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Vegetação e Paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: patrimônio desconhecido e ameaçado (Publicado no Livro de Resumos do II Encontro Socioambiental do Litoral Norte do RS, 2006: ecossistemas e sustentabilidade. Imbé: CECLIMAR – UFRGS. Pg. 46-71) Paulo Brack 1. INTRODUÇÃO O Litoral Norte do Rio Grande do Sul apresenta uma grande riqueza de vegetação e de paisagem derivada de uma conjugação de fatores ecológicos e de gradientes desde a Planície Costeira até a borda oriental da Serra Geral. As condições de maior umidade e temperaturas mais estáveis na faixa estreita da Planície Costeira, entre a serra e o mar, conferem à região um conjunto de fatores para um verdadeiro corredor ecológico das espécies tropicas de origem da Mata Atlântica (estrito senso) que provêm da região Sudeste do Brasil e que penetram no Estado através da chamada “Porta de Torres” (Rambo 1950). Na Planície Costeira, antigos movimentos de transgressão e regressão marinhas, formaram faixas seqüenciais de ambientes paralelos ao mar no que se denomina de restinga litorânea. Além desta seqüência, ocorrem gradientes de fatores ambientais, predominantemente leste-oeste, e uma grande diversidade de paisagens associadas a condições de riqueza de habitats e de formas de vida (Waechter 1985, 1990). Apesar da riqueza e complexidade dos ambientes naturais, principalmente o seqüenciamento de faixas úmidas intercaladas a outras mais secas, o Litoral Norte é uma das menores regiões do Estado, onde se concentram os principais balneários do Rio Grande do Sul e que sofre crescente expansão de ocupações urbanas e adensamento populacional. Há cerca de duas décadas, os 5.358,10 km² da região foram sendo desmembrados, inicialmente, de cinco para 21 municípios, redundando em um intenso povoamento com vários impactos ambientais. Atualmente, as rodovias RS 389 e BR 101 desempenham papel de destaque entre as principais indutoras da ocupação urbana no Litoral Norte. O presente trabalho objetiva ilustrar aspectos da grande diversidade dos tipos de vegetação e a importância da conservação da paisagem e da biodiversidade do Litoral Norte, tentando destacar aspectos fisionômicos ligados à vegetação e que são desconhecidos da maioria da população e assinalando os principais impactos antrópicos a serem enfrentados. 2. ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS E CLIMÁTICOS O Litoral Norte apresenta paisagens distintas associadas a um conjunto complexo de fatores geomorfológicos, climáticos e edáficos que atuam conjuntamente gerando gradientes desde a faixa das marés (leste) até as porções mais altas da Serra Geral (oeste). No que se refere às unidades geomorfológicas, esta porção do litoral faz parte da Serra Geral e da Planície Costeira. A primeira situa-se no limite leste do Domínio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares (Planalto Sul-Brasileiro) e no

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Vegetação e Paisagem do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: patrimônio desconhecido e ameaçado (Publicado no Livro de Resumos do II Encontro Socioambiental do Litoral Norte do RS, 2006: ecossistemas e sustentabilidade. Imbé: CECLIMAR – UFRGS. Pg. 46-71)

Paulo Brack

1. INTRODUÇÃO O Litoral Norte do Rio Grande do Sul apresenta uma grande riqueza de vegetação e de paisagem derivada de uma conjugação de fatores ecológicos e de gradientes desde a Planície Costeira até a borda oriental da Serra Geral. As condições de maior umidade e temperaturas mais estáveis na faixa estreita da Planície Costeira, entre a serra e o mar, conferem à região um conjunto de fatores para um verdadeiro corredor ecológico das espécies tropicas de origem da Mata Atlântica (estrito senso) que provêm da região Sudeste do Brasil e que penetram no Estado através da chamada “Porta de Torres” (Rambo 1950).

Na Planície Costeira, antigos movimentos de transgressão e regressão marinhas, formaram faixas seqüenciais de ambientes paralelos ao mar no que se denomina de restinga litorânea. Além desta seqüência, ocorrem gradientes de fatores ambientais, predominantemente leste-oeste, e uma grande diversidade de paisagens associadas a condições de riqueza de habitats e de formas de vida (Waechter 1985, 1990).

Apesar da riqueza e complexidade dos ambientes naturais, principalmente o seqüenciamento de faixas úmidas intercaladas a outras mais secas, o Litoral Norte é uma das menores regiões do Estado, onde se concentram os principais balneários do Rio Grande do Sul e que sofre crescente expansão de ocupações urbanas e adensamento populacional. Há cerca de duas décadas, os 5.358,10 km² da região foram sendo desmembrados, inicialmente, de cinco para 21 municípios, redundando em um intenso povoamento com vários impactos ambientais. Atualmente, as rodovias RS 389 e BR 101 desempenham papel de destaque entre as principais indutoras da ocupação urbana no Litoral Norte.

O presente trabalho objetiva ilustrar aspectos da grande diversidade dos tipos de vegetação e a importância da conservação da paisagem e da biodiversidade do Litoral Norte, tentando destacar aspectos fisionômicos ligados à vegetação e que são desconhecidos da maioria da população e assinalando os principais impactos antrópicos a serem enfrentados.

2. ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS E CLIMÁTICOS

O Litoral Norte apresenta paisagens distintas associadas a um conjunto complexo de fatores geomorfológicos, climáticos e edáficos que atuam conjuntamente gerando gradientes desde a faixa das marés (leste) até as porções mais altas da Serra Geral (oeste).

No que se refere às unidades geomorfológicas, esta porção do litoral faz parte da Serra Geral e da Planície Costeira. A primeira situa-se no limite leste do Domínio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares (Planalto Sul-Brasileiro) e no

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limite oeste do Domínio dos Depósitos Sedimentares (Planície Costeira) (Justus et al. 1986). As rochas são efusivas, jurocretácicas, correspondendo à Província Geológica do Paraná. Também ocorrem rochas sedimentares areníticas da Formação Botucatu (Horn Filho et al. 1984; Horbach et al. 1986).

A Planície Costeira possui ambientes continentais cenozóicos, correspondendo a depósitos marinhos e aluviais antigos. Junto à margem das lagoas ocorrem depósitos deltáicos, lagunares, fluviais e de retrabalhamento fluvial. O relevo da planície apresenta seqüência de faixas onduladas de dunas e faixas planas de ambientes úmidos relacionados a antigos movimentos de transgressão e regressão marinhos. Na zona de interface com o mar, a planície sedimentar costeira é composta por dunas primárias, secundárias e terciárias, seguida pelo cordão de lagoas litorâneas e chegando até a encosta da serra, formada pelos vales dos rios e suas nascentes (Horn Filho et. al 1984). O complexo sistema de lagoas costeiras está conectado em rosário paralelo à linha da costa, desaguando no mar por meio do rio Tramandaí, formando o mais novo sistema lagunas da Planície Costeira (Villwock 1972).

Na zona estuarina ocorre também um gradiente de salinidade decorrente do aporte de água marinha que penetra no rio Tramandaí e alcança outras lagoas (Schwarzbold 1982). Essa grande variação de salinidade associada à ação dos ventos e aspectos morfométricos dá origem a uma grande diversidade de ambientes de áreas úmidas (Guadagnin 1999).

No que toca ao clima, ocorrem gradientes horizontais leste-oeste (vento, umidade, pluviosidade, temperatura) e verticais, principalmente ligados à temperatura, que varia em cerca de 1º C a cada 150 m de altura da encosta da Serra Geral. Um dos fatores climáticos mais destacados no litoral é a grande intensidade dos ventos na maior parte do ano, com diminuição gradativa no sentido leste-oeste. Os ventos fortes, na maioria de origem nordeste, imprimem uma acelerada dinâmica nas dunas e na vegetação a estas associada. A umidade relativa do ar apresenta pequena variação em relação a outras regiões, durante o ano, com valores mais altos nas proximidades do oceano e nas escarpas da Serra Geral. Por outro lado, a amplitude de temperaturas e a quantidade de geadas por ano apresentam valores mais baixos de todo o Estado devido à proximidade com o oceano. No que se refere às chuvas, ocorre grande variação, ou seja, de 1.300 mm/ano, em Torres, na Planície Costeira, até mais de 2.200 mm/ano, entre Maquiné e São Francisco de Paula, na Serra Geral (Oliveira & Ribeiro 1986).

3. TIPOS DE VEGETAÇÃO, PAISAGEM E BIODIVERSIDADE

O Litoral Norte possui elevada riqueza em vegetação devido à grande variação de fatores geomorfológicos e à ligação com a Floresta Atlântica do Brasil (Floresta Ombrófila Densa).

A Floresta Atlântica, assim denominada por Veloso et al. (1992), corresponde à Província Atlântica por Cabrera & Willink (1980), ocorrendo desde o nordeste do Brasil, latitude 7o S, até cerca da latitude 30o S, coincidindo com o limite sul do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

Na Planície Costeira, ocorre uma zonação que corresponde a faixas de cordões arenosos, entremeados a banhados, que têm origem em diferentes trangressões e regressões do oceano decorrentes das variações climáticas do final da última glaciação.

Segundo Teixeira et al. (1986), no que se refere à classificação da vegetação, na seqüência leste-oeste, ocorrem as Formações Pioneiras e a Floresta Ombrófila Densa (Figura 1). A primeira é formada por Dunas, Campos Arenosos (secos ou úmidos),

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Banhados, Juncais, Sarandizais, Maricazais e Butiazais. A segunda, quando situada na Planície Costeira Interna, até a altitude de 50 m, é denominada como Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas. Esta pode ser subdividida em Floresta Arenosa, Floresta Paludosa ou Brejosa e Floresta de Transição Areno-argilosa (Figuras 2, 3, 4, 5 e 6). Na Encosta da Serra Geral, em solos argilosos, o fator preponderante é a altitude. Entre as altitudes de 50 m e 400 m, ocorre a Floresta Submontana. Entre 400 m e 800 m ocorre a Floresta Montana, e acima desta última altitude encontra-se a Floresta Alto-Montana (IBGE, 2004). A diversidade de vegetação ainda comporta outras fitofisionomias ocasionais como Florestas Ribeirinhas e vegetação secundária, de influência antrópica como Vassourais, Maricazais e Capoeiras (Waechter 1990; Brack et al. 1998).

Um perfil do Litoral Norte, realizado pelo autor do presente trabalho, é apresentado em Marcuzzo et al. (1998). A partir deste, os perfis das figuras 1 a 6 foram sendo mais detalhados e atualizados com a nomenclatura mais usual. A seqüência de vegetação no Litoral Norte está associada a fatores ambientais como vento, solo e pluviosidade, ficando evidenciado um gradiente que tende à vegetação herbácea na porção leste, nas proximidades do mar, e para vegetação arbórea, no extremo oeste, no sopé da serra. O fator vento imprime feições marcantes nas copas de árvores e arbustos da vegetação das matas de restinga arenosas mais frontais, com variação marcante na distância das matas entre a porção sul do Litoral Norte, em Cidreira, onde esta distância é de mais de 3 km, e a porção norte, em Torres, onde as matas estão a menos de 500 m da linha da praia. O xeromorfismo é marcante na vegetação psamófila, verificando-se a presença de folhas reduzidas, lustrosas na face superior, coriáceas, com acúleos e espinhos.

No que se refere às condições de umidade proveniente da proximidade com o oceano, desenvolve-se uma vegetação tipicamente higrófila, com morfologia vegetal bem distinta da anterior, com presença de árvores com folhas amplas, com ponta-goteira, membranáceas ou cartáceas. No compartimento desta porção do Litoral, é enorme a riqueza e abundância de epífitas, principalmente Orchidaceae e Bromeliaceae. Maiores informações poderão ser obtidas em Waechter (1992, 1998).

Segundo estudos desenvolvidos por Rambo (1950), ocorreriam no Litoral Norte mais de 2000 espécies de plantas vasculares. O autor destaca que a maior parte das espécies tropicais, originárias do norte e centro do Brasil, teria migrado para o Rio Grande do Sul através da “Porta de Torres”, constituindo-se como o canal de comunicação da Floresta Atlântica entre o sul de Santa Catarina e o nordeste do Rio Grande do Sul. Um percentual um pouco acima de 50 %, ou seja, mais de1000 espécies seriam exclusivas da Floresta Atlântica e Formações Pioneiras do Litoral Norte, se comparadas com listas de flora de outras regiões do Estado.

No que toca a levantamentos florísticos e estruturais do componente arbóreo, a riqueza varia de 15 a 114 espécies por hectare (Dillenburg 1986, Machado e Longhi 1991; Jarenkow 1994; Nunes 2001; Kindel 2002; Brack 2002).

Quanto ao relevo e ao nível superficial do lençol freático, na ausência de bancos de areia, temos lagoas e banhados com mais de uma centena de espécies de hidrófitos vasculares, com o Litoral Norte correspondendo a um dos dois principais centros de riqueza de macrófitas aquáticas na América do Sul (Irgang 1999).

No sistema lagunar, em vários ambientes, são encontrados crustáceos, peixes e mamíferos endêmicos e espécies ameaçadas de extinção. As margens das lagoas,

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formadas predominantemente pelos juncais, são importantes habitats de crescimento de espécies de camarões e alevinos e peixes de interesse comercial e habitat de alimentação e reprodução de aves migratórias (Guadagnin & Becker 2002). O sistema lacustre da Planície Costeira do Rio Grande do Sul é um dos mais extensos do Brasil e o que apresenta a maior diversidade de aves aquáticas O Litoral Norte apresenta 16 unidades de conservação, sendo dez de proteção integral e seis de uso sustentável. Infelizmente, a maior parte das UCs é de uso sustentável e sua eficiência no que se refere a conservação é baixíssima (Dourojeanni e Pádua 2001). Mesmo aquelas UCs de proteção integral apresentam enormes lacunas estruturais como escassez de guarda-parques, ausência de sedes administrativas e de veículos e equipamentos.

Quadro 1 – Unidades de Conservação do Litoral Norte

Unidades de Conservação Municípios área (ha) Área de Proteção Ambiental Estadual do Banhado Grande

Glorinha, Gravataí, Santo Antônio da Patrulha, Viamão

136.000,00**

Área de Proteção Ambiental Estadual Rota do Sol

São Francisco de Paula, Terra de Areia, Maquiné, Cambará do Sul, Três Cachoeiras

52.355,00 **

Área de Proteção Ambiental Municipal de Caraá

Caraá 8.932,00 **

Área de Proteção Ambiental Municipal da Lagoa de Itapeva

Torres 630,29 **

Área de Proteção Ambiental Municipal Morro de Osório

Osório 6.896,75 **

APA Municipal de Riozinho Riozinho 10.000,00 **

Horto Florestal do Litoral Norte – Tramandaí

Tramandaí 45,87

Parque Estadual de Itapeva Torres 1.000,00 *

Parque Natural Mun. e Reserva Ecológica Tupancy

Arroio do Sal 21,00 *

Reserva Biológica Mata Paludosa Terra de Areia 113,00 *

Parque Municipal Manoel Pereira Santo Antônio da Patrulha 24,61 *

Parque Municipal de Guarita Torres 28,23

Reserva Biológica da Serra Geral Terra de Areia, Maquiné, Itati 4.845,76 *

Reserva Ecológica da Ilha dos Lobos

Torres 2,00 *

RPPN Recanto do Robalo Torres 9,95 *

Parque Camping de Itapeva Torres 103,00 *

* = Categoria de Proteção Integral pelo SNUC; ** = Categoria de uso sustentável pelo SNUC (Fonte Secretaria Estadual de Coordenação e Planejamento, 2004).

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4. ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E IMPACTOS AMBIENTAIS O Litoral Norte possui 21 municípios. Santo Antônio da Patrulha, com 1.048,90 km², possui a maior área, seguida de Osório, com 663,30 km² e Maquiné, com 622,10 km². A densidade demográfica média é de 57,64 hab/km2, sendo mais alta que o restante do Estado (37,30 hab/km²). O município de Imbé é o menor em área, com 39,50 km², e as maiores densidades populacionais ocorrem em Capão da Canoa (375,10 hab/km²) e Imbé (374,60 hab/km²).

Na última década o Litoral Norte apresentou o maior crescimento populacional, em termos relativos, no Rio Grande do Sul, com uma taxa anual de 2,81%, sendo maior do que o dobro das taxas anuais do Estado (1,23%) e do Brasil (1,63%). A taxa média de crescimento anual é a segunda maior do Estado, ficando somente abaixo da região metropolitana de Porto Alegre (IBGE, 2002).

Os municípios que apresentaram taxas de crescimento superiores a 5% ao ano foram Balneário Pinhal (7,56%), Cidreira (6,71%), Arroio do Sal (6,41%), Imbé (5,89%), Capão da Canoa (5,16%) e Xangri-lá (5,05%) (RIO GRANDE DO SUL, 2002).

Os principais balneários do Rio Grande do Sul concentram-se justamente no compartimento da Planície Costeira do Litoral Norte, ocupando, densamente, a faixa de dunas e campos litorâneos entre a praia e o cordão de lagoas. Pode-se abordar, em linhas gerais que entre Tramandaí e Capão da Canoa as condições de conservação da paisagem estão muito delicadas, podendo-se verificar maior escassez de manchas de vegetação nativa e na excessiva introdução de outdoors (Figura 7), em mais de uma centena por uma distância de 10 km, nas margens da faixa da RS 389, tapando grande parte da paisagem natural.

Entre os principais problemas ambientais da região está a ocupação intensa do ambiente por loteamentos (Figura 8), retirada de dunas e ocupação de áreas de preservação permanente (restingas, dunas, margens de rios e lagoas) definidas pelo Código Florestal Federal (Lei 4.771/1965), destinação inadequada de resíduos sólidos, uso indiscriminado de agrotóxicos, esgoto, desmatamento, queimadas, mineração (pedreiras), ausência de proteção à vegetação das áreas de preservação permanente, poluição dos mananciais hídricos, poluição visual por outdoors e reprodução desordenada de pinus (Pinus sp.) (Figura 9), que cresce como planta invasora, com sementes dispersas facilmente pelo vento. Neste último aspecto, nas áreas úmidas, também cresce velozmente as manchas de Hedychium coronarium (lírio-do-brejo).

Cabe destacar que além da urbanização crescente, o despejo de resíduos sólidos (Figura 10), torna os ricos campos arenosos em “terrenos baldios”. Este aspecto a população não consegue perceber e, depois disso, pode atear fogo na vegetação e rejeitá-la dentro da concepção de uma forma de “eco-assepsia”, eliminando-se assim o “mato imprestável e criatório de bichos”.

Os estuários também são alvos de alterações, constituindo-se em ecossistemas muito susceptíveis a impactos antrópicos, principalmente, pela drenagem, aterramento, enriquecimento com nutrientes de descargas orgânicas, agricultura e contaminação com substâncias tóxicas (Dennison & Berry 1993).

No que se refere às espécies ameaçadas tanto da flora (Decreto Estadual 42.099/ 2002) como da fauna (Decreto Estadual 41672/2002), são raros os estudos sobre o estado de

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conservação das espécies, ou seja, das centenas de espécies da flora e fauna ameaçada, talvez não mais de 1% recebam estudos sobre seu estado de conservação. O palmiteiro-jussara (Euterpe edulis), um dos principais produtos da floresta, continua sendo extraído ilegalmente e sem controle. O butiá (Butia capitata) e as formações de butiazais estão em processo de aniquilamento.

5. CONSIDERAÇÕE FINAIS A região do Litoral Norte possui diversidade de vegetação e de paisagem muito elevada e complexa. Nesta região encontra-se a Área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica que consiste em uma área de conservação de interesse nacional. Poucos sabem disso. O Programa de Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte (FEPAM 2000) e o Programa Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO) destacam-se como esforços cuja preocupação central é a conservação da biodiversidade da Planície Costeira. Entretanto, há cerca de trinta anos, a paisagem natural e a complexidade da seqüência de vegetação e sua biodiversidade como um todo estão sendo depreciadas pelo avanço incontrolável da ocupação por casas, edifícios e grandes empreendimentos imobiliários. Continuam sendo liberados gigantescos condomínios fechados que representam risco crescente de descaracterização da paisagem e de sua biota associada, além do comprometimento da qualidade da água do raso lençol freático deste compartimento do Estado.

Cabe destacar a importância no aumento dos estudos sobre a biota e o necessário debate sobre os caminhos para a conservação da vegetação e da paisagem do Litoral Norte. Entre as estratégias necessárias, destacam-se ações jurídicas contra abusos do poder econômico nos empreendimentos imobiliários, e a pressão por parte da sociedade para que os governos assumam o compromisso em resguardar a integridade dos ecossistemas nas UCs e outras áreas naturais de relevância que deveriam ser mapeadas e conservadas. As rodovias RS 389 e BR 101 devem ter diretrizes e leis urbanísticas severas contra ocupações irregulares. Devem ser estimuladas as atividades compatíveis com a conservação, com ênfase ao ecoturismo, à agroecologia e à restauração, esta última por meio da produção massiva de mudas de diversas espécies nativas e na recuperação do Banco de Germoplasma da Mata Atlântica, da estação Experimental da FEPAGRO, em Maquiné.

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Figura 1. Perfil geral esquemático da seqüência de tipos fisionômicos de vegetação do Litoral Norte do RS.

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Figura 2. Perfis esquemáticos de vegetação ilustrando as diferenças de seqüências dos tipos fisionômicos conforme a latitude entre Torres e Pinhal, RS.

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Figura 3. Perfil esquemático de vegetação de dunas e campos arenosos da porção sul do Litoral Norte, RS.

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Figura 4. Seqüência de tipos de vegetação entre as Formações Primárias, internamente às lagoas e a Floresta Ombrófila Densa, RS.

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Figura 5. Perfil esquemático da Floresta Atlântica de Terras Baixas Paludosa no Litoral Norte, RS.

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Figura 6. Perfil esquemático da Floresta Atlântica de Terrenos de Transição (argilo-arenosos), RS.

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Figura 7. Excesso de propaganda visual nas margens da RS389

Figura 8. Condomínio Fechado em centenas de metros de muros que agridem paisagem e são barreiras à fauna.

Figura 9. Área de jazida de areia e invasão de pinus.

Figura 10. Depósito de caliça e lixo em campos da RS 389.

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