãoapenasauxiliavaSilvaServa,comopode(sic)casar-seeconstituirfamília”(CASTROetal,2011,pág.54).

  • 226

    travafracassadodevidoaoaltoíndicedeinadimplênciafrenteaocustoelevadodaimpressão.Castro(2011,pág.52)afirmaquenãoforamrarososleitoressedepararemcom apelos do tipógrafo Silva Serva para efetuaremopagamento.“(...)Apesardisso,eleteveaaudáciade,emjan10eirode1812,lançararevista“AsVariedadesouEn-saiosdeLiteratura”,destinadaaomesmopequenopúbli-coconstituídodeautoridades,comerciantesedonosdeengenho”(CASTRO,2011,p.52).

    Questões sobre a especialização na revista “As Variedades”

    Segundo o quadro evolutivo traçado por CiroMarcondesFilho,arevista“AsVariedades”podeserin-serida na época do “primeiro jornalismo”, caracteriza-dapelo“conteúdoliterárioepolítico,comtextocrítico,economia deficitária e comandadopor escritores, polí-ticoseintelectuais”produzidoentre1789a1830(apudPENA,2006,p.5).Oautorapontaqueanecessidadededistinçãoentreliteraturae“realidade”motivouestudosacercadastipologiastextuais,iniciadajánaGréciaantigacomopensadorPlatão.

    Os estudos dos gêneros, como a prática é de-nominada, chegou ao campo do jornalismo no século18.“Nojornalismo,aprimeiratentativadeclassificaçãofoifeitapeloeditoringlêsSamuelBuckeleynocomeçodo séculoXVIII, quando resolveu separar o conteúdodo jornal Daily Courant em news (notícias) e comments (comentários)”,mascausadivergênciaatéhoje(PENA,2006,p.10-11).

    Naquelemomentoqueprecedeuaeramassivada imprensa, aconsciência sobrequalgênerousarnãoeraexpressiva.Mesmoassim,em“AsVariedades”,per-cebe-sequeoeditorjáapresentavaaoleitorquaisseriamas categorias textuais daquela publicação, apontandonovelas, anedotas, textos científicos, entre outros11.Naestruturado título–“AsVariedadesouEnsaiosdeLi-teratura”–háumasegundapossibilidadedenomeaçãodoprodutono trecho“ouEnsaiosdeLiteratura”,quedirecionacommaisênfaseaotipodeconteúdoquepo-deráserencontradopelopúblico-alvodoquenosentidodealçarumnomepróprioàpublicação.Naqueleiníciodeséculo19,aliteraturaexerciapapelfundamentalpara10Nolivro“ComunicaçãoeJornalismo:asagadoscãesperdidos”(2002).11Nocontextocontemporâneo,MarquesdeMellodefendeaexis-tênciadedois gênerosno jornalismo,oopinativo eo informativo,combaseempesquisasdesenvolvidasentreosséculos19e20.Emparalelo,afirmaqueasmesmaspesquisasdemonstramausênciadosgênerosinterpretativoediversionalnosjornaisemtodoopaís(MEL-LO,2003,p.153).

    asociedadesecomunicareseinformarsobreideiasoucostumes nacionais ou estrangeiros. Tzevtan Todorov(2006)afirmaqueoscódigossociaisdaobranão“com-pete”aumestudoliterário,emboraadmitaapresença.

    Todoelementopresentenumaobratrazuma significação que pode ser inter-pretada segundoocódigo literário. (...)épreciso igualmente levaremcontaasdiferentes funções da mensagem, poisa“organização”podemanifestar-seemváriosplanosdiferentes.Essaobserva-çãopermitedistinguirnitidamente lite-raturadefolclore;ofolcloreadmiteumaindependênciamuitomaiordoselemen-tos(TODOROV,2006,p.32).

    Muito do estudado na contemporaneidade so-bre tematização no jornalismo, com foco em revistas,assuntoque interessa a este tópico,deve-se à iniciativado pesquisador Frederico deMelloBrandãoTavares12.Entreasquestõescentrais,preocupa-seemorientarumconceitodejornalismoparaleloàsnotíciasgeradaspelashard news dos jornais, ou factuais, costume convencio-nadopelaspublicaçõesdeperiodicidademais alargada,principalmenteasrevistasinformativas.

    Na concepção do pesquisador, as reportagensabordadasnessasrevistasobedecemaosprincípiosbási-cosdojornalismo,comoaelaboraçãodapauta,aapura-çãodosdadoseentrevistascomasfontes,entreoutros,etambémenvolvematribuiçõesespecíficas:“otratamentodeumaidentidade,ojulgamentodevalores,aprestaçãodeserviços(...);enfim,nostermosdeMouilaud(2002),umnovoposicionamentoemrelaçãoàformaeaoestilo,etambémàprópriarealidadesocial”(TAVARES,2007,pág. 10).O autor também cita, no rol das característi-cas,“asnovaspreocupaçõesestéticasevisuais”daspu-blicaçõesespecializadas,comofoconasrevistas,porém,pelainiciaçãotipográficadaépocade“AsVariedades”,aquestãonãoépreponderantenestetrabalho.

    Os apontamentos elencadas podem ser direta-menterelacionadoscomosinseridosnoconteúdodapu-blicaçãode1812.Operiódico,comotodosdocomeçodoséculo19,nãocontinhafotosouilustrações,porém,por ter sidoo primeiro, ousouna construçãode novaidentidadecomunicativaeexplicitouosvaloresquecon-duziriamoconteúdoparaopúblico-leitor.Éapartirdo

    12 Professor doutor de Comunicação na Universidade Tuiuti doParaná.

  • 227

    periódicoqueapopulaçãocomeçouateracessoatextoinformativodecunholiterário,oquedemonstraavan-guardaderenovara“formaeoestilo”dacomunicaçãonaquelemomentohistórico.“(...) a revista ‘AsVarieda-des’foi,pois,aprimeirapublicaçãoperiódicadecaráterliterárioaparecidanoBrasil,porquantoprecedeuquaseumanoa‘OPatriota’,jornalliterário,políticoemercantildoRiodeJaneiro”(CARVALHOapudVIANA,2011,pág.26).

    Comoseobserva,aespecializaçãode“AsVarie-dades”nãoédirecionadaaumatemáticaesimatribuídaà ideologia que rege todos os conteúdos da edição.Otema,porsi,jásupõepautasquesedistinguemdosacon-tecimentos jornalísticos, esses atrelados às ocorrênciasextraordináriasquesesobressaemnocotidiano.Schwaab(2009)afirmaqueoconceitopodeserrelacionadocomainiciativadeanáliseereflexãoaquesetrabalhaumapau-ta,porexemplo.“(...)no jornalismode revista,o temapode servistocomoumelementoqueopera sentidos,ouseja,queatuasobreoseufazeresobresuamateriali-dade”(SCHWAABetal,2009,pág.182).

    (...) o tema enquanto pauta dominantenas revistas está sustentado por umaabordagem(inclusive justificandoasuarelevância) e origina reconhecimento,comoumaespéciedeguiaparaoleitor,deumfioqueligaosingularnouniver-sal.Algofamiliareque,comoprodutodatemáticamaiorqueooriginou,pare-ceapreenderaplenitudedeumaépoca.Nessa perspectiva, atuando dentro deestruturas conhecidas, o jornalismo derevista escolhe, reitera e gera sentidosqueseencaixemcomoutilizáveisnoreal(SCHWAABetal,2009,pág.187).

    Oesqueletoeditorialobservadonaediçãofac-símileconfirmaoideárioconstruídopelosidealizadores.Vianna (2011, pág. 39) reflete que até o texto voltadoaparentementeparaapolítica,deduzidopelotítulo“Ob-servações sobre política”, desvia-se do teor literal dapalavra,da“artedegovernarospovos”,esedestinaafalarsobreocomportamentoqueohomemdeveexer-cer,aproximando-odasquestõesmoraisdafamíliaedasociedade.Emumdostrechos,diz:“Nãosepodechegaraumgrauelevadodepolítica,queconstituipropriamen-teoqueseentendeporpolidez,senãoporumgrandeusodomundo,epelafrequênciadamelhorcompanhia,egentes”(ASVARIEDADES,2011,fac-símile).

    ParaViana(2011,pág.28),contudo,“omaissé-riotrabalhocontidoemtodaarevista”éoartigointitu-lado“QuadrodemonstrativoouCronologiadaFilosofiaantiga”,pelotamanhoeapanhadoqueconstróisobreahistóriadafilosofiagrega.Paraconhecimentodopúbli-codesacostumado,oredatorexplicaapropostadotextologonaintrodução:“Nossaintençãoselimitaemexporemformadetaboa,osdiferentesbandosouescolasemquesedividirão,esubdividirãoosgrandeshomens,queaGréciaviunascer,equepelassuasopiniõesvieramamarcaroutrastantasépocasnahistóriaantiga”(ASVA-RIEDADES,2011,versãofac-símile).

    Adiversidade temática, dentrodaproposta al-ternativae literáriadaedição, indicadanonomeda re-vista, completa-se com conteúdos como “FelicidadeDoméstica”,que,navisãodeViana,remetecertograude comprometimento do autor - ele “estaria casado àépocadesuaelaboração.Oamorconjugal,opaterno,aamizade,obomtratoaossubalternossãoostemasneleabordados,àluzdosmaisaceitáveisprincípiosmorais”(2011,pág,38).O textocomeçacoma ideiadequeoconjuntodefamílias,nasociedade,formaaideiadeNa-ção,equea“depravação”ou“corrupção”social,porsisó,nãodesconstróiavirtuosidadedaquelaunidade.Con-tinuadescrevendo,logodepois,aquestãodocasamentoedoapoioqueohomemdevedaràmulher(ASVARIE-DADES,2011,fac-símile).Oredatorchegaaquestionar:

    Há sobrea terra fortunamaispuradoqueaquelaqueresultadocomércioha-bitual dos esposos bem casados, queleem reciprocamente nos seus olhos, aserenidade da ternura, a amizade, o arcertodeconfiança,asdocessolicitudesdaatenção,eodesejodeagradar? (ASVARIEDADES,2011,fac-símile).

    AquestãosurpreendeVianna(2011),quepassaaacreditarqueoredatorestáapaixonadoourecém-casa-do,pelalógicainversacomaprogressista(comaisençãoreligiosa)aquesedirecionaarevista.Amanutençãodamoraléexplícitatambémemconteúdosnomeados“DaBondade”.Têm-seainda“Costumes,eUsodoMéxico(ExtractodaViagemdeMr.Thierry)”,queretrataacul-turadopaísreferido,omododeguerreardosmexicanos,informações sobre a língua espanhola e, dentreoutrosquesitos,dadossobreocalendáriodolocal.

    Maisparafrente,nofimdarevista,háocomple-mentodotexto,chamadode“ContinuaçãodosCostu-mes,eUsodoMéxico(ExtratodaViagemdeMr.Thier-

  • 228

    ry)”, quando fala sobre a personalidade da população– “asmulheres temumar humilde, e civil quenão seconciliacomoorgulhodoshabitantesdaquelaprovín-cia” (AsVariedades, fac-símile) -, entre outras aborda-gens.

    Diante da análise descritiva dos textos, Viana(2011, pág. 40) conclui que a primeira revista literáriabrasileira,“tãocaracterísticadesuaépocaedastendên-cias que iam transformando omeio em que apareceu,realizadapelavontadeprogressistadoúltimodegredadoqueaportouoBrasil”.

    Tendoemvistataisconteúdos,épossívelasso-ciá-los à flexibilidade quepossui a revista sobre o quêoucomoagendarosassuntosnasociedade,paraaquelepúblicodespretensiosamentesegmentado,combasenarelevância pública. (SCHWAAB et al, 2009, pág. 186).Quando se têm um público extenso, de segmentaçãofluida,comoocorriaem“AsVariedades”,compreende-sequeum“grandetema”conformeaidentidadedapu-blicação.“Elege-seumassuntoamploqueconsigareunirváriosoutros(espéciedesubtemas)e,apartirdele,umperfil editorial é construído” (SCHWAAB et al, 2009,pág.189).

    Considerações finaisO jornalismo, assim comooutros campos, de-

    pendedeumprocessohistóricoevolutivoparasedefinircomo atividade institucionalizada. E é nos primórdiosdesse processo que se insere o exemplo de “AsVarie-dadesouEnsaiosdeLiteratura”,dentrodouniversodojornalismo,nomeiodeinformaçãoconhecidopor“re-vista”.Percebe-se,aolongodasargumentações,queare-laçãoentreespecializaçãoeojornalismoaliinserido,ain-dasemasnoçõesconquistadasnamodernidade,éfrutodeumesforçodeassociação.Plausível,noentanto,vistopelascaracterísticaselencadaspelosteóricosemtermosdeespecialização.

    Aausênciadefactualidadenoconteúdodasedi-çõeséumdosindíciosquedistingueoprodutodaquelestradicionalmente vinculados à atualidade dos aconteci-mentos. Fatalidades como morte e acidente, ocorrên-cia esdrúxula, acompanhamento político, novidades dasociedade,tudoisso,queafetaocotidianosocial,comopôde ser visto, não é contemplado na publicação.Nocontextobrasileiro,arevistaémarcodeiníciodepráticanovaealternativaàpadrãodeofertarinformaçãoparaasociedade.

    Conformeocomunicadoapresentadoantesdolançamento da primeira edição no Idade d´Ouro do

    Brazil,“AsVariedades”propõeexporumconhecimen-to complementar ao noticiado diariamente pelas entãogazetas,comonaépocaeramnomeadasos jornaisquenósconhecemoshoje–as revistas,no sentidomoder-no,eramentãoconhecidascomo“jornais”.Diantedis-so,dedicapáginasaassuntosfilosóficos,àsdescobertasestrangeiras,aoscostumessociais,àsnoçõesmoraisdefelicidade,alémdeanedotasetrechosdenovela,comoexpostonodecorrerdoartigo.

    Ocomportamentoeditorialpodeserconsidera-doprecursor,jáqueaindaéseguidopelaspublicaçõeses-pecializadasnacontemporaneidade.Tavares(2007),emanálise da característica especialização nas publicaçõesimpressasaexemplodasrevistasfemininasououtraste-máticas, aborda o que chamade “estatutoda notícia”,tratando-o como “diferentes” do habitualmente usadona produção noticiosa diária. “Consequentemente, sãoestabelecidas nestes espaços midiáticos novas (ou es-pecíficas)maneirasdeserelacionarcomosocialecomaquiloqueoenvolve”(TAVARES,2007,pág.46).

    Referências bibliográficas:

    ASVARIEDADES.Salvador:FundaçãoPedroCalmon,ed.fac-símile,2011.

    CASTRO, Roberto Bebert. Introdu-ção: A Revista “As Variedades”. In: Sobre As Variedades, ensaios. Salvador: Fundação Pedro Cal-mon,2011.

    COSTA,CarlosRoberto. A Revista no Brasil, o Século XIX. SãoPaulo,USP,tesededoutoradoemCiênciasdaCo-municação,2007.

    MELLO,Marquesde.JornalismoBrasileiro.PortoAle-gre:Sulinas,2003.

    MIRA,M.C.O leitor e a banca de revistas.SãoPaulo:Olhod’Água,2001.

    SCHWAAB,RegesToni;TAVARES,FredericodeMelloBrandão.O tema como operador de sentidos no jornalismo de revista.RevistaGaláxia,SãoPaulo,n.18,p.180-193,dez.2009.

    SODRÉ,NelsonWerneck.História da imprensa do Brasil.RiodeJaneiro:Mauad,1999.

    TAVARES,F.M.B.Percursos entre o Jornalismo e o Jornalismo Especializado.In:VIIICongressodeCiênciasdaComu-

  • 229

    nicaçãonaRegiãoSul,2007,PassoFundo,RS.AnaisdoVIIICongressodeCiênciasdaComunicaçãonaRegiãoSul.PassoFundo:UniversidadedePassoFundo,2007.

    TODOROV,Tzvetan.As estruturas narrativas.Trad.LeylaPerrone-Moisés.4ed.SãoPaulo:Perspectiva,2006

    VEJA.Esclarecer, informar e divertir.SãoPaulo:Abril,nov.de2000.Ediçãoonline.

    VIANA,Hélio.A primeira revista brasileira (1812).In:So-bre As Variedades, ensaios. Salvador: Fundação PedroCalmon,2011.

    Recebido:20/06/2012Aprovado:10/08/2012

top related