a revista “as varie dades ou ensaios de literatura” e os ...a ser revista. daí porque revista...

7
223 A revista “As Varie- dades ou Ensaios de Literatura” e os primeiros indícios de jornalismo es- pecializado La revista “As Variedades ou Ensaios de Literatura” y y los primeros indicios de periodismo especializado Tatiana Maria DOURADO 1 Resumo: O artigo se propõe a retornar à primeira con- cepção brasileira considerada revista na história da im- prensa, “As Variedades ou Ensaios de Literatura”, que completou dois séculos neste ano, e avaliar os indícios de um jornalismo especializado formulado indiretamente naquela estreante versão. Em sua breve história, a revista “As Variedades” revelou-se um contraponto informativo às notícias cotidianas sobre política, mais comuns àque- la época colonial, e passou a veicular conteúdo sobre questões associadas à moral, além de temas com foco no conhecimento filosófico. Através da versão fac-símile da revista, lançada no mês fevereiro, o estudo busca associar as noções teóricas sobre tematização no jornalismo para traçar o retrato da especialização da publicação. Palavras-chave: história da mídia; jornalismo de revista; especialização. Resumen: El artículo tiene la intención de volver al pri- mer muestra de la revista brasileña en la historia de la prensa, “As Variedades ou Ensaios de Literatura”, que este año cumpla dos siglos, y evaluar la evidencia de un periodismo especializado indirectamente realizado en esa primera versión. En su breve historia, la revista “Las Va- riedades” ha demostrado ser un contrapunto informati- 1 Jornalista. Aluna de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea (Póscom) da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Jornalismo e Convergência Midiática. E-mail: tatianamaria.dou- [email protected] vo a las noticias del día en la política, más comunes en los tiempos coloniales, y pasó a servir el contenido en temas relacionados con la moralidad, y temas con un enfoque en el conocimiento filosófico. En la versión facsímil de la revista, lanzada en el mes de febrero, el estudio trata de vincular las nociones teóricas acerca de la tematización en el periodismo para dibujar el retrato de la especializa- ción en la publicación. Palavras clave: historia de los medios de comu- nicación, revista de periodismo, especialización. Introdução Em comemoração aos exatos 200 anos de im- pressa a sua primeira edição, em janeiro de 2012 foi lan- çada a versão fac-similar de “As Variedades ou Ensaios de Literatura”, pela Fundação Pedro Calmon 2 , em par- ceria com a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e o Núcleo de Estudos da História dos Impressos da Bahia (Nehib). A possibilidade de retomar a história através da versão fac-símile foi fruto do esforço de conservação de colecionadores e, pronta, serve como um documento de acesso aos primórdios da história das revistas brasileiras. O percurso de “As Variedades”, como é costu- meiro abreviá-la e se fará no presente artigo, foi descrito com profundidade em alguns poucos trabalhos acadêmi- cos 3 que se debruçaram sobre a história do jornalismo de revista. No entanto, o periódico não consta em algu- mas listas consideradas importantes na historiografia da imprensa, como o “Catálogo da coleção espécimes de jornais e demais periódicos brasileiros” e da “Biblioteca Brasiliense”, como cita o jornalista Luis Guilherme Pon- tes Tavares (2011). Para ele, colabora para a não menção à revista a raridade da publicação: “(...) o volume de ‘As Variedades’ que pertence à Fundação Clemente Mariani seja, senão o último, um dos últimos que ainda resta” (TAVARES, 2011, pág. 50). No sentido de entender a evolução do produto, acredita-se ser valioso pesquisar os indícios jornalísticos nessa edição fac-símile, de modo a contribuir para a pesquisa acadêmica voltada ao jornalis- mo de revista. Neste trabalho, a proposta é observar as pistas de um jornalismo especializado, característica elemen- tar das revistas jornalísticas. É importante ressaltar que o esforço da pesquisa é apreender, através dos textos presentes na publicação estudada, apenas os indicativos de especialização, ainda anacrônicos, inconscientes. Con- 2 Órgão vinculado à Secretaria de Cultura da Bahia (Secult), do Go- verno da Bahia. 3 MIRA (1997), COSTA (2007), SODRÉ (1999).

Upload: others

Post on 28-Jan-2021

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 223

    A revista “As Varie-dades ou Ensaios de Literatura” e os primeiros indícios de jornalismo es-pecializado

    La revista “As Variedades ou Ensaios de Literatura” y y los primeros indicios de periodismo especializado

    TatianaMariaDOURADO1

    Resumo:Oartigosepropõearetornaràprimeiracon-cepçãobrasileira considerada revistanahistóriada im-prensa, “AsVariedades ouEnsaios deLiteratura”, quecompletoudoisséculosnesteano,eavaliarosindíciosdeum jornalismo especializado formulado indiretamentenaquelaestreanteversão.Emsuabrevehistória,arevista“AsVariedades”revelou-seumcontrapontoinformativoàsnotíciascotidianassobrepolítica,maiscomunsàque-la época colonial, e passou a veicular conteúdo sobrequestõesassociadasàmoral,alémdetemascomfoconoconhecimentofilosófico.Atravésdaversãofac-símiledarevista,lançadanomêsfevereiro,oestudobuscaassociarasnoçõesteóricassobretematizaçãonojornalismoparatraçaroretratodaespecializaçãodapublicação.

    Palavras-chave: históriadamídia;jornalismoderevista;especialização.

    Resumen: Elartículotienelaintencióndevolveralpri-mermuestra de la revistabrasileña en la historia de laprensa, “AsVariedades ouEnsaios deLiteratura”, queesteañocumpladossiglos,yevaluarlaevidenciadeunperiodismoespecializadoindirectamenterealizadoenesaprimeraversión.Ensubrevehistoria,larevista“LasVa-riedades”hademostradoseruncontrapuntoinformati-

    1Jornalista.AlunademestradonoProgramadePós-GraduaçãoemComunicaçãoeCulturaContemporânea(Póscom)daFaculdadedeComunicaçãodaUniversidadeFederaldaBahia(UFBA).Especialistaem Jornalismo eConvergênciaMidiática.E-mail: [email protected]

    voalasnoticiasdeldíaenlapolítica,máscomunesenlostiemposcoloniales,ypasóaservirelcontenidoentemasrelacionadosconlamoralidad,ytemasconunenfoqueenelconocimientofilosófico.Enlaversiónfacsímildelarevista,lanzadaenelmesdefebrero,elestudiotratadevincular lasnocionesteóricasacercade la tematizaciónenelperiodismoparadibujarelretratodelaespecializa-ciónenlapublicación. Palavras clave: historia de los medios de comu-nicación, revista de periodismo, especialización. Introdução

    Emcomemoraçãoaosexatos200anosde im-pressaasuaprimeiraedição,emjaneirode2012foilan-çadaaversãofac-similarde“AsVariedadesouEnsaiosdeLiteratura”,pelaFundaçãoPedroCalmon2,empar-ceriacomaAssociaçãoBahianadeImprensa(ABI)eoNúcleodeEstudosdaHistóriadosImpressosdaBahia(Nehib).Apossibilidadederetomarahistóriaatravésdaversãofac-símilefoifrutodoesforçodeconservaçãodecolecionadorese,pronta,servecomoumdocumentodeacessoaosprimórdiosdahistóriadasrevistasbrasileiras.

    Opercursode“AsVariedades”,comoécostu-meiroabreviá-laesefaránopresenteartigo,foidescritocomprofundidadeemalgunspoucostrabalhosacadêmi-cos3que sedebruçaramsobreahistóriado jornalismoderevista.Noentanto,operiódiconãoconstaemalgu-maslistasconsideradasimportantesnahistoriografiadaimprensa, como o “Catálogo da coleção espécimes dejornaisedemaisperiódicosbrasileiros”eda“BibliotecaBrasiliense”,comocitaojornalistaLuisGuilhermePon-tesTavares(2011).Paraele,colaboraparaanãomençãoàrevistaararidadedapublicação:“(...)ovolumede‘AsVariedades’quepertenceàFundaçãoClementeMarianiseja, senão o último, umdos últimos que ainda resta”(TAVARES, 2011, pág. 50).No sentido de entender aevoluçãodoproduto,acredita-seservaliosopesquisarosindíciosjornalísticosnessaediçãofac-símile,demodoacontribuirparaapesquisaacadêmicavoltadaaojornalis-moderevista.

    Nestetrabalho,apropostaéobservaraspistasde um jornalismo especializado, característica elemen-tardasrevistas jornalísticas.É importanteressaltarqueo esforço da pesquisa é apreender, através dos textospresentesnapublicaçãoestudada,apenasosindicativosdeespecialização,aindaanacrônicos,inconscientes.Con-

    2ÓrgãovinculadoàSecretariadeCulturadaBahia(Secult),doGo-vernodaBahia.3MIRA(1997),COSTA(2007),SODRÉ(1999).

  • 224

    tudo, a análise, que estima associar tais indícios comaespecialização, contribui para compreender a distinçãoinformativadas revistas comocanal informativodesdea épocadoBrasil colônia,quando surgiu apublicação,datadade1812.

    Em estudos posteriores, aponta-se necessário,noterrenodahistóriadamídia,analisar,ainda,ospro-cedimentosadotadosnarotinadeproduçãodeconteú-do,assimcomoaescolhadosassuntosdaspublicaçõesnoticiosas,comvistasaentenderopapeldojornalismona realidade social.Ospesquisadores indicamque, em“AsVariedades”,todosostextosforamescritosporumportuguêsextraditado, chamadoDiogoSoaresdaSilvadeBivar,naépocaemqueelecumpriapenadereclusãonoFortedeSãoPedro,emSalvador(TAVARES,2011,pág.55),comoserápontuadonoartigo.

    Surgimento da revista e a sua distinção infor-mativa na sociedade

    Paraalémdodebatesobreosprojetosdopaís,daatuaçãodosrepresentantesoudeputadosdeprovín-ciasecríticasàCartaMagna, temasprevistosnaquelesperiódicos,principalmentenosjornaisepasquins(COS-TA,2007,pág.55),aprimeirarevistanacional,“AsVa-riedadesouEnsaiosdeLiteratura”,apegou-seaquestõestangenciaisàpolítica,maisqueajudavamacristalizaramoral,osbonscostumese saciavaa curiosidade sobreospensadoresouamodaeuropeiaentreaelitesocialdaépoca.

    Lançada em fevereiro4 de 1812 em Salvador,Bahia,natipografiadeManoelAntoniodaSilvaServa5,‘AsVariedades’ trouxe à tona umanova caracterizaçãode publicação, delimitando temáticas (especialização) epúblico específico (segmentação),mesmoque indireta-mente,logonoeditorialdeestreia.

    Discursossobreoscostumesevirtudesmoraes, e sociaes, algumas novelas deescolhidosgostos,emoral;extractosdehistoriaantiga,emoderna,nacional,ouestrangena,resumodeviagens;pedaçosdeAuthoresclassicosPortuguezesqueremprosa,queremverso–cuja leituratenda a formar gosto, e pureza na lin-

    4Aimpressãodapublicaçãoocorreuemjaneirode1812,porémcir-culouaopúbliconomêsdefevereiro,comdatareferenciadadomêsanterior,confusãoquecausaestranhezaentrepesquisadores.5Comercianteportuguêsque,comavaldoCondedosArcos, fun-douaprimeiraeditoraparticulardoBrasil,em13demaiode1811.Também criador do primeiro jornal da Bahia, o “IdadeD´Ouro”,chamadodetambémdeGazetadaBahia.

    guagem; algumas anedotas, e boas res-postas.&ctaessãoosmateriaesdequetencionamosservir-nosparaacoordina-çãodestaobra,quealgumasvezesoffe-recerá artigos que tenhão relação comos studos scientificospropriamentedi-tos,equepossãohabilitaros leitoresafazer-lhessentiraimportanciasdasno-vasdescobertasfilosóficas.(ASVARIE-DADES,2012)6.

    Otrechoacimaépartedoprimeiroeditorialdarevistaenãoseapresentouacompanhadadeassinatura7,assimcomotodosostextosdaedição.Alistadeinteres-ses temáticosque se sequencia logonoprimeiropará-grafodaseçãoevidenciaamescladegêneroslinguísticos–novela, resumodeviagem,extratodehistóriaantiga,anedota,prosaeartigocientífico–comvistasaampliaroconhecimentodopúblico-leitoràrealidadeculturalvi-vidaespecialmentenascidadesdaEuropa.

    Emumanotasobreaentãofuturarevista,des-cobertaporpesquisadoresemumacoleçãoencadernadado jornal “Idade d´Ouro doBrazil”8, datada de 1811-1812eintitulada“Prospectodeumaobraperiódicaquevaiapublicar-se,denominada:AsVariedades,ouEnsaiosdeLiteratura”,constatam-seindíciosdadelimitaçãocon-textual,temática,naqualseriaadotadalogomais,assimquelançada.Castro(2011,pág.18)foiumdosquetive-ramacessoaomaterial,cujostrechosdizem:

    Os jornais literários têm sido olhadosemtodootempocomoosmeiosmaiseficazes e próprios de derramar o co-nhecimentohumano.(...)AsArteseasCiências que diariamente dão passos,coadjuvam-se mutuamente pelas rela-ções que os jornais fazemnascer; e as

    6Anumeraçãodaspáginasdaversãofac-símileobedeceaoregimen-tocolonialdeusodeletrasenúmeros.Transcriçãocomoportuguêsnaépoca.7ArevistafoiidealizadapelofamosotipógrafoManoelAntôniodaSilvaServa.Osartigosnãoeramassinadoseatribuí-searedaçãodostextosàfiguradoportuguêsDiogoSoaresdaSilvaeBivar,formadoemDireitopelaUniversidadedeCoimbra:“Ocorrequesuatarefaeraexecutadaportrásdasgrades.ElepermaneceupresonoFortedeSãoPedroaté1821,condenadoquefora,porPortugal,aodegredosobacusaçãodetraição.Por trásdasgrades,BivarnãoapenasauxiliavaSilvaServa,comopode(sic)casar-seeconstituirfamília”(CASTROetal,2011,pág.54).8PertencenteàcoleçãodoInstitutoHistóricoeGeográficoBrasilei-ro(IHGB).OIdaded´OurofoiaprimeiragazetaimpressadaBahiaedoBrasil,iniciativaocorridatambémnatipografiadeSilvaServa.Apublicaçãocirculoudemaiode1811ajunhode1823.

  • 225

    descobertassefacilitam:oscostumessecastigameseaperfeiçoam;asmaneirasrecebem polimento, e a pureza e ele-gânciada linguagemcobraenergiaesevulgariza. (...)Debaixo deste ponto devistapoiséquesetemformadoopla-nodeumaobraperiódicaquecomeçaránomêsdejaneirode1812,equesehádedenominar(IDADED´OUROapudCASTRO,2011,pág.18-19).

    Outrocomunicado,comintuitosemelhantededivulgação, foi encontrado no mesmo jornal, o Idaded´Ouro,entãocomotítulomaisdefinido–“AsVarieda-des,oEnsaiosPeriódicosdeLiteratura”.Nessetexto,oredatordivulgaatemáticaeditorialqueseráabordadanasediçõesdarevista,dandoênfaseà“moral”social.

    ORedatordesejalimitar-seporora,e especialmenteàsCiênciasmorais,nãosóporqueelas sãoosmais só-lidos alicerces sobre que descansao majestoso edifício da felicidadeNacional,mastambémporquesen-dooseuestudomaisdoalcancedetodos,tendediretamentecimentaroamoràleitura,acujosatrativos,dizumjudiciosoescritor,parecequefoiassinadaaposiçãoquemedeiaentreosprazeressensuaiseosintelectuais(IDADED’OUROapudCASTRO,2011,pág.19).

    OhistoriadorHélioVianna(2011)avaliaqueaposturada revistamantémdiálogocomos“princípiosfranceses”,emcontraposiçãoaotradicionalismocatóli-codePortugal,nosentidoemquepriorizaoacessoaosnovos conhecimentos. Vianna se atenta à ausência de“quaisqueralusõesaprincípios religiosos,nãosepren-dendodiretamenteàmoralcristãospreceitossobreoscostumeseasvirtudesquepreconiza”(VIANNA,2011,pág.37).

    De modo a enfatizar a constatação, Viannaapontaqueacondutapodeserevidenciadaatravésdosconteúdosfilosóficosrecorrentesnapublicação,comoo“Quadrodemonstrativooucronológicodafilosofiaan-tiga”que,segundoexplicaohistoriador,“(...)mostratersido,talvez,voluntáriaaomissãodequalquerreferênciafavorávelàescolástica,nessaobrasmaisdedisfarçadadi-

    vulgaçãode ideias, então, reputadas ‘perigosas’,quedesimplesquestõesliterárias”(VIANNA,2011,pág.37).

    A terminologia adotada nesse início de século19tinhasentidodistintodaconvencional-osperiódicosnomeados ‘jornais’davamcontadaspublicações literá-rias;jáasgazetas,dasnoticiosas.Comopassardotempo,aideiafoinovamentealteradae“(...)oqueoutroraeragazetapassou-seaser jornaleoqueera jornalpassoua ser revista.Daí porque revista é o termoque, há al-gumtempo,define-semelhoroquefoi‘AsVariedadesouEnsaiosdeLiteratura”(CASTRO,2012,pág.54).Costa(2007,pág.55)complementaqueostermos“revista”e“jornais”,taiscomoutilizadashoje,começaaseradota-dapelosimpressosno“últimoquartildoséculoXIX”,cenáriojámarcadopelotelégrafo,telefone,fotografiaeprensa,queprofissionalizaramocampodaspublicações.

    Comarapidezdachegadadasnotícias,cabeaojornaleàimprensadiáriadedi-car-se aoque se convencionouchamardehard news (grifodoautor):atragédia,acatástrofe,ofatoocorridonavéspera.Eàsrevistas,sobretudoasilustradas,es-tariamreservadasinformaçõesempro-fundidade,aanálise,acrítica,oentrete-nimento(COSTA,2007,pág,55).

    Em sua primeira publicação, a revista circuloucom30páginas,aocustode560réis,comartigosinti-tulados9:“Sobreafelicidadedoméstica”,“Danavegaçãoentre os antigos”, “InstrucçãoMilitar”, “BriosoDesa-fio”, “Anecdotas eBonsDictos”.O segundo e últimovolume, de caráter duplo, foi publicado emmarço de1812,comostextos“Quadrodemonstrativodaphiloso-phiaantiga”e,dentreoutros,“Observaçõessobreapolí-tica”,novalordeummile120réispor67páginas(CAS-TRO,2011,pág.9-10).“Eraummaçomalencadernadodepapel,maiscomcaradelivro,quedeixavaexpostaaaridezvisualdosblocoscompactosdetexto.Durouape-nasumsegundonúmero,masserviuparacravaromarcoinauguraldasrevistasbrasileiras”(VEJA,2000,online).

    Acomercializaçãodosexemplareserarealizadomediantepréviaassinatura,modeloque,àépoca,semos-9Os artigos não eram assinados e atribuí-se a redação dos textosà figura do portuguêsDiogo Soares da Silva eBivar, formado emDireito pelaUniversidade deCoimbra: “Ocorre que sua tarefa eraexecutadaportrásdasgrades.ElepermaneceupresonoFortedeSãoPedroaté1821,condenadoquefora,porPortugal,aodegredosobacusaçãodetraição.Por trásdasgrades,BivarnãoapenasauxiliavaSilvaServa,comopode(sic)casar-seeconstituirfamília”(CASTROetal,2011,pág.54).

  • 226

    travafracassadodevidoaoaltoíndicedeinadimplênciafrenteaocustoelevadodaimpressão.Castro(2011,pág.52)afirmaquenãoforamrarososleitoressedepararemcom apelos do tipógrafo Silva Serva para efetuaremopagamento.“(...)Apesardisso,eleteveaaudáciade,emjan10eirode1812,lançararevista“AsVariedadesouEn-saiosdeLiteratura”,destinadaaomesmopequenopúbli-coconstituídodeautoridades,comerciantesedonosdeengenho”(CASTRO,2011,p.52).

    Questões sobre a especialização na revista “As Variedades”

    Segundo o quadro evolutivo traçado por CiroMarcondesFilho,arevista“AsVariedades”podeserin-serida na época do “primeiro jornalismo”, caracteriza-dapelo“conteúdoliterárioepolítico,comtextocrítico,economia deficitária e comandadopor escritores, polí-ticoseintelectuais”produzidoentre1789a1830(apudPENA,2006,p.5).Oautorapontaqueanecessidadededistinçãoentreliteraturae“realidade”motivouestudosacercadastipologiastextuais,iniciadajánaGréciaantigacomopensadorPlatão.

    Os estudos dos gêneros, como a prática é de-nominada, chegou ao campo do jornalismo no século18.“Nojornalismo,aprimeiratentativadeclassificaçãofoifeitapeloeditoringlêsSamuelBuckeleynocomeçodo séculoXVIII, quando resolveu separar o conteúdodo jornal Daily Courant em news (notícias) e comments (comentários)”,mascausadivergênciaatéhoje(PENA,2006,p.10-11).

    Naquelemomentoqueprecedeuaeramassivada imprensa, aconsciência sobrequalgênerousarnãoeraexpressiva.Mesmoassim,em“AsVariedades”,per-cebe-sequeoeditorjáapresentavaaoleitorquaisseriamas categorias textuais daquela publicação, apontandonovelas, anedotas, textos científicos, entre outros11.Naestruturado título–“AsVariedadesouEnsaiosdeLi-teratura”–háumasegundapossibilidadedenomeaçãodoprodutono trecho“ouEnsaiosdeLiteratura”,quedirecionacommaisênfaseaotipodeconteúdoquepo-deráserencontradopelopúblico-alvodoquenosentidodealçarumnomepróprioàpublicação.Naqueleiníciodeséculo19,aliteraturaexerciapapelfundamentalpara10Nolivro“ComunicaçãoeJornalismo:asagadoscãesperdidos”(2002).11Nocontextocontemporâneo,MarquesdeMellodefendeaexis-tênciadedois gênerosno jornalismo,oopinativo eo informativo,combaseempesquisasdesenvolvidasentreosséculos19e20.Emparalelo,afirmaqueasmesmaspesquisasdemonstramausênciadosgênerosinterpretativoediversionalnosjornaisemtodoopaís(MEL-LO,2003,p.153).

    asociedadesecomunicareseinformarsobreideiasoucostumes nacionais ou estrangeiros. Tzevtan Todorov(2006)afirmaqueoscódigossociaisdaobranão“com-pete”aumestudoliterário,emboraadmitaapresença.

    Todoelementopresentenumaobratrazuma significação que pode ser inter-pretada segundoocódigo literário. (...)épreciso igualmente levaremcontaasdiferentes funções da mensagem, poisa“organização”podemanifestar-seemváriosplanosdiferentes.Essaobserva-çãopermitedistinguirnitidamente lite-raturadefolclore;ofolcloreadmiteumaindependênciamuitomaiordoselemen-tos(TODOROV,2006,p.32).

    Muito do estudado na contemporaneidade so-bre tematização no jornalismo, com foco em revistas,assuntoque interessa a este tópico,deve-se à iniciativado pesquisador Frederico deMelloBrandãoTavares12.Entreasquestõescentrais,preocupa-seemorientarumconceitodejornalismoparaleloàsnotíciasgeradaspelashard news dos jornais, ou factuais, costume convencio-nadopelaspublicaçõesdeperiodicidademais alargada,principalmenteasrevistasinformativas.

    Na concepção do pesquisador, as reportagensabordadasnessasrevistasobedecemaosprincípiosbási-cosdojornalismo,comoaelaboraçãodapauta,aapura-çãodosdadoseentrevistascomasfontes,entreoutros,etambémenvolvematribuiçõesespecíficas:“otratamentodeumaidentidade,ojulgamentodevalores,aprestaçãodeserviços(...);enfim,nostermosdeMouilaud(2002),umnovoposicionamentoemrelaçãoàformaeaoestilo,etambémàprópriarealidadesocial”(TAVARES,2007,pág. 10).O autor também cita, no rol das característi-cas,“asnovaspreocupaçõesestéticasevisuais”daspu-blicaçõesespecializadas,comofoconasrevistas,porém,pelainiciaçãotipográficadaépocade“AsVariedades”,aquestãonãoépreponderantenestetrabalho.

    Os apontamentos elencadas podem ser direta-menterelacionadoscomosinseridosnoconteúdodapu-blicaçãode1812.Operiódico,comotodosdocomeçodoséculo19,nãocontinhafotosouilustrações,porém,por ter sidoo primeiro, ousouna construçãode novaidentidadecomunicativaeexplicitouosvaloresquecon-duziriamoconteúdoparaopúblico-leitor.Éapartirdo

    12 Professor doutor de Comunicação na Universidade Tuiuti doParaná.

  • 227

    periódicoqueapopulaçãocomeçouateracessoatextoinformativodecunholiterário,oquedemonstraavan-guardaderenovara“formaeoestilo”dacomunicaçãonaquelemomentohistórico.“(...) a revista ‘AsVarieda-des’foi,pois,aprimeirapublicaçãoperiódicadecaráterliterárioaparecidanoBrasil,porquantoprecedeuquaseumanoa‘OPatriota’,jornalliterário,políticoemercantildoRiodeJaneiro”(CARVALHOapudVIANA,2011,pág.26).

    Comoseobserva,aespecializaçãode“AsVarie-dades”nãoédirecionadaaumatemáticaesimatribuídaà ideologia que rege todos os conteúdos da edição.Otema,porsi,jásupõepautasquesedistinguemdosacon-tecimentos jornalísticos, esses atrelados às ocorrênciasextraordináriasquesesobressaemnocotidiano.Schwaab(2009)afirmaqueoconceitopodeserrelacionadocomainiciativadeanáliseereflexãoaquesetrabalhaumapau-ta,porexemplo.“(...)no jornalismode revista,o temapode servistocomoumelementoqueopera sentidos,ouseja,queatuasobreoseufazeresobresuamateriali-dade”(SCHWAABetal,2009,pág.182).

    (...) o tema enquanto pauta dominantenas revistas está sustentado por umaabordagem(inclusive justificandoasuarelevância) e origina reconhecimento,comoumaespéciedeguiaparaoleitor,deumfioqueligaosingularnouniver-sal.Algofamiliareque,comoprodutodatemáticamaiorqueooriginou,pare-ceapreenderaplenitudedeumaépoca.Nessa perspectiva, atuando dentro deestruturas conhecidas, o jornalismo derevista escolhe, reitera e gera sentidosqueseencaixemcomoutilizáveisnoreal(SCHWAABetal,2009,pág.187).

    Oesqueletoeditorialobservadonaediçãofac-símileconfirmaoideárioconstruídopelosidealizadores.Vianna (2011, pág. 39) reflete que até o texto voltadoaparentementeparaapolítica,deduzidopelotítulo“Ob-servações sobre política”, desvia-se do teor literal dapalavra,da“artedegovernarospovos”,esedestinaafalarsobreocomportamentoqueohomemdeveexer-cer,aproximando-odasquestõesmoraisdafamíliaedasociedade.Emumdostrechos,diz:“Nãosepodechegaraumgrauelevadodepolítica,queconstituipropriamen-teoqueseentendeporpolidez,senãoporumgrandeusodomundo,epelafrequênciadamelhorcompanhia,egentes”(ASVARIEDADES,2011,fac-símile).

    ParaViana(2011,pág.28),contudo,“omaissé-riotrabalhocontidoemtodaarevista”éoartigointitu-lado“QuadrodemonstrativoouCronologiadaFilosofiaantiga”,pelotamanhoeapanhadoqueconstróisobreahistóriadafilosofiagrega.Paraconhecimentodopúbli-codesacostumado,oredatorexplicaapropostadotextologonaintrodução:“Nossaintençãoselimitaemexporemformadetaboa,osdiferentesbandosouescolasemquesedividirão,esubdividirãoosgrandeshomens,queaGréciaviunascer,equepelassuasopiniõesvieramamarcaroutrastantasépocasnahistóriaantiga”(ASVA-RIEDADES,2011,versãofac-símile).

    Adiversidade temática, dentrodaproposta al-ternativae literáriadaedição, indicadanonomeda re-vista, completa-se com conteúdos como “FelicidadeDoméstica”,que,navisãodeViana,remetecertograude comprometimento do autor - ele “estaria casado àépocadesuaelaboração.Oamorconjugal,opaterno,aamizade,obomtratoaossubalternossãoostemasneleabordados,àluzdosmaisaceitáveisprincípiosmorais”(2011,pág,38).O textocomeçacoma ideiadequeoconjuntodefamílias,nasociedade,formaaideiadeNa-ção,equea“depravação”ou“corrupção”social,porsisó,nãodesconstróiavirtuosidadedaquelaunidade.Con-tinuadescrevendo,logodepois,aquestãodocasamentoedoapoioqueohomemdevedaràmulher(ASVARIE-DADES,2011,fac-símile).Oredatorchegaaquestionar:

    Há sobrea terra fortunamaispuradoqueaquelaqueresultadocomércioha-bitual dos esposos bem casados, queleem reciprocamente nos seus olhos, aserenidade da ternura, a amizade, o arcertodeconfiança,asdocessolicitudesdaatenção,eodesejodeagradar? (ASVARIEDADES,2011,fac-símile).

    AquestãosurpreendeVianna(2011),quepassaaacreditarqueoredatorestáapaixonadoourecém-casa-do,pelalógicainversacomaprogressista(comaisençãoreligiosa)aquesedirecionaarevista.Amanutençãodamoraléexplícitatambémemconteúdosnomeados“DaBondade”.Têm-seainda“Costumes,eUsodoMéxico(ExtractodaViagemdeMr.Thierry)”,queretrataacul-turadopaísreferido,omododeguerreardosmexicanos,informações sobre a língua espanhola e, dentreoutrosquesitos,dadossobreocalendáriodolocal.

    Maisparafrente,nofimdarevista,háocomple-mentodotexto,chamadode“ContinuaçãodosCostu-mes,eUsodoMéxico(ExtratodaViagemdeMr.Thier-

  • 228

    ry)”, quando fala sobre a personalidade da população– “asmulheres temumar humilde, e civil quenão seconciliacomoorgulhodoshabitantesdaquelaprovín-cia” (AsVariedades, fac-símile) -, entre outras aborda-gens.

    Diante da análise descritiva dos textos, Viana(2011, pág. 40) conclui que a primeira revista literáriabrasileira,“tãocaracterísticadesuaépocaedastendên-cias que iam transformando omeio em que apareceu,realizadapelavontadeprogressistadoúltimodegredadoqueaportouoBrasil”.

    Tendoemvistataisconteúdos,épossívelasso-ciá-los à flexibilidade quepossui a revista sobre o quêoucomoagendarosassuntosnasociedade,paraaquelepúblicodespretensiosamentesegmentado,combasenarelevância pública. (SCHWAAB et al, 2009, pág. 186).Quando se têm um público extenso, de segmentaçãofluida,comoocorriaem“AsVariedades”,compreende-sequeum“grandetema”conformeaidentidadedapu-blicação.“Elege-seumassuntoamploqueconsigareunirváriosoutros(espéciedesubtemas)e,apartirdele,umperfil editorial é construído” (SCHWAAB et al, 2009,pág.189).

    Considerações finaisO jornalismo, assim comooutros campos, de-

    pendedeumprocessohistóricoevolutivoparasedefinircomo atividade institucionalizada. E é nos primórdiosdesse processo que se insere o exemplo de “AsVarie-dadesouEnsaiosdeLiteratura”,dentrodouniversodojornalismo,nomeiodeinformaçãoconhecidopor“re-vista”.Percebe-se,aolongodasargumentações,queare-laçãoentreespecializaçãoeojornalismoaliinserido,ain-dasemasnoçõesconquistadasnamodernidade,éfrutodeumesforçodeassociação.Plausível,noentanto,vistopelascaracterísticaselencadaspelosteóricosemtermosdeespecialização.

    Aausênciadefactualidadenoconteúdodasedi-çõeséumdosindíciosquedistingueoprodutodaquelestradicionalmente vinculados à atualidade dos aconteci-mentos. Fatalidades como morte e acidente, ocorrên-cia esdrúxula, acompanhamento político, novidades dasociedade,tudoisso,queafetaocotidianosocial,comopôde ser visto, não é contemplado na publicação.Nocontextobrasileiro,arevistaémarcodeiníciodepráticanovaealternativaàpadrãodeofertarinformaçãoparaasociedade.

    Conformeocomunicadoapresentadoantesdolançamento da primeira edição no Idade d´Ouro do

    Brazil,“AsVariedades”propõeexporumconhecimen-to complementar ao noticiado diariamente pelas entãogazetas,comonaépocaeramnomeadasos jornaisquenósconhecemoshoje–as revistas,no sentidomoder-no,eramentãoconhecidascomo“jornais”.Diantedis-so,dedicapáginasaassuntosfilosóficos,àsdescobertasestrangeiras,aoscostumessociais,àsnoçõesmoraisdefelicidade,alémdeanedotasetrechosdenovela,comoexpostonodecorrerdoartigo.

    Ocomportamentoeditorialpodeserconsidera-doprecursor,jáqueaindaéseguidopelaspublicaçõeses-pecializadasnacontemporaneidade.Tavares(2007),emanálise da característica especialização nas publicaçõesimpressasaexemplodasrevistasfemininasououtraste-máticas, aborda o que chamade “estatutoda notícia”,tratando-o como “diferentes” do habitualmente usadona produção noticiosa diária. “Consequentemente, sãoestabelecidas nestes espaços midiáticos novas (ou es-pecíficas)maneirasdeserelacionarcomosocialecomaquiloqueoenvolve”(TAVARES,2007,pág.46).

    Referências bibliográficas:

    ASVARIEDADES.Salvador:FundaçãoPedroCalmon,ed.fac-símile,2011.

    CASTRO, Roberto Bebert. Introdu-ção: A Revista “As Variedades”. In: Sobre As Variedades, ensaios. Salvador: Fundação Pedro Cal-mon,2011.

    COSTA,CarlosRoberto. A Revista no Brasil, o Século XIX. SãoPaulo,USP,tesededoutoradoemCiênciasdaCo-municação,2007.

    MELLO,Marquesde.JornalismoBrasileiro.PortoAle-gre:Sulinas,2003.

    MIRA,M.C.O leitor e a banca de revistas.SãoPaulo:Olhod’Água,2001.

    SCHWAAB,RegesToni;TAVARES,FredericodeMelloBrandão.O tema como operador de sentidos no jornalismo de revista.RevistaGaláxia,SãoPaulo,n.18,p.180-193,dez.2009.

    SODRÉ,NelsonWerneck.História da imprensa do Brasil.RiodeJaneiro:Mauad,1999.

    TAVARES,F.M.B.Percursos entre o Jornalismo e o Jornalismo Especializado.In:VIIICongressodeCiênciasdaComu-

  • 229

    nicaçãonaRegiãoSul,2007,PassoFundo,RS.AnaisdoVIIICongressodeCiênciasdaComunicaçãonaRegiãoSul.PassoFundo:UniversidadedePassoFundo,2007.

    TODOROV,Tzvetan.As estruturas narrativas.Trad.LeylaPerrone-Moisés.4ed.SãoPaulo:Perspectiva,2006

    VEJA.Esclarecer, informar e divertir.SãoPaulo:Abril,nov.de2000.Ediçãoonline.

    VIANA,Hélio.A primeira revista brasileira (1812).In:So-bre As Variedades, ensaios. Salvador: Fundação PedroCalmon,2011.

    Recebido:20/06/2012Aprovado:10/08/2012