a história local e seu lugar na história
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7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
BASE DE PESQUISA: EPISTEMOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM
LINHA DE PESQUISA: PRTICAS PEDAGGICAS E CURRCULO
A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:
histrias ensinadas em Cear-Mirim
Jos Evangelista Fagundes
Natal RN
2006
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Jos Evangelista Fagundes
A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:
histrias ensinadas em Cear-Mirim
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Educao do Centro de Cincias Sociais e Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em
Educao.
Orientao: Profa. Dra. Maria Ins Sucupira Stamatto
Natal RN
2006
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Diviso de Servios Tcnicos
Catalogao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Fagundes, Jos Evangelista.A histria local e seu lugar na histria: histrias ensinadas em Cear-Mirim / Jos Evangelista Fagundes.
Natal, RN, 2006.194 p.
Orientadora: Maria Ins Sucupira Stamatto
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas.Programa de Ps-Graduao em Educao.
1. Ensino fundamental -Tese. 2. Histria local - Tese. 3. Historiografia - Tese. 4. Ensino de histria -Tese. I. Stamatto, Maria Ins Sucupira. II. Ttulo.
RN/UF/BCZM CDU 37.046.12
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Jos Evangelista Fagundes
A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:histrias ensinadas em Cear-Mirim
Tese apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Educao, ao
Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________Profa. Dra. Maria Ins Sucupira Stamatto
Orientadora UFRN
____________________________________________________________
Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira
Examinador Externo UFCG
__________________________________________________
Dra. Maria Elizete Guimares CarvalhoExaminadora Externa UnP
___________________________________________________________
Profa. Dra. Lindaci Gomes de Souza
Examinadora Externa Suplente UFPB
____________________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Nonato Arajo da Rocha
Examinador Interno UFRN_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz
Examinadora Interna UFRN
____________________________________________________________
Profa. Dra. Francisca Lacerda de Gis
Examinadora Interna Suplente UFRN
Tese aprovada em 21 de julho de 2006.
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Ao meu irmo Z, de vida to efmera e lembranato duradoura.A Elaila Estelita, minha me primeira, de quem nascie nunca conheci.Aos meus amores, Rosinha, Julinha, Pedrinho e,especialmente, Rodriguinho, que sempre me cobrou
uma das coisas mais raras nos ltimos anos: tempo!com suas palavras: brinque comigo, pai, s umpouquinho, por favor!.
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AGRADECIMENTOS
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituio qual devo toda a minhaformao acadmica, da graduao ao doutorado. Aqui, estudei, morei, trabalhei e militei. A
minha experincia como estudante somou-se de funcionrio. Por tudo isso, devo, muito do
que sou, profissional e pessoalmente, a esta universidade, que merece meu reconhecimento e
gratido aqui explcitos.
Foram muitas as pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam com este trabalho.
Entre elas, gostaria de registrar meus agradecimentos: professora Ins, pela ateno e apoio, como orientadora, e pela forma como sempre
conduziu as aulas, permitindo que o pensamento de seus alunos flusse livremente;
Aos professores Rosa Godoy, Regina Clia e Antonio Ferreira, pelas sugestes
durante os Seminrios de Pesquisa e Seminrios Doutorais;
Aos professores Iranilson Buriti de Oliveira, Maria Elizete Guimares Carvalho,
Lindaci Gomes de Souza, Raimundo Nonato Arajo da Rocha, Maria Aparecida de Queiroz e
Francisca Lacerda de Gis, por terem aceitado o convite para participarem da Banca
Examinadora e pelas contribuies que com certeza sero teis para a continuidade do estudo
sobre a temtica;
s minhas irms Roslia, Rosimar e Rosilda, pelo cuidado dedicado aos nossos pais
diante da minha constante ausncia;
Aos amigos Marconi Gomes e Marclia Gomes, pelas pertinentes contribuies ao
trabalho;
amiga Jailma, colega de trabalho e de percurso, to aguerrida e batalhadora, pelas
sugestes e incentivos;
Repblica do Ass, nas pessoas das professoras Conceio e Cssia, especialmente
professora Alessandra, pela leitura cuidadosa do texto. Colegas cujas palavras serviram de
estmulo caminhada;
Aos colegas do Departamento de Histria da UERN/Ass, especialmente os
professores Gilmar e Rita, pelo apoio que me deram, ao concederem parte de seu tempo
substituindo-me na sala de aula, o que contribuiu para que este trabalho viesse a se tornar
realidade;
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A Izabella e Milton, alunos do Curso de Histria de Ass, pela contribuio na
transcrio das entrevistas;
A Vilma e Rachel, pela convivncia amiga durante o doutorado;
A Albanita Oliveira, bibliotecria do CCSA, pela orientao tcnica prestada e pela
forma atenciosa e prestativa de atendimento aos usurios da biblioteca;
A Gliclia, funcionria da Biblioteca municipal de Cear-Mirim, pelas informaes
prestadas;
s profissionais da Secretaria Estadual de Educao, especialmente Aliete, da SUEM,
Rita e Maria do Carmo, da SUEF, pela colaborao com dados importantes para o estudo;
Aos funcionrios do IDEMA, pela disposio em colaborar com a pesquisa, em
especial Ana Maria e Edivnia;s demais pessoas que contriburam, de forma direta ou indireta, com o trabalho:
Luana Gomes, Fabola Fagundes, Alessandro Galeno, Lourdes Valentim, Helena, Valdeci,
Grinaura.
Quero externar tambm a minha gratido a todos que, mesmo no tendo os seus nomes
aqui expressos, contriburam de forma muitas vezes desinteressada para a realizao do
trabalho, entre eles os funcionrios da Biblioteca Municipal de Cear-Mirim e das Escolassituadas no municpio.
Enfim, o meu agradecimento especial:
A Mrcia Gurgel, pelo grande incentivo e pelas muitas contribuies que deu a este
trabalho. Agradeo tambm pela dedicao, durante esses anos, aos nossos filhos, o que me
possibilitou mais tempo para as atividades do doutorado;
Aos meus filhos Jlia, Pedro e Rodrigo, pelo constante carinho e compreenso;A Juliana, minha enteada, pelo apoio to necessrio no manuseio das novas
tecnologias;
A Carla, pelo apoio no dia-a-dia, que contribuiu para o andamento deste trabalho;
Ao professor Lacio, do municpio de Cear-Mirim: a partir de sua interveno, as
portas dos colgios e da Igreja se abriram para que eu pudesse conduzir as reunies e demais
atividades junto aos professores colaboradores;
Ao professor Wellington, do municpio de Cear-Mirim, por todo o apoio dado em
minhas visitas ao municpio e pela forma agradvel com a qual sempre me recebeu;
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Ao professor Srgio, do municpio de Cear-Mirim, aluno aplicado e professor
dedicado ao rduo ofcio de educador, por me apresentar o municpio e me fazer chegar at os
professores colaboradores da pesquisa;
A todos os meus alunos do Curso de Histria da UERN/Ass, razo maior de nossa
capacitao, com os quais compartilhei minhas angstias, sendo sempre compreendido;
Aos professores colaboradores de Cear-Mirim, exemplos de garra e compromisso
com a educao do municpio. Apesar das adversidades com as quais lidam na docncia,
nunca vi, de suas partes, gestos ou aes de desnimo. Ao contrrio, s nimo e disposio na
busca incansvel para fazer o melhor. Meus agradecimentos forma como se entregaram a
este trabalho, sacrificando fins de semana e outros momentos de suas vidas. A inovao no
ensino de histria s se tornar realidade neste pas pelas mos de profissionais com esteperfil;
A Rosinha, a quem devo muito deste trabalho. Do projeto de pesquisa defesa final,
esteve sempre ao meu lado, como companheira e como colaboradora: incentivou, sugeriu e
interveio. Sem a sua participao, o trabalho no teria a mesma feitura.
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A VERDADE DIVIDIDA
A portada verdade estava aberta
mas s deixava passar
meia pessoa de cada vez
Assim no era possvel atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
s conseguia o perfil de meia verdade
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil
E os meios perfis no coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela
Nenhuma das duas era perfeitamente bela
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua iluso, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
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RESUMO
Pesquisa sobre o ensino de histria voltada para a compreenso da prtica docente em escolas
do ensino fundamental do municpio de Cear-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do
Norte. Tem como propsito entender as formas de abordagem da histria local em turmas de
5 a 8 sries luz das recentes inovaes nos campos da historiografia e do ensino. O estudo
foi conduzido tendo em vista investigar como a histria local vem sendo ensinada pelos
professores, bem como refletir sobre as condies necessrias concretizao de um ensino
cujo saber-fazer possibilite romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por
outro, com a viso globalizante e negadora das particularidades e das especificidades do local.Tais questes emergiram da compreenso de que os contedos da histria local podem se
constituir em componente significativo na produo do conhecimento histrico escolar em
turmas de 5aa 8asries. Analisa-se o ensino de histria, considerando os depoimentos de trs
professores de Cear-Mirim no que diz respeito s suas concepes de historiografia e de
histria enquanto disciplina escolar. A investigao de natureza qualitativa e teve como
principal estratgia de construo dos dados as entrevistas com os professores. A anlise
indica a permanncia de prticas docentes que, embora apresentando inovaes, trazemimplcita uma hierarquia valorativa em que as temticas locais ou no so contempladas nos
contedos escolares ou aparecem subjugadas histria geral e histria do Brasil,
configurando-se uma relao hierrquica das problemticas histricas. Ressalta-se, assim, a
necessidade de um saber histrico escolar que considere as especificidades do local sem, no
entanto, desconsiderar as articulaes com outras dimenses espaciais.
Palavras-chave: Ensino Fundamental, Histria Local, Historiografia, Ensino de Histria,
Cear-Mirim.
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ABSTRACT
This Researchis about history education and is directed toward the understanding of teacher
practices in schools of the basic education in Cear-Mirim, a city located in the state of Rio
Grande do Norte. Its purpose is to understand the approaching forms of local history in 5 to
8 grade classrooms in the light of the recent innovations in the fields of the historiografy and
education. The study was done with a view of investigating local history is being taught by
teachers, as well as reflecting on the necessary conditions to the accomplishment of a teaching
whose know how to make possible to break, on the one hand, with the limits of the narrow
`local view`, and, on the other hand, with the globalized view, negating the localparticularitities and especifications. Such questions had emerged as the understanding of what
local history contents can constitute in a significant component in the production of school
historical knowledge in 5 to 8 grade classrooms. History education is analyzed, considering
the depositions of three teachers of Cear-Mirim in reagard to its historiography conceptions
and history as a school subject. This inquiry is of a qualitative nature and had as a main
strategy of data construction from the interviews with the teachers. The analysis indicates the
permanence of teacher practices who, even though presenting innovations, bring an implicitvalue hierarchy where the place or thematic places are not contemplated in the school
contents or appear overwhelmed by general history and the Brazilian history, configuring
itself as a hierarchical relation to problematic historical ones. Thus the necessity of having
historical school knowledge, that considers the local especifications, without, however,
ignoring the articulations with other spatial dimensions.
Word-keys: Basic Education, Local history, Historiography, Education of History, Cear-Mirim.
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RSUM
Cette recherche traite de lenseignement dhistoire afin de comprendre la pratique des
enseignants dans des coles denseignement fondamental de la municipalit de Cear-Mirim
dans ltat du Rio Grande do Norte. Le but est de comprendre les formes daborder lhistoire
locale dans les classes de sixime troisime, la lumire des rcentes innovations dans les
domaines de lhistoriographie et de lenseignement. Ltude a t conduit en vue
dinvestiguer comment lhistoire locale est enseigne par les professeurs, ainsi que rflechir
propos des conditions ncssaries la concrtisation dun enseignement dont le savoir-faire
permette rompre, dun ct, avec les limites dune particularisation stricte, et de lautre, avecla vision mondialise qui nie les particularits et les spcificits du local. Ces questions ont
merg de la comprhension que les contenus de lhistoire locale peuvent constituer une
composante significative dans la production de la connaissance historique scolaire dans les
classes de sixime troisime. Pour analyser lenseignement dhistoire sont considrs, dans
cet tude, les tmoignages de trois professeurs de Cear-Mirim en ce qui concerne leurs
conceptions propos dhistoriographie et dhistoire en tant que discipline scolaire.
Linvestigation est base sur des critres qualitatifs et a eu comme principale stratgie deconstruction des donnes les interviews des professeurs. Lanalyse indique la permanence de
pratiques denseignement qui, malgr des innovations, dmontrent de faon implicite une
hirarchie valorative dans laquelle les sujets locaux soit ne sont pas considrs dans
lensemble des contenus scolaires, soit apparaissent soumis lhistoire gnrale et lhistoire
du Brsil, ce qui dmontre une relation hirarchique des problmatiques historiques. Do il
ressort la ncssit dun savoir historique scolaire qui considre les spcificits du lieu sans,
pour autant, refuser des articulations avec dautres dimensions spaciales.
Mots-cls: Enseignement Fondamental, Histoire Locale, Historiographie, Enseignement
dHistoire, Cear-Mirim.
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LISTA DE ILUSTRAES
Quadros
Quadro 01 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nvel de graduao..................... 146
Quadro 02 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nvel de ps-
graduao............................................................................................................................
147
Quadro 03 Trabalho isolado tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas
escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte........................................................... 147
Mapas
Mapa 01 Rio Grande do Norte: Municpio de Cear-Mirim........................................... 37
Mapa 02 Rio Grande do Norte: Regio Metropolitana de Natal..................................... 38
Mapa 03 Regio Metropolitana de Natal........................................................................ 39
Mapa 04 Municpio de Cear-Mirim............................................................................... 40
Grfico
Grfico 01 Regio Metropolitana de Natal: Pessoas responsveis pelos domiclios sem
instruo ou que tm menos de 4 anos de estudo 2000.................................................. 53
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LISTA DE SIGLAS
ANDES Associao Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao em Educao
ANPUH Associao Nacional de Histria
CEDES Centro de Estudos Educao e Sociedade
CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas
CERES Centro de Ensino Superior do Serid
CPB Confederao dos Professores do Brasil
DIRED Diretoria Regional de EnsinoFUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraLDB Lei de Diretrizes e Bases
LCE Lei Complementar Estadual
MEC Ministrio da Educao
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONU Organizao das Naes Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PCN Parmetros Curriculares NacionaisPNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PROLCOOL Programa Nacional do lcool
PROLER Programa Nacional de Incentivo Leitura
PROVO Exame Nacional de Cursos
REDEF Rede de Disseminao do Ensino Fundamental
RBH Revista Brasileira de Histria
RMN Regio Metropolitana de Natal
SAEB Avaliao da Educao Bsica
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SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia
SEC Secretaria Estadual de Educao e Desportos
SECD Secretaria de Estado da Educao, da Cultura e dos Desportos
SUEF Subcoordenadoria de Ensino Fundamental
SUEM Subcoordenadoria do Ensino Mdio
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UnP Universidade Potiguar
UNE Unio Nacional dos Estudantes
UVA Universidade Estadual Vale do Acara
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SUMRIO
INTRODUO.......... 18
1 AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPRICO, OS
SUJEITOS....
24
1.1 OQUE FIZEMOS:AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS......................... 24
1.1.1 O plano de investigao............................................................................................ 26
1.1.2 A construo dos dados............................................................................................. 28
1.1.3 As entrevistas............................................................................................................ 30
1.2 ONDE ESTAMOS:OMUNICPIO DE CEAR-MIRIM..................................................... 331.2.1 Breve apresentao................................................................................................... 33
1.2.2 O doce Vale da aristocracia aucareira..................................................................... 41
1.2.3 Cear-Mirim: do passado ao presente....................................................................... 49
1.3 SOBRE OS PROFESSORES COLABORADORES............................................................... 55
2 HISTRIA E DESAFIOS CONTEMPORNEOS......... 60
2.1 MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE:NOVO MUNDO,NOVO PARADIGMA?........ 60
2.2 HISTORIOGRAFIA CONTEMPORNEA:NOVAS QUESTES ENOVAS ABORDAGENS..... 712.3 AHISTRIA LOCAL COMO OBJETO DE ESTUDO.......................................................... 84
3 O ENSINO DE HISTRIA: entre reflexes, permanncias e mudanas...... 95
3.1 OENSINO DE HISTRIA E A EDUCAO BRASILEIRA................................................. 95
3.1.1 A contribuio da comunidade cientfica.................................................................. 98
3.1.2 Uma nova forma de interveno estatal: a oposio no poder.................................. 105
3.1.3 Dcada de 1990: a interveno em nvel nacional (LDB, PCN)................................ 114
3.2 CONCEPES DE HISTRIA ENQUANTO DISCIPLINA................................................... 1233.2.1 Finalidade do ensino de histria................................................................................ 123
3.2.2 Os contedos trabalhados pelos professores............................................................. 129
3.2.2.1 A utilizao do livro didtico pelos professores....................................................... 133
4 A INCORPORAO DA HISTRIA LOCAL AO PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM..................................................................................................
141
4.1 AHISTRIA LOCAL COMO CONTEDO DE ENSINO..................................................... 141
4.2 OS PROFESSORES E A CONCEPO DA HISTRIA LOCAL:CEAR-MIRIM NA SALA
DE AULA.................................................................................................................... 150
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4.2.1 As escolhas dos contedos e das fontes.................................................................... 151
4.2.2 As dificuldades com o ensino de histria local......................................................... 159
CONSIDERAES FINAIS................................................................................................ 166
REFERNCIAS..................................................................................................................... 171
ANEXOS................................................................................................................................. 184
ANEXO A Proposta de Atividades para Grupo de Estudos. Roteiro da primeira entrevista
com professores colaboradores................................................................................................ 185
ANEXO B Roteiro da segunda entrevista individual com professores colaboradores.............. 190
ANEXO C Roteiro da terceira entrevista individual com professores colaboradores............... 192
ANEXO D Questionrio sobre o Ensino de Histria................................................................. 194
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INTRODUO
O presente trabalho se constitui em uma anlise sobre o ensino de histria no
municpio de Cear-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do Norte, tendo como
propsito entender as formas de abordagem da histria local em turmas de 5 a 8 sries.
A opo pela histria local como objeto de anlise neste estudo deve-se, inicialmente,
nossa experincia como professor-formador em cursos de Pedagogia, Histria e Geografia
em trs instituies de nvel superior: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), a Universidade Potiguar (UnP) e a Universidade Estadual Vale do Acara (UVA).
Na Universidade Potiguar, atuamos nos cursos regulares das unidades localizadas em Natal, enas demais instituies, em cursos conveniados com as prefeituras municipais do estado do
Rio Grande do Norte que formam professores em servio. Nesses cursos, cujos alunos-
professores eram principalmente oriundos dos municpios do interior do estado,
empreendemos esforos no sentido de estimular debates e reflexes sobre a histria local,
sistematizando trabalhos que nos permitiram ter acesso histria ensinada de diferentes
municpios do Rio Grande do Norte. Nessa experincia, a histria dos municpios aparecia
como condio necessria execuo das atividades propostas durante as aulas e isso acaboupor revelar inmeras dificuldades por parte dos alunos-professores para abordarem a histria
dos municpios aos quais pertenciam. Essas vivncias nos mostraram a necessidade de
investigar a organizao da histria como disciplina escolar para repensar as concepes
histricas e epistemolgicas fundamentais para a efetivao do seu ensino, ressaltando a
afirmao da importncia do conhecimento sobre o local como componente constitutivo do
currculo escolar.
Essa necessidade est associada compreenso de que um nmero relevante deprofessores tem pretenses de adotar uma postura metodolgica inovadora, mas as limitaes
e barreiras didticas e epistemolgicas lhes parecem intransponveis. Tal realidade traz como
conseqncia um trabalho docente pautado no senso comum, uma vez que a concepo de
histria e seu ensino esto restritos aos manuais e s efemrides. Essa viso restritiva
predominante no ensino de histria impede que os professores se organizem para considerar
no s as bases conceituais desse campo do saber escolar como o uso de inmeras fontes e
documentos histricos que poderiam ser incorporados ao processo ensino-aprendizagem.
A vivncia nessas instituies nos revelou ainda que, em relao ao Rio Grande do
Norte, so poucas as experincias educativas que incluem, no currculo formal, a histria local
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no nvel fundamental de ensino, de 5aa 8asries. Apenas nos programas curriculares da 1 a
4 sries, podem ser encontradas referncias explcitas aos estudos de carter local. Nos dois
ltimos ciclos do ensino fundamental, a existncia dessa prtica geralmente est condicionada
iniciativa individual de alguma escola ou educador.
Levados por essas diferentes experincias profissionais, analisamos, ento, neste
estudo doutoral, o ensino de histria levando em considerao a experincia de trs
professores do ensino fundamental (de 5 a 8 sries) que moram e trabalham no municpio de
Cear-Mirim. Buscamos compreender como os contedos da histria local so incorporados
ao processo ensino-aprendizagem, tendo por base os depoimentos desses docentes, a quem
chamamos de professores colaboradores ou simplesmente professores. Estes so, portanto, os
sujeitos participantes da pesquisa com os quais interagimos e dialogamos durante odesenvolvimento da investigao.
Conduzimo-nos na pesquisa tendo em vista as seguintes questes: As formas de
abordagem da histria local em Cear-Mirim vm sendo conduzidas de modo a possibilitar a
construo de um conhecimento histrico escolar a partir da contribuio efetiva de
professores e alunos envolvidos no processo ensino-aprendizagem? Que condies so
necessrias para a concretizao da abordagem de histria local cujo saber-fazer possibilite
romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por outro, com a visoglobalizante, genrica, negadora das particularidades e das especificidades do local?
Tais questes emergiram da compreenso de que os contedos da histria local podem
se constituir em componente significativo da produo do conhecimento no ensino de histria,
em turmas de 5aa 8asries do ensino fundamental.
Analisamos essa particularidade do ensino de histria em Cear-Mirim tendo por base
os depoimentos dos professores colaboradores no que diz respeito s concepes de
historiografia, de histria enquanto disciplina e de histria local. Consideramos ser possvel apartir dessas concepes identificar as formas de abordagens da histria em escolas de 5 a 8
sries do nvel fundamental de ensino, bem como situar a histria local ensinada no municpio
inserida no debate atual da historiografia, indicando elementos que podero contribuir para
sua incluso numa perspectiva inovadora.
A opo por compreender as formas de ensinar a histria na perspectiva dos docentes
se justifica por dois motivos: primeiro, pelo fato de este trabalho ser movido pelo interesse
compartilhado pelo pesquisador e pelos professores de contribuir para a inovao da prtica
de ensino de histria. Segundo, por entendermos o professor como um dos agentes sociais
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fundamentais na organizao e conduo das disciplinas e do processo educativo que ocorre
na escola. O professor , como bem mostra Bittencourt (2004, p. 50-51),
[...] o sujeito principal dos estudos sobre currculo real, ou seja, o queefetivamente acontece nas escolas e se pratica nas salas de aula. O professor quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, aofundamental no processo de produo do conhecimento. Contedos, mtodose avaliao constroem-se nesse cotidiano e nas relaes entre professores ealunos. Efetivamente, no ofcio do professor um saber especfico constitudo, e a ao docente no se identifica apenas com a de um tcnico oua de um reprodutor de um saber produzido externamente.
Cientes da complexidade que envolve o saber-fazer docente e da importncia da ao
desse profissional, como aponta a autora, compreendemos que penetrar nesse universo
conceitual dos professores representa uma tentativa de apreender o significado que cada um
deles atribui s suas formas de conceber e de ensinar a histria no ensino fundamental.
A concepo de histria que permeia a prtica docente particularmente importante,
pois conforme dizem Cabrini et al. (1986, p.19), [...] tudo que voc faz em sala de aula
depende fundamentalmente de duas coisas: da forma como voc encara o processo deensino/aprendizagem e da sua concepo de histria. Entendemos tambm que o fazer
pedaggico, no caso do ensino de histria, est relacionado com a concepo de histria com
a qual o professor se filia e que tanto aquele quanto esta devem estar coerentes com o
contedo selecionado para as atividades em sala de aula. Na verdade, tanto os contedos
quanto a metodologia so mediados por uma determinada concepo de mundo e de histria,
o que indica uma condio sine qua non entre o fazer pedaggico e a formao terica do
profissional. Assim, o posicionamento de cada professor sobre a historiografia se faz
necessrio para a compreenso da histria que ensinada nas escolas de ensino fundamental
em Cear-Mirim e, conseqentemente, para repensar esse ensino no universo desse nvel de
conhecimento.
A histria se constitui em uma das disciplinas que compem o sistema educacional e
curricular brasileiro. A escola, por sua vez, cumpre um papel em cada sociedade, seja para
mant-la tal como se apresenta, seja para transform-la. A concepo de disciplina escolar que
orienta o trabalho do professor, alm de contribuir para localiz-lo no contexto de sua prtica
docente, identifica a postura poltico-pedaggica na qual se pauta a escola. Diante dessa
reflexo, indagamos: As escolas nas quais os professores atuam desfrutam de maior ou menor
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autonomia com relao aos agentes sociais externos e aos poderes polticos responsveis pela
educao no pas, no estado ou no municpio? Que relao o saber escolar mantm com outras
formas de conhecimento, como o acadmico e o que difundido pelos livros didticos?
Portanto, o propsito de reconhecer as concepes dos professores no sentido de demonstrar
sua importncia no apenas no que diz respeito ao ensino de histria em si, mas ao processo
ensino-aprendizagem como um todo.
O interesse pela histria local parte do entendimento de que o local, na condio de
objeto de estudo e de ensino, oferece novas possibilidades de anlise, quando confrontado
com escalas espaciais mais amplas, como a regional, a nacional e a mundial. Assim,
procuramos saber se essa histria vem sendo incorporada ao processo ensino-aprendizagem e
de que forma isso acontece.Cear-Mirim, alm de contar com professores que atendem aos critrios que
consideramos necessrios ao desenvolvimento desta pesquisa, e da proximidade de Natal (est
a apenas 28 km da capital), colocou-se como um desafio para o trabalho a que nos propomos
realizar na medida em que se encontra entre aqueles municpios considerados ricos em
histria1. Portanto, os professores no teriam maiores dificuldades em desenvolver atividades
escolares ao considerarem temticas da histria local, supostamente fcil de ser abordada por
apresentar farto contedo histrico. No entanto, percebemos que, mesmo entre os professoresgraduados na rea especfica de histria, h dificuldades bsicas no que se refere incluso da
realidade local como contedo na construo do conhecimento escolar, especialmente quando
se exigem relaes dos eventos locais com lugares e pocas distantes. Isso nos mostrou a
necessidade de traarmos um perfil da histria local ensinada em Cear-Mirim, luz da
compreenso dos professores.
A presente pesquisa apia-se em contribuies historiogrficas recentes,
especificamente na Nova Histria francesa, devido sua abertura em trabalhar com asdiferenas regionais e com as especificidades dos locais, alm de permitir o trabalho a partir
de novas fontes histricas, de novos objetos e de novas abordagens (LE GOFF; NORA, 1976a,
1976b, 1976c), o que tem contribudo para mudanas significativas na escrita e no ensino da
histria. A Nova Histria considera importante a incluso, a partir de novas abordagens, de
objetos de estudoscomo a poltica, a biografia, por certo tempo excludos ou secundarizados
1Termo comumente usado por alunos da disciplina Prtica do Ensino Fundamental, do curso de Histria da
Universidade Potiguar. Com isso, eles querem dizer que, no municpio ao qual se referem, h fartos testemunhosque do bastante visibilidade aos elementos da histria local, como arquitetura antiga, monumentos,acontecimentos marcantes, personalidades de referncia estadual ou nacional. Os municpios que no atendem aessas condies so consideradospobres em histria.
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por algumas correntes historiogrficas. Assim como a Nova Histria, a Histria Social inglesa
e a Nova Histria Cultural convergem no sentido de favorecer a abordagem do local numa
perspectiva inovadora.
Em que pesem as diferenas entre si, essas correntes se aproximam em alguns pontos,
convergindo para a configurao de uma nova forma de construo historiogrfica e de
maneiras inovadoras de ensino. Dentre esses pontos, destacamos: uma certa sensibilidade para
com as diferenas sociais e regionais e, conseqentemente, para outras interpretaes do real;
o reconhecimento de que o saber histrico no algo absoluto, mas constitudo a partir de
mltiplas narrativas, e de que as diversas instncias que abrangem o real, como o social, o
econmico, o poltico e o cultural, so igualmente vlidas como possibilidades de se
compreender uma determinada sociedade. A desconfiana nas macroabordagens, o apego smargens e a aceitao de um certo relativismo no campo epistemolgico tm desembocado
numa preferncia pelo local e o especfico, sobre o universal e o abstrato, o que tem levado a
mudanas significativas na produo historiogrfica e proliferao de trabalhos no mbito
regional e local. A convico de que a construo intelectual apenas uma representao das
experincias vividas e do questionamento do carter universal do conhecimento histrico tem
desdobramentos no campo epistemolgico, que, por sua vez, influenciam de forma marcante
as atividades relacionadas com o ensino. A revoluo documental qual se refere Le Goff(1978), ao incorporar novas fontes histricas, traz ao conhecimento histrico escolar mais
possibilidades de abordagens acerca de questes relacionadas com o espao vivido pelos
membros da comunidade escolar. Nessa perspectiva, as diversas fontes e muitos eventos
locais podero se constituir em elementos importantes no processo de reflexo histrica.
Para discutir as questes acima expostas relacionadas com o ensino de histria local, o
trabalho est organizado em seis partes, de acordo com a seguinte ordem: esta parte
introdutria, quatro captulos e as consideraes finais.No primeiro captulo As estratgias investigativas,ocampo emprico, os sujeitos,
expomos os elementos que dizem respeito ao caminho que trilhamos: as estratgias
investigativas propriamente ditas: o plano de investigao, a construo dos dados e as
entrevistas, a caracterizao do lugar da pesquisa e a apresentao dos professores. O objetivo
dessa contextualizao preparar o leitor para a discusso terica e para a anlise das falas do
professores.
No segundo captulo Histria e desafios contemporneos , temos como
preocupao principal mostrar que o atual momento histrico em muitos aspectos diferente
da modernidade e que, por isso, apresenta determinadas peculiaridades, as quais vm
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provocando mudanas substanciais no que diz respeito fundamentao epistemolgica, a
ponto de alguns tericos questionarem a validade das grandes narrativas enquanto estratgia
de explicao do real. Ou seja, estamos lidando com formas novas de produo do
conhecimento, as quais muitas vezes se confrontam com os parmetros postos pelo paradigma
da modernidade. Isso, por sua vez, tem trazido mudanas na forma de se conceber e de se
produzir o conhecimento histrico, o que nos levou a estender o debate ao campo
historiogrfico. Buscamos, ento, no debate historiogrfico contemporneo, justificar o
surgimento de uma nova histria local, diferente da histria produzida de acordo com os
parmetros estabelecidos pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB).
No terceiro captulo O ensino da histria: entre reflexes, permanncias e mudanas,
apresentamos, parcialmente, a trajetria do ensino de histria no Brasil, tendo comopreocupao mostrar as mudanas pelas quais a histria enquanto disciplina escolar tem
passado nas duas ltimas dcadas e em que contexto ela se encontra hoje. Para isso, nos
reportamos aos fruns privilegiados de debate sobre o ensino, as principais publicaes acerca
do tema e tentamos compreender at que ponto h relao entre a produo historiogrfica e o
que est sendo ensinado na escola. Por fim, analisamos depoimentos dos professores com o
propsito de mostrar a aproximao ou o distanciamento de suas prticas no que diz respeito
s mudanas que vm ocorrendo no ensino de histria.No quarto captulo A incorporao da histria local ao processo ensino-
aprendizagem, ressaltamos a importncia da histria local para o ensino fundamental de 5 a
8 sries. Nesse sentido, indagamos: Como a histria de Cear-Mirim vem sendo abordada em
sala de aula pelos professores? Compreendemos que a resposta a essa pergunta pode vir a
partir da anlise dos contedos e das fontes trabalhadas em sala de aula e das dificuldades
encontradas pelos professores, quando da abordagem da histria local.
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1 AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPRICO, OS SUJEITOS
A utopia est l no horizonte. Me aproximo doispassos, ela se afasta dois passos. Caminho dezpassos e o horizonte corre dez passos. Por maisque eu caminhe, jamais alcanarei. Para que servea utopia? Serve para isso: para que eu no deixede caminhar.
Eduardo Galeano
Este captulo tem como objetivo expor os elementos que dizem respeito ao caminho
que trilhamos: as estratgias investigativas propriamente ditas: o plano de investigao, a
construo dos dados e as entrevistas, a apresentao do campo emprico da pesquisa e o
perfil dos professores colaboradores. Para tanto, relatamos as preocupaes iniciais do projeto
de pesquisa, os caminhos percorridos e (re)construdos, os diversos procedimentos
metodolgicos adotados, o perfil dos participantes.
1.1OQUE FIZEMOS:AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS
Como esta pesquisa trata de uma problemtica que lida com dados construdos a partir
de elementos da subjetividade, optamos por conduzir a investigao em uma abordagem que
se insere na perspectiva qualitativa, o que vem justificar a adoo dos instrumentos e das
atitudes sobre as quais discorreremos a seguir.
Construmos os dados a partir de procedimentoscomo entrevistas, observaes livres e
anlise do material utilizado e/ou produzido pelos professores colaboradores em suas
atividades docentes ou acadmicas. A pesquisa qualitativa, com seu carter
multimetodolgico, devido ao uso de variadas fontes e tcnicas empregadas na coleta de
dados, permite uma leitura da realidade que inclui a subjetividade necessria compreenso
de um mundo que, cada vez mais, se expressa no apenas pela sua materialidade, mas tambm
por meio da imaginao e do simblico. A abordagem qualitativa abre, assim, perspectivas
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metodolgicas inovadoras com relao tanto escolha do objeto de estudo quanto s atitudes
investigativas.
A opo por essa abordagem investigativa, inicialmente flexvel, comporta a definio
do referencial interpretativo concomitante coleta de dados e a leituras. No adotamos, de
incio, um referencial terico de focalizao prvia do problema, motivo pelo qual levamos
um certo tempo para a definio dos referenciais de anlise. Esse procedimento apontou para
a necessidade de uma busca constante de novos dados e de novas leituras, o que foi feito
durante a maior parte do tempo da pesquisa, conforme a explicao de Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1998, p. 162):
Em decorrncia da feio indutiva que caracteriza os estudos qualitativos, asetapas de coleta, anlise e interpretao ou formulao de hipteses everificao no obedecem a uma seqncia, cada uma correspondendo a umnico momento da investigao, como ocorre nas pesquisas tradicionais. Aanlise e a interpretao dos dados vo sendo feitas de forma interativa com acoleta, acompanhando todo o processo de investigao.
Trabalhamos, pois, com a idia de que nada , a priori, dotado de significado prprio.
A realidade socialmente construda e o significado a ela atribudo est relacionado com as
experincias e as percepes dos agentes sociais. Portanto, alertamos para o fato de que as
interpretaes geradas a partir desta pesquisa, envolvendo a compreenso dos professores
sobre o ensino de histria, no tm a pretenso de valid-las para outras situaes do ensino
desta disciplina. Ao contrrio, o ensino de histria, mesmo realizado em condies
semelhantes ao que estudamos, tem especificidades que so muito prprias dos contextos nos
quais ele se desdobra. Alunos, professores, recursos didticos e as condies oferecidas pela
escola e pelo lugar fazem de cada situao de ensino-aprendizagem um momento mpar,
descartando qualquer tentativa de criao de um padro nico de interpretao. Desse modo, o
presente estudo no se prope a ser representativo do ensino de histria no municpio de
Cear-Mirim, mas, to-somente, compreender formas de concepo e utilizao do contedo
sobre uma realidade particular, levando em considerao a experincia de trs professores que
atuam no municpio.
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1.1.1 O plano de investigao
As preocupaes iniciais, apresentadas no projeto de pesquisa, foram gestadas a partir
de leituras sobre o ensino de histria, mediadas pela nossa experincia como docente em
cursos de formao de professores. Por outro lado, um melhor conhecimento da realidade do
municpio s foi possibilitado pela investigao exploratria de visitas, inicialmente, sem um
roteiro predefinido. Nessa fase, de junho a setembro de 2002, considerada exploratria,
utilizamos tcnicas como a observao livre, conversas informais com professores, visitas a
vrios pontos da cidade e da rea rural, alm de entrevistas com os professores colaboradores.
Elaboramos ainda um mapeamento do campo, o que foi de muita utilidade para a definio doproblema e para a identificao das fontes de informao mais adequadas ao andamento da
pesquisa.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, ao fazerem referncia ao plano de investigao,
chamam a ateno para o fato de as pesquisas qualitativas no admitirem regras precisas,
aplicveis a uma ampla gama de casos, isso devido natureza diversa e flexvel dessas
investigaes. A respeito do grau de estruturao prvia, os autores ressaltam:
O foco e o design do estudo no podem ser definidos a priori, pois a realidade mltipla, socialmente construda em uma dada situao e, portanto, no sepode apreender seu significado se, de modo arbitrrio e precoce, aaprisionarmos em dimenses e categorias. O foco e o design devem, ento,emergir, por um processo de induo, do conhecimento do contexto e dasmltiplas realidades construdas pelos participantes em suas influnciasrecprocas (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 147).
A escolha do objeto de investigao partiu, assim, de inquietaes originadas da
prtica e de leituras especficas, o que pressupe o domnio de um certo conhecimento na rea
do ensino de histria, fruto do trabalho de outros pesquisadores situados em contextos
espaciais e temporais diferentes do nosso. Tambm conhecamos parcialmente a histria de
Cear-Mirim, e o seu ensino, atravs dos memorialistas cear-mirinenses e dos trabalhos
escolares dos professores do municpio. Isso permitiu, em nvel de projeto, um planejamento
com um certo grau de estruturao. A formulao de algumas questes iniciais, por exemplo,fazia-se necessria tambm devido ao fato de o projeto ser submetido a um programa de ps-
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graduao, que requer uma certa formalidade e rigor terico-metodolgico. A investigao,
no entanto, apontou para a necessidade de mudanas e de reformulaes que foram sendo
realizadas com o progresso das leituras e no decorrer do trabalho de campo.
Ainda no projeto inicial, ressaltamos que uma melhor definio do problema e uma
maior clareza terico-metodolgica s seriam possveis com a evoluo do trabalho de
campo. Evitamos, com isso, associaes do tipo mecanicista entre a teoria adotada e os dados
obtidos junto ao campo de pesquisa. As estratgias de anlise s viriam a ocorrer, tambm
posteriormente, a partir de uma maior interao entre o pesquisador e os professores
colaboradores. Ou seja, a focalizao do problema foi ocorrendo ao mesmo tempo em que os
dados iam sendo construdos e as leituras de natureza terica eram retomadas, sem que
adotssemos, no incio, um plano rgido ou definitivo.Com a definio do campo emprico o municpio de Cear-Mirim e a escolha dos
sujeitos da pesquisa, iniciamos a fase exploratria. Nessa fase, os encontros com os
colaboradores e a visita a vrios pontos do municpio serviram para uma melhor focalizao
das questes, definio da problemtica e das formas de acesso aos dados.
medida que os encontros aconteciam, permitindo a troca de experincias e de idias
entre pesquisador e colaboradores, novas estratgias investigativas iam sendo delineadas. As
leituras paralelas ao trabalho de campo tambm serviram para desencadear um processocontnuo de reflexo sobre os propsitos e os caminhos que o trabalho deveria trilhar.
A nossa condio de professor de alguns alunos-docentes do municpio e de
conhecedor de algumas de suas atitudes, diante do ensino da histria local, permitiu-nos
iniciar a investigao a partir de algumas idias preconcebidas que o desenvolvimento da
investigao foi tratando de superar.
Nesse sentido, torna-se interessante a idia de Biklen e Bogdan, autores que, apesar de
desaconselharem a utilizao de hipteses estabelecidas antes do acesso aos dados empricoscom o propsito de serem testadas, reconhecem a necessidade de um plano de investigaes
de natureza qualitativa. Para eles,
A forma como procedem [os investigadores qualitativos] baseada emhipteses tericas (que o significado e o processo so cruciais na compreensodo comportamento humano; que os dados descritivos representam o materialmais importante a recolher e que a anlise de tipo indutivo a mais eficaz) e
nas tradies da recolha de dados (tais como a observao participante, aentrevista no estruturada e a anlise de documentos). Estas fornecem osparmetros, as ferramentas e uma orientao geral para os passos seguintes.
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No se trata de negar a existncia do plano, mas em investigao qualitativatrata-se de um plano flexvel. Os investigadores qualitativos partem para umestudo munidos dos seus conhecimentos e da sua experincia, com hiptesesformuladas com o nico objetivo de serem modificadas e reformuladas medida que vo avanando (BIKLEN; BOGDAN, 1994, p. 83-84).
Na presente investigao, portanto, a focalizao aconteceu de forma progressiva,
tendo incio o lanamento de questes com a fase exploratria, e, com a definio dos
referenciais de anlise e do campo terico, o formato final da pesquisa.
1.1.2A construo dos dados
Conforme apontado na parte introdutria deste texto, os dados desta pesquisa no so
entendidos nem analisados como algo isolado, fixo, mas inseridos em um contexto de
mltiplas relaes. Assim, nem sempre se apresentam de forma explcita ao pesquisador,
exigindo que este adote diversos procedimentos metodolgicos com o intuito de dar
visibilidade aos propsitos da investigao.Com essa compreenso, lanamos mo de vrias estratgias, tais como entrevistas,
conversas informais, encontros de estudos, observaes livres do ambiente vivido pelos
professores escolas, bibliotecas, residncias, feiras livres, eventos festivos na cidade,
assim como de algumas cerimnias relacionadas com a Semana de Emancipao do
Municpio. Visitamos tambm o Vale do Rio Cear-Mirim e algumas outras localidades da
regio.2Caracterizamos essas observaes como livres, por serem feitas a partir da visita a
lugares e a eventos sem a elaborao de um plano previamente definido, com exceo daprimeira entrevista com os professores. Em cada visita, fazamos no caderno as anotaes de
campo sobre os dados que acreditvamos ter importncia para a pesquisa, o que foi
2Contabilizamos um total de trinta e duas visitas, sendo assim descritas: dezessete exclusivamente sede domunicpio, quatro sede e ao Vale, trs exclusivamente ao Vale, quatro s localidades de Rio dos ndios, BoaVista e Coqueiros, respectivamente. Nas demais localidades, as visitas tinham como objetivo conhecer um poucodo dia-a-dia nessas comunidades, no que diz respeito s estratgias de sobrevivncia de seus moradores e localizao dos estabelecimentos de ensino nesses locais. Assim, reservamos quatro dias, distribudos ao longoda pesquisa, para visitar nove localidades agrupadas da seguinte forma: Jacoca e Capela; Massangana, PrimeiraLagoa e Gameleira; Santa Tereza e Capela; Maturaia e Aningas. A escolha dessas localidades se deu medida
que amospercebendo os seus nomes associados a alguma coisa que nos chamavam a ateno, como:desenvolvimento da fruticultura irrigada e da pecuria, assentamentos de trabalhadores rurais, destaques noslivros dos memorialistas locais, o fato de serem supostos redutos de remanescentes indgenas e deafrodescendentes.
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confirmado quando da redao do texto final. Dentre as vrias tcnicas de construo de
dados, as entrevistas com os professores foram as mais importantes, por elas se constiturem
em instrumento importante para apreenso dos significados que atribuam s suas concepes,
crenas e valores que os interlocutores da pesquisa tm acerca dos temas abordados. Isso
porque, em situao de entrevista, conforme mostra Chizzotti, (1995, p. 85):
Procura-se compreender a experincia que os sujeitos tm, as representaesque formam e os conceitos que elaboram. Esses conceitos manifestos, asexperincias relatadas ocupam o centro de referncia das anlises einterpretaes, na pesquisa qualitativa.
As entrevistas permitem, tambm, uma maior interao entre entrevistador e
entrevistados e um contato imediato com a informao desejada, alm de facilitar possveis
correes e esclarecimentos no prprio processo.
Portanto, o contedo das entrevistas se constituiu em referncia para a anlise dos
dados que adotamos, principalmente considerando o fato de que trabalhamos levando em
conta as vises dos professores sobre a histria e o seu ensino.
Alguns documentos produzidos pelos prprios sujeitos da pesquisa, para fins
pedaggicos ou acadmicos, foram considerados na anlise, tendo em vista a sua contribuio
para uma melhor compreenso do pensamento dos docentes. Dentre esses documentos,
destacamos as monografias de final de curso (ps-graduao lato sensu) produzidas pelos
professores3 que, mesmo no sendo utilizadas diretamente em sala de aula, deram pistas
importantes acerca das questes em torno das quais este trabalho se desenvolve. A anlise, no
entanto, tem como eixo principalmente os dados obtidos a partir das entrevistas com os
professores. Os demais se revelaram importantes na medida em que contriburam para umamelhor compreenso do contedo produzido nas entrevistas.
Os depoimentos, assim como as interaes com os professores em seus contextos
vivenciais, constituram-se em estratgias importantes para a percepo de atitudes diante de
problemas da vida contempornea, bem como das suas expectativas enquanto profissionais.
Os encontros para estudos demonstraram ser bastante produtivos, uma vez que possibilitaram
a reflexo da prtica luz dos pontos de vista de vrios autores reconhecidos por uma
3 Os ttulos das monografias O ideal franciscano no Rio Grande do Norte: uma abordagem das prticasreligiosas e A monoculturada cana-de-acar e o turismo histrico-cultural no municpio de Cear-Mirimretratam o interesse dos professores por temas locais.
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literatura especfica da rea de histria4. Eram situaes em que se constatou uma certa
cumplicidadedos participantes, principalmente no que diz respeito aos desafios encontrados
em sala de aula. Constituam-se, assim, em uma espcie de acerto de contas entre a nossa
prtica do pesquisador e dos professores colaboradores e as teorias a que tnhamos acesso
a partir da leitura dos textos distribudos previamente. Na verdade, os encontros
transformavam-se em espaos de discusso sobre algo que era comum ao investigador e aos
colaboradores: o ensino de histria.
A nossa conduta investigativa nos permitiu estabelecer uma relao pautada pela
sinceridade, o que se materializou nos dilogos e nas discusses que mantivemos com os
colaboradores. O trabalho desenvolveu-se, pois, a partir de uma relao de cooperao entre o
investigador e os professores. Desde o comeo, expusemos as nossas pretenses acerca dapesquisa e sobre os critrios de escolha do campo emprico. Essas condies possibilitaram
um dilogo franco e aberto entre o pesquisador e os docentes do municpio. No usamos,
portanto, de nenhum mecanismo de subterfgio que viesse comprometer o acesso ao campo
investigado e s informaes que considervamos necessrias. A cada nova deciso tomada
com relao metodologia que se desdobrasse nas relaes entre o investigador e os
colaboradores, sentamo-nos na obrigao de esclarecer as mudanas feitas.
A partir de negociaes com os professores, optamos por no fazer a identificaopessoal deles e utilizar pseudnimos. Assim procedendo, pensamos na preservao da
identidade de seus autores e em contribuir para que entre eles no houvesse grandes
resistncias a se colocarem de forma aberta aos questionamentos apresentados.
Apesar dos cuidados em preservar a tica como pesquisador, ao no expormos os
sujeitos da pesquisa, procuramos ser fiis aos dados obtidos para no comprometer os
propsitos do estudo.
1.1.3 As entrevistas
A principal interlocuo com o grupo de professores ocorreu por meio da entrevista
semi-estruturada, devido sua natureza interativa ser mais condizente com o nvel de
complexidade requerida pela abordagem do problema. Parte das informaes que utilizamos
4Ver Anexo A.
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no se revelaria atravs de instrumentos que contabilizassem dados, tendo como base, por
exemplo, a entrevista estruturada por meio de questionrios com perguntas e respostas
fechadas.
Alm de ser uma tcnica de pesquisa apropriada ao acesso s informaes numa
investigao de natureza qualitativa, a entrevista semi-estruturada tambm se coloca como
uma oportunidade especial que permite aos participantes uma reflexo sobre sua prtica
docente. No que se refere organizao dessa tcnica, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder
(1998, p. 168), dizem que [...] de um modo geral, as entrevistas qualitativas so muito pouco
estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas,
assemelhando-se muito a uma conversa. Tal escolha justifica-se por esse tipo de entrevista
permitir captar o lado mais profundo das informaes em que no s os aspectos de ordemcognitiva esto presentes, mas tambm aspectos da afetividade.
O propsito principal em cada entrevista era fazer emergir o processo de produo dos
significados construdos pelos professores para compreender as concepes sobre o lugar
reservado histria local no ensino de histria. Sendo as questes das entrevistas formuladas
a partir de interesses comuns aos entrevistados e ao entrevistador/pesquisador, elas so
tambm oportunidades de reflexo sobre o desempenho de suas atividades enquanto
professores.Durante as entrevistas, mesmo na fase exploratria, recorremos a uma espcie de
roteiro (conforme consta nos anexos) com os pontos de destaque para serem abordados junto
aos professores. Como j afirmamos, s vezes, os entrevistados secundarizavam determinadas
questes e ressaltavam outras, o que, em alguns casos, levou-nos a rever a ordem de
importncia dada inicialmente s questes.
A relao de aproximao e de identificao entre o investigador e os colaboradores
no que diz respeito ao trabalho como um todo refletiu-se tambm nas entrevistas. Procuramoscriar um ambiente de confiana, passando a idia de que as questes tratadas nas entrevistas
seriam um elo que unia a todos ns, profissionais do ensino de histria. Antes de comearmos
as gravaes, explicvamos os objetivos da entrevista e o que pretendamos fazer com o
material delas decorrentes.
Inicialmente, optamos pela realizao de duas entrevistas com cada professor, cada
qual com finalidades especficas, seguindo sempre uma tendncia crescente verticalizao
da compreenso das questes. Aps os primeiros contatos e acertos sobre a participao dos
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colaboradores, realizamos a primeira entrevista exploratria e individual5em torno de alguns
tpicos que considervamos bsicos para quem trabalha com o ensino de histria. Esses
tpicos eram apresentados de forma geral e de modo o mais aberto possvel para que os
entrevistados pudessem expor seus pontos de vista mais espontaneamente.
Em seguida exposio de cada ponto em questo, os entrevistados eram estimulados
a falar sobre aspectos outros no contemplados, mas que eles considerassem interessantes.
Essa estratgia se justifica pelo fato de a investigao estar no incio e de no haver clareza,
ainda, de todos os aspectos a serem focalizados.
A segunda entrevista, tambm individual, ocorreu na fase de investigao focalizada,
aps a definio das questes centrais da investigao. Essa entrevista apresentou uma
evoluo com relao primeira, uma vez que as questes foram postas focalizando os temasque iriam, a partir de ento, ser explorados no desenvolvimento da tese. Ou seja, as questes
sugeridas poderiam ser reelaboradas, em funo de uma melhor compreenso do que estava
sendo posto inicialmente em torno da histria enquanto disciplina escolar, da histria como
produo do conhecimento e da histria local.
Se na primeira entrevista havia o propsito de se levantar a maior quantidade possvel
de aspectos relacionados com o objetivo geral da investigao, na segunda havia uma
focalizao e um aprofundamento materializados em termos de tpicos e subtpicos,apresentados, porm, de forma aberta, ou seja, sem pretenso de estabelecer uma relao
rigorosa entre perguntas e respostas. Ao contrrio, a idia era que os entrevistados se
colocassem de forma o mais livre possvel, considerando, porm, os objetivos da pesquisa.
As duas entrevistas, no entanto, no foram suficientes para esclarecer alguns pontos
relacionados diretamente com as atividades escolares, como propostas curriculares e
pedaggicas, livros didticos e condies de trabalho dos professores. Alm do mais, alguns
pontos explorados precisavam de novos esclarecimentos. Diante disso, consideramos anecessidade de uma terceira entrevista. Propusemos, ento, questes para serem respondidas
por escrito, sem gravao de udio, como pode ser verificado no Anexo C.
Assim, consideramos que as estratgias investigativas aqui expostas correspondem s
expectativas de compreenso das formas de abordagens da histria local, situando-as quanto
s mudanas recentes no debate acerca da histria enquanto conhecimento escolar e enquanto
produo historiogrfica. A conjuntura contempornea vem revelando a necessidade cada vez
5Ver os roteiros das entrevistas nos Anexos A, B, C.
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maior de os professores repensarem suas prticas, tendo em vista conquistas recentes no
campo epistemolgico nas cincias humanas, em geral, e na histria, em particular.
1.2ONDE ESTAMOS:OMUNICPIO DE CEAR-MIRIM
1.2.1 Breve apresentao
O municpio potiguar de Cear-Mirim est localizado na Mesorregio do Leste
Potiguar e na Microrregio de Macaba6. Abrange uma rea total de 739,69 km, o que
corresponde a 1,37% da superfcie do estado. Conforme podemos visualizar no mapa 01, os
seus limites territoriais so: ao norte, os municpios de Maxaranguape e Pureza; ao sul, os
municpios de So Gonalo do Amarante e Ielmo Marinho; a leste, o oceano Atlntico e o
municpio de Extremoz; e, a oeste, o municpio de Taipu. A sede municipal est a vinte e oito
quilmetros da capital, Natal, e situa-se margem direita do rio Cear-Mirim, cujo Vale se
constitui em um dos principais locais de produo de cana-de-acar do estado7.
O territrio que abriga o municpio tem sua histria, originariamente, associada
presena de grupos indgenas que, antes mesmo da vinda dos europeus franceses,
holandeses, portugueses , viviam no local. Os conflitos entre os nativos aliados aos
franceses e os portugueses retardaram a posse da Capitania do Rio Grande por parte dos
representantes da Coroa portuguesa. Esses conflitos se deram principalmente na foz do rio
Baquipe, rio Pequeno ou Cear-Mirim, nome este que, posteriormente, o municpio toma de
emprstimo.
Inicialmente, a povoao chamada Boca da Mata, hoje Cear-Mirim, pertencia ao
municpio de Vila Nova de Extremoz do Norte8. Em 9 de junho de 1882, a sede conquista o
statusde cidade.A concentrao cada vez maior de engenhos, de 5, em 1845, passou para 156
em 1859 (PEREIRA, 1989, p. 41), permitiu o surgimento de um comrcio relativamente
promissor, o que atraiu, cada vez mais, moradores da redondeza e de vrios outros
6 Alm de Cear-Mirim, a microrregio de Macaba inclui os municpios de Macaba, Nsia Floresta, SoGonalo do Amarante e So Jos de Mipibu.7Fonte: IDEMA(2005).8Vila Nova de Extremoz do Norte corresponde, hoje, aomunicpio de Extremoz.
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municpios. Durante toda a segunda metade do sculo XIX e a primeira dcada do sculo XX,
Cear-Mirim ocupou um lugar de destaque no estado do Rio Grande do Norte, produzindo de
1894 a 1910 60% do acar potiguar (CASTRO, 1992). Por muito tempo, parte da populao
cear-mirinense dependeu economicamente das terras vizinhas a esse rio, seja trabalhando no
cultivo da cana e de seus derivados, seja trabalhando em outrasatividades como a agricultura
de subsistncia e a pecuria, que ocupam um espao marginal nesse cenrio.
Originalmente, o desenvolvimento da atividade aucareira vem atender a uma crise de
abastecimento de acar no mercado europeu, principalmente o ingls. Isso levou, na primeira
metade do sculo XIX, a um surto de crescimento da atividade que perdura durante meio
sculo para, logo em seguida, amargar os efeitos da crise, levando parte dos produtores a
procurarem outras formas de sobrevivncia ou se adaptarem a novos padres de vida econvvio social.
A atividade aucareira, mesmo passando por situaes adversas, foi a responsvel pela
formao da elite poltica e social que vem governando o municpio desde a sua criao. Uma
sociedade formada inicialmente a partir de uma diviso em que se colocava, de um lado, o
proprietrio de engenho ou usina e, do outro, o trabalhador que, escravo ou no, vivia em
condies subumanas. O senhor de engenho, misto de agricultor e industrial, exerceu o
controle absoluto sobre o poder pblico em todas as esferas, do legislativo ao judicirio. Mas na esfera do poder executivo que esse poder mais expressivo, pois o controle da
administrao municipal passava por integrantes das famlias tradicionais ligadas cultura da
cana-de-acar.
O fabricante de acar, em crise com o fim do trabalho escravo e com a retrao do
mercado internacional, teve que buscar novas formas de trabalho e voltar-se para o mercado
interno, o que no seria feito sem grandes mudanas. As primeiras dcadas do sculo XX so
marcadas pela busca de novas tcnicas visando a uma maior produtividade, dentre as quaisdestaca-se, alm da modernizao dos tradicionais engenhos, a criao de usinas. Entre 1913
e 1948, foram criadas quatro usinas em Cear-Mirim: Ilha Bela (1913), Guanabara e So
Francisco (1929) e Santa Terezinha (1948). Ao entrarem em cena, as usinas mudam a
configurao econmica do espao canavieiro do municpio, que passa a concentrar no
apenas a produo do acar, mas tambm das terras nas mos de poucos usineiros. Em
apenas onze anos (de 1914 a 1925), o Vale perde vinte engenhos de um total de cinqenta
(CASTRO, 1992). O senhor, morador da casa-grande dos engenhos, passa por uma rpida
transio: do Vale para a cidade, de agricultor e industrial para cargos e funes tpicas de
classe mdia: mdicos, advogados, professores, entre outras.
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As usinas, por sua vez, transformam-se periodicamente, seguindo a lgica do mercado
capitalista que provoca oscilaes, de acordo com a tendncia dos mercados interno e externo.
Na dcada de 1970, o governo brasileiro cria o PROLCOOL (Programa Nacional do lcool),
poltica de incentivo produo de lcool automotivo, o que levou auma maior concentrao
fundiria por parte do setor da agroindstria, diminuindo cada vez mais a participao das
atividades dos pequenos e mdios agricultores nas terras frteis do Vale do Cear-Mirim.
A chegada da usina no Vale do Cear-Mirim simboliza a crise de uma poca em que
predominava uma sociedade de estilo patriarcal e contribui, decididamente, para a acelerao
de seu fim. Segundo Queiroz (1984, p. 9-10, [...] nos domnios da usina, que representa o
maior poder econmico local, as relaes de trabalho tradicionais so substitudas por
relaes tipicamente capitalistas. A autora ressalta que as transformaes intensificam oprocesso de proletarizao no campo. Essas modificaes no indicam, no entanto, que as
condies dos trabalhadores tenham mudado substancialmente. Embora aceleradas na dcada
de 1970, poca estudada por Queiroz, elas remontam poca das primeiras usinas e
representam, definitivamente, o fim de uma sociedade patriarcal. O poder executivo
municipal, porm, tem sido controlado sucessivamente por descendentes das famlias
tradicionais, antigas proprietrias de engenhos, ou pelos que passaram a controlar as usinas de
acar e lcool localizadas no Vale.Atualmente, o poder executivo municipal exercido por Maria Edinlia Cmara de
Melo, esposa de Geraldo Jos de Melo, ex-governador, ex-senador da Repblica e usineiro
local, a partir da aquisio das usinas So Francisco e Ilha Bela, no incio da dcada de 1970.
O grupo poltico liderado pelo usineiro Geraldo Melo tem como aliado, na condio de vice-
prefeito, o proprietrio do nico engenho em funcionamento do municpio, Rui Pereira,
descendente de uma das mais tradicionais famlias do municpio: os Pereira. Os embates
polticos atuais, no entanto, parecem dar lugar a novos personagens sados dos segmentosmdios, socialmente falando, cuja expresso demorou para se colocar como alternativa
poltica concreta, mas que nas eleies municipais de 2004 obteve significativa votao,
apesar de no conseguir a vitria9.
O papel de destaque da economia do municpio em nvel estadual rendeu sua elite
prestgio poltico e social. A expresso mxima desse prestgio deu-se em 1874, quando a
monarquia agraciou com o ttulo de baro o senhor de engenho Manoel Varela do
9Nas ltimas eleies municipais, o resultado para o cargo majoritrio foi o seguinte: Maria Edinlia Cmara deMelo, do PSDB, obteve 15.669 votos; Antonio Marcos de Abreu Peixoto, do PTB, 14.085 votos; RobertoPereira Varela, do PAN, 1.675 votos; e Ana Clia Siqueira Ferreira, do PSTU, 201 votos.(cf. ).
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Nascimento. Boa parte da memria desse senhor e de sua famlia encontra-se preservada,
atravs de prdios, praa e pertences domsticos, assim como das histrias contadas por seus
descendentes, algumas delas registradas em livros.
No auge da produo de acar (segunda metade do sculo XIX e incio do sculo
XX), a elite local buscava acompanhar os sinais de modernidade e progresso da poca, o que
se refletia em algumas idias, no modo de ser de seus integrantes, na aquisio de
maquinrios para as fbricas de acar, nas construes das residncias, na moblia e nos
produtos consumidos, bem como atravs de iniciativas de grupos que fundavam jornais e
lutavam pela implantao do transporte ferrovirio para o municpio.
Apesar de a economia municipal no se restringir produo de cana10 e de seus
derivados, e de as questes polticas e sociais no se limitarem s aes da elite local, ahistria do municpio ensinada nas escolas e divulgada nos livros de seus intelectuais mais
ilustres est voltada para a sociedade aucareira que dominou o cenrio poltico e social
durante o meio sculo de xito da produo de acar nos engenhos.
Dentre os memorialistas que se firmaram como guardies da memria local e
produtores de conhecimentos reproduzidos amplamente nas escolas e em vrios segmentos da
sociedade local, esto dois representantes dessa elite canavieira: Madalena Antunes Pereira e
Nilo de Oliveira Pereira. Esses escritores exaltam a beleza paisagstica do lugar, as qualidadesdas pessoas e das coisas, a ordem reinante. A sociedade passada, patriarcal e aristocrtica,
apresentada como modelo ideal de sociabilidade, conforme retratado no prximo subitem.
10 A economia do municpio constituda de vrias atividades. A cana-de-acar ainda desponta,individualmente, como a principal, mas encontram-se atividades como a pecuria bovina e ovina, a produo decereais e o desenvolvimento da atividade turstica. Diversas empresas ligadas fruticultura de exportaoproduzem para o mercado interno e externo. Ao mesmo tempo, entram em cena novos agentes sociais ligados aoMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, juntamente com o INCRA (Instituto Nacional de
Colonizao e Reforma Agrria) criaram vrios assentamentos de trabalhadores rurais que vm produzindo emparceria com grandes empresas especializadas em fruticultura irrigada. Para mais informaes acerca dasinovaes no espao rural no municpio de Cear-Mirim, ver Montenegro (2004).
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Mapa 01 Mapa poltico do Rio Grande do Norte. Em destaque o municpio de Cear-Mirim e seus limitesFonte: IDEMA(2005)
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Touros
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So Josdo
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Nova Cruz
Brejinho
Passagem
Vrzea
EspritoSanto Canguaretama
Montanhas
PedroVelho
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RIO GRANDE DO NORTE
Jundi
Lei complementar n 152 de 1997 (Lei de criao)
LEGENDA
ELABORAO: IDEMA/CESE
o
Lei complementar n 221 de 2002
Lei complementar n 315 de 2005
Regio Metropolitana de Natal, segundo lei de criao e de incluso de municpios
o
o
Mapa 02 RIO GRANDE DO NORTE- Regio Metropolitana de Natal, segundo lei de criao e de incluso de Fonte: IDEMA(2006)
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Mapa 04 Municpio de Cear-MirimFonte: IDEMA (2005)
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1.2.2 O doce Vale da aristocracia aucareira
Neste ponto da apresentao do municpio, convidamos o leitor a fazer uma curta
viagem, dentre outras possveis, pois os caminhos que podero levar a Cear-Mirim so
muitos e cada viajante pode escolher um, entre as trajetrias j traadas, ou construir novos.
Optamos, ento, em fazer uma breve apresentao de Cear-Mirim a partir de duas obras de
dois de seus filhos: Oiteiro: Memrias de uma Sinh Moa, de Madalena Antunes Pereira e
Imagens de Cear-Mirim, de Nilo de Oliveira Pereira.
O nosso olhar, no entanto, particularmente interesseiro: um olhar de quem acredita
que o dilogo entre memria e histria pode abrir novas possibilidades para o ensino. Aescolha dessas obras tambm proposital, uma vez que elas vm sendo usadas com
freqncia pelos professores do municpio, inclusive pelos professores colaboradores.
Embarquemos, ento, nesta breve viagem.
O livro Oiteiro teve sua primeira edio em 1958 e considerado o primeiro livro de
memrias feminino do Rio Grande do Norte. Sua autora, Maria Madalena Antunes Pereira,
nasceu em 25 de maio de 1880, no Engenho Oiteiro, em Cear-Mirim, e faleceu em 11 de
junho de 1959, em Natal. Oiteiro, ttulo do seu nico livro, representa, ao mesmo tempo, onome do engenho-fazenda, onde ela nasceu e viveu parte de sua vida, e de uma rvore comum
na regio, que havia em frente sua casa, em cuja sombra Madalena testemunhou muitas das
impresses e lembranas de seu tempo de infncia, as quais o livro traz ao longo de suas
pginas. Sob a forma de memrias, como o subttulo aponta, de uma sinh-moa, a escritora
registra desde suas lembranas mais ingnuasdo convvio domstico entre seus familiares e
os serviais da casa, at acontecimentos de repercusso em mbito nacional, como a abolio
da escravatura, por exemplo. A obra insere-se em um ambiente fsico e temporal construdoem torno do Vale do Cear-Mirim, cujo esplendor da aristocracia rural ligada ao acar no
fora muito alm de meio sculo. A, presenciam-se a decadncia do engenho de acar e a
ascenso dos engenhos-centrais e das usinas. Nesse contexto, a autora esfora-se para
registrar as transformaes por que passa a cultura canavieira, com conseqncias para outras
reas que apontam para o fim da escravido, dos senhores de engenhos e dos prprios
engenhos em sua verso clssica, isto , o engenho como unidade completa de produo de
acar, incluindo a plantao da cana, fabricao, refino e transporte do acar.
Em Imagens do Cear-Mirim, publicado em 1969, Nilo Pereira narra as lembranas
retidas em sua fase adulta, construindo discursivamente uma Cear-Mirim que gostaria que
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ficasse na memria dos mais jovens. Escrito em tom saudosista e melanclico, o livro,
segundo o prprio autor, no deve ser considerado como documento e nem como histria,
apenas como imagens ou memria. Entretanto, ele mistura recordaes pessoais com
contedos provenientes de pesquisa feita em vrios tipos de fontes, o que caracteriza o
trabalho no apenas como fruto das recordaes de infncia, mas tambm como uma escrita
com pretenses de natureza historiogrfica. Nilo de Oliveira Pereira, filho do coronel Fausto
Varela Pereira e Beatriz de Oliveira Pereira, nasceu em 11 de dezembro de 1909, no Engenho
Verde-Nasce, municpio de Cear-Mirim. Deixou sua cidade aos treze anos de idade e foi
para Natal, a capital do estado, onde fez os estudos secundrios. Passou rapidamente pelo Rio
de Janeiro e logo depois cursou Direito em Recife, onde fixou residncia definitiva a partir de
1931. Faleceu na capital pernambucana em 23 de janeiro de 1992. Teve uma vida intensa nomeio intelectual de Recife e do Nordeste brasileiro, exercendo, entre outras, as funes de
pesquisador da Fundao Joaquim Nabuco, professor universitrio, jornalista, historiador e
professor de histria e ficcionista. Catlico fervoroso, foi vicentino em Cear-Mirim e
congregado mariano em Natal e em Recife. Exerceu o cargo de secretrio de educao no
estado de Pernambuco e de deputado estadual por vrias legislaturas. Assim como Madalena
Antunes, de quem era sobrinho, filho de famlia ligada atividade da agroindstria
aucareira, vivendo sua infncia entre o Vale do rio Cear-Mirim e a cidade do mesmo nome.Como estudante, em Recife, s ia a Cear-Mirim durante as frias escolares ou, quando
adulto, em visitas espordicas. Da capital pernambucana, escreveu vrios trabalhos sobre sua
terra de origem, inclusive o livroImagens do Cear-Mirim.
Em suas trajetrias de vida, Nilo Pereira e Madalena Antunes seguem a tradio dos
filhos da elite rural nordestina em se formar no Recife, de cujas faculdades e colgios
emanavam discursos regionalistas que contribuam para a formao de uma viso at certo
ponto comum sobre o Nordeste brasileiro. Segundo Albuquerque Jr. (2001), esses lugares,alm de formarem os intelectuais tradicionais do Nordeste, serviam para sedimentar amizades
e para trocar idias acerca de poltica, economia, cultura e artes, tanto em nvel estadual
quanto em nvel nacional. No discurso regionalista, h um certo cruzamento da crise social
vivida pelos filhos dos proprietrios rurais com o problema regional, questo que toda uma
produo intelectual, sobretudo literria, influenciada pela sociologia de Gilberto Freyre, vai
tentar equacionar a partir de um discurso comum.
A sociologia freyreana e a produo dos romancistas de 1930 tm na memria a
matria-prima fundamental. Atravs de suas lembranas, esses autores reconstroem o
Nordeste de suas infncias, cujas relaes sociais ou j no existiam, ou estavam ameaadas.
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Diante das incertezas postas pela crise que solapava as bases tradicionais do seu poder
poltico e social, essa elite intelectual trabalhava com a perspectiva de uma definio do
Nordeste no apenas em seus elementos convencionais como o espacial, o geogrfico, o
econmico e o poltico, como tambm no que se referia s suas tradies, sua memria e
sua histria. Era incentivado o amor ptria Nordeste, estmulo que se irradiava de
Pernambuco para outros estados, atravs dos futuros dirigentes das localidades, incluindo a o
espao norte-rio-grandense.
Madalena Antunes e Nilo Pereira seguem essa trajetria intelectual e seus escritos
sofrem uma forte influncia dessa produo regionalista, contribuindo para a construo de
uma representao, de certa forma comum11, do passado cear-mirinense. Dentre as muitas
semelhanas, exporemos a seguir algumas delas.Em ambas publicaes, Cear-Mirim e o Vale so tomados como referencial e se
constituem em um espao de saudade. Os autores falam a partir de um lugar privilegiado da
sociedade qual pertencem, ou seja, do interior da casa-grande, de uma oligarquia rural ligada
produo de cana e de acar. Cear-Mirim lembrada como uma representao imagtica,
um lugar idlico, encantado. A esse respeito, Albuquerque Jr. (2001,p. 65)afirma que
A saudade um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo pedaosqueridos de seu ser, dos territrios que construiu para si. A saudade tambmpode ser um sentimento coletivo, pode afetar toda uma comunidade queperdeu suas referncias espaciais ou temporais, toda uma classe social queperdeu historicamente a sua posio, que viu os smbolos de seu poderesculpidos no espao serem tragados pelas foras tectnicas da histria.
Imagens do Cear-Mirim e Oiteiropodem muito bem se inserir nas condies de
sentimento postas acima, uma vez que os autores utilizam a memria pessoal como
instrumento de construo de uma nova Cear-Mirim, mostrando, da forma mais conveniente
possvel, a transformao de um mundo que vivia sob o desgnio de toda uma aristocracia
rural. H uma espcie de reconstruo desse mundo atravs de uma construo imagtica que
11 Devemos ressaltar que h diferenas entre as duas obras, seja em relao ao estilo, seja em relao aoposicionamento diante de algumas questes. Madalena Antunes, por exemplo, d um tom maisromanceadoaoseu trabalho, desnuda-se mais em seu texto: sua famlia passa por dificuldades de ordem econmica, a
aristocracia est em crise, restando-lhe apenas os estudos como perspectiva social. Nilo Pereira impe um estilomais histrico-memorialstico. Ao contrrio de Madalena, toma para si o ditado quem rei nunca perde amajestade.Assim, a aristocracia aucareira, mesmo destronada, se lhe apresenta como rica, faustosa e hiertica,a exemplo dos engenhos.
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tenta se impor como referncia aos atuais moradores. Esse gesto tem encontrado receptividade
em vrios segmentos da sociedade local, como escolas, poder executivo, mdia, instituies
associativas e, tambm, entre professores, muitos dos quais se entregam misso de perpetuar
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