amorim, celso; fonseca jr, gelson. o brasil no conselho de segurança (1998-1999)

Upload: leandro-sant

Post on 03-Jun-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    1/369

    1

    SumrioSumrioSumrioSumrioSumrio

    Prefcio - Celso Amorim .................................................................... 5

    Introduo - Gelson Fonseca Jr. ................................................................ 11

    I. Regies e Temas Relacionados a Pases na

    Agenda do Conselho de Segurana ...................................................15

    I.1 frica ................................................................................................ 17

    Angola .............................................................................................. 41

    Repblica Centro-Africana................................................................... 61

    Etipia/Eritria ................................................................................... 69

    Repblica Democrtica do Congo ....................................................... 73

    Ruanda e Burundi .............................................................................. 89

    Guin-Bissau...................................................................................... 99

    Lbia ................................................................................................. 103

    Serra Leoa ......................................................................................... 115

    Saara Ocidental ..................................................................................131

    I.2 Amricas ........................................................................................... 135

    Haiti ................................................................................................. 135

    I.3 sia ..................................................................................................141

    Afeganisto ....................................................................................... 141

    Timor Leste ....................................................................................... 151

    I.4 Europa e Cucaso ..............................................................................159

    Blcs ...............................................................................................159

    O Brasil no Conselho deSegurana 1998-1999

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:111

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    2/369

    2

    Bsnia e Herzegovina ......................................................................... 161

    Tribunal Penal Internacional Para a Ex-Iugoslvia (ICTY) ..........................169

    Kosovo..............................................................................................175

    Unpredep/Ex-Repblica Iugoslava da Macednia .................................. 193

    Chipre ............................................................................................... 197

    Gergia ............................................................................................. 199

    I.5 Oriente Mdio ...................................................................................203

    Iraque ............................................................................................... 203Lbano .............................................................................................. 227

    Repblica rabe Sria ..........................................................................229

    Situao nos Territrios rabes Ocupados ............................................. 231

    II. Itens Temticos ..............................................................................235

    Crianas em Conflitos Armados........................................................... 237

    Preveno de Conflitos .......................................................................247

    Terrorismo Internacional ...................................................................... 253Atividades Humanitrias e Refugiados ..................................................259

    Testes Nucleares no Sul da sia ........................................................... 281

    Proteo de Civis em Conflitos Armados .............................................. 285

    Construo da Paz Ps Conflito e Desarmamento, Desmobilizao e

    Reintegrao de Ex-Combatentes.........................................................299

    Armas Pequenas.................................................................................311

    III. Presidncia Brasileira do Conselho de Segurana ..........................317

    Relatrio da Presidncia Brasileira no Conselho de Segurana ................... 319

    Introduo.........................................................................................319

    frica ................................................................................................ 320

    Amricas ........................................................................................... 326

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:112

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    3/369

    3

    sia/Oriente Mdio/afeganisto ........................................................... 326

    Europa .............................................................................................. 330

    Trabalho dos Comits de Sanes ........................................................333

    Briefing Humanitrio.......................................................................333

    Declaraes Imprensa do Presidente do Conselho de Segurana .......... 334

    Resolues e Declaraes Presidenciais Adotadas Pelo Conselho

    de Segurana Em Janeiro de 1999 (Presidncia Brasileira) ...........................342

    Resolues ........................................................................................ 342

    Declaraes Presidenciais .................................................................... 354

    Notas ................................................................................................ 363

    Anexo

    Delegao Brasileira ao Conselho de Segurana 1998-1999 ................... 369

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:113

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    4/369

    4

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:114

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    5/369

    5

    CELSO AMORIM

    Na condio de Chefe da delegao brasileira ao Conselho de

    Segurana durante os dezesseis primeiros meses do binio 98-99, querocumprimentar meu sucessor, Embaixador Gelson Fonseca Jr., por organizaresta compilao e agradecer que me tenha gentilmente permitidooferecer sua prpria introduo algumas reflexes suplementares. Apublicao de pronunciamentos feitos pela delegao brasileira emreunies formais durante aquele intenso binio oferecer aos leitoresinteressados uma amostra representativa de como meu pas v temastrazidos ateno dos Estados Membros num perodo particularmenteatarefado e desafiador na histria recente do Conselho de Segurana.

    Os pronunciamentos emitidos durante sesses abertas representam

    um componente essencial no trabalho do Conselho de Segurana, namedida em que captam a posio dos membros do Conselho em diferentesmomentos do tratamento de temas especficos da agenda. Vale notar, aomesmo tempo, que os pronunciamentos no contam toda a histria.Como bem sabem aqueles que acompanham os trabalhos do Conselho, nas consultas informais que se realizam os debates mais interativos, emque as delegaes tm de investir seus recursos diplomticos se quisereminfluenciar os resultados. Num certo sentido, os pronunciamentos podemser comparados a fotografias; ao passo que as consultas, com sua dinmicapor vezes imprevisvel, poderia ser descrita com um drama que se desenrola,

    como no teatro ou num filme. Ainda assim, apesar das muitos pleitos pormaior transparncia, as consultas informais continuam a realizar-se emportas fechadas. dizer, o filme infelizmente no est disponvel aopblico geral, o que apenas aumenta a importncia das fotografias.

    A participao no Conselho de Segurana uma atividade de trabalhointensivo, que consome tempo, e que deve ser abordada com uma srie

    Prefcio

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:115

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    6/369

    6

    de prioridades. Um primeiro conjunto de preocupaes relacionava-se aoprprio sistema multilateral e seu embate com uma variedade de pressesque podem ser descritas como uma desordem unipolar, em que oselementos da unipolaridade coexistem com um certo grau demultipolaridade, ao passo que instantes de unilateralismo no excluem anegociao de solues multilaterais para as crises. Essas circunstncias,em razo de sua prpria natureza, limitaram, por um lado, a abrangnciado consenso, mas ofereceram tambm, por outro, oportunidade parauma diplomacia criativa. Valendo-se de sua vocao para o dilogo, oBrasil sublinhou o papel da diplomacia na promoo da paz e segurana,

    num momento por vezes marcado por suposies irrealistas quanto aopoder estabilizador da coero na forma de sanes ou ao militar. Emconformidade com a letra e o esprito da Carta, o Brasil consistentementedefendeu a exausto dos meios diplomticos antes de recorrer ao CaptuloVII. Isso no implicou uma indisposio em contemplar medidas vigorosaspara situaes graves, o que se ilustra por nossa posio quanto UNITAem Angola. No obstante a opo escolhida, nossa primeira consideraopermaneceu sendo a preservao e o aperfeioamento da autoridade doConselho de Segurana como o melhor caminho em direo a um sistemainternacional coeso e estabilidade duradoura.

    No contexto dessa preocupao mais ampla com a credibilidade e alegitimidade do Conselho, ateno particular foi devotada questo dassanes. Uma Nota sobre o Trabalho dos Comits de Sanes (documentoS/1999/92) foi adotada durante a Presidncia brasileira em janeiro de1999 que veio a culminar os esforos envidados por sucessivos Presidentesdo Conselho e nossa coordenao prvia na forma de um Grupo deTrabalho da Assemblia Geral. Esse documento ofereceu uma plataformade consenso h muito buscada para a introduo de melhorias nas prticasafetas aos regimes de sanes. O Brasil tambm assumiu papel decoordenao nas negociaes sobre uma resoluo voltada aofortalecimento dos embargos de armas na frica.

    Um segundo conjunto de preocupaes relacionava-se com temasreferentes a pases ou regies especficas, com nfase colocada no apenasna busca de solues negociadas e equilibradas para problemas em partesdo mundo de maior relevncia para nosso interesse nacional, mas tambmnas posies de princpio.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:116

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    7/369

    7

    Para nossa satisfao, a Amrica Latina esteve, no mais das vezes,ausente da agenda do Conselho, exceo do Haiti. De nossa perspectiva,contudo, o caso haitiano tinha menos a ver com paz e segurana, e maiscom a institucionalizao e o desenvolvimento econmico e social. Aodefendermos a atribuio de um papel ao ECOSOC nas tarefas dereconstruo para as quais o Conselho de Segurana carece dasferramentas apropriadas e de especialistas, esperamos haver ajudado aestabelecer um precedente til para manter-se o interesseintergovernamental no sofrimento de sociedades que emergem do conflitointerno. Apesar de alguma resistncia inicial da parte de alguns membros

    permanentes, reconheceu-se afinal que o artigo 65 da Carta abre apossibilidade, atravs do ECOSOC, para se tratar multilateralmente desituaes que no se conformam claramente competncia do Conselho.Por iniciativa do Brasil, o pargrafo 8 da resoluo 1212 abriu uma viapara se encaminhar o tema da construo da paz ps-conflito, quemerece evoluo futura.

    De uma perspectiva brasileira, Angola singularizou-se dentre asnumerosas questes africanas tratadas pelo Conselho. Dado ocomportamento anti-democrtico e belicoso da UNITA, em sistemticaviolao das resolues do Conselho de Segurana, no poupamos esforos

    para persuadir os Estados Membros a estreitarem as sanes em torno deJonas Savimbi e tivemos xito na mobilizao de apoio ao congelamentodas contas bancrias dos rebeldes e no banimento de sua exportao dediamantes. Uma reunio informal na Misso do Brasil junto ONU, quecongregou membros do Conselho e representantes de ONGs quedetinham informaes sobre o vnculo entre o comrcio de diamantes e aaquisio de armas por parte da UNITA, ajudou a pavimentar o caminhopara o estabelecimento de dois painis, presididos pelo Embaixador RobertFowler, do Canad que representaram importante divisor de guas notratamento por parte do Conselho da situao angolana.

    Mas nossa voz nem sempre prevaleceu, como se ilustra no conflitoentre Etipia e Eritria, quando nossa sugesto de estabelecimento deum embargo de armas num estgio em que um conflito de grandespropores ainda era evitvel encontrou oposio de algumas grandespotncias.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:117

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    8/369

    8

    Os dilemas com que se deparou o Conselho no tratamento da lutatnica na ex-Iugoslvia constitui um captulo complexo que desafia a sntese.Deve-se mencionar, contudo, que em seu propsito de manter umaateno equilibrada ante as mltiplas manifestaes de tenso nos Balcs,o Brasil foi chamado a assumir a Presidncia do Comit de Sanesestabelecido pela resoluo 1160 (1998) e teve a oportunidade dedesempenhar um papel de moderao na negociao de numerosos textos.Deve-se reconhecer, ao mesmo tempo, que as decises adotadas fora doConselho de Segurana em maro de 1999 deixaram pouco espao paraque aqueles que no estivessem envolvidos em processos paralelos

    pudessem desempenhar qualquer papel significativo.Ao assumir a Presidncia do Conselho de Segurana em janeiro de

    1999, encontrei um clima poltico particularmente adverso a minhastentativas iniciais de promover um debate construtivo sobre o Iraque apsos acontecimentos de dezembro de 1998. Vrias rodadas de consultasinformais, amparadas por conversaes bi e plurilaterais com os membrosdo Conselho e contatos regulares com o Secretrio-Geral, ofereceramterreno para a adoo, por consenso, no sbado, 30 de janeiro de 1999,da Nota contida no documento S/1999/100. Seu texto estabelece trspainis, sob minha Presidncia, em que se examinariam, respectivamente,

    o desarmamento seu monitoramento e verificao naquele instante ,aspectos humanitrios e a questo dos prisioneiros de guerra. Os relatriosdos trs painis foram submetidos aos membros do Conselho duas semanasantes da data estipulada para sua entrega. Creio que possvel afirmarque foram unanimemente bem recebidos e tornaram-se a base parafuturas negociaes. Isto foi amplamente reconhecido pelos membrosdo Conselho no momento da adoo da resoluo 1284, em dezembrode 1999, que incorporou muitas das recomendaes dos painis. Aoconsiderarmos que as Naes Unidas ainda tm de encontrar meios parasuperar o atual paradoxo, marcado, por um lado, pela falta de inspetoresda ONU no local, e, por outro, pela rdua situao humanitria relacionadaao regime de sanes, a simples reconstituio da capacidade do Conselhode Segurana de lidar com um tema to sensvel quanto o Iraque durante1999 pode ser considerada uma realizao em si mesma.

    Estes so apenas alguns aspectos daquilo que constitua um esforodirio que envolvia grande variedade de temas. Nosso papel em ajudar a

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:118

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    9/369

    9

    organizar o debate sobre a Lbia em maro de 1998, que preparou ocaminho para a suspenso das sanes, foi reconhecido por ambos osplos do debate. Da mesma forma, o Brasil desempenhou funo pioneirana promoo de briefings abertos quanto a temas humanitrios,ajudando assim a desfazer o vu de sigilosidade do qual o Conselho eraconstantemente acusado.

    Concluiria observando que, ao contrrio da sabedoria convencional que sugere estar o processo decisrio no Conselho de Seguranaunicamente nas mos dos P-5 nossa prpria experincia, a qual, creio, tambm compartilhada por muitas outras delegaes, aponta para a

    possibilidade de membros no-permanentes influenciarem o processo e at mesmo o resultado do tratamento de muitos temas, incluindoalguns da maior importncia.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:119

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    10/369

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1110

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    11/369

    Introduo

    GELSON FONSECA JR.,

    No binio 1998/1999, o Brasil serviu pela oitava vez como membroeleito do Conselho de Segurana. Com base nessa experincia, e pelo

    fato de estar situado numa regio onde prevalecem a paz e a tolerncia,o Brasil esteve mais uma vez numa posio privilegiada para desempenharum papel construtivo no Conselho de Segurana.

    O Conselho de Segurana tem funo crucial na garantia da paz esegurana internacionais. Nesse domnio, o nico rgo multilateralcuja legitimidade est fundada num instrumento legal aceitouniversalmente. Para um pas como o Brasil, que no aspira condio depotncia militar e ampara sua presena internacional na diplomacia e napersuaso, o sistema de segurana coletiva estabelecido pela Carta dasNaes Unidas representa a melhor esperana de uma ordem internacional

    equilibrada e dentro da lei.Nossa crena nos fundamentos do direito internacional inspira nossos

    esforos permanentes para o fortalecimento de uma ordem multilateralque fomente estabilidade e oportunidades para todos.

    Como membro do Conselho, o Brasil foi capaz de pr em prticanosso tradicional apoio ao fortalecimento dos mecanismos de soluopacfica de disputas, considerao de medidas coercitivas apenas emltimo recurso e primazia dos princpios da Carta das Naes Unidas. Aoexpressar nosso interesse nacional e regional, o foco central do Brasil semprese manteve na necessidade de fortalecer o multilateralismo e torn-lo a

    pedra angular da estabilidade num mundo em transio.O Brasil acredita firmemente que apenas um Conselho de Segurana

    verdadeiramente representativo, transparente e democrtico, que permitaum maior grau de participao dos Estados Membros, pode representaradequadamente os interesses da comunidade internacional. Comomembro do Conselho, o Brasil teve no apenas a oportunidade de

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1111

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    12/369

    12

    contribuir para o cumprimento das obrigaes do rgo sob a Carta dasNaes Unidas, mas tambm de trabalhar de dentro na tentativa deajudar a corrigir os muitos desequilbrios presentes nos procedimentos doConselho.

    Este livro uma compilao dos pronunciamentos feitos peladelegao brasileira em reunies formais do Conselho de Seguranadurante aquele perodo. Como os pronunciamentos por si s no podemoferecer um quadro exato do tema debatido, foi importante colocar cadadiscurso em perspectiva e explicar o contexto em que os debates foramrealizados. Cada grupo de pronunciamentos portanto precedido de um

    texto introdutrio, que visa a uma explicao do tema e da razo doenvolvimento do Conselho, descrevendo factualmente o tratamento doassunto durante o binio 1998/1999 e, da mesma forma, antecipando asprincipais linhas da posio brasileira com relao quele tpico. Paraaqueles no familiarizados com os procedimentos do Conselho, valeexplicar que esses pronunciamentos esto, em geral, relacionados a umaresoluo a ser formalmente aprovada durante uma reunio do Conselhode Segurana, aps haver sido negociada longamente, por vezes pelosmembros do Conselho em discusses informais.

    O livro dividido em trs principais sees, a primeira dedicada a

    itens da agenda relacionados diretamente situao em pases, regies esubregies especficas. Nessa seo, os itens esto divididos em 5 captulos,de acordo com os continentes, em ordem alfabtica. No por meracoincidncia, o primeiro captulo (frica) tambm o mais longo, o quedemonstra a predominncia dos temas africanos no Conselho deSegurana.

    A segunda seo principal contm os pronunciamentos realizadospelo Brasil durante reunies abertas do Conselho de Segurana para adiscusso de itens temticos. A realizao de encontros temticos tem-setornado uma tendncia crescente nos trabalhos do CSNU nos ltimosanos. Na seo II, uma ampla gama de temas trabalhados pelo Conselho que vo de consideraes humanitrias e terrorismo at matriasrelacionadas ao desarmamento est apresentada em nove captulos.

    Finalmente, a ltima seo reproduz o relatrio da presidnciabrasileira do Conselho de Segurana em janeiro de 1999, os trezepronunciamentos imprensa que o Brasil, na condio de Presidente, foi

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1112

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    13/369

    13

    autorizado a fazer em nome do Conselho, bem como as sete resolues,cinco declaraes presidenciais e duas notas adotadas pelo Conselhodurante aquele ms extremamente atarefado da presidncia brasileira.

    O livro apresenta uma viso panormica das posies manifestadaspela delegao brasileira nos muitos temas tratados pelo Conselho em1998 e 1999, da instabilidade e tragdia humana em diferentes pontosda frica ao impasse no Iraque, do conflito no Kosovo at o referendoem Timor Leste. No inteno oferecer uma anlise ampla e detalhadade cada situao, mas mostrar como os temas eram tratados peloConselho de Segurana e como as negociaes e perspectivas distintas

    eram solucionadas.O livro resultado do trabalho de grupo de funcionrios diplomaticos

    que serviram no Conselho de Segurana, listados no final do volume. Naedio final do texto, os Ministros Enio Cordeiro, Antonio Patriota e oSecretrio Leonardo Gorgulho deram contribuio fundamental para apreparao dos originais.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1113

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    14/369

    14

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1114

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    15/369

    15

    I.Regies e Temas Relacionadosa Pases na Agenda do Conselho

    de Segurana

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1115

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    16/369

    16

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1116

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    17/369

    17

    fricaNos anos de 1998 e 1999, a maioria das deliberaes do Conselho

    de Segurana esteve relacionada a situaes de instabilidade na frica.No momento em que o Brasil ingressou no Conselho de Segurana, em1998, mais de quinze conflitos ocorriam no continente. A natureza dositens relacionados frica vai de conflitos intra-estatais guerra defronteira; da implementao de embargos implementao de um planode paz.

    Os principais itens africanos na agenda do Conselho relacionavam-se a Angola, Burundi, Libria, Lbia, Repblica Centro Africana, Repblicado Congo (Brazaville), Repblica Democrtica do Congo, Ruanda, SerraLeoa, Somlia e o Saara Ocidental. Em pouco tempo, algumas fontesnovas e inesperadas de tenso emergiram, tais como os problemasdomsticos na Guin-Bissau, a guerra entre Eritria e Etipia e a expansoda guerra na Repblica Democrtica do Congo, at transformar-se numconflito regional de grande proporo envolvendo Ruanda e Uganda,Angola, Nambia, Zimbbue, Chade e Sudo.

    So muitas, e por vezes independentes, as causas de tal incidnciade tenses. Entre elas, a falta de soluo dos problemas do perodocolonial; o fim da guerra fria e a conseqente falta de interesse dasgrandes potncias no destino de conflitos de pequena escala que nomais afetam a balana de poder; rivalidades tnicas profundamenteenraizadas; inexistncia de regimes democrticos, etc. Na maioria dasvezes, no fcil distinguir entre causas e conseqncias, pois umasalimentam as outras num perverso fortalecimento mtuo. As

    conseqncias so conhecidas e particularmente duras sobre os civis: adeteriorao da situao humanitria, o fluxo de refugiados, a pobrezae a perda contnua de oportunidades de desenvolvimento e prosperidade.Embora algumas das solues para as crises africanas no se encontremdentre as competncias do Conselho de Segurana, natural que, aodesempenhar suas responsabilidades quanto paz e segurana, oConselho preste cada vez mais ateno situao na frica.

    frica I.1 frica

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1117

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    18/369

    18

    Alm da avaliao de conflitos especficos na frica (tratados noscaptulos seguintes deste livro), o Conselho tambm empreendeu nobinio 1998-99 um exame detalhado da situao do conflito como umtodo, baseado num relatrio abrangente preparado pelo Secretrio-Geral sobre as causas do conflito e a promoo da paz duradoura e dodesenvolvimento sustentvel na frica. A origem desse relatrio remontaao perodo anterior ao mandato brasileiro no Conselho de Segurana.Em 25 de setembro de 1997, na ocasio da abertura da 52aAssembliaGeral, o Conselho de Segurana, reunindo-se em nvel ministerial,solicitou ao Secretrio-Geral que preparasse um relatrio abrangente

    sobre os conflitos na frica e apresentasse sugestes para super-los epara lanar as bases de uma paz duradoura e do desenvolvimento.

    O relatrio, que tratou de todos os aspectos solicitados, foiapresentado ao Conselho pelo prprio Secretrio-Geral em 16 de abrilde 1998 (S/1998/318). O documento trata dos antecedentes histricos,dos fatores internos e externos e tambm das causas econmicas dosconflitos. Alm disso, sublinha-se a necessidade de uma estratgiaintegrada de longo prazo para se lidar com a complexa combinao deproblemas que afligem a frica. O membros do Conselho, que louvaramo documento, concentraram suas atenes nos aspectos de preveno

    do conflito, que o objeto do trabalho do Conselho.Em seus comentrios, o Brasil sublinhou a contribuio da frica

    ao mundo e especialmente seu papel cultural e demogrfico nodelineamento de novas sociedades que emergiram nas Amricas.Defendemos tambm a necessidade de se empreender um examedetalhado das causas dos xitos e fracasso das operaes de paz realizadasna frica.

    Como resultado do debate, o Conselho estabeleceu um Grupo deTrabalho (Resoluo 1170), presidido pelo Representante Permanentedo Gabo, de modo a preparar recomendaes e modalidades para aimplementao de partes especficas do relatrio do Secretrio-Geral. OGrupo de Trabalho, por seu turno, decidiu estruturar suas atividades combase nos seguintes grupos de peritos:

    fortalecimento da efetividade dos embargos de armas (lideradopelo Brasil);

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1118

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    19/369

    19

    a promoo da paz na frica por meio do fortalecimento dasorganizaes regionais e sub-regionais africanas (liderado pela Gmbia);

    comrcio ilcito de armas pequenas (liderado pelo Japo); mecanismos de manuteno da paz na frica (liderado pela

    Sucia); status e tratamento de refugiados (liderado pelos Estados Unidos); relacionamento do Conselho de Segurana com alianas regionais

    na manuteno da paz (liderado pelo Reino Unidos).Os grupos trabalharam em base regular nos meses seguintes. Tendo

    concludo as discusses de trs dessas reas tanto nos grupos de trabalho

    como em consultas informais, o Conselho de Segurana aprovou, em 6de setembro, uma semana antes da Reunio Ministerial convocada paraexaminar o processo de implementao do relatrio do Secretrio-Geral,as seguintes decises (os textos restantes foram finalizados emnovembro):

    Resoluo 1196: Fortalecimento da efetividade dos embargos dearmas na frica, pela qual todos os Comits de Sanes estabelecidospelo Conselho foram instados a incluir em seus relatrios uma seosobre a implementao do embargo e que estimulou os Estados Membrosa adotarem legislao que torna a violao de tais embargos ofensa

    criminal;Declarao Presidencial 27: Causas do conflito, promoo da paz

    na frica, que enfatiza o fortalecimento da capacidade da frica emparticipar de todos os aspectos das operaes de paz como prioridadechave, e que estimula a cooperao, especialmente para a capacitao;

    Resoluo 1197, de 18 de setembro de 1998, intituladaFortalecimento dos mecanismos de manuteno da paz na frica, quesolicita aos Estados Membros oferecerem apoio adicional para que forasarmadas africanas sejam preparadas a tomarem parte em misses depaz.

    Em 24 de setembro de 1998, durante a semana de abertura da53a Assemblia Geral, o Conselho de Segurana reuniu-se em nvelministerial sob a presidncia da Ministra das Relaes Exteriores da Sucia,Senhora Hjelm-Walln. O Presidente Blaise Compaor, de Burkina Faso,na qualidade de presidente da OUA, tambm compareceu reunio. OSecretrio-Geral Kofi Annan e os quinze membros do Conselho

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1119

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    20/369

    20

    discursaram. Em seu pronunciamento, o Ministro das Relaes Exterioresdo Brasil, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, sublinhou que, em meio persistente luta, viam-se sinais de renascimento na frica. Ele enfatizoua importncia do desenvolvimento tanto como objetivo de longo prazocomo componente necessrio de qualquer estratgia voltada resoluodo conflito. O Brasil tambm asseverou o papel da diplomacia napreveno e limitao da expanso dos conflitos, como se mostrou pelasatividades da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa no caso deGuin Bissau.

    Ao fim da reunio ministerial, o Conselho de Segurana adotou

    declarao presidencial (S/PRST/1998/29) que inter alia sublinha anecessidade urgente de que os Estados Membros, o sistema das NaesUnidas, incluindo a Assemblia Geral o Conselho Econmico e Social, asinstituies financeiras internacionais e outras organizaes pertinentesconsiderem aes apropriadas, de modo a responder s recomendaesabrangentes apresentadas pelo Secretrio-Geral em seu relatrio.

    A referncia ao ECOSOC foi introduzida pelo Brasil e havia sidoinicialmente objeto de forte resistncia por parte de alguns membrosdo Conselho. Como o relatrio do Secretrio-Geral apontava que muitasdas causas de conflitos encontravam-se fora do domnio do Conselho

    de Segurana, o Brasil sugeriu a ativao do artigo 65 da Carta dasNaes Unidas como meio de promover a interao entre o Conselhode Segurana e o ECOSOC em temas relativos construo da paz ps-conflito.

    No ltimo trimestre de 1998, o Conselho de Segurana adotoudecises nas outras reas examinadas pelos grupos de trabalho restantes:

    - Status e tratamento de refugiados, de que tratou a resoluo1208, adotada em 19 de novembro, que enfoca a segurana nos camposde refugiados na frica e aspectos civis e humanitrios; buscava evitar ouso de campos de refugiados como base de treinamento de rebeldes,como estava ocorrendo na RDC e, no obstante as aes empreendidaspelo pas-anfitrio, na Tanznia;

    - Fluxos ilegais de armas, matria da resoluo 1209, tambmde 19 de novembro. Estimula-se o Secretrio-Geral a avaliar medidas deidentificao de negociantes internacionais de armas que atuam emcontraveno legislao nacional e aos embargos das Naes Unidas

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1120

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    21/369

    21

    de transferncias de armas de e para a frica. O trfico ilcito de pequenasarmas e de armas leves em todos os seus aspectos ganhou (comofenmeno mundial, no apenas restrito frica) considervel atenode vrios rgos das Naes Unidas durante 1998 e 1999, incluindo areunio ministerial do Conselho de Segurana em setembro de 1999.

    - Finalmente, o grupo de trabalho sobre alianas regionais namanuteno da paz levou elaborao da declarao presidencial 35,de 30 de novembro de 1998, que recordou o captulo VIII da Carta daNaes Unidas (artigos 52, 53 e 54) e instou as organizaes regionais agarantirem que o Conselho de Segurana esteja plenamente informado

    de suas atividades sobre a manuteno da paz e segurana. Buscavapromover a interao entre o Conselho de Segurana e organizaessub-regionais, como a Comunidade Econmica dos Estados da fricaOcidental (ECOWAS) e a Comunidade de Desenvolvimento Econmicodo Sul da frica (SADC). Tambm refletia a preocupao dos pasesafricanos em participarem mais efetivamente da manuteno da paz nocontinente, aps o fracasso das intervenes multinacionais na Somliae em Ruanda, que produziram desastres humanitrios.

    Muitos dos debates temticos abertos, realizados pelo Conselho deSegurana nos meses seguintes (ver Captulo 2 deste livro), abordaram

    aspectos relacionados frica. Na discusso sobre refugiados, proteode civis, construo da paz ps-conflitos, crianas e conflitos armados eoutros temas, o Conselho devotou muitas vezes ateno especial frica,embora reconhecesse que essas questes no se referem exclusivamentequele continente.

    As causas dos conflitos na frica, como item da agenda, voltou aoprograma de trabalho do Conselho um ano mais tarde, sob a presidnciados Pases Baixos. Em 21 de setembro de 1999, o Presidente Frederick J.T. Chiluba, da Zmbia, apresentou ao Conselho seus esforos parapromover uma soluo para a situao na Repblica Democrtica doCongo e, em 29 de setembro, o Conselho organizou debate aberto emtorno do relatrio de seguimento do Secretrio-Geral (S/1999/1008)sobre a implementao de seu documento anterior, que trata das causasde conflito e a promoo da paz duradoura e do desenvolvimentosustentvel na frica.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1121

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    22/369

    22

    O relatrio de seguimento cobriu o perodo de abril de 1998 asetembro de 1999. O Secretrio-Geral Kofi Annan alertou a comunidadeinternacional para o fenmeno do afro-pessimismo e da afro-fatiga.Ele indicou que a persistncia de situaes de conflitos requeria esforose recursos renovados da comunidade internacional, incluindo dos prpriospases africanos. O Secretrio-Geral tambm apontou para o fato deque havia evolues positivas na frica, como a clusula democrticaformal adotada pela Cpula da OUA, realizada em Argel, em julho de1999, e a restaurao da democracia na Nigria.

    No debate que se seguiu ao pronunciamento do Secretrio-Geral,

    o Representante Permanente do Brasil enfatizou nossos esforos paraparticipar de operaes de paz e promover cooperao no treinamentode recursos humanos africanos. Ao asseverar a contribuio da frica construo da nacionalidade brasileira, sublinhou que o Conselho deSegurana era ainda demasiado tmido na resposta aos apelos africanos.Apoiou a mensagem do Presidente Chiluba no sentido de que o Conselhodeveria realizar aes mais efetivas para apoiar a soluo dos conflitos.O Representante brasileiro tambm evidenciou as histrias de sucessona frica, como o fim do apartheid, o restabelecimento pacfico dademocracia na Nigria e a consolidao da paz em Moambique. Nenhuma

    deciso formal sobre este item foi adotada naquela ocasio.A situao na frica foi mais uma vez objeto de debate aberto em

    15 de dezembro de 1999, ocasio em que o Conselho de Seguranadiscutiu a parceria das Naes Unidas com a frica. O Conselho foi entopresidido pelo Ministro de Estado britnico para Assuntos Estrangeirose da Commonwealth, que props uma troca informal de pontos devista baseada nas seguintes questes:

    a) Como podem os Estados Membros incrementar a coordenaoe cooperao entre o Conselho de Segurana, a OUA, e organizaessub-regionais?

    b) Como podemos responder s necessidades da frica no que tocas operaes de paz de maneira mais efetiva e rpida?

    c) Que instrumentos adicionais o Conselho pode utilizar parasolucionar, e, se possvel, prevenir os conflitos na frica?

    Foi realizado um debate bastante produtivo, em que os membrosse beneficiaram de um ambiente mais informal, em lugar de lerem

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1122

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    23/369

    23

    pronunciamentos preparados de antemo.O mandato brasileiro no Conselho de Segurana encerrou-se em

    31 de dezembro de 1999. O ms de janeiro de 2000, sob a presidnciados Estados Unidos, foi declarado Ms da frica no Conselho deSegurana. Valendo-se da experincia acumulada em seus dois anos departicipao ativa, o Brasil tambm interveio no debate aberto daquelems concernente ao impacto da AIDS/HIV no continente. Nossopronunciamento naquela ocasio tambm est includo abaixo. Em 1999e 2000 observou-se crescente conscientizao quanto ao sofrimentohumanitrio associado ao conflito no Chifre da frica e na frica sub-

    saariana. Em 2000, o Conselho tambm empreendeu aes voltadas aocombate do trfico ilcito de diamantes, que alimenta a maioria dasmaquinas de guerra no continente.

    O Brasil, imagem do que vem fazendo em outros foros, contribuiucom as discusses do Conselho sobre a situao africana da perspectivade um pas cuja histria, cultura e povo esto estritamente relacionadas frica. Na condio de pas geogrfica e etnicamente prximo dafrica, que desfruta de excelente relacionamento com as delegaesafricanas no Conselho, o Brasil sublinhou no CSNU a ampla dimenso ecomplexidade dos problemas que afligem o Continente. Destacou em

    igual medida a ineficcia de solues baseadas em frmulas pr-concebidas e a importncia de se levar em plena considerao o pontode vista das lideranas africanas. O Brasil tambm considera necessrioaproveitar a experincia dos aspectos e acontecimentos positivos nocontinente. A situao africana tem de ser considerada num espritoque afasta esteretipos, compreende a enorme diversidade do continentee lida individualmente com cada crise em suas dimenses particulares.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1123

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    24/369

    24

    A frica civiliza a Amrica. Essas palavras, ditas por um pensadorpolitico brasileiro do sculo XIX, so verdadeiras em mais de um sentido.Em poucos lugares a influncia africana foi sentida mais intensamente do

    que no Brasil. Nossa cultura, nossas crenas, nossos valores a prpriamaneira pela qual expressamos nossa criatividade foram moldadas emgrande medida por contribuies africanas. portanto natural que oBrasil tenha se envolvido ativamente em grande nmero de iniciativasmulti e bilaterais que buscam estimular as foras de paz e conciliao nafrica. Tal o caso da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP),a Zona de Paz e Cooperao do Atlntico Sul e o esforo de formao deum Hemisfrio Sul livre de armas nucleares alm de nossa forteparticipao nos esforos de paz em Angola e Moambique.Acompanhamos com grande interesse os debates realizados em setembro

    ltimo durante a reunio ministerial, sem precedentes, do Conselho deSegurana sobre a frica, e estamos satisfeitos em participar dasdeliberaes de hoje.

    A frica , ao mesmo tempo, nica em seu legado cultural e histrico,e um rico e profundo repositrio de nossa humanidade comum. Aotratarmos da frica como um tema em separado, no devemos perderde vista a dimenso universal de seu carter individual. A outorga doPrmio Nobel de Literatura a no menos que trs eminentes escritoresafricanos nas ltimas dcadas representa ao mesmo tempo oreconhecimento do valor duradouro de suas tradies especficas e um

    tributo brilhante reflexo sobre o sofrimento da humanidade como umtodo.

    Num passado recente e noutro nem tanto, o destino da frica foiobjeto do que o Presidente Mugabe cunhou, de forma generosamentemodesta, uma indevida e no mais das vezes fragmentria interfernciaestrangeira. O trauma da escravido e a manipulao brutal por foras

    Pronunciamento do Embaixador CELSO AMORIM,Representante Permanente

    A Situao na frica (Pv. 3875)24 de abril de 1998

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1124

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    25/369

    25

    externas talvez no sejam jamais eliminadas por completo da memriacoletiva africana. Contudo, como um nmero crescente de iluminadoslderes africanos enfatizam, lidando criativa e efetivamente com asprivaes do presente que os horrores do passado sero superados e asperspectivas para o futuro tornar-se-o mais brilhantes. Este processoimplica tratar de episdios trgicos de devastao auto-infligida, dos quaisa frica pode aprender a liberar-se valendo-se dos paradigmas de suasantigas civilizaes. No esqueamos que muito antes do tema da soluode conflitos ser tratado por think-tanks no mundo desenvolvido,floresceu nos conselhos de ancios das sociedades africanas pr-coloniais.

    Na imagem cclica dos conceitos existenciais do Yorub, o tratamentoe a reconstruo que se requerem neste importante estgio da evoluoafricana poderiam ser simbolicamente colocados sob os auspcios deObatal ou Oxal o Deus que representa a ascenso da psiqu humana,na qual as virtudes da acomodao social e individual so armazenadas:pacincia, compaixo e serenidade. A luta exitosa contra o racismoinstitucionalizado na frica do Sul oferece exemplo portentoso datransformao redentora por meios pacficos, o que coloca seu lder,Presidente Nelson Mandela, numa categoria sem paralelo no mundocontemporneo. Em nosso prprio contexto, nas Naes Unidas, a

    liderana demonstrada por um Secretrio-Geral que tem sido capaz deexercer os poderes da diplomacia mesmo junto aos mais cticos fontede valiosa inspirao.

    Somos de fato gratos ao Secretrio Kofi Annan por haver fornecidoao Conselho de Segurana um relatrio que se concentra nas causas doconflito e da promoo da paz duradoura e do desenvolvimentosustentvel na frica. Suas anlises e recomendaes objetivas demandamum exame cuidadoso no apenas por parte do Conselho de Segurana,mas tambm da Assemblia-Geral, do Conselho Econmico e Social e deoutros componentes do sistema das Naes Unidas. Nas semanas e mesesque viro, ser nossa tarefa tratar do modo mais eficiente possvel dassugestes feitas pelo Secretrio-Geral, para que nossa aprimoradaconscientizao dos desafios que a frica enfrenta possa ser rapidamentetraduzida em um progresso tangvel.

    A frica no precisa ser definida como um continente atolado emconflitos. Como amplamente reconhecido, h vrias partes da frica

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1125

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    26/369

    26

    em que a paz e o crescimento econmico enrazam-se. Se concentramosnossas observaes naqueles segmentos do relatrio do Secretrio-Geralque tratam de conflitos, porque esta sem dvidas uma rea deresponsabilidade do Conselho de Segurana.

    Vamos refletir sobre a necessidade de consistncia na busca desolues para reas em crise. A erupo de formas de violnciaintercomunais, entre outras, que testemunhamos em anos recentes naSomlia, na Regio dos Grandes Lagos e na Libria no so intrinsicamentediferentes das situaes em outras partes do mundo.

    O Secretrio-Geral declara em um dos pargrafos finais de seu

    relatrio que:A frica tem de demonstrar a vontade de valer-se de respostas

    polticas, e no militares, para seus problemas. (S/1998/318, pargrafo105)

    Acreditamos que este um postulado que se aplica a todas as partesdo mundo. E mais, deve tambm ser aplicado aos esforos das NaesUnidas na promoo da paz e segurana.

    Apreciamos a abordagem baseada em lies aprendidas que oSecretrio-Geral adota no exame da experincia recente das Naes Unidasem operaes de paz na frica. Mas alguns erros do passado merecem

    esclarecimento adicional. Se as memrias da Somlia nos so toperturbadoras, isso se deve indubitavelmente ao impacto negativo para acredibilidade das Naes Unidas que resultou do fenmeno que veio a serconhecido como atravessando a linha Mogadishu, ou foi descrita comomisso calafrio na ex-Iugoslvia em outras palavras, confundindo-semanuteno da paz com estabelecimento da paz. Teramos sriasdificuldades conceituais com uma agenda das Naes Unidas que parecepriorizar a diplomacia e o dilogo num nvel local enquanto assume umapostura militar no que concerne aos esforos multilaterais. Embora odesenvolvimento de operaes com capacidade crvel de dissuaso possaser necessrio em situaes de gravidade extrema, devemos fugir tentao de buscar solues predominantemente militares a problemasque requerem sobretudo dilogo e diplomacia.

    Cumprimentamos o Secretrio-Geral por incluir em seu relatrio umaseo acerca da proliferao de armas na frica. Concordamos com suaconcluso de que o Conselho de Segurana deve tratar desse assunto em

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1126

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    27/369

    27

    carter de urgncia. Para dar significado operacional a esta recomendao,um mecanismo apropriado deve ser elaborado para propr e implementarmodos de combater o fluxo ilcito de armas s reas em conflito. Umamaior participao dos pases africanos no Registro de Armas Convencionaisdas Naes Unidas contribuiria tambm para construir confiana em reasinstveis. Tambm estamos de acordo com a perspectiva geral sobre sanesdo relatrio, em particular quando sugere que, embora embargos efetivosde armas diminuam a capacidade dos beligerantes em manter lutasprolongadas, sanes econmicas indiscriminadas tendem a afetar maisdiretamente a populao civil do que os responsveis pelas ameaas

    paz.Vemos mrito na distino entre causas internas e externas do conflito

    na frica, como prope o relatrio. Mas vale ter em mente que mesmo ascausas internas tm em geral um componente externo. impossvel dissociara proliferao de ditaduras durante as dcadas iniciais do perodo ps-colonial da rivalidade bipolar da Guerra Fria. Os arsenais acumulados poralguns dos mais repressivos regimes da frica em dcadas passadas, sejacom o apoio aberto ou velado de potncias externas, teve conseqnciasparticularmente negativas que se estenderam at os anos 90.

    Ao passo que os anos recentes foram, no mais das vezes, marcados

    por violncia, desintegrao e mesmo genocdio, os ventos da mudanaque sopraram pela frica tambm trouxeram esperana. Mas para que asforas positivas de mudana e reforma na frica possam avanar, precisoum novo e mais iluminado esprito de cooperao por parte daquelesatores internacionais capazes de mudar o rumo dos acontecimentos. Nessesentido, dada a moldura histrica dos ltimos sculos, nos quais sociedadestradicionais africanas foram sujeitas explorao e desestabilizaosistemticas, tratar de temas africanos com traos de superioridade moral simplesmente inconcebvel. A comunidade internacional deve responderde forma criativa evoluo positiva dos acontecimentos na frica e reagiraos menos positivos mediante um dilogo construtivo e atento com osprprios africanos. O objetivo de tal dilogo no deve ser a imposio deconcluses estabelecidas unilateralmente, mas auxiliar os prpriosafricanos, quando tal assistncia for requerida, a elaborarem soluesapropriadas e a torn-las efetivas.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1127

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    28/369

    28

    Estamos de acordo com a necessidade de uma abordagem ordenadae baseada em princpios no que concerne assistncia humanitria. Nessecontexto, deve-se ter em mente duas importantes preocupaes. Emprimeiro lugar, tendo-se em conta que outros rgos da ONU tambmso responsveis pelo encaminhamento de problemas humanitrios, sernecessrio desenvolver mecanismos apropriados para uma coordenaoeficiente. O segmento humanitrio do Conselho Econmico e Social, aoqual o Secretrio-Geral referiu-se em suas propostas de reformas, poderiadesempenhar tal papel. Em segundo lugar, e com base nas liesaprendidas no passado, o Conselho de Segurana deve ser cuidadoso e

    no permitir que a ao humanitria torne-se pretexto disfarado para ocumprimento da agenda poltica individual de qualquer Estado especfico.No que toca ao sofrimento de refugiados e pessoas deslocadas, a propostapara o estabelecimento de um mecanismo de auxlio a pases anfitriesna manuteno da segurana e neutralidade de campos de refugiadosmerece uma aprofundada anlise positiva.

    Notamos com satisfao as observaes do relatrio que relacionama assistncia emergencial reconstruo e ao desenvolvimento.Acreditamos que h necessidade urgente de elaborao de modosapropriados de se lidar, no nvel intergovernamental, com a canalizao

    da assistncia a reas que saem de situaes de conflito. O Secretrio-Geral parece haver compreendido plenamente um aspecto essencial dessapreocupao quando afirma, no parfrago 67 do relatrio, que devemos:

    Evitar situaes em que as condicionalidades impostas so a anttesedo processo de paz.

    Na busca de rgos intergovernamentais adequados para lidar coma transio de operaes de paz para a reconstruo, a Carta das NaesUnidas pode oferecer-nos alguma ajuda. Minha delegao estariaparticularmente interessada em examinar maneiras de ativar o Artigo 65,que trata da assistncia do Conselho Econmico e Social ao Conselho deSegurana.

    As Naes Unidas mostraram-se fundamentais ao trazer paz e alivioa muitas reas da frica, seja por meio das operaes de paz, seja pelosmuitos programas voltados melhoria de vida dos mais necessitados.Infelizmente, contudo, estes esforos permanecem insuficientes.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1128

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    29/369

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    30/369

    30

    Nas palavras recentes de um professor africano, a alterao dospadres da poltica global desde o fim da Guerra Fria reposicionaram

    radicalmente o continente africano na histria mundial contempornea.Uma nova era de rpidas e profundas transformaes na frica trouxe ocontinente ao primeiro plano da agenda internacional. Os conflitos sotalvez o lado mais visvel e perturbador desse processo de mudana. Senos reunimos em nvel ministerial no Conselho de Segurana pelo segundoano consecutivo para examinar a situao na frica, porque ondas deviolncia continuam a provocar danos em sociedades que j suportaramo sofrimento e a explorao por um perodo demasiado longo.

    Mas h tambm sinais de esperana e renascimento na frica. Atransio pacfica para o regime democrtico na frica do Sul destaca-se

    como ilustrao do que alguns chamaram renascena africana. Oexemplo de persistncia na luta pela liberdade e dignidade humanaoferecido pelo Presidente Nelson Mandela permanece como fonte deinspirao para todos os que lutam pela justia e pela democracia. Osafricanos finalmente reconquistaram seu prprio destino e uma novagerao de lderes africanos est emergindo com voz poderosa e madura.Em nosso meio, podemos valer-nos do talento do Secretrio-Geral KofiAnnan, nobre representante da tradio Ashanti, que est trazendo umrenovado brilho ao conceito de diplomacia em assuntos mundiais.

    O desafio que a comunidade internacional e as Naes Unidas

    enfrentam o da promoo da estabilidade de modo a fortalecer aquelesna frica que permanecem comprometidos com o dilogo e areconciliao. Estamos convencidos de que a grande maioria dos africanosest ansiosa para devotar sua energia e criatividade reconstruoeconmica e social numa atmosfera de tolerncia e solidariedade. Comopas que tanto deve sua identidade vitalidade de seu legado africano, o

    Pronunciamento do Ministro das Relaes Exteriores,LUIZ FELIPE LAMPREIA

    A Situao na frica (Pv. 3931)24 de setembro de 1998

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1130

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    31/369

    31

    Brasil est determinado a desempenhar seu papel no enfrentamento dessedesafio.

    O Brasil tem-se envolvido ativamente em vrias iniciativas bi eplurilaterais voltadas promoo da paz na frica e em outras partes. Oexemplo do estabelecimento da Comunidade dos Pases de LnguaPortuguesa (CPLP) e a Zona de Paz do Atlntico Sul, assim como o esforopara a formao de um Hemisfrio Sul livre de armas nucleares, fala porsi s. Como contribuinte de tropas s operaes de paz em Angola eMoambique, o Brasil demonstrou apoio inequvoco reconciliaonacional nessas duas naes irms. Continuaremos a favorecer um exame

    profundo das causas do conflito na frica, com vistas a promover umapaz duradoura e o desenvolvimento em todas as partes do continente.

    Em seu arguto relatrio intitulado as causas do conflito e a promooda paz duradoura e o desenvolvimento sustentado na frica, o Secretrio-Geral Kofi Annan afirmou que

    O desenvolvimento um direito do homem e o principal objetivo delongo prazo de todos os pases na frica. (S/1948/318, pargrafo 79).

    Concordamos com essa afirmao e com a idia de queO desenvolvimento tambm fundamental s perspectivas de

    reduo do conflito na frica. (ibid.)

    Uma combinao de fatores internos e externos colocou, contudo,os esforos da frica voltados superao da pobreza merc de umainstabilidade crnica. Os subprodutos perversos deixados por um legadotrgico de manipulao por parte de potncias externas no qual sedestaca a rede de comrcio ilcito de armas pavimentaram o caminhopara muitos dos ferimentos auto-infligidos em anos recentes, da Somliae Ruanda at Serra Leoa. Por algum tempo, a ampla maioria desses conflitosparecia ter uma natureza intra-estatal. Mais recentemente, contudo, aameaa de conseqncias transfronteirias tem colocado o Conselho deSegurana num novo nvel de alerta. A situao na Repblica Democrticado Congo apenas um dos vrios sinais preocupantes daquilo que sepode converter numa nova perigosa tendncia.

    Na medida em que o Conselho de Segurana busca concentrar-sede maneira mais efetiva na frica, um compromisso poltico sustentado necessrio, para evitar que a trgua frgil em muitas partes do continenteseja substituda por lutas mais sangrentas. O Conselho tem de investir sua

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1131

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    32/369

    32

    autoridade moral e utilizar toda sua gama de recursos diplomticos napromoo da paz e estabilidade. H indcios de que o Conselho possaestar comeando a responder. O estabelecimento de uma operao depaz na Repblica Centro Africana pode ser visto como uma evoluopositiva aps trs anos de relutncia por parte do Conselho em autorizara presena de foras de paz no continente. A operao das Naes Unidasque tem ajudado a consolidar o processo de paz em Serra Leoa pode sercitada como outra prova do compromisso do Conselho com a frica.

    A nosso ver, o Conselho e as Naes Unidas como um todo devemintensificar seu trabalho em pelo menos duas reas.

    Um trabalho adicional necessrio para aprimorar a capacidade dosEstados africanos de desenvolver seus prprios mecanismos de prevenoe soluo de conflitos. Os pases da regio podem eles mesmos alcanarprogressos com o apoio atento e o encorajamento da comunidadeinternacional. Em Guin-Bissau, a CPLP tem trabalhado com xito,juntamente com a Comunidade Econmica de Estados da frica Ocidental,para normalizar as condies do pas e evitar uma guerra civil. Um cessar-fogo tem sido mantido e pode pavimentar o caminho para ainda maisprogressos.

    Em segundo lugar, o Conselho de Segurana deve voltar sua ateno

    ao fluxo ilegal de armas na frica e fortalecer a efetividade dos embargosde armas imposto pelo Conselho. O fluxo contnuo de armas para a fricareduz as possibilidades de paz e consome recursos preciosos que de outraforma poderiam estar a servio do desenvolvimento. As decises tomadaspelo Conselho na semana passada podem ser vistas como passo positivonessa direo.

    Estas so reas que pertencem legitimamente esfera de competnciado Conselho de Segurana. Para que se possa realizar a importante tarefada erradicao das razes que causam o conflito na frica, necessriovaler-se tambm do envolvimento ativo de outros rgos relevantes dasNaes Unidas. A Assemblia Geral e o Conselho Econmico e Social devemem particular exercer suas responsabilidades no que toca s idiasapresentadas no relatrio do Secretrio Geral que se relacionam aodesenvolvimento scio-econmico.

    Minha Delegao aproveita esta oportunidade para enfatizar anecessidade de um esforo diplomtico intenso e urgente para reverter o

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1132

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    33/369

    33

    atual cenrio sombrio em Angola. A repetida falta de respeito ao Protocolode Lusaca por parte de Jonas Savimbi simplesmente inaceitvel. Adesmilitarizao completa da UNITA e a concluso do processo de extensoda administrao do Estado so condies essenciais para que o processode paz volte a progredir. O desrespeito contnuo por parte de Savimbi sdecises do Conselho de Segurana no pode ser tolerado.

    As Naes Unidas continuam a representar a melhor esperana paramilhes de africanos que sofrem com as agruras do conflito, seja comovtimas de minas terrestres seja como refugiados ou pessoas deslocadasinternamente, ou mesmo como expectadores involuntrios da fome e

    destruio indiscriminadas. Devemos nos comprometer a trabalharjuntamente com aqueles na frica e fora dela que como o Secretrio-Geral Kofi Annan e a Senhora, madame Presidente acreditam que possvel transformar a tragdia do passado recente na frica numa novarealidade uma nova realidade que permitir brava gente dessa terraantiga desfrutar da segurana humanitria e das oportunidadeseconmicas que busca e merece.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1133

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    34/369

    34

    Somos gratos a Vossa Excelncia, Senhor Presidente, pela iniciativade convocar esta reunio. uma medida que demonstra a continuadaateno dos Pases Baixos ao desenho de uma ordem internacional de

    paz e prosperidade. Somos tambm gratos ao Secretrio-Geral por seurelatrio abrangente e objetivo sobre o tema que hoje examinamos.

    Gostaria tambm de agradecer ao Senhor Salim A. Salim, Secretrio-Geral da Organizao da Unidade Africana (OUA), por seupronunciamento, bem como ao Representante Permanente da Arglia,que falou em nome do Presidente da OUA. Essas contribuies soaltamente valiosas ao trabalho do Conselho.

    O Brasil tem fortes laos com a frica. Em grande medida, aosafricanos que devemos o molde de nossa nacionalidade. Falamos dosafricanos como irmos e sempre num esprito de solidariedade. Temos

    muitas formas de cooperao efetiva com os pases africanos. No nvelbilateral, por exemplo, recebemos mais de 1800 estudantes de pasesafricanos. Multilateralmente, devo mencionar a participao do Brasil nasoperaes de paz em Angola.

    Atravs de nossa histria, temos aprendido com os africanos. Notemos conselhos a dar ou lies a oferecer. Ainda assim, bvio quevemos certos temas africanos com preocupao, em especial a persistnciade conflitos armados e obstculos que continuam a impedir o processode estabelecimento das bases para o desenvolvimento sustentvel em todoo continente.

    portanto natural que a frica seja objeto de uma srie de aesespecficas das Naes Unidas. A prioridade africana refletida em muitasiniciativas, exemplos recentes disso so a Nova Agenda para oDesenvolvimento da frica nos Anos 90, a Iniciativa Especial para aimplementao dessa Agenda, e o importante relatrio do Secretrio-

    Pronunciamento do EmbaixadorGELSON FONSECA JR.,Representante Permanente

    A Situao na frica (Pv. 4049)29 de setembro de 1999

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1134

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    35/369

    35

    Geral sobre as causas do conflito e da paz duradoura e do desenvolvimentosustentvel na frica.

    O considervel xito alcanado na construo da paz e da democraciana frica fonte de satisfao para todos ns. Da mesma forma,frustraes acumuladas enfatizam a responsabilidade coletiva de apoiaros esforos da frica na superao de conflitos e da pobreza. Isso evidenciaa necessidade de a comunidade internacional demonstrar, comdeterminao e atravs de feitos concretos, sua vontade de fazer mais ede ser mais ativa e efetiva em seus esforos na cooperao com a OUA, ospases da frica e suas organizaes subregionais.

    O Conselho de Segurana tem lidado com os conflitos da frica assimque esses emergem, mas as aes que tem empreendido permanecemmuito tmidas. Como foi recentemente indicado pelo Ministro das RelaesExteriores do Brasil, cresce a cada dia entre ns a percepo de que h umdescompasso permanente entre palavras e aes. Parece que a comunidadeinternacional se sente compelida a atuar conjuntamente na mobilizao davontade poltica e dos instrumentos necessrios somente aps os problemasj terem piorado a tal ponto que extremamente difcil resolv-los.

    O que est acontecendo em Angola claro exemplo de um conflitoa que, apesar das consequncias desastrosas conhecidas por todos, no

    foi dada a prioridade necessria por parte da comunidade internacional.Na mesma linha, o Presidente Chiluba, em seu recente pronunciamentono Conselho, fez apelo eloqente por uma ao mais efetiva do Conselhono apoio soluo de conflitos na frica. Apoiamos fortemente amensagem do Presidente Chiluba.

    de grande importncia que as aes e decises dos prpriosafricanos determinem o que acontece na frica. Nesse contexto, h muitasrealizaes e tendncias positivas que so de exclusiva responsabilidadedos africanos. Primeiramente, o esforo para democratizar-se. O exemploda extraordinria transio na Nigria pode ser acrescentado a outrosprocessos, cujo impacto e significado estendem-se para muito alm dasfronteiras nacionais.

    O processo de democratizao na frica, inequivocamente apoiadopelas resolues da OUA, decisivo no apenas no estabelecimento deuma cultura de participao e respeito aos direitos humanos, mas tambmna promoo das condies bsicas de estabilidade para o

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1135

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    36/369

    36

    desenvolvimento. Isso porque o quadro normativo que resulta dosprocessos democrticos inerentemente estvel e imune a atos arbitrrios. portanto garantia do estabelecimento e manuteno das condiesnecessrias para a segurana do investimento econmico.

    A segunda tendncia positiva, que se iniciou com a eliminao doapartheid na frica do Sul, a capacidade africana de elaborar uma culturade tolerncia mesmo nas condies mais adversas. O grande lder mundial,Nelson Mandela, estabeleceu um exemplo que se estende muito almdas fronteiras nacionais e deve servir como inspirao para que os pasesafricanos libertem-se dos males da luta fraticida.

    O processo de independncia e a construo da democracia naNambia e a reconciliao nacional em Moambique so tambm exemploseloqentes da capacidade africana de construir a paz atravs do dilogoe da participao. Esperamos que processos semelhantes ocorram empases como Serra Leoa e Repblica Democrtica do Congo, bem comoem outras situaes de conflito.

    Por seu turno, a democracia, quando fortalecida, fator deentendimento e harmonizao de diferenas, sejam nacionais ouinternacionais. A democracia tambm veculo para promoo da paz ereconciliao entre vizinhos.

    A terceira tendncia positiva a gama de aes internacionais emapoio ao claro caminho da legitimidade, como no fortalecimento dassanes contra a UNITA sob a liderana do Embaixador Fowler; a ao paraimpedir o trfico ilcito de armas; e os esforos do sistema das Naes Unidaspara o estabelecimento de mecanismos efetivos de apoio reconstruo,reabilitao e promoo do desenvolvimento sustentvel em pases queemergem de conflitos. O fortalecimento da assistncia humanitria e dasoperaes de paz esto igualmente desempenhando papel nesse processo,razo pela qual tambm devem ser fortemente apoiadas.

    Como disse antes, referimo-nos a tendncias, e absolutamentenecessrio que a comunidade internacional responda de maneira clara epositiva a essas tendncias, de modo a fortalec-las e a contribuir para oscontnuos esforos que os prprios pases africanos realizam. Mas enfatizoque as razes das solues dos problemas africanos encontram-se na frica,como afirmou o Senhor Salim em seu eloqente pronunciamento.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1136

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    37/369

    37

    Sem a luta africana dos anos 60, o princpio de auto-determinaono seria to forte quanto hoje em meio comunidade internacional.A democracia numa frica em paz criar as condies para um mundomelhor e mais estvel. Todos precisamos de uma frica mais forte e unida,confiante em seu destino de paz e prosperidade. Esta a aspirao detodos ns. Este deve ser o destino da frica.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1137

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    38/369

    38

    Gostaria de manifestar a Vossa Excelncia muito brevemente, SenhorPresidente, nossos cumprimentos, que so bem merecidos. Devo dizerque uma honra retornar a essa mesa, no mais como membro doConselho de Segurana, e falar em nome da delegao brasileira nesta

    importante reunio. Se me permite, gostaria de manifestar meus votosde xito aos membros que recentemente iniciaram seu mandato, eespecialmente Jamaica, que substituiu o Brasil em um dos assentos doGrupo Latino-Americano e Caribenho no Conselho.

    Como sublinharam os oradores que me antecederam, em muitospases africanos a AIDS sobrecarrega instituies estatais, corri esquemasde apoio familiar tradicionais e soma-se ao clima de desespero einstabilidade que tende a alimentar os conflitos. Embora a realidade nafrica talvez seja mais dura do que em outros lugares, as implicaessociais, econmicas e polticas da AIDS so sentidas em todas as partes.

    Sua propagao um problema global que tem de ser tratado de maneiraabrangente. O impacto na frica especialmente severo em razo dafalta de recursos para preveno e tratamento. A frica requer que osinstrumentos de cooperao sejam fortalecidos. Dessa forma, acomunidade internacional estar ajudando a si mesmo, e no apenas Africa.

    O que mais necessitamos neste momento solidariedadeinternacional. Os prprios africanos tm muito a oferecer, com suas muitasexperincias nacionais exitosas no combate AIDS.

    claro que a resposta internacional epidemia da AIDS na frica

    no se encontra num mandato especfico do Conselho de Segurana.Mas nosso debate de hoje pode ajudar a aumentar a conscientizao domundo todo acerca da devastao social e econmica promovida pelaAIDS e da ameaa ainda maior caso aes efetivas no sejam adotadas.Nosso debate coloca o problema da AIDS na frica no foco da ateno

    Pronunciamento do Embaixador GELSON FONSECA JR.,Representante Permanente

    A Situao na frica (Pv. 4087)10 de janeiro de 2000

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1138

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    39/369

    39

    internacional e sublinha suas implicaes, que se estendem muito almdas questes de sade.

    No obstante o apoio oferecidos por agncias bilaterais e plurilaterais,as parcerias permanecem fundamentais. Durante a dcada de 80, o Brasilbeneficiou-se da cooperao internacional e consolidou desde ento seuPrograma Nacional de Preveno e Combate AIDS. No nvel regional, oBrasil participou ativamente no estabelecimento, em maro de 1996, deum grupo de cooperao tcnica horizontal sobre HIV/AIDS.

    A contribuio do Brasil quele grupo, que congrega muitos pasesda Amrica Latina e do Caribe, est centrada no treinamento e na

    capacitao para a organizao de trabalhos locais para a preveno econtrole da AIDS e outras doenas sexualmente transmissveis. Baseadoem nossa experincia regional, o Governo brasileiro desenvolveu em 1997um quadro de cooperao semelhante com os pases de lngua portuguesada frica. Em 1999, especialistas do Ministrio da Sade do Brasil visitaramo Qunia, Zimbbue, frica do Sul, Nambia e Botswana, com vistas averificar projetos de cooperao que pudessem ser rapidamenteestabelecidos.

    Na condio de pas em desenvolvimento, o Brasil no um grandedoador. Ainda assim, nosso conhecimento tcnico foi colocado

    disposio, e continuaremos a trabalhar estreitamente com a UNAIDS e acomunidade doadora para que terceiros pases possam diminuir apropagao da AIDS. Alm disso, as polticas brasileiras para se tratar dascausas e conseqncias da AIDS podem oferecer um exemplo til a outrospases que se deparam com semelhantes restries oramentrias.

    Nosso sistema de sade distribui gratuitamente medicamentos anti-HIV a todos os pacientes. Esta medida ajudou a diminuir o nmero deinternaes.

    No Brasil, campanhas pblicas vigorosas, veiculadas atravs da mdiaem massa, vm-se mostrando fundamentais em nossa estratgiapreventiva.

    A educao e disseminao de informao referente AIDS constituia melhor maneira de pr termo propagao da doena na frica e emtodo mundo.

    tentador comparar os efeitos da AIDS queles das guerras. O

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1139

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    40/369

    40

    chamado fator etrio uma caracterstica compartilhada pela AIDS epela guerra, pois ambas impem um pesado fardo a jovens adultos,privando muitas sociedades no apenas de uma parte importante de suamo-de-obra, mas tambm dos familiares. A conseqncia disso umapopulao crescente de crianas rfs deixadas para trs, em geral semqualquer assistncia adequada. Se nosso debate ajudar a reverter, aindaque de forma modesta, o destino dessas crianas indefesas, ter valido apena realiz-lo.

    O impacto da AIDS na frica um teste da capacidade das NaesUnidas de mostrar-se ao mesmo tempo catalisadora da solidariedade

    internacional e veculo para a transformao de palavras puras em aestangveis.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1140

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    41/369

    41

    AngolaAngolaBrasil e Angola tm uma longa histria de amizade e inter-

    relacionamento. Nossos pases compartilham a mesma lngua e um legadocultural semelhante. Nossos governos tm um canal muito ativo e

    mutuamente benfico de dilogo. portanto natural que, para o Brasil,Angola seja um dos temas da agenda do Conselho de Segurana do maisalto nvel de interesse e envolvimento.

    O Brasil foi o primeiro pas a reconhecer a independncia de Angolaem 1975, e participou ativamente de quatro operaes de pazestabelecidas pelas Naes Unidas em Angola desde 1989 - UNAVEM-I(janeiro de 1989 a maio de 1991), que supervisionou a retirada de 50.000soldados cubanos de Angola; a UNAVEM-II (junho de 1991 a fevereiro de1995); a UNAVEM-III (de fevereiro de 1995 a junho de 1997) e a MONUA(fevereiro de 1997 at fevereiro de 1999). Aproximadamente 5.500

    militares brasileiros nossa mais importante contribuio a operaes depaz das Naes Unidas serviram numa dessas misses, incluindo unidadesmdicas e de engenharia que tiveram importante impacto social, numaAngola marcada pela guerra.

    As origens da situao de instabilidade em Angola remontam aoperodo colonial. Aps a independncia, os trs movimentos que haviamcombatido na guerra de independncia, apoiados por foras estrangeiras,entraram em conflito aberto entre si, no contexto da Guerra Fria. OMovimento Popular para Libertao de Angola (MPLA), liderado porAgostinho Neto, era apoiado militarmente pela Unio Sovitica e Cuba.

    Depois que os portugueses deixaram o pas, o MPLA tomou o poder. OMPLA foi aps certo tempo reconhecido pela comunidade internacionalcomo legtimo governo de Angola. Dois outros movimentos lutavam pelopoder. A FNLA (Frente Nacional para a Libertao de Angola), apoiadapelo ento regime de apartheid da frica do Sul e pelo Zaire, cujopresidente mantinha laos familiares com o lder do FNLA Holder Roberto.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1141

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    42/369

    42

    A Frente gradualmente perdeu a importncia poltica e hoje um ator demenor destaque no cenrio poltico angolano. Outro grupo era a UNITA(Unio Nacional para a Independncia Total de Angola), que aindasobrevive com fora militar e poltica sob o comando de Jonas Savimbi,embora sua liderana esteja fragmentada entre os que favorecem ocompromisso e aqueles mais radicais.

    Na ltima dcada, a evoluo da situao interna em Angola foiacompanhada de perto pelas Naes Unidas. O estabelecimento daUNAVEM-I em 1989 tornou possvel a retirada das foras cubanas queapoiavam o Governo de Angola liderado pelo MPLA. Depois da assinatura

    em maio de 1991, em Lisboa, dos Acordos de Paz, o MPLA e a UNITAconcordaram em participar de eleies supervisionadas pelas NaesUnidas, as quais se realizaram em 1992. O MPLA recebeu 54% dos votos,ficando a UNITA com 34%. Derrotado nas eleies, Savimbi rejeitou osresultados e retomou aes militares contra o Governo do MPLA. Apshaver sofrido perdas significativas, o Governo recuperou terreno e asituao militar chegou a um virtual impasse.

    Em maio de 1993, o Secretrio-Geral das Naes Unidas designouum renomado jurista do Mali, Matre Alouine Blondin Beye, como seuRepresentante Especial para Angola. Matre Beye promoveu o fim do

    conflito por meio do Protocolo de Lusaka aos Acordos de Paz, negociadoscom assistncia da Troika de pases observadores (EUA, Rssia e Portugal,ex-potncia colonial). Pelo Protocolo de Lusaka, assinado em novembrode 1994, o Governo reconhecia a UNITA como parceiro necessrio para areconstruo nacional, ao passo que o movimento de Savimbicomprometia-se a desmobilizar-se e a passar a atuar como partido poltico.O Protocolo de Lusaka abriu caminho para o estabelecimento do Governode Unidade e Reconciliao Nacional, que incorporaria ministros e outrosaltos funcionrios oriundos da UNITA. A histria recente de Angola,infelizmente, a histria da falta de cumprimento por parte da UNITAdas obrigaes previstas no Protocolo de Lusaka. Mesmo depois de haversido includa num governo de unidade nacional, a UNITA no renuncioua aes militares. Nos ltimos anos, o grupo de Savimbi perdeu grandeparte de seu apoio internacional e tem sido considerado apenas ummovimento rebelde, alvo de sanes do Conselho de Segurana, e cuja

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1142

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    43/369

    43

    maquinaria de guerra amparada por fundos obtidos mediante ocontrabando de diamantes.

    No incio de 1998, quando o Brasil entrou no Conselho de Segurana,a situao inspirava esperana, na medida em que a Comisso Conjuntaestabelecida para remediar as diferenas entre ambas as partes tinhaacordado um cronograma para o cumprimento por parte do Governo deUnidade Nacional e da UNITA de suas respectivas obrigaes sob oProtocolo de Lusaka. No acompanhamento desta situao, o Conselhoadotou em 27 de janeiro a resoluo 1149, saudando os ltimosacontecimentos e estendendo o mandato da MONUA. O Brasil, em seu

    primeiro pronunciamento formal sobre a situao de Angola na condiode membro do Conselho de Segurana, saudou o fato de que em 37anos de conflito a paz e a reconciliao nacional pareciam pela primeiravez estar prximas, na medida em que a UNITA havia concordado com aimplementao de medidas referentes ao cronograma. O Brasil alertou,contudo, que constituam fonte de preocupao relatos de vos no-autorizados para reas controladas pela UNITA.

    Mais tarde foi revelado que, enquanto negociava, Savimbi empreendiagrande programa de rearmamento e preparava o terreno para sua recusaem transferir reas sob seu controle para a administrao governamental.

    Neste particular, a resoluo 1157, de 20 de maro, deplorou o fracassoda UNITA na implementao das tarefas remanescentes previstas noProtocolo de Lusaka. Preocupado com a evoluo dos acontecimentos, oPresidente do Comit de Sanes UNITA, Embaixador Njuguma Mahugu,do Qunia, visitou Angola numa misso de verificao dos mecanismosde implementao das sanes e relatou ao Conselho os resultados desua visita.

    O Conselho era mantido constantemente atualizado por briefingsdo Secretariado e relatrios do Secretrio-Geral. Recorreu ao medianteavaliaes peridicas da situao. Apesar das seguidas presses do Conselhode Segurana e de aes positivas adotadas pelo Governo, a posio daUNITA pouco evoluiu, dando margem a avaliaes dbias da situao.Quando o tema foi mais uma vez examinado pelo Conselho em fins deabril, tornava-se claro que a UNITA no pretendia implementar sua parteno Protocolo de Lusaka. O status da MONUA e seu papel em Angolatambm ganhava relevncia na discusso entre os membros do Conselho.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1143

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    44/369

    44

    Pela resoluo 1164, de 29 de abril, o Conselho saudou as aesadotadas pelo Governo com vistas ao cumprimento das tarefasremanescentes do Protocolo de Lusaka, e exigiu que a UNITA interrompesseseu padro de atrasos e condicionalidades. Estendeu tambm a Missode Observao das Naes Unidas por um perodo adicional de 2 meses.O Brasil, em pronunciamento que antecedeu adoo do texto, recordouque o Governo de Unidade e Reconciliao Nacional de Angola havialegalizado a UNITA como partido poltico e estava em vias de indicargovernadores de provncia e embaixadores dos quadros da UNITA.Preocupvamo-nos, contudo, com indicaes de que a UNITA mantinha

    considervel capacidade militar, sinal de que no desejava implementar oprocesso de paz.

    Mantendo o padro de manifestar oficialmente seu ponto de vistasobre a situao em Angola em bases mensais, o Conselho de Seguranacondenou, em 22 de maio, por meio da Declarao Presidencial 14, ataquesarmados perpretados pela UNITA contra funcionrios da ONU e a polciaangolana. O Conselho tambm manifestou preocupao ante srios abusosda polcia nacional angolana contra ex-funcionrios da UNITA em reastransferidas administrao do Estado.

    Os esforos da comunidade internacional para restaurar a estabilidade

    em Angola eram minados por repetidas violaes do Protocolo de Lusakapor parte da UNITA. Vendo seu chamamento ao dilogo, diplomacia eobedincia aos princpios acordados frustrado, o Conselho de Seguranadecidiu mais uma vez recorrer s sanes. Um embargo de armas epetrleo contra a UNITA encontrava-se em vigor desde a adoo daresoluo 864 (1993), embora tenha sido implementado de maneirabastante incompleta. Foi apenas em 1997, mediante a resoluo 1135,que o Conselho decidiu expandir e efetivamente fazer cumprir as sanes,que incluam a proibio de viagens de altos oficiais da UNITA. Em 12 dejunho de 1998, num contexto de frustrao com a falta de cooperaoda UNITA no cumprimento das resolues sobre a situao em Angola, oConselho de Segurana decidiu durante reunio formal a quecompareceu o Vice-Ministro da Administrao Territorial de Angola,General Higino Carneiro fortalecer as sanes contra o movimento deSavimbi.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1144

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    45/369

    45

    A resoluo 1173 estabeleceu uma srie de medidas adicionais, comoo congelamento de todos os fundos da UNITA localizados no exterior e aproibio de contatos oficiais com a UNITA, bem como de todo comrciode diamantes no coberto pelos Certificados de Origem emitidos peloGoverno de Angola. Tambm proibiu a venda de equipamento detransporte e minerao UNITA. As sanes foram postas em vigor apartir de 1ode julho, como dispunha a resoluo (1176) subseqente. OBrasil apoiou a adoo dessas medidas e o trabalho do Comit de Sanes,especialmente o papel ativo de seu presidente em 1999-2000, EmbaixadorRobert Fowler, do Canad.

    No obstante a firme atuao do Conselho de Segurana, a situaoem Angola continuou a deteriorar-se. A UNITA insistia em continuarocupando reas que deveriam ser transferidas para a autoridadegovernamental e tentava retomar localidades transferidas previamente.A persistncia do conflito em Angola tambm levava o Conselho deSegurana a considerar o significado da manuteno de uma Misso dePaz, num ambiente em que havia cada vez menos paz a ser mantida. luz desta situao, e de modo a manter o tema em constante exame, oConselho decidiu tratar da renovao do mandato da MONUA com cautela,favorecendo a extenso por perodos curtos. O ms de julho tambm

    testemunhou o triste desaparecimento, num acidente areo ainda noplenamente explicado, do Representante Especial Matre Beye.

    Ao debater a situao em meados de agosto, o Conselho deSegurana adotou a resoluo 1190, que exigia que a UNITA cessasse aocupao militar ilegal de localidades sob a administrao do Estado esaudava a indicao do novo Representante Especial do Secretrio-Geralpara Angola, Senhor Issa Diallo. A resoluo tambm decidia renovar omandato da MONUA at 15 de setembro. Enquanto isso, em Angola, oGoverno decidiu expulsar representantes da UNITA do Governo deUnidade Nacional, devido recusa da UNITA em implementar oscompromissos previstos no Protocolo de Lusaka. O Conselho reagiumediante a resoluo 1195, de 15 de setembro, que exigia que a UNITAdesmantelasse sua estrutura militar e solicitava ao Governo de Angolaque reconsiderasse sua deciso de suspender a participao de membrosda UNITA no Governo.

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1145

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    46/369

    46

    As decises formais do Conselho que se seguiram (resolues 1195,1202 e 1213) estenderam o mandato da Misso de Observao da ONU,numa clara demonstrao de esperana de que o processo de paz pudesseser recolocado nos trilhos e numa tentativa de convencer Savimbi a recorrerao dilogo. A resoluo 1213, de 2 de dezembro, tambm exigia que aUNITA se desmilitarizasse e oferecesse plena cooperao para a ampliaodas reas controladas pelo Governo no pas.

    Em fins de dezembro, o Conselho de Segurana, consolidando umatendncia de incrementar a condenao das aes e lideranas da UNITA,e manifestando suas frustraes ante o malogro de seus esforos para

    recolocar o processo de paz nos trilhos, adotou a Declarao Presidencial37, que reiterava que a responsabilidade primordial pelo fracasso doestabelecimento da paz em Angola claramente cabia liderana da UNITA,e conclamava a um fim das hostilidades.

    Os ltimos dias de 1998 e os primeiros de 1999 foram marcados poroutros acontecimentos, ilustrativos de que a escalada do conflito ameaavaa presena das Naes Unidas no pas. Em 30 de dezembro, uma aeronaveda ONU foi derrubada em territrio controlado pela UNITA. Revelou-semais tarde que a ordem para atingir o avio tinha vindo diretamente deSavimbi. Em 31 de dezembro de 1998, em meio a acusaes mtuas

    entre o Governo e tropas da UNITA, o Conselho adotou a resoluo 1219,que exigia acesso ao local do incidente. Aps a derrubada de uma segundaaeronave da ONU sobre territrio da UNITA em 2 de janeiro de 1999, aresoluo 1221 instou a liderana da UNITA a cooperar na investigaoda queda desta segunda aeronave.

    Naquele momento, estava claro que funcionrios do Governoangolano percebiam a presena da ONU como algo favorvel UNITA,na medida em que os Observadores Internacionais tinham acesso apenasa reas do pas controladas pelo Governo, sendo portanto capazesapenas de relatar incidentes naquelas reas. Alm disso, a derrubada de2 aeronaves da ONU e a retomada de hostilidades levaram o Governode Luanda a no mais apoiar a presena da MONUA em Angola. NoConselho de Segurana, as negociaes que levaram adoo daDeclarao Presidencial 3, de 21 de janeiro, foram marcadas pelaresistncia do Governo de Angola em aceitar uma fora multidisciplinardas Naes Unidas aps o trmino da MONUA, como defendiam alguns

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1146

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    47/369

    47

    membros. A Declarao Presidencial 3 manifestou alarme ante a sriadeteriorao da situao poltica e militar e sublinhou a importncia deuma presena continuada das Naes Unidas em Angola. O documento,cujo equilbrio havia sido ativamente buscado pela Delegao brasileira,foi lido pelo Embaixador Amorim na qualidade de Presidente do Conselhode Segurana (ver captulo III.3). A resistncia do Governo de Angolaem relao a uma presena da ONU levou o Conselho a aceitar aconcluso do mandato a MONUA pela resoluo 1229, de 26 de fevereirode 1999.

    Grande parte do ano de 1999 foi consumida com tentativas de

    negociar e definir as condies para restabelecer a presena das NaesUnidas em Angola. Enquanto isso, a situao militar em Angoladeteriorava-se, com incidentes que afetaram crescente nmero de civise cidados estrangeiros. Numa dessas ocasies, o Conselho condenou aderrubada de uma aeronave Antonov (aparentemente contratada porempresas angolanas) que sobrevoava territrio controlado pela UNITAe sublinhou a responsabilidade de Savimbi quanto segurana datripulao russa (Declarao Presidencial PRST/1999/14, de 19 de maio).

    Com a retomada da guerra em fins de 1998, o Conselho teve seupapel na soluo do conflito reduzido. A situao humanitria em Angola,

    entretanto, continuava a constituir fonte de grande preocupao paratoda comunidade internacional. Estima-se que o conflito afete 3,7milhes de pessoas, das quais 1,5 milho esto deslocadas internamente.O Conselho reexaminou constantemente a situao, que se agravou emzonas controladas pela UNITA e em cidades por ela sitiadas. A DeclaraoPresidencial 26, de 24 de agosto, recordou, por exemplo, a obrigaoda UNITA de desmilitarizar-se e tratou da situao humanitria que sedeteriorava em Angola. A relutncia do Governo de Angola emresponsabilizar-se pelo acesso de funcionrios humanitrios relacionava-se s enormes dificuldades logsticas (principalmente falta de meiospara assegurar a segurana de trabalhadores humanitrios) e sua faltade controle sobre o uso da ajuda humanitria, que poderia no alcanara populao necessitada, em territrios controlados pela UNITA.

    Paralelamente, o Comit de Sanes contra a UNITA do Conselhode Segurana, por iniciativa de seu presidente, o RepresentantePermanente do Canad, Robert Fowler, decidiu adotar em 1999 um

    Sem ttulo-1 3/7/2007, 15:1147

  • 8/12/2019 AMORIM, Celso; FONSECA Jr, Gelson. O Brasil no Conselho de Segurana (1998-1999)

    48/369

    48

    papel mais ativo na implementao das medidas contra a UNITA. Opasso mais relevante nesse campo tanto em termos prticos como emtermos de conscientizao foi dado pela resoluo 1237, de 7 demaio de 1999, que estabeleceu painel de peritos para recomendar meiosde reforar a implementao dos embargos s transaes financeiras ede diamantes da UNITA e de pr fim a violaes das sanes impostaspelo Conselho de Segurana. Em 29 de julho, o Presidente do Comitde Sanes contra Angola realizou um briefing pblico sobre asatividades do Painel de Peritos. Durante o debate, o Brasil manifestouseu apoio ao trabalho do painel e insistiu em que o Conselho enviasse

    uma clara mensagem a Savimbi no sentido de que sua nica alternativaseria depor armas. Mais tarde, o Brasil ofereceu contribuio financeiravoluntria ao Painel de Peritos.

    O relatrio do painel foi formalmente apresentado em maro de2000. Mostra como a UNITA logrou contornar as sanes, citando osmecanismos e pases que a UNITA usou em seu processo de rearmamento.O Conselho tomou nota do relatrio mediante a resoluo 1295 (2000)e estabeleceu um grupo de especialistas para acompanhar a evoluodo regimes de sanes.

    A soma de contatos bilaterais, os esforos do Comit de Sanes e a

    seriedade das concluses do painel de especialistas, que demonstraramclaramente a rede logstica da UNITA, convenceram o Governo angolanoquanto necessidade de reforar a presena da ONU no pas. Nestecontexto, foi lanado o processo de reaproximao entre a ONU e oGoverno de Angola, abrindo caminho para o retorno de uma missoformal das Naes Unidas quele pas. O Escritrio das Naes Unidas emAngola (UNOA) foi estabelecido pela resoluo 1268, de 15 de outubrode 1999, com mandato inicial at 15 de abril de 2000. A mesma decisore