a mansidão do amor · abaixo da dignidade de sua atenção. outras coisas, o amor passará por...
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A Mansidão do Amor
Título original: The meekness of love
Extraido de: Christian Love, or the Influence of
Religion upon Temper
Por John Angell James (1785-1859)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
Nov/2016
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J27
James, John Angell – 1785 -1859
A mansidão do amor / John Angell James. Tradução , adaptação e edição por Silvio Dutra – Rio de Janeiro, 2016. 25p.; 14,8 x 21cm Título original: The meekness of love
1. Teologia. 2. Vida Cristã 2. Graça 3. Fé. 4. Alves, Silvio Dutra I. Título CDD 230
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Em sua autobiografia, Spurgeon escreveu:
"Em uma primeira parte de meu ministério,
enquanto era apenas um menino, fui tomado
por um intenso desejo de ouvir o Sr. John
Angell James, e, apesar de minhas finanças
serem um pouco escassas, realizei uma
peregrinação a Birmingham apenas com esse
objetivo em vista. Eu o ouvi proferir uma
palestra à noite, em sua grande sacristia, sobre
aquele precioso texto, "Estais perfeitos nEle." O
aroma daquele sermão muito doce permanece
comigo até hoje, e nunca vou ler a passagem
sem associar com ela os enunciados tranquilos
e sinceros daquele eminente homem de Deus ."
“O amor é longânimo”, ou
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"O amor não é facilmente provocado."
Eu apresento estas duas frases juntamente
porque elas têm uma afinidade próxima. A palavra “longânimo” (“suffers long”), traduzida
no original, "sofre por muito tempo", significa "ter uma mente longa", para o fim de cuja
paciência, as provocações não podem chegar facilmente. Não significa paciência em
referência às aflições que vêm de Deus, mas às injúrias e provocações que vêm do homem.
Talvez a ideia mais correta que possa ser atribuída a ela seja a tolerância; uma disposição
que, sob ofensas continuadas longamente, contém a ira, e não é precipitada para punir o
ofensor ou se vingar.
A expressão em afinidade com a palavra
longânimo, aqui classificada juntamente com ela, está quase aliada a ela, “não é facilmente provocado", ou "não está exasperado". A palavra
significa uma emoção violenta da mente, um ataque de raiva. De modo que a distinção entre
os dois termos parece ser esta - a propriedade pretendida por este último parece ser o poder
do amor para conter a nossa ira - e quanto ao primeiro (longânimo), significa a sua
capacidade de reprimir a vingança.
Há três coisas que o amor cristão impedirá em referência às paixões irascíveis.
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1. Disposição IRRITÁVEL e PETULANTE. Há em algumas pessoas uma inclinação excessiva para
serem facilmente ofendidas - uma sensibilidade mórbida que é acendida pela raiva pelo menor
ferimento possível, seja esse intencional ou não. São todos inflamados por uma única faísca. Uma
palavra, um olhar - é o suficiente para inflamá-los. Eles estão sempre prontos para brigar com qualquer um. Toda a alma parece sensível à
ofensa. Em vez de "sofrer muito" pacientemente, eles não são pacientes; e em vez de não serem
facilmente provocados, são provocados por qualquer coisa - e às vezes por nada. O amor
impedirá tudo isso, e produzirá uma disposição que é exatamente o contrário.
O amor está preocupado com a felicidade dos outros; e não os afligirá sem razão ou os tornará
miseráveis, por tal exposição de temperamento desagradável e não cristão. O amor removerá
esta sensibilidade doentia, e sem embotar os sentimentos naturais, acalmará esta
excitabilidade pecaminosa. Há muitas coisas que o amor não vai ver ou ouvir - julgadas muito
abaixo da dignidade de sua atenção. Outras coisas, o amor passará por alto, como não sendo
de consequência suficiente para exigir explicação. O amor manterá uma guarda estrita
sobre seus sentimentos, segurando a rédea com uma mão apertada.
O primeiro interesse do amor é com seu próprio temperamento e disposição. Isso é importante
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para nós notarmos; pois se aceitarmos o sentimento de raiva, será impossível sufocar a
chama em nosso seio - como os materiais ardentes de um vulcão, que o levarão
finalmente a explodir em erupções ardentes.
Aqui, pois, está o nosso primeiro objeto: obter
essa paciência de disposição que não se deixa irritar ou se tornar azeda; adquirir esse comando, não só sobre nossas palavras e ações,
mas sobre nossas emoções, que nos tornarão pacientes e tranquilos em meio a insultos e
ferimentos, que manterão o espírito preservado da irritação. Eu sei que a irritabilidade é, em
parte, uma faculdade física; mas está em nosso poder, com a ajuda de Deus, acalmá-la. O amor
nos fará querer pensar o melhor daqueles com quem temos que lidar; nos desarmará daquela
desconfiança que nos faz considerar a todos como se tivessem a intenção de nos ferir; nos
levará a encontrar súplicas para aqueles que nos fizeram mal; e quando isso for impossível, nos
levará a compadecer-nos de sua fraqueza ou a perdoar sua maldade.
Que inimigo para si mesmo é um homem irritado! Ele é um autoatormentador do pior
tipo. Ele quase nunca está em paz. Seu seio está sempre em estado de tumulto. Para ele, o "sol
calmo do seio" é desconhecido. Mil vexames insignificantes perturbam seu repouso – apesar
de triviais são como também atormentadores,
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como os mosquitos que às miríades infligem suas picadas a um pobre animal que está
exposto a seu ataque. Homem infeliz! Mesmo que ele tenha conseguido até agora impedir que
as agitações de sua mente explodissem em paixão - contudo ele tem a queima no seu
interior. Quanto à sua própria felicidade - bem como para a felicidade dos outros - convide-o a cultivar aquele amor que dissipará o estado
inflamado de sua mente e restaurará uma solidez que não será assim ferida por cada toque
que receba.
2. A próxima coisa que o amor impede é a raiva imoderada - aquela raiva que o apóstolo
descreveu na expressão que estamos elucidando agora, como um encantamento - ou
que, na linguagem comum, chamamos de "estar em uma paixão". Seria opor-se à razão e à
revelação afirmar que toda raiva é pecado. "irai-vos", diz o apóstolo, "e não pequeis". Uma
supressão intensa dos sentimentos naturais não é talvez o melhor expediente para suprimir seus
efeitos prejudiciais. E embora nada exija uma restrição mais vigilante do que a emoção da
raiva, o mal-estar que é produzido é talvez melhor aliviado por sua expressão natural e
temperada. Para não dizer que é uma disposição sábia na economia da natureza, a repressão do
prejuízo, e a preservação da paz e decoro da sociedade. Uma expressão sábia e temperada de
nosso desagrado contra ferimentos ou ofensas,
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não é de modo algum incompatível com o amor cristão; esta graça que pretende apenas
examinar a tolice de nossa ira que é atormentadora para nós mesmos, e prejudicial
para aqueles com quem temos de conviver.
A ira pecaminosa é lamentavelmente comum e não é suficientemente subjugada entre os
professantes da verdadeira religião. Em casos de ofensa eles são muitas vezes animados a graus
criminosos de paixão; seu rosto fica ruborizado, sua testa se enruga, seus olhos lançam faíscas
de indignação, e sua língua derrama fortes e tempestuosas palavras injuriosas de acusação.
Para diminuir e evitar essa disposição, vamos discorrer sobre as consequências do mal da
raiva.
A raiva perturba a nossa paz e interrompe a
nossa felicidade - e este é um mal a respeito do qual não devemos ser indiferentes. Um homem iracundo não pode ser um homem feliz; ele é
vítima de um temperamento, que, como uma serpente, habita no seu seio para picá-lo e
atormentá-lo.
A raiva destrói o conforto daqueles com quem ele tem que lidar - seus filhos muitas vezes carregam a fúria da tempestade; sua esposa tem
seu cálice de felicidade conjugal amargurado pelo fel; os seus servos tremem diante da raiva
de um tirano; e aqueles com quem ele
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transaciona os negócios desta vida temem as rajadas de sua paixão, com que muitas vezes se
tornaram desconfortáveis. Ele é um perturbador comum do círculo em que se move.
A raiva interrompe o seu gozo da verdadeira
religião, traz culpa sobre sua consciência, e o impede de comunhão com Deus. Uma bela
ilustração desta parte do assunto pode ser aqui introduzida de um dos mais impressionantes escritores ingleses: "A oração é a paz de nosso
espírito, a quietude de nossos pensamentos, a regularidade de nossa lembrança, a sede da
meditação, o descanso de nossos cuidados e a calmaria de nossa tempestade. A oração é o
efeito de uma mente calma, de pensamentos imperturbáveis. A oração é a filha do amor, e a
irmã da mansidão - e aquele que ora a Deus com irritação, isto é, com um espírito perturbado e
descomposto, é como aquele que se retira na batalha para meditar, em seu alojamento, longe
do seu exército, e que escolhe uma guarnição da fronteira para nela servir. A raiva é uma
alienação total da mente de oração - e, portanto, é contrária àquela intenção que apresenta
nossas orações em uma linha correta para Deus. Porque assim que eu tenho visto uma cotovia
erguendo-se do seu ninho, e voando para cima, cantando e buscando alcançar o céu e escalar
acima das nuvens - mas o pobre pássaro foi batido de volta pelos altos suspiros de um vento
oriental, e seu movimento se fez irregular e
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inconstante - descendo mais a cada sopro da tempestade, do que poderia recuperar pelo
frequente bater de suas asas; até que a pequena criatura foi forçada a descer, e esperar até a
tempestade ter terminado; e então fez um voo próspero, e se levantou e cantou como se tivesse
aprendido a música e o movimento de um anjo.
Assim é a oração de um homem bom - quando seus assuntos exigiram, e eram matéria de
disciplina, e sua disciplina era suportar uma pessoa pecadora, ou ter um desígnio de amor; o
seu dever se deparava com as fraquezas de um homem, e a raiva era o seu instrumento; e o
instrumento se tornou mais forte do que o agente principal, e levantou uma tempestade, e
anulou o homem; e então sua oração foi quebrada, e seus pensamentos foram
perturbados, e suas palavras subiram para uma nuvem, e seus pensamentos puxaram-no para
trás outra vez, e o fez perder a intenção; e o bom homem suspira pela sua fraqueza, mas deve
contentar-se em perder a oração; e ele deve recuperá-la quando sua raiva for removida, e
seu espírito se acalmar – sendo feito mesmo como a face de Jesus, e suave como o coração de
Deus; e depois deve ascender ao céu sobre as asas da santa pomba, e habitar com Deus até que
ele retorne, como a abelha útil, carregada de uma bênção e do orvalho do céu". (Jeremy
Taylor)
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A ira pecaminosa desonra a verdadeira religião e faz com que os caminhos da piedade sejam mal
falados. A névoa da paixão envolve a religião com um meio denso através do qual seu brilho é
pouco visto. Um cristão irado é um objeto de chacota para o profano, um assunto de ridículo
para os tolos, cujo desprezo é refletido por ele sobre a própria piedade.
Mas, talvez se solicite: "diga-nos como podemos curar essa disposição, cuja existência admitimos, e seu mal que conhecemos pela
experiência e deploramos". Eu digo então:
Olhe para a raiva como ela realmente é - atentamente considere sua natureza maligna, e considere sua consequência perniciosa. "A raiva
incendeia a casa, e todos os espíritos ficam ocupados com suas dificuldades, e começa o
desgosto e a vingança. A raiva é uma insanidade temporária e um eterno inimigo do discurso,
dos conselhos sóbrios e da conversa justa. É uma febre no coração, uma desordem na cabeça, um
fogo na face, uma espada na mão, e uma fúria por toda parte. Há nela a amargura e o calor da
luxúria. Se isto provém de uma grande causa, se transforma em fúria, se procede de uma causa
pequena, é uma perversidade e, portanto, é sempre terrível ou ridícula, torna o corpo de um
homem deformado e desprezível - a voz fica horrível, os olhos cruéis, o rosto pálido ou
ardente, a marcha feroz, não é nem varonil nem
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sábia, e é uma paixão mais apta para as moscas e as vespas do que para as pessoas que professam
a nobreza e a bondade. É uma reunião de todas as vis paixões. Inveja e desprezo, medo e tristeza,
orgulho e preconceito, imprudência e desconsideração, regozijo com o mal e desejo de
infligi-lo." (Jeremy Taylor)
Tal é o retrato desta disposição, descrito pela mão de nenhum artista insignificante. Deixe o
homem zangado olhar o retrato, e aprender a odiá-lo; pois, como uma serpente enfurecida, só
precisa ser vista como aborrecedora.
Rejeitemos todas as desculpas para sua
indulgência - enquanto não extenuarmos a raiva, não tentaremos mortificá-la. Ela não pode
ser defendida nem por causa da tendência constitucional - nem pela grandeza da
provocação - nem pela rapidez da ofensa, nem pela duração passageira da mesma - ou que há menos mal nas rajadas de raiva do que nos
momentos de maldade. Não! Nada pode justificá-lo; e se formos sinceros em nossos
desejos de controlá-la, admitiremos que ela é indefensável e criminosa - e devemos condená-
la sem hesitação ou atenuação.
Devemos ser persuadidos de que é possível controlá-la - pois se desesperarmos da vitória, não nos envolveremos na batalha. A esperança
do sucesso é essencial ao próprio sucesso.
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É certo que, usando meios corretos, um temperamento precipitado pode ser subjugado,
pois ele foi conquistado em muitos casos. Diz-se de Sócrates, o mais sábio e mais virtuoso dos
sábios pagãos, que, no meio de aflições domésticas e desordens públicas, mantinha
uma serenidade tão imperturbável, que nunca foi visto saindo de sua própria casa ou voltando a ela com um rosto franzido. Se em qualquer
ocasião sentiu uma propensão à raiva, ele verificou a tempestade ascendente, e abaixando
o tom de sua voz, assumia resolutamente uma gentileza mais do que usual de aspecto e
maneira. Ele não só se absteve de atos de vingança, mas triunfou sobre seus adversários,
desconsiderando os insultos e ferimentos que lhe ofereceram. Isto era mais notável, como ao
adquirir este domínio sobre suas paixões, ele teve que lutar contra propensões naturais que
corriam em uma direção oposta. Que os cristãos professos aprendam com este distinto pagão,
que é possível subjugar o temperamento natural, por mais violento que seja!
Faça da sua cura uma questão de desejo. O que ardentemente desejamos, prosseguiremos buscando vigorosamente. Confesse seu pecado
- sinceramente, diga: "Eu sou realmente muito irritado, muito apaixonado, muito vingativo.
Vejo a pecaminosidade de tentar ser indulgente com tal temperamento, sou perturbado e
desonrado por ele, e pela ajuda de Deus vou
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subjugá-lo. Ainda que com dores, não fugindo de qualquer sacrifício, desanimado por
qualquer derrota - até que eu ganhe a vitória sobre mim!"
Medite sobre a paciência de Deus, que sofre com suas inumeráveis ofensas contra Ele, e
perdoa a todas. Considere o exemplo de Jesus Cristo, que suportou mansamente a contradição dos pecadores contra si mesmo; e
entre a ingratidão, insultos e provocações dos ímpios - era suave como o sol da manhã no
outono.
Procure adquirir um hábito de autocontrole - um poder sobre seus sentimentos, o qual lhe permitirá estar sempre em sua guarda, e
reprimir as primeiras emoções da paixão. Se possível, sele seus lábios em silêncio quando a
tempestade de ira está subindo. Feche sua raiva em seu próprio seio - e como o fogo que
necessita do ar, logo expirará. As palavras irritadas frequentemente provam ser uma
fagulha para a chama da ira - muitas pessoas que no começo estão senão ligeiramente
descontentes, vêm a ser achadas depois em uma paixão violenta. Nunca fale até que esteja frio e
sob controle - o homem que pode comandar sua língua não encontrará dificuldade em governar
seu espírito. E quando você falar, que seja em mansidão - "uma resposta suave desvia a ira".
Detenha a sua raiva no começo. É mais fácil
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apagar uma faísca do que um incêndio. Seria bom sempre terminar a conversa, e deixar a
companhia de um indivíduo, quando a raiva está entrando. "Saia da presença de um homem
insensato, quando não perceber nele os lábios do conhecimento".
Evite disputas, que muitas vezes geram conflitos - e especialmente evite-as em referência a
pessoas de irritabilidade conhecida. Quem lutaria com uma cobra ou uma vespa?
Não fiquem remoendo injúrias sofridas. "Ou então, vocês serão demônios para si mesmos, deixando serem seduzidos quando não tiverem
outros que lhes estejam tentando, e se tornem prejudiciais para si próprios". (Directions" de
Baxter - do qual vasto fundo de teologia prática, muitos dos detalhes deste capítulo são
derivados).
Cuidado com os portadores de estórias, e não permita que seus relatórios despertem seus
ressentimentos.
Não se inquietem com os outros homens, nem com as faltas dos seus servos, nem com os erros
dos seus amigos, para que não saiam para ajuntar varas para acender um fogo que
queimará a sua casa.
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Olhe para os outros que são viciados em paixão iracunda, e veja como eles são repulsivos.
Comissione um amigo fiel e afetuoso para lhe vigiar e admoestar.
Mas, especialmente mortifique o orgulho e cultive a HUMILDADE. "O orgulho só gera discussões." "Aquele que é de coração
orgulhoso, suscita contendas". A paixão irada é a filha do orgulho, a mansidão, a prole da
humildade. A humildade é a melhor cura para a raiva, mal-estar e vingança. Aquele que pensa
muito em si mesmo, pensará muito em cada pequena ofensa cometida contra ele; enquanto
que quem pensa pouco em sua própria importância pensará levemente sobre o que é
feito para ofendê-lo. Toda pessoa irritável, apaixonada ou vingativa é certamente uma
pessoa orgulhosa, e deve começar a cura de sua paixão pela remoção de seu orgulho.
Mas, não precisamos ir mais longe do que o capítulo (I Cor 13) diante de nós, para um antídoto para a raiva. O AMOR é suficiente por si
mesmo; devemos procurar obter mais desta virtude celestial. O amor não pode ser irritado,
apaixonado ou vingativo. O amor é cheio de benevolência e boa vontade e, portanto, não
pode permitir-se a ser indulgente com aqueles temperamentos que são hostis à felicidade da
humanidade.
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Busquemos fortalecer o AMOR - este princípio parental - impedirá o crescimento do que é mau
e promoverá o avanço de tudo o que é excelente.
Pode-se sugerir uma cautela para encorajar
aqueles que são particularmente provados com um temperamento irritável, e isto é, não para
desanimar. Se no trabalho de mortificação você encontrar muitas derrotas, não se irrite por estar em uma paixão, pois isso só aumentará o
mal que está ansioso para destruir. Vá com calma, mas corajosamente, para a batalha - se
vitorioso, não fique exaltado - se derrotado, não fique desanimado. Muitas vezes você terá que
lamentar seus fracassos, e às vezes estar pronto para imaginar que está condenado à tarefa
desesperada de Sísifo, cuja pedra sempre rolava para trás novamente, quando, por imenso
trabalho, ele tinha quase chegado ao cume da colina. Não espere uma conquista fácil ou
perfeita. Lamente suas derrotas, mas não se desespere. Muitos, depois de alguns esforços
infrutíferos, abandonam a causa e se abandonam à tirania de suas paixões zangadas.
Neste conflito, as lutas mal sucedidas são mais honrosas do que a desistência irresistível.
3. O amor, naturalmente, evitará a VINGANÇA. A vingança é um termo que um cristão deve
remover de seu vocabulário com suas próprias lágrimas penitenciais - ou com as gotas de sua
gratidão pelo perdão que recebeu de Deus. Não
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há paixão mais hostil à própria essência do cristianismo, ou mais frequentemente proibida
por sua autoridade, do que a vingança. E não há paixão pecaminosa para a qual a depravação da
natureza humana nos excite mais poderosamente. O volume da história está
manchado, desde o início até o fim, com o sangue que foi derramado pelo "demônio da vingança". A humanidade, em todas as épocas e
em todos os países, gemeu sob a miséria infligida por este espírito inquieto e cruel, que
nenhum dano e nenhum sofrimento apaziguador podem satisfazer. A vingança
converteu os homens em bestas selvagens - e os inspirou com um desejo de rasgar uns aos
outros em pedaços.
Um tal temperamento de vingança jamais se encontraria com a menor tolerância ou sanção
na religião do manso e humilde Jesus, cuja pessoa era uma encarnação de amor - e cujo
Evangelho é uma emanação de amor. A vingança é admitida por alguns como
justificável em certa medida. Pelo raciocínio e conduta do mundo, o princípio da vingança é
permitido, sim, até é honrado, e apenas condenado em seu mais vicioso excesso.
Guerras, duelos, lutas, animosidades privadas que não infrinjam a paz da sociedade, são
justificadas por esse motivo. A humanidade altera a regra de ouro, e faz aos outros não como
eles desejam que os outros lhes façam - mas
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como os outros lhes fazem, em um caminho de mal. E isso, longe de ser culpabilizada, a
vingança é geralmente aplaudida como honrada e digna. Na estimativa dos povos do mundo, o
homem que se recusa a ressentir-se de um ferimento que ele recebeu é uma criatura fraca,
de espírito pobre, indigna de se associar com homens de honra.
Mas, o que quer que sejam as máximas do mundo - a vingança é certamente proibida por
cada página da Palavra de Deus. "A sabedoria de um homem lhe dá paciência, é para a sua glória
negligenciar uma ofensa." A vingança privada era certamente proibida sob o Antigo
Testamento, e ainda mais explicitamente sob o Novo. "Bem-aventurados os pobres de espírito",
disse o Senhor, "porque deles é o reino dos céus". "Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra".
"38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente
por dente.
39 Eu, porém, vos digo que não resistais ao
homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
40 e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
41 e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil.
42 Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao
que quiser que lhe emprestes.
43 Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo,
e odiarás ao teu inimigo.
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44 Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem;
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que
está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e
injustos.” (Mateus 5.38-45)
Os mesmos sentimentos são recomendados pelos apóstolos. "Não pague a ninguém mal por
mal, tenha o cuidado de fazer o que é certo aos olhos de todos, se for possível, na medida em
que depender de você, viva em paz com todos. Não se vinguem, meus amigos, mas deixem
espaço para a ira de Deus... se o seu inimigo está com fome, alimente-o, se tiver sede, dê-lhe de
beber, não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem ". Estas passagens são decisivas
sobre o ponto, de que a vingança em qualquer forma, ou em qualquer medida - é proibida pela
religião cristã.
O infortúnio de muitos é que eles confundem o significado do termo vingança - ou melhor,
limitam sua aplicação às expressões de ira mais grosseiras, mais maliciosas e mais violentas.
Eles pensam que nada é vingança, senão cortar ou mutilar a pessoa - abertamente caluniando a
reputação - ou injustamente ferindo a sua propriedade. Tal, deve ser admitido, são
ebulições desta paixão destrutiva. Mas, não são as únicas maneiras pelas quais a vingança se
expressa.
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Há mil atos insignificantes de despeito e má vontade, pelos quais um espírito vingativo pode
operar. Se nos recusarmos a falar a outro por quem fomos feridos e tratá-lo com desprezo
silencioso ou manifesto - se tivermos prazer em falar de suas falhas e em rebaixá-lo na opinião
dos outros - se mostrarmos má vontade para seus filhos ou amigos por causa dele - se observarmos a oportunidade de realizar um
pequeno ato de aborrecimento para com ele, e nos sentirmos satisfeitos com o pensamento de
que lhe damos problemas ou dor - tudo isso é feito com espírito de retaliação e é tão
verdadeiramente um ato vingativo, embora não tão terrivelmente, com se nós procedêssemos
para infligir danos corporais!
O espírito de vingança significa simplesmente retornar o mal para o mal, e ter prazer em fazê-lo. Pode ir até os extremos da calúnia e do
assassinato, ou pode limitar-se à inflição de pequenos erros; mas se de alguma forma nos
ressentimos de um ferimento com má vontade para com a pessoa que o cometeu, isso é
vingança.
Uma pergunta aqui surgirá, se de acordo com este ponto de vista, não estamos proibidos de defender nossa pessoa, nossa propriedade e
nossa reputação, das agressões do mal sem lei? Certamente não. Se um assassino tenta mutilar
ou me assassinar, tenho permissão para resistir
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ao ataque - pois isto não é vingança de um mal, mas um esforço para evitar um. Se nosso caráter
na sociedade for caluniado, devemos procurar, por meios pacíficos, obter uma desculpa e
exoneração; e se isso não puder ser obtido, estamos autorizados a recorrer à lei; pois se a
calúnia não fosse punida, a sociedade não poderia existir. Se, no entanto, em vez de apelar para a lei, fomos caluniar em troca; se fôssemos
infligir lesões corporais ao agressor, ou se nos deleitássemos em feri-lo de outras maneiras -
isso seria vingança.
Mas, buscar a proteção da lei, sem ao mesmo tempo se entregar à malícia - isso é autodefesa e
defesa da sociedade. Se estivermos feridos ou for provável que sejamos feridos em nossa
propriedade, devemos tentar, por todos os meios particulares e honoráveis, impedir a
agressão; estar dispostos a resolver o caso pela mediação de homens sábios e imparciais, e
manter nossas mentes livres de raiva, má vontade e malícia, para com os agressores; e
como último recurso, somos justificados em submeter a causa, se não puder ser resolvida por
qualquer outro meio, à decisão de um tribunal de justiça. No entanto, nenhum cristão deve
recorrer ao tribunal da justiça pública até que cada método de ajuste privado tenha falhado.
Como respeita à condição dos cristãos que vão à lei uns contra os outros, o testemunho do
apóstolo é decisivo:
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"1 Ousa algum de vós, tendo uma queixa contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não
perante os santos?
2 Ou não sabeis vós que os santos hão de julgar o
mundo? Ora, se o mundo há de ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas
mínimas?
3 Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?
Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?
4 Então, se tiverdes negócios em juízo,
pertencentes a esta vida, constituís como juízes deles os que são de menos estima na igreja?
5 Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar
entre seus irmãos?
6 Mas vai um irmão a juízo contra outro irmão, e
isto perante incrédulos?
7 Na verdade já é uma completa derrota para vós o terdes demandadas uns contra os outros. Por
que não sofreis antes a injustiça? Por que não sofreis antes a fraude?” (1 Cor. 6: 1-7)
Os homens que professam piedade, especialmente membros da mesma comunidade religiosa, deveriam, em casos de
diferença sobre propriedade ou caráter, resolver todas as suas disputas pela mediação de
seus próprios irmãos - e se uma das partes recusar tal arbitragem, deve ser responsável por
todo o escândalo lançado sobre a profissão cristã pelas medidas legais que o outro pode
achar necessário recorrer à proteção de seus
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direitos. Nesse caso, a culpa de violar a regulamentação apostólica está naquele que se
recusa a aderir a este método bíblico de resolver as diferenças que podem surgir entre aqueles
que professam ser discípulos de Cristo. Qualquer que seja a adjudicação, no caso da
arbitragem privada, ambas as partes devem respeitá-la; nem o indivíduo contra quem a decisão é dada, deve sentir qualquer má
vontade, ou acalentar qualquer vingança para com seu competidor.
A lei do amor exige que inúmeras ofensas menores sejam passadas por alto sem serem
notadas – para não perturbarem nossa paz de espírito. E aquelas que achamos necessário
explicar, exigem a maior cautela e delicadeza para serem tratadas. Nestes casos, o amor nos
levará ao ofensor, com espírito de mansidão, a pedir, e não a exigir - para solicitar da maneira
mais gentil - uma explicação do tratamento prejudicial. Na grande maioria dos casos, essa
linha de conduta sufocaria a animosidade enquanto ainda é uma faísca. Se, pelo contrário,
nos permitimos nos ofender e sentir nossos sentimentos feridos, ou nossa raiva despertar;
se, ao invés de se manifestar suave e afetuosamente, e procurar a reconciliação, nos
ressentirmos com a ofensa, e nos afastarmos com desgosto, para nos permitir o mal-estar, ou
para esperar uma oportunidade de vingança -
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isso é ser "facilmente provocado" e o oposto de "sofrer muito com paciência".
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