amazônia, para além da discussão entre campo e cidade

112
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA – UNAMA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISA E EXTENSÃO - PPPE NÚCLEO DE PESQUISA EM QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO CLEIDE LIMA DE SOUZA AMAZÔNIA, PARA ALÉM DA DISCUSSÃO ENTRE CAMPO E CIDADE: O Município de Tapauá/AM em foco. Belém-Pará 2010

Upload: hahanh

Post on 07-Jan-2017

224 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

0

UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA – UNAMA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISA E EXTENSÃO - PPPE NÚCLEO DE PESQUISA EM QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE

PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE URBANO

CLEIDE LIMA DE SOUZA

AMAZÔNIA, PARA ALÉM DA DISCUSSÃO ENTRE

CAMPO E CIDADE: O Município de Tapauá/AM em foco.

Belém-Pará 2010

1

CLEIDE LIMA DE SOUZA

AMAZÔNIA, PARA ALÉM DA DISCUSSÃO ENTRE

CAMPO E CIDADE: O Município de Tapauá/AM em foco.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia, como requisito para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Voyner Ravena Cañete.

Belém-Pará 2010

2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

338.9811

S729a Souza, Cleide Lima

Amazônia, para além da discussão entre campo e cidade: o Município de Tapauá/AM em foco / Cleide Lima de Souza. -- 2009.

f. ; 21 x 30 cm.

Dissertação de Mestrado -- Universidade da Amazônia, Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, 2009.

Orientador: Profª Drª. Voyner Ravena Cañete.

1.Tapauá ( Amazônia ). 2. Cidade - Modo de Vida. 3. Urbano- Ruralidade. Tapauá (Amazônia)- Economia- Cultura- Meio Ambiente I. Cañete, Voyner Ravena. II. Título.

3

CLEIDE LIMA DE SOUZA

AMAZÔNIA, PARA ALÉM DA DISCUSSÃO ENTRE

CAMPO E CIDADE: O Município de Tapauá/AM em foco.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia, como requisito para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Voyner Ravena Cañete.

Banca examinadora:

Profª Drª Voyner Ravena Cañete - Orientadora Universidade da Amazônia (UNAMA) Prof. Dr. Mário Vasconcelos Sobrinho – Examinador Interno Universidade da Amazônia (UNAMA) Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento – Examinador Externo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) Profª Drª Nírvia Ravena – Examinadora Interna- Suplente Universidade da Amazônia (UNAMA) Núcleo de Altos estudos Amazônicos (NAEA/UFPA)

Defendida em:______/______/______ Conceito:_________________________

Belém-Pará

2010

4

Aos meus entes queridos, minha mãe Nilda, minha irmã Vanessa e meu irmão Preto, que partiram para o mundo astral, me fazendo entender o verdadeiro sentido da vida.

5

AGRADECIMENTOS

Considero este momento o mais difícil porque significa mencionar aquelas pessoas a

quem você deve gratidão e, muitas vezes, foge do nosso controle. Por outro lado, torna-se

também o mais importante, pela oportunidade de agradecer a participação, principalmente,

daqueles que, com sua contribuição, tornaram possível a realização deste trabalho.

Assim, sou muito grata à Universidade da Amazônia (UNAMA), na pessoa do

Professor Edson Franco, hoje antigo reitor, que me fez acreditar nesta instituição, por onde

iniciei com a Graduação em Ciências Sociais e, também, onde comecei como estagiária em

projetos de pesquisa e de extensão. Nessa trajetória, muitas pessoas cruzaram o meu caminho

e, de alguma forma, ajudaram na caminhada. Na pesquisa, a Professora Doutora Ana Maria

Vasconcellos, que foi minha orientadora e me possibilitou o primeiro contato com a pesquisa;

o Professor Doutor Mário Vasconcellos, com quem atuei também na pesquisa, foi examinador

na Graduação e no Mestrado, minha gratidão. Agradeço, ainda, o olhar minucioso e “exato”

do Professor Doutor Benedito Coutinho Neto, na qualificação.

Ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano,

coordenado pelo Professor Doutor Marco Aurélio Arbage Lobo e ao Núcleo de Meio

Ambiente, especialmente a Ivanéia, secretária do Núcleo de Pesquisa e a Carmen, Secretária

do Programa de Mestrado.

A todos os colegas do Mestrado, em especial Tânia Monteiro, Fabrício Santa Brígida e

Fernando Brasil, pela amizade.

À Professora Doutora Nírvia Ravena, por todo aprendizado, como professora,

pesquisadora e “amigona”, mas, especialmente, pela oportunidade de participar no projeto de

pesquisa “Gestão das Águas na Amazônia”, sob sua coordenação, o que possibilitou a

construção desta dissertação. Ao CNPq, pelo auxílio financeiro.

Aos moradores da cidade de Tapauá que, sem me conhecerem, me receberam em suas

casas para me falar do seu cotidiano, possibilitando a construção deste trabalho.

6

A minha orientadora, Doutora Voyner Ravena Cañete, por todo o apoio desde a

Graduação, especialmente no ingresso no Mestrado até sua conclusão, pelo trato

incondicional durante essa trajetória e amadurecimento acadêmico, a quem serei eternamente

grata.

A toda minha família, meus pais pela vida, pelos valores e aos meus tantos irmãos pela

oportunidade de encontro e aprendizagem nesta vida.

A minha amiguinha Ana Luísa Moraes, que muito me ajudou no trabalho de campo,

tanto na coleta dos dados quanto na companhia naquele lugar tão distante.

Aos bolsistas do projeto “Gestão das Águas na Amazônia,” em especial ao Uriens

Cañete, que me ajudou no tratamento dos dados primários, ao William Rocha e Beatriz Aviz,

na coleta dos dados secundários e à Denize Carneiro, no auxílio à organização deste material.

Ao Jun Dojo de Belém, filiado ao Sho Dojo de Brasília, setor da América Latina da

Sukyo Mahikari, pelo acolhimento, e a todos os Yokoshi Kami-Kumite, ARIGATÔ.

Ao Deus Supremo, por todas as dádivas concedidas, por todas as coisas que tem me

possibilitado vivenciar, mesmo as não agradáveis, mas que contribuem para o meu

crescimento e aprimoramento como ser humano. Sinceramente, muito obrigada.

7

“Sim eu tenho a cara do saci, o sabor do tucumã.

Tenho as asas do curió, e namoro cunhatã.

Tenho o cheiro do patchouli e o gosto do taperebá.

Eu sou açaí e cobra grande.

O curupira sim saiu de mim, saiu de mim, saiu de mim...

Sei cantar o ‘tár’ do carimbó, do siriá e do lundú.

O caboclo lá de Cametá e o índio do Xingu.

Tenho a força do muiraquitã.

Sou pipira das manhãs.

Sou o boto, igarapé.

Sou rio Negro e Tocantins.

Samaúma da floresta, peixe-boi e jabuti.

Mururé filho da selva.

A boiúna está em mim.

Sou curumim, sou Guajará ou Valdemar, o Marajó, cunhã...

A pororoca sim nasceu em mim,nasceu em mim, nasceu em mim...

Se eu tenho a cara do Pará, o calor do tarubá.

Um uirapuru que sonha.

Sou muito mais...

Eu sou, Amazônia!”

Nilson Chaves

8

RESUMO

SOUZA, Cleide Lima de. Amazônia, para além da discussão entre campo e cidade: o município de Tapauá/AM em foco. Belém, 2009, 112f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano) - Universidade da Amazônia.

Esta dissertação discorre sobre Tapauá/AM, pequena cidade na Calha do rio Purus, localizada na Amazônia brasileira e inserida em um cenário específico marcado pelo ecossistema de várzea. Analisa o modo de vida de seus moradores e a relação destes com o meio rural, a partir da categoria “ruralidade”, considerando a dinâmica socioeconômica, cultural e ambiental que envolve essa população. O método utilizado consiste em um estudo de caso. Esta escolha se deu pela necessidade de estudar com profundidade as singularidades que abrangem a cidade de Tapauá. Representando o terceiro maior município do país e o quinto maior do mundo em extensão territorial, o município encontra dificuldade na construção de assentamentos, sobretudo na cidade, devido à restrição imposta pela quantidade de Unidades de Conservação e de Terras Indígenas na área. No caso específico do perímetro urbano, este se encontra limitado pela fronteira com uma TI e Unidades de Conservação. Ainda que dentro da área urbana, os moradores recorrem a uma prática já exercida na área rural, reproduzindo-a no chamado flutuante, que são casas distribuídas sobre o rio por toda a frente da cidade e que acompanham o nível da água, na cheia e na seca. Este modo de vida possibilita ao morador da cidade manter as mesmas práticas que marcam o modo de vida praticado no campo. Assim, a pesquisa contesta a tese de uma completa urbanização inerente ao mundo atual e demonstra que o que perfila pequenas cidades como áreas urbanas é apenas a normativa legal utilizada pelo IBGE, que considera toda cidade e distrito como urbanos. No entanto, se fossem utilizados outros critérios, como densidade populacional e grau de antropização, dentre outros adotados em outros países, o Brasil passaria a figurar como um país predominantemente rural. O caso de Tapauá/AM se apresenta como um exemplo destacado que contesta esse modelo explicativo e classificatório, evidenciando uma Amazônia onde a relação urbano/rural pode ser pensada através de outros paradigmas. Palavras-chave: Cidade. Urbano. Rural. Amazônia. Modo de vida.

9

ABSTRACT

SOUZA, Cleide Lima de. Amazon, beyond the Discussion between country and city: The County of Tapauá/AM in focus. Belém, 2009, 112p. Dissertation (Master in Enviroment Urban and Development) – University of Amazon.

This dissertation discusses Tapauá/AM, a small town in the chute of Purus River, located in the Brazilian Amazon and inserted in a specific scenario marked by the meadow ecosystem. Analyzes the livelihood of the people and their relationship with the rural environment from the perspective of "rurality" given the dynamic socio-economic, cultural and environmental aspects that make up this population. The method consists of a case study. This choice was the need to study in depth the singularities involving the city of Tapauá. Representing the third largest city in the country and the fifth largest in the world in territorial extension, the council finds it difficult to build settlements, especially in the city because of the restriction imposed by the amount of protected areas and indigenous lands in the area. In the specific case of the urban area, this is limited by the border with an IT and conservation areas. Even within the urban area, residents rely on a practice already performed in rural areas, reproducing it in the so-called floating homes that are distributed over the river across the front of the city and track the level of water during the rainy season dry. This way of life allows the resident of the city to keep the same practices that mark the way of life practiced in the field. Thus, the research challenges the thesis of a complete urbanization inherent in today's world and demonstrates that the profiling small towns and urban areas is only the legal rules used by IBGE that considers the entire city and district and urban. However, if used other criteria such as population density and degree of human disturbance, and others adopted in other countries, Brazil would appear as a predominantly rural country. The case of Tapauá/AM itself as an outstanding example that challenges this explanatory model and classification, showing an Amazon where the urban-rural relationship can be thought of by other paradigms.

Keywords: City. Urban. Rural. Lifestyle. Amazon

10

LISTA DE SIGLAS

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

FLONA Floresta Nacional

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNASA Fundação Nacional da Saúde

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INFRAERO Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica

IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

MMA Ministério do Meio Ambiente

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

PPG7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

REBIO Reserva Biológica

TI’s Terras Indígenas

UC’s Unidades de Conservação

UFPA Universidade Federal do Pará

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNAMA Universidade da Amazônia

UNFPA Fundo de População das Nações Unidas

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

USP Universidade de São Paulo

11

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 - Calha do rio Purus 22

FIGURA 02 - Localização da sub-bacia do Purus 71

FIGURA 03 - Localização da sub-bacia do Purus 72

FIGURA 04 - Canoas utilizadas pelos moradores para locomoção na cidade

flutuante

76

FIGURA 05 - Indicação do comércio de peixes grandes 81

FIGURA 06 - Peixe fera 81

FIGURA 07 - Área de várzea no entorno da cidade de Tapauá 84

FIGURA 08 - Imagem de parte da cidade situada sobre o rio Purus 85

FIGURA 09 - Cultivo de hortaliças em jiraus e criação de galinha no flutuante 94

FIGURA 10 - Área rural do município de Tapauá 95

FIGURA 11 - Área de reserva biológica em Tapauá 95

12

LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 - Densidade demográfica nos municípios que compõem a bacia do Purus 23

QUADRO 02 - Atividades desenvolvidas de acordo com a dinâmica do rio Purus 24

QUADRO 03 - Densidade demográfica das capitais brasileiras, segundo critério da

OCDE

55

QUADRO 04 - Número de Unidades de Conservação 73

QUADRO 05 - Número de Terras Indígenas 74

13

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 - Número de cidades no Brasil, por região e extrato populacional 65

TABELA 02 - Do que mais gosta do interior/meio rural 89

TABELA 03 - Motivos que levaram pessoas do meio rural a optar pela cidade 92

14

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01 - Quantidade de cidades nos anos de 1950 e 2000 48

GRÁFICO 02 - Crescimento da população urbana 77

GRÁFICO 03 - Horário em que costumam dormir 90

GRÁFICO 04 - Horário em que costumam acordar 90

GRÁFICO 05 - Atividade desenvolvida na área rural por moradores da cidade 91

GRÁFICO 06 - Doenças endêmicas presentes na cidade

93

15

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 17

2 UMA ESPECIFICIDADE URBANA NA AMAZÔNIA: A ESCOLHA DO

LÓCUS DA PESQUISA

20

2.1 TAPAUÁ: A ESCOLHA DO CASO 20

2.2 ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE ESTUDO 25

3 CIDADE: SURGIMENTO, DESENVOLVIMENTO E PERSPECTIVAS 29

3.1 A CIDADE NA CONCEPÇÃO DE KARL MARX, MAX WEBER E GEORG

SIMMEL

30

3.2 A CIDADE COMO OBJETO DE ESTUDO: LOUIS WIRTH, ROBERT PARK E

A ESCOLA DE CHICAGO

36

3.3 ESPAÇO E URBANO NA CONCEPÇÃO DE MANUEL CASTELLS E HENRY

LEFEBVRE

40

3.4 CIDADE NO BRASIL E AMAZÔNIA BRASILEIRA 45

3.5 A POLÍTICA URBANA E O ESTATUTO DA CIDADE: PRINCIPAIS

AVANÇOS

51

4 ENTENDIMENTOS ACERCA DO URBANO E RURAL NA ATUALIDADE 53

4.1 O URBANO NO BRASIL 53

4.2 DEBATE CONCEITUAL ACERCA DO URBANO E RURAL 56

4.2.1 A proposta de ruralidade e urbanidade 62

4.3 O TERRITÓRIO COMO DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO PROPOSTO PELA

OCDE

64

5 A CIDADE DE TAPAUÁ EM FOCO 67

5.1 DIMENSÃO HISTÓRICA 68

5.1.1 Dimensão Territorial e Ambiental 71

5.1.2 Dimensão sociodemográfica 76

16

5.2 TAPAUÁ ENQUANTO ESPECIFICIDADE DE CIDADE 82

5.3 O ACESSO À CIDADE – TRAJETÓRIAS RURAIS 87

5.4 O MODO DE VIDA E O COTIDIANO URBANO/RURAL EM TAPAUÁ 90

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 98

REFERÊNCIAS 100

APÊNDICE A - Questionário

106

ANEXO 01 111

17

1 INTRODUÇÃO

O crescimento populacional vem proporcionando um aumento de aglomerados

humanos que, somados ao número de cidades, contribui para a elevação da taxa de

urbanização em todo o mundo. Nos países chamados desenvolvidos, esta questão parece não

merecer mais discussão, pois, o desaparecimento das áreas rurais deu lugar às grandes

metrópoles.

No entanto, no Brasil, essa temática permanece forte em parte da região amazônica e

caracteriza-se como uma das áreas do globo com maior diversidade e disponibilidade de

recursos naturais. Contudo, tanto a qualidade quanto a quantidade desses recursos estão

ameaçadas pela crescente urbanização brasileira. As externalidades espaciais provenientes da

degradação do meio ambiente estabelecem interfaces também com áreas menos urbanizadas,

criando uma interdependência que demanda desenhos institucionais capazes de contemplar as

especificidades da região e de sua cultura política (RAVENA, 2008).

Em uma perspectiva histórica, é possível dizer que, na Amazônia brasileira, grande

parte da população que deixou a exploração da borracha, a partir de seu processo de

decadência, voltou-se para as atividades da agricultura (IANNI, 1978; COSTA, 1993;

CASTRO; HÉBETTE, 1989) onde a população tradicional se perfila de forma distinta nos

diferenciados biomas amazônicos (SCHOR; COSTA, 2007).

Assim, a região amazônica, ainda que tratada de forma monolítica pelas políticas

públicas de desenvolvimento do governo federal deve ser vista e pensada a partir de suas

especificidades. A bacia do Purus pode ser tomada como uma dessas áreas peculiares,

localizada no sudoeste da Amazônia, cobre área dos estados do Amazonas e do Acre e, ainda,

países como Peru e Bolívia. O rio Purus representa o principal distributário desta bacia, sua

população, detentora de um saber específico para o trato da natureza em um bioma peculiar,

pode ser vista como uma população tradicional a ser estudada, especificamente a que reside

na cidade de Tapauá.

Por meio de um estudo mais amplo, a Universidade Federal do Pará, em conjunto

com a Universidade da Amazônia, desenvolveram o projeto “Gestão das Águas na Amazônia:

peculiaridades e desafios no contexto sociopolítico regional da bacia do rio Purus”, aprovado

e financiado pelo CNPq/PPG7. Durante a participação nesta pesquisa, emergiu esta proposta

de dissertação.

18

O percurso do trabalho de campo envolveu as nove cidades presentes na bacia do rio

Purus (Beruri, Canutama, Tapauá, Lábrea, Pauní, Boca do Acre, Manuel Urbano, Sena

Madureira e Santa Rosa do Purus) pertencente aos estados do Amazonas e do Acre. Embora

todas as cidades se situem às margens do rio, possuindo áreas de várzea e com atividades

socioeconômicas semelhantes, cada uma retrata uma realidade distinta, independentemente da

localização geográfica.

Tapauá se destaca como a cidade mais atípica nesse cenário. Diversas razões

apontam para tal afirmação: a primeira refere-se a sua dimensão territorial, disparadamente

maior, o que dificulta a mobilidade das pessoas que residem, principalmente, na área rural,

assim como o acesso aos serviços públicos considerados básicos, tais como saúde e educação.

O segundo motivo diz respeito à quantidade de Unidades de Conservação e de Terras

Indígenas, o que restringe a construção de assentamentos humanos na cidade e no campo.

Essa restrição para o espraiamento da população no território se acentua na sede do

município, já que o perímetro urbano faz limite com uma Terra Indígena, o que impossibilita

sua expansão. Diante da dificuldade de locomoção e de acesso aos serviços públicos, o

morador do meio rural muda para a cidade, mas se depara com outra dificuldade, o acesso à

moradia. Nesta situação, opta-se por morar sobre o rio, no chamado flutuante.

Assim, esse quadro demonstra a necessidade de olhar a Amazônia a partir de sua

diversidade que torna cada lugar uma singularidade, um espaço territorial1 único, porque

imprime uma lógica local, requerendo um olhar mais minucioso, o que vem justificar o estudo

de caso da cidade de Tapauá.

Todavia, render-se facilmente a essa dicotomia pode condenar a pesquisa a

resultados pouco esclarecedores. Usar categorias como urbanização e ruralidade nesse cenário

tão complexo torna-se um desafio. Assim, uma questão se estabelece: cidades amazônicas,

inseridas em um cenário específico de fronteira marcado pelo bioma da várzea apresentam

uma prática de gestão que se contrapõe à dinâmica de ruralidade de suas populações? Ao que

indicam os resultados empíricos sobre Tapauá, populações de cidades amazônicas exercem

práticas predominantemente rurais.

Desta forma, se caracteriza como principal objetivo deste trabalho compreender a

relação estabelecida entre Cidade e Campo, considerando o modo de vida e a dinâmica

socioeconômica e cultural dos diferentes grupos que compõem sua população na interface

com os serviços urbanos oferecidos pela gestão pública municipal.

1Não é intenção deste trabalho, discutir a categoria território. Parte-se aqui da compreensão deste em uma perspectiva do geral, ou seja, como um espaço físico dotado de relações sociais (SANTOS, 2004).

19

Para responder ao problema proposto, esta dissertação está estruturada em quatro

capítulos. O primeiro apresenta o objeto de estudo, fazendo uma caracterização do mesmo;

apresenta, ainda, o método de estudo, descrevendo as técnicas de abordagem empregadas no

trabalho de campo.

O segundo capítulo apresenta as matrizes teóricas escolhidas para tratar o estudo da

cidade, dentre elas, a contribuição européia através dos clássicos da sociologia Karl Max,

Max Weber e Simmel; os mais contemporâneos Henry Lefebvre e Manuel Castells e, em

seguida, a Escola de Chicago, por meio de seus representantes Robert Park e Louis Wirth.

O terceiro capítulo traz a discussão acerca dos conceitos de urbano e rural, tanto no

âmbito teórico quanto legal. Apresenta um enfoque para o Brasil e Amazônia brasileira,

abordando categorias que vêm sendo utilizadas para compreensão dos processos de mudança

no meio rural e urbano, realizado por autores como Veiga (2006), Schneider (2004a, 2004b,

2009), Graziano da Silva (1996, 2001), Wanderley (2000, 2001, 2002) e Carneiro (1998).

Estes utilizam categorias como ruralidade, urbanidade e territorialidade, mas são em

determinados aspectos contestados por Abramovay (2000, 2006), que traz um enfoque

específico e particular para o cenário brasileiro.

O último capítulo apresenta a análise do lócus da pesquisa, a cidade de Tapauá.

Utiliza, ainda, as matrizes teóricas tratadas nos capítulos anteriores e os dados coletados em

trabalho de campo, demonstrando a prática de ruralidade presente nessa cidade por meio do

modo de vida de seus moradores, o que justifica sua especificidade como pequena cidade da

Amazônia.

20

2 UMA ESPECIFICIDADE URBANA NA AMAZÔNIA: A ESCOLHA DO LÓCUS DA

PESQUISA Por via prazerosa, o homem da Amazônia percorre pacientemente as inúmeras curvas dos rios, ultrapassando a solidão de suas várzeas pouco povoadas e plenas de incontáveis tonalidades de verdes, de linha do horizonte que parece confinar com o eterno, da grandeza que envolve o espírito numa sensação de estar diante de algo sublime. (LOUREIRO, 1995)

A Amazônia congrega um “mundo” dentro de si. Marcada por um mosaico de casos

diferenciados, tem, no formato de suas cidades, uma peculiaridade a mais. Tapauá, município

situado no médio rio Purus, constitui-se em um desses modelos sui generis. Localizada

parcialmente dentro do rio, já que parte das residências que compõem a cidade refere-se a

flutuantes situados dentro do curso d’água, Tapauá apresenta, ainda, outras peculiaridades,

como a restrição ao crescimento e uso da terra na sede municipal.

A fim de elucidar tal cenário e delimitar a escolha da pesquisa, este capítulo se divide

em duas seções: a primeira enfoca Tapauá enquanto lócus de estudo e a segunda seção

descreve o método de estudo e as técnicas de pesquisa aplicadas na coleta de dados primários

e secundários. A área rural será utilizada como parâmetro comparativo, considerando a prática

de seus moradores, dada a importância do ambiente natural para a reprodução social destes

habitantes.

2.1 TAPAUÁ: A ESCOLHA DO CASO

A região amazônica, ainda que tratada de forma monolítica pelas políticas públicas

de desenvolvimento do governo federal, apresentada atualmente como um espaço

predominantemente urbano, deve, no entanto, ser pensada a partir de suas especificidades. O

rio Purus pode ser tomado como uma dessas áreas peculiares; sua população, detentora de um

saber específico no trato com a natureza em bioma de várzea, pode ser vista como uma

população tradicional2 a ser estudada.

2Classificada como: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição, conforme definido no Decreto nº.6.040 de 2007, como Povos e Comunidades Tradicionais. Embora a população seja assim definida, não é objeto desta pesquisa analisar a referida categoria.

21

Buscando compreender esse cenário diverso, o projeto “Gestão das Águas na

Amazônia: peculiaridades e desafios no contexto sócio-político regional da bacia do rio

Purus”. O referido projeto obteve financiamento do CNPq/PPG73. Além deste projeto, outros

subprojetos foram realizados no decorrer de três anos de pesquisa (2005-2008), de forma a

estabelecer uma produção de dados capaz de subsidiar os tomadores de decisão para criação e

implementação de políticas públicas referentes à realidade Amazônica.

A pesquisa focou a bacia do rio Purus, onde se situam nove cidades, localizadas às

margens do referido rio, sendo três no estado do Acre (Santa Rosa do Purus, Sena Madureira

e Manoel Urbano) e seis no estado do Amazonas (Bocas do Acre, Beruri, Canutama, Lábrea,

Pauiní e Tapauá). A escolha por esta bacia se deu em função do seu baixo grau de

antropização.

No decorrer do projeto “Gestão das Águas na Amazônia”, realizaram-se duas

viagens de campo, cobrindo, assim, toda a bacia do rio Purus. A primeira consistiu em uma

viagem de barco, de Manaus até Lábrea, onde se realizou um mapeamento deste percurso,

levantando o número e coordenadas das localidades existentes na calha do rio, bem como

aplicação de questionário junto a estes moradores. O segundo campo priorizou o

levantamento da capacidade institucional das administrações municipais por meio da técnica

de grupo focal. Essa viagem ocorreu via aérea, com a locação de um monomotor, em função

da restrição para navegabilidade, principalmente no trecho do alto Purus no Acre, fronteira

com o Peru.

As viagens de campo evidenciaram as peculiaridades que envolvem o campo do

urbano e rural nesta bacia. A figura 01 mostra a dinâmica do uso dos recursos naturais pela

população que compõe a bacia do rio Purus.

3Aprovado por meio do Edital MCT/CNPq/PPG7 nº048/2005. A sub-rede Os efeitos das intervenções antrópicas na Bacia do Purus: análise das relações entre as funções ambientais, atores sociais e gestão das águas na Amazônia Legal-UFAM compunha os projetos: O valor da água: análise econômico-ecológica das relações sociais e ambientais na Bacia do Rio Purus-UNICAMP/USP/ITA; Monitoramento automático de parâmetros hidrológicos na Bacia do Rio Purus-INPE; Gestão das Águas na Amazônia: peculiaridades e desafios no contexto sócio-político regional da Bacia do Rio Purus (UFPA/UNAMA). Considerando a extensão do nome deste último projeto, será usado neste trabalho: “Gestão das Águas na Amazônia”. Neste, atuei como pesquisadora com bolsa do CNPq, categoria Bolsa de Desenvolvimento Tecnológico (DTI) pelo período de um ano.

22

23

Situadas no curso de um único rio, cada cidade imprime especificidades passíveis de

investigação, sobretudo nas relações e/ou representações estabelecidas entre campo-cidade. O

quadro a seguir evidencia Tapauá no que se refere à dimensão territorial e demográfica.

População Município

Rural Urbana Total

Área territorial Densidade

demográfica

Beruri 6.079 4.949 11.038 17.250,4 0,64

Tapauá 11.181 9.414 20.595 89.326,6 0,24

Canutama 5.298 5.439 10.737 29.819,6 0,37

Lábrea 9.680 19.276 28.956 68.222,6 0,42

Pauní 10.122 6.970 17.092 43.263,4 0,40

Boca do Acre 12.345 14.614 26.959 22.410,5 1,20

Manoel Urbano 3.093 3.281 6.374 9.438,3 0,67

Sena Madureira 13.265 16.155 29.420 25.193,8 1,17

Santa Rosa do Purus 1.728 518 2.246 6.024,9 0,37

QUADRO 01 – Densidade demográfica nos municípios que compõem a bacia do Purus. FONTE: Censo Demográfico - IBGE (2000).

No entanto, Tapauá se difere de todas as demais cidades do contexto da bacia do rio

Purus. Representando a terceira maior extensão territorial do país e a quinta maior do mundo,

enquanto unidade municipal, com 89.326,6 km2, enfrenta uma limitação no uso da terra,

principalmente na área urbana do município. Esse quadro se perfila em decorrência do bioma

específico presente nesse município e da gestão diferenciada dos seus recursos naturais.

Conhecida como área sazonalmente inundada, a várzea congrega um leque de

atividades socioeconômicas que permitem ao habitante uma multiplicidade de afazeres

realizados em quatro períodos cíclicos do rio (seca, cheia, vazante e enchente). Esta

sazonalidade imprime uma mobilidade à população para a garantia de sua reprodução social,

econômica e cultural, impondo a esses moradores um modo de vida regido pelo tempo

ecológico4. Algumas considerações sobre esse ciclo devem ser aqui mencionadas.

No período em que o rio seca, permite que as atividades agrícolas como o plantio e a

pesca ocorram na praia e no igapó, respectivamente. Quando está enchendo, a atividade se

concentra no plantio da roça de várzea e na colheita da roça de praia; a pesca ocorre no rio.

Durante a cheia, se realiza a roça de terra firme e se pesca no lago. No início da vazante, se

4 Huguenin (2005, p.2) define este termo da seguinte maneira: “É o universo natural seu relógio e calendário. A artificialidade das horas, dos minutos e dos segundos derrete-se na interação circular da cultura”.

24

prepara o terreno para a roça de várzea e a pesca volta para o rio. Paralelamente ao trabalho

agrícola e de pesca, são desenvolvidas as atividades extrativistas de coleta de castanha-do-

Pará, andiroba, madeira e, ainda, uma minoria da população faz extração do látex. Assim, esta

dinâmica do rio pode ser visualizada no quadro 02.

QUADRO 02 – Atividades desenvolvidas de acordo com a dinâmica do rio Purus. FONTE: Trabalho de campo (Setembro/2006).

A maior parte das terras do município constitui-se em áreas de várzea e abrange 04

Unidades de Conservação. Concentra uma variedade significativa de recursos naturais e,

ainda, a maior quantidade de quelônios do estado, o que motivou a criação da Reserva

Biológica Abufari, considerada a mais importante do país no que se refere a sua dimensão e

peculiaridade envolvendo flora e fauna.

Além da várzea, o município também possui terra firme, caracterizada como área de

terra alta, permanentemente seca. Situa-se distante da margem do rio, dificultando o acesso no

período em que o rio seca. Nessas áreas localizam-se os castanhais, seringais, madeiras de lei,

matas virgens e lagos piscosos, agregando alto valor econômico à área.

Encontram-se, também, as figuras do proprietário e do herdeiro. As terras que

possuem “dono” são ocupadas por um morador responsável pela área em troca da moradia. O

“dono” estabelece um vínculo de patronagem com o morador, no comércio dos recursos

naturais existentes. Somente esse morador tem a permissão para realizar as atividades como a

coleta de castanha-do-Pará, retirada de madeira e látex. Essa produção se destina somente ao

suposto dono4, que, geralmente, reside na capital e aparece ao final de cada safra para compra

do produto por um preço muito inferior ao de mercado.

Em outros casos, a área de terra firme pertence a herdeiros, sendo usada para a roça

de mandioca por famílias inteiras que habitam as margens do rio. A área de terra firme que

não se configura como propriedade privada corresponde a 12 (doze) Terras Indígenas

4 Aqui optou-se em chamar de suposto dono devido a incerteza da legitima propriedade de quem se apresenta como dono. Geralmente trata-se de um empresário que reside na cidade e que esporadicamente, principalmente nos períodos de safra, visita ou encaminha alguém a localidade para recolher o produto. Na maioria das vezes este morador não o conhece, a não ser por nome, mas o teme.

Meses Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Ciclo do rio Enchendo Cheia Vazante Seca Enchendo

Pesca Rio Igapó Lago Rio

Agricultura Várzea Terra firme Várzea Praia Várzea

Extrativismo Castanha Castanha e látex Látex e andiroba Látex

25

localizadas distante do rio, com acesso muito difícil, exceto a Terra Indígena Apurinã, que faz

limite com a cidade.

Portanto, a cidade de Tapauá apresenta no seu território áreas de várzea e de terra

firme. A várzea se mostra com restrições ao uso e à construção de assentamentos humanos5.

Por outro lado, a terra firme pertence aos índios Apurinã, restando assim, pouco espaço

disponível em condições habitáveis para a população urbana. Esta finda recorrendo a um tipo

de habitação específica de casas sobre o rio, chamada localmente de flutuante.

Para a população residente da sede municipal, morar no flutuante representa o acesso

à cidade, mantendo integração direta com o rio. Para o morador, se apresenta como o

ambiente de trabalho, de lazer e de locomoção, dada a imensa extensão territorial e

distanciamento para o meio rural. Desse modo, a escolha pelo flutuante faz parte da dinâmica

socioambiental que marca a vida do vargeiro6. A localização afastada da influência das

grandes cidades, sendo a mais próxima Manaus, distante 769 km fluvial, demandando,

aproximadamente, quatro dias de viagem em barco motor, estabelece para Tapauá uma

dinâmica na relação cidade/campo por meio de um modo de vida semelhante entre os

moradores dessas duas áreas, a priori, com um modo de vida diferenciado.

Considerando o tamanho do território, a predominância da várzea, o número de

Terras Indígenas e Unidades de Conservação, Tapauá se constitui um cenário impar dentre os

municípios que compõem a sub-bacia do Purus. Justificando, assim, a escolha desse

município como lócus de estudo.

2.2 ESCOLHA E DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE ESTUDO

O método utilizado para esta pesquisa consistiu em um estudo de caso extraído de

um cenário maior. O resultado obtido no projeto de pesquisa “Gestão das Águas na

Amazônia”, permitiu eleger Tapauá como a mais distinta e peculiar cidade nesse contexto,

como já exposto, passível de um olhar mais específico. Nesse sentido, se optou pelo “estudo

de caso” por entender que este método possibilita a investigação de fenômenos

contemporâneos passíveis de análise mais aprofundada, critérios estes apontados por Yin

(2005). Dentre sua importância, Yin destaca o fato de:

5Já que os processos de alagamento impossibilitam a construção de assentamentos humanos. 6Esta categoria, segundo Lima e Alencar (2001), refere-se à autodenominação do morador da várzea.

26

a) explicar ligações causais nas intervenções na vida real que são muito complexas

para serem abordadas pelos “surveys” ou pelas estratégias experimentais;

b) descrever o contexto da vida real no qual a intervenção ocorreu;

c) fazer uma avaliação, ainda que de forma descritiva, da intervenção realizada;

d) explorar aquelas situações em que as intervenções avaliadas não possuam

resultados claros e específicos à definição do estudo de caso. O autor considera, ainda, que:

[...] uma pesquisa exploratória sob a forma de estudo de caso, definido como uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em seu contexto natural, em situações em que as fronteiras entre o contexto e o fenômeno não são claramente evidentes, utilizando múltiplas fontes de evidência (YIN, 1984, p. 23)

Outro critério apontado por Yin (1984) refere-se à justificativa na escolha do caso

como abordagem adequada de um problema de pesquisa. Este deve ocorrer quando se trata de

fenômeno pouco investigado, o qual exige estudo aprofundado de poucos casos, que leve à

identificação de categorias de observação ou geração de hipóteses para estudos posteriores,

justificando, assim, esta escolha.

Este trabalho trata-se de uma abordagem quali-quantitativa (MINAYO, 1996). Os

procedimentos utilizados para a coleta de dados consistiram em dois momentos distintos:

levantamento de dados secundários e trabalho de campo, realizados conforme descrito a

seguir.

Os dados secundários foram levantados junto às instituições públicas e não

governamentais, objetivando tecer um perfil contextual de Tapauá. Para isso, se buscaram

informações referentes à população, como número de habitantes residentes na cidade e no

campo; sexo, faixa etária e, ainda, sobre a produção agrícola municipal, disponíveis no

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com relação aos dados de cunho ambiental, como tamanho e distribuição da área,

buscaram-se dados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA). No Ministério do Meio Ambiente (MMA), a quantidade, localização e

finalidade de Unidades de Conservação existentes no município foram averiguadas. Outros

órgãos acessados referem-se à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e à Fundação Nacional

de Saúde (FUNASA), para levantamento de número e localização de Terras Indígenas.

Com objetivo de quantificar as atividades de práticas tradicionalmente rurais

exercidas por moradores da cidade, como pesca, roça e extrativismo, levantou-se junto aos

27

sindicatos de produtores rurais e associação de pescadores o desenvolvimento destas

atividades por quem reside na cidade.

Quanto às informações referentes aos serviços públicos como infraestrutura,

equipamentos urbanos disponíveis às populações das áreas urbanas e rurais, se buscaram, na

prefeitura e secretarias municipais, dados mais detalhados.

A pesquisa de campo para coleta de dados primários caracterizou-se como a mais

importante, dadas as especificidades que o campo carrega, sendo realizada com um período de

permanência de 30 dias na cidade de Tapauá/AM.

O instrumento de coleta consistiu em um questionário (APÊNCICE A), contendo

perguntas abertas e fechadas. A técnica utilizada foi pesquisa por “cluster”7, com o

levantamento total dos 07 bairros que foram divididos em quadras, representando cada quadra

como um cluster, totalizando 100 clusters, o que, em termos percentuais, representa dez por

cento dos domicílios permanentes8 na cidade, segundo o IBGE, que no censo demográfico do

ano de 2000 contabilizou 1000 domicílios. Em cada um destes clusters aplicou-se um

questionário, com escolha aleatória do domicílio. Uma pessoa era eleita a responder,

preferencialmente, um dos cônjuges e, na ausência destes, um integrante maior de idade.

Assim, esse instrumento possibilitou abranger informações referentes a todos os membros do

domicílio.

A utilização de perguntas fechadas decorreu da necessidade de obtenção de dados

quantitativos que expressassem a realidade local, de forma a representá-la em quadros. Os

dados sistematizados possibilitaram uma caracterização do grupo familiar, do número de

habitantes no domicílio, estado civil, sexo, faixa etária, naturalidade, ocupação, renda,

escolaridade e informações sobre a saúde nos últimos 12 meses. Essa escolha se pautou na

compreensão de que “a informação que não pode ser diretamente visualizada a partir de uma

massa de dados, poderá sê-lo se tais dados sofrerem algum tipo de transformação que permita

uma observação de outro ponto de vista” (REGNIER; FALCÃO, 2002).

Quanto às informações qualitativas, estas foram coletadas por meio de entrevistas

semiestruturadas, possibilitando uma interação com o entrevistado de maneira mais

espontânea, de forma a atender finalidades mais exploratórias, com maior aprofundamento,

principalmente no que se refere às questões do cotidiano e modo de vida de diferentes atores

7A definição de Cluster pode ser encontrada no artigo: MARQUES, J; SOUZA, C. Cluster como instrumento estratégico de regeneração urbana sustentável. Cad. de Pós-Graduação em Arquit. e Urb. São Paulo, v.4, n.1, p. 59-72, 2004. 8 Definição utilizada pelo IBGE para os domicílios particulares com fins residenciais.

28

presentes em espaço socialmente distinto, e, ainda, por entender que este procedimento

possibilita detalhar as questões mais específicas, visto que o entrevistado pode discorrer

livremente sobre o tema investigado (BOURDIEU, 1983).

Assim, os questionamentos se propuseram a entender a história de vida; origem de

moradia; o motivo da mudança para a cidade; as atividades desenvolvidas, tais como

plantação de hortaliças, criação; presença de parentes na cidade; relação com o campo,

freqüência e o motivo dos deslocamentos. Foi possível perceber, ainda, que esses moradores

elegem o que mais gostam e o que menos gostam na cidade, bem como a pretensão quanto à

permanência ou retorno para o campo. A descrição dos moradores do que consideram uma

cidade ideal para se viver também foi questionada, com intuito de compreender a percepção

de cidade e urbano desses habitantes. Informações como hábito alimentar, horários em que

costumam dormir e acordar, religião e preferências por lazer foram levantadas, buscando

identificar a predominância de práticas tipicamente rurais.

Outra técnica empregada consistiu na observação dos fatos, também denominada de

observação assistemática. Esta técnica possibilita obter um contato mais próximo com a

realidade a partir do registro de práticas cotidianas sem meios técnicos de controle,

priorizando anotações em diário de campo. Busca, desta forma, identificar fenômenos que se

processam no espaço urbano não perceptível no contato formal, mas que necessitam de uma

aproximação pouco direcionada para explorar o universo investigado (LAKATOS, 1996).

Assim, além do questionário aplicado, foi estabelecida uma permanência maior no domicílio,

de forma que se construísse um diálogo informal com os moradores.

Todos os instrumentos de coleta de dados que envolvem diretamente contato com

seres humanos, foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa, obtendo aprovação

conforme (ANEXO 01). Diante da definição de todos os procedimentos éticos quanto à

aplicação dos instrumentos metodológicos, os capítulos que se seguem incluem o referencial

teórico que orientam este trabalho.

29

3 CIDADE: SURGIMENTO, DESENVOLVIMENTO E PERSPECTIVAS A cidade tem sido, dessa forma, o cadinho das raças, dos povos e das culturas e o mais favorável campo de criação de novos híbridos biológicos e culturais. Reuniu povos dos confins da terra porque eles são diferentes e, por isso, úteis uns aos outros e não porque sejam homogêneos e de mesma mentalidade. (Louis Wirth,1987, p.98)

A história sobre o surgimento de cidade5 refere-se a dois períodos importantes. O

primeiro remete ao período Mesolítico6, em que o homem passou por significantes

transformações a partir do aperfeiçoamento de técnicas para sua sobrevivência, o que lhe

permitiu alterar o espaço no qual estava inserido. O segundo refere-se ao período Neolítico7 e

marca o surgimento dos primeiros aldeamentos, originando a divisão do trabalho

(DURKHEIM, 1965). Posteriormente, os aglomerados adquirem condições básicas como

autonomia administrativa, o que contribuiu para a formação de cidade. Outro fator

determinante corresponde, ainda na antiguidade, a sua localização, com preferência por

ambientes próximos aos rios, favorecendo o uso das técnicas necessárias ao desenvolvimento

das atividades agrícolas.

Já na Idade Média, a cidade ganha outra característica, marcada pelo domínio dos

campos pelo senhor feudal. É neste cenário que surge a indústria, a propriedade e, no âmbito

político, o Estado (BRUMES, 2001). Todavia, a concepção de cidade, tal como se concebe no

mundo ocidental, resulta de um processo histórico sobre o qual se desenvolvem definições

teóricas relativas a diferentes áreas do conhecimento. Neste sentido, conceitos e categorias

são elaborados a fim de compreender a cidade em sua totalidade. O processo que a constitui

como objeto de estudo será aqui apresentado com intuito de contextualizar a cidade, na

atualidade e em diferentes escalas.

Propõe-se neste capítulo apresentar uma discussão teórica em uma perspectiva linear,

perfilando teorias de cunho sociológico que tratam essa questão em contextos históricos de

formação da cidade em continentes distintos. Encontra-se dividido em quatro seções. A

5Embora de forma muito abstrata e subjetiva, Mumford (1998) discorre sobre a cidade na história afirmando que a cidade dos mortos (necrópolis) antecedeu a cidade dos vivos (polis) e, ainda, que a cidade dos vivos foi fundada por mulheres que costumavam realizar visitas regulares aos seus mortos, inclusive construindo santuários, o que gerou a primeira organização em espaço que tornou densamente ocupado por monumentos e símbolos que permitiram não só a localização de antepassados como a origem e história das famílias. 6Este período teve início há aproximadamente 10 mil anos e terminou com o desenvolvimento da agricultura. 7Conhecido também como pedra polida compreende, aproximadamente, de 26.000 a.C. até por volta de 5.000a.C. Marcado pelo conhecimento e domínio do homem sobre a agricultura e atividades pastoris.

30

primeira traz uma revisão dos clássicos da sociologia, como Karl Marx, Max Weber e Georg

Simmel, considerando que, para Marx, a cidade representa um novo padrão de exploração,

enquanto que, para Max Weber, ela representa um tipo ideal. Para Georg Simmel, o indivíduo

da cidade possui um comportamento específico, próprio da vida na metrópole.

Embora não seja objetivo deste trabalho o estudo sobre metrópole, este se mostra

como importante contribuição de Simmel para esta pesquisa, em função da análise que o autor

realiza sobre a mentalidade do indivíduo próprio da cidade grande, evidenciando um

comportamento distinto do indivíduo da pequena cidade, caracterizada aqui como objeto de

estudo, o que possibilita uma possível comparação.

Ainda que não seja pretensão estabelecer uma análise exaustiva dos clássicos que

influenciaram na construção da cidade como objeto de estudo, procura-se evidenciar a

contribuição teórica que possibilitou avançar no debate sobre urbano.

Enfatiza-se na segunda seção a Escola de Chicago, representada por Louis Wirth e

Robert Park, demonstrando os principais avanços dos estudos sobre a cidade, principalmente,

pelo fato de esta escola elegê-la como objeto per se.

As análises de Manuel Castells e Henry Lefebvre são apresentadas em uma terceira

seção, estabelecendo diferenças e possíveis semelhanças, diante da perspectiva de

compreensão da cidade como objeto de investigação da sociologia. Considerados

contemporâneos, se utilizam dos estudos clássicos realizados na Europa e Ásia, bem como os

da Escola de Chicago, em uma perspectiva crítica à sociedade global.

Na última seção, são apresentadas reflexões sobre a formação de cidade na América

Latina, destacando o Brasil e seus instrumentos legais de constituição de cidade, enfocando o

cenário complexo, principalmente, no que se refere à região que compreende a Amazônia

brasileira.

3.1 A CIDADE NA CONCEPÇÃO DE KARL MARX, MAX WEBER E GEORG SIMMEL

Desde a Idade Média, a cidade se configura como lugar de concentrações de pessoas,

formando aglomerados de diferentes tamanhos. Todavia, no campo científico, se iniciam os

estudos realizados por Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), somente no século

XIX, que permitiram analisar a cidade como objeto sociológico. O rompimento da estrutura

feudal e o cenário de conflito entre campo-cidade, na Europa, marcam a primeira luta de

31

classes, proporcionando a consolidação do sistema dominante, ou seja, do capitalismo

(LEFEBVRE, 1972).

O avanço do capitalismo foi potencializado em função da expansão do comércio nas

cidades européias durante o século XVI. O processo de divisão social do trabalho contribuiu

para a concretização da economia urbana e surgimento das fábricas, em substituição à

manufatura, expulsando muitos servos para a cidade, formando o exército de reserva,

substituindo o sistema estamental pelo de classes sociais.

Esse processo representou a inserção de novas formas de exploração propiciadas pela

chegada das pessoas do campo para a cidade com intuito de vender sua força de trabalho às

classes burguesas, dispostas a comprar e explorar essa mão-de-obra.

Nesse sentido, Marx (1984) é contundente ao afirmar que a cidade representa o lugar

de mercado de bens do capital e mercado de trabalho, em função da presença tanto dos

burgueses (donos dos meios de produção) quanto dos trabalhadores (força produtiva).

Enquanto na Europa se promulgava a libertação do homem do sistema de escravidão, Marx

considerava este processo a expressão mais evidente de alienação do trabalhador por meio da

exploração diante da interação desses dois atores (burgueses e operários).

Diante dessa nova configuração social e econômica, Marx e Engels (1974) apontam a

cidade como o espaço de produção e da reprodução do capital, colocando de um lado a

empresa e de outro a produção. Este quadro consolida a cidade como centro do poder, sede

das instituições, lugar de comércio, das compras, venda e consumo, em decorrência do avanço

do capitalismo. A cidade, nesse contexto, se torna o espaço propício para o desenvolvimento

do capitalismo e, consequentemente, da segregação, dado o processo de exclusão e pobreza

frente aos níveis de desigualdade que esse sistema gera.

Por outro lado, o campo representa o lugar da força de trabalho, da produção, dos

menos favorecidos, lugar “atrasado” colocado em oposição à cidade.

Em uma perspectiva pouco diferenciada de Marx, considerada até mesmo

complementar em alguns aspectos, Weber (1987) analisa a cidade a partir de estudos que

buscam desvendar a origem e o desenvolvimento do capitalismo moderno, sobretudo, a

racionalidade que permeia todas as esferas, ou seja, a racionalização da vida, a ética racional

na economia, como descreve em seus estudos sobre economia urbana:

Decisivamente, o capitalismo surgiu através da empresa permanente e racional, da contabilidade racional, da técnica racional e do direito racional. A tudo isso se deve adicionar à ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional na economia. (WEBER, 1968, p.310 apud GABRIEL SANT’ANA, 2003, p. 2).

32

Destaca o papel que a cidade exerceu em todos esses processos, definindo-a, inclusive,

como um tipo ideal8, por se constituir como mercado e ainda possuir autonomia política.

Compara localidades do ocidente com as do oriente, considerando os aspectos objetivo

(aspecto administrativo, mercado, a existência de exército, leis, justiça) e subjetivo, que

consiste em um conjunto de lealdades9.

Weber identifica a existência de mercado em toda cidade10 e conclui que somente esta

característica não é suficiente para defini-la, visto que o mercado está presente até mesmo nas

aldeias. Assim, para o autor:

É normal que a cidade, tão logo se apresente com uma estrutura diferente do campo, seja por sua vez sede de um senhor, ou de um príncipe, e lugar de mercado, ou possua centros econômicos de ambas as espécies – oikos e mercado – e também é frequente que tenham lugar periodicamente na localidade, além do mercado local regular, feiras de comerciantes em trânsito. Porém, a cidade no sentido que usamos o vocábulo aqui – é um estabelecimento de mercado. (WEBER, 1987, p. 70).

Desta forma, a cidade não pode ser compreendida apenas por aspectos sociológicos e

econômicos, se faz necessário considerar outros fatores, dentre eles o político, tendo em vista

que: “a cidade tem que se apresentar como uma associação autônoma em algum nível, como

um aglomerado com instituições políticas e administrativas” (WEBER, 1987, p.76). Assim,

sua análise demonstra que não basta considerá-la tão somente como uma localidade ou um

conjunto de casas com territórios próprios, economia de receita e de despesas, mas, à medida

que se incorpora a Estados Nacionais, finda se inserindo em uma unidade mais ampla,

deixando de se esgotar em si mesma ao perder sua capacidade de autoexplicar-se, não

podendo mais ser compreendida em sua totalidade.

Nesse sentido, Weber julga necessário o estudo da vida urbana envolvendo todos os

fenômenos sociais presentes na cidade, considerando os aspectos sociais, econômicos,

políticos, administrativos e jurídicos. Até chegar a esta conclusão, realizou estudos sobre

várias cidades, em diferentes continentes, em períodos distintos e encontrou no ocidente

8Weber entende por tipo ideal algo que possa estar caracterizando ou formando grupos, por exemplo, a religião, a burocracia, a economia, enfim o capitalismo moderno. O conceito de tipo ideal não tem sentido avaliativo, pois não é um modo de julgar e, sim, uma construção que facilita uma análise histórica ou sociológica. Para Weber, os conceitos utilizados pela Sociologia e a História eram, até então, conceitos bastante controlados e limitados, afastados da realidade histórica (FERREIRA, 2004). 9Refere-se à solidariedade de interesses entre os membros de um grupo (WEBER, 1987). 10Weber (1987, p. 70) conta como centro econômico do estabelecimento com mercado local e no qual, em virtude de uma especialização não urbana, se abastece de produtos industriais ou de artigos de comércio ou de produtos especiais de suas economias respectivas e satisfazem desse modo suas necessidades.

33

características que mais se aproximam do tipo ideal11, podendo ser concebida como “lugar de

mercado”.

Certo de que, para elaborar uma análise de cunho sociológico, necessitaria ir além da

ideia de localidade composta por inúmeras casas, Weber considerou, também, as condições

culturais e as relações de vizinhança. Compreende que as pessoas se relacionam, interagindo

em vários níveis de relação, seja comercial, religiosa, política e até mesmo de parentesco,

pois, no espaço urbano, as pessoas estão vinculadas umas às outras por meio da dependência,

em que um precisa do outro para sua reprodução social. Por isso, faz referência às cidades que

congregam um número restrito de casas, afirmando que apenas o tamanho não é suficiente

para defini-la. Essa dependência que o homem exerce na cidade o distingue do camponês,

capaz de satisfazer suas necessidades de forma independente.

Para Weber (1987), a cidade se caracteriza como uma localidade delimitada, composta

por muitas casas que, geralmente, são organizadas de forma dispersa ou bem coladas umas

nas outras, em que, em algumas situações, os habitantes compartilham uma mesma parede,

sendo essa característica mais frequente nas grandes cidades, onde o solo tende a ser mais

valorizado.

Quando as pessoas se referem à cidade, afirma Weber (1987), passam uma ideia

quantitativa de pessoas, tamanho da localidade ou número de casas. Neste sentido, a cidade

pode ser definida como grande, muito grande, pequena etc. No entanto, sua concepção

envolve aspectos sociológicos e econômicos, que serão mais bem explicitados no decorrer do

texto.

Quanto ao aspecto econômico, Weber julga fundamental considerar a predominância

da mão-de-obra ocupada na indústria e no comércio, desconsiderando, por outro lado, a

ocupação na agricultura. Todavia, ao se reportar às aldeias industriais da Ásia e da Rússia,

reconhece que somente o aspecto industrial e comercial não poderia enquadrar, por exemplo,

os membros de um clã que, hereditariamente, realizam uma única atividade. Assim, busca

incluir a categoria diversidade como um fator importante na definição de cidade,

evidenciando a necessidade de intercâmbio regular de mercadorias. Este intercâmbio

estabelece diferenças entre as aldeias industriais, que recebem sazonalmente feirantes, e as de

comerciantes que atuam de forma permanente nas cidades, satisfazendo as necessidades da

11Para formar um conceito de cidade Weber estudou vários tipos buscando analisar suas diferentes origens, identificando as especificidades em cada uma delas para depois realizar uma comparação, evidenciando o que havia em comum entre as cidades estudadas. A cidade medieval ocidental na concepção de Weber foi a que mais se aproximou do tipo ideal em função da existência do estamento da burguesia (WEBER, 1967).

34

demanda local, haja vista que, sozinho, o habitante não atende suas necessidades e sempre

dependerá do outro. Assim, a cidade constitui-se, fundamentalmente, como “local de

mercado”, atendendo sua população e a que habita fora dela também.

A perspectiva weberiana influenciou enormemente Simmel, realizando estudos

importantes em que procurou compreender a relação indivíduo/sociedade.

Buscou entender as relações sociais por meio da interação entre indivíduos nos

espaços urbanos, como as grandes metrópoles, consideradas por este autor palco das relações

mais complexas. Interpreta as transformações sociais, especificamente da cidade de Berlim,

quando esta passava pelo seu maior crescimento populacional, ocorrido entre os anos de 1867

e 1913, em que a população saltou de setecentos mil para mais de quatro milhões de

habitantes.

É a partir deste contexto que Simmel elabora sua investigação, no sentido de perceber

como a personalidade se acomoda diante das forças externas. Sua principal contribuição

consiste na tentativa de compreender a interação entre indivíduos dentro da cidade e não na

dicotomia indivíduo-sociedade.

Para Simmel, a mentalidade de quem vive na cidade grande exige do indivíduo outro

comportamento social, que o torna intrínseco à vida na metrópole. Refere-se às características

comportamentais e psíquicas inerentes ao habitante da metrópole. Estes comportamentos são

marcados pela diferença entre a mentalidade de quem vive na grande metrópole e a

mentalidade do morador da pequena cidade ou mesmo do campo. Neste sentido, considera o

conflito uma maneira de diluir as divergências à medida que gera mudanças que podem

garantir a manutenção da unidade social, ou seja, da sociedade formada a partir das ações e

reações individuais. Tais comportamentos implicam no processo de interação, estabelecido

por meio de trocas cotidianas, nas quais indivíduos adquirem elementos sociais. Sendo que

esta interação ocorre por interesses mútuos, impulsos e sentimentos em comum, que vão

criando formas econômicas, religiosas e culturais (FREITAS, 2007).

A metrópole, segundo Simmel, condiciona seus habitantes a um cotidiano de

estímulos constantemente racionais. A alteração ininterrupta desses estímulos resulta da base

psicológica do tipo blasé12, visto que a vida moderna impõe ao indivíduo necessidades de

preservar a sua autonomia, sua individualidade, diante das pressões externas impostas pelas

12 O tipo blasé é definido por Simmel (1987, p. 5) como: A essência do caráter blasé é o embotamento frente à distinção das coisas; não no sentido de que elas não sejam percebidas, como no caso dos parvos, mas sim de tal modo que o significado e o valor da distinção das coisas e com isso das próprias coisas são sentidos como nulos. Elas aparecem ao blasé em uma tonalidade acinzentada e baça, e não vale a pena preferir umas em relação às outras.

35

forças sociais, tanto de herança histórica, como cultural. Este perfil atribui-se à atitude blasé,

fenômeno psíquico incondicionalmente reservado à metrópole, contrastando com a vida da

pequena cidade onde as pessoas transitam livremente, exercendo uma vida linear sem as

transformações momentâneas que ocorrem na metrópole. Assim, algo que chamaria a atenção

na pequena cidade, ou que seria visto como indiferente, passa despercebido em meio à

multidão que circula a metrópole. Para Simmel:

A metrópole extrai do homem, enquanto criatura que procede a discriminações, uma quantidade de consciência diferente da que a vida rural extrai. Nesta, o ritmo de vida e do conjunto sensorial de imagens mentais flui mais lentamente, de modo mais habitual e mais uniforme. É precisamente nesta conexão que o caráter sofisticado da vida psíquica metropolitana se torna compreensível – enquanto oposição à vida de pequena cidade, que descansa mais sobre relacionamentos profundamente sentidos e emocionais. (SIMMEL, 1987, p.12).

O entendimento permeia nas semelhanças de comportamento entre os indivíduos de

cidades pequenas e os residentes no campo, ambos se opondo ao das grandes cidades, ou

metrópole, como Simmel, pois: Para lidar com o bombardeio aos estímulos visuais e auditivos, o homem da cidade grande não reage de forma direta e emocional, como faz o homem da pequena cidade, mas, sim, de forma indireta e intelectual. [...] Nós não conhecemos, muitas vezes mesmo de vista, nossos vizinhos próximos, e parecemos ser frios e sem coração ao olhar dos habitantes das pequenas cidades (SIMMEL, 2004 apud FREITAS, 2007, p. 49).

Nesse sentido, Freitas (2007) define o homem da grande cidade, detentor de uma

sensibilidade cosmopolita, em razão de que “convive com a pluralidade de formas

diferenciáveis de relações sociais” (2007, p. 361).

Com base em uma aritmética, Simmel conclui que, se em um dia os relógios marcarem

uma hora de atraso um do outro, será suficiente para complicar a vida de todas as pessoas da

cidade, fazendo com que ninguém se entenda, pelos desencontros, perda de tempo e espera de

outros, pelo simples fato da alteração no horário. Exemplifica, ainda, com um ato mais

simples, como o de atravessar uma rua. Segundo o autor, grosso modo, seria inaceitável o

atropelamento de um pedestre por um motorista sem uma razão pessoal. No entanto, tal

acontecimento não ocorre por um ato proposital entre indivíduos, mas pela incompreensão das

regras que regem a vida metropolitana.

36

3.2 A CIDADE COMO OBJETO DE ESTUDO: LOUIS WIRTH, ROBERT PARK E A

ESCOLA DE CHICAGO

Ainda no século XIX, as cidades de Chicago, Nova York e Filadélfia representavam as

maiores cidades norte-americanas. Enfrentavam um processo intenso de imigração,

ocasionando um acelerado crescimento de sua população de forma desordenada em função do

contingente populacional proveniente da Europa e da Ásia, principalmente, de japoneses.

Diante dessa situação de diversidade cultural, vários problemas foram surgindo -

conflitos, competições, alto custo de vida - de modo que a pobreza e a desigualdade social

perfilaram os fenômenos urbanos, originando os ghettos13. É neste cenário que a Universidade

de Chicago surge dando um significativo avanço aos estudos urbanos, embora tenha recebido

muita influência européia através de George Simmel (1987) e Max Weber (1987).

Pesquisadores colocam em prática métodos de pesquisa14 com intuito de elucidar os

fenômenos sociais urbanos presentes em várias cidades americanas caracterizadas já por

intenso perfil tecnológico e alto grau de modernização, tanto em equipamentos como no

comportamento do homem urbano.

O norte-americano Robert Park, principal fundador dessa Escola, realizou diversos

trabalhos já no final do século XIX. Tendo por base a ecologia humana, compara o mundo

animal e vegetal com o mundo dos homens, apontando, assim, a necessidade de a cidade ser

compreendida como organismo social, por compará-la a um corpo de costumes e tradições.

Para Park, a cidade não representa somente um organismo físico com presença de

ruas, edifícios, escolas, luz elétrica, linha de ônibus, instituições ou mesmo uma concentração

de indivíduos. Para o autor, a cidade está envolvida em processos vitais das pessoas que a

compõem e, desta maneira, corresponde a um produto da natureza humana. Critica os estudos

que considera somente o enfoque geográfico, entendendo que

existem forças atuando dentro dos limites da comunidade urbana – na verdade, dentro dos limites de qualquer área de habitação humana – forças

13Diante do processo de segregação na cidade de Chicago, Wirth elege como objeto de estudo em sua tese o ghetto, formado por judeus decorrentes da crescente processo migratório pelo qual passava Chicago. 14Estes métodos, Burgess (1970) classifica em três princípios básicos: a) descrever a expansão urbana em extensão, sucessão e concentração; b) determinar como a expansão perturba o metabolismo quando a desorganização ultrapassa a organização; c) definir a mobilidade e usá-la como medida da expansão e metabolismo, suscetível de quantificação precisa.

37

que tendem a ocasionar um agrupamento típico e ordenado de sua população e instituições. (PARK, 1987, p. 27).

Considera, ainda, a cidade uma unidade organicamente organizada. Faz parte dela a

rua, os edifícios, as bibliotecas e os museus utilizados como ferramentas na organização e

mediação da vida citadina, enraizada em hábitos e costumes das pessoas que nela habitam.

Desse modo, pode ser compreendida por meio das categorias como: rivalidade,

conflito, adaptação e assimilação. Nesse caso, a rivalidade se configura na ausência de

contato social, favorecendo o conflito. Este quadro influencia a organização da sociedade

gerando repartição geográfica e divisão do trabalho, bem como, a interdependência

econômica entre indivíduos e grupos sociais, características presentes na vida moderna.

Assim, para Park, o conflito se torna inevitável, possibilitando o inter-racionamento entre

grupos opostos.

Quanto à adaptação e assimilação, ambas se constituem em uma sequência natural, em

que as diferenças dos grupos vão se diluindo e findam compartilhando histórias e experiências

distintas. Adaptação representa a transformação do indivíduo no ajuste aos costumes, hábitos

e situações sociais que são criadas pela rivalidade e pelo conflito. Já a assimilação denota o

fenômeno de grupo em que as organizações buscam estimular o desenvolvimento em vez de

combatê-lo. Assim, Park (1987, p. 50) considera:

Sob as condições impostas pela vida de cidade, na qual os indivíduos e os grupos, extremamente distantes em simpatia e compreensão, vivem juntos sob condições de interdependência, se não de intimidade, as condições de controle social são grandemente alteradas e as dificuldades aumentadas.

Como se observa, a constituição do espaço urbano envolve monitoramento e controle

social, perfilada pela adaptação do indivíduo em coletividade. Além disso, os equipamentos

físicos expressam a necessidade da vida em grupo. De forma espontânea, as pessoas tendem a

agrupar-se não só por seus interesses, gostos, preferências, mas por estilos de vida que a

cidade congrega. Pessoas que gostam de ópera, por exemplo, tendem a se encontrar de tempos

em tempos nos mesmos lugares, afirma Park.

A concentração de pessoas em espaço limitado pressupõe o surgimento de certas

consequências. O crescimento da densidade potencializa diferenças de pessoas, raças e

ocupações, resultando na complexidade da estrutura social. Desta forma, “prevalece o

reconhecimento visual do que é pobreza, miséria, inteligência, beleza, moda, ocasionada pela

concorrência e pelos espaços concebidos como bem ou mal valorizados” (PARK, 1987, p.64).

Nesse contexto, ocorre a distribuição da população urbana, como a de bairros nobres,

38

periféricos; a distribuição por atividade, como vila de operários, de militares e, ainda, por

religião, como os protestantes, os mulçumanos etc.

As atividades e a fixação do homem no espaço urbano são relativamente exauríveis.

Um indivíduo muda de bairro, de emprego, de ocupação, conforme sua necessidade

econômica, não prevalecendo a mobilidade social como no campo, onde, possivelmente,

todos os membros de sua família herdarão atividade de seu antecessor. Este detém um

conhecimento próprio do lugar na interação com a natureza e pode variar por região, como

varia o clima e todo o ciclo ecológico. O conhecimento que um camponês possui resulta de

um contato pessoal e íntimo com o meio ambiente. Mudar de lugar significa adaptar-se a

outra realidade, adquirindo conhecimento através de contato frequente e concreto com o meio.

Para o citadino, a especialização de um ofício pouco influencia em sua mobilidade. Se

um indivíduo aprender a atividade de padeiro, por exemplo, e mudar para trabalhar em outra

cidade, outra região, não terá a necessidade de adaptação ao ofício, visto que os mecanismos

técnicos são padronizados, como o preparo da massa, a temperatura do forno etc.

Louis Wirth, profundamente influenciado pelo pensamento Weberiano, elabora sua

tese sobre o ghetto. Toma como palco a cidade, local característico do urbanismo15. Para este

autor, se a cidade for entendida a partir do número de habitantes, chegar-se-á apenas à

classificação do tamanho: grande, média, pequena, muito grande, muito pequena. Destaca a

necessidade de análise do quantitativo, ou seja, do número de pessoas para compreender a sua

diversidade, como muitas coisas em um só lugar, variação de costumes e de culturas,

indicando a influência que a cidade exerce sobre a vida social das pessoas. Wirth (1987)

compreende a cidade como a concretização do urbanismo, por meio do modo de vida, e não

faz relação do urbanismo16 com a urbanização.

No espaço físico da cidade, a escolha pela moradia é orientada pelo modo de vida.

Famílias advindas de áreas rurais buscam localizar-se em ambientes físicos ou naturais com

cenário que possua ou reflita uma relação com o campo, como a existência ou possibilidades

de realizar hortas e criação.

Entretanto, confronta com a tendência de classificação do urbano como espaço físico

da cidade. A predominância de cidade com características industriais, agrícolas ou pesqueiras

se define não pela totalidade de moradores ou pela economia política, mas pelo modo de vida

das pessoas. Esta predominância se acentua em função do fenômeno da imigração. Quando 15Urbanismo, na concepção de Wirth, representa o modo de vida próprio da cidade. 16Palen (1975) define urbanismo como uma condição de vida aos estilos de vida típicos da população da cidade e urbanização designa a percentagem da população que vive em regiões urbanizadas e as mudanças na organização social que resultam dessas concentrações de população.

39

um indivíduo se muda para uma cidade, dentre inúmeras possíveis, o que o auxilia na escolha

é o modo de vida historicamente construído, como melhor descreve Limonad, explicitando

Wirth:

O indivíduo, transplantado de uma sociedade para outra, transporta consigo seu modo de vida anterior parte de uma vivencia acumulada, pois esta não é uma bagagem da qual pode se desvencilhar de um momento para o outro, faz parte de sua experiência vivida, de seu conhecimento acumulado e condiciona em certo grau suas relações com o mundo que o cerca. Seu modo de vida, assim, irá influir em seu novo quadro de vida, ou seja, além de assimilar novos valores e adquirir novas necessidades tenderá a manter os anteriores, a despeito de modificações ulteriores em sua condição de existência. (LIMONAD, 2000, p. 107).

A vida social, para Wirth, tem a marca de uma sociedade anterior, ou seja, o modo de

vida das pessoas está impresso em sua maneira de ser, de vestir, de falar, nas impressões de

seu passado. Assim, é possível identificar quando uma pessoa não é do lugar. Pelo seu modo

de ser, de andar, de falar, se sabe qual é o seu país, sua região e, muitas vezes, sua religião,

explicitados em seu estilo de vida próprio. É possível saber, ainda, qual a função que a pessoa

exerce e em que nível social se enquadra.

Desta forma, Wirth define o urbanismo como um dos fenômenos mais notáveis da

vida moderna, em que a cidade deve ser compreendida por meio de um modo de vida que se

estende para além do espaço físico. Nele, a vida urbana é influenciada pela vida rural à

medida que esta influencia a cidade. Rural e urbano não podem ser vistos como se fossem

dois mundos completamente distintos. E, ainda, no modo de vida urbano, as relações de

parentesco apresentam uma importância menos contundente no cotidiano dos indivíduos.

Nela, os membros individuais da família seguem seus próprios interesses, suas vocações

(WEBER, 1974). No campo, a família e as relações de parentesco muitas vezes são as

responsáveis pela lógica da reprodução econômica do grupo. Quando uma família construída

na lógica do campo desloca-se e firma moradia na cidade, ela leva consigo um ethos que será

reproduzido enquanto assim for possível.

Wirth (1987) considera importante a mensuração do grau de urbanização de uma

cidade por meio da utilização de categorias como densidade e heterogeneidade. Para o autor,

a densidade estabelece a diversificação, o que normalmente não ocorre no campo, onde as

comunidades são bem definidas, como de agricultores, pescadores, extrativistas.

Diferentemente ocorre na cidade, uma vez que todas essas variações se juntam e se inter-

relacionam, convivendo por meio de uma relação mais individual e não face a face como no

campo, onde as comunidades rurais sofrem influência urbana dependendo do grau de

interação estabelecida na relação campo/cidade.

40

3.3 ESPAÇO E URBANO NA CONCEPÇÃO DE MANUEL CASTELLS E HENRY

LEFEBVRE

Castells define o urbano como uma forma diferenciada de ocupação do espaço.

Demonstra a dificuldade em elaborar teorias sobre o espaço físico da cidade, o que ele chama

de concreto. Esta dificuldade consiste na definição de limite para classificar o tamanho e a

densidade do aglomerado que pode ser tratado como urbano. Sua análise tem por base a

abordagem marxista ortodoxa, o que o impossibilita de enxergar a cidade como fenômeno da

sociedade pós-moderna, afirma Lefebvre (1991).

Para avaliar o espaço urbano, Castells (1983) faz uso de três aspectos: o ideológico, o

político e o econômico. O ideológico representa a cultura urbana caracterizada pela

diversidade presente no urbano, o que o torna um espaço de fluxo e intemporal. O segundo se

refere ao político, segundo o qual a cidade possui uma superestrutura legitimada pelo

capitalismo e marcada pelas contradições presentes entre classes sociais e os modos de

produção. Quanto ao econômico, faz com que o capitalismo se supere em função do sistema

de produção decorrente do avanço tecnológico que reproduz as relações capitalistas,

sustentando o mercado e estimulando a troca, o que finda extrapolando os limites da cidade,

transformando-a em espaço virtual ou na sociedade da informação.

Para pesquisa mais contemporânea, o francês Henri Lefebvre (1968) sugere uma

nova leitura sobre o urbano que não representa somente a transformação do espaço em

mercadoria pelo capitalismo. O autor considera esta concepção uma bilateralidade, pensar a

empresa e a produção de um lado e de outro a cidade e o consumo. Afirma que o espaço

urbano vai muito além desta bilateralidade, avalia o cotidiano vivido como jogo e por essa

razão se opõe a Castells (1983), que o acusa de expulsar o marxismo do campo das lutas de

classes em detrimento da cultura, saindo do campo científico para o ideológico.

Henri Lefebvre se caracteriza como um dos autores mais influentes da sociologia

francesa na contemporaneidade, especificamente pela contribuição de suas obras intituladas

“A Revolução Urbana” e “O Direito à Cidade”. Faz uma releitura marxista dando novos

significados ao espaço, à medida que busca entender a cidade a partir de um continumm, o

que configura em sua análise a completa urbanização do campo por meio da “urbanização

expansiva”.

Parte da reflexão sobre o cotidiano da sociedade moderna concebida como a revolução

urbana, posterior à sociedade industrial. Para esta revolução, resultante do processo da

41

industrialização, o autor denomina “sociedade urbana”, o que significa dizer que tal categoria

representa a hipótese levantada sobre a completa urbanização da sociedade. Quanto à

urbanização virtual, ocorre por meio de elementos do tecido urbano e consiste na presença de

elementos urbanos, fazendo parte do campo, como por exemplo, um supermercado.

Segundo o autor, antes da industrialização, a cidade era vivenciada como uma obra de

arte. Socialmente, predominava o valor de uso, tanto da cidade em si, como das coisas, dos

conflitos que emergiam, das contradições sociais que forjavam a cidade. Com o

desenvolvimento da industrialização, o valor de troca assumiu o sentido principal, deturpando

não só as relações de mercado, mas também as relações sociais, a interação com a cidade

enquanto obra de arte. Estas alterações ocorreram tanto na cidade oriental, ligada ao modo de

produção asiática, como na cidade arcaica, conhecida também como grega ou romana, ligada

à posse de escravos, e ambas podem ser consideradas essencialmente políticas.

A cidade medieval estava inserida em relações feudais e, ao mesmo tempo, em luta

contra a feudalidade da terra; embora política, com predomínio comercial, artesanal e

bancária. Assim, retifica que a cidade deve retornar as suas funções perdidas em consequência

do processo de industrialização, no sentido de que haja uma rearticulação da diversidade

cultural, objetivando a todos o direito à cidade17.

À medida que as relações de troca e as relações sociais são fortalecidas, a urbanidade

passa para um plano inferior e, assim, começa a sofrer os processos que Lefebvre chama de

implosão e explosão de cidades, em função do surgimento das periferias, favelas, o que Wirth

(1987) estudou em sua tese como ghetto.

No entanto, os urbanistas não absorvem essas mudanças, desconsiderando-as no trato

da cidade, focando somente o que há de novo. Esta percepção fragmentada sobre o urbano, de

forma que os conceitos anteriores são ignorados, Lefebvre chama de campo cego, como se

expõe a seguir.

O urbano? É um campo de tensões altamente complexo; é uma virtualidade, um possível-impossível que atrai para si o realizado, uma presença-ausência sempre renovada, sempre exigente. A cegueira consiste em não se ver a forma do urbano, os vetores e tensões inerentes ao campo, sua lógica e seu movimento dialético, a exigência imanente; no fato de só se ver coisas, operações, objetos (funcionais e/ou significantes de uma maneira plenamente consumada). (LEFEBVRE, 2002, p.47).

17Para Lefebvre, a cidade industrial separou a habitação do espaço do poder, do lazer, dos monumentos históricos. Enquanto a revolução urbana representou a expansão do tecido urbano, ou seja, a extensão da infraestrutura, da rede de serviços próprios da urbe, a classe trabalhadora findava banida destes espaços, em moradias opostas às do espaço de trabalho, isto é, sem direito à cidade. Um exemplo claro refere-se à realidade das pessoas que residem nas periferias, onde os serviços urbanos são precários ou inexistentes.

42

Observa-se que o autor imputa ao desenvolvimento da indústria a responsabilidade

sobre o fenômeno marginal da sociedade urbana, que rompe laços, valores, criando um

cotidiano regrado pelo tempo do mercado e do consumo. A indústria passa a orientar o

cotidiano, os valores, a cultura da cidade, podendo ser entendida como uma rotina que o

citadino vive em suas atividades pré-estabelecidas, condicionadas pelo capital, que rompe

com a autonomia do homem, em detrimento dos interesses de mercado.

Embora ciente de que a cidade preexistiu à revolução industrial, a história clarifica

muito bem como a industrialização contribuiu para a transformação da sociedade urbana,

marcada por inúmeras mudanças no cotidiano do habitante da cidade, sendo que este processo

de alteração ocorreu de forma tão acelerada que Lefebvre não hesitou em prever uma

completa urbanização da sociedade.

Vale ressaltar que a urbanização completa, resultante de uma sociedade urbana da qual

o autor prenuncia, se apresenta no campo hipotético. Confere somente a de uma realidade

ainda virtual ou urbanização expansiva e que, no futuro, se concretizará como a completa

dominação do campo, pela cidade. Mas, há de se concordar que o autor é convincente ao

enfatizar, de certa forma respondendo às críticas de Castells, que a urbanização não pode, em

hipótese alguma, reduzir-se ao modo de produção, pois, se assim o fosse, necessário seria

abolir historicamente o surgimento da cidade, visto que esta emergiu anteriormente ao

capitalismo. No entanto, se compreende que mudanças e transformações ocorrem e estes são

processos naturais de transformação do meio técnico-científico.

Assim, Lefebvre lança suas reflexões teóricas de análise da cidade, se contrapondo à

Escola de Chicago, principalmente na tese de que há um urbano per se onde a cidade se

configura como um núcleo fechado, capaz de se autoexplicar. Lefebvre e autores como

Lojkine (1983) e Ledrut (1976) apresentam outro enfoque à cidade, envolvendo os

movimentos sociais, as relações de poder, de troca, de consumo, o avanço do capitalismo,

sustentando que o urbano extrapola os limites da cidade e pode ser caracterizado por envolver

os seguintes equipamentos e/ou serviços apontados por Lefebvre (1991):

a) serviços coletivos - água, energia, transporte;

b) costumes - adoção rápida pela moda;

c) preocupações com segurança;

d) lazer - variações de danças, canções etc.

43

Lefebvre atribui ao espaço social18 uma tríade conceitual que articula em dimensões

materiais, mentais e sociais que o leva a sofrer duras críticas de Castells (1983) que o

considera um ideologista e não teórico da cidade.

Lefebvre compreende a cidade como um espaço historicamente concebido, como

elemento cultural e integrante da superestrutura de uma sociedade, no entanto, não se

configura apenas como um reflexo das relações sociais de produção. “Certamente não é o

espaço (social, urbano, econômico, epistemológico etc.) que pode proporcionar a forma, o

sentido, a finalidade da cidade” (LEFEBVRE, 2002, p.74).

O espaço para o autor não transforma, mas regula e condiciona as relações sociais que

segundo ele simplesmente emergem no espaço, formando-o, assim, socialmente construído

(LEFEBVRE, 1973). Por outro lado, o urbano pode ser compreendido como um conjunto de

elementos ou então como um espaço marginal à produção do capital. Por essa razão torna-se

relevante olhar atentamente para o urbano, por maior que seja a alteração imposta pela

industrialização. No tecido urbano existem, ainda, ilhas ou ilhotas de ruralidade; são

camponeses na maioria das vezes mal adaptados, despojados da vida camponesa decorrentes

dos fatores de opressão, mas a relação urbanidade-ruralidade não desapareceu (LEFEBVRE,

1991).

Para o autor, a cidade mantém relação direta e permanente com a sociedade e suas

mudanças são alteradas à medida que o conjunto da sociedade muda. Por outro lado, sofre

alterações distintas dos processos globais, passando por diversas mudanças, dentre elas os

próprios meios de produção, na relação cidade-campo.

E, ainda, a cidade sofre a alteração advinda do período industrial, que embora tenha

impulsionado sua expansão, proveu o atrofiamento das relações sociais, dos valores morais,

do verdadeiro sentido de habitar, o que para Lefebvre consiste em usufruir o espaço urbano de

forma espontânea. No entanto, o modo de vida na cidade ficou condicionado ao quotidiano,

em que o tempo é contabilizado para reprodução do capital.

As pessoas deixam de viver na cidade enquanto obra de arte, para ocupar o espaço do

mercado, alterando, desta forma, sua concepção prática19, o que resultou, segundo Lefebvre,

18Este espaço social é produto da sociedade e resultado das ações e relações sociais. Lefebvre concebe o espaço como transformador dos processos sociais e espaciais que permitem a manutenção do capitalismo e reprodução das relações sociais, baseado no seu entendimento de que urbano/urbanismo excedem o espaço físico da cidade (LEFEBVRE, 1973). 19Para melhor demonstração dessa realidade, Lefebvre utiliza como exemplo a intervenção urbana em Paris em meados do século XIX, quando da gestão de Haussmann, onde o projeto urbanístico expulsou da cidade os camponeses. Para o autor, em muitos casos os moradores pobres recorrem às periferias, dando um outro valor a cidade que não é o de uso e, sim, o de troca, possível aos que possuem poder aquisitivo superior.

44

em uma crise, visto que este conceito é composto de fatos, representações e de imagens

emprestados à antiga cidade, especificamente, pré-industrial e pré-capitalista.

Assim, a contribuição de Lefebvre consiste na articulação do espaço e do urbano em

relação à urbanização. Para o autor, a urbanização resulta do processo de disseminação do

urbano que se ampliou e se generalizou em escala mundial.

Neste sentido, a urbanização deveria ser entendida como expressão das relações

sociais ao mesmo tempo em que esta incide sobre as relações sociais, ou seja, de maneira

dialética. Responsável pela condensação dos processos sociais e espaciais, a urbanização

permite tanto a manutenção quanto a reprodução do capitalismo. Quando se coloca que a

questão urbana extrapola os limites legais de uma cidade, significa dizer que esta não deve ser

separada de seu contexto, isolando-a como se fosse um sistema completo. Constitui-se em um

subsistema estabelecido através das relações sociais e de produção, podendo ser definida

como palco de apropriações diferenciadas por parte dos diversos agentes sociais que nela

interatuam ao longo da história e hoje, sobretudo, com o avanço do capital e crescimento da

sociedade urbana, representando uma multiplicidade de expressões simbólicas, heterogêneas,

uma descontinuidade (LEFEBVRE, 1991). E mais:

A cidade atrai para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares: frutos e objetos, produto e produtores, obras e citações, atividades e situações. O que ela cria? Nada. Ela centraliza as criações. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade, isto é, sem relações. Ela cria uma situação, a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm umas das outras e não existem separadamente, mas segundo as diferenças. (LEFEBVRE, 2002, p.111).

A acusação de retirar o marxismo de sua leitura consiste no fato de que Lefebvre

concebe o espaço não como transformador, mas condicionador, regulador das relações

sociais, o que significa pensar que o modo de vida faz parte do jogo vivido no processo de

urbanização.

Lefebvre lançou como hipótese a urbanização completa da sociedade, prevendo a

extinção do campo pelo domínio do capital, da completa urbanização. Quanto ao mercado,

consumo, indústria, ideologia, cultura, chamou de urbanização expansiva.

Para o autor, a cidade e o urbano não devem ser compreendidos sem as instituições

provenientes das relações de classe e propõe como exemplo as instituições municipais e, de

forma mais direta, as estaduais e federais, além das militares e religiosas.

Como se observa, há pelo menos duas matrizes teóricas que orientam os estudos sobre

cidade: a de cunho mais teórico-sociológico, influenciada por Karl Marx, Max Weber e

45

posteriormente, por Henry Lefebvre e outra representada pela Escola de Chicago, fortemente

marcada pela empiria. Ambas são importantes, sobretudo nos dias atuais em que as relações

sociais as tornam cada vez mais complexas e de difícil interpretação. Tais referenciais

explicam a cidade, seja como lugar do mercado, da reprodução do capital, como um sistema

de culturas ou mesmo como um ambiente per se.

O que não se pode perder de vista é o constante avanço da sociedade urbana, não

apenas em crescimento, como no grau de complexidade que envolve as relações sociais no

espaço urbano e rural, exigindo atenção redobrada, pois, em diferentes lugares, contraditórios

e independentes, oscilam entre sociedades da pré-modernidade e da pós-modernidade.

3.4 CIDADE NO BRASIL E AMAZÔNIA BRASILEIRA

Na América Latina, estudos sobre urbanização e desenvolvimento se iniciam, focando

os movimentos sociais presentes em países periféricos, norteados por referenciais teóricos e

empíricos importados da Europa e América do Norte (QUIJANO, 1978). Todavia, a

concepção de cidades latinas não obedece a um padrão como nas cidades européias que

possuem características gerais presentes mesmo no imaginário de quem nunca visitou alguma,

podendo sua arquitetura e/ou paisagem ser identificada em qualquer lugar.

Essas cidades se diferenciam enormemente umas das outras, dificultando a

identificação de características que as representem. Em função do processo de ocupação

decorrente da expansão periférica dos países desenvolvidos, cada uma representa traços que

refletem suas demandas migratórias (BECKER, 2001).

Ainda no século XIX, durante o período em que ocorreu a Primeira Guerra Mundial

(1914-1918) tendências políticas, antagônicas aos ideais burgueses se estabeleceram na

Europa. O movimento de direita (fascismo e nazismo) buscava saída para a crise do

capitalismo por meio de regime ditatorial, enquanto que o de esquerda (marxismo) almejava a

superação do capitalismo através da tomada de poder pela classe operária, excluindo o direito

à propriedade privada e ao trabalho assalariado.

No Brasil, com o pretexto de conter uma nova ameaça comunista, Getúlio Vargas

instituiu o Estado Novo20 (1937-1945), ocasionando muitas mudanças no cenário político.

Tais mudanças refletiram na re-configuração do estado, estabelecendo nova modalidade na

20Estado Novo corresponde ao período de ditadura implantado a partir do golpe militar pelo Presidente Getúlio Vargas, no ano de 1937, perdurando até 1945.

46

relação entre estado e interesses organizados, bem como nos impactos gerados nas relações

entre os poderes e a criação das agências externas ao aparelho executivo (BRESSER-

PEREIRA, 1999; BOSCHI; LIMA, 2002). Este conjunto de transformações tornou o poder

executivo o órgão supremo do país, atuando nas formas de ordenação das relações

público/privado com controle total sobre todos os estados.

Buscando impulsionar o desenvolvimento industrial, com vistas a promover o

desenvolvimento econômico, Getúlio Vargas estimulou investidores internos na produção

industrial, nos moldes do modelo econômico, agrário-exportador. Em contrapartida, o Estado

providenciou infraestrutura, como energia, ferrovias e estradas, atraindo investidores externos,

o que contribuiu para o processo migratório na região sudeste do país.

Entretanto, em decorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o modelo

agrário-exportador entrou em decadência, em virtude da redução da produção de produtos

industriais e da falta de financiamento externo. Este quadro favoreceu o desenvolvimento

industrial no país à medida que impulsionou a produção interna (GRAZIANO DA SILVA,

1997, 1998). Em consequência deste processo, a atividade agrícola passou para atividade

industrial, propiciando avanços significativos para o acúmulo de capital interno e

contribuindo para a estruturação industrial na sociedade brasileira.

Este panorama resultou no surgimento de muitos aglomerados urbanos,

principalmente, nas regiões onde a produção se concentrava (Sudeste e Nordeste). As cidades

se tornaram fator indispensável por favorecer a circulação de mercadorias, a concentração de

mão-de-obra e de matéria-prima. Assim, o governo buscou acelerar o processo de

urbanização, efetivando a estrutura urbana, entendendo que as cidades exerciam um papel

importante no desenvolvimento econômico. Por outro lado, passou a desconsiderar as

políticas agrárias, impulsionando o isolamento das áreas rurais.

Inicialmente com a cultura cafeeira e mineradora no sudeste e no nordeste, com a

produção de fumo e algodão e depois com a indústria têxtil, posteriormente abrangendo as

regiões sul e centro-oeste, fomentando o comércio da mão-de-obra.

Assim, o processo de ocupação urbana no Brasil decorre de políticas de incentivo ao

fluxo migratório. Embora seja caracterizado pela sua dimensão territorial e diversidade

ambiental, resulta de processo migratório com diversidade sociocultural bastante peculiar.

Cada região, cidade ou lugar, imprime uma lógica urbana ou rural que denotam distintas

realidades. São exemplos díspares de cidade no Brasil: São Paulo, representando a maior

cidade do país, uma das maiores do mundo, se coloca como o centro do desenvolvimento

tecnológico e econômico; por outro lado, Brasília, capital do país, trata-se da cidade com

47

maior IDH, constituída por audacioso planejamento, centro do poder político; e Rio Branco,

no Acre, a menor capital, envolta a ela a floresta amazônica, agrega características locais.

O norte representa a última região do país a passar pelo processo de urbanização. Esta

ocorre em um contexto diferenciado das demais regiões do país, em função das políticas de

ocupação do espaço e migração desencadeada pela implantação dos grandes projetos na

Amazônia, a partir da década de 1960.

Buscando ampliar o número de cidades, com vistas a promover o desenvolvimento

econômico, o governo federal institui o Decreto-lei no311, de 02 de março de 1938,

determinando que toda sede municipal se tornasse cidade, desconsiderando critérios

importantes como o número de habitantes, localização e densidade demográfica, variáveis que

são consideradas em qualquer outro país para a constituição de cidades. Levou-se em conta

somente o aspecto administrativo, em função dos interesses econômicos que estavam em

jogo.

Decorridas mais de seis décadas de criação desse Decreto, o país passou por mudanças

políticas e administrativas que alteraram as bases institucionais, transformando-o no

presidencialismo de coalizão (LIMONGI; FIGUEIREDO, 2005). No aspecto urbano, os

problemas se agravaram com o aumento populacional, falta de saneamento e de

assentamentos humanos.

As cidades, hoje, enfrentam dificuldade de gestão tanto pela dimensão demográfica

que ocupam como pela importância econômica que exercem no cenário brasileiro. No

entanto, a normativa constituída durante o Estado Novo, como já mencionado, continua

vigente.

Autores envolvidos com a temática urbana e amazônica como Becker (2001), Costa

(1993) e Castro (2005) sinalizam a inadequação desta normativa para a atual conjuntura do

país, sobretudo, no que se refere ao crescimento do número de cidades e à mobilização

motivada por políticas de ocupação do espaço. No gráfico 01 é possível visualizar e comparar

o aumento do número de cidades por regiões.

48

GRÁFICO 01 - Quantidade de cidades nos anos de 1950 e 2000. FONTE: Censo Demográfico dos anos de 1950 e 2000 do IBGE.

O mais antigo censo demográfico disponibilizado pelo IBGE refere-se ao

recenseamento do ano de 1950. Este apontou o total de 1.887 cidades, enquanto que para o

censo do ano de 2000, o total saltou para 5.507. No entanto, o aumento do número de cidades

não significa crescimento urbano, visto que neste critério não são consideradas variáveis de

cunho urbanístico, o que significa dizer que a normativa não apresenta distinção entre um

município pequeno e um grande centro urbano.

É nesse sentido que Veiga (2002) aponta a necessidade de revogação do Decreto-lei

no311/1938, que define cidade toda sede municipal. Sugere a adoção de critérios adotados por

outros países como Portugal, que determina a existência de, no mínimo, oito mil eleitores e

um total mínimo de dez equipamentos considerados urbanos, como teatro, transporte coletivo,

bibliotecas, museus, dentre outros. Para sustentação desta argumentação, Veiga utiliza o

exemplo díspar de tamanho da cidade como a de União da Serra no Rio Grande do Sul, que

foi criada com apenas 18 habitantes e ainda no censo demográfico de 2001 habitavam 286

pessoas.

Este quadro coloca em evidência o papel do gestor municipal que fica condicionado à

receita do município e esta depende de fatores que vão além do administrativo ou do legal. O

Decreto-lei no311/1938 não distingue o município a partir de critério como número

populacional. Coloca os pequenos municípios em condição de igualdade perante os grandes

centros urbanos, comprometendo diretamente a capacidade de arrecadação, direito concedido

constitucionalmente a todos os municípios à tributação de bens e serviços.

49

Assim, os pequenos findam prejudicados pelo reduzido número de habitantes, como

por exemplo, o recurso estadual concedido por meio do Imposto sobre Arrecadação de

Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

(ICMS), calculado pelo volume de arrecadação. Ao se fazer um recorte para os municípios

situados na Amazônia brasileira, observa-se que os serviços de transporte são deficitários ou

inexistentes, assim como, a condição de isolamento alija os meios de comunicação, por mais

que o governo federal tente suprir esta deficiência com a transferência do fundo municipal.

Para Veiga (2002), as razões que levam a não revogação deste Decreto são unicamente

políticas, pois mudar a normativa significa mudar o modelo de desenvolvimento econômico,

hoje voltado para uma lógica de mercado, em que a cidade permanece como cenário essencial

para o desenvolvimento do capital. Politicamente, significa alterar o papel do executivo que se

sobrepõe aos interesses urbanísticos.

Todavia, desde a promulgação da Constituição de 1988, as instituições vêm passando

por transformações no que se refere às competências municipais, com a criação de

instrumentos de gestão que vêm institucionalizando os municípios.

Nos estudos sobre a Amazônia, as pesquisas findam importando as abordagens

inicialmente apresentadas, como as de origem européia e da Escola de Chicago, evidenciando

certa dificuldade em descrever o objeto de estudo, sobretudo urbano, para regiões de fronteira

como a Amazônia brasileira, vista como espaço rural.

No decorrer das três últimas décadas, a Amazônia vem sofrendo um processo de

urbanização crescente que transforma fortemente o cenário regional21. Cidades que antes

ocupavam um papel diminuto no cenário amazônico são, atualmente, pólos marcados por

processos de urbanização. Vale ressaltar, ainda, que processos de urbanização não estão

relacionados apenas às grandes cidades. Como mencionado, estudos sobre urbanização podem

ser focados também para pequenos municípios e seus processos de desenvolvimento.

Entretanto, os caminhos desse processo nem sempre acontecem de forma ordenada. As

políticas públicas efetivas, capazes de garantir a implementação de serviços urbanos,

normalmente ficam relegadas para segundo plano na agenda imediatista do executivo

municipal.

No caso específico da Amazônia, a multiplicidade de agentes resulta de seu processo

histórico de ocupação, migrantes se deslocam atraídos por seus recursos naturais e encontram 21A discussão sobre campo e cidade vem sendo relativizada em sua dicotomia. Entre 29/11 e 02/12/2006, o Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) realizou o seminário “Cidades na floresta” cuja temática central discorria sobre as peculiaridades vivenciadas pelos municípios Amazônicos e sua relação com as populações tradicionais que giram em seu entorno.

50

facilidade de acesso. Desprotegida de políticas fundiárias mais eficientes22, essa região do

país torna-se alvo fácil para a ocupação desordenada, resultando em conflitos agrários que

geralmente expulsam os pequenos proprietários. Estes migrantes, uma vez alocados,

imprimem suas lógicas, que têm alterado a cultura local, gerando perda de identidade e,

assim, a Amazônia como fronteira23 vem alterando seu espaço considerado “vazio” em

grandes aglomerados, conforme asseguram Castro e Hébette (1989). Portanto, pensar uma

Amazônia urbana implica estabelecer um olhar diferenciado sobre o espaço, preservando o

direito das populações tradicionais que compõem a mesma.

É importante atentar para o processo histórico de ocupação. Sabe-se que a urbanização

na Amazônia ocorreu de forma muito distinta das demais regiões do país. Nas regiões sul e

sudeste, a ocupação se deu com a expansão da fronteira agrícola; na Amazônia, a ocupação

ocorreu com intuito de inserir a região no cenário mundial através de políticas implementadas

pelo governo federal, que necessitava atrair investimentos.

Assim, a implantação dos grandes projetos de extração mineral somada à política de

desflorestamento findou atraindo um contingente populacional e gerou inúmeros aglomerados

e vilarejos e, consequentemente, a geração de conflitos sociais ocasionados pela luta da terra

(IANNI, 1980).

No entanto, o governo não previu investimentos para a infraestrutura local, sobretudo

políticas socioeducacionais. Até então, apenas interesses econômicos estavam em questão.

Muitas pessoas foram atraídas, muitos aglomerados, vilas se formaram, mais tarde se

consolidando como cidade e como espaço urbano pela legislação vigente. Este quadro

resultou em consequências perversas para os atores sociais que compõem a Amazônia, tais

como alto índice de analfabetismo, falta de saneamento básico, pouco investimento em

atividades agrícolas, dentre outros.

Nesse quadro se formaram as cidades, a partir de aglomerados decorrentes do processo

migratório; pessoas em busca de oportunidades, atraídas pela dimensão dos recursos

madeireiros, minerais. Assim, a maioria das cidades foi constituída sem qualquer

planejamento, sem infraestrutura, sem equipamentos que possam caracterizá-las como espaço

urbano.

22O governo federal não dispõe de política fundiária que garanta a ordenação do território legalmente à população de forma justa e igualitária (BECKER, 2001). 23Para Hennessy (1978) o termo "fronteira" é associado à expansão demográfica sobre áreas de terra não ocupadas ou insuficientemente ocupadas.

51

3.5 A POLÍTICA URBANA E O ESTATUTO DA CIDADE: PRINCIPAIS AVANÇOS

Dentre as medidas legais visando a ordenar e legitimar os instrumentos urbanísticos,

criou-se a Política Urbana Municipal, com representação através dos artigos 182 e 183 da

Constituição Federal de 1988. Entre seus objetivos, existe o de promover o desenvolvimento

das funções sociais da cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes. Todavia, não

apresenta qualquer alteração no critério de constituição de cidade instituído pelo Decreto-lei

no311/1938.

Essa política impõe aos gestores municipais responsabilidades que visam à melhoria

da vida das pessoas que habitam a cidade, contudo, não estabelece parâmetro que possa

mensurar a variação dessas cidades à medida que as trata de forma generalizada, como se

fossem todas iguais. Desconsidera, assim, as tipologias existentes, fator emergencial para a

gestão de cidade no Brasil. Dessa forma, o papel do gestor não difere quanto ao tamanho da

cidade; quer seja pequena ou muito grande, a função é a mesma.

Os mencionados artigos encontram reforço na Lei Federal nº10. 257, de 10 de julho de

2001, chamada Estatuto da Cidade. Esta tem como função principal determinar os

instrumentos legais para gestão da cidade, através do plano diretor. Com a criação dessa lei,

alguns avanços podem ser percebidos, dentre eles, que a obrigatoriedade da elaboração do

plano se restringe às sedes municipais, portanto, todas as cidades com população residente

superior a 20 mil habitantes.

Este critério do total de habitantes gera uma dúvida ao gestor público quanto ao limite

mínimo de 20 mil habitantes. Não se esclarece se o total corresponde ao número de moradores

da cidade ou do município. De praxe, tem se considerado o total do município. Dessa forma, a

confusão quanto ao tamanho de cidade permanece, pois, dependendo da região do país, este

total é bastante relativo. Existe município onde a população predominante é urbana e outros,

pelo contrário, a maioria reside na área rural. E, ainda, a escolha pelo município e não pela

cidade envolve a inclusão da área rural e, consequentemente, o ordenamento também de todo

território municipal.

Diante deste quadro, se faz necessário atentar para os problemas como diversidade

(ambiental, cultural e social) e tamanho dos municípios, decorrentes do número de áreas

territoriais muito extensas e forte existência de conflitos agrários em grande parte do território

brasileiro. Ressalta-se que no Brasil, estão situados os três maiores municípios do mundo em

52

extensão territorial24. Questões desta natureza impõem aos legisladores a necessidade de

clarificação e aplicação dos instrumentos de ordenamento do território nacional,

considerando, sobretudo, as especificidades locais.

No entanto, deve-se considerar a importância do plano diretor. Este representa, por

menor que seja, um avanço para o planejamento urbano. Como o próprio nome já diz, é um

plano e, portanto, tem por finalidade orientar o poder executivo municipal na gestão urbana,

principalmente se for bem elaborado e envolver as especificidades de cada cidade e/ou

município. Por outro lado, o fato de as cidades que possuem população inferior a 20 mil

habitantes não serem consideradas na lei, deixa implícito que estas pequenas cidades não

carecem de um tratamento de cidade, estando excluídas da abrangência do Estatuto da Cidade.

Se assim o for, o país deve sofrer uma brusca alteração no percentual da população urbana,

tendo em vista a grande quantidade de cidades e/ou municípios com população inferior a 20

mil habitantes. No estado do Amazonas, por exemplo, existem 62 municípios, destes, apenas

27 têm população superior a 20 mil habitantes, segundo censo demográfico de 2007.

A questão que se coloca, portanto, refere-se à tentativa de compreender qual o trato

que os gestores darão a estas pequenas cidades, que não dispõem dos instrumentos legais da

gestão urbana, garantidos pelo Estatuto da Cidade. Por um lado, o Decreto-lei no 311/1938

institui cidade toda sede municipal e, por outro, o Estatuto da Cidade não contempla no

planejamento urbano de gestão, aquelas com população inferior a 20 mil habitantes.

24 Referem-se ao município de Altamira, no estado do Pará, e aos municípios de Barcelos e Tapauá, no Amazonas. Este último se configura como objeto de estudo deste trabalho.

53

4 ENTENDIMENTOS ACERCA DO URBANO E RURAL NA ATUALIDADE A palavra do habitante revela as diferenças práticas e simbólicas segundo as quais os lugares são vividos. (DEPAULLE, 1999, p. 168)

Neste capítulo, tem-se como principal objetivo apresentar a problemática acerca da

definição dos conceitos de urbano e rural. Buscando evidenciar as peculiaridades locais

passíveis de tal conceituação, estabelece um enfoque nas matrizes teóricas que perfilam o fim

do rural em função de um predomínio urbano. Por outro lado, apresenta a tentativa de

reconfiguração de um novo rural envolto de uma dinâmica industrial, rompendo com a

dicotomia urbano/rural e assegurando características próprias.

Desta forma, este capítulo está dividido em três seções assim apresentadas: o urbano

no Brasil e sua normativa legal; o debate conceitual acerca do urbano e rural, bem como o

emprego das categorias ruralidade e urbanidade, que vem tentando nortear o discurso

acadêmico e propõe uma releitura dos referidos conceitos, utilizando o espaço enquanto

território e metodologias propostas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE).

4.1 O URBANO NO BRASIL

Com a Constituição Federal de 1988, Estados e Municípios adquiriram maior

autonomia nas decisões política e econômica. Refletindo esta conquista, foram criados muitos

municípios, o que não representa crescimento urbano, mas apenas o aumento no número de

cidades e de pequenos municípios, visto que a população total de um município foi divida

com a criação de outro. Neste cenário, buscando dar maior autonomia aos gestores locais com

a delimitação do espaço municipal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

tornou-se o órgão responsável pela definição legal do urbano no Brasil, passando a considerar

urbano a sede do município, logo, a cidade, visto que o Decreto-lei no311/1938 considera toda

sede, cidade. No entanto, a delimitação pelo espaço físico fica a cargo do poder legislativo

municipal, por meio do instrumento denominado Perímetro Urbano.

54

Desta forma, o espaço urbano compreende o espaço delimitado pelo poder legislativo

que representa a sede municipal, isto é, a cidade. O que excede este espaço é considerado

rural, sendo que mais de 40% das cidades não possuem esta delimitação legal, evidenciando,

desta forma, uma lacuna no que se refere à definição de cidade e de urbano no Brasil.

A definição usada pelo IBGE aponta o Brasil como um país urbano. O relatório do

Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) estimou que, para o ano de 2008, o

percentual de 86% da população brasileira estaria morando nas cidades. Já estudos de Veiga

(2002) contestam esta previsão para o caso do Brasil, demonstrando que o que torna o Brasil

urbano é seu critério de classificação empregado pelo IBGE, como já exposto. Apenas quatro

países utilizam a mesma concepção adotada pelo Brasil, são eles: El Salvador, Equador,

Guatemala e República Dominicana.

A normativa legal impõe, de certa forma, uma obrigatoriedade na definição do que é

urbano. Com o passar do tempo, esta classificação vem se tornando inadequada, isto porque

nas últimas três décadas, com o crescimento populacional, desenvolvimento da indústria

avanços tecnológicos, houve uma reorganização do espaço territorial, alterando tanto o urbano

quanto o rural. No entanto, para discorrer sobre urbano no Brasil de forma crítica, é

necessário antes se ater ao processo de constituição de urbano utilizado por outros países.

Existem outras definições bem distintas.

Os países que compõem a OCDE25 utilizam uma metodologia para delimitação do

urbano que consiste no uso de variáveis como a densidade demográfica. Esta considera o total

mínimo de 150 habitantes por quilômetro quadrado para definir uma cidade como urbana. Isto

é, a localidade com população acima de 150 hab./km2 é classificada como urbana e, abaixo

deste total, passa a ser rural. Utiliza, ainda, este mesmo critério não apenas para municípios,

mas também para regiões, classificadas da seguinte maneira: regiões essencialmente urbanas

são aquelas que possuem menos de 15% vivendo no meio rural; regiões intermediárias são

aquelas em que a população que vive no meio rural varia entre 15% e 50%; já a considerada

essencialmente rural precisa compor uma população rural acima de 50% da população total,

ou inferior à densidade de 150 hab./km2.

Se aplicada esta metodologia no Brasil, este passaria a um país predominantemente

rural, pois as pequenas cidades seriam definidas como tal. Em uma verificação sucinta, apenas

para as capitais, observa-se que das sete que compõem a região norte, por exemplo, apenas

25A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é composta por 27 países, a maioria se situa no hemisfério norte e possui um alto nível de desenvolvimento econômico.

55

uma poderia ser considerada urbana e, em escala nacional, o percentual representa 66% das

capitais passíveis de serem classificadas como urbanas, como ilustrado no quadro a seguir.

Região Capitais Densidade Classificação

Belém 1.201,39 Boa Vista 35,24 Macapá 43,28 Manaus 123,06 Palmas 55,60

Norte

Porto Velho 9,82

14 % Urbana

Aracajú 2.546,65 Fortaleza 6.844,94 João Pessoa 2.836,14 Maceió 1.560,27 Natal 4.195,41 Recife 6.529,43 Salvador 7.521,08 São Luis 1.048,35

Nordeste

Teresina 427,25

100% urbana

Brasília 352,16 Campo Grande 81,83 Cuiabá 121,65

Centro-Oeste

Goiás 8,72

25% Urbana

Belo Horizonte 6.746,79 Rio de Janeiro 4.640,37 São Paulo 6.823,68

Sudeste

Vitória 3.288,90

100% Urbana

Curitiba 3.690,23 Florianópolis 784,26

Sul

Porto Alegre 2.744,58

100% Urbana

Brasil 66% Urbana QUADRO 03 - Densidade demográfica das capitais brasileiras, segundo critério da OCDE. FONTE: Censo Demográfico do ano de 2000 - IBGE.

Todavia, tem se buscado metodologias que tratam desta realidade. Abramovay (2000)

aponta tentativas da Divisão de Desenvolvimento Rural da Organização das Nações Unidas

para Alimentação e Agricultura para a América Latina e apresenta a seguinte definição:

O rural não é definido por oposição e sim na sua relação com as cidades. Por um lado, o meio rural inclui o que no Brasil chamam de ‘cidades’ – em proporções que variam segundo as diferentes definições, abrindo caminho para que se expresse a existência daquilo que, entre nós, é considerado uma contradição nos termos: cidades rurais. (2000, p. 14).

Embora em muitas regiões do Brasil não seja possível definir o rural pelas atividades

agrícolas, existem certas localidades nas quais são desenvolvidas múltiplas atividades

econômicas a agricultura apenas faz parte do meio rural (ABRAMOVAY, 2000;

WANDERLEY, 1998).

56

Assim, torna-se urgente a necessidade de compreender o meio rural a partir de novas

teorias que apresentem a realidade do país. Os dados empíricos de países como os Estados

Unidos, França são completamente distintos do cenário brasileiro. Na França, a mobilidade de

moradores do meio rural para a cidade faz parte do cotidiano. A morada no campo ocorre por

uma escolha, mas o trabalho se mantém na cidade, em função da busca pela qualidade de

vida. Vale ressaltar que neste rural há também infraestrutura e serviços públicos eficientes,

que correspondem a características, práticas, gostos do universo urbano, o que Lefebvre

(1999) chama de urbanização ideológica.

4.2 DEBATE CONCEITUAL ACERCA DO URBANO E RURAL

As mudanças no século XXI, como crescimento populacional e avanço tecnológico,

vêm ocorrendo permanentemente, tomando dimensões em diferentes escalas, local, regional e

global, refletindo na dinâmica das áreas urbanas e rurais. O fluxo de pessoas entre esses

espaços ocorre de forma mais densa e em menor tempo. O desenvolvimento dos meios de

transporte e de comunicação possibilita o acesso de indivíduos e de informações em um

tempo mais hábil, reduzindo a distância entre os lugares, como aborda Wirth (1984, p.93):

“Os desenvolvimentos tecnológicos no transporte e na comunicação [...] acentuaram o papel

das cidades como elementos dominantes na nossa civilização e estenderam enormemente o

modo de vida para além dos limites da própria cidade”. Este quadro torna cada vez mais

complexa a delimitação entre meio urbano e rural a partir de matrizes teóricas tradicionais das

ciências sociais. A abordagem que discorre sobre a possível separação entre esses dois

espaços vem perdendo força ao debate da completa urbanização.

Duas correntes se apresentam no cerne da discussão. A primeira apregoa o fim do

rural em função do predomínio urbano, tendo como precursor Lefebvre (1991), ao levantar a

hipótese da completa urbanização e da urbanização ideológica ou virtual. No Brasil,

comungam desta teoria Wanderley (2000), Graziano da Silva (2001) e Montemór (2003).

O ápice deste raciocínio emerge na análise das alterações promovidas pelo advento da

revolução industrial, período em que a sociedade passou por um conjunto de transformações

caracterizado por Lefebvre como uma revolução urbana. Para esse autor, o desenvolvimento

industrial ocasionou uma mudança radical no campo e na forma de trabalho, antes voltado

para a agricultura. Com o desenvolvimento dos meios de produção, o qual exigiu um aparato

57

estrutural para produção industrial, este cenário resultou na predominância das atividades

industriais. Estas transformações ocorreram na cidade e se expandiram de tal forma que

findou dominando o campo, modificando os procedimentos, a priori mecanizados, para o

modelo industrial.

Neste contexto, o espaço urbano excede o limite da cidade, alterando as relações

sociais e de produção. A cidade se transforma no palco para o desenvolvimento do

capitalismo e, assim, o tecido urbano finda permeando todo o território espacial, eliminando

as práticas que marcam o meio rural. Para Montemór, esta reflexão pode ser entendida como

urbanização extensiva, pois:

As novas tecnologias que requerem como suporte o processo de urbanização extensiva abrem novas possibilidades de integração intra e intersetorial além de propiciarem articulações a diversas escalas – local, regional, nacional, internacional e mundial – que vêm em muito contribuir para novas e impensadas alianças em torno de objetivos e interesses não vislumbrados poucas décadas atrás (MONTEMÓR, 2003, p.9).

Desta forma, a completa urbanização (LEFEBVRE, 1991) ou urbanização extensiva

(MONTEMÓR, 2003) ocorre quando os espaços urbanos extrapolam seus limites

administrativos em função do crescimento demográfico, alcançando o campo. Ou seja, o

aumento da densidade reflete na reconfiguração do espaço rural, não sendo possível separá-lo

da cidade em função do aumento populacional e da presença de equipamentos comuns à vida

urbana, provocados pelo desenvolvimento industrial.

Assim, o processo de urbanização, marcado pela presença de equipamentos que

possibilitam o consumo e a circulação de mercadorias, refere-se à urbanização ideológica ou

virtual proposta por Lefebvre (1991). Nesta, o meio rural representa um espaço tomado pelo

tecido urbano através de estruturas como rodovias, linhas de transmissão, televisão, internet,

telefones, vias aéreas e estradas, permitindo a extensão do urbano sobre o rural,

ideologicamente.

Este cenário, segundo o autor, coloca o morador rural em contato direto com a lógica

urbana, com o mercado, com o consumo, vindo a substituir suas práticas rurais, como a

atividade agrícola, em função do trabalho secundário na indústria e no comércio de serviços.

Assim, a dinâmica que marca a urbanização ideológica não se refere ao aumento da

densidade demográfica, mas à conexão dos espaços (urbano e rural) pela relação de trabalho,

influenciando a vida das pessoas que residem fora da cidade. Desta forma, o comportamento,

o modo de vida de quem vive na área rural é alterado e vai se assemelhando ao modo de vida

das pessoas que residem no espaço urbano.

58

Graziano da Silva (2001) acede com esta concepção, atribuindo ao processo de

urbanização a presença de novas atividades econômicas, tradicionalmente realizadas por

demandas urbanas e que passam a acessar as áreas rurais. Como exemplo, podem-se citar as

atividades de turismo, pesca esportiva e morada secundária presentes no meio rural por

pessoas que residem na cidade. Em outras situações, pessoas que, por motivo de trabalho,

passam a residir no meio rural, exercendo as funções de guardas ambientais, professores,

enfermeiros, agentes comunitários, dentre outras. Embora realizem suas atividades neste

espaço, a vida social está vinculada à cidade, como a família, o lazer e acesso aos serviços

urbanos (LIMONAD; RANDOLFH, 2002).

Neste contexto, torna-se ultrapassada, a priori, a definição de rural a partir do conceito

de Solari (1979), caracterizado pela atividade voltada para a produção de alimentos por meio

da plantação e da criação de animais. A conceituação do rural como fenômeno universal se

limita frente às especificidades locais. Assim, a empiria evidencia a necessidade de uma

análise que explicite as relações sociais e de produção, processadas em formas e espaços

distintos, concentrando esforços para compreender e definir o rural a partir de suas

particularidades, de maneira que se possa fazer uma releitura diferenciada das matrizes

teóricas ou mesmo das experiências que não se adequam a qualquer região, conforme

recomenda Abramovay (2000).

A tese de que o rural evoca um novo modo de vida a partir de outras atividades

econômicas, como asseguram Wanderley (2000) e Graziano da Silva (2001), torna a

agricultura uma atividade secundária, devido à inserção dos serviços provenientes do meio

urbano, como já exposto, embora ainda existam lugares que sobrevivam inteiramente das

atividades primárias, principalmente da agricultura. Nestes, predomina o atraso, a miséria, o

isolamento, a falta de serviços públicos. No Brasil, ainda persistem práticas de patronagem e

de escravidão, ocultadas pelo suposto desenvolvimento (HEBÉTTE, 2004).

Na análise de Wanderley (1999, 2000, 2001, 2002), o discurso do predomínio do

urbano sobre o meio rural ganha força, em razão do controle que a cidade representa sobre o

campo, tanto administrativamente como financeiramente, representando o centro do poder

local, a sede municipal. Nesta estão presentes a sede do poder legislativo, do judiciário e,

principalmente, do executivo, com seus órgãos de gestão.

Assim, o conflito relativo à definição de rural e urbano se estabelece. Abramovay

(1999, 2000, 2001) afirma haver um vício de raciocínio na forma como estes conceitos são

definidos. O rural é assimilado ao atraso, à carência de serviços públicos, à falta de cidadania

e, à medida que supri tais necessidades, torna-se urbano, como se o rural estivesse fadado ao

59

atraso e, ao transformar-se, deixa de ser rural. Por outro lado, o urbano representa o berço do

desenvolvimento, do progresso, da riqueza, como se nele não houvesse pobreza, atraso,

carência de serviços públicos, vistos que não são estes indicadores que distinguem urbano e

rural.

Buscando uma melhor diferenciação, Wanderley (1999) defende a concepção do rural

como um espaço com particularidades culturais, sociais, históricas e ecológicas, que o torna

portador de uma realidade própria dentro da sociedade global. Contrapõe-se, desta forma, à

ideia de um rural isolado, com lógicas de reprodução próprias. Entretanto, sua dinâmica

corresponde ao desenvolvimento da agricultura, representada na principal fonte de ocupação

rural. À medida que esta atividade se minimiza, surgem outras formas econômicas, como a

pecuária, serviços na forma de lazer, caracterizado pela referida autora como um novo rural

ou ruralidade. Este novo rural está condicionado à interação com o meio urbano, mas

resguardando a questão agrária como garantia de permanência do agricultor no espaço que lhe

é próprio, o meio rural, ideia também compartilhada por Abramovay (2000).

Neste sentido, Wanderley (2000) questiona o que chamam de o fim do rural, em

detrimento da industrialização da agricultura. Para a autora, não se deve caracterizar o meio

rural somente a partir da atividade agrícola, porque se assim o for, reduzir-se-á o fim do rural

à modernização agrícola, enfatizando que esta conceituação não pode se restringir apenas à

prática agrícola e mecanizada. Assegura haver um novo rural interagindo com o urbano e

vice-versa, representado na escolha pelo modo de vida (urbano ou rural), possível tanto na

cidade como no campo.

Nesta perspectiva, o rural não desaparece com o avanço tecnológico, o que ocorre é

uma recomposição ou reestruturação, suprindo a dicotomia entre rural-urbano em decorrência

da emergência de uma nova ruralidade. Wanderley atribui, portanto, o aumento da densidade

demográfica como fenômeno capaz de influenciar diretamente as formas tradicionais do

trabalho agrário e estimular a mobilidade profissional dos agricultores, tornando o campo um

espaço aberto.

Desta forma, o meio rural, para Wanderley (2001), não representa um espaço à espera

da urbanização, ou seja, como se a condição de ser rural estivesse ligada à ausência da

urbanização, pelo contrário, o rural consiste em um território com modo de vida próprio,

distinto das dinâmicas urbanas.

Portanto, a sociedade urbana, materializada na completa urbanização a qual Lefebvre

se refere, existe somente no campo hipotético. O autor vislumbrou esta sociedade posterior à

urbanização ideológica ou virtual. Autores como Veiga (2006), Wanderley (2000, 2001,

60

2002), Carneiro (1998), Schneider (2004a, 2009), dentre outros, conflituam sobre este

entendimento, tornando a alegação de fim do rural utópica ao atribuir a probabilidade de um

novo rural.

Carneiro (1998) contesta a tese do fim do rural ou que haja uma homogeneização

reduzindo a distinção entre o rural e o urbano, pois as alterações não ocorrem de forma

igualitária nos diferentes espaços, uma vez que as medidas modernizadoras não atingem as

distintas áreas rurais na mesma proporção e, por essa razão, a ruralidade não pode ser

generalizada, visto que as mudanças são expressas de maneiras diferentes, em seus aspectos

culturais, sociais, econômicos e ambientais.

Na segunda corrente de pensamento, Wirth (1987), com intuito de compreender a

cidade a partir dos atores sociais que nela vivem, elege o urbanismo como modo de vida26,

evocando os conceitos de urbano e rural, não como opostos, mas interagindo, um

influenciando o outro. Para esse autor, a influência urbana ou rural ocorre por meio do modo

de vida das pessoas e não pela dimensão física e, assim, aferi que “o urbanismo não está

confinado a tais localidades, mas manifesta-se em graus variáveis onde quer que cheguem as

influências das cidades” (WIRTH, 1987, p. 96).

Desta forma, Wirth (1987) apresenta uma leitura acerca do urbano distinta da

tradicionalmente concebida pelos urbanistas que tratam o urbano apenas enquanto aspecto

físico. Wirth insere em sua análise o aspecto social, utilizando o urbanismo por meio das

variáveis: tamanho, densidade e heterogeneidade, propondo a interpretação conjunta destes

elementos.

Assim, o tamanho da cidade associado à sua densidade representa o grau de

heterogeneidade. São nos grandes contingentes que se acentuam as variações individuais,

rompendo com os laços de sociabilidade presentes no modo de vida rural. O autor discute o

urbanismo como modo de vida e não como estrutura física. Para este, o urbanismo rompe com

o limite urbano, as pessoas da cidade têm características próprias e podem ser identificadas,

independentemente do lugar em que vivem, principalmente aquelas residentes nas grandes

cidades, detentoras de equipamentos como teatros, shopping centers, sistema de transporte,

onde o urbanismo como modo de vida pode ser distinguido em grau e intensidade.

Enquanto que nas pequenas cidades, o modo de vida se assemelha ao do rural,

estabelecido pela relação face a face, não dissociada de quem vive no meio rural ou na

pequena cidade, simplesmente pelo aspecto espacial. Wirth considera indissociável o modo de

26 A categoria “modo de vida” aqui utilizada refere-se à definição utilizada por Limonad (2000) e representa parte da cultura do indivíduo, de seu conhecimento intuitivo e de seus valores.

61

vida de quem vive no meio urbano ou no meio rural; estes estão interligados, pois muitos

moradores da cidade são provenientes do meio rural.

A contribuição deste autor consiste na escolha pelo indivíduo em detrimento da

estrutura física urbana, compreende que o modo de vida das pessoas está refletindo na

característica da cidade e não o inverso, como expressa Simmel (1987), ao abordar que a

cidade atribui ao indivíduo uma mentalidade própria de quem vive nela. Para Wirth, não são

as cidades que influenciam no modo de vida do indivíduo, pelo contrário, elas refletem o

modo de vida do indivíduo.

Embora a cidade possua estrutura física idêntica uma da outra ou com pouca distinção,

todas possuem meio de transporte, de comunicação, serviços de saúde, educação e lazer, mas

os indivíduos se diferenciam nos gostos, hábitos e costumes, isso marca o perfil de uma

cidade, bastando focar o olhar no que ela tem de específico, como as variações nas atividades

econômicas, se pesqueira ou industrial, por exemplo.

Para Wirth, as pessoas possuem modo de vida distinto, por mais que habitem no

mesmo lugar. Não é a cidade que impõe ao indivíduo o modo de vida - urbano ou rural - mas

a história que cada um carrega. Neste sentido, compreende que quem mora na cidade não

pode ser considerado necessariamente urbano. Este urbanismo ao qual o autor faz menção

possui características pautadas nas ações, hábitos e costumes individuais.

Wanderley (1999), por sua vez, entende que a identidade é culturalmente e

historicamente construída no espaço rural, considerado também morada do trabalhador

agrícola. Nesta abordagem, o rural pode ser compreendido a partir de uma reconfiguração do

espaço que ocorre de forma exógena, através das instituições governamentais com políticas

públicas homogêneas para realidades distintas, inseridas por meio de agentes financeiros,

inovações tecnológicas, ideias preservacionistas, com o discurso de manter o agricultor no

campo, possibilitando a redução da pobreza e da desigualdade social ou do êxodo rural.

Diante do contexto no qual as dinâmicas urbanas e rurais se inserem, tornando suas

definições passíveis de interpretação, emergem categorias que buscam desmistificar este novo

cenário. Friedland (2002) aponta a ruralidade como uma nova forma de compreender o rural,

incorporando as atuais mudanças decorrentes do avanço da tecnologia agrícola, mediante o

processo de industrialização, concebida como atividade expressamente do mundo rural.

Todavia, à medida que os grupos alteram suas práticas, diversificando suas atividades

econômicas, o surgimento de uma nova ruralidade se evidencia apenas no discurso

(CANDIOTTO, 2008; RUA, 2006), considerando que esta ideia não é nova e não passa de

uma tentativa de revalorizar o rural para o acesso a estes organismos externos que não são

62

construídos socialmente. Ainda para Echeverri e Ribero (2005), neste discurso está imbricada

a ampliação das relações capitalistas através da tecnificação do campo.

4.2.1 A proposta de ruralidade e urbanidade

Carneiro (1998, 1999) apresenta uma nova leitura para este fenômeno, a partir das

categorias ruralidade e urbanidade. Por urbanidade compreende o modo de vida urbano, onde

as pessoas, estando na área rural, isto é, morando fora da cidade, vivenciam um modo de vida

que nada tem a ver com o mundo rural. Por ruralidade, a autora atribui ao modo de vida

exercido pelas pessoas que, mesmo morando na cidade, não desprezam o modo de vida

tipicamente rural, ou então, habitando o rural, o modo de vida não condiz ao rural tradicional,

devido ao convívio com as mais diversas realidades peculiares à vida urbana.

A dimensão territorial e política fundiária ineficiente alteram a característica rural,

devido à presença de grande propriedade patronal, como fazendas, marcada pela existência de

“espaços vazios” resultantes do avanço do capitalismo que finda expulsando a parcela da

população que desenvolve atividade agrícola (WANDERLEY, 1999).

A releitura dada ao rural por Wanderley considera as modificações nas relações de

trabalho, em que as atividades primárias, ligadas à terra, como agricultura, vêm sendo

ocupadas por nova forma de trabalho, como a prestação de serviços. Assim, o rural passa a

desenvolver um novo papel, concentrando as atividades como lazer, utilização da natureza

como qualidade de vida, em que as pessoas que outrora realizavam atividades agrícolas se

voltam às atividades ligadas ao turismo rural, ecológico e outras denominações que

Wanderley (1998) classifica como principal fator de um novo rural ou ruralidade.

Embora com ressalva, a autora salienta a mudança do olhar da sociedade brasileira

sobre o rural. Para ela, o que antes era visto como fonte de problemas, miséria, isolamento,

currais eleitorais, hoje tem se apresentado como indícios de percepção de um novo rural,

portador de “soluções” em que a natureza se apresenta como alternativa de lazer, descanso,

propiciados tanto pela criação de atividades turísticas (turismo rural) como por moradia

secundária. Kayser (1990) atribui à ruralidade características como o modo de vida dos

habitantes, ao afirmar haver um modo particular de se utilizar o espaço rural e pela sua baixa

densidade demográfica. Para este autor, as mudanças provenientes do crescimento urbano

resultaram no renascimento do rural.

63

Veiga (2004) também se opõe à tese do fim do rural proposta por Lefebvre. Defende a

tese de uma nova ruralidade, que significa o surgimento de novos comportamentos, antes

inexistentes. Portanto, para o autor, trata-se de um fenômeno novo, ocorrendo especificamente

em situações nas quais há grande desenvolvimento econômico, em que as novas atividades

surgem como valorização do espaço natural, através do atrativo turístico, existência de

moradias secundárias como opção de lazer ou descanso. Com isso, o meio rural deixa de ser

visto como um lugar isolado, atrasado, tornando-se um ambiente capaz de proporcionar

melhor qualidade de vida, sossego, segurança, sobretudo, pela presença de novos atores que

se instalam no rural, com o processo de globalização.

Observa-se que o ambiente que proporciona o surgimento desta nova ruralidade

resulta da estreita relação da cidade com o campo, do aumento da mobilidade, facilidade de

deslocamento. Para Veiga (2006), são diversos fatores que possibilitam o surgimento de uma

nova ruralidade, como o dinamismo na atividade econômica ao qual Carneiro (1997)

denomina pluriatividade27. Veiga contesta, ainda, a tese de Wanderley (2001) quando discorre

da emergência de um novo rural, até porque, para Veiga, a concepção de emergência evoca

urgência ou necessidade imediata; pensa que tal definição se aplica apenas à realidade

européia. Neste sentido, a concepção de um novo rural não pode ser vista de forma

generalizada no Brasil. Fazendo um recorte para a Amazônia brasileira, o rural apresenta

pouco avanço no que se refere à expansão do espaço urbano e na ampliação de serviços para o

meio rural.

Autores como Carneiro (1999), Wanderley (1999), Rua (2006), Schneider, (2004b,

2003, 2009), Abramovay, (2001) compreendem a cidade e o campo inseridos no mesmo

espaço geográfico e, desta forma, têm proposto outra definição à medida que não é possível

delimitar rural e urbano. Buscam trabalhar tanto o rural quanto o urbano não distintamente,

mas coexistindo dentro de um mesmo contexto social, econômico, ambiental e cultural,

denominando tal cenário de “novas territorialidades”.

Esta definição encontra embasamento no campo das ciências sociais, embora seja

abordada por diversas áreas do conhecimento, como a geografia e a economia. Assim, a

categoria território, aqui tratada, refere-se à conceituação apresentada por Schneider, assim

definida: [...] o paradigma das ciências sociais que trata do conceito de território refere-se à visão esposada pelos estudiosos que pensam o território a partir das relações entre as dimensões imateriais, culturais e simbólicas com os espaços. Neste caso, o território

27 Grosso modo, refere-se a um conjunto de atividades econômicas desenvolvidas no meio rural envolvendo a agricultura. Comungam desta definição Carneiro (1996), Schneider (2003).

64

reflete uma configuração social que se situa em um ponto no espaço, podendo ser um grupo de jovens que vivem em determinado ambiente urbano ou até mesmo um grupo de indígenas que habitam uma porção de terra. (SCHNEIDER, 2009, p. 30).

Como se observa, a concepção territorial tem um enfoque mais abrangente, não

representa apenas um espaço geográfico, mas um tecido social, em que as relações sociais

consistem em tramas históricas e identidades, exercendo papel ainda pouco conhecido no

desenvolvimento econômico (ABRAMOVAY, 2000).

4.3 O TERRITÓRIO COMO DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO PROPOSTO PELA OCDE

A categoria território envolve critérios de conceituação elaborados pela Organização

de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que adotou preceitos

metodológicos com objetivo de romper com a dicotomia entre cidade e campo, mas sem

desprezar as especificidades do mundo rural. Este trabalho consiste na divisão territorial, com

indicadores que visam a mensurar as disparidades entre as situações distintas presentes em um

mesmo território. A metodologia utilizada pela OCDE, que considera como indicador a

densidade demográfica de 150 hab./km2, também é sugerida por vários autores como Veiga

(2002), Abramovay (2000), Schneider (2004b) para utilização na definição do urbano e rural

no Brasil.

Nesse sentido, a ruralidade, na definição da OCDE, consiste, obrigatoriamente, no

envolvimento do território como um todo, podendo ser classificado hierarquicamente em duas

formas: a primeira, no nível local, representando as pequenas unidades administrativas,

classificadas como urbanas ou rurais, dependendo de sua densidade demográfica; neste caso,

o município representa a unidade administrativa. Esta classificação consiste na soma de todo

o território municipal, independentemente de a cidade possuir densidade superior a 150

hab./km2; deve se levar em consideração o seu entorno, assim, se o rural for pouco habitado,

não alcançando o patamar estabelecido, a unidade será classificada como rural. A segunda

forma de classificação se dá no nível regional; nesta, a análise ocorre no sentido mais amplo,

podendo utilizar as microrregiões e defini-las como áreas urbanas ou rurais (OCDE, 1994),

utilizando o patamar que considera acima de 150 hab./km2, urbano e abaixo, rural.

65

Em uma comparação com a realidade Brasileira, Veiga (2002) conclui que, se

aplicado este critério da OCDE, a quantidade de municípios que poderiam ser classificados

como urbanos seria inferior a dez por cento do total.

Dos 5.507 municípios brasileiros, 3.888 possuem população com até 10 mil

habitantes, segundo censo demográfico de 2000, representando, em termos percentuais, mais

de 70% do total. Se adotado o critério de classificação de urbano sugerido por Veiga (2002)

que, dentre outras variáveis, indica o tamanho da população, menos de 30% dos municípios

existentes no Brasil poderiam ser classificadas como urbano.

Segundo dados do IBGE, no censo demográfico do ano de 2000, o número de

municípios cresceu quantitativamente, mas as características não mudaram, predominando as

pequenas cidades. Ou seja, não foi o tamanho das cidades o que mais mudou, mas a criação

de pequenos municípios que aumentou. A tabela a seguir demonstra o número de municípios

pelo número de habitantes e se pode verificar que, dos 5.507 municípios brasileiros, 63% se

encontra na faixa de 1.000 a 10.000 habitantes residindo nas sedes municipais, ou seja, nas

pequenas cidades, considerando que toda sede municipal é compreendida como cidade. TABELA 01 - Número de cidades no Brasil, por região e extrato populacional.

FONTE: Censo Demográfico do ano de 2000/IBGE.

Como visto na União Européia, o critério utilizado para distinguir os espaços como

urbano ou rural considera o grau de urbanização, classificando em três dimensões: as zonas

Número de cidades por região do Brasil Número de moradores na cidade

Centro-oeste

Nordeste Norte Sudeste Sul

Total

Até 500 - 14 02 02 75 93

De 501 a 1.000 04 80 23 43 142 292

De 1.001 a 2.000 76 213 76 246 180 791

De 2.001 a 5.000 146 574 123 471 303 1.617

De 5.001 a 10.000 87 430 103 310 165 1.095

De 10.001 a 20.000 69 269 55 237 125 755

De 20.001 a 50.000

40 135 40 168 93 476

Acima de 50.000

24 72 27 189 76 388

Total 446 1.787 449 1.666 1.159 5.507

66

densa, intermediária e fraca. Densas são as zonas com expressão demográfica superior a 500

hab./km2 e mínimo de 50 mil habitantes no total do município. As zonas intermediárias são

aquelas onde a densidade demográfica do município deve ter até 100 mil habitantes por km2

ou alcançar até 50 mil habitantes, desde que se localizem próximas às zonas densas e nas

zonas consideradas fracas, a densidade demográfica deve ser inferior a 100 mil hab./km2 e

devem se encontrar distantes das zonas densas. Se esta metodologia fosse aplicada no Brasil,

das 27 capitais, somente 59% poderiam ser classificadas como urbanas.

No entanto, deve-se considerar que, quando a normativa que constitui cidade foi

criada, no ano de 1938, o Brasil era predominantemente rural, com poucas cidades. Regiões

como a Amazônia possuíam uma densidade demográfica muito pequena. Considerando o

recenseamento do ano de 1950, portanto, 12 anos depois do Decreto, visto que é o dado mais

próximo que o IBGE dispõe, o número de cidades somava 1.887; as que possuíam população

com até 10 mil habitantes somavam 1.683, representando aproximadamente 90%, do total,

sendo que a população que habitava o campo era muito superior a da cidade.

Diante da argumentação aqui apresentada, o cenário amazônico demanda um olhar

mais acurado, quando se pensa a relação rural/urbano. Buscando contribuir com essa análise,

tomou-se como foco de pesquisa a várzea do rio Purus e sobre a cidade de Tapauá está

centrado o capítulo que se segue.

67

5 A CIDADE DE TAPAUÁ EM FOCO

A vida do homem nessa região é uma realidade anfíbia, daí esse pessoal não se intimidar com a fúria do sobe e desce das águas. Eles vão construindo suas casas palafitas, e não só elas, mas toda e qualquer atividade: lojas, postos de gasolina, quitandas, botecos que, estruturados sobre toras e ancorados em pontos que facilitem o comércio, funcionam em tempo de cheia ou vazante (MICHILES, 2005).

Neste capítulo se apresenta Tapauá a partir de uma metodologia que descreve o

cotidiano dos moradores da cidade em seus afazeres econômicos, socioambientais e culturais

relacionados ao uso dos recursos naturais. Enfoca o modo de vida, demonstrando a prática de

ruralidade vivenciada no espaço urbano que constitui a cidade e a interação permanente destes

com o meio rural.

A abordagem teórica está pautada na discussão sobre cidade, urbano e rural constante

nos capítulos II e III desta dissertação. Busca compreender rural e urbano a partir do modo de

vida de seus habitantes, tendo como aporte teórico Wirth (1987) que se utiliza da categoria

urbanismo para discorrer sobre o modo de vida de quem reside na cidade. Neste sentido,

urbano e rural serão analisados não somente pela presença/ausência de equipamentos urbanos,

mas também pelo cotidiano de seus moradores expressos por meio de um modo de vida

resultante da interação com o meio rural (VELHO, 1995).

O contexto urbano em Tapauá apresenta um cenário a priori muito distante da teoria

existente sobre rural e urbano. A cidade expressa uma diversidade e complexidade no

contexto socioambiental próprias da Amazônia brasileira, podendo ser descrita como um

mosaico de realidades, que refletem na configuração urbana das cidades na Amazônia. Em

Tapauá, esta particularidade se acentua em decorrência do bioma de várzea e ocupação da

área territorial, dentre outros.

Assim, o quadro apresentado neste capítulo se contrasta à tese de uma completa

urbanização no Brasil. Porém, emerge a necessidade de um tratamento distinto para com as

pequenas cidades da Amazônia brasileira, isentas de qualquer generalização. Dividido em

quatro seções, a primeira apresenta Tapauá enquanto uma especificidade de cidade na

Amazônia; a segunda seção destaca o processo de acesso à cidade e trajetórias rurais;

posteriormente, busca-se evidenciar o modo de vida e o cotidiano dos moradores urbano/rural,

68

além de apresentar os novos critérios metodológicos de classificação de urbano em debate,

para o caso de Tapauá.

5.1 DIMENSÃO HISTÓRICA

Para discorrer sobre a história do município de Tapauá, se faz necessário, também,

recorrer à história do rio Purus, uma vez que a constituição do município resultou do processo

de ocupação deste rio, marcado por receber grande contingente de famílias provenientes da

região do nordeste do Brasil, em decorrência da seca que afetava tal região (CUNHA, 1905).

O processo de reconhecimento e ocupação do rio Purus bem como a criação do município de

Tapauá remetem ao século XIX, período de apogeu da borracha28, marcado por várias

expedições.

Assim, no ano de 1852, o serviço de governo da província do Amazonas, sob

responsabilidade de João Batista Tenreiro Aranha, organizou duas expedições com vistas a

explorar os rios Purus, Juruá e Madeira, objetivando estabelecer comunicação com a Bolívia.

A primeira expedição teve o comando do diretor de índios do Amazonas, João

Rodrigues Cametá e a segunda, Serafim Salgado, acompanhado de 12 soldados e 12 índios,

percorreu o Purus partindo de Manaus até a localidade de Ituxi, hoje cidade de Lábrea. Em

ambas, não conseguiram descobrir nenhum acesso fluvial que possibilitasse chegar à Bolívia,

visto que o rio Purus a partir de Lábrea era muito estreito e obstruído, sem condições para

navegação.

Ainda no ano de 1852, chegou à região Manuel Nicolau de Melo, proveniente do

estado de Pernambuco. Estabelecendo residência no lago Ayapuá, passou a explorar a área

com extração e defumação do látex por, aproximadamente, vinte anos.

Em 1857, com intuito de intensificar a atividade extrativista, o cearense João Gabriel

de Coelho Melo conduziu quarenta famílias da região do nordeste do Brasil, especificamente

dos estados do Maranhão e Ceará, para residir na localidade denominada Itapá, próxima à foz

do Purus, sendo que, em 1862, mudaram para Beruri, hoje, a cidade mais próxima de Manaus.

28No período de 1879 a 1920, a Região Norte vivenciou o primeiro Ciclo da Borracha. Este representou para o Brasil um dos seus grandes ciclos econômicos da história nacional. Nesta época, o mundo voltou-se para a Amazônia, que possuía grande abundância de seringais nativos, principalmente, no rio Purus e que foram explorados comercialmente. Com o sonho de enriquecer, milhares de imigrantes brasileiros instalaram-se nos seringais, principalmente, ex-escravos e nordestinos que fugiam das secas. Outros trabalhadores de diferentes nacionalidades, entre eles portugueses, ingleses, espanhóis, italianos, alemães, americanos, gregos, sírios e libaneses também constituíam a cadeia produtiva da borracha e faziam o intercâmbio econômico entre Manaus, Belém, os seringais e os grandes centros industriais e financeiros da Europa e dos Estados Unidos.

69

No ano de 1861, outra expedição foi realizada com o mesmo objetivo anterior, desta

vez, sob responsabilidade do prático Manuel Urbano da Encarnação29, que tinha a informação

de que o rio Iquiri era um canal que dava acesso ao rio Madeira. Depois de viajar por vários

dias por este rio, descobriu que se tratava apenas de um afluente do rio Purus, com a tentativa

mais uma vez frustrada.

Posteriormente, com interesse de obter informações mais precisas a respeito do

Purus, o governo do Amazonas designou o engenheiro João Martins da Silva Coutinho, o

diretor de índios do Purus Manoel Urbano da Encarnação e o britânico Gustv Wallis, para

realizar levantamento hidrográfico e geológico da flora e dos povos indígenas que habitavam

esta região. Obtiveram informações importantes sobre o Purus e o modo de vida dos

habitantes, descobrindo que os indígenas plantavam, fiavam e teciam algodão para

confeccionar roupas e redes idênticas às usadas pelos bolivianos que viajavam no rio madeira.

De posse dessas informações, a Royal Geographical Society of London encaminhou

o geógrafo William Chandless, no ano de 1864, para realizar várias medições do rio Purus, e

findou descobrindo que este nascia nos Andes; registrou as coordenadas do Purus e de seus

afluentes, gerando um mapa provando sua navegabilidade; descreveu, ainda, o relevo, o

clima, a hidrografia, vegetação, fauna, bem como o ciclo do rio e costumes dos povos

indígenas. Esta representou a expedição mais importante sobre essa área. Embora tenha

chegado até o rio Juruá, não encontrou a rota para a Bolívia.

Realizou-se outra viagem no ano de 1871. Desta vez, sob comando do coronel

Antonio Rodrigues Pereira de Labre, guiada por Manuel Urbano, resultando na criação do

núcleo da atual cidade de Lábrea. Em 1874, Manuel Urbano, como já mencionado, profundo

conhecedor da bacia do rio Purus, fundou Canutama. Quatro anos mais tarde, em 1878,

ocorreu a ocupação do atual município de Boca do Acre pelo comendador João Gabriel de

Carvalho, que conduziu para esta localidade inúmeros habitantes. Com o Decreto-lei estadual

no176, de 1º de dezembro desse mesmo ano, criou-se ainda o distrito de Boca do Tapauá.

É importante justificar que neste período chegou um grande contingente de

nordestinos para ocupar o rio Purus, em decorrência da mais intensa seca já vivida em toda

história do nordeste, especificamente no período de 1877-1879, denominada de “A Seca de

77”, relatada por Villa (2000).

29Manuel Urbano auxiliou no reconhecimento do percurso do rio e no contato com os Indígenas que habitavam a região. Natural do estado do Amazonas, nascido em Manacapuru, foi Diretor de Índios, nomeado pela Província do Amazonas para a região do Purus. Tinha uma boa relação com os índios, por quem era chamado de “Tapauna Catu”, que significa “Negro bom”.

70

A extensa área territorial e abundantes riquezas naturais aliadas ao desenvolvimento

da economia da borracha resultaram no principal atrativo para a ocupação de migrantes que,

ao chegarem, se deparavam com um cenário que contrastava com o vivido no nordeste.

Neste período, a população do Purus teve um aumento significativo. Havia, na época,

aproximadamente mil pessoas vindas das cidades de Óbidos, Santarém e Gurupá, no Estado

do Pará. Após a chegada de nordestinos para residir em Lábrea, conduzidos pelo então

coronel Antonio Rodrigues Pereira Labre, este total saltou para quatro mil habitantes.

O processo de ocupação desta bacia se deu em função da presença de coletores de

drogas do sertão, provenientes do nordeste, que percorriam os rios da Amazônia em busca de

cacau, canela, dentre outros. Depararam-se com a abundância de recursos hídricos, florestas

ainda intactas, grande quantidade de caça e peixes em áreas que eram ocupadas apenas por

indígenas que habitavam as localidades distantes da margem do rio Purus. Estes viajantes se

apropriavam das áreas de terra situadas às margens do rio, visto que não havia dono e nem

ocupação e, mais tarde, conduziam seus familiares para esta região, formando pequenos

aglomerados que depois foram se tornando municípios.

No período de 1904-1906, Euclides da Cunha integra a comissão brasileiro-peruana.

Esta comissão buscou um acordo entre esses dois países que estabelecia um modus vivendi

para vigorar no alto Juruá e alto Purus por um tempo fixado para as discussões diplomáticas

sobre o limite entre esses dois países. Procurou, ainda, mapear o rio Purus a partir dos

registros realizados por Chandless (cf. CUNHA, 1904-1906).

Ao término da expedição de Euclides da Cunha, em 1906, o mesmo elaborou

diversos relatórios os quais remeteu ao Itamaraty descrevendo sua atuação diplomática entre

Brasil e Peru. De posse de todo mapeamento cartográfico iniciado por Chandless, as viagens

designadas pelo governo do Amazonas cessaram. O processo de ocupação humana em toda a

bacia, principalmente no baixo rio Purus permaneceu, formando vários povoados que mais

tarde se tornaram distritos e, posteriormente, foram alterados para categoria de cidade.

Lábrea representa a primeira cidade constituída nesta bacia; em seguida, um dos seus

distritos se torna o município de Canutama; mais tarde, no alto rio Purus, se criou o município

de Sena Madureira, na foz do rio Yaco, afluente do Purus.

Já por volta do ano de 1920, toda a calha do Purus estava ocupada, principalmente,

por pessoas atraídas pela intensa atividade extrativista. Estas eram conduzidas pelos patrões

que atuavam maciçamente na região trocando mercadoria por látex e buscando mão-de-obra

para trabalhar nos seringais (LAZARIN, 1981).

71

Assim, no período de declínio do primeiro ciclo da borracha (1920) o distrito de

Canutama, denominado Boca do Tapauá, obtém seu desmembramento, tornando-se município

de Tapauá, por meio da Lei no96, de 19 de dezembro de 1955.

Tapauá foi o terceiro município a ser fundado dentre os nove existentes na sub-bacia

que envolve os estados do Amazonas e do Acre. Assim, se conclui que a criação destes

municípios se deu de acordo com o processo de exploração do rio, iniciado no estado do

Amazonas e prosseguindo para o estado do Acre, sendo Santa Rosa do Purus, o último a ser

emancipado, já na fronteira do Brasil com o Peru.

5.1.1 Dimensão Territorial e Ambiental.

Marcado pela extensão e sinuosidade, o rio Purus abrange área do estado do

Amazonas e do Acre e países como Peru e Bolívia. Compõe uma sub-bacia (ver figura 02) na

qual recebe o mesmo nome. Conhecida pela abundância e diversidade de recursos naturais, é

considerada ainda pouco antropizada. Faz parte da Bacia Amazônica Brasileira que, por sua

vez, representa a maior bacia hidrográfica do mundo em extensão e em volume de recursos

hídricos.

FIGURA 02 - Localização da sub-bacia do Purus. FONTE: ftp://ftp.cprm.gov.br/pub/pdf/dehid/sub-bacias.pdf.

72

Nesta sub-bacia se encontra o Município de Tapauá, pertencente ao Estado do

Amazonas, na microrregião do Purus30. Distante 450 km em linha reta e 1.228 km por via

fluvial de Manaus, capital do estado, tem seus limites naturais com os municípios de Tefé,

Humaitá, Manicoré, Canutama, Anori, Beruri, Lábrea, Itamarati, Coari e Carauari. Na figura

03 é possível visualizar a localização geográfica de Tapauá situada no Estado do Amazonas.

FIGURA 03 - Localização da sub-bacia do Purus. FONTE: ftp://ftp.cprm.gov.br/pub/pdf/dehid/sub-bacias.pdf.

Sua extensão territorial totaliza 89.324 km2, colocando-o como o terceiro maior

município do país e o quinto maior do mundo em extensão territorial. No Brasil, perde apenas

para Barcelos, no mesmo estado, que é o segundo maior, com 122.572,7 km2, e para Altamira,

no estado do Pará, o maior município do mundo em extensão territorial, com 160.755,0 km2.

Embora Tapauá componha uma das maiores extensões territoriais, há uma dificuldade no uso

desse espaço para assentamentos humanos.

Em função da quantidade de Terras Indígenas e Unidades de Conservação, o acesso à

terra se torna restrito. Além da condição dessas áreas, a predominância da várzea, área

inundada temporariamente, reforça a restrição a este uso. Embora em menor quantidade, a

terra firme se caracteriza por não sofrer inundação, pois se localiza em áreas elevadas. No

entanto, fica distante do rio, dificultando o acesso à água e a mobilidade das pessoas. Como se

observa, o tamanho do território, somado às características do ecossistema, bem como a

restrição ao uso deste, se configura como uma especificidade a mais para o município.

O total de cinco aéreas protegidas no município o coloca como lugar de destaque

quanto à gestão de seus recursos naturais, condicionando-o a um cenário peculiar dentre os

30 Compõem esta Microrregião os municípios de Canutama, Lábrea e Tapauá.

73

demais que compõem a sub-bacia do rio Purus. O quadro a seguir descreve melhor estas

áreas.

NOME LOCALIZAÇÃO E EXTENSÃO (HA)

OBJETIVO

FLONA-Floresta Nacional de Balata-Tufari

Tapauá: 8.932,426 Canutama: 2.981,963 Total: 1.077.859

É uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de floresta nativa.

RDS Piagaçu-Purus (2003) Estadual

Tapauá: 8.932.426 Anori: 579.528 Beruri: 1.725.124 Total: 1.008.167

Tem como objetivo básico preservar a natureza, assegurando as condições e os meios necessários para reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e a exploração dos recursos naturais pelas populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar seu conhecimento e técnicas de manejo do ambiente.

APA Lago Ayapuá Tapauá/Anori/Beruri 610.000

É uma área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

REBIO – Reserva Biológica Abufari

Tapauá 288.000 Tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se a recuperação dos ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.

FES - Tapauá Tapauá 8.932.426 Canutama 2.981.963

Uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de florestas nativas.

QUADRO 04 - Número de Unidades de Conservação. FONTE: Ministério do Meio Ambiente (2008).

Por outro lado, a quantidade de doze Terras Indígenas repercute a peculiaridade que

envolve a gestão dessas áreas, uma vez que se estende para a área urbana. A Terra Indígena

Apurinã faz limite com a sede municipal, impossibilitando o crescimento da cidade, visto que

qualquer dilatação adentrará a área indígena. O quadro abaixo compõe a descrição destas

terras.

74

No. Nome Localização Extensão (ha)

Criação

1 Apurinã do Igarapé São João Margem direita do Igarapé São João com rio Purus

18.232,42 2000

2 Apurinã do Igarapé Taumarim 96.457,51 1990

3 Mamori Localiza-se na baía do Taparanã, na confluência dos rios Taparanã e Ipixuna

4 Zuruha Entre os igarapés Riozinho e Coxodoá, afluentes da margem direita do Cuniuá um dos formadores do rio Tapauá. Importante tributário da margem esquerda da bacia do Purus

239.070 1991

5 Deni Situada nos municípios de Humaitá e Tapauá

1.531.303 2004

6 Itixi Mitari Na cabeceira do Igarapé Aiapuá/Anori, Beruri, Tapauá

182.134 2007

7 Banawá Entre os rios Piranha e Purus Tapauá, Labrea e Canutama

195.700 2004

8 Paumari do Caniuá Tapauá 42.828 1997

9 Paumari do Lago Minissuá Tapauá 22.970 2003

10 Hi Merimã Labrea/Tapauá 677.840 2005

11 Jarawara/Jamamadi/Kanamati Lábrea/Tapauá 390.233 1998

12 Paumari do Lago Paricá Tapauá 15.792 1998

QUADRO 05 - Número de Terras Indígenas. FONTE: Fundação Nacional do Índio (2008).

Esta condição, além de impor à cidade a estagnação de seu crescimento, pelo menos

horizontal, eleva o custo imobiliário aos habitantes que residem ou pretendem morar na

cidade. Esta condição provoca a expansão da cidade para dentro do rio.

O isolamento do município também representa outra particularidade. O acesso a

cidade se dá por meio de barcos a motor, classificados como de médio porte, com saídas

quinzenais para Manaus. Para chegar à Tapauá, partindo de Manaus se navega inicialmente

pelo rio Solimões durante quinze horas até adentrar a foz do rio Purus. Esta viagem tem

duração de três dias até Tapauá. Embora os barcos tenham como destino final o município de

Lábrea, para este trecho, se percorre sete dias, fazendo escala nas demais cidades localizadas a

margem do rio Purus, (Beruri, Tapauá e Canutama). Realiza-se o transporte de mercadorias

variadas como gêneros alimentícios, medicamentos, roupas, eletrodomésticos e equipamentos

de trabalho (rede de pesca, terçado, machado) para as localidades no curso do rio Purus.

Toda mercadoria que circula na microrregião do Purus chega de barco, principalmente

no trecho que envolve Tapauá. Outra via de acesso se dá apenas na cidade de Lábrea, por

estrada e via aérea. Nos demais municípios da calha do Purus o meio de transporte

75

corresponde à prática comercial baseada na troca. Desta forma, o regatão percorre o rio, sem

prazo determinado, arrecadando a produção agrícola e de pescado. Nestes barcos realiza-se,

ainda, transporte de passageiros. Moradores relatam que esta viagem ocorre em precárias

condições, sem estruturas adequadas, viajando pessoas doentes em busca de tratamento rumo

a Manaus.

Embora Tapauá possua aeroporto, o mesmo se encontra em condições inadequadas,

suspenso pelo órgão fiscalizador (INFRAERO), no entanto, observações de campo mostraram

que ocorre o uso esporádico de avião para a cidade, realizado de forma precária e clandestina

com número de passageiros superior a capacidade dos pequenos e antigos aviões que pousam

na região.

A dificuldade na mobilidade dos próprios habitantes que se encontram isolados entre a

cidade e o campo, ocorre em função do tamanho do território. Estes percorrem longos

períodos para chegar à cidade, o que justifica a escolha pela moradia nos flutuantes. Nestes,

conseguem se locomover dentro do rio de uma localidade para a outra e até mesmo para a

cidade.

Quanto ao transporte urbano, se dá tanto rodoviário como fluvial. Existem alguns

automóveis de uso particular, sendo mais utilizados os “mototáxis” e bicicleta. Considerando

o pequeno tamanho da cidade, normalmente os moradores andam a pé. Quanto ao transporte

para quem mora em flutuante, se dá por meio da rabeta, canoa ou barco que se configura

como um transporte urbano, visto que é a única forma das pessoas se locomovem no seu

cotidiano para ir para a escola e para o trabalho. Mesmo quem mora na parte alta da cidade

possui canoa ou rabeta para realizar atividades no meio rural, estas ficam nos portos da cidade

como se observa na figura 04:

76

FIGURA 04 - Canoas utilizadas pelos moradores para locomoção na cidade flutuante. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

5.1.2 Dimensão sociodemográfica

O primeiro censo demográfico do município data do ano de 1970, em que a população

residente somou um total de 10.571 habitantes, sendo 951 na área urbana e 9.620 na área

rural. Para o censo de 1980, a população urbana aumentou consideravelmente, passando para

2.142 habitantes e a rural 14.560 residentes, o que somou 16.710 habitantes.

O censo de 1991 refletiu um aumento populacional ainda maior. A população do

município totalizou 25.386 habitantes, sendo 7.516 na área urbana e 17.870 na rural.

Atualmente, este contingente populacional sofreu decréscimo. O censo de 2000 totalizou

20.595 habitantes. Destes, 11.181 residem na área rural e 9.414 na cidade.

Os dados usados para este trabalho referem-se àqueles disponibilizados pelo censo de

2000. Ainda que exista uma contagem populacional feita em 2007, esta não oferece dados

completos, apenas preliminares, e não distingue população urbana de rural.

A densidade demográfica corresponde a 0,24 habitantes por km2. A população rural,

historicamente, se sobrepõe à urbana, embora venha gradualmente se igualando, como

exposto no gráfico a seguir.

77

GRÁFICO 02 - Crescimento da população urbana. FONTE: Censo Demográfico dos anos de 1970, 1980, 1991 e 2000/IBGE.

O aumento populacional se reflete somente na área urbana e não no total geral do

município, o que significa dizer que está ocorrendo uma transferência dos residentes do meio

rural para a cidade.

A cidade é composta por sete bairros. A cidade flutuante é considerada um bairro que,

aparentemente, forma um emaranhado de casas distribuídas sobre o rio, ocupando toda a

extensão fluvial da cidade, embora haja uma organização entre os moradores. O endereço

“urbano” utilizado por quem mora neste bairro corresponde à rua da parte alta direcionada ao

flutuante, destacando-se somente se localizado na parte de terra ou no rio, inserindo no

endereço a palavra “flutuante”.

Assim, quando o morador se refere ao nome de rua e/ou bairro de seu endereço, ele se

utiliza do endereço da cidade alta, que se estende no imaginário do morador, ou seja, a cidade

se estende para dentro do rio também na sua divisão espacial urbana. Torna-se curioso para

alguém que não é do lugar, estando dentro de um flutuante no meio do rio, ouvir do morador

que lá fica “tal” rua. As condições de infraestrutura deste bairro são precárias. A iluminação

pública se estende dos postes da rua até chegar às casas e, assim, vai passando de casa para

casa, por meio de fiação elétrica. A água encanada poucos flutuantes possuem, em realidade,

apenas os que ficam bem à margem do rio; os que se localizam no meio não possuem, visto

que a locomoção das pessoas se dá pelo rio, o que dificultaria o uso de tubulação hidráulica.

Os bairros Centro, Açaí e Manoel Costa fazem frente para o rio; nestes estão situados

os órgãos públicos e pequenos comércios com variedade de produtos, gêneros alimentícios,

78

armarinhos, equipamento de pesca. O bairro do Açaí consiste no bairro mais antigo, com

maiores terrenos e arborização na rua e nos quintais, considerando que nele residem os

moradores mais antigos. No Manoel Costa, considerado o mais elitizado em função de as

casas apresentarem melhor estrutura, residem os funcionários públicos, prefeito, vereadores e

comerciantes.

Como periferia podem se considerar os bairros Mutirão e o Purus, onde habitam as

pessoas de baixa renda, não tendo quase infraestrutura. O bairro Mutirão resulta de um projeto

social da gestão municipal que construiu muitas casas populares; lá as condições de solo são

difíceis para construção das casas, devido aos grandes relevos e crateras existentes. Vale

ressaltar que, neste bairro, o índice de contaminação por doenças provenientes da falta de

saneamento básico é alto, dentre elas diarréia, malária, tifóide e hepatite.

Entre os bairros centrais e os periféricos situa-se o São João, o mais populoso e

melhor planejado com ruas nominadas e numeradas, se diferenciando dos demais bairros em

que são utilizados apenas referências, como por exemplo, “próximo ao hospital”, “de tal

escola” ou “na casa do seu fulano de tal”. Isso é utilizado, principalmente, por mototaxistas

que, ao conduzirem passageiros para um determinado local, basta tão somente que lhes

informem o nome da pessoa que buscam, para que os mototaxistas os transportem até a

residência procurada.

Grande parte das habitações são construções de madeira, com piso alto,

tradicionalmente chamadas de palafitas. A predominância deste tipo de construção se justifica

pelas características do ecossistema e o baixo custo da matéria-prima, abundante na região.

Quanto à constituição de instrumentos legais que orientam a gestão do espaço físico, a

cidade dispõe da Lei de Perímetro Urbano e do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU).

Atualmente, a cobrança do IPTU está suspensa e a Lei de Perímetro Urbano se utiliza apenas

no limite com a Terra Indígena. Todavia, a expansão das moradias sobre o rio não tem

controle e nem registro. Embora a cidade venha se ampliando para dentro do rio, a gestão

pública não tem planejamento para incorporar e ordenar legalmente este bairro flutuante com

o resto da cidade.

Fazendo referência a todo sistema de serviço público oferecido pelo poder municipal,

pode se considerar o atendimento à saúde bastante precário. Encontra-se em funcionamento

regular apenas um hospital que concentra uma demanda superior a sua capacidade,

principalmente, no que se refere ao contingente de pessoas contaminadas por malária, tifóide

e hepatite, tanto da cidade como do campo. Em relato de campo, muitas pessoas disseram

preferir não sair de casa a ter que buscar tratamento no hospital, visto que isto resultaria em

79

outro sofrimento, pela espera nas longas filas externas às edificações onde o clima é muito

quente.

Não existe sistema de esgoto e as pessoas mais prejudicadas são as que residem nos

flutuantes, pois utilizam a água do rio, onde também lançam seus dejetos. A coleta de lixo é

regular apenas nos principais bairros, não havendo tratamento dos resíduos. O abastecimento

de água se restringe a poucos domicílios, excluindo muitas famílias deste serviço. Quanto ao

sistema de energia elétrica, este é fornecido durante o dia todo, ininterruptamente; apenas a

iluminação pública, de responsabilidade do poder local, é quase inexistente.

Para os serviços de comunicação, a cidade dispõe de uma agência dos Correios e

telefonia fixa com número reduzido de aparelhos públicos. Estes existem apenas em locais de

maior fluxo de pessoas e não existe telefonia móvel. Há também uma transmissora de

televisão31, e muitos moradores utilizam antenas parabólicas.

O sistema de educação se encontra municipalizado, com ensino das séries iniciais até o

ensino médio. O estudo se apresenta como o principal motivo pelo qual os moradores do meio

rural migram para a cidade. Haja vista que a dispersão dos moradores na área impossibilita a

implantação de escolas, em razão da dificuldade de agrupar um número suficiente de alunos

que possam garantir o funcionamento da escola, o acesso à escola é restrito àquelas

localidades com maior número de habitantes.

Como espaços de lazer, a cidade dispõe de quadras de esporte e praças. Os moradores

também costumam, aos finais de semana, frequentar a área rural e os eventos religiosos.

Quantitativamente, a população da cidade está dividida entre católicos e evangélicos;

frequentam a igreja aos finais de semana, principalmente aos domingos pela manhã e noite.

Os itens classificados como de conforto, pelos moradores, dizem respeito ao uso de

televisão, geladeira, fogão a gás; a utilização de refrigerador de ar pode ser considerado como

um item de necessidade por conta do clima muito quente da região.

Quanto ao hábito alimentar, este se expressa no consumo de peixes, caças e quelônios.

O peixe se consome diariamente e a caça, esporadicamente, visto que a captura ocorre

clandestinamente por moradores que, além de consumirem, comercializam discretamente em

suas casas. Dentre as caças mais consumidas, estão a paca, o tatu, a anta, o veado, o caititu, o

peixe boi e o quelônio. Este último se consome, tradicionalmente, nos finais de semana.

31 Refere-se ao aparato local oferecido pela administração municipal para transmissão de canal aberto, também conhecido como “repetidora”.

80

Geralmente, familiares ou amigos se reúnem para o “almoço de quelônios32”, que se constitui,

também, no prato principal nas diversas festas, como aniversários, festejos religiosos,

casamentos e batizados. Raramente se consome carne bovina.

Portanto, Tapauá pode ser considerada uma cidade onde seus moradores desfrutam de

uma vida simples, inerente ao modo de vida rural. As pessoas que residem na área urbana são

provenientes da área rural do próprio município; os que não são, pertenciam a outros

municípios no próprio rio. Todos na cidade se conhecem, muitos possuem parentes na cidade

e no campo, o que evidencia o fortalecimento de uma rede de sociabilidade (MAGNANI,

2002).

A relação do morador da cidade com o campo se dá por meio do trabalho. Ao mudar

para cidade, não deixa de exercer sua atividade rural. Quando se refere a sua moradia anterior

no campo, o faz com saudosismo, descrevendo a vida tranquila, sossegada e farta que tinha.

Justifica sua mudança para cidade pela necessidade de acesso aos serviços públicos,

principalmente, de saúde e educação. Mas é importante ressaltar que estes moradores só

realizam tal mudança porque conseguem permanecer desenvolvendo as atividades rurais,

como plantio, pesca, caça e extração.

O ambiente rural pode ser observado a partir das atividades realizadas na frente das

casas. Existe uma área em que guardam utensílios utilizados na pesca e na roça e nesta mesma

área consertam o material de pesca, como a malhadeira. Dificilmente se encontra uma

residência que não possua um integrante que não realize atividade de pesca ou de agricultura.

Todos pescam, a maioria para comercializar e outra parcela, somente para o consumo. Os que

pescam somente para o consumo representam a parcela da população que tem ocupação

formal na cidade e, portanto, o fazem aos finais de semana. Quanto ao trabalho agrícola, os

moradores realizam apenas para consumo.

O plantio de hortaliças representa uma prática comum entre os moradores da cidade.

Em jiraus construídos na frente das casas, cultivam chicória, coentro, cebolinha e salsa,

habitualmente usados no tempero do pescado.

As famílias são numerosas e no grupo familiar todos participam da atividade

econômica. O marido representa o principal responsável pela pesca, com a ajuda de filhos

adultos; já a mulher o auxilia no preparo do peixe para ser comercializado, realizando o

processo de salga. A mulher raramente pesca para comercializar juntamente com o marido,

uma vez que o pescado comercial se distingue do usado para consumo. São peixes grandes,

32Pezzuti (2000) faz uma descrição da importância que os quelônios exercem na alimentação destes moradores, já que tidos como uma iguaria.

81

chamados localmente de “fera”, pelo que exigem habilidade para serem capturados, não

possuem escamas, e dentre eles se incluem o surubim, o pintado, o filhote e a pirarara, como

ilustrado na imagem abaixo.

No desenvolvimento da atividade agrícola, todos os membros da família também

participam, principalmente, na roça de terra firme, na qual a atividade consiste na derrubada

de grandes árvores. A esposa e os filhos menores, ou do sexo feminino, ficam incumbidos da

manutenção da roça e das atividades que envolvem a capina, limpeza da área plantada com

retirada de outra vegetação que nasce no entorno da plantação. Na colheita, todos participam.

Quando se realiza a roça na praia ou na várzea, a esposa se dedica, por mais tempo, à limpeza

do terreno e demais atividades. Quanto ao extrativismo de castanha-do-Pará ou de seringa,

normalmente é realizado pelo homem. A coleta e preparo de andiroba é uma atividade

feminina.

O cultivo agrícola realizado, principalmente, na várzea e na praia impõe a escolha por

produtos de curto ciclo, considerados de cultura temporária, como feijão, milho, melancia e

mandioca. A atividade pecuária torna-se inviável neste município, devido às características do

ecossistema, como já mencionado. Apenas 44 moradores criam gado em pequena quantidade.

Na área rural, não existe praticamente nenhuma infraestrutura. A iluminação elétrica é

de responsabilidade do morador que utiliza motor-gerador. Em algumas localidades, a

prefeitura contribui com combustível. O rateio entre os moradores torna-se o meio mais

comum de se obter luz elétrica. Trata-se de uma espécie de contribuição coletiva para a

aquisição do combustível, utilizado à noite, em um período de 3 horas, para assistir televisão,

não sendo suficiente para o uso de refrigerador e conservação de alimentos.

FIGURA 05 - Indicação do comércio de peixes grandes. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

FIGURA 06 - Peixe chamado localmente de fera. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

82

Várias comunidades se formam no percurso do rio com, em média, cinco famílias, ou

se restringem a um morador apenas. Normalmente, residem na área de várzea. Como são

áreas inundadas no período de cheia, optam pelo flutuante, predominante nas diversas

localidades.

Poucos professam sua religião com frequência, a não ser na comunidade onde existe

igreja. Com destaque para a Assembléia de Deus, seguida da Igreja Católica. As pessoas que

residem de forma mais isolada, o que representa maioria, não participam de nenhuma religião

ou atividade cultural.

As pessoas costumam dormir muito cedo, principalmente para se refugiar de pragas

(carapanã, pium, mutuca) e acordam nas primeiras horas do dia, para pescar, ir para a roça.

Para a realização destas atividades, a escolha pelo horário se define pela maré ou pelo clima,

evitando sempre a alta temperatura do horário de meio dia, e aproveitam o período menos

quente para executarem suas atividades.

5.2 TAPAUÁ ENQUANTO ESPECIFICIDADE DE CIDADE

Aparentemente, Tapauá não se difere da maioria das pequenas cidades com população

inferior a 20 mil habitantes existentes no país. Pequena, pacata, com baixa densidade

populacional, pouco urbanizada, com pessoas simples. Todavia, ao lançar um olhar mais

centrado no que ela tem de específico, pode se averiguar uma diversidade populacional que

envolve índios, ribeirinhos, seringueiros, pescadores e madeireiros interagindo em um

ambiente com riqueza de recursos naturais próprios do ecossistema de várzea.

A vida na várzea não significa somente compartilhar os recursos naturais, mas

compreender as especificidades que permeiam o habitar, o fazer agrícola e a dinâmica de

deslocamento, conhecimento e interação ao ciclo da natureza, mas no caso de Tapauá reflete o

modo de vida de seus habitantes por meio da acentuada prática predominantemente rural

imbricada no meio urbano.

A existência de muitas Terras Indígenas (TI’s) e de Unidades de Conservação (UC’s)

agrega uma peculiaridade a mais aos moradores de Tapauá, tanto para os que vivem no meio

urbano como no rural. Trata-se da restrição ao uso do território pela população. No entorno da

cidade, a Terra Indígena denominada São João, pertencente à etnia Apurinã, limita, como já

mencionado, com o perímetro urbano, ocasionando uma incapacidade de sua expansão em

83

função da normativa que rege as TI’s. Este quadro impossibilita, definitivamente, o

crescimento da cidade, pelo menos horizontalmente, embora, na prática, se saiba que não é

possível frear ou impedir o crescimento de uma cidade, visto que o aumento de natalidade é

continuo, e, sobretudo, se levar em conta o crescimento urbano, fenômeno decorrente do

aumento populacional em todo o mundo (UNFPA, 2005).

Por outro lado, as UC’s na área rural dificultam o acesso do morador ao uso da terra,

para trabalhar e até mesmo para residir. Esta condição finda expulsando-o para a cidade, onde

razões similares a impedem de abrigá-lo. Consequentemente, este cenário que se forma a

partir das restrições de acesso e uso da terra, cria uma mobilidade que não significa apenas o

deslocamento demográfico, mas, sobretudo, uma dinâmica instalada no modo de vida,

envolvendo trabalho, moradia e apropriação do tempo ecológico a partir da sazonalidade

ambiental.

Embora esta pesquisa não objetive analisar este quantitativo de áreas preservadas, se

faz necessário mencionar que a criação destas resulta de um modelo advindo dos E.U.A, cuja

realidade socioambiental não se aplica ao Brasil, tampouco à Amazônia. Enquanto, segundo

Medeiros (2003), Unidades de Conservação constituem espaços territorialmente conservados,

cujo objetivo é preservar os recursos naturais e/ou culturais a eles associados, Santilli (2003,

p.3), conhecedora da interação estabelecida entre homem e natureza, aponta que “já há

diversos estudos mostrando que são as práticas, inovações e conhecimentos desenvolvidos

pelos povos indígenas e populações tradicionais que conservam a diversidade biológica de

nossos ecossistemas, principalmente das florestas tropicais”. E, assim, considera que:

Mais do que um valor de uso, os recursos da diversidade biológica tem, para essas populações, um valor simbólico e espiritual: os ‘seres’ da natureza estão muito presente na cosmologia, nos símbolos e em seus mitos de origem. A produção de inovações e conhecimento sobre a natureza não se motiva apenas por razões utilitárias, como por exemplo, descobrir a propriedade medicinal de uma planta para tratar uma doença ou domesticar uma planta-selvagem para cultivá-la e utilizá-la na alimentação. Transcendem a dinâmica econômica e permeiam o domínio das representações simbólicas e identitárias. (SANTILLI, 2003, p.3).

Observa-se, portanto, que não é possível dissociar os recursos naturais dos atores que

os conhecem e se utilizam deles, haja vista que ambos integram, simbolicamente, o mesmo

hábitat. Entretanto, além da restrição legal, as poucas áreas disponíveis em Tapauá são áreas

de várzea, inundadas permanentemente o que impossibilita a construção de moradias, como

consta na figura 07.

84

FIGURA 07 - Área de várzea no entorno da cidade de Tapauá. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

Assim, diante da impossibilidade de ampliação do perímetro urbano, a cidade findou

expandindo para dentro do rio, formando uma nova demografia a partir do saber local. A

relação estabelecida anteriormente no ambiente de várzea torna complexo distinguir o modo

de vida dos que vivem na cidade aos do meio rural, em função da similaridade presente nos

costumes e afazeres cotidianos. A figura a seguir ilustra a expansão da cidade para dentro do

rio.

85

FIGURA 08 - Imagem de parte da cidade situada sobre o rio Purus. FONTE: Trabalho de campo (2008).

86

Esta complexidade se apresenta porque grande parte dos moradores provém do meio

rural e neste a reprodução social incide no ambiente inundado que, em determinados períodos

do ano, se confunde com o rio.

Contudo, esta parte da cidade que se forma sobre o rio ainda não foi incorporada ao

planejamento urbano, embora seja vista, informalmente, como um bairro periférico, uma vez

que é ocupado de forma desordenada, como ocorre em área de invasão de qualquer cidade.

Por outro lado, a reprodução social dos demais habitantes da cidade se estabelece diretamente

com a dinâmica do rio, podendo ser compreendida à luz da teoria de Wirth (1987), quando

afirma que o urbanismo como modo de vida transcende o limite físico de uma cidade, haja

vista que seus moradores carregam características da vida anterior e, se proveniente do meio

rural, seu modo de vida o expressará.

No entanto, a ordenação deste lugar não é contemplada no plano diretor, em que estes

moradores não são sequer mencionados. Observa-se que esta situação, por si só, representa

uma incompatibilidade com a prática de gestão.

Em Tapauá, a constante migração dos moradores do meio rural para a cidade,

juntamente com suas práticas cotidianas, permite confirmar a expansão do campo para a

cidade, o inverso do que se convencionou chamar de completa urbanização. No entanto, esta

realidade ainda vem sendo ignorada por muitos estudiosos da cidade em todo território

brasileiro, dentre eles, Wanderley (2001), que analisa as mudanças no meio rural,

denominando de novo rural ou ruralidade, atribuindo às suas mudanças o avanço da cidade

sobre este, porém, há de se ponderar que as pesquisas desta autora se restringem apenas ao

interior pernambucano. Todavia, o que esta pesquisa busca enfocar se refere às

especificidades urbanas presentes nas pequenas cidades da Amazônia brasileira.

A literatura que versa sobre urbano e rural considera, em geral, o avanço da cidade

para o campo. A tese defendida por Lefebvre (1991) aponta a expansão do urbano para o

rural, ao prever a completa urbanização do campo, descartando a hipótese do avanço do

campo para a cidade. Vale ressaltar que Lefebvre realizou seus estudos sobre o processo da

revolução industrial, em que países europeus já vivenciavam o avanço tecnológico,

dominando os processos mecanizados.

Graziano da Silva (2001) compreende este “novo rural”, interpretado por Wanderley,

atribuindo-lhe a presença de serviços considerados urbanos que, por meio dos processos

extensivos no meio rural, alteram a forma de trabalho. Deixa, assim, de ser especificamente

voltado para a agricultura e extrativismo, para incorporar os serviços de turismo, hotelaria ou

mesmo a atuação de pessoas provenientes do meio urbano. O autor toma como exemplo

87

guardas ambientais, profissionais da saúde e da educação, que vão da cidade para o meio

rural, onde há carência de pessoas qualificadas para estas atividades e consigo conduzem

comportamentos próprios do meio urbano, como o modo de falar, de se vestir e até mesmo

hábitos alimentares que podem influenciar o meio onde atuam.

Observa-se que estes estudos descartam a coexistência do rural com o urbano, visto

que, quando há mudanças no meio rural, se atribui à chegada do urbano. Desta forma, torna-se

bastante pertinente a crítica que Abramovay (2000) apresenta à aplicabilidade destas teorias

para a empiria brasileira. O autor relata que, quando se faz menção às mudanças ocorridas no

meio rural, elas se dão em decorrência da presença do urbano; por outro lado, as que ocorrem

no meio urbano são compreendidas como uma complexidade que envolve somente o

fenômeno urbano, descartando, assim, qualquer influência do rural.

Ao considerar esta vertente, tende-se a pensar que somente o urbano incide sobre o

rural, não se analisando, inversamente, a predominância do rural no meio urbano. Embora

haja pesquisas que apontem características de uma ruralidade no urbano, tais estudos pontuam

apenas algumas similaridades. Vale lembrar Wirth (1987), que adverte para a impossibilidade

de tratar o urbano e o rural como dois mundos opostos, visto que um influencia o outro.

5.3 O ACESSO À CIDADE – TRAJETÓRIAS RURAIS

Embora o meio rural seja possuidor de uma diversidade e quantidade abundante de

recursos naturais, em função do bioma e da dimensão territorial, o morador finda não fixando

residência, devido à restrição ao uso desses recursos, o que representa um dos motivos que o

impulsionam a mudar para a cidade. Essa mudança é feita em sua própria residência, chamada

de flutuante, pelo fato de ser construído sobre o rio, o que possibilita sua locomoção.

Vale ressaltar que no meio rural a preferência por estas casas flutuantes ocorre porque há

pouca terra disponível, além disso, a morada no ambiente de várzea se torna temporária,

devido às constantes erosões no solo pelo processo de inundação, como descreve Lima;

Alencar (2001). Esta especificidade local atribui ao morador uma dinâmica que lhe permite

uma mobilidade no rio, dentro de sua própria residência. Assim, no processo de mudança,

conduz sua casa, geralmente seu único patrimônio. Durante o percurso para a cidade, sobre o

rio, lhe é permitida a execução do seu trabalho, seja na pesca ou na roça, devido à estreita

relação mantida com a natureza durante todos os períodos cíclicos.

88

É importante mencionar que a mudança para a cidade se dá de forma sazonal,

condicionada ao ciclo do rio, não ocorrendo no momento conveniente ao morador; se faz

necessário que a maré não esteja tão seca e correndo em direção à cidade, para que o morador

se mude na própria residência, ou seja, no flutuante, conduzido pelas águas.

Esta mudança pode levar dias em que a casa flutuante é transportada pelo rio. Durante

este trajeto, o chefe de família desenvolve suas atividades econômicas, normalmente, indo

para a roça, pescando e retornando ao final das tarefas para sua residência, onde quer que ela

esteja sendo possível alcançá-la por canoa ou rabeta. Na maioria das vezes, se obtém o

alimento no próprio flutuante, onde esposa e filhos geralmente pescam. No decorrer da noite,

sem iluminação suficiente, encostam a casa às margens do rio, para que não seja atropelada

por barco/motor, continuando a viagem no dia seguinte.

Ao chegar à cidade, se depara com as dificuldades em construir assentamentos na área

urbana delimitada pelo poder público. Por essa razão, opta pela permanência em seu flutuante,

o que significa morar sobre o rio. Esta alternativa faz com que este morador reproduza o

ambiente vivido anteriormente na várzea, na área rural.

Em algumas situações, a mudança ocorre inesperadamente, por uma necessidade, sem

um desejo prévio da família. Isto pode ser quando um membro da família adoece e precisa ser

tratado na cidade; com a certeza do longo tempo para o tratamento e impossibilitado do

afastamento da família, visto que esta atua coletivamente no sustento, se mudam para a

cidade. Neste caso, se a maré não estiver favorável e a família dispor de recursos financeiros,

a casa será conduzida por barco; do contrário, irá morar inicialmente com um parente ou

conhecido até a condução ou construção de seu flutuante.

Dados do trabalho de campo apontam a procedência dos que atualmente residem na

cidade. Estes, em sua maioria, provêm da área rural do próprio município ou dos demais

municípios que compõem a calha do Purus, mas sempre originários do próprio rio. Dos 100

domicílios em que foram aplicados questionários, apenas 07 famílias têm sua origem na

cidade, embora seus antecedentes tenham sido do meio rural; as demais residiam no meio

rural e mudaram com objetivo principal de acessar os serviços públicos, como saúde e

educação.

Em função desta trajetória, hoje o morador da cidade mantém relação estreita com o

meio rural por meio do trabalho na roça e na pesca, exercidos por muitos membros do grupo

familiar, alguns de forma menos intensa, devido à ocupação em outra atividade no mercado

formal ou informal na cidade, que lhe garante uma renda fixa. Para eles, o trabalho rural se

89

concentra na produção de alimentos (farinha, peixe e caça), realizados aos finais de semana,

mesmo que seja somente para o consumo. Assim, tal como em outras áreas do país:

Os pequenos proprietários e trabalhadores ‘liberados’ das relações tradicionais de produção ao invés de se dirigir, conforme o processo clássico, para as cidades e se assalariar em atividades urbanas, tendem a se ocupar em atividades rurais e urbanas e tornar-se uma força de trabalho sazonal dedicada tanto a atividades urbanas quanto primárias. (LIMONAD, 1999, p.84).

Como se vê, a relação da cidade com o campo ainda ocorre por meio do trabalho

exercido por ambos no meio rural, mesmo os que moram na cidade. Além disso, as

lembranças do rural estão vivas e são citadas com certo saudosismo ao se referirem à vida

tranquila, sossegada e farta que tinham antes. Ao serem questionados sobre o que mais

gostavam ou do que mais sentem falta, são incisivos em apontar os costumes relacionados ao

ambiente natural, como a água, a terra, o rio, o vento e a tranquilidade que o espaço lhes

garantia, dado o isolamento entre uma casa e outra no meio rural, conforme apresentado na

tabela 02. TABELA 02 - Do que mais gosta do interior/meio rural.

Preferência Número de entrevistas Da tranquilidade, do silêncio 19 De cuidar da terra, plantar, fazer roça, capinar

11

De pescar, do rio, do lago e da praia 17 Da comida, peixe fresco, caça 11 Fartura 11 Do ar, do clima, da mata e dos animais 09 Passear/tomar banho 03 Das pessoas 02 O custo de vida é menor 02 Não gosta 15 Total 100

FONTE: Pesquisa de campo (2008).

Observa-se, portanto, que o morador destaca como preferência as atividades

relacionadas com o rio. Este representa o lugar onde se realiza a atividade socioeconômica,

pesca no rio, no lago e no igapó, passeios, tomar banho e praia.

As atividades festivas na cidade se referem também às atividades primárias, dentre

elas se destacam a festa da castanha, comemoração ao fim de cada safra e a festa do pescador

e produtor, em agradecimento ao trabalho realizado.

90

5.4 O MODO DE VIDA E O COTIDIANO URBANO/RURAL EM TAPAUÁ

Descrever o cotidiano desses moradores requer compreender a dinâmica existente na

relação permanente entre cidade e campo, visto que, mesmo depois que muda para a cidade, o

trabalho rural é mantido. Com isso, o modo de vida que envolve o cotidiano dos moradores de

Tapauá reflete uma prática relacionada diretamente com o meio rural. O horário em que estão

habituados a dormir e a acordar está relacionado ao tempo ecológico, regido pela natureza,

considerando que esta população realiza seus trabalhos obedecendo à sazonalidade do rio.

Percebe-se que muitos moradores costumam dormir às 19 horas se estendendo até as

23h30min. Quanto ao horário em que acordam, se dá a partir das duas horas, indo no mais, às

sete horas, como representado no gráfico abaixo.

Este horário em que o morador habituou acordar e dormir esta relacionada às

atividades socioeconômicas de caráter rural desenvolvidas de acordo com o ciclo do rio,

sendo este o ambiente de moradia, locomoção e trabalho. Assim, no gráfico a seguir consta a

atividade caracterizada como rural realizada por integrantes do dos domicílios em que foi

aplicado o questionário.

GRÁFICO 03 - Horário em que costumam dormir. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

GRÁFICO 04 - Horário em que costumam acordar.FONTE: Pesquisa de campo (2008).

91

É importante informar que, além destas atividades, desenvolvem outras no mercado

formal e informal, mas sempre culminando com as atividades rurais para prover a

alimentação, auxiliados pelos demais membros do domícilio. Entretanto, a reprodução social

destes moradores conflita com a política federal de proteção ambiental. Principalmente, na

fixação dos assentamentos e restrição de determinadas áreas, fazendo com que o morador se

mobilize para outros ambientes, mas sem abrir mão do modo de vida, que possibilita uma

interação permanente com os recursos naturais.

Em razão da quantidade de áreas de conservação, os moradores realizam um longo

percurso de uma localidade para outra, desde que não seja Unidade de Conservação ou Terra

Indígena. Esta mobilidade se dá de acordo com os ciclos do rio. No entanto, a dinâmica que

faz com que estes moradores se mobilizem sazonalmente não é suficiente para garantir sua

sobrevivência. A ausência de serviços públicos finda forçando a ida para a cidade pela

necessidade de acessá-los. Portanto, esta mudança, não representa um desejo maior pelo modo

de vida urbano.

Diante da ausência destas políticas no meio rural, muitos recorrem à cidade para poder

ter acesso a educação e à saúde, direitos que lhes são garantidos constitucionalmente,

independentemente do lugar onde residem. A tabela 01 apresenta as razões pelas quais

pessoas do campo foram morar na cidade, ficando evidente que não ocorreu por uma escolha

ou simplesmente desejo de viver na cidade.

GRÁFICO 05 - Atividade desenvolvida na área rural por moradores da cidade. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

92

TABELA 03 - Motivos que levaram pessoas do meio rural a optar pela cidade. Mudou para a cidade (motivo) Número de

entrevistas Para os filhos estudarem 39

Já tinha familiares que moravam na cidade ou casou com alguém da cidade 10

Para obter assistência à saúde 08

Nasceu na cidade ou veio ainda criança 08

Outros 07

Conseguiu emprego/passou em concurso público 05

Não informado 05

Em busca de melhores condições de vida 03

Perdeu um ente querido 03

Houve algum desentendimento com outras pessoas 03

Não tinha motor, isolamento, difícil locomoção. 02

Não é violento 02

Tudo era tudo muito caro 02

Tinha vontade de viver na cidade 01

Tem energia elétrica 01

Na cidade é mais fácil vender o peixe 01

Total 100 FONTE: Pesquisa de campo (2008).

Porém, morar na cidade não representa garantia de acesso a todos os serviços públicos.

Em Tapauá, o citadino precisa se locomover a outra cidade maior e distante para acessar, por

exemplo, uma agência bancária. Para o recebimento de recursos destinados à política social

como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que

garante um seguro aos pescadores durante o período de defeso do pescado, os pescadores

necessitam viajar de barco durante seis dias, até a cidade de Manacapuru, onde se situa a

instituição bancária responsável pelo pagamento desse seguro.

Pode-se averiguar que para facilitar o acesso às políticas públicas voltadas ao homem

do campo, este necessita estar na cidade. Assim, os motivos que levam as pessoas da área

rural a migrar para a cidade, dizem respeito, também, à busca por serviços considerados

básicos. Os gestores que articulam as políticas públicas de atendimento às atividades

primárias não viabilizam o trâmite que, no caso de Tapauá, se quer pode ser acessado, nem

mesmo na cidade, sede do município. A falta de infraestrutura como saneamento básico se

93

evidencia com a incidência de doenças endêmicas, constantes na cidade e representados

abaixo, no gráfico 06.

GRÁFICO 06 - Doenças endêmicas presentes na cidade. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

Como se observa, doenças como sarampo e catapora já erradicadas em grande parte do

território nacional, ainda persistem em Tapauá. A filária, tifóide, hepatite, coceira e a diarréia

são decorrentes da falta de saneamento, enquanto que a malária, própria de ambientes

naturais, está presente na população dita urbana. Dentre estas, se destacam a gripe e resfriados

ocasionados pela falta de atenção básica a saúde.

Portanto, os motivos pelos quais os moradores do meio rural mudam para a cidade não

se referem à busca aos equipamentos considerados urbanos, representa a necessidade aos

serviços públicos básicos que deveriam ser disponibilizado a toda população do município,

independentemente da localização onde reside, pois se trata de um direito garantido

constitucionalmente a todo cidadão brasileiro.

No entanto, a mudança para a cidade não representa alteração na forma de trabalho. As

atividades antes realizadas na área rural permanecem, apenas o morador rural passa a residir

no meio urbano. As atividades como agricultura, extrativismo, pesca e criação, são mantidas.

A imagem a seguir evidencia a criação galinhas e cultivo de hortaliças na cidade, no próprio

flutuante.

94

FIGURA 09 - Cultivo de hortaliças em jiraus e criação de galinha no flutuante. FONTE: Pesquisa de campo (2008).

A reprodução social destes atores ocorre tanto no meio urbano como no rural e

representa uma dinâmica no uso do mesmo ambiente, ou seja, a várzea. Considerando que na

cidade não desprezam tais atividades, pode-se assim dizer que se trata de uma ruralidade.

Visto que não foi o urbano que se expandiu para o campo e sim o rural que gerou a cidade,

expresso no modo de vida de seus habitantes.

Estes vivem práticas predominantemente rurais, tanto que não se diferenciam com as

do campo. Quando o morador se refere ao rural, destaca características tipicamente rurais,

sente saudade da tranquilidade, do peixe fresco e quando aponta algo que não gosta, também

está relacionado à natureza, como as pragas e o isolamento. Mudam para cidade porque o

rural é muito “atrasado”, desprovido de serviços públicos.

Diante deste cenário, pode-se dizer que Tapauá ainda agrega características da pré-

modernidade, onde o afastamento e ausência do mundo globalizado são reais. Neste sentido,

observa-se que em Tapauá ocorre o inverso da urbanização, ou seja, não foi a cidade que

avançou para o campo, mas o campo que ocupou a cidade e, desta forma, não houve a

completa urbanização, mas, pelo contrário, houve a completa ruralização.

95

Pelas normativas jurídicas, urbano e rural são classificados pelo quantitativo humano;

se baixa densidade, rural; à medida que aumenta o contingente populacional, se torna urbano.

Porém, Veiga (2004, 2006) sugere como variável para nova classificação do urbano e rural, o

grau de antropização, estimando que quanto menos habitado, maior será a preservação dos

recursos naturais e o nível de poluição menor. Considerando que a densidade demográfica de

Tapauá correspondente a 0,24 habitantes por km2 , somada ao número de áreas protegidas e

características naturais, pelo predomínio da várzea, pode se notar o reduzido grau de

antropização. Assim, tomando por base a variável antropização, o município seria concebido

como uma vasta área rural. As imagens a seguir retratam o cenário pouco antropizado no

município.

Na área rural do município, é possível percorrer longas distâncias sem avistar uma

moradia. Ainda, se aplicado o critério utilizado pela OCDE, que considera urbana a cidade

com densidade demográfica superior a 150 habitantes por km2, Tapauá fica longe de ser

considerada urbana. Mesmo a capital do Estado, Manaus, com densidade de 123,06 hab./km2,

não se enquadraria.

Tapauá vive isoladamente; não há o que se denomina de urbanização expansiva,

ideológica e urbanidade (MONTEMÓR, 2003; LEFEBVRE, 1991; WANDERLEY, 2000).

Portanto, compreender o modo de vida como urbanismo por uma matriz teórica da cidade,

torna-se um desafio, sobretudo, porque o rural que se trata enquanto transcorrido, faz parte do

presente em Tapauá: O que era o meio rural? Era o campo, o ‘rústico’, as relações familiares e de compadrio nas fazendas e propriedades agrícolas de tamanhos diversos, na maioria apoiadas em relações de produção pré-capitalistas, familiares e/ou servis - parceiros,

FIGURA 10 - Área rural do município de Tapauá. FONTE: Pesquisa de Campo (2008).

FIGURA 11- Área da reserva biológica em Tapauá. FONTE: Pesquisa de Campo (2008).

96

meeiros, colonos, agregados, entre outros. [...]. Assim, o meio rural era também o espaço do coronelismo, do analfabetismo, da ausência de serviços coletivos e dos sistemas de energia, transportes, e comunicações, do não-acesso aos bens industriais modernos - grosso modo, o arcaico, o não-moderno, o território do isolamento e o espaço da não-política. (MONTEMÓR, 2003. p.11).

Sua realidade se distancia ainda mais da classificação de urbano quando aplicado o

critério utilizado pela União Européia, onde se adota a densidade superior a 500 mil

habitantes ou o mínimo de 50 mil pessoas no município para se definir como urbano.

Especificamente na Itália e na Espanha, se considera urbana a cidade com população superior

a 10 mil habitantes e, em Tapauá, este teto ainda é inferior.

O Chile adota o total superior a 50% da mão-de-obra ocupada em atividade não

agrícola, o que não corresponde à realidade de Tapauá. As atividades socioeconômicas

desenvolvidas pelos moradores da cidade representam mais uma característica do meio rural,

estão diretamente ligadas às atividades primárias, como a pesca, agricultura, extrativismo e

criação de aves, como galinha e pato.

Como se vê, os critérios metodológicos utilizados em outros países para definição de

urbano, como densidade demográfica, total da população residente, ocupação da mão-de-obra

e grau de antropização, se empregados a Tapauá, não a classificariam como urbano, se

enquadrando somente nos critérios técnicos legais vigentes no Brasil.

Portanto, nenhuma metodologia distinta da brasileira colocaria Tapauá como urbano,

sendo urbana ou cidade somente pelo critério administrativo vigente neste país há várias

décadas.

Assim como as metodologias descritas não se aplicam à realidade da cidade, o modo

de vida também representa uma prática rural. Considerando que estes moradores partem do

meio rural para viver na cidade, não são motivados por atração à vida urbana ou interesse

econômico que provocam o êxodo rural. Os motivos que os levam para a cidade são diversos

e podem ser assim elencados:

a) busca por serviços públicos de saúde e de educação, quase inexistentes na área

rural;

b) acesso aos recursos governamentais como aposentadorias, pensões e bolsa família,

visto que não têm como acessar na área rural, pois o custo para ir até a cidade para

realizar o recebimento compromete o valor recebido;

c) restrição ao acesso à terra, em função do número de UC’s e TI’s;

d) mobilidade dentro do rio;

97

e) prática de moradia em flutuante;

f) necessidade de se manter como pescador, obtendo documentos e,

consequentemente, direito às políticas sociais e comercialização do seu pescado.

g) isolamento, em função da extensão territorial.

Portanto, olhar Tapauá usando uma lente classificatória que parte de pressupostos

administrativos obnubila as especificidades amazônicas. Estas fazem de Tapauá em lugar

único, onde urbano e rural estão permeados e ordenados pelo modos vivendi da população.

98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho traz como contribuição a reflexão acerca da tipologia de cidade e

definição do urbano na Amazônia. No Brasil, o que define cidade é uma normativa legal que

data, ainda, do período militar. Esta considera toda sede municipal cidade, independentemente

de qualquer variável, não importando tamanho, localização ou qualquer outro critério que

considere sua especificidade. Por outro lado, o IBGE classifica como urbano a cidade. Esta

normativa se difere de todos os demais critérios utilizados em outros países, que consideram o

número de habitantes, densidade demográfica, por exemplo.

Desta forma, em cada região do país se apresenta uma tipologia de cidade, com

tamanho variado e modo de vida específico. Na Amazônia, esta normativa aponta a

necessidade de uma nova abordagem metodológica que dê conta da realidade empírica

presente nas cidades amazônicas.

Considerando a singularidade da Amazônia, como única em suas características, não

existindo em nenhum outro lugar do mundo uma região semelhante, esta se destaca pela sua

dinâmica social, cultural e ambiental, sobretudo, no que se refere à interação dos seus

habitantes com os recursos naturais.

Embora esta singularidade seja há décadas mencionada, na prática, não se mostra

reconhecida no que diz respeito ao trato com as especificidades locais. Tais especificidades

possibilitam afirmar que não é possível compreender a Amazônia sem o conhecimento

empírico. Isto porque cada local retrata uma realidade, um modo de vida, expresso no

cotidiano de seus habitantes e ainda ignorado pelas políticas públicas.

O caso específico de Tapauá demonstra o quanto a singularidade do lugar influencia

na dinâmica de vida dos moradores. A diversidade e quantidade dos recursos naturais fazem

com que estes moradores se locomovam dentro do território de acordo com a sazonalidade do

rio. Diante da imensidão territorial, o morador torna-se possuidor do seu trabalho, do trato

com natureza e, assim, pode realizar seus afazares em qualquer lugar no município, não

importando estar na cidade ou no campo.

Estas atividades são realizadas a partir de um tempo que é regido pelo tempo

ecológico, determinando, assim, o horário e local para pescar, plantar e caçar. Utiliza como

espaço para o plantio a terra firme, a várzea e a praia. A pesca pode ser praticada no rio, no

lago e no igapó.

99

A dinâmica ambiental também impõe a restrição ao espaço. Assim, o perímetro urbano

não pode se expandir, devido à existência de uma Terra Indígena no seu limite. Desta forma, o

crescimento de cidade fica restrito até mesmo na perspectiva populacional, devido ao alto

custo imobiliário.

Diante desta restrição, mantendo-se pequena, a cidade se amplia apenas para dentro do

rio, possibilitando a prática das atividades rurais, mantendo assim sua interação com os

recursos naturais, característica que remete a um modo de vida rural.

Portanto, pensar cidade, urbano e rural na Amazônia significa pensar em meio

ambiente e interação social articulada e forjada por ele. Tapauá é a prova empírica disso.

100

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Ricardo (1999). Do setor ao território: funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. São Paulo/Rio de Janeiro: IPEA-PROJETO BRA/97013. 44p.

______. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Rio de Janeiro, IPEA, 2000. ______. Ruralidade e desenvolvimento territorial. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A-3, 15 abr. 2001.

______. Para uma teoria dos estudos territoriais. In: MANZANAL, M.; NEIMAN, G. y LATTUADA, M. Desarrollo rural – Organizaciones, instituciones y territorios. Buenos Aires: Ediciones Ciccus, 2006. p. 51-70. ALVES-MAZZOTTI, A. J. Usos e Abusos dos Estudos de Caso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 129, set./dez. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n129/a0736129.pdf. Acesso em: 12/03/09. BECKER, B. K. Modelos e Cenários para a Amazônia: o Papel da Ciência. Revisão das Políticas de Ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários? Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 12, p.135-159, set. 2001. Disponível em http://ftp.mct.gov.br/CEE/revista/Parcerias12/09bertha.pdf. Acesso em: 14/05/09. BOSCHI, R.; LIMA, M. R. S. O Executivo e a Construção do Estado no Brasil. Rio de Janeiro: UFMG, 2002. BOURDIEU, P. Gostos de classe e estilos de vida. In: Ortiz, R. (org.); BOURDIEU, P. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n.39. São Paulo: Ática, 1983. BRESSER-PEREIRA, L. C. Cultura, Democracia y Reforma del Estado. In: SOSNOWSKI, S. y PATINO, R. Una Cultura para la Democracia en América Latina. México: Fondo de Cultura Económica, 1999. p. 33-38. BRUMES. Karla Rosário. Cidades: (re) definindo seus papéis ao longo da história. Caminhos de Geografia - Revista On Line. 2 ( 3): Jun. 2001.

BURGESS, E. W. O crescimento da cidade: introdução a um projeto de pesquisa. In: PIERSON, D. Estudos de Ecologia Humana. São Paulo: Martins Fontes, 1970. p. 353-368. CANDIOTTO, L. Z. P; CORRÊA, W. K. Ruralidades, urbanidades e a Tecnicização do rural no contexto do debate cidade-campo. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, Uberlândia, v. 3, n. 5, p. 214-242, fev. 2008. CARNEIRO, M. J. Agricultores familiares e pluriatividade: tipologias e políticas. In: COSTA, L. F. de C.; MOREIRA, R. J.; BRUNO, R. (org.) Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 325-344.

101

______. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n.11, p. 53-75, out. 1998. ______. Ruralidade: novas identidades em construção. Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural (SOBER). Natal (RN), ago., p. 147-185, 1997.

______. Pluriatividade no Campo: o caso francês. RBCS/Anpocs, Caxambú, n. 32, ano 11, out. 1996. CASTELLS, M. A questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CASTRO, E. R. M; HÉBETTE, J. (org.). Na trilha dos grandes projetos. Modernização e conflitos na Amazônia. Cadernos NAEA, n. 10. Belém: UFPA/NAEA, 1989. CASTRO, E. R.M. Dinâmica socioeconômica e desmatamento na Amazônia. Novos Cadernos NAEA v. 8, n. 2, p. 5-39, dez. 2005. COSTA, F. de A. Grande Capital e Agricultura na Amazônia: a experiência da Ford no Tapajós. Belém: UFPA, 1993. CUNHA, Euclides da. Rio abandonado: o Purus. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, 1905.

DURKHEIM, Èmile 1965. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos.

ECHEVERRI, R.; RIBERO, M. P. Ruralidade, Territorialidade e Desenvolvimento Sustentável: visão do território na América Latina e no Caribe. Brasília: IICA, 2005. FERREIRA, Edilaine Custódio. Raízes do Brasil: uma interlocução entre Simmel, Weber e Sérgio Buarque de Holanda. Revista Urutágua (Online), v. n 5, p. 05, 2004. FREITAS, R. F. Simmel e a cidade moderna: uma contribuição aos estudos da comunicação e do consumo. Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, vol. 4, n.10, p.41-53, jul. 2007. FRIEDLAND, W. “Agriculture and rurality: beginning the ‘final separation’?” Rural Sociology. 67(3), 2002, p. 350-371. GABRIEL SANT ANNA, M. J. A concepção de cidade em diferentes matrizes teóricas das Ciências Sociais. Revista Rio de Janeiro, n. 9, p. 91-99, jan./abr. 2003.

GRAZIANO DA SILVA, J. e DEL GROSSI, M.E. A evolução do emprego rural não-agrícola no meio rural brasileiro. Seminário Internacional Campo-Cidade. PARANÁ/PNUD. Curitiba- PR. 1998. ______. O novo rural brasileiro. In: SHIKI, D.; GRAZIANO DA SILVA, J.; ORTEGA, A . C., (Ed.) Agricultura, meio ambiente e sustentabilidade do cerrado brasileiro. Uberlândia, MG:UFUb, 1997, p.75-100. GRAZIANO DA SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas, UNICAMP, IE, 1996. ______. Velhos e novos mitos do rural brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 1, n. 43, p.43-50, 2001.

102

HEBETTE, J. A velha questão da terra na Amazônia: a estrutura fundiária amazônica da colonização até hoje. In: HEBETTE, J. Cruzando a fronteira: trinta anos de estudo do campesinato na Amazônia. vol.2. Belém: EDUFPA, 2004. HENNESSY, A. The frontier in Latin American history. London: Edward Arnold, 1978. HUGUENIN, F. P. S. O desencaixe moderno: o “tempo ecológico” de populações tradicionais. Vértices, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1/3, 2005. IANNI, O. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1978. ______. O ABC da classe operária. São Paulo: Hucitec, 1980. KAYSER, B. La renaissance rurale. Sociologie des campagnes du monde occidental. Paris: Armand Colin, 1990. LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1996. LAZARIN, M. A. A descida do rio Purus (uma experiência de contato interétnico). Dissertação de Mestrado pela Universidade de Brasília. Brasília, 1981. LEDRUT, R. L' espace en question. Paris: Anthropos, 1976. LEFEBVRE, H. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo: Galimard, 1968. ______. O pensamento marxista e a cidade. Lisboa: Ulisseia, 1972. ______. Re-produção das relações de produção. Porto: Scorpião, 1973. ______. O Direito à Cidade. Trad. Rubens Eduardo de Farias. São Paulo: Moraes Ltda, 1991. ______. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2002. LIMA, D.M. & ALENCAR, E.F. A Lembrança da História: identidade, ambiente e memória social na várzea do médio Solimões, AM. Edition Lusotopie, Paris, France, 2001. LIMONAD, E. Reflexões sobre o espaço, o urbano e a urbanização. GEOgraphia, ano I, n. 1, 1999. ______. A cidade na pós-modernidade - entre a ficção e a realidade. GEOgraphia, ano II, n. 3, 2000. LIMONAD, E.; RANDOLPH, R. Cidade e Lugar: sua representação e apropriação ideológica. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Salvador, v. 1, n° 5, p. 11-24, 2001.

103

LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A. Processo orçamentário e comportamento Legislativo: emendas individuais, apoio ao Executivo e programas de governo. Dados [online]. 2005, vol.48, n.4, p. 737-776. ISSN 0011-5258. LOJKINE, J. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1983. LOUREIRO, J.J.P. Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Belém: CEJUP, 1995. MAGNANI, J.G.C. De perto e de dentro: nota para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Volume 1. Livro Primeiro. O processo de produção do capital. Tomo 2. Tradução Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Abril Cultural, 1984.

MARX, Karl; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Portugal: Presença, 1974. MARQUES, J; SOUZA, C. Cluster como instrumento estratégico de regeneração urbana sustentável. Cad. de Pós-Graduação em Arquit. e Urb. São Paulo, v.4, n.1, p. 59-72, 2004. MINAYO, M. C. de S. Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. MEDEIROS, Rodrigo. A Proteção da natureza – das estratégias internacionais e nacionais às demandas locais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. PPG. 391p. Tese (Doutorado em Geografia), UFRJ, Rio de Janeiro, 2003.

MICHILES, Aurélio. O quintal da minha casa. Estud. av. [online]. 2005, vol.19, n.53, pp. 275-293. ISSN 0103-4014.

MONTE-MÓR, R. L. (2003). Urbanização Extensiva e Novas Fronteiras Urbanas no Brasil. In E. Rassi Neto & C. M. Bógus (Eds.), Saúde nos Grandes Aglomerados Urbanos: uma visão integrada (Vol. 3, pp. 79-95). Brasília, DF: Organização Mundial de Saúde (OMS): Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS); Ministério da Saúde, Brasil.

MUNFORD, L. A cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. 4. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998. PALEN, J. J. O Mundo Urbano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1975. PARK, R. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. Trad. Antonio Carlos Pinto Peixoto. In: VELHO, O. O Fenômeno Urbano. Guanabara: Rio de Janeiro, 1987. PEZZUTI, J. Tabus alimentares. In. BEGOSSI, A. Ecologia de pescadores da Amazônia e da Mata Atlântica. São Paulo, Hucitec, 2000, p. 167-86. QUIJANO, A. A questão urbana na América Latina. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978.

104

RAVENA, N. Trajetórias virtuosas na regulação da Água no Brasil: os pressupostos inovadores do código das águas, Paper do NAEA 220, Dezembro de 2008. REGNIER, J.C; FALCÃO, J. da R. Sobre os métodos quantitativos na pesquisa em ciências humanas: riscos e benefícios para o pesquisador. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 81, n. 198, p. 229-243, 2002. RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL. UNFPA, 2008. RUA, J. Urbanidades no Rural: o devir de novas territorialidades. CAMPO-TERRITÓRIO: Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 1, n. 1, p.82-106, fev. 2006. SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos avanços e impasses na criação de regimes legais de proteção. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n.29, 2003. SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. As diferenciações no território. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2004. SCHNEIDER, S. BLUME, R. Ensaio para uma abordagem territorial da ruralidade: em busca de uma metodologia. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 107, p. 109-135, jul./dez. 2004a. ______. Ruralidade e Dinâmicas Regionais de Desenvolvimento: a relação rural/urbano no Rio Grande do Sul. In: II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional - Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul, 2004b. SCHNEIDER, S. Ciências Sociais, ruralidade e territórios: em busca de novas referencias para pensar o desenvolvimento. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, Uberlândia, v. 4. N.7, p. 24-62, fev. 2009. ______. A Pluriatividade na Agricultura Familiar. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2003. SCHOR, T.; COSTA, D. P. Rede urbana na Amazônia dos grandes rios: uma tipologia para as cidades na calha do rio Solimões-Amazonas - AM. In: X SIMPURB, 2007, Florianópolis. Trajetórias da geografia urbana no Brasil: tradições e perspectivas, 2007.

SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, O. G. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. SOLARI, A. B. O Objeto da Sociologia Rural. In: SZMRECSANYI, T.; QUEDA, O. (orgs.) Vida Rural e Mudança Social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. YIN, R. K. Estudo de caso: Planejamento e Método. São Paulo: Bookman, 2005. YIN, R. K. Case study research, design and methods. London: Sage Publications, 1984. VEIGA. J. E. Cidades Imaginárias. O Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Autores Associados, 2002.

105

______. A atualidade da contradição urbano-rural. In: VEIGA, J.E. Análise Territorial da Bahia Rural. Série de estudos avançados, n. 71, Salvador: SEI, 2004. ______. Nascimento de outra ruralidade. Estudos Avançados, São Paulo: USP/IEA, v. 20, n. 57, p. 333-353, 2006. VELHO, G. Estilo de vida urbano e modernidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n.16, p. 227-234, 1995. VILLA, M. A. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX. São Paulo: Ática, 2000. WANDERLEY, M. de N. B. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas - o “rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos Sociedades e Agricultura, Recife, n. 15, p. 87-146, out. 2000. ______. A ruralidade no Brasil Moderno: por um pacto social pelo desenvolvimento rural. In: GIARRACA, N. (Comp.) Uma nueva ruralidad em América Latina? Buenos Aires: CLACSO, ASDI, 2001. p. 31-44. ______. Urbanização e ruralidade: relações entre a pequena cidade e o mundo rural: estudo preliminar sobre os pequenos municípios em Pernambuco. In: LOPES, E. S.A.; ET AL. Ensaios: desenvolvimento rural e transformações na agricultura. Embrapa Tabuleiros Costeiros. Sergipe: UFSE, 2002. ______. Olhares sobre o “rural” brasileiro. Recife, Universidade Federal de Pernambuco, out. 1999.

______. O lugar do rural. Texto preparado para o ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 22, 1998.

WEBER, Max. Classe, status, partido. In: VELHO, Otávio Guilherme C. A.; PALMEIRA, Moacir G.S.; BERTELLI,Antonio R. Estrutura de classes e estratificação social. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar,1974.

WEBER, Max. Conceito e Categorias de Cidade. Trad. Sérgio Magalhães Santeiro. In: VELHO, O. O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1967. WIRTH, Louis. O Urbanismo como modo de vida. Trad. Marina Corrêa Treuherz. In: VELHO, O. O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. WIRTH Louis. Le phénomène urbain comme mode de vie. In: GRAFEMEYER, Yves; JOSEPH, Isac. L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine. Paris: Aubier, 1984.

106

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO

Nome:_______________________________________Localidade_____________________________ Sexo__________________Idade__________________Religião_______________________________ Estado civil_____________________Nº de integrantes no domicílio___________________________ Onde nasceu?__________________________ Por onde já morou? ____________________________ __________________________________________________________________________________

1. E demais moradores desta casa

Estado Civil N Parentesco/Nome Sexo Idade Naturalidade sol cas amig viu div Outro

\obs 1 ( ) M F ( ) 2 ( ) M F ( )

3 ( ) M F ( ) 4 ( ) M F ( ) 5 ( ) M F ( ) 6 ( ) M F ( ) 7 ( ) M F ( ) 8 ( ) M F ( ) 9 ( ) M F ( ) 10 ( ) M F ( ) 11 ( ) M F ( ) 12 ( ) M F ( )

Códigos de preenchimento para graus de parentesco: 1 Cônjuge 2 Filho(a) 3 irmão(a) 4 Mãe/pai 5 Neto(a) 6 Nora/genro 7 Tio(a) 8 Primo(a) 9 Sobrinho(a) 10 Agregado 11 Outros parentes 12 Empregado(a)

2. Estudou? ( )sim ( )não

( )estuda/qual série?_______________________________

107

3. Perfil escolar da família residente

Recebe Bolsa Família? ( ) não ( ) sim Qual o valor?

R$ ______________________________________

4. É empregado? ( ) formal ( )informal

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Renda individual _______________________ Renda familiar ______________________________

5. Perfil do(s) trabalhadores(es) residente(s)

Trabalhadores Inativo Transporte Locali dade

Renda Nº

FPfe FPes FPmu PRc/car PRs/car Ribeirinho Ap/Pen

Dep Pé Rab

Rab/Publ

Can

Pesca

Roça

Extração

Não estudantes Estudantes Localidade

Transporte

CFIE

1º Gr m

1º Gr M

2º Gr

3º Gr

Pré

1º Gr

2º Gr

3º Gr

Curso Téc

S/I Alfa

C I

C I

C I

C I

C I

C I

C I

C I

Pé Rab Co le tivo

Can out

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

108

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

6. Que atividade o senhor desenvolve para o seu sustento? (ME)

Pesca roça extrai seringa tira madeira coleta castanha.

outra_____________________________Por quê?__________________________________________

7. Você tem criação? ( )sim ________________ ( )não _______________________________ 8. Você tem plantação? ( )sim ______________ ( )não _______________________________ 9. Você poderia descrever sua rotina? Manhã ____________________________________________________________________________

Tarde _____________________________________________________________________________

10. A que horas você costuma ir dormir (deitar-se)____________________acorda_____________

11. O que costuma fazer aos finais de semana?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

12. Você tem terrenos/sítio/fazenda no interior? ( )sim ( )não

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

13. Costuma ir ao interior? Se sim, com que frequência?

109

toda semana todo mês 1 a 2 vezes no ano passa mais de ano

nunca fui(pular para 6) fui uma única vez outra_______________

14. Qual é o motivo da sua ida ao interior?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

15. Você pretende mudar para o interior? sim não

Por quê?___________________________________________________________________________

16. Você tem familiares que moram no interior?

( ) não ( ) sim/quem (grau de parentesco)____________________________________________

17. Eles vêm pra cá? Com que frequência?

toda semana todo mês 1 a 2 vezes no ano passa mais de ano

nunca vem (pular para 18) fui uma única vez outra_______________

18. O que você mais gosta no interior?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

19. E o que menos gosta?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

20. Qual a principal razão de você morar aqui?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

21. Se o senhor pudesse imaginar uma cidade ideal para o senhor viver, como seria? O que ela precisaria ter?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

110

22. Dados da saúde na moradia atual nos últimos 12 meses.

Atendimento Faixa etária Principais Ocorrências

Serv. Saúde

Partic. Farmácia Religioso Caseiro Não tratou

0 a 1

2 a 10

11 a 20

21 a 40

41 a 60

+ 60

Total

01.Diarréia 02.Coceira 03.Hepatite 04. Resfr/Gripe 07. Sarampo 08. Catapora 09. Malária 10.Verminose 11.Dengue 12.Outras Total

23. Situação do imóvel

( ) alugado ( )próprio ( )cedido ( )outro ____________________________________

( ) madeira ( )alvenaria ( )mista ( )outro ____________________________________

( ) terra firme ( )várzea ( )flutuante

Data :___________/___________/___________

Observações:

111

ANEXO 01