a moratória e o parcelamento como alternativas à prévia quitação
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Tibério Carlos Soares Roberto Pinto Estudante de direito do 9º semestre da Universidade Federal do Ceará
Endereço eletrônico: tiberiocarlos@uol.com.br
A moratória e o parcelamento como alternativas à prévia quitação dos tributos para a concessão da Recuperação judicial
SUMÁRIO
Introdução. 1) A relevância da recuperação judicial no atual contexto mercantil. 2)
Função social da empresa e preservação da atividade empresarial. 3) Exigências
para a concessão da recuperação judicial. 4) A utilização das hipóteses de
suspensão previstas no art. 151 do CTN como alternativas à prévia quitação dos
tributos. Considerações Finais.
RESUMO
O presente trabalho propõe-se a analisar as hipóteses de suspensão do crédito tributário, como requisito para concessão da recuperação judicial, com enfoque na moratória e no parcelamento do crédito tributário, que se mostram alternativas mais eficazes que a exigência de quitação integral dos tributos, visto que mais harmônicas com a principiologia da nova lei de falência e recuperação.
Palavras-chave: Função social da empresa; Recuperação judicial; Moratória; Parcelamento.
INTRODUÇÃO
O instituto da recuperação da empresa que se encontra em difícil
situação financeira foi fruto de longa evolução da prática comercial. Enquanto, de
início, o falido era socialmente discriminado como fraudador e desonesto,
atualmente se reconheceu que a falência pode advir de fatores completamente
alheios à sua vontade, sobre os quais tem pouco ou nenhum controle. Na medida
em que as relações comerciais se internacionalizam, e multiplicam-se as
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multinacionais, a economia mundial torna-se altamente integrada, e crises
regionais podem rapidamente se alastrar e afetar todas as demais nações.
A recuperação judicial inspirou-se no modelo das concordatas,
previstas no revogado Decreto-Lei 7661, de 21 de junho de 1945, que eram de
duas modalidades: concordata preventiva, concedida como meio de impedir a
falência, e suspensiva, concedida no curso da mesma. Foi prevista no art. 47 de
Lei 11.101, que regula o novo procedimento de falência e recuperação, seu
objetivo primordial é viabilizar a superação da situação de crise econômico-
financeira e permitir a manutenção da fonte produtora e de sua função social.
A função social da empresa é o princípio primordial, que justifica a
preservação da atividade produtiva. A constitucionalização dos institutos de direito
privado fez com que os clássicos institutos do direito civil, tradicionalmente
arraigados às suas origens romanas, assumissem uma função social. A partir
deste viés, a empresa não serve apenas aos interesses do empresário que a
constituiu, mas produz efeitos em todo o meio social, na medida em que cria
postos de trabalho, absorvendo a mão-de-obra local, gera tributos para o Estado,
de acordo com o princípio da capacidade contributiva, bem como gera dividendos
para os seus parceiros comerciais, como seus fornecedores. Portanto, a falência
da empresa deve ser evitada, sempre que esta ainda mostrar condições de
recuperar-se e prosseguir sua atividade.
No entanto, o art. 191-A, acrescido pela Lei Complementar nº 118, de 9
de fevereiro de 2005, publicada exatamente no mesmo dia da Lei 11.101, prevê
que a concessão de recuperação depende da prévia quitação de tributos. No
entanto, na parte final, ressalva as hipóteses previstas nos arts. 151, 205 e 206 do
CTN, quais sejam, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a certidão
negativa de débitos tributários e a certidão positiva com efeitos de negativa,
quando houver sido efetuada penhora.
Nesse contexto, as hipóteses de suspensão do crédito tributário,
previstas no art. 151 e respectivos incisos, com destaque para a moratória e o
parcelamento, despontam como alternativas à exigência de quitação dos tributos,
permitindo que a empresa possa concentrar-se em saldar seus débitos para com
os fornecedores e trabalhadores, viabilizando o seu soerguimento.
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1 A RELEVÂNCIA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO ATUAL CONTEXTO MERCANTIL
O instituto da recuperação judicial foi concebido no ordenamento
jurídico por intermédio da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Sua finalidade,
bem como a de toda a Nova Lei de Falências, foi atualizar a legislação
empresarial do país, de modo a adequá-la às novas realidades da economia
mundial. Afinal, o diploma normativo que anteriormente regulava tal matéria, o
Decreto-Lei 7661, de 21 de junho de 1945, regulamentava um cenário
inteiramente diverso do hodierno. Importante rememorar o contexto geopolítico da
época, em que as nações emergiam do pós-guerra e adentravam em outra fase
de conflito, embora não declarado expressamente: a Guerra Fria, entre o bloco
capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos, e o socialista, chefiado pela União
Soviética. Trazendo a análise para o âmbito interno, o Brasil, durante a década de
40, ainda se caracterizava por ser uma nação nitidamente agrária, com boa parte
da população residindo em zonas rurais, e o desenvolvimento industrial era
incipiente.
Quanto ao cenário político-econômico desta primeira década do século
XXI, percebe-se profundas alterações em sua conjuntura. O mundo mudou, a
economia também. Com o esfacelamento do regime socialista e conseqüente
fragmentação da União Soviética, em 1991, o sistema capitalista adentrou um
processo de intercâmbio comercial sem precedentes, fenômeno popularmente
conhecido como globalização. As trocas mercantis no âmbito internacional
aumentam em volume e em diversidade, bem como a presença de empresas
multinacionais no território brasileiro. Além disso, o país atravessou intenso
processo de industrialização, configurando-se atualmente como uma nação
urbana.
O conflito entre ambas as realidades torna evidente o quão defasadas
se encontravam as prescrições normativas do antigo Decreto-Lei, que carecia de
urgente atualização.
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2 Função social da empresa e preservação da atividade empresarial
O forte caráter valorativo da ordem constitucional de 1988 produziu
efeitos sobre alguns dos institutos consagrados do direito civil. Conforme
assevera, com peculiar precisão, o professor Gladston Mamede:
Essa compreensão da empresa por sua dimensão e finalidades privadas, no entanto, não exclui a compreensão concomitante de sua função social, ou seja, do interesse que a comunidade como um todo, organizada em Estado, tem sobre a atividade econômica organizada, ainda que se trate de atividade privada, regida por regime jurídico privado. [....] A proteção da empresa, portanto, não é proteção do empresário, nem da sociedade empresária, mas proteção da comunidade e do Estado que se beneficiam – no mínimo indiretamente – com a sua atividade. [....] é preciso preservar a empresa para que ela cumpra a sua função social. (2008, p.161)
Tal entendimento é o esposado por boa parte da doutrina. Veja-se também trecho de interessante artigo elaborado sobre o assunto, que ora segue:
A natureza jurídica da falência não pode estar presa mais, ao processualismo que se encontra na atualidade.
Não pode mais ficar restrita a simples liquidação do patrimônio do devedor. Deve visar, acima de tudo, a preservação da empresa em crise econômica, a qual estará sujeita ao cumprimento de um plano reorganizatório.
Os interesses individuais de simples solução de pagamento dos créditos com a correlata extinção da empresa, sem verificar a possibilidade de sua reorganização financeira, não pode mais permanecer como medida legislativa. São os interesses coletivos da sociedade, em manter empregos e gerar tributos, garantindo assim um desenvolvimento global do país é que devem prevalecer. (CURY; MARCO; THOMÉ, 2000, p.1)
Embora o art. 170 da Constituição de 1988 expressamente atribua ao
particular o primado da ordem econômica, que se fundamenta na valorização do
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trabalho e na livre iniciativa, este não pode exercer sua atividade exclusivamente
do modo que lhe apraz, mas sempre em consonância com os interesses da
coletividade.
O art. 47 da nova lei, que dispõe sobre a recuperação judicial, traz uma
série de elementos cruciais para a compreensão do procedimento, conforme se
vê:
Art. 47 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Para que seja possível captar toda a carga semântica deste
dispositivo, mostra-se necessário fracioná-lo, vez que traz diversos conceitos que
requerem uma análise mais detida.
a) Superação da crise econômico-financeira
O intuito da recuperação judicial é oferecer opções e estratégias ao
empresário, eventualmente tolhido por desequilíbrio financeiro, possibilitando a
este fazer com que sua atividade retorne ao seu patamar regular. Tal concepção
parte do pressuposto de que a atividade empresária é, essencialmente, uma
atividade de risco, e que, por mais capacitado e honesto que seja o empresário,
não estará completamente a salvo das oscilações e variações típicas da
economia de mercado. O professor Gladston Mamede vem fazer coro ao exposto:
Com efeito, há, em toda ação humana, uma esperança de sucesso e um risco, mesmo não considerado, de fracasso. Ser humano é conviver, mesmo inconscientemente, com riscos. Risco
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pelo que se faz e, mesmo, pelo que não se faz. Risco que segue com aquele que parte, mas que não abandona aquele que fica. Viver é estar submetido ao risco, o que não é bom, nem ruim: é apenas próprio da existência e deve ser compreendido como tal. (2008, p.02)
E arremata mais a frente:
[....] o legislador reconhece que a possibilidade de ocorrência de situações de crise econômico-financeiras é própria – é inerente – à empresa, ou seja, é inerente ao desenvolvimento de empreendimentos negociais e, mesmo, da organização estruturada dos meios (bens) e processos de produção para intervenção e atuação no mercado. (2008, p.161)
Afinal, o mercado é um organismo extremamente dinâmico, sujeito à
incontáveis, e muitas vezes, imprevisíveis, intempéries. Exemplo mais atual não
poderia haver do que a recente crise que abalou o sistema financeiro norte-
americano, provocado pela especulação imobiliária, que alcançou proporções
mundiais, entravando a economia das principais nações do globo. Muitos países
ainda apresentam um crescimento deficitário, se comparado às estimativas
anteriores à crise, como é o caso dos Estados Unidos, onde se localizou o
epicentro da crise. Inúmeras instituições financeiras não suportaram o abalo e
sucumbiram, enquanto diversas empresas multinacionais tiveram que reduzir
dramaticamente sua produção, além de procederem a demissões em massa.
Portanto, em um contexto de crise mundial, mesmo o empresário mais diligente
poderia ser lançado a um estado de insolvência sem qualquer culpa de sua parte,
estado este que poderia conduzi-lo à falência.
A intenção de permitir a superação da crise econômica é um avanço à
tradicional discriminação do falido, desde a época da idade média, em que era
alvo de humilhação pública, visto como fraudador, desonesto, caloteiro. A pecha
que carrega, vindo do latim fallere, que significa enganar, faltar. O código de
Napoleão, que serviu de modelo ideológico para diversos outros, inclusive para o
Código Comercial brasileiro de 1850, ainda reproduzia esta idéia, imputando ao
falido pesados ônus, equiparando a falência a um ato criminoso. Foram os belgas
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que, a partir de pesquisas, constataram que a falência poderia ser resultado de
oscilações na conjuntura econômica, e que não decorreria necessariamente de
fraude ou inabilidade por parte do empresário. Atualmente, a falência passa a ser
regulada sob um enfoque eminentemente patrimonial, despida de sua clássica
conotação penal, salvo quando o falido tiver incorrido em crime falimentar,
hipótese na qual se sujeitará à punição correspondente. (CURY; MARCO;
THOMÉ, 2000)
Para que a empresa consiga superar a crise econômica, a lei autoriza
uma série de medidas elencadas no art. 50: concessão de prazos e condições
especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; cisão,
incorporação, fusão ou transformação da sociedade; substituição total ou parcial
dos administradores do devedor; redução salarial, compensação de horários e
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; venda parcial dos
bens, dentre outras.
b) Manutenção da fonte produtora
A manutenção da fonte produtiva é a conseqüência direta e escopo
principal da superação da crise econômica. A intenção de proteger a atividade
produtiva não visa, em primeiro plano, resguardar o empresário, mas a
comunidade que se beneficia com a dinâmica mercantil. Uma sociedade
empresária bem-sucedida, que esteja quite com o fisco, que cumpra com as
obrigações pactuadas junto aos fornecedores, que respeite as determinações da
legislação trabalhista, é um verdadeiro foco de prosperidade, impactando
positivamente todos aqueles que com esta se relacionam, semelhando ao toque
de Midas.1 Gera receitas aos cofres públicos, paga salário aos cidadãos que
emprega, e capitaliza os seus parceiros comerciais. Em função disto, a empresa
merece ser preservada, inclusive com o afastamento do empresário ou
administrador, se tal medida mostrar-se necessária. Na ordem de prioridades da
1 Alusão à mitologia grega, em que o Deus Baco concedeu ao rei Midas a benção de que, tudo o que este tocasse, imediatamente se converteria em ouro.
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recuperação, a preservação da empresa desponta em primeiro plano. Novamente
se recorre aos ensinamentos do insigne mestre Mamede:
Em primeiro lugar, é preciso buscar a manutenção da fonte produtora; Em segundo lugar, a manutenção do emprego dos trabalhadores; somente em terceiro plano, quando não se vá atentar contra a preservação da empresa e/ou contra a manutenção do emprego dos trabalhadores, medidas que atendam aos interesses dos credores devem ser tomadas.(2008, p.162)
c) Manutenção do emprego dos trabalhadores
Dentre os beneficiados pela atividade empresarial estão, justamente,
os trabalhadores, que compõem os recursos humanos da empresa. Assim, é de
interesse desta classe que a atividade empresarial se mantenha e, de preferência,
se expanda, o que fomentaria demanda por mão-de-obra. É fato que existe uma
real disputa entre os interesses dos trabalhadores, representados pelos
respectivos sindicatos, sempre na busca por melhor remuneração e condições de
trabalho mais condignas, e o empresário, sempre buscando conter custos e
ampliar sua lucratividade, conflito este que já fora estudado por Karl Marx em sua
revolucionária obra O Capital. Apesar de possuírem anseios antagônicos, em
determinadas situações, as aspirações de ambos podem convergir para um ponto
de equilíbrio. No caso sob exame, tanto os trabalhadores como o empresário ou
grupo de empresas demonstram evidente interesse na manutenção da empresa.
A falência de uma sociedade, quanto maior sua envergadura, maiores danos gera
aos empregados, dada a imensa dificuldade de se recolocar no mercado de
trabalho. Portanto, para garantir os postos de trabalho proporcionados pela
empresa, deve-se resguardar sua atividade. A empresa deve ser protegida, vez
que propicia uma mercadoria escassa: o trabalho. (ROMITA, 2004)
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d) Defesa dos interesses dos credores
Através dos tempos, a intenção de defender os interesses dos credores
foi o principal direcionamento do instituto da falência. Mesmo que tal interesse
tenha sido em parte mitigado frente aos anseios da coletividade e do Estado, este
permanece como um vetor primordial do instituto. Afinal, a natureza jurídica da
falência é justamente a de uma execução coletiva, promovida pelos credores, que
decorre, necessariamente, da insolvência.
A insolvência civil, que se destina às pessoas naturais, associações,
sociedades simples e fundações, vem disposta no art. 955 CC: Procede-se à
declaração de insolvência toda vez que as dívidas excedam à importância dos
bens do devedor. O art. 962 CC trata do rateio proporcional quando o produto não
for suficiente para saldar completamente o passivo: Quando concorrerem aos
mesmos bens e, por título igual, dois ou mais credores da mesma classe
especialmente privilegiados, haverá entre eles rateio proporcional ao valor dos
respectivos créditos, se o produto não bastar para o pagamento integral de todos.
Além disso, preceitua o art. 748 do Código de Processo Civil: dá-se a insolvência
toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor.
Procedimento semelhante é o que ocorre no âmbito falimentar, este
destinado especificamente ao empresário ou sociedade empresária, em que se
procede à arrecadação dos bens, à realização do ativo e o respectivo rateio entre
os credores, seguindo a ordem dos privilégios e preferências. No entanto,
diferentemente do que ocorria no passado, em que praticamente se permitia
imolar a empresa e ratear os espólios entre os credores, como se fosse um
bezerro, atualmente a intenção é viabilizar o pagamento dos credores, mas de
modo que mantenha a estrutura produtiva, dada sua função social.
3 EXIGÊNCIAS PARA A CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Para que seja concedida a recuperação judicial, a empresa deverá
preencher alguns requisitos legais, dispostos no art. 48 da lei 11.101, tais como:
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exercer regularmente suas atividades por um lapso superior a 02 (dois) anos; não
ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em
julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco)
anos, obtido concessão de recuperação judicial, ou há menos de 8 (oito) anos,
caso se enquadre como microempresa ou empresa de pequeno porte; e, por fim,
exige-se que o requerente não tenha sido condenado, ou não possua, como
administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes
falimentares.
A imposição do exercício da atividade por dois anos visa evitar a
extensão desta benesse para empresas que, desde o princípio de suas
atividades, já se mostravam inviáveis. Afinal, uma empresa que vem a cambalear
antes de transcorridos dois anos do início de suas operações, demonstra
claramente não possuir quaisquer possibilidades de subsistir. Tal
empreendimento é socialmente indesejável, e põe em risco todas as atividades
que com ela se relacionarem.
3.1 Abusividade da exigência da prévia quitação dos tributos
3.1.1 Dos privilégios do crédito tributário
O capítulo VI do Código Tributário Nacional dispõe acerca das
garantias e privilégios do crédito tributário. O que se depreende a partir de sua
leitura global é que o crédito detentor da natureza tributária faz jus a uma série de
benefícios. Dentre estes, pode-se destacar o art. 186, que dispõe que o crédito
tributário prefere a qualquer outro, ressalvados os créditos decorrentes da
legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. O art. 187 dispõe que a
cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou
habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou
arrolamento, salvo o concurso entre as pessoas jurídicas: União, Estados, Distrito
Federal e municípios, respectivamente.
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Quanto aos dispositivos que tratam especificamente das obrigações
tributárias em processo de falência, o art. 190 dispõe que os créditos tributários
são pagos preferencialmente a quaisquer outros os créditos tributários vencidos
ou vincendos, a cargo de pessoas jurídicas de direito privado em liquidação
judicial ou voluntária, exigíveis no decurso da liquidação. O art. 191 impõe que as
obrigações do falido só serão definitivamente extintas com a prova de quitação de
todos os tributos.
No entanto, eis o dispositivo cuja análise será esmiuçada: o art. 191-A,
que impõe, como requisito da concessão de recuperação judicial, a apresentação
da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151,
205 e 206 do CTN.
Todos os dispositivos acima mencionados foram acrescentados ao
Código Tributário por meio da Lei Complementar nº 118, que será mais detalhada
a seguir.
3.1.2 Lei complementar nº 118 e a lei de falências
A Lei complementar nº 118 promoveu ampla alteração nos dispositivos
do CTN. O art. 146 dispõe que cabe à lei complementar, regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar, estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos, obrigação,
lançamento, prescrição e decadência, dentre outras matérias. Portanto, como o
Código Tributário versa sobre tais objetos, só pode ser alterado por lei
complementar, como é o caso da referida lei, datada de 09 de fevereiro de 2005.
Outro dado curioso é o fato de a lei complementar nº 118 ter sido promulgada
exatamente no mesmo dia da lei de falências, o que evidencia o fato de ambos os
diplomas estarem umbilicalmente vinculados.
Não obstante o fato de serem dispositivos gêmeos, tendo surgido no
mundo jurídico ao mesmo instante, percebe-se que, em diversos pontos, entram
em conflito, principalmente tendo em vista os fins a que se destinam. Enquanto a
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Lei 11.101 visava oferecer maior flexibilidade de opções para o empresário se
recuperar, a LC 118 reforçou visivelmente as garantias do crédito tributário,
restringido a concessão da recuperação judicial à prévia quitação de tributos.
Com isso, acabou-se optando pela recorrente postura de protecionismo fiscal, que
atenta frontalmente contra a manutenção da fonte produtora. Ora, a empresa que
pleiteia a recuperação judicial o faz por estar tolhida por dificuldades financeiras.
Nesse cenário, certamente já estará em débito com o fisco, pois o empresário
evita, a todo custo, atrasar sua obrigação para com os fornecedores, o que
fulminaria sua boa imagem e sua honorabilidade na praça. Quando tal situação
vem a ocorrer, fica patente que a situação se agravou para um estado alarmante2.
A pretensão do fisco de obter os valores que lhes são devidos, embora
legítima, manifesta-se em momento inoportuno. A melhor lógica levaria a concluir
que o Estado deveria, primeiramente, conceder a recuperação judicial, sem a
obrigação de prévia quitação dos tributos, e quando a empresa voltasse a dar
sinais de rentabilidade, receber a fatia que lhe é devida. Afinal, dentre todos os
credores, a Fazenda é, de longe, a melhor aparelhada. Esta tem à sua disposição
todo o maquinário público, vez que o art. 185-A do CTN elenca a hipótese de se o
devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora
no prazo legal3 e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a
indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão aos órgãos e
entidades que promovem registros de transferência de bens. Além disso, o art.
197 dispõe que determinados servidores públicos, tais como tabeliães,
serventuários, escrivães, são obrigados a prestar à autoridade administrativa
todas as informações de que disponham com relação a bens, negócios ou
atividades de terceiros. É evidente a desproporção de forças entre o fisco e o
credor quirografário, que além de não possuir o aparato estatal ao seu favor,
salvo a via judiciária, ainda tem de sujeitar-se a um concurso creditício.
2 Para mais informações: SILVA, Ronny Carvalho da. Lei de Recuperação de Empresas e sua necessária interpretação principiológica como único meio à consecução de seu objetivo jurídico colimado. Disponível em:<www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 02 mai 2010. 3 Prazo este de 05 (cinco) dias, conforme o art. 8º da Lei de Execuções Fiscais, nº 6830, de 22 de setembro de 1980.
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Não bastasse o fato de a Fazenda ser a que dispõe dos meios mais
eficazes para fazer valer seu crédito, há um fator adicional que deve ser
considerado: o pagamento dos tributos não se insere na dinâmica da atividade
comercial, antes é uma conseqüências dela decorrente. Explique-se. Os créditos
não pagos aos fornecedores, que são os responsáveis por proporcionar os
insumos produtivos necessários à atividade empresarial, obstam a continuação da
atividade, vez que aqueles não mais pretenderão estabelecer parcerias
comerciais com o devedor, indigno de confiança. O mesmo ocorre em relação aos
créditos trabalhistas, vez que, caso os trabalhadores não sejam pagos,
provavelmente entrarão em greve ou irão sabotar os meios de produção. Já
quanto aos créditos tributários, embora sejam legítimos e devam, de fato, ser
adimplidos, não são oriundos do processo produtivo, mas deste decorrentes.
Aderindo ao ponto de vista encimado, em artigo extremamente atual, Ronny Carvalho, demonstra bastante precisão em seu raciocínio, e expõe o seguinte:
[....] é de se inferir que a recuperação judicial é um instituto jurídico natimorto, pois não parece razoável imaginar que uma empresa que busque os benefícios de um programa de recuperação judicial, por achar-se em dificuldades de se manter em atividade por problemas financeiros, consiga, além das suas dívidas comerciais e dos tributos correntes, quitar ainda suas obrigações tributárias pretéritas, para somente assim obter as benesses legais.
Assim, decorrido o prazo sem o cumprimento pelo devedor do determinado no artigo 57 da Lei 11.101/05,4 restaria, como única alternativa ao magistrado, indeferir o pedido de recuperação judicial, lançando por terra toda uma possibilidade de manutenção das atividades empresariais, o que, de longe, representaria mais benefícios à sociedade do que o “interesse público” que supostamente se protege ao exigir-se os créditos tributários.
Há que se reconhecer que está ocorrendo ofensa à função social da empresa, amplamente vislumbrada e protegida pela Lex Major da Nação. (2005, p.01)
4 Art. 57: Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.
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Ante o que foi exposto, eis a questão que se levanta: ao exigir desde
logo a quitação dos tributos para conceder recuperação judicial, estaria o fisco
atendendo, de fato, ao interesse público, ou seria meramente um interesse
arrecadatório? Não estaria o interesse público melhor resguardado com a
manutenção da empresa, que continuaria gerando dividendos? A opção que se
fez peca por seu imediatismo. Sacrifica-se a galinha para comer-lhe a carne,
esquecendo-se dos ovos de ouro que ela seria capaz de produzir.
Deve-se perceber que há nítida distinção entre o interesse público e o
interesse simplesmente arrecadatório, que não se confundem e, muitas vezes,
entram em conflito. É por isso que a defesa de cada um destes compete a órgãos
distintos. Incumbe ao Ministério Público, de acordo com o art. 127, a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, estando no seu rol de funções zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, de acordo com o art. 129,
II. Além disso, o art. 82, III, do CPC, dispõe que compete ao Ministério Público
intervir nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas
demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou
qualidade da parte. Já a defesa dos interesses fazendários competirá às
procuradorias de cada um dos respectivos entes federativos.
Novamente recorrendo a trecho do artigo supracitado de Ronny
Carvalho, este menciona uma sentença prolatada pelo magistrado Luiz Henrique
Miranda, nos autos 390/2005, de recuperação judicial proposta pela empresa
W.P.I.C.L, na 1ª Vara Cível da Comarca de Ponta Grossa, no Paraná, que deferiu
a concessão de recuperação judicial em frontal desacordo com o disposto no art.
57 da lei de falências, optando por interpretação nitidamente contra legem,
dispensando a prévia quitação dos tributos, inspirado no princípio da função social
da empresa. Senão vejamos:
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Como é sabido, o instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da função social da empresa, que por sua vez, se coliga com o princípio da dignidade da pessoa humana. (...).
"Nessa ordem de idéias, o instituto da recuperação judicial se apresenta como um mecanismo voltado à preservação de uma empresa que atende a uma função social e que, por circunstâncias acidentais, entra em crise econômico-financeira, mas que, apesar disso, se mostra viável dependendo apenas de ajustes na sua rotina administrativa e de algumas concessões por parte dos credores para se reerguer e voltar a operar de forma saudável para o mercado. (...).
"Na realidade, a subordinação do deferimento da recuperação judicial à apresentação de certidões negativas de débitos tributários colide com os princípios constitucionais antes mencionados na medida em que inviabiliza a salvação da empresa, entendimento do qual não discrepa a doutrina"Enfim, a exigência de apresentação de certidões negativas – que, na prática, equivale a impor ao empresário estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias – inviabiliza a recuperação judicial. Fazendo-o, conflita com o princípio constitucional da função social da empresa e com os outros que a ele se ligam, entre os quais o da dignidade da pessoa humana."
"Sintetizando, a exigência de apresentação de certidões comprobatórias de inexistência de débitos junto ao fisco e à previdência, feita pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, ofende o princípio constitucional da função social da empresa, malfere o princípio da razoabilidade e agride garantias constitucionais ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa dadas ao contribuinte. (2005, p.01)
O entendimento firmado pelo magistrado merece todos os elogios,
mostrando-se genuinamente vanguardista, obedecendo ao aspecto principiológico
do instituto da recuperação em detrimento de sua literalidade. Incorporou o
espírito de um judiciário realmente ativista, atento aos efeitos de sua decisão no
meio social. O judiciário é o poder que mais se aproxima do caso concreto,
revelando-se apto a solucionar as questões postas segundo as diretrizes da
justiça. Mesmo que o legislador esteja imbuído das melhores intenções ao editar
a lei, nunca será capaz de prever todas as nuanças e vicissitudes que o caso
concreto pode via a assumir, visto ser um fenômeno único que brota do meio
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social. A realidade é o maior laboratório que existe, e o magistrado é o seu
legítimo cientista.5
Interessante reparar para uma contradição interna no seio da nova lei
de falências: o art. 52, inciso II, dispõe que, estando em termos a documentação
exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação
judicial e, no mesmo ato, determinará a dispensa da apresentação de certidões
negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação
com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais. No
entanto, o art. 57, ao qual se referiu anteriormente, exige a apresentação de
certidões negativas pelo devedor após a juntada aos autos do plano aprovado
pela assembléia-geral de credores. Ou seja: permite-se a continuidade da
empresa apenas durante o processamento da recuperação, para posteriormente
obstá-la no momento da concessão. Tal contra-senso não passou despercebido
por Mário Oliveira da Costa:
Interessante que, a teor do artigo 52, II do projeto da LRFE, ao deferir o processamento da recuperação judicial (início do procedimento), deverá o juiz determinar “a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”. Ainda assim, a posterior concessão da recuperação judicial dependeria da apresentação das certidões negativas, o que tornaria inócua – ou, ao menos, efêmera – a sua inicial dispensa.”
Ocorre que a restrição, tal como posta, poderá inviabilizar a aplicação da nova sistemática. O exacerbado rigor de que se reveste é manifestamente incoerente e contraditório com os próprios objetivos da recuperação fiscal. Afinal, se a crise econômico-financeira da empresa for tão grave a ponto de tornar necessária a recuperação judicial, obviamente não terá ela a sua posição fiscal regular e nem facilmente passível de regularização antes da própria concessão da recuperação! (2004, p.01)
5 Acerca do ativismo judicial, tomando a atividade do juiz como um estágio da própria produção normativa: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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4 A utilização das hipóteses de suspensão previstas no art. 151 do CTN como alternativas à prévia quitação dos tributos
A solução para tal impasse passa necessariamente por uma alteração
legislativa. Iniciativas por parte do judiciário de sumariamente desconsiderar tal
requisito, embora louváveis, são apenas paliativos para questões pontuais, que só
fazem mascarar o problema, mas não dão cabo de sua raiz. Além disso, atentam
contra expresso dispositivo legal, e podem criar interpretações as mais díspares,
gerando assistematicidades e, consequentemente, insegurança jurídica. O
caminho correto é proceder à revisão do diploma normativo, alterando a vedação
expressa de concessão presente no art. 191 do CTN.
Uma possível solução seria a utilização analógica dos dispositivos do
art. 151 do CTN, que trata das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário. Dentre estas, estão elencadas a moratória, o depósito do montante
integral, as reclamações e os recursos, a concessão de medida liminar em
mandado de segurança, a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada,
em outras espécies de ação judicial, e o parcelamento.
A doutrina majoritária entende que a suspensão da exigibilidade é
requisito que impede a execução fiscal. Assim, configurando-se uma das
hipóteses em que o crédito não será exigível, por interpretação analógica, deve-
se compreender que em tais casos deve ser possível a concessão de
recuperação. Embora não tenha havido, ainda, a extinção do crédito tributário,
nas modalidades previstas no art. 156, o mesmo não poderá ser cobrado, o que,
na prática, produz o mesmo efeito.
4.1 Enfoque na moratória e no parcelamento
Dentre as diversas modalidades de suspensão do crédito tributário,
duas despertam atenção em especial: a moratória e o parcelamento.
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A moratória consiste na postergação do prazo para pagamento do
tributo devido. Tal benefício pode ser concedido de modo geral, ou individual. Em
ambos os casos, contudo, carece de lei que discipline sua concessão. Além disso,
o crédito já deve ter sido constituído ou ao menos iniciado o lançamento. A
competência para sua concessão é da pessoa jurídica de direito público
responsável por instituir o tributo. Afinal, aquele que tem o poder para criar o
tributo será o mesmo que, em regra, poderá estender o prazo para seu
pagamento.
O art. 152 disciplina a moratória, que poderá ser concedida em caráter
geral ou particular. No caso de ser concedida em caráter individual, tal se dará por
despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei. O parág.
único dispõe que a lei concessiva de moratória pode circunscrever
expressamente sua aplicabilidade a determinada região do território da pessoa
jurídica que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.
Em face desta segunda possibilidade, deveria ser expedida lei que disciplinasse
especificamente a moratória para as empresas que pretendem pleitear a
recuperação judicial. Dispondo de maior prazo para adimplir seus débitos perante
o fisco, o empresário poderia focar suas atenções nas atividades inerentes ao
processo produtivo, tais como o pagamento de seus credores e de seus
empregados.
Quanto à inclusão do parcelamento dentre as hipóteses de suspensão
do crédito tributário, decorreu de importante alteração veiculada pela Lei
Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. O art. 155-A do CTN dispõe que
será concedido na forma e condição estabelecidas em lei. De acordo com o §2º,
aplicam-se a este, subsidiariamente, as disposições relativas à moratória.
Destacam-se, contudo, os parágrafos 3º e 4º. O §3º dispõe que lei especifica
disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor
em recuperação judicial. O §4º regula que, ante a inexistência da lei específica a
que se refere o §3º deste artigo, importará na aplicação das leis gerais de
parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não
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podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei
federal específica.
Ressalte-se outro detalhe importante, previsto no art. 6º, §7º, da nova
lei de falências. O caput do referido artigo dispõe que a decretação da falência ou
o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da
prescrição e todas as execuções em face do devedor. O §7º disciplina que as
execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da
recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do
Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica. Ou seja: uma vez
concedido o parcelamento, suspende-se o curso da execução fiscal, permitindo
que seja deferida a recuperação judicial, caso sejam atendidos os demais
requisitos. No entanto, o referido dispositivo refere-se exclusivamente ao
parcelamento, nada mencionando acerca de moratória, que permanece
carecendo de legislação que discipline a seu respeito para as empresas que
pretendem fazer jus ao benefício da recuperação.
Quanto à legislação ordinária acerca do parcelamento, existe a lei
10.684, de 30 de maio de 2003, que dispõe sobre o parcelamento de débitos junto
à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao
Instituto Nacional do Seguro Social, e o Programa de Recuperação Fiscal –
REFIS, instituído pela lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000. O artigo 1º da lei
10.684 dispõe que os débitos junto à Secretaria da Receita Federal ou à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até cento e
oitenta prestações mensais e sucessivas. O §1º afirma que tal parcelamento
aplica-se aos débitos constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa, já em
curso de execução fiscal, ou mesmo que tenham sido objeto de parcelamento
anterior não integralmente quitado.
Importante ressaltar também o teor dos artigos 205 e 206, ambos do
CTN. O art. 205 dispõe que a prova de quitação de determinado tributo, quando
exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do
interessado. No caso do art. 52, II, da lei de falências, pode-se dispensar a
apresentação das certidões negativas para que se permita ao devedor o exercício
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de sua atividade. No entanto, estas continuam exigíveis nos casos de contratação
com o poder público, sendo também exigidas para se fazer jus a benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios.
O art. 206 dispõe acerca da popularmente conhecida como “certidão
positiva com efeitos de negativa”. Nesse caso, a certidão produzirá os mesmos
efeitos da certidão negativa comum, quando, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada penhora ou cuja exigibilidade esteja suspensa. O crédito
ainda existe, mas não poderá ser cobrado em execução fiscal, em face da
garantia da penhora e da ocorrência de uma das hipóteses de suspensão
previstas no art. 151 do CTN.
Enquanto o art. 205 trata da efetiva quitação do tributo, por uma das
modalidades previstas no art. 156 do CTN, que aborda a extinção do crédito
tributário, o art. 206 regula as situações em que, embora o tributo não tenha sido
pago, sua exigibilidade encontra-se suspensa. Como ambas as certidões
produzem os mesmos efeitos práticos, estas se equivalem em relação às
repercussões na recuperação judicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A exigência de prévia quitação dos tributos mostra-se um óbice
desnecessário à concessão da recuperação judicial. Restou provado que as
causas que suspendem a exigibilidade do crédito tributário impedem o
prosseguimento da execução fiscal, o que, na prática, produz o mesmo efeito da
quitação dos tributos. Assim, tanto no caso da efetiva quitação dos tributos, como
quando a sua exigibilidade encontrar-se suspensa, deverá ser concedida a
recuperação judicial, tendo em vista o interesse público na conservação da
empresa.
No entanto, não obstante o imenso avanço representado pela Lei
11.101, que trouxe novas vestes à falência e à recuperação, tal diploma normativo
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ainda precisa ser complementado por outros dispositivos legais, que assegurem a
eficácia da recuperação, para que não se torne letra morta.
A sugestão que se fez, e ora se repete, é que sejam elaboradas leis
que tratem especificamente da moratória e do parcelamento para empresas que
pretendem enquadrar-se nas exigências legais e fazer jus às suas benesses,
garantindo-lhes o convalescimento e a continuação de suas atividades.
Referências Bibliográficas
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TIZIO, Ideli Di. Falência: Lei nº 11.101/2005. Disponível em: <www.ditizio.adv.br>. Acesso em: 05 mai. 2010.
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ABSTRACT The present article seeks to analise the hipotesis of tax enforcement suspension,
as requirements to grant the judicial corporate recovery in brazilian law, such as
moratorium and installment tax payment, which are more efficient than the
previous total tax discharge and a more harmonic way to respect the principles of
brazilian´s new bankruptcy law.
Keywords: Judicial corporate recovery; Moratorium; Installment tax payment.
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