amor de perdição - camilo castelo branco - análise

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Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco Capa da primeira edição da obra

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Page 1: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

AmordePerdiçãodeCamiloCasteloBranco

Capadaprimeiraediçãodaobra

Page 2: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

•  Nascea16demarçode1825,emLisboa,esuicidou-sea1dejunhode1890emS.MigueldeSeide,Famalicão;

•  Órfãodemãeaosdoisanosedepaiaosnove,passou,aparIrdestaidade,aviveremVilaRealcomumaIapaterna.

•  Aos16anos,casou-secomJoaquinaPereira.•  Abandonouaesposaeafilhaem1842.Morrerampoucodepois.

•  Em1844,instalou-senoPorto.•  Em1845,estreou-senapoesiaenoanoseguintenoteatroetambémnojornalismo-

aIvidade,aliás,quenuncaabandonaria.•  Em1846,estevepresoporterraptadoPatríciaEmília,umdosseustumultuosos

amores,dequemteriaumafilha,masqueacabariaporabandonar.•  Em1851,estreia-senoromancecomAnátema;

•  Conheceuaalta-rodaportuensebemcomoosmeiosboémiosefoiprotagonistadeaventurasromanescas.

•  Em1853,oseunomecomeçavaasoarnosmeiosjornalísIcoseliteráriosdoPortoedeLisboa:jáalimentaraváriaspolémicasepublicaraalgunsromances.

•  Em1856,aIngeamaturidadeliterária(nodomíniodosprocessosdeescrita)comoromance(poralgunsautoresconsideradonovela)OndeEstáaFelicidade?.

VidaeobradeCamiloCasteloBranco

Page 3: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

•  Em1856, iniciouo relacionamentoamorosocomAnaPlácido, casadadesde1850comManuelPinheiroAlves.

•  Em1858,nasceManuelPlácido,filhodeCamiloedeAnaPlácido.•  Em1860,ManuelPinheiroAlvesdesencadeouoprocessodeadultério:emjunhofoi

presaamulherea1deoutubroCamiloentregou-senacadeiadaRelaçãodoPorto.•  Entre 1862 e 1863, o escritor publicou onze novelas e romances aIngindo uma

notoriedadedificilmenteigualável.•  Em1864,fixou-senaquintadeS.MigueldeSeide(propriedadedeManuelPinheiroAlves

que,entretanto,faleceraem1863)enasceu-lheoterceirofilho,Nuno.•  Em1876,tomouconsciênciadaloucuradosegundofilho,Jorge.Noanoseguintemorreu

ManuelPlácido.•  A parIr de 1881, agravaram-se os padecimentos, incluindo a doença dos olhos que o

afetava.Em1889,porocasiãodoseuaniversário,foiobjetodecalorosahomenagemde

escritores,arIstaseestudantes,promovidaporJoãodeDeus.•  Em1890,jácego,impossibilitadodeescrever,suicidou-secomumIroderevólver.•  Camilofoioprimeiroescritorprofissionalentrenós.

Page 4: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Síntesedaobra

Introdução

•  ExplicaçãodosmoIvosquelevamàproduçãodaobra:

•  existêncianumlivrode“anIgosassentamentos,

nocartóriodascadeiasdaRelaçãodoPorto”,de

umautoqueditaaprisãodeSimãoBotelho,

familiar(Io)deCamiloCasteloBranco.

“Simão António Botelho, queassim disse chamar-se, sersolteiro, e estudante naUniversidade de Coimbra,natural da cidade de Lisboa, eassistente na ocasião de suaprisão na cidade de Viseu,idadededezoitoanos,filhodeDomingos JoséCorreiaBotelhoedeD.RitaPreciosaCaldeirãoCastelo Branco; estaturaordinária, cara redonda, olhoscastanhos, cabelo e barbapreta, vesJdo com jaqueta debaetão azul, colete de fustãopintadoecalçadepanopedrês.E fiz este assento, que assinei—FilipeMoreiraDias.A margem esquerda desteassentoestáescrito:Foi para a Índia em 17 demarçode1807.”

•  SinteIzaahistórianumaúnicafrase:

•  “Amou,perdeu-se,emorreuamando.”

•  Narradorqueinteragecomoleitor:

•  dáasuaopinião,esperandoacompaixãodoleitor

faceaorelatado;

•  mostraasuaincredulidaderelaIvamenteaesta

situaçãotão“triste”.

Page 5: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Síntesedaobra

CapítuloI

•  CaracterizaçãodopaiedamãedeSimão;

•  NascimentodeSimão;

•  AlIvezdeD.Rita;

•  Simãonaadolescência.

CapítuloII

•  SimãoemCoimbra;

•  Perdeoano;

•  Voltaparacasa;

•  MudançadeaItudedeSimão–“SimãoBotelhoamava”;

•  Definiçãodoamor;

•  Inimizadeentreasfamílias;

•  PlanosdeSimãoedeTeresa;

•  Amordescoberto;

•  OpaideTeresadecidequeelatemdeirparaumconvento;

•  Simãotorna-seumestudanteexemplar.

Page 6: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloIII

•  AirmãmaisnovadeSimãotorna-seamigadeTeresa:

•  “conversam”àjanela;

•  OpaideSimãodescobreaamizadedasuafilhaeoamordeseufilho,dirige-seaTeresa,proibindo-

adeamarSimão;

•  OpaideTeresapropõequeasuafilhacasecomoprimoBaltasarCouInho;

•  TeresaeBaltasarconversam;

•  Teresarecusacasarcomoprimo;

•  OpaideTeresareferequeasoluçãoéelaingressarnumconvento.

CapítuloIV

•  CaracterizaçãodeTeresa;

•  TeresaeSimãotrocamcartas;

•  TeresaconInuaarecusarocasamentocomoprimo;

•  SimãoconheceasintençõesdopaideTeresa:

•  1ªreação-pretendematarBaltasar;

•  2ªreação– iraViseueencontrar-seàsescondidascomTeresa.

Page 7: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloV

•  FestanacasadeTeresa:

•  Intençãodopai– conseguirconvencerafilhaacasarcomoprimo;

•  BaltasarespiaTeresaepercebequeelaqueriràrua;

•  TeresapercebequeoprimosuspeitadealgoemandaSimãoembora;

•  SimãoeBaltasartrocampalavrasduras;

•  SimãoestáhospedadonacasadeJoãodaCruzedafilhadeste,Mariana:

•  JoãodaCruzéfielaSimão(opaideSimãoajudou-onopassado);

•  Marianaapaixona-seporSimão.

CapítuloVI

•  BaltasarpreparaumaemboscadaparamatarSimão;

•  JoãodaCruzsuspeitaquealgocorrerámal,porissoacompanhaSimão,semestesaber;

•  Uniramesforços;

•  SimãotemumbreveencontrocomTeresa,mastemqueseirembora,poisosassassinosestãono

seuencalço;

•  Simãoficaferidoeosassassinossãomortos.

Page 8: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloVII

•  OferimentodeSimãoémaisgravedoquesejulgava;

•  TeresamandaumacartaaSimão;

•  BaltasarélevadoàjusIça,jáqueoscriadosassassinadoseramdele,contudonadasedescobre;

•  OpaideTeresatemconhecimentodetudoedecidemandarafilhaparaummosteiro;

•  Ambientedomosteiro:

•  LocalhosIl;

•  Existemintrigasedifamação;

•  CríIcaaoambientereligioso.

CapítuloVIII

•  ÉMarianaquemcuidadeSimão:

•  ComprovaçãodequeMarianaestáapaixonadaporSimão;

•  SonhodeMariana– indíciotrágicodequealgoaconteceráaSimão;

•  TrocadecartasentreSimãoeTeresa– SimãoficaasaberqueTeresaestánumconvento;

•  Marianaapercebe-sedequeSimãoestásemdinheiroeelaboraumplano– dardinheiroaSimão,

dizendo-lhequeInhasidosuamãeamandar-lho;

•  SimãopercebequeMarianaoama.

Page 9: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloIX

•  OpaideTeresasabeondeestáSimãoepretendelevarTeresaparaoutroconvento;

•  Amendigaquefaziaatrocadecartasédescobertaeespancada;

•  Marianaoferece-separafazeressepapel;

•  FicaofendidaquandoSimãolhequerpagarporisso.

CapítuloX

•  MarianavaiaoconventoondeestáTeresaparalheentregarumacarta:

•  Adevassidãodoclero:

•  OpadrecapelãodomosteiroondeestáTeresainteressa-seporMariana;

•  EncontroentreMarianaeTeresa:

•  TeresaquerpagaraMarianaporelaassumiropapeldemensageira:

•  Marianasente-sediminuídaquerpelabeleza,querpelariquezadeTeresa;

•  SimãopretenderaptarTeresaquandoamudaremdeconvento:

•  TeresadissuadeSimão(recadoquemandaporMariana)

•  NovopressenImentodeMariana;

•  Simãodecideiraoconvento:

•  EncontraBaltasar– mortedeBaltasar;

•  Simãoassumeaculpaeentrega-se.

Page 10: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloXI

•  Simãoépreso;

•  OpaideSimãonãointerferenocaso;

•  EstupefaçãodojuizpornãohaverqualquertentaIvadeilibarSimão;

•  AmãeescreveaSimãoeesteficaasaberqueodinheiroquerecebeunãofoidasuaparte.

•  Marianavisita-o.

CapítuloXII

•  OpaideSimãomuda-separaVilaRealparaestarlongedeViseu(ondeSimãoestápreso);

•  MarianacuidadeSimãonacadeia;

•  OpaideSimãoestáirredunveleamãeescreveaopaiapedirclemênciapelofilho;

•  Simãoécondenadoàforca;

•  Todaafamíliaapelaaopaiparaqueesteintercedaafavordofilho;

•  ÉoIo-avôdeSimãoqueconsegueconvenceropai;

•  Simãoouviuimperturbávelasuasentençaenãoquisapelar;

•  Opovogostadeenforcamentoseéhábitolevaremascriançaspara“quesirvadeexemplo”;

•  Simãopreocupa-secomMarianaepercebequeelaoama:

•  PedeaJoãodaCruzquecuidedarapariga.

Page 11: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloXIII

•  VidadeTeresadesdeamortedeBaltasar:

•  TeresatemconhecimentodequeBaltasarmorreuequeSimãoomatou;

•  SabequeSimãoseentregouàjusIça;

•  Encontra-sedébil,sentequemorreráembreve;

•  Apósalgunsimpedimentos,consegueescreveraSimão;

•  ArespostadeSimãodá-lhevida.

CapítuloXIV

•  OpaideTeresavaivisitá-laeencontra-adoente;

•  ComoSimãoestánacadeiadoPorto,opaideTeresapretendelevá-laparaViseu;

•  Apesardeestardébil,Teresamanifesta-secontraavontadedopai,dizendoqueporsuavontade

morreriaigualmentenumaforcaaoladodeSimão;

•  OpaideTeresafazdetudoparaquenãoexistaqualquercomunicaçãoentreSimãoeasuafilhaaté

queoCorregedordoPortolhedizqueSimãoéumhomemdehonraequenãoseráenforcado.

Page 12: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloXV

•  13.março.1805

•  JoãodaCruzvaivisitarSimão:

•  Marianaestámelhordesaúde;

•  AmãedeSimãopediuaJoãodaCruzparacuidardoseufilho;

•  SimãopedeaJoãodaCruzparairentregarumacartaaTeresaeesteconseguefazê-lo,trazendo

umarespostadevolta;

•  MarianavoltaráaajudarSimãonacadeia(emboratantoSimãocomoJoãodaCruzsaibamque

MarianaamaSimão).

CapítuloXVI

•  OirmãodeSimão,Manuel,queregressouacasacomumaamante,vaivisitá-loàcadeia–este

recebe-ocomfrieza;

•  ManuelfalacomodesembargadorquelhegarantequeSimãonãoiráparaaforca,masparao

degredo;

•  Teresasente-semelhordesdequesoubequeSimãonãoiriaparaaforca;

•  OpaideSimãonãoaceitaManuelemsuacasa,umavezqueamulherqueeletrazécasada;

•  OpaideSimãotratadeajudarestasenhoraavoltaràsuaterranatal,paraquedeixeasuafamília.

Page 13: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloXVII

•  JoãodaCruztemumpressenImentodequealgoiráacontecer;

•  Chegaumcavaleiroàportadesuacasaemata-o,dizendoquevemsaldarumadívidadeseupai;

•  SimãorecebeumacartanacadeiaadaranonciaeMarianaestápresente;

•  SofrimentodeMariana;

•  Apelo/EgoísmodeSimão.

CapítuloXVIII

•  MarianavendeuasterrasdopaiepediuaSimãoparaguardarodinheiro;

•  MarianapretendeirparaodegredocomSimão;

•  SimãoeMarianatêmaprimeiraconversasincera,emqueSimãolhedizquenãolhepodedaroseu

amor;

•  MarianaestádispostaamorrerporSimão;

•  Aofimdesetemeses,otribunaldecretouapenadeSimão–10anosdedegredoparaaÍndia;

•  OpaideSimãoconseguequeapenasejacumpridanaprisãodeVilaReal;

•  Simãonãoaceita–querirparaodegredo.

Page 14: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

SíntesedaobraCapítuloXIX

•  Simãoestáhádezanovemesesnaprisão;

•  Discursodonarrrador;

•  CartasdeTeresaeSimão:

•  SimãopedeaTeresa“SetemderenascerparaIumaauroradepaz,viveparaafelicidade

dessedia.”;

•  10.março.1807:

•  InImaçãoparaseguirnaprimeiraembarcaçãoparaaÍndia;

CapítuloXX

•  17.março.1807–embarcounoCaisdaRibeira;

•  Simãodistribuiodinheiroqueasuamãelhemandou-dignidade;

•  SimãovêaolongeoconventoeTeresaestánomiranteatrásdogradeamento;

•  Despedem-secomumaceno;

•  Simãovêalgumaagitação–éTeresaquemorre;

•  Simãopareceestaraplanearasuamorteeconversacomocomandanteepreparaofuturo

deMariana.

Page 15: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Síntesedaobra

Conclusão

•  ÚlImacartadeTeresa;

•  Simãovaiaoconvéscomocomandante:

•  EstesuspeitaqueSimãosequeirasuicidar;

“É já omeu espírito que te fala, Simão. Atua amiga morreu. A tua pobre Teresa, àhora em que leres esta carta, se me Deusnãoengana,estáemdescanso.” “Adeus!Àluzdaeternidadeparece-mequejátevejo,Simão!”

•  Simãoadoece;

•  Aoanoitecer,deitadonoseucatre,Simãodelira;

•  MortedeSimão;

•  ÉaIradoaomar.

Conclusão

•  ÚlImacartadeTeresa;

•  Simãovaiaoconvéscomocomandante:

•  EstesuspeitaqueSimãosequeirasuicidar;

“Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãosnoCéu…Omaispuroanjoserás tu...Seésdeste mundo, irmã; se és deste mundo,Mariana...”

•  Antesquealguémvisse,MarianaaIra-se

aomare,abraçando-seaSimão,morre.

•  Ascartassãosalvas. “DafamíliadeSimãoBotelhoviveainda,emVila Real de Trás-os-Montes, a senhora D.Rita Emília da Veiga Castelo Branco, a irmãpredileta dele. A úlIma pessoa falecida, hávinteeseisanos,foiManuelBotelho,paidoautordestelivro.”

Page 16: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Sugestão biográfica da obra

Realidade Ficção

Amor de Perdição – Memórias duma Família

Título Subtítulo

Narrativa dos amores contrariados de Simão e Teresa.

Inspiração na história real de u m f a m i l i a r ( t i o ) e n u m documento fidedigno (registo da Cadeia da Relação do Porto).

Page 17: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

IntroduçãoFolheandoos livrosdeanIgosassentamentosnocartóriodascadeiasdaRelaçãodoPorto, li,nodasentradasdospresosde1803a1805,pág.232,oseguinte:Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, solteiro e estudante na Universidade de Coimbra, natural dacidadedeLisboa,eresidentenaocasiãodasuaprisãonacidadedeViseu,idadededezoitoanos,filhodeDomingosJosé Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhoscastanhos,cabeloebarbapreta,vesJdocomjaquetaazul,coletedefustãopintadoecalçadepanopedrês.Àmargemesquerdadesteassentoestáescrito:FoiparaaÍndiaa17deMarçode1807.Nãofiariademasiadonasensibilidadedoleitorporacharqueodegredodeumrapazdedezoitoanoslhehádefazerdó.Dezoitoanos!Oamanhecerdouradoeescarlatedamanhãdavida!AsgenIlezasdocoraçãoqueaindanãosonhaemfrutosmasjáseperdeemdevaneiosnoperfumedasflores!Dezoitoanos!Oamordaquelaidade!Apassagemdoseiodafamília,dosbraçosdamãe,dosbeijosdasirmãs,paraascaríciasmaisdocesdavirgem,queselheabredeigualmodocomoflordamesmaestaçãoedosmesmosaromas,eàmesmahoradavida!Dezoitoanos!..Edegredadodapátria,doamoredafamília!NuncamaisverocéudePortugal,nemamãe,nemareabilitação,nemadignidade,nemumamigo!..Étriste!Oleitordecertoseentristecia;ealeitora,selhedissessememmenosdeumalinhaahistóriadaquelesdezoitoanos,choraria!Amou,perdeu-seemorreuamando.É a história. E umahistória assim conseguirá por ventura ouvi-la de olhos enxutos amulher, a criaturamais bemformada das branduras da piedade que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divinamisericórdia? Essa, aminhaleitora,acarinhosaamigadetodososinfelizes,nãochorariaseeulhedissessemqueopobrerapazperdeuahonra, a reabilitação, a pátria, a liberdade, as irmãs, a mãe, a vida, tudo... por amor da primeira mulher que odespertoudoseusonhodeinocentesdesejos?Chorava,chorava!Tomaraeusaberdizerquantodolorososobressaltoquemecausaramaquelaslinhas,procuradasdepropósito,elidascomaamarguraeorespeitoe,aomesmotempo,ódio.Ódio,sim...Aseutempoverãoseéperdoáveloódio,ouseantesnãomeforamelhorabrirmãodesde jádeumahistóriaquepodeprovocaranáuseaaosfriosjulgadoresdocoraçãopelassentençasqueeuaquidissercontraafalsavirtudedoshomens,feitosbárbaros,emnomedasuahonra.

Page 18: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

IntroduçãoFolheando os livros de anIgos assentamentos nocartório das cadeias da Relação do Porto, li, no dasentradas dos presos de 1803 a 1805, pág. 232, oseguinte:Simão António Botelho, que assim disse chamar-se,solteiroeestudantenaUniversidadedeCoimbra,naturaldacidadedeLisboa,eresidentenaocasiãodasuaprisãona cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho deDomingos José Correia Botelho e de D. Rita PreciosaCaldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cararedonda,olhoscastanhos,cabeloebarbapreta,vesJdocom jaqueta azul, colete de fustão pintado e calça depanopedrês.Àmargemesquerdadesteassentoestáescrito:FoiparaaÍndiaa17deMarçode1807.Nãofiariademasiadonasensibilidadedoleitorporacharque o degredo de um rapaz de dezoito anos lhe há defazerdó.Dezoito anos! O amanhecer dourado e escarlate damanhãdavida!AsgenIlezasdocoraçãoqueaindanãosonha em frutos mas já se perde em devaneios noperfume das flores! Dezoito anos! O amor daquelaidade! A passagem do seio da família, dos braços damãe,dosbeijosdasirmãs,paraascaríciasmaisdocesdavirgem, que se lhe abre de igual modo como flor damesmaestaçãoedosmesmosaromas,eàmesmahoradavida!Dezoitoanos!..Edegredadodapátria,doamore da família!Nuncamais ver o céu de Portugal, nemamãe, nem a reabilitação, nem a dignidade, nem umamigo!..Étriste!

OrigemdamatérianarraIva

Factosreais:•  Registosdocartóriodascadeiasda

RelaçãodoPorto;•  Verosimilhança.

Personagens

DomingosBotelho:•  PaideSimãoBotelho

D.RitaPreciosaCasteloBranco:•  MãedeSimãoBotelho

SimãoBotelho:•  Estudantede18anos;•  “estaturaordinária,cararedonda,olhos

castanhos,cabeloebarbapreta”;•  Apaixonado;•  Degredado.

Acontecimentosnucleares

PaixãodeSimão:•  Afastamentodafamília;•  CondenaçãoaodegredonaÍndia.

Page 19: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Oleitordecertoseentristecia;ealeitora,selhedissessememmenosdeumalinhaahistóriadaquelesdezoitoanos,choraria!Amou,perdeu-seemorreuamando. É a história. E uma história assimconseguirá por ventura ouvi-la de olhosenxutos a mulher, a criatura mais bemformadadasbrandurasdapiedadequeporvezes traz consigo do Céu um reflexo dadivinamisericórdia?Essa,aminhaleitora,acarinhosa amiga de todos os infelizes, nãochoraria se eu lhe dissessem que o pobrerapaz perdeu a honra, a reabilitação, apátria,a liberdade,as irmãs,amãe,avida,tudo...poramordaprimeiramulherqueodespertou do seu sonho de inocentesdesejos? Chorava,chorava!Tomaraeusaberdizerquanto doloroso sobressalto que mecausaram aquelas linhas, de propósitoprocuradas, e lidas com a amargura e orespeitoe,aomesmotempo,ódio. Ódio, sim... A seu tempo verão se éperdoáveloódio,ou seantesnãome foramelhorabrirmãodesde jádeumahistóriaque pode provocar a náusea aos friosjulgadores do coração pelas sentenças queeu aqui disser contra a falsa virtude doshomens, feitos bárbaros, em nome da suahonra.

Frase-síntesedaobra“Amou,perdeu-seemorreuamando.”

SenImentosprovocadospelahistóriaqueirárelatar•  “dolorososobressalto”expressoatravés

de“amargura”,“respeito”e“ódio”

RazõesquemoIvamointeressedonarrador

•  “dolorososobressalto”esenImentoscontraditórios

(“amargura”,“respeito”,“ódio”)provocadospelo

conhecimentodahistória–aprecocidadedamorte

deSimão;

•  SimãoBotelhoéparentedoautor,éseuIopaterno;

•  (EmboranãoestejapresentenaIntrodução,Camilo

CasteloBrancotambémfoipresoporquestões

amorosas,oque,naturalmente,concorreparaoseu

interesseporestahistória.)

Intençãoespecíficadecontarestahistória

“aquelaslinhas,depropósitoprocuradas”

Page 20: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Oleitordecertoseentristecia;ealeitora,selhedissessememmenosdeumalinhaahistóriadaquelesdezoitoanos,choraria!Amou,perdeu-seemorreuamando. É a história. E uma história assimconseguirá por ventura ouvi-la de olhosenxutos a mulher, a criatura mais bemformadadasbrandurasdapiedadequeporvezes traz consigo do Céu um reflexo dadivinamisericórdia?Essa,aminhaleitora,acarinhosa amiga de todos os infelizes, nãochoraria se eu lhe dissessem que o pobrerapaz perdeu a honra, a reabilitação, apátria,a liberdade,as irmãs,amãe,avida,tudo...poramordaprimeiramulherqueodespertou do seu sonho de inocentesdesejos? Chorava,chorava!Tomaraeusaberdizerquanto doloroso sobressalto que mecausaram aquelas linhas, procuradas depropósito, e lidas com a amargura e orespeitoe,aomesmotempo,ódio. Ódio, sim... A seu tempo verão se éperdoáveloódio,ou seantesnãome foramelhorabrirmãodesde jádeumahistóriaque pode provocar a náusea aos friosjulgadores do coração pelas sentenças queeu aqui disser contra a falsa virtude doshomens, feitos bárbaros, em nome da suahonra.

Público-alvodaobra

“leitora”:•  OenredosenImentalcorrespondeaogostoromânIco

dopúblicofeminino;•  Onarradorprocurasensibilizaronarratárioparaa

situaçãoquevaiserrelatada.

LinguagemuIlizadaesuaexpressividade

•  AlinguagemuIlizadarefleteoenvolvimentoemoIvo

donarrador:

•  Pontuaçãoexpressiva:

•  Exclamações;

•  Interrogaçõesretóricas;

•  ReIcências(hesitaçõesmarcadas).

Autorenarrador

•  Asimetriarealidade-ficçãofazcomquenaintroduçãoestasduasenIdadessefundam.

•  CamiloCasteloBrancoescreveestaobranaprisão.Oautorfoicondenadopelocrimedeadultério–AnaPlácidoeracasadaeabandonouomaridoparaficarcomCamilo.

Page 21: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

O herói romântico

Marcado por:

. Excecionalidade

. Força de sentimentos

. Individualismo

. Egocentrismo

. Esperança

. Idealismo

. Confronto com a sociedade

. Desilusão / Frustração Caspar Friedrich, O viajante sobre o mar de névoa, 1818

Page 22: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

CapítuloIDomingosJoséCorreiaBotelhodeMesquitaeMeneses,fidalgodelinhagemeumdosmaisanIgossolarengosdeVila-RealdeTrás-os-Montes,eraem1779, juiz de fora de Cascais, e nessemesmo ano casara comumadamado paço,D. Rita TeresaMargarida Preciosa daVeiga Caldeirão CasteloBranco,filhadumcapitãodecavalos,netadeoutro(...).Formara-seDomingosBotelhoem1767,eforaaLisboalernoDesembargodoPaço,iniciaçãobanaldosqueaspiravamàcarreiradamagistratura.DomingosBotelhocasoucomD.RitaPreciosa.Ritaeraumaformosura,queaindaaoscinquentaanossepodiaprezardeoser.Adamadopaçonãofoiditosacomomarido.Molestavam-nasaudadesdacorte,daspompasdascâmarasreais.edosamoresdesuafeiçãoemolde,queimolouaocaprichodarainha.Estedesgostosoviver,porém,nãoempreceuquesereproduzissememdoisfilhosetrêsmeninas.OmaisvelhoeraManuel,osegundoSimão;dasmeninasumaeraMaria,asegundaAnaeaúlImaInhaonomedesuamãe,ealgunstraçosdebelezadela(...).Em1801,achamosDomingosJoséCorreiaBotelhodeMesquitacorregedoremViseu.Manuel,omaisvelhodeseusfilhos, temvinteedoisanos,e frequentaosegundoano jurídico.Simão,que temquinze,estudahumanidadesemCoimbra.Asmeninassãooprazereavidatodadocoraçãodesuamãe.Ofilhomaisvelhoescreveuaseupaiqueixando-sedenãopodervivercomseuirmão,temerosodogéniosanguináriodele.Contaqueacadapassosevêameaçadonavida,porqueSimãoempregaempistolasodinheirodoslivros,convivecomosmaisfamososperturbadoresdaacademia,ecorredenoiteasruasinsultandooshabitanteseprovocando-osàlutacomassuadas.Manuel,cadavezmaisaterradodasarremeIdasdeSimão,saideCoimbraantesdefériasevaiaViseuqueixar-seepedirquelhedêseupaioutrodesIno,D.Ritaquerqueseufilhosejacadetedecavalaria.DeViseuparteparaBragançaManuelBotelho,ejusIfica-senobredosquatrocostadosparasercadete.Noentanto,SimãorecolheaViseucomosseusexamesfeitoseaprovados.Opaimaravilhava-sedotalentodofilho,edesculpa-odaextravagânciaporamordotalento.Pede-lheexplicaçõesdoseumauvivercomManuel,eelerespondequeseuirmãooquerforçaravivermonasIcamente.OsquinzeanosdeSimãotêmaparênciasdevinte.Éfortedecompleição;belohomemcomasfeiçõesdesuamãe,eacorpulênciadela;masdetodoavessoemgénio.NaplebedeViseuéqueeleescolheamigosecompanheiros. (...)As irmãs temiam-no,IranteRita,amaisnova,comquemelebrincavapuerilmente,eaquemobedecia,seelalhepedia,commeiguicesdecriança,quenãoandassecompessoasmecânicas.Finalizavam as férias, quando o corregedor teve um grave dissabor. Umdos seus criados Inha ido levar a beber osmachos, e, por descuido oupropósito, deixou quebrar algumas vasilhas que estavam à vez no parapeito do chafariz. Os donos das vasilhas conjuraram contra o criado;espancaram-no. Simão passava nesse ensejo; e, armado de um fueiro que descravou de um carro, parIu muitas cabeças, e rematou o trágicoespetáculopelafarsadequebrartodososcântaros.Opovoléuintactofugiraespavorido,queninguémseatreviaaofilhodocorregedor;osferidos,porém,incorporaram-seeforamclamarjusIçaàportadomagistrado.DomingosBotelhobramiacontraofilho,eordenavaaomeirinhogeralqueoprendesseàsuaordem.D.Rita,nãomenosirritada,masirritadacomomãe,mandou,porportastravessas,dinheiroaofilhoparaque,semdetença,fugisseparaCoimbra,eesperasseláoperdãodopai.O corregedor quando soubeo expediente de suamulher, fingiu-se zangado, e prometeu fazê-lo capturar emCoimbra. Como, porém,D. Rita lhechamasse brutal nas suas vinganças e estúpido juiz de uma rapaziada, o magistrado desenrugou a severidade posIça da testa, e confessoutacitamentequeerabrutaleestúpidojuiz.

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CapítuloIDomingos José Correia Botelho de Mesquita eMeneses, fidalgo de linhagem e um dos maisanIgos solarengosdeVila-RealdeTrás-os-Montes,eraem1779,juizdeforadeCascais,enessemesmoanocasaracomumadamadopaço,D.RitaTeresaMargarida Preciosa da Veiga Caldeirão CasteloBranco,filhadumcapitãodecavalos,netadeoutro(...).Formara-se Domingos Botelho em 1767, e fora aLisboa lernoDesembargodoPaço, iniciaçãobanaldosqueaspiravamàcarreiradamagistratura.DomingosBotelhocasoucomD.RitaPreciosa.Ritaerauma formosura, que ainda aos cinquenta anossepodiaprezardeoser.A dama do paço não foi ditosa com o marido.Molestavam-nasaudadesdacorte,daspompasdascâmarasreais.edosamoresdesuafeiçãoemolde,que imolouaocaprichodarainha.Estedesgostosoviver,porém,nãoempreceuquese reproduzissemem dois filhos e três meninas. O mais velho eraManuel, o segundo Simão; das meninas uma eraMaria, a segundaAna e a úlImaInha o nomedesuamãe,ealgunstraçosdebelezadela(...).Em1801, achamosDomingos JoséCorreiaBotelhodeMesquitacorregedoremViseu.Manuel, o mais velho de seus filhos, tem vinte edois anos, e frequenta o segundo ano jurídico.Simão, que tem quinze, estuda humanidades emCoimbra.Asmeninassãooprazereavidatodadocoraçãodesuamãe.

Caracterizaçãodoambientefamiliar

DomingosBotelhoD.RitaCasteloBranco

Manuel Simão Maria Ana Rita

DomingosBotelho–Corregedor-AnIgomagistradocomfunçõesanálogasàsdoactualjuizdeDireito

D.Rita–damadopaço,habituadaaoscostumesdacorte,nãolheagradavaavivênciaemViseu.

Manuel–22anos,frequentao2ºanojurídicoemCoimbra.

Simão–15anos,estudahumanidadesemCoimbra.

Raparigas–“sãooprazereavidatodadocoraçãodesuamãe”.

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(ConInuaçãoCap.I)O filhomais velho escreveu a seupai queixando-sede não poder viver com seu irmão, temeroso dogéniosanguináriodele.Contaqueacadapassosevêameaçado na vida, porque Simão emprega empistolas o dinheiro dos livros, convive com osmaisfamosos perturbadores da academia, e corre denoiteasruasinsultandooshabitanteseprovocando-osàlutacomassuadas.Manuel,cadavezmaisaterradodasarremeIdasdeSimão, sai deCoimbra antesde férias e vai aViseuqueixar-seepedirquelhedêseupaioutrodesIno,D. Rita quer que seu filho seja cadete de cavalaria.De Viseu parte para Bragança Manuel Botelho, ejusIfica-se nobre dos quatro costados para sercadete.No entanto, Simão recolhe a Viseu com os seusexamesfeitoseaprovados.Opaimaravilhava-sedotalento do filho, e desculpa-o da extravagância poramor do talento. Pede-lhe explicações do seumauviver comManuel, e ele respondeque seu irmãooquerforçaravivermonasIcamente.OsquinzeanosdeSimãotêmaparênciasdevinte.Éfortedecompleição;belohomemcomasfeiçõesdesuamãe, e a corpulência dela;mas de todo avessoem génio. Na plebe de Viseu é que ele escolheamigos e companheiros. (...) As irmãs temiam-no,Irante Rita, a mais nova, com quem ele brincavapuerilmente, e a quem obedecia, se ela lhe pedia,com meiguices de criança, que não andasse compessoasmecânicas.

Simão

•  Rebelde;•  Inteligente;•  “fortecompleição”–éumhomemfortee

bonito;•  “avessoemgénio”–dá-secomosmais

pobres,nãofazendodisInçãosocial;•  Temidopelasirmãs;•  Meigoparaairmãmaisnova–

sensibilidade.

IníciodoretratodoheróiromânIco

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(ConInuaçãoCap.I)Finalizavam as férias, quando o corregedor teve umgravedissabor.UmdosseuscriadosInhaidolevarabeber os machos, e, por descuido ou propósito,deixou quebrar algumas vasilhas que estavam à vezno parapeito do chafariz. Os donos das vasilhasconjuraram contra o criado; espancaram-no. Simãopassava nesse ensejo; e, armado de um fueiro quedescravou de um carro, parIu muitas cabeças, erematou o trágico espetáculo pela farsa de quebrartodos os cântaros. O povoléu intacto fugiraespavorido, que ninguém se atrevia ao filho docorregedor; os feridos, porém, incorporaram-se eforamclamarjusIçaàportadomagistrado.DomingosBotelhobramia contraofilho,eordenavaaomeirinho geral que o prendesse à sua ordem. D.Rita, não menos irritada, mas irritada como mãe,mandou,porportas travessas,dinheiroaofilhoparaque,semdetença, fugisseparaCoimbra,eesperasseláoperdãodopai.O corregedor quando soube o expediente de suamulher, fingiu-se zangado, e prometeu fazê-locapturar em Coimbra. Como, porém, D. Rita lhechamassebrutalnassuasvingançaseestúpidojuizdeuma rapaziada, o magistrado desenrugou aseveridadeposIçadatesta,econfessoutacitamentequeerabrutaleestúpidojuiz.

Simãorespondeaideaisemqueacredita,revolta-secontraainjusIçaeentraemconflito.

OpaideSimãonãotemcontemplaçõescomofilhoepretendequeoprendam.

AmãedeSimãodádinheiroaofilhoparaqueestefujaparaCoimbra.

AItudesdisIntasfaceaocomportamentodofilhoerelaIvamenteàjusIça.

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O amor-paixão

Intensidade do sentimento

Entrega espiritual

Impossibilidade de concretização física

Oposição à razão

Motivador de conflito com a sociedade

Catalisador da tragédia (associação à morte)

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O amor-paixão

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CapítuloIVOcoraçãodeTeresaestavamenIndo.Vãopedirsinceridadeaocoração!Parafinosentendedores,odiálogodoanteriorcapítulodefiniuafilhadeTadeudeAlbuquerque.Emulhervaronil, temforçadecaráter, orgulho fortalecido pelo amor, desapego das vulgaresapreensões,sesãoapreensõesarenúnciaqueumafilhafezdoseualvedrioàsimprevidentesecaprichosasvontadesdeseupai.Dizboagentequenão,eeuabundosemprenovotodagenteboa. Não será aleive atribuir-lhe uma pouca de astúcia ouhipocrisia, se quiserem; perspicácia seria mais correto dizer.Teresaadivinhaquealealdadetropeçaacadapassonaestradarealdavida,equeosmelhoresfinsseaIngemporatalhosondenãocabemafranquezaeasinceridade.Estesardissãorarosnaidade inexperta de Teresa; mas a mulher do romance quasenuncaétrivial,eestadequerezamosmeusapontamentoseradisInnssima. A mim me basta crer em sua disTnção, acelebridadequeelaveioaganharàcontadadesgraça.DacartaqueelaescreveuaSimãoBotelho, contandoas cenasdescritas,acríIcadeduzqueameninadeViseucontemporizavacomopai,pondoamiranofuturo,sempassarpelodissabordoconvento, nem romper com o velho em manifestadesobediência.NanarraIvaquefezaoacadémicoomiIuelaasameaças do primo Baltasar, cláusula que, a ser transmiIda,arrebataria de Coimbra o moço, em quem sobejavam brios ebravuraparamantê-los.MasnãoéestaaindaacartaquesurpreendeuSimãoBotelho.Parecia bonançoso o céu de Teresa. Seu pai não falava emclaustro nem em casamento. Baltasar CouInho voltara ao seusolar de Castro-d'Aire. A tranquilamenina dava semanalmenteestasboasnovasaSimão,que,aliandoàsventurasdocoraçãoas riquezasdoespírito,estudava incessantemente,edesvelavaasnoitesarquitetandooseuedizciodefuturaglória.

Teresa•  Revela“perspicácia”,nãoafrontando

diretamenteoseupaieservindo-sedealguma“astúcia”aoaparentarrenunciaraosseusdesejosecederàs“caprichosasvontades”doseuprojenitor;

•  Forte,astuciosa,perspicaz,ponderada.

•  ConheceogéniodeSimão,porissonãolhecontatudo:

•  Inteligenteeponderada

Simão•  EstáemCoimbraemantémum

comportamentomaiscalmo;•  Estuda“incessantemente”,graçasaeste

amorquehabitaoseu“coração”.

Antecipaçãodoquehádevir.TeresairáescreveroutracartaquefaráSimãoagircomooutrorafazia.

ComentáriosdonarradorrevelamasuaperspecIvapessoal,valorizaçãodosenImentoamoroso(absolviçãodoautor).

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(ConInuaçãoCap.IV)Aoromperd’alvadumdomingodejunhode1803,foiTeresachamadaparaircom seu pai à primeira missa da igreja paroquial. VesTu-se a menina,assustada, e encontrou o velho na antecâmara a recebê-la com muitoagrado,perguntando-lheseelaseerguiadebonshumoresparadaraoautordeseusdiasumrestodevelhicefeliz.OsilênciodeTeresaerainterrogador.-VaishojedaramãodeesposaateuprimoBaltasar,minhafilha.Éprecisoque te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres estepasso dizcil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam serimpostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a violênciadum pai é sempre amor. Amor tem sido a minha condescendência ebrandura para conTgo. Outro teria subjugado a tua desobediência commaustratos,comosrigoresdoconvento,etalvezcomodesfalquedoteugrande património. Eu, não. Esperei que o tempo te aclarasse o juízo, efelicito-medetejulgardesassombradadodiabólicopresngiodomalditoqueacordou o teu inocente coração. Não te consultei outra vez sobre estecasamento,portemerqueareflexãofizessemalaozelodeboafilhacomquetuvaisabraçarteupai,eagradecer-lheaprudênciacomqueelerespeitouoteugénio,velandosempreahonradeteencontrardignadoseuamor.Teresa não desfitou os olhos do pai; mas tão abstraída estava, queescassamentelheouviuasprimeiraspalavras,enadadasúlImas.-  Nãomerespondes,Teresa?!-tornouTadeu,tomando-lhecariciosamente

asmãos.-  Queheideeuresponder-lhe,meupai?-balbuciouela.-Dá-meoque tepeço?Enchesde contentamentoospoucosdiasquemerestam?-Eseráopaifelizcomomeusacrizcio?-Nãodigassacrizcio,Teresa...Amanhãaestashorasverásquetransfiguraçãose fezna tuaalma. Teuprimoéumcompostode todasas virtudes;nemaqualidadedeserumgenIlmoçolhefalta,comoseariqueza,aciênciaeasvirtudesnãobastassemaformarummaridoexcelente.- E ele quer-me, depois de eu me ter negado? - disse ela com amargurairónica.-Seeleestáapaixonado,filha!...etembastanteconfiançaemsiparacrerquetuhásdeamá-lomuito!...-Enãoserámaiscertoodiá-loeusempre?!Euagoramesmooabominocomonuncapenseiquesepudesseabominar!Meupai...-conInuouela,chorando,comasmãoserguidas-mate-me;masnãomeforceacasarcommeuprimo!Éescusadaaviolência,porqueeunãocaso!

Costumes/Normassociais:•  OpaideTeresadecidecomquemafilhairá

casar:•  PrimoBaltasar:

•  Igualestatutosocial;•  Opatrimónioficanafamília.

AgeraçãodeTadeudeAlbuquerqueedeDomingosBotelhorege-sepelasseguintesnormas:•  Ofilhoprimogénitodeveseguiraspisadasdo

pai(Manuelestudaparajuiz);•  Osegundofilhodevesermilitarouingressar

navidareligiosa;•  Asfilhassãoeducadasparaumbom

casamento,decididopelospais,ou•  Podemingressarnumconvento.

PreponderânciadopretéritoperfeitodoindicaIvo–successãodeaçõespontuaiselocalizadasnumtempodeterminado(opretéritoimperfeitoeopresenteremetemparaumpassadoduraIvo)

Referênciasaotempodaação–ritmomaisrápido(contrastacomoritmomaislentodosparágrafosanteriores).

TadeudeAlbuquerque

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(ConInuaçãoCap.IV)Tadeumudoudeaspecto,edisseirado:-Hás de casar! - Quero que cases! Quero!... Quandonão,amaldiçoadaserásparasempre,Teresa!Morrerásnumconvento!Esta casa irá para teuprimo!NenhuminfamehádeaquipôrpénasalcaIfasdemeusavós.Seésumaalmavil,nãomepertences,nãoésminhafilha,não podes herdar apelidos honrosos, que foram pelaprimeiravezinsultadospelopaidessemiserávelquetuamas!Malditasejas!Entranessequarto,eesperaquedaítearranquemparaoutro,ondenãoverásumraiodeSol.Teresa ergueu-se sem lágrimas, e entrou serenamentenoseuquarto.TadeudeAlbuquerquefoiencontrarseusobrinho,edisse-lhe:- Não te posso dar minha filha, porque já não tenhofilha. A miserável, a quem dei este nome, perdeu-separanóseparaela.Baltasar, que, a juízo de seu Io, era um composto deexcelência, Inha apenas uma quebra; a absolutacarência de brios.Malograda a tentaIva do seu amordeemboscada, tornouparaa terraoprimodeTeresa,dizendoaovelhoqueeleo livrariadoassédioemqueSimãoBotelholheInhaocoraçãodafilha.Nãoaprovouareclusãonoconvento,discorrendosobreashipótesesinfamantes que a opinião pública inventaria.Aconselhouqueadeixasseestar emcasa, e esperassequeofilhodocorregedorviessedeCoimbra.

Casamento ou Convento

MoIvodoódioentreasfamílias:•  Emdeterminadaocasião,DomingosBotelho

decidiujudicialmentecontraTadeudeAlbuquerque–desdeaíasfamíliasnãosedão.

ConselhosdeBaltasar:•  NãomandarTeresaparaumconvento-A

opiniãopública;•  PromessadequelivrariaTeresadoassédiode

Simão.

TadeudeAlbuquerque

Teresa–forçaefirmezadecaráter,nãocedeàimposiçãodopaiesuporta“semlágrimas”oconfronto:•  heroínaromânIca;•  confrontocomasociedade;•  crónicadamudançasocial.

Page 31: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Citaçõesqueservemdebaseàresposta:

1ºMomento:•  “o velho na antecâmara a recebê-la commuito agrado, perguntando-lhe se ela se erguia de bons

humoresparadaraoautordeseusdiasumrestodevelhicefeliz.”•  “Éprecisoquetedeixescegamentelevarpelamãodeteupai.”•  “conhecerásquea tua felicidadeédaquelasqueprecisam ser impostaspela violência.Mas repara,

minhaqueridafilha,queaviolênciadumpaiésempreamor.”•  “condescendência e brandura para conIgo. Outro teria subjugado a tua desobediência commaus

tratos, com os rigores do convento, e talvez com o desfalque do teu grande património. Eu, não.Espereiqueotempoteaclarasseojuízo”

•  -Nãomerespondes,Teresa?!-tornouTadeu,tomando-lhecariciosamenteasmãos.2ºMomento•  “Tadeumudoudeaspecto,edisseirado:•  - Hás de casar! - Quero que cases! Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para sempre, Teresa!

Morrerásnumconvento!Estacasairáparateuprimo!NenhuminfamehádeaquipôrpénasalcaIfasdemeus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidoshonrosos,queforampelaprimeiravezinsultadospelopaidessemiserávelquetuamas!Malditasejas!Entranessequarto,eesperaquedaítearranquemparaoutro,ondenãoverásumraiodeSol.”

•  “-Amiserável,aquemdeiestenome,perdeu-separanóseparaela.”

Caracterização de Tadeu de Albuquerque tendo em conta os dois momentos distintos na conversa com a filha

Page 32: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

Resposta:

Duranteocapítuloquarto,nomeadamentenoexcertoapresentado,TadeudeAlbuquerquesofreumatransformaçãopsicológica,adotandodoisIposdecomportamentodisIntos.Numprimeiromomento,eleprocurasercompreensivocomasuafilha, tentandocriarumambientedeamizadeecumplicidade, recebendo-a “na antecâmara [...] com muito agrado, perguntando-lhe se ela se erguia de bonshumoresparadaraoautordeseusdiasumrestodevelhice feliz”.Desta forma,tentaqueasuafilhaconfieoseudesInonassuasmãos,dizendo-lheque“[é]precisoque[sedeixe]cegamentelevarpelamãode[s]eupai”esóassimconseguiráconhecerafelicidadeque,noseucaso,“[precisa]ser[imposta]pelaviolência”,porémesclarece-adizendoque“aviolênciadumpaiésempreamor”.ÉprecisamentenestemomentoqueopaideTeresaconfessaquetemsidosemprecondescendenteebrandocomela, jáque“[o]utroteriasubjugadoa[s]uadesobediênciacommaustratos,comosrigoresdoconvento,etalvezcomodesfalquedo[...]património”.Pelocontrário,oseuprogenitoresperoupacientementequeafilhatomasseumadecisão,aqualeleaguardanesteinstante“tomando-lhecariciosamenteasmãos”.TodoesteenlevoterminadeformaabruptaquandoTeresarespondeaseupaiquenãocasarácomoprimo.A parIr dessemomento, “Tadeumudou de aspecto” e ficou “irado”, dirigindo-se à filha de uma forma violenta.Assim,amaldiçoa-a,diz-lhequemorrerá“numconvento”equeserádespojadadoseupatrimónio,queserádadoaBaltasar.Oseudescontroloétalqueafirma“[s]eésumaalmavil,nãomepertences,nãoésminhafilha,nãopodesherdarapelidoshonrosos. [...]Malditasejas!”, rematandocomadecisãoacercadodesInodeTeresa“Entranessequarto,eesperaquedaítearranquemparaoutro,ondenãoverásumraiodeSol”.Emsuma,aalteraçãodoestadodeespíritodeTadeudeAlbuquerquefazcomqueTeresapassedeuma“boafilha”para uma “miserável”, sendo, destemodo, estes “cognomes” representaIvos da compreensão e da fúria senIdaspelopaidaprotagonista.

Caracterização de Tadeu de Albuquerque tendo em conta os dois momentos distintos na conversa com a filha

Page 33: Amor de Perdição - Camilo Castelo Branco - análise

(ConInuaçãoCap.IV)Ponderaramnoânimodovelhoas razõesdeBaltasar. Teresamaravilhou-sedaquietação inesperadadeseupaiedesconfiouda incoerência.EscreveuaSimão. Nada lhe escondeu do sucedido; nem as ameaças de Baltasar pordelicadeza suprimiu.Rematavacomunicando-lheas suas suspeitasdealgumplanodeviolência.O académico, chegando ao período das ameaças, já não Inha clara luz nosolhosparadecifraro restantedacarta.Tremia sezões,easartérias frontaisarfavam-lheentumecidas.Nãoerasobressaltodocoraçãoapaixonado:eraaíndole arrogante que lhe escaldava o sangue. Ir dali a Castro-d'Aire eapunhalaroprimodeTeresanasuaprópriacasa,foioprimeiroconselhoquelhesegredouafúriadoódio.Nestepropósitosaiu,alugoucavalo,erecolheuavesIr-sedejornada.Jápreparado,acadaminutodeesperaassomava-seemfrenesis. O cavalo demorou-semeia hora, e o seu bom anjo, neste espaço,vesIdo com as galas com que ele vesIa na imaginação Teresa, deu-lherebatesde saudadedaqueles temposeaindadashorasdaquelemesmodiaemquecismavanafelicidadequeoamorlhepromeIa,seeleaprocurassenocaminhodotrabalho,edahonra.Contemplouosseuslivroscomtantoafeto,como se em cada um esIvesse uma página da história do seu coração.NenhumadaquelaspáginasInhaele lido, semquea imagemdeTeresa lheaparecesseafortalecê-loparavencerostédiosdaconInuadaaplicação,eosímpetos dum natural inquieto e ansioso de comoções desusadas. "E há detudoacabarassim?-pensavaele,comafaceentreasmãos,encostadoàsuabanca de estudo. - Ainda há pouco eu era tão feliz!... - Feliz! - repeIu ele,erguendo-se de golpe. - Quem pode ser feliz com a desonra duma ameaçaimpune?!... Mas eu perco-a! Nunca mais hei de vê-la!... Fugirei como umassassino, e meu pai será o meu primeiro inimigo, e ela mesmo há dehorrorizar-sedaminhavingança...Aameaça sóelaaouviu;e, seeuIvessesidoaviltadonoconceitodeTeresapelosinsultosdomiserável,talvezqueelaosnãorepeIsse.Simão Botelho releu a carta duas vezes, e à terceira leitura achou menosafrontosas as bravatas do fidalgo cioso. As linhas finais desmenIamformalmente a suspeita do aviltamento, com que o seu orgulho oatormentava: eram expressões ternas, súplicas ao seu amor comorecompensadospassadosefuturosdesgostos,visõesencantadorasdofuturo,novosjuramentosdeconstância,esenIdasfrasesdesaudade.

RevoltadeTeresaedeSimãoperanteasituação

ÂnsiadeliberdadeedejusIça,lutapelosideais

MudançanasociedadeprovenientedaRevoluçãoFrancesa(1789)

SimãoeTeresadispostosatudoparadarvozaosseusideaiseàsuahonra.

DiscursoemoIvodeSimão–grandeexpressividadedapontuação

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(ConInuaçãodoCap.IV)Quandooarreeirobateuàporta,SimãoBotelho jánãopensavaemmatarohomemdeCastro-d'Aire;masresolverairaViseu,entrardenoite,esconder-seeverTeresa.Faltava-lhe,porém, casadeconfiançaonde seocultasse.Nasestalagens, seria logodescoberto.Perguntou ao arreeiro se conhecia alguma casa em Viseu onde ele pudesse estarescondidoumanoiteouduas,semreceiodeserdenunciado.OarreeirorespondeuqueInha,aumquartodeléguadeViseu,umprimoferrador;enãoconheciaemViseusenãoos estalajadeiros. Simão achou aproveitável o parentesco do homem, e logo daí opresenteoucomumajaquetadepeleseumafaixadesedaescarlate,àcontademaioresvalorespromeIdos,seeleobemservissenumaempresa,amorosa.No dia seguinte, chegou o académico a casa do ferrador. O arreeiro deu conta ao seuparentedoquevinhatratadocomoestudante.FoiSimãoBotelhocautelosamentehospedado,eoarreeiroabalounomesmopontoparaViseu,comumacartadesInadaaumamendiga,quemoravanomaisimpraIcávelbecodaterra. A mendiga informou-se miudamente da pessoa que enviava a carta, e saiu,mandandoesperaro caminheiro.Poucodepois. voltouela coma resposta, eoarreeiroparIuagalope.Eraarespostaumgritodealegria.TeresanãorefleIu,respondendoaSimãoquenaquelanoitesefestejavamosseusanos,esereuniamemcasaosparentes.Disse-lhequeàsonzehorasempontoelairiaaoquintalelheabririaaporta.Nãoesperavatantooacadémico.Oqueelepediaerafalar-lhedaruaparaajaneladoseuquarto,ereceava impossívelesteprazer,queeleavaliavaomáximo.Apertar-lheamão,senIr-lheohálito,abraçá-latalvez,cometeraousadiadeumbeijo,estasesperanças,tãoalém de suas modestas e honestas ambições, igualmente o enlevavam e assustavam.Enlevo e susto em corações que se estreiam na comédia humana são senImentoscongeniais.AhoradaparIda,Simãotremia,easimesmopediacontasdaImidez,semsaberqueosencantosda vida, osmais angélicosmomentosda alma, são esses lancesdemisteriosoalvoroçoqueaosmaisserôdiosdecoraçãosucedememtodasasrazõesdavida,eatodososhomens,umavezaomenos.Às onze horas em ponto estava Simão encostado à porta do quintal, e a distânciaconvencionadaoarreeirocomocavaloàrédea.Atoadadamúsica,quevinhadassalasremotas,alvoroçava-o,porqueafestaemcasadeTadeudeAlbuquerqueosurpreendera.Nolongotermodetrêsanosnuncaeleouviramúsicanaquelacasa.Seelesoubesseodianatalício de Teresa, espantara-se menos da estranha alegria daquelas salas, semprefechadascomoemdiasdemortório.Simão imaginoudesvairadamenteasquimerasquevoejam, ora negras, ora translúcidas, em redor da fantasia apaixonada.Não há balizaracionalparaasbelas,nemparaashorrorosasilusões,quandooamorasinventa.SimãoBotelho,comoouvidocoladoàfechadura,ouviaapenasosomdasflautas,easpancadasdocoraçãosobressaltado.

SimãoeTeresatêmaItudesdedesmedidoamor,sempensarverdadeiramentenasconsequênciasdosseusatos:•  SimãodecideirverTeresa,

primeiramentecomoobjeIvodematarBaltasar(depoisacabaporficarmaiscalmo);

•  TeresarevelaaSimãoquenaquelanoiteháfestaemsuacasaemarcaumencontroconsigo.

Amor-paixão

Referênciasaotempodaação–ritmomaisrápido(contrastacomoritmomaislentodosparágrafosanteriores).

Narrador heterodiegéIco com posiçãosubjeIva – os comentários revelam aperspeIva pessoal sobre a situaçãoemocional das personagens – valorizaçãodosenImentoamoroso.

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CríTcaàsociedadedoséculoXIX

SenTmentoderevoltaedesencantofaceaopaís

Antagonismoentreahonradosprotagonistaseamoralsocialdecadenteeanacrónica

FacetaanT-heroicadosprotagonistas

A obra como crónica da mudança social

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A obra como crónica da mudança social

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A obra como crónica da mudança social

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CapítuloXApeouMarianadefrontedomosteiro,efoiàportariachamarasuaamigaBrito.-Queboamoça! -disseopadrecapelão,queestavano rarolateraldaporta,praIcandocomaprioresa,acercadasalvaçãodas almas, e de umas coretas de vinho do Pinhão que elerecebera naquele dia, e do qual já Inha engarrafado umalmudeparatonizaroestômagodaprelada.-Queboamoça! - tornou ele, comumolhonela e outro noraro,ondeaciumosaprioresaseestavaremordendo.-Deixeláamoça,edigaquandohádeiraserventebuscarovinho.-Quandoquiser,senhoraprioresa.Masreparebemnosolhos,nofeiIo,naqueletododarapariga!...-Pois repareosenhorpadre João - replicoua freira -queeutenhomaisquefazer.E reIrou-se como coraçãoomal-ferido, e o queixo superiorescorrendolágrimas...desimonte.cheiroatabaco-hábitodoséc.XIX-Dondeévossemecê?-dissebrandamenteopadrecapelão.-Soudaaldeia-respondeuMariana.-Issovejoeu...Masdequealdeiaé?-Nãomeconfessoagora.-Masnãofariamalseseconfessasseamim,menina,quesoupadre...-Bemvejo.-Quemalgéniotem!...-Éistoquevê.-Quemprocuracánoconvento?-Jádisseláparadentroquemprocuro.-Mariana,éstu?!Andacá!

CríIcasocial

Estesdiálogosdocapelãoservemparamostrarqueosmembrosdoclerotêminteressesmundanais–adevassidãodoclero.

Diálogos

-  Reproduçãofieldaoralidade;-  TensãodramáIca;-  Frasescurtas=ritmorápido;-  Revelamapersonalidadedos

intervenientes:-  Capelão–malicioso;-  Mariana–decidida,

dedicada,temperamentoforte.

Mudançasocial

-Teresaestánoconventopornãoaceitaraimposiçãodopaierompercomoshábitosestabelecidos.

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(ConInuaçãoCap.X)Amoçafezumacortesiadecabeçaaopadrecapelão,efoiaolocutóriodondevinhaaquelavoz.-EuqueriafalarconIgoemparIcular,Joaquina-disseMariana.-Euvouversearranjoumagrade:esperaaí..OpadreInhasaídodopáIo,eMariana,enquantoesperava,examinou,umaauma,asjanelasdomosteiro.Numadasjanelas,atravésdasreixasdeferro,viuelaumasenhorasemhábito.-Seráaquela?-perguntouMarianaaoseucoração,quepalpitava-Seeufosseamadacomoela!...-Sobeaquelasescadinhas,Mariana,eentranaprimeiraportadocorredor,queeulávou-disseJoaquina.Marianadeualgunspassos,olhounovamenteparaajanelaondeviraasenhorasemhábito,erepeIuainda:-Seeufosseamadacomoela!...Malentrounagrade,disseàsuaamiga:-Olhalá,Joaquina,queméumameninamuitobranca,alvacomoleite,queestavaaliagoranumajanela?-Seriaalgumanoviça,queháduascámuitolindas.-MaselanãoInhavesImentanenhumadefreira.-Ah!jásei;éaD.TeresinhadeAlbuquerque.-Entãonãomeenganei-disseMariana,pensaIva.-Poistuconhece-la?-Não;masporamordelaéqueeucávimfalarconIgo.-Entãoqueé?!Quetenstucomafidalga?-Eucá,pormimnada;mascomumapessoaquelhequermuito.-Ofilhodocorregedor?-Essemesmo.-MasesseestáemCoimbra,-Nãoseiseestá,nemsenão.Faz-metuumfavor?-Seeupuder...-Podes...Euqueriafalarcomela.-Ódianho!Issonãoseisepoderáser,porqueatrazemasfreirasdebaixodeolho,eelavai-seemboraamanhã.-Paraondevai?-Vaiparaoutroconvento,nãoseisedeLisboa,sedoPorto.Osbaúsjáestãopreparados,eelaestámortaporsair.Etuquelhequeres?-Nãotopossodizer,porquenãosei...Queriadar-lheumpapel...Fazecomqueelavenhacá,queeudou-techitaparaumvesIdo.-Comotuestásrica,Mariana!...-atalhou,rindo,Joaquina.-Eunãoqueroatuachita,rapariga.Seeupuderdizer-lhequevenha,semquealguémmeouça,digo-lho.Eagoraéboamaré,porquetocouaocoro...Deixa-meirlá...Joaquinasaiu-sebemdadizcilcomissão.Teresaestavasozinha,absorvidaacismar,comosolhosfitosnopontoondeviraMariana.-Ameninafazfavordevircomigodepressinha?-disse-lheacriada.Seguiu-aTeresa,eentrounagrade,queJoaquinafechou,dizendo:-Omaisbrevequepossabatapordentroparaeulheabriraporta.Seperguntaremporvossaexcelência,digo-lhequeameninaestánomirante.

IntervençãodeMariana-TrazumrecadodeSimãoparaTeresa;-Abnegaçãototal–fazomelhorparaSimão,passandoporcimadosseusprópriossenImentos.

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ConInuaçãodocap.XAvozdeMarianatremia,quandoD.Teresalheperguntouquemera.-Souumaportadoradestacartaparavossaexcelência.-ÉdeSimão!-exclamouTeresa.-Sim,minhasenhora.Areclusaleuconvulsivaacartaduasvezes,edisse:-Eunãopossoescrever-lhe,quemeroubaramomeuInteiro,eninguémmeemprestaum.Diga-lhequevoudemadrugadaparaoconventodeMonchique,doPorto.Quesenãoaflija,porqueeusousempreamesma.Quenãovenhacá,porqueissoseriainúIl,emuitoperigoso.Queváver-meaoPorto,queheidearranjarmododelhefalar.Diga-lheisto,sim?-Sim,minhasenhora.-Nãoseesqueça,não?Vircá,pormodonenhum.Éimpossívelfugir,evoumuitoacompanhada.VaioprimoBaltasareasminhasprimas,emeupaienãoseiquantoscriadosdebagagemedasliteiras.Tirar-menocaminhoéumaloucuracomresultadosfunestos.Diga-lhetudo,sim?Joaquinadisseforadaporta:-Menina,olhequeaprioresaandalápordentroaprocurá-la.-Adeus,adeus-disseTeresa,sobressaltada.-TomeláestalembrançacomoprovademinhagraIdão.EIroudodedoumaneldeouro,queofereceuaMariana.-Nãoaceitominhasenhora.-Porquenãoaceita?-Porquenãofizalgumfavoravossaexcelência.Areceberalgumapagahádeserdequemcámemandou.FiquecomDeus,minhasenhora,eoxaláquesejafeliz.SaiuTeresa,eJoaquinaentrounagrade.-Játevaisembora,Mariana?-Vou,queépressa;umdiavireiconversarconIgomuito.Adeus,Joaquina.-Poisnãomecontasoqueistoé?Oamordafidalgaestápertodaqui?Conta,queeunãodigonada,rapariga!...-Outravez,outravez;obrigada,Joaquina?Mariana,duranteavelozcaminhada,foirepeIndoorecadodafidalga;e,sealgumavezsedistraiadesteexercíciodememória,eraparapensarnasfeiçõesdaamadadoseuhóspede,edizer,comoemsegredo,aoseucoração:"Nãolhebastavaserfidalgaerica:é,alémdetudo,lindacomonuncavioutra!"Eocoraçãodapobremoça,avergandoaoqueaconsciêncialheiadizendo,chorava.

PedidoexplícitodeTeresaparaqueSimãonãotenteirvê-laquandoelamudardeconvento.

TeresatentapagarofavorqueMarianalheestáafazer.•  Mariananãoreagebema

isso.ElaassumeestepapelporamoraSimão,nãoquerserpagaporisso.

SofrimentodeMariana

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Relações entre personagens

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ConInuaçãoCap.XSimão, de uma fresta do posIgo do seu quarto, espreitava ao longo do caminho, ou escutava a estropeada dacavalgadura.AodescobrirMariana,desceuaoquinteiro,desprezandocautelaseesquecidojádoferimento,cujacrisedeperigopioraranaqueledia,queeraooitavodepoisdoIro.Afilhadoferradordeuorecado,esemalteraçãodepalavra.Simãoescutara-aplacidamenteatéaopontoemquelheeladissequeoprimoBaltasaraacompanhavaaoPorto.-OprimoBaltasar!...-murmurouelecomumsorrisosinistro-SempreesteprimoBaltasarcavandoasuasepulturaeaminha!...-Asua,fidalgo!-exclamouJoãodaCruz.-Morraele,queolevemtrintamilhõesdediabos!MasvossasenhoriahádeviverenquantoeuforJoão.Deixe-a irparaoPorto,quenãotemperigonoconvento.DehoraahoraDeusmelhora.Osenhor doutor vai para Coimbra, está por lá algum tempo, e às duas por três, quando o velho mal se precatar, afidalguinhaengrampa-o,eésuatãocertocomoestaluzquenosalumia.-Euheidevê-laantesdeparIrparaCoimbra-disseSimão.-Olhequeelarecomendou-memuitoquenãofosselá-acudiuMariana.-Porcausadoprimo?-tornouoacadémicoironicamente.-Achoquesim,eportalveznãoservirdenadaláirvossasenhoria-respondeuTmidamenteamoça.-Lá,sequer,-brandoumestreJoão-amulher,vai-se-lheTraraocaminho.Nãotemmaisquedizer.-Meupai,nãometaestesenhoremmaiorestrabalhos?-disseMariana.-Nãotemdúvidamenina-atalhouSimão-euéquenãoquerometerninguémemtrabalhos.Comaminhadesgraça,pormaiorqueelaseja,heideeulutarsozinho.JoãodaCruz,assumiuumagravidadedequeasuafigurararasvezesseenobrecia,disse:-SenhorSimão,vossasenhorianãosabenadadomundo.Nãometasozinhoacabeçaaostrabalhos,queeles,comoooutroquediz,quandopegamdeensarrilharumhomem,não lhedeixamtomarfôlego.EusouumrúsTco;mas,abemdizer,estounaqueladaquelequediziaqueomaldosseusburrinhosofizeraalveitar.Paixões...queasleveodiabo,emaisquem comelas engorda. Por causa de umamulher, ainda que ela seja filha do rei, não se ha de umhomembotar aperder.Mulhereshátantascomoapraga,esãocomoasrãsdocharco,quemergulhauma,eaparecemquatroàtonadaágua.Umhomemricoefidalgocomovossasenhoria,ondequertopaumacomumpalmodecaracomosequereumdotedeencheroolho.Deixe-aircomDeusoucomabreca,queela,seIverdesersua,nãolhehádevirdar,tantoandarparatráscomoparadiante:éditadodosanIgos.Olhequeistonãoémedo,fidalgo.TomesenIdo,queJoãodaCruzsabeoqueépôrdoishomensdumafeitaaolharosete-estrelo,masnãosabeoqueémedo.SeosenhorquersairàestradaeIraratalpessoaaopai,aoprimo,eaumregimento,sefornecessário,euvoumontarnaégua,edaquiatrêshorasestoudevoltacomquatrohomens,quesãoquatrodragões.Simãofitaraosolhoschamejantesnodoferrador,eMarianaexclamara,ajuntandoasmãossobreoseio:-Meupai,nãolhedêessesconselhos!...-Cala-teaí,rapariga!-dissemestreJoão.-VaiIraroalbardãoàégua,amanta-a,ebota-lheseco.Nãoésaquichamada.-Nãováaflita,senhora-disseSimãoàmoça,quesereIrava,amargurada.-Eunãoaproveitoalgunsdosconselhosdeseupai. Ouço-o com boa vontade, porque sei que quer o meu bem; mas hei de fazer o que a honra e o coração meaconselharem.

Campolexicaldemorte:

esseéodesInopressagiadodestecasal.

CaracterizaçãodeMariana:-  correta;-  cumpridora;-  prudente;-  preocupada

comSimão.

CaracterizaçãodeJoãodaCruz:-  rúsIco;-  Visão

tradicionalistadospapéisdohomemedamulher;

-  bondoso;-  dispostoa

ajudarSimão.-  corajoso.

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ConInuaçãodoCap.XAo anoitecer, Simão, como esIvesse sozinho, escreveu umalongacarta,daqualextratamososseguintesperíodos:"Considero-teperdida,Teresa.OSoldeamanhãpodeserqueeuo não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte.Parecequeofriodaminhasepulturameestápassandoosangueeosossos.Nãopossoseroquetuqueriasqueeufosse.Aminhapaixãonãoseconformacomadesgraça.Erasaminhavida:InhaacertezadequeascontrariedadesmenãoprivavamdeI.Sóoreceiodeperder-tememata.OquemerestadopassadoéacoragemdeirbuscarumamortedignademimedeI.Setensforçaparaumaagonialenta,eunãopossocomela.Poderiavivercomapaixãoinfeliz;masesterancorsemvingançaé um inferno. Não hei de dar barata a vida, não. Ficarás semmim,Teresa;masnãohaveráaíuminfamequetepersigadepoisdaminhamorte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas.Hás depensarcommuitasaudadenoteuesposodocéu,enuncaIrarásdemimosolhosdatuaalmaparaveresaopédeIomiserávelquenosmatouarealidadedetantasesperançasformosas.Tu verás esta carta quando eu já esIver num outro mundo,esperandoasoraçõesdastuaslágrimas.Asorações!Admiro-medestafaíscadeféquemealumianasminhastrevas.!...Tuderas-me como amor a religião, Teresa.Ainda creio; não se apaga aluz,queétua;masaprovidênciadivinadesamparou-me.Lembra-te demim. Vive, para explicares aomundo, com a tualealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a umabismo.Escutaráscomglóriaavozdomundo,dizendoqueerasdignademim.Ahoraemqueleresestacarta...”

•  EstacartadenunciaoestadodeespíritodeSimãoantesderumaraViseu;

ImportânciadestacartanaeconomiadanarraIva:

•  AntecipaodesInofataldarelação,insisIndonocampolexicalde“morte”;

•  CulpabilizaBaltasardetodaestadesgraça.

Esteamornãoterá

“esperançasformosas”.

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ConInuaçãodoCap.XNãoodeixaramconInuaraslágrimas,nemdepoisapresençadeMariana.Vinhaelapôramesaparaaceia,e,quandodesdobravaatoalha,disseemvozabafada,comoseasimesmasomenteodissesse:-ÉaúlImavezqueponhoamesaaosenhorSimãoemminhacasa!-Porquedizisso,Mariana?-Porquemodizocoração.Destavez,oacadémicoponderousupersIciosamenteosditamesdocoraçãodamoça,ecomosilênciomeditaIvodeu-lheaelaaevidênciaantecipadadovaIcínio.Quandovoltoucomatravessadagalinha,vinhachorandoafilhadeJoãodaCruz.-Choracompenademim,Mariana?-disseSimão,enternecido.- Choro, porqueme parece que o não tornarei a ver; ou, se o vir, será demodo que oxalá que eumorresseantesdeover.-Nãoserá,talvez,assim,minhaamiga...-Vossasenhorianãomefazumacoisaqueeulhepeço?-Veremosoquepede,menina.-Nãosaiaestanoite,nemamanhã,-Pedeo impossível,Mariana.Heide sair,porquememataria senão saísse. - Entãoperdoeaminhaousadia.Deusotenhadasuamão.Araparigafoicontaraopaiasintençõesdoacadémico.AcudiulogomestreJoãocombatendoaideiadasaída, com encarecer os perigos do ferimento. Depois, como não conseguisse dissuadi-lo, resolveuacompanhá-lo. Simão agradeceu a companhia,mas rejeitou-a comdecisão.O ferrador não cedia dopropósito, eestava jápreparandoa clavina, e arraçoando commedidadobradaaégua -paraoquedesseeviesse-diziaele,quandooestudantelhedisseque,melhoravisado,resolveranãoiraViseu,eseguirTeresaaoPorto,passadososdiasdeconvalescença.FacilmenteoacreditouJoãodaCruz;masMariana,submissasempreaoqueoseucoração lhebacorejava,duvidoudamudança,edisseaopaiquevigiasseofidalgo.Asonzehorasdanoite,ergueu-seoacadémico,eescutouomovimentointeriordacasa:nãoouviuomais ligeiro ruído, a não ser o rangido da égua na manjedoura. Escorvou de pólvora nova as duaspistolas.EscreveuumbilhetesobrescritadoaJoãodaCruz,eajuntou-oàcartaqueescreveraaTeresa.Abriuasportasdajaneladoseuquarto,epassoudaliparaavarandadepau,daqualosaltoàestradaerasemrisco.Saltou,eInhadadoalgunspassos,quandoafresta,lateralàportadavaranda,seabriu,eavozdeMarianalhedisse:-Entãoadeus,senhorSimão.EuficopedindoaNossaSenhoraquevánasuacompanhia.Oacadémicoparou,eouviuavozinImaquelhedizia:-"Oteuanjodaguardafalapelabocadaquelamulher,quenãotemmaisinteligênciaqueadocoraçãoalumiadopeloseuamor."-Dêumabraçoemseupai.Mariana-disse-lheSimão-eadeus...atélogo,ou...-Atéaojuízofinal...-atalhouela.-OdesInohádecumprir-se...Sejaoqueocéuquiser.Tinha Simão desaparecido nas trevas, quandoMariana acendeu a lâmpada do santuário, e ajoelhouorandocomofervordaslágrimas.

PressenImentosdeMariana•  SabequeSimãovai

“perder”asuavidanaquelanoite.

Marianacomo“anjodaguarda”deSimão,aquelaquezelapelasuatranquilidadeefelicidade,abdicandodasuaquepassariaporverretribuídooseuamor.

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ConInuaçãodoCap.XEraumahora,eestavaSimãodefrontedoconvento, contemplandoumaaumaas janelas. Emnenhuma vira da clarão de luz; só a do lampadário do Sacramento se coava baça e pálida navidraçadumafrestadotemplo.Sentou-senasescaleirasda igreja,eouviuali, imóvelasquatrohoras.Dasmilvisõesquelherelancearamnoatribuladoespírito,aquemaisamiúdoserepeIaera a de Mariana suplicante, com as mãos postas; mas, ao mesmo tempo, cria ele ouvir osgemidos de Teresa, torturada pela saudade, pedindo ao céu que a salvasse dasmãos de seusalgozes.OvultodeTadeudeAlbuquerque,arrastandoafilhaaumconvento,nãolheafogueavaasededavingança;mascadavezque lheacudiaàmentea imagemodiosadeBaltasarCouInhoinsInIvamenteasmãosdoacadémicoseasseguravamdapossedaspistolas.Asquatrohoraseumquarto,acordouanaturezatodaemhinoseaclamaçõesaoraiardaalva.Ospassarinhos trinavamnacercadomosteiromelodias interrompidaspelo toquesolenedasAve-Marias na torre. O horizonte passara de escarlate a alvacento. A púrpura da aurora, comolabaredaenorme,desfizera-seemparnculasdeluz,queondeavamnodeclivedasmontanhas,ese distendiam nas planícies e nas várzeas, como se o anjo do Senhor, à voz de Deus, viessedesenrolandoaosolhosdacriaturaasmaravilhasdorepontardumdiafesIvo.Enenhumadestasgalasdocéuedaterraenlevaraosolhosdomoçopoeta.!As quatrohoras emeia, ouviu SimãooInidode liteiras, dirigindo-se àquele ponto.Mudoudelocal,tomandoporumaruaestreita,fronteiraaoconvento.Pararamasliteirasvaziasnaportaria,elogodepoischegaramtrêssenhorasvesIdasdejornada,quedeviamseras irmãsdeBaltasar,acompanhadasdedoismochilascomasmulasà rédia.Asdamas foram sentar-se nos bancos de pedra, laterais à portaria. Em seguida abriu-se a grossaporta,rangendonosgonzos,eastrêssenhorasentraram.Momentos depois, viu Simão chegar à portaria Tadeu deAlbuquerque, encostado ao braço deBaltasarCouInho.Ovelhodenotavaquebrantoedesfalecimentoaespaços.OdeCastro-d’Aire,bemcompostodefiguraecaprichosamentevesIdoàcastelhana,gesIculavacomoaprumodequemdáassuasirrefutáveisrazões,econsolatomandoarisoadoralheia.-Nadadelamúrias,meuIo!-diziaele.-Desgraçaseriavê-lacasada!Euprometo-lheantesdeumano resItuir-lhe curada.Umanode convento é umóImo vomitório do coração.Nãohá nadacomoissoparalimparosarrodovícioemcoraçõesdemeninascriadasàdiscrição.SemeuIoaobrigasse,desdemenina,aumaobediênciacega, tê-la- iaagorasubmissa,eelanãose julgariaautorizadaaescolhermarido.-Eraumafilhaúnica,Baltasar!-diziaovelhosoluçando.-Poisporissomesmo-replicouosobrinho.-SeIvesseoutra,ser-lhe-iamenossensívelaperda,emenos funesta a desobediência. Faria a sua casa na filha mais querida, embora Ivesse deimpetrarumalicençarégiaparadeserdaraprimogénita.Assim,agora,nãolhevejooutroremédiosenãoempregarocautérioàchaga;comemplastroséquesenãofaznada.

VisõesdeSimão

•  Mariana–apelandopelasuavida;

•  Teresa–“torturadapelasaudade”apelandoparaqueeleasalvasse;

•  TadeudeAlbuquerque–obrigandoafilhaaingressarnumconvento;

•  Baltasar–trazia-lheasededevingança.

Baltasar–homemautoritárioearrogante,defendeumaeducaçãodesubmissão≠damudançasocialqueseoperavanaépoca(frutodaRevoluçãoFrancesa)

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ConInuaçãodoCap.XAbriu-senovamenteaportaria.esaíramastrêssenhoras,eapóselasTeresa.Tadeuenxugouaslágrimas,edeualgunspassosasaudarafilha,quenãoergueudochãoosolhos.-Teresa...-disseovelho.- Aqui estou, senhor - respondeu a filha, sem o encarar. - Ainda é tempo - tornouAlbuquerque.-Tempodequê?-Tempodeseresboafilha.-Nãomeacusaaconsciênciadeonãoser.-Aindamais?!...Queres ir para tua casa, e esqueceromalditoquenos faz a todosdesgraçados?-Não,meupai.OmeudesInoéoconvento.Esquecê-lonempormorte.Sereifilhadesobediente,masmenIrosaéquenunca.Teresa,circunvagandoosolhos,viuBaltasar,eestremeceu,exclamando:-Nemaqui!-Falacomigo,primaTeresa?-disseBaltasar,risonho.-Consigofalo!Nemaquimedeixaasuaodiosapresença?-Souumdoscriadosqueminhaprimalevaemsuacompanhia.DoisInhaeuhádias,dignosdeacompanharemaminhaprima,masesseshouveaíumassassinoquemosmatou.Afaltadeles,soueuquemeofereço.-Dispenso-odadelicadeza-atalhouTeresa,comveemência.-Euéquemenãodispensodea servir, à faltadosmeusdoisfiéis criados,queumceleradomematou.-Assimdeviaser-tornouelatambémirónica-porqueoscobardesescondem-senascostasdoscriados,quesedeixammatar.-Aindasenãofizeramascontasfinais...,minhaqueridaprima-redarguiuomorgado.Este diálogo correu rapidamente, enquanto Tadeu de Albuquerque cortejava aprioresaeoutrasreligiosas.Asquatrosenhoras,seguidasdeBaltasar,Inhamsaídodoátriodoconvento,ederamderostoemSimãoBotelho,encostadoàesquinadaruafronteira.Teresaviu-o...adivinhou-o,primeiradetodas,eexclamou:-Simão!Ofilhodocorregedornãosemoveu.Baltasar,espavoridodoencontro,fitandoosolhosnele,duvidavaainda.

Teresa–forteedecidida:•  desafiaaautoridade

paterna(reflexodamudançasocial)

Baltasar–hipócrita,cínico:•  Insinuaqueoscriados

forammortos(porSimão)

•  Cobarde,naopiniãodeTeresa.

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ConInuaçãodoCap.X- É incrível que este infame aqui viesse! - exclamou o de Castro-d'Aire. Simão deu alguns passos, e disseplacidamente:-Infame...eu!eporque?-Infame,einfameassassino!-replicouBaltasar.-Jáforadaminhapresença!-Éparvoestehomem!-disseoacadémico.-Eunãodiscutocomsuasenhoria...Minhasenhora-disseeleaTeresa,comavozcomovidaeosemblantealteradounicamentepelosafetosdocoração.-Sofracomresignação,daqualeulheestoudandoumexemplo.Leveasuacruz,semamaldiçoaraviolência,ebempodeserqueameiocaminhodoseucalvárioamisericórdiadivinalheredobreasforças.-QuedizestepaIfe?!-exclamouTadeu.-Vemaquiinsultá-lo,meuIo!-respondeuBaltasar,-Temapetulânciadeseapresentarasuafilhaaconfortá-lanasuamalvadez!Istoédemais!Olhequeeuesmago-oaqui,seuvilão.-Vilãoéodesgraçadoquemeameaça,semousaravançarparamimumpasso-redarguiuofilhodocorregedor.-Eunãootenhofeito-exclamouenfurecidamenteBaltasar-porentenderquemeavilto,casIgando-onapresençadecriadosdemeuIo,quetupodessupormeusdefensores,canalha!- Se assim é - tornou Simão, sorrindo - espero nunca me encontrar de rosto com sua senhoria. Reputo-o tãocobarde,tãosemdignidade,queoheidemandarazorragarpeloprimeiromarioladasesquinas.BaltasarCouInholançou-sedeímpetoaSimão.Chegouaapertar-lheagargantanasmãos;masdepressaperdeuovigordosdedos.Quandoasdamaschegaramainterpor-seentreosdois,BaltasarInhaoaltodocrânioabertoporumabala,quelheentraranafronte.Vacilouumsegundo,ecaiudesamparadoaospésdeTeresa.TadeudeAlbuquerquegritavaaaltosbrados.Os liteireirosecriadosrodearamSimão,queconservavaodedonogaIlhodaoutrapistola.Animadosunspelosoutrosepelosbradosdovelho,iamlançar-seaohomicida,comriscodevida,quandoumhomem,comumlençopelacara,correudaruafronteira,esecolocou,debacamarteaperrado,àbeiradeSimão.Estacaramoshomens.-Fuja,queaéguaestáaocabodarua-disseoferradoraoseuhóspede.-Nãofujo...Salve-se,edepressa-respondeuSimão.-Fuja,queseajuntaopovoenãotardamaísoldados.-Jálhedissequenãofujo-replicouoamantedeTeresa,comosolhospostosnela,quecaíradesfalecidasobreasescadasdaigreja.-Estáperdido!-tornouJoãodaCruz.-Jáoestava.Vá-seembora,meuamigo,porsuafilhalhorogo.Olhequepodeser-meúIl;fuja...Abriram-setodasasportasejanelas,quandooferradorselançounafuga,atécavalgaraégua.Umdosvizinhosdomosteiro,que,emrazãodoseuozcio,primeirosaiuàrua,eraomeirinhogeral.-Prendam-no,prendam-no,queéummatador!-exclamavaTadeudeAlbuquerque.-Qual?-perguntouomeirinhogeral.-Soueu-respondeuofilhodocorregedor.-Vossasenhoria!-disseomeirinho,espantado;e,aproximando-se,acrescentouameiavoz:-Venha,queeudeixo-ofugir.-Eunãofujo-tornouSimão.-Estoupreso.Aquitemaminhasarmas.Eentregouaspistolas.TadeudeAlbuquerque,quandoserecobroudoespasmo,feztransportarafilhaaumadasliteiras,eordenouquedoiscriadosaacompanhassemaoPorto.AsirmãsdeBaltasarseguiramocadáverdeseuirmãoparacasadoIo.

TadeueBaltasarunidoscontraSimão

MortedeBaltasar

DignidadeehonradeSimão–assumeoseuato

JoãodaCruzveioemauxíliodeSimão

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Relações entre personagens

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CapítuloXIXAverdadeéalgumasvezesoescolhodeumromance.Navida real, recebemo-la comoela saidosencontrados casos,ouda lógica implacáveldascoisas;mas,nanovela,custa-nosasofrerqueoautor,se inventa,nãoinventemelhor;e,secopia,nãomintaporamordaarte.Umromancequeestribanaverdadeoseumerecimentoéfrio,éimperInente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem agente,sequerumatemporada,enquantoelenos lembra,destejogo de nora, cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros adescer,movidospelamaniveladoegoísmo.A verdade! Se ela é feia, para que oferecê-la em painéis aopúblico!?A verdade do coração humano! Se o coração humano temfilamentos de ferro que o prendem ao barro doente saiu, oupesamneleeo submergemnocharcoda culpaprimiIva,paraqueéemergi-lo,retratá-loepô-loàvenda!?Osreparossãodequemtemojuízonoseulugar;mas,poisqueeuperdi omeu a estudar a verdade, já agora a desforra quetenhoépintá-lacomoelaéfeiaerepugnante.Adesgraçaafervoraouquebrantaoamor?Istoéqueeusubmetoàdecisãodoleitorinteligente.Factosenãoteseséoqueeutragoparaaqui.Opintorretrataunsolhos,enãoexplicaasfunçõesópIcasdoaparelhovisual.

Narrador•  PosiçãosubjeIva

•  DáasuaperspeIvadosacontecimentosedaverdade

•  Interagecomonarratário/leitor

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(CapítuloXIX–conInuação)Aocabodedezanovemesesdecárcere,SimãoBotelhoalmejavaumraiodeSol,umalufadadoarnãocoadapelosferros,opavimentodocéu,queodaabóbadadoseucubículopesava-lheopeito.Ânsiadevivereraasua;nãoerajáânsiadeamar.Seis meses de sobressaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras docoração;eo coração,paraoamor,quer-se fortee tenso,deumacerta rijeza,que se ganha com o bom sangue, com os anseios das esperanças, e com asalegrias.queoenchemereforçamparaosreveses.CaiuaforcapavorosaaosolhosdeSimão;masospulsosficaramemferros,opulmão ao armortal das cadeias, o espírito entanguido no glacial estupidezdumasparedessalitrosas,edumpavimentoqueressoaosderradeirospassosdoúlTmopadecente,edumtetoquefiltraamorteagotasdeágua.O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o coração sem remorsos, oespíritoanelantedeglórias,aocabodedezoitomesesdeestagnaçãodavida?O coração é a víscera, ferida de paralisia, a primeira que falece sufocada pelarebeliões da almaque se idenIfica à natureza, e a quer, e se devorana ânsiadela,eseestorcenasagoniasdaamputação,paraosquaisasaudadedaventuraexIntaéumcautérioembrasa;eoamor,quelevaaoabismopelocaminhodasonhadafelicidade,nãoésequerumrefrigério.Ao deslaçar da garganta a corda da jusIça, Simão Botelho teve uma hora dedesafogo, como que senIa o panbulo lascar entre os seus braços, e entãoconvidouocoraçãodamulherqueoperderaaassisIràssegundasnúpciasdasuavidacomaesperança.Depois,apassoigual,aesperançafugia-lheparaasareiasdaÁsia,eocoraçãointumescia-sede fel,oamorafogava-senele.morte inevitável,quandonãoháaberturaporondeaesperançaentrealuzirnaescuridãoínIma.EsperançaparaSimãoBotelho,qual?

Dezoitomesesdecárcere–umamortelenta;-umamorteinterior.

Quandoumrasgodeesperançaaparecelogodesaparece.

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(CapítuloXIX–conInuação)AÍndia,ahumilhação,amiséria,aindigência.E os anelos daquela alma Inham mirado as ambições de um nome. Para afelicidadedoamorenvidavaasforçasdotalento;mas,alémdoamor,estavaaglória,orenomeeavãimortalidade,quesónãoédemêncianasgrandesalmasenosgéniosquesesentemprevivernasgeraçõesvindouras.Mas grinaldas de amor a escorrerem sangue dos espinhos, essas infiltramvenenocorrosivonopensamento,apagamnoseioafaíscadasnobresafoitezas,apoucam a ideia que abrangera mundos, e paralisam de mortal espasmo osestosdocoração.AssimtesenTastu,infeliz,quandodezoitomesesdecárcere,comopaibuloouodegredonalinhadoteuporvir,tehaviammatadoomelhordaalma.ATmesmoperguntavaspeloteupassado,eocoração,seousavaresponder,retraía-se,recriminadopelosditamesdarazão.Dealém,daqueleconventoondeoutraexistênciaagonizava,gementesqueixaste vinham espremer fel na chaga; e tu, que não sabias nem podias consolar,pediaspalavrasaoanjodacompaixãoparaela,easdodemóniododesesperoparaI.Os dez anos de ferros em que lhe quiseramminorar a pena, eram-lhe maishorrorososqueopanbulo. Eaceitá-los-ia,porventura, seamasseo céu,ondeTeresabebiaoar,quenospulmõesselheformavaempeçonha?Creio:-antesamasmorra, ondepodeouvir-se o somabafadode uma voz amiga; antes osparoxismos de dez anos sobre as lajes húmidas de uma enxovia, se, na horaextrema, a úlIma faísca da paixão, ao bruxulear para morrer, nos alumia ocaminhodocéuporondeoanjodoamordesditososelevantouadarcontadesiaDeus,eapediraalmadoqueficou.

DesInodeSimão

Narradordirige-seàpersonagem,lamentandooseufim.

Teresatuberculosa.

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(CapítuloXIX–conInuação)Teresa pedira a Simão Botelho que aceitasse dez anos de cadeia, e esperasse ai a suaredençãoporela."Dezanos!-dizia-lheaenclausuradadeMonchique.Emdezanosterámorridomeupaieeusereituaesposa,eireipediraoreiqueteperdoe,senãoIverescumpridoasentença.Sevaisaodegredo,parasempreteperdi,Simão,porquemorrerás,ounãoacharásmemóriademim,quandovoltares".Comoapobrese iludianashorasemqueasdébeisforçasdevidase lheconcentravamnocoração!Asânsias,a lividez,odeperecimentoInhamvoltado.Osangue,quecriaranovo, já lhesaíaemgolfadascomatosse.Sepor amoroupiedadeo condenadoaceitasseos ferrolhos trêsmil seiscentase cinquentavezes corridos sobre as suas longas noites solitárias, nem assim Teresa susteria a pedrasepulcralqueavergavadehoraahora."Nãoesperesnada,márIr-escrevia-lheele.-AlutacomadesgraçaéinúIl,eeunãopossojálutar.Foiumatrozenganoonossoencontro.Nãotemosnadanestemundo,Caminhemosaoencontrodamorte...Háumsegredoquesónosepulcrosesabe.Ver-nos-emos?Vou.Abominoapátria,abominoaminhafamília;todoestesoloestáaosmeusolhoscobertodeforcas,equantoshomensfalamaminhalíngua,creioqueosouçovociferarasimprecaçõesdo carrasco. Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização dasesperançasquemedavaoteuamor,Teresa!Esquece-tedemim,eadormecenoseiodonada.Euqueromorrer,masnãoaqui.Apague-sealuzdosmeusolhos;masaluzdocéu,quero-a!QueroverocéunomeuúlImoolhar!Nãomepeçasqueaceitedezanosdeprisão.TunãosabesoqueéaliberdadecaIvadezanos!Não compreendes a tortura dos meus vinte meses. A voz única que tenho ouvido é a damulherpiedosaquemeesmolaopãodecadadia,eadoaguazilqueveiodar-measarcásIcaboa-novadeumagraçareal,quemecomutaomorrerinstantâneodaforcapelasagoniasdedezanosdecárcere.Salva-te,sepodes,Teresa.Renunciaaopresngiodumgrandedesgraçado.Seteupaitechama,vai.SetemderenascerparaTumaauroradepaz,viveparaafelicidadedessedia.E,senão,morre,Teresa,quea felicidadeéamorte,éodesfazerem-seempóasfibras laceradaspelador,éoesquecimentoquesalvadasinjúriasamemóriadospadecentes".

PedidoeplanosdeTeresa

Vozdonarrador

Teresaestácadavezmaisdoente(àbeiradamorte)

ApelodeSimãoparaqueTeresaviva–provadoseuamor.

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(CapítuloXIX–conInuação)As palavras únicas de Teresa, em resposta àquelacarta, significaIva da turbação do infeliz, foramestas: "Morrerei, Simão, morrerei. Perdoa tu aomeu desTno... Perdi-te... Bem sabes que sorte euqueria dar-te... e morro, porque não posso, nempoderei jamais resgatar-te. Se podes, vive; não tepeçoquemorras,Simão;queroquevivasparamechorares. Consolar-te-á o meu espírito... Estoutranquila.Vejoaauroradapaz...Adeus,atéaocéu,Simão".Seguiram-se a esta carta muitos dias de terríveltaciturnidade. Simão Botelho não respondia àsperguntas de Mariana. Di-lo-íeis arroubado nasvoluptuosasangúsIasdoseupróprioaniquilamento.AcriaturapostaporDeusao ladodaquelesdezoitoanos tão atribulados chorava; mas as lágrimas, seSimão as via, Iravam-no damudez sossegada paraímpetosdeaflição,queafinaloextenuavam..

ApelodeTeresaparaqueSimãovivaeconsciênciadequeoseudesIno,faceàdecisãodoseuamado,éamorte.

Simãotemdezoitoanos.

Concentraçãotemporaldaação.

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(CapítuloXIX–conInuação)Decorreramseismesesainda.E Teresa vivia, dizendo às suas consternadas companheiras quesabiaaocertoodiadoseutrespasse.DuasprimaverasviaSimãoBotelhopelasgradesdoseucárcere.Aterceirajaenfloravaashortas,eesverdeavaasflorestasdoCandal.Eraemmarçode1807.Nodia10dessemês,recebeuocondenadoinImaçãoparasairnaprimeira embarcação que levava âncora do Douro para a Índia.Nesse tempo vinham aqui os navios buscar os degredados, erecebiamemLisboaosqueInhamigualdesIno.Nenhum estorvo impedia o embarque de Mariana, que seapresentou ao corregedor do crime como criada do degredado,compassagempagaporseuamo.-Eapassagemvale-abem!-disseogalhofeiromagistrado.Simão assisIu ao encaixotar da sua bagagem, numa quietaçãoterrível,comoseignorasseoseudesIno.QuismuitasvezesescreveraderradeiracartaàmoribundaTeresa,enemsinaisdelágrimaspodiajáenviar-lhenopapel.-Quetrevas,meuDeus!-exclamavaele,earrancavaamãoscheiasoscabelos.–Dai-melágrimas,Senhor!Deixai-mechorar,oumatai-me,queestesofrimentoéinsuportável!Marianacontemplavaestarrecidaesteseoutroslancesdeloucura,ouosnãomenosmedonhosdaletargia.-ETeresa!-bradavaele,surgindosubitamentedoseuespasmo.-Eaquelainfelizmeninaqueeumatei!Nãoheidevê-lamais,nuncamais!Ninguémme levará aodegredo a noicia de suamorte! E,quandoaeuchamarparaquemevejamorrerdignodela,quemtediráqueeumorri,ómárTr?!

Concentraçãotemporaldaação–ritmoacelerado.

GritoalucinadodeSimão.Culpabiliza-sedafuturamortedasuaamada.

MarianatemtudotratadoparaembarcarcomSimãoparaodegredo.

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ConclusãoÀsonzehorasdanoiteocomandanterecolhera-senumbelichedepassageiro,eMariana,sentadanopavimento,comorostosobreos joelhos,parecia sucumbiraopassardas trabalhosaseafliIvashorasdaqueledia.Simão Botelho velava prostrado no camarote, com os braçoscruzados sobre o peito, e os olhos fitos na luz que balançava,pendentedeumarame.Oouvidotê-lo-ia,talvez,atentoparaumassobio da ventania: devia de soar-lhe como um ai plangenteaquelesilvoagudo,vozúnicanosilênciodaterraecéu.Àmeia-noiteestendeuSimãoobraçotrémuloaomaçodascartasqueTeresa lheenviara,econtemplouumpoucoaqueestavaaode cima, que era dela. Rompeu a fita, e dispôs-se no camaroteparaalcançarobaçoclarãodalâmpada.

AconcentraçãotemporaldaaçãoIníciodaação:

•  1801AfastamentodeSimãoeTeresa:•  1803DegredodeSimão•  1807Conclusão:•  “Àsonzehorasdanoite”;•  “Àmeianoite”;•  “Àstrêshorasdamanhã”;•  “Demanhã”;•  “Àsonzehoras”;•  “Aosegundodiadeviagem”;•  “Aoquartodia”;•  “Aosextodiadenavegaçãoincerta”;•  Eraodia27demarço,ononoda

enfermidadedeSimão”;•  “Aoanoitecerdessedia”;•  “Aoromperdamanhã”;•  “Algumashorasvolvidas”

Depoisdorelatode6anosentreoscapítulosIeXX,a“Conclusão”apresentaosacontecimentosdepoucosdias,aquelesemqueSimãoagonizoueacaboupormorrer.

TentaIvadepormenorizaretornarmaisintensoodramadaspersonagensenvolvidasnotriânguloamoroso.

Concentração Temporal – o autor da novela abrevia o tempo da história, resumindo e saltandomeseseanos,quandoissoéconveniente,oqueprovocaumaassimetrianorelatodasações.

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ConInuaçãodaConclusãoDiziaassimacarta:«Éjáomeuespíritoquetefala,Simão.Atuaamadamorreu.AtuapobreTeresa,àhoraemqueleresestacarta,semeDeusnãoengana,estáemdescanso.Eudeviapoupar-teaestaúlImatortura;nãodeviaescrever-te;masperdoaàtuaesposadoCéuaculpa,pelaconsolaçãoquesintoemconversarconIgoaestahora,horafinaldanoitedaminhavida.Quem tediriaqueeumorri, senão fosseeumesma, Simão?Daqui apouco,perderásda vistaestemosteiro; correrásmilharesde léguas, enãoacharás,empartealgumadomundo,vozhumanaquetediga:—Ainfelizespera-tenoutromundo,epedeaoSenhorqueteresgate.Setepudessesiludir,meuamor,quereriasantespensarqueeuficavacomvidaecomesperançadever-tenoregressodoteudegredo?Assimpodeser,mas,aindaagora,nestesolenemomento,domina-meavontadedefazer-tesenIrqueeunãopodiaviver.Parecequeamesmainfelicidadetemàsvezesvaidadedemostrarqueoé,aténãopodê-losermais!Queroquedigas:—Estámorta,emorreuquandoeulheIreiaúlImaesperança.Istonãoéqueixar-me,Simão;nãoé.TalvezeupudesseresisIralgunsdiasàmorte,setuficasses;mas,deummodoououtro,erainevitávelfecharosolhosquandoserompesseoúlImofio,esteúlImoqueseestáaparIr,eeumesmaooiçoparIr.Nãovãoestaspalavrasacrescentaratuapena.Deusmelivredeajuntarumremorsoinjustoàtuasaudade.Seeupudesseaindaver-tefeliznestemundo;seDeuspermiIsseàminhaalmaestavisão!Feliz,tu,meupobrecondenado!Semoquerer,meuamoragoratefaziainjúria,julgando-tecapazdefelicidade!Tumorrerásdesaudade,seoclimadodesterronãotemataraindaantesdesucumbiresàdordoespírito.Avidaerabela,era,Simão,seaIvéssemoscomotumapintavasnastuascartas,quelihápouco!Estouaveracasaquetuadescrevias,pertodeCoimbra,cercadadeárvores,floreseaves.AtuaimaginaçãopasseavacomigonasmargensdoMondego,àhorapensaIvadoescurecer.Estrelava-seocéu,ealuaabrilhantavaaágua.Eurespondiacomamudezdocoraçãoaoteusilêncio,e,animadapeloteusorriso,inclinavaafaceaoteupeito,comosefosseaodaminhamãe.Tudoistolinastuascartas;eparecequecessaodespedaçardaagoniaenquantoaalmaseestáarecordar.Noutracarta,falavas-meemtriunfoseglóriasenaimortalidadedoteunome.Tambémeuiaatrásdatuaaspiração,ouàfrentedela,porqueomaiorquinhãodos teusprazeresdeespíritoqueria euque fosseomeu. Era criançahá três anos, Simão, e já entendiaos teus anelosde glória, e imaginava-osrealizadoscomoobraminha,semetudizias,comodissestemuitasvezes,quenãoseriasnadasemoesnmulodomeuamor.Oh!Simão,dequecéutãolindocaímos!Àhoraqueteescrevo,estástuparaentrarnanaudosdegredados,eeunasepultura.Que importamorrer, senãopodemos jamais ternesta vidaanossaesperançadehá três anos?Poderias tu comadesesperançae coma vida,Simão?Eunãopodia.Os instantesdodormir eramos escassosbenezciosqueDeusme concedia;amorteémaisqueumanecessidade, éumamisericórdiadivina,umabem-aventurançaparamim.Equefarástudavidasematuacompanheirademarnrio?Onde irás tuaviventarocoraçãoqueadesgraçateesmagou,semoesquecimentodaimagemdestadócilmulher,queseguiucegamenteaestreladatuamalfadadasorte?Tununcahásdeamar,poisnão,meuesposo?TeriasvergonhadeImesmo,sealgumavezvissespassarrapidamenteaminhasombraàfrentedosteusolhosenxutos?Sofre,sofreaocoraçãodatuaamadaestasderradeirasperguntas,aqueturesponderás,noaltomar,quandoestacartaleres.Rompeamanhã.VouveraminhaúlImaaurora.AúlImadosmeusdezoitoanos!Abençoadosejas,Simão!Deusteproteja,ete livredeumaagonia longa.TodasasminhasangúsIasLheofereçoemdescontodastuasculpas.SealgumasimpaciênciasajusIçadivinamecondena,oferecetuaDeus,meuamigo,osteuspadecimentos,paraqueeusejaperdoada.Adeus!Àluzdaeternidadeparece-mequejátevejo,Simão!»

ÚlImacartadeTeresaparaSimão(cartapóstuma)

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ConInuaçãodaConclusãoErgueu-seodegredado,olhouemredordesieolhoucomespasmoMariana,quelevantavaacabeçaaomenormovimentodele.—Quetem,senhorSimão?—disseela,erguendo-se.—Estavasaqui,Mariana?Nãotevaisdeitar?—Nãovou;ocomandantedeu-melicençaparaficaraqui.—Mashádeassimpassaranoite?Rogo-tequevás,porquenãoénecessáriooteusacrizcio.—Seonãoincomodo,deixe-meaquiestar,senhorSimão.—Ficaentão,minhaamiga,fica.Podereisubiraoconvés?—Queriraoconvés,senhorBotelho?—disseocomandante,lançando-sedobeliche.—Queria,senhorcomandante.—Iremosjuntos.SimãojuntouacartadeTeresaaomaçodassuas,esaiuacambalear.Noconvéssentou-senummontedecordas,econtemplouomiradourodeMonchique,queparecianegronosopédaserrapenhascosaemqueatualmenteficaaRuadaRestauração.Ocapitãopasseavadaproaàré,mascomoouvidoatentoaosmovimentosdodegredado.Recearaeleopropósito do suicídio, porqueMariana lhe incuIra semelhante suspeita. Queria omaríImo dizer-lhepalavrasconsoladoras,maspensavaparasimesmo:—«Oquesehádedizer-seaumhomemquesofreassim?»—Eparavajuntodelealgumasvezes,comoparadesviar-lheoespíritodaquelemiradouro.— Eu nãome suicido!— exclamou abruptamente Simão Botelho.— Se a sua generosidade, senhorcapitão,seinteressaemqueeuviva,podedormirdescansadoasuanoite,queeunãomesuicido.—Masmereço-lheeuacondescendênciadedescercomigoàcâmara?—Irei;maseulásofromais,senhor.Nãorespondeuocomandante,econInuouapassearnoconvés,apesardasrajadasdevento.Marianaestavaagachadaentreospacotesdacarga,apoucadistânciadeSimão.Ocomandanteviu-a,falou-lhe,ereIrou-se.Àstrêshorasdamanhã,SimãoBotelhosegurouatestaentreasmãos,queselheabriaabrasadapelafebre.Nãoseconseguiusentar,edeixou-secairameiocorpo.Acabeça,aodeclinar,pousounoseiodeMariana.—OAnjodacompaixãosemprecomigo!—murmurouele.—Teresafoimuitomaisdesgraçada.—Querdesceraocamarote?—disseela.—Nãoconsigo.Ampara-me,minhairmã.Deu alguns passos para a escadinha, e olhou ainda sobre o miradouro. Desceu a íngreme escada,apegando-seàscordas.Lançou-sesobreocolchão,epediuágua,quebebeuinsaciavelmente.Seguiu-seafebre,oestorcimento,easânsias,comintervalosdedelírio.Demanhãveioabordoummédico,por convitedocapitão.Examinandoo condenado,dissequeerafebremalignaadoença,ebempodiaserqueeleachasseasepulturanocaminhodaÍndia.MarianaouviuoprognósIco,enãochorou.

OCapitãoeMarianareceiamqueSimãodesuicide,masestegarantequenãoofará.

Marcastemporais

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Àsonzehorassaiuanaudamarinha.Àsânsiasdadoençaacresceramasdoenjoo.Apedidodocomandante,Simãobebiaremédios,quevomitavalogo,revoltospelascontrações.Aosegundodiadeviagem,MarianadisseaSimão:—Seomeuirmãomorrer,queheideeufazeràquelascartasquevãonacaixa?Pasmosaserenidadeadestapergunta!—Seeumorrernomar—disseele—,Mariana,aIraaomartodososmeuspapéis,todos;eestascartasqueestãodebaixodomeutravesseirotambém.Passadaumaânsia,quelheembargavaavoz,SimãoconInuou:—Seeumorrer,quetencionasfazer,Mariana?—Morrerei,senhorSimão.—Morrerás?Tantagentedesgraçadaqueeufiz.Afebreaumentava.Ossintomasdamorteeramvisíveisaosolhosdocapitão,queInhasobejaexperiênciadevermorreremcentenasdecondenados,feridosdafebredomar,edesprovidosdemedicamentos.Aoquartodia,quandoanausemoviaronceiradefrontedeCascais,sobreveioumasúbitatempestade.Onaviofez-seaolargomuitasmilhas,e,perdidoorumodeLisboa,navegoudesnorteado.Aosextodiadenavegaçãoincerta, por entre espessas brumas, parIu-se o leme em frente de Gibraltar. E, em seguida ao desastre,aplacaramasrefegas,desencapelaram-seasondas,enasceu,comaauroradodiaseguinte,umformosodiadePrimavera.Eraodia27deMarço,ononodaenfermidadedeSimãoBotelho.MarianaInhaenvelhecido.Ocomandante,aoolharparaela,exclamou:—ParecequevoltadaÍndiacomosdezanosdetrabalhosjápassados!—Jáacabados.Decerto.—disseela.Aoanoitecerdessedia,ocondenadodeliroupelaúlImavez,ediziaassimnoseudelírio:«Acasa,pertodeCoimbra,cercadadeárvores,floreseaves.AtuaimaginaçãopasseavacomigonasmargensdoMondego,àhorapensaIvadoescurecer.Estrelava-seocéu,ealuaabrilhantavaaágua.Eurespondiacomamudezdocoraçãoaoteusilêncio,e,animadapeloteusorriso,inclinavaafaceaoteupeito,comosefosseaodaminhamãe.Dequecéutãolindocaímos.Atuaamigamorreu.AtuapobreTeresa.Equefarástudavidasematuacompanheirademarnrio?Ondeirástuaviventarocoraçãoqueadesgraçateesmagou.Rompeamanhã.VouveraminhaúlImaaurora.AúlImadosmeusdezoitoanos.OfereceaDeusosteuspadecimentos,paraqueeusejaperdoada.Mariana.»Marianacolouosouvidosaoslábiosroxosdomoribundo,quandopensououviroseunome.«Tuvirásterconnosco;ser-te-emosirmãosnoCéu.Omaispuroanjoserástu.Seésmesmodestemundo,irmã;seésmesmodestemundo,Mariana.»Atransiçãododelírioparaaletargiacompletaeraoanúncioinfalíveldotrespasse.Aoromperdamanhãapagou-sealâmpada.Marianasaíraapedirluz,eouviuumgemidoestertoroso.Voltandoàs escuras, com os braços estendidos para tatear a face do agonizante, encontrou amão convulsa, que lheapertouumadassuas,erelaxoudesúbitoapressãodosdedos.

Marcastemporais

ConInuaçãodaConclusão

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Entrouocomandantecomumalâmpada,eaproximou-lhadarespiração,quenãoembaciouovidro.—Estámorto!—disseele.Marianacurvou-sesobreocadáver,ebeijou-lheaface.Eraoseuprimeirobeijo.Ajoelhoudepoisaopédobelichecomasmãoserguidasenãooravanemchorava.Algumashoraspassadas,ocomandantedisseaMariana:—Agoraé tempodedarsepulturaaonossoventurosoamigo.Éventuramorrerquandosevemaestemundocomtalestrela.PasseasenhoraMarianaaliparaacâmara,poisodefuntotemdeserlevadodaqui.Mariana Irou o maço das cartas debaixo do travesseiro, e foi para uma caixabuscarospapéisdeSimão.Atouoroloaoavental,queeleInhadaquelaslágrimasdela,choradasnodiadasuademência,eprendeuoembrulhoàcintura.Foiocadáverenvoltonumlençol,etransportadoparaoconvés.Marianaseguiu-o.Doporãodanaufoitrazidaumapedra,queummarujolheatouàspernascomumpedaçodecabo.Ocomandantecontemplavaacenatristecomosolhoshúmidos,eos soldadosqueguarneciamanau, tão funeral respeitoos impressionara,queinsensivelmentesedescobriram.Marianaestava,noentanto,encostadaaoflancodanau,epareciaestupidamenteencararaquelesempuxõesqueomarujodavaaocadáver,parasegurarapedranacintura.Dois homens ergueram omorto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balançoparaoarremessaremparalonge.E,antesqueobaquedocadáversefizesseouvirnaágua,todosviram,eninguémjápôdesegurarMariana,queseaIraraaomar.Àvozdocomandantedesamarraramrapidamenteobote,esaltaramhomensparasalvarMariana.Salvá-la!Viram-na,ummomento,bracejar,nãopararesisIràmorte,masparaabraçar-seaocadáverdeSimão,queumaonda lheaIrouaosbraços.OcomandanteolhouparaosíIodeondeMarianaseaIrara,eviu,enleadonacorda,oavental,eàflorda água, um rolo de papéis, que osmarujos recolheramna lancha. Eram, comosabem,acorrespondênciadeTeresaeSimão.DafamíliadeSimãoBotelhoviveainda,emVilaRealdeTrás-os-Montes,asenhoraD. Rita Emília da Veiga Castelo Branco, a irmã predileta dele. A úlIma pessoafalecida,hávinteeseisanos,foiManuelBotelho,paidoautordestelivro.

MortedeSimão

ReaçãodeMariana

Marcastemporais

Procedimentoquandohaviamortosabordo.

DecisãodeMariana:•  AcompanhaSimãoatéao

fim;•  Amorsupremo.

SimãoBotelhoéIodeCamiloCasteloBranco

ConInuaçãodaConclusão