ambiguidades

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Os explícitos e múltiplos sentidos Profª Elaine Andreatta BIOSFERA

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Análise de textos diversos.

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Ambiguidades

Os explcitos e mltiplos sentidosProf Elaine AndreattaBIOSFERAAs boazinhas que me perdoemQual o elogio que uma mulher adora receber? Bom, se voc est com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles fsicos ou morais. Diga que ela uma mulher inteligente, e ela ir com a sua cara. Diga que ela tem um timo carter e um corpo que uma provocao, e ela decorar o seu nmero. Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presena de esprito, da sua aura de mistrio, de como ela tem classe: ela achar voc muito observador e lhe dar uma cpia da chave de casa. Mas no pense que o jogo est ganho: manter o cargo vai depender da sua perspiccia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta. Diga que ela cozinha melhor que a sua me, que ela tem uma voz que faz voc pensar obscenidades, que ela um avio no mundo dos negcios. Fale sobre sua competncia, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical. Agora quer ver o mundo cair? Diga que ela muito boazinha. Descreva a uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastis, calados rentes ao cho. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponvel, serena, previsvel, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os ps num show de rock. queridinha. Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha. Fomos boazinhas por sculos. Engolamos tudo e fingamos no ver nada, ceguinhas. Vivamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempo assim, comportadinhas, enquanto amos alimentando um desejo incontrolvel de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas. At que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas. Ningum mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes no so mais brotinhos: so garotas da gerao teen. Ser chamada de patricinha ofensa mortal. Pitchulinha coisa de retardada. Quem gosta de diminutivos, definha. Ser boazinha no tem nada a ver com ser generosa. Ser boa bom, ser boazinha pssimo. As boazinhas no tm defeitos. No tm atitude. Conformam-se com a coadjuvncia. PH neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenes, o pior dos desaforos. Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmticos. As "inhas" no moram mais aqui. Foram para o espao, sozinhas.

Martha Medeiros- agosto de 1998

O bonzinho e a boazuda Sempre ouvi a seguinte queixa dos homens bonzinhos: - Estou cansado de ser bonzinho, s me ferro! Mulher gosta de homem canalha! Ento o bonzinho, cansado de dar murro em ponta de faca, resolve que vai pegar todas. E pega mesmo. Depois volta, todo prosa: - T pegando geral. Ningum me segura. No disse? No disse que mulher gosta de homem canalha? Sem querer tirar o doce da boca dos bonzinhos loucos para deixar de ser bonzinhos, h srias controvrsias. E o assunto bonzo. Primeiro, que nunca vi homem bonzinho querer mulher boazinha. Alis, ningum quer mulher boazinha. Querem logo a boazuda. Cada qual com seu critrio; o problema no esse. Existe a boazuda sria, digna. E existe a boazinha tambm digna. De Oscar de melhor atriz. O problema justamente a falta de critrio, que parece assolar uma generosa fatia do universo masculino - a mesma fatia que, depois, vai se queixar ao papa. E vem com esta conversa: mulher gosta de canalha. Eu diria que o bonzinho queixoso , sim, uma vtima. Da prpria preguia. Difcil ouvir de um homem algo prximo a isto: - S me ferro! Estou cansado de no saber selecionar as pessoas com quem me relaciono. Como tenho um timo carter, deveria saber escolher mulheres que estivessem minha altura! No. Esse papo de escolher parceiro parece ser coisa de mulher - ou pior, de mulherzinha. O bonzinho vai festa, e olhe l. Toma umas e outras para ter coragem de abordar a boazuda. Mira nela. Acha outra boazuda parecida, mira tambm (para aumentar as chances). Atira. Atira outra vez. Fecha os olhos. Abre os olhos. E olha pelo cho para ver quem caiu. Esse tipo de seleo - poderia chamar de "critrio do estilingue", mas vou poup-los (ao menos) dessa canalhice literria; para isso h vasto material especializado - costuma ser muito eficiente em curto prazo. A rebordosa que so elas: as boazudas mal escolhidas. Mas o bonzinho, o nome j diz, no vai desistir assim. J est meio encantado pelo rebolado da moa mesmo, que se h de fazer? Se ela um pouco esquisita, se sorri de canto em horas inoportunas, se esboa um trejeito meio sdico - quem sou eu para julgar? Aquilo no cheira nada bem, mas o bonzinho pega a boazuda pela mo e apresenta famlia. Enxaqueca geral. Todo mundo sabe onde essa encrenca vai dar. Em encrenca. E ele, no fundo, tambm sabe. Mas disfara muito bem. Chega o fatdico momento, ento, em que o sujeito bom carter surpreendido (entre aspas) por incmoda-protuberncia-crnio-frontal (entre aspas, agora literalmente). A boazuda no s deitou e rolou, como tambm se bandeou para o gramado do vizinho - que, segundo consta, no era l to bonzinho. Da o sujeito conclui no que no sabe escolher as boazudas, mas que mulher gosta de homem canalha. E, munido dessa tese cientfica to precisa quanto a mira do seu estilingue - com todo o respeito -, decide deixar de ser gente boa no ato. Ganha a humanidade, com isso, muito pouco. Jamais saberemos, por exemplo, que fim levaria o bonzinho, caso resolvesse seguir bonzinho, deixasse de preguia e fosse buscar uma boa - talvez menos "uda", mas ainda boa - mulher. E o casal boazuda-e-canalha, afinal, tem futuro se algum deles resolver ser fiel? Ou vira bonzinho, e a perde o encanto? E ficamos, ainda, diante de mais um dilema. Se "mulher gosta de homem canalha" (homem diz), e "homem no presta, tudo canalha" (mulher diz) - de duas, uma. Ou essa confuso no ter fim, e estaremos fadados a desencontros amorosos crnicos at o fim de nossos solitrios dias Ou a gente se ama de verdade, e eu que estou aqui perdendo tempo discutindo a relao

Questes orientadoras para esquematizao:O bonzinho e a boazudaQual o prottipo de homem apresentado pela autora?2. Quais so as controvrsias mostradas no texto?3. Dentre as controvrsias, uma delas o critrio de escolha usado pelo homem. Como a cronista metaforiza tal critrio?4. Em que justificativas, segundo Bbi da Pieve, os homens se apegam para reforar um preconceito de gnero?5. De que forma a ironia presente no texto materializa o posicionamento da autora frente ao tema em debate?6. Diante das reflexes acerca dos clichs dados pelo pblico masculino e feminino, a que concluses chega a cronista sobre o relacionamento afetivo? Comente de acordo com o seu posicionamento sobre o assunto:

PROPOSTAS DE PRODUO TEXTUAL1. Produza uma carta argumentativa a uma das cronistas comentando a pertinncia ou no da temtica abordada:2. luz da discusso da temtica das crnicas, escreva uma crnica argumentativa utilizando a imagem da atriz Juliana Paes nos seguintes papis: A Boa da propaganda da cerveja Antrtica e a BOAZINHA/BOAZUDA da novela Amrica:3. Mulher gosta de homem canalha e Homem no presta, tudo canalha! denotam um preconceito de gnero. Produza um artigo de opinio desmontando tal preconceito:4. H momentos em nossa vida que nos marcam profundamente: A primeira a gente nunca esquece. Discorra sobre um evento inaugural da sua vida, fazendo comentrios acerca da importncia deste fato para a sua formao pessoal:5. As qualificaes mudam, os adjetivos evoluem atravs dos tempos... Produza uma crnica argumentativa fazendo uma retrospectiva histrica dos adjetivos atribudos mulher:6. O texto O bonzinho e a boazuda retrata imagens estereotipadas da figura masculina e feminina nos relacionamentos afetivos. Comente sobre isso atravs de um artigo de opinio, desconstruindo estas imagens e apontando alternativas para o fim dos desencontros afetivos:

INTENO

EXEMPLO

Verbos na 1 pessoa do singular

O autor apresenta opinio explcita, no se esconde, ao contrrio se mostra de forma incisiva.

Sempre ouvi a seguinte queixa dos homens bonzinhos (...)(Texto B)(...) nunca vi homem bonzinho querer mulher boazinha. (Texto B)

Verbos na 1 pessoa do plural

Alm de apresentar a opinio explcita, o autor inclui o leitor em suas observaes.

Fomos boazinhas por sculos. (Texto A)

Verbos no presente

Efeito de aproximao do leitor com o tema discutido em relao ao tempo, por isso pode ser efmera pelo seu assunto, ao mesmo tempo em que pode se tornar atemporal pelo uso verbal.

Ser boazinha no tem nada a ver com ser generosa. Ser boa bom, ser boazinha pssimo. (Texto A)

Verbos no modo imperativo

Incita a ao do interlocutor, estabelecendo uma espcie de dilogo.

Diga que ela tem um timo carter, (...)(Texto A)Fale do seu olhar, da sua pele (...)(Texto A)Descreva a uma mulher boazinha. (Texto A)

MARCAS LINGUSTICAS

INTENO

EXEMPLO

Enunciados opinativos

Estabelece a existncia da argumentao atravs das frases de efeito que buscam o convencimento do leitor.

Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, isso que somos hoje. (Texto A)

Linguagem informal

Aproxima o autor do leitor.

As inhas no moram mais aqui. Foram para o espao, sozinhas. (Texto A)Ou a gente se ama de verdade, e eu que estou aqui perdendo tempo discutindo a relao. (Texto B)

Uso de adjetivos e advrbios.

Denotam a subjetividade do autor, com a presena de julgamentos e avaliaes pessoais.

Chega o fatdico momento (...).(Texto B)O problema justamente a falta de critrio (...).(Texto B)Eu diria que o bonzinho queixoso , sim, uma vtima. (Texto B)

Sufixo INHO(A)Presena de humor e ironia, fazendo com que o leitor repense seus conceitos, suas posies.

Ou vira bonzinho e a perde o encanto? (Texto B)Vivamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. (Texto A)

MARCAS LINGUSTICAS Uso de conectores

Estabelece uma relao de causa e efeito, dando sequncia ao texto e ordenando a argumentao proposta pelo autor em sua forma composicional.

Da o sujeito conclui que no sabe escolher as boazudas. (Texto B)Ento o bonzinho, cansado de dar murro em ponta de faca (...)(Texto B)Mas no pense que o jogo est ganho (...)(Texto A)

Adequao e escolha lexical

Uso de lxico que denota preciso e persuaso. As escolhas lexicais tm a ver com o gnero em si e com as questes ideolgicas mostradas no decorrer da argumentao.

O problema justamente a falta de critrio, que parece assolar uma generosa fatia do universo masculino a mesma fatia que, depois, vai se queixar ao papa. (Texto B)

Vinte e novePerdi vinte em vinte e nove amizadesPor conta de uma pedra em minhas mosEmbriaguei morrendo vinte e nove vezesS aprendendo a viver sem vocJ que voc no me quer maispassei vinte e nove meses num navioE vinte e nove dias na prisoE aos vinte e nove com o retorno de saturnoDecidi comear a viverQuando voc deixou de me amarAprendi a perdoar e a pedir perdoE vinte e nove anjos me saudaramE tive vinte e nove amigos outra vez

Renato RussoNa sua estante/ PittyTe vejo errando e isso no pecado, Exceto quando faz outra pessoa sangrar Te vejo sonhando e isso d medo

Perdido num mundo que no d pra entrar Voc est saindo da minha vida E parece que vai demorar

Se no souber voltar ao menos mande notcias "C" acha que eu sou louca Mas tudo vai se encaixar

T aproveitando cada segundo Antes que isso aqui vire uma tragdia

E no adianta nem me procurar Em outros timbres, outros risos Eu estava aqui o tempo todo S voc no viu

E no adianta nem me procurar Em outros timbres, outros risos Eu estava aqui o tempo todo S voc no viu

Voc t sempre indo e vindo, tudo bem Dessa vez eu j vesti minha armadura E mesmo que nada funcione

Eu estarei de p, de queixo erguido Depois voc me v vermelha e acha graa Mas eu no ficaria bem na sua estante

T aproveitando cada segundo Antes que isso aqui vire uma tragdia

E no adianta nem me procurar Em outros timbres e outros risos Eu estava aqui o tempo todo S voc no viu

E no adianta nem me procurar Em outros timbres, outros risos Eu estava aqui o tempo todo S voc no viu

S por hoje no quero mais te ver S por hoje no vou tomar minha dose de voc Cansei de chorar feridas que no se fecham, no se Curam (no) E essa abstinncia uma hora vai passar