a pesquisadora ana cristina césar
Post on 14-Dec-2015
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A pesquisadora Ana Cristina César
Ana Cristina César não só deixou um belo legado de poemas em que questões
existenciais e a natureza feminina são tematizadas de forma a um tempo rascante e
lírica, mas traduções (de poetisas inglesas, notadamente), ensaios críticos, textos de
prosa poética e um livro que sintetiza uma pesquisa na área dos estudos de cinemaca,
que me foi roubado mas pelo qual tenho particular estima: Literatura não é documento
(Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980)
Em menos de 200 páginas, Ana, demonstrando gande poder de síntese, procura,
através da análise de um campo cinematográfico específico - a produção de
documentários sobre autores literários nacionais -, investigar as relações entre cinema e
Estado.
Após atentar para os aspectos educacionais do documentário “literário”, Ana
sublinha o crescimento da importância do subgênero em momentos de afirmação da
identidade nacional. Esboça, assim, a premissa lógica que orientou, em dois momentos
ditatoriais distintos e distantes no tempo (o Estado Novo getulista e o pós-AI-5, anos 70
adentro), as relações entre cinema e produção cultural no Brasil.
Escrito entre 1977/1978 (portanto, nos anos subsequentes à adoção do Plano
Nacional de Cultura, vigente desde 1973 e que levaria o cinema brasileiro à sua melhor
década em termos de público e ocupação de mercado), o livro apresenta surpreendente
distanciamento crítico para uma observadora inserida no momento observado.
Buscando investigar a dinâmica da relação cinema-Estado, o livro analisa,
historicizando, os orgãos criados em quatro décadas dessa interlocução (desde o INCE,
1936), priorizando o exame dos critérios normativos responsáveis pela filtragem estatal
dos projetos
A produção estadonovista, baseada no Instituto Nacional de Cinema Educativo
(INCE) e chefiada pelo pioneiro Humberto Mauro, iniciara-se em 1937, com curtas
metragens produzidos de forma ininterrupta. Relativamente uniformes, voltavam-se, a
priori, à ofensiva oficial na educação escolar. É a essa fase que pertence a primeira
versão, em P&B, de Carro de Boi, que refilmado em cores em 1974, seria o derradeiro
filme dirigido por Mauro - o “nosso Griffith”, no dizer de Paulo Emílio Salles Gomes.
Já a produção documental dos anos setenta, não obstante estar ligada ao processo
de busca por legitimização cultural por patrte do regime, constituiria, segundo Ana
Cristina César, “mais um surto, menos um bloco patrocinado”, dizendo respeito mais à
“busca de uma eficácia perdida num esquema repressivo” do que a aspectos
especificamente educacionais. O relativo pluralismo dessa produção abarca desde filmes
presos ao convencionalismo formal (exaltação da personalidade do escritor; fetichização
de sua presença; etc.), até obras experimentais arrojadas - embora estas quase sempre
tenham sido, como será dado a constatar no desenrolar do livro, submetidas a périplos
tortuosos de financiamento.
Encerrando a primeira parte do livro, aflora a inquietude radical que marcou a
trajetória pessoal e literária da autora, na forma de uma análise provocativa e original do
conformismo da produção cine-documental brasileira, “sem produto que veicule uma
crítica radical `a visão circulante de literatura”. Questionando a possibilidade ou não de
se introduzir diferenças no interior do documentário, põe o dedo na ferida ao
interrelacionar, através da contraposição, tal possibilidade à natureza estatal da
produção.
Destaca-se no livro a percepção do quociente de manipulação inerente à escolha
de projetos pela EMBRAFILME. Através de entrevistas a autora permite entrever uma
combinação de critérios que, embora simulem um catalisador modelar comum à
heterogênea produção da estatal acabam, devido à flexibilidade excessiva, passíveis de
direcionamento para atender a interesses os mais diversos. Simplista falar em
cooptação, ingênuo desprezá-la.
Embora, nas décadas que se seguiram à publicação de Literatura Não é
Documento, autores como José Mário Ortiz Ramos (Cinema, Estado e Lutas culturais,
Paz e Terra, 1983), Tunico Amâncio (Artes e Manhas da Embrafilme, Eduff, 2000) e
Anita Simis (Estado e Cinema no Brasil, Anablume, 2008) tenham aprofundado
sensivelmente a análise das contradições e especifidades dos anos Embrafilme, o livro
de Ana Cristina César conserva sua contundência e originalidade, revelando
potencialidades que o suicídio da autora, aos 31 anos, tragicamente abreviou.
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