alves-mazzotti&gewandsznajder-o método nas ciências naturais e sociais-cap.5-parte i

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Alda Judith Alves-Mazzotti Fernando Gewandsznajder Método nas Ciêneias aturaise Soeiais: esquisa quantitativa e qualitativa EDITORA PIONEIRA São Paulo

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  • Alda Judith Alves-MazzottiFernando Gewandsznajder

    Mtodo nas Cineiasaturais e Soeiais:

    esquisa quantitativae qualitativa

    EDITORA PIONEIRASo Paulo

  • lo qu~r dizer que "vale tudo". As j'i, i I,', o 'ini. l"lm d nvlvldufte vanedade mo?elos prprios de i.nv li T, fi proposto crit riu,1f:.' tanto para onen.tar o desenvolVImento d p squisa, como "'Ugor de s~~s.pro:edImentos e a confiabilidade de suas conclu - . ( I

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  • traduo

    Falar sobre cincia e conhecimento cientfico atualmente constitui urnaefa difcil. Novos paradigmas, gerados tanto no mbito da prpria cincia

    --mo em outras reas do conhecimento, vm questionando pressupostos erocedimentos que at ento orientavam a atividade cientfica e conferiam

    - edibilidade aos seus resultados. A viso de urna cincia objetiva, neutra,a-histrica, capaz de formular leis gerais sobre o funcionamento da natureza,.eis estas cujo valor de verdade seria garantido pela aplicao criteriosa do1lltodoj no se sustenta. Hoje, a maioria dos cientistas admite que o conheci-mento nunca inteiramente objetivo, que os valores do cientista podem inter-ferir no seu trabalho, que os conhecimentos gerados pela cincia no soinfalveis e que mesmo os critrios para distinguir o que e o que no cinciavariam ao longo da histria.

    Se estas questes tm sido levantadas com relao s cincias fsicas, oproblema se torna ainda mais complexo quando se trata das cincias sociais,pois quelas questes se adicionam outras. Basicamente, a discusso gira emtorno das possibilidades e vantagens de se usar o modelo das cincias naturaispara o estudo dos fenmenos humanos e sociais. Alguns autores defendem autilizao desse modelo, e mais do que isso, consideram que s neste caso ascincias sociais podem ser propriamente ser chamadas de "cincias". Entretan-to, embora esse modelo tenha prevalecido por vrias dcadas, muitos pesqui-sadores sociais vm questionando sua eficcia para estudar o comportamentohumano, alegando que este deixa de lado justamente aquilo que caracteriza asaes humanas: as intenes, significados e finalidades que lhe so inerentes.

    Considerando que, mesmo entre as cincias naturais no h uma maneiranica de se produzir conhecimento e que as tentativas de demarcao clara doque ou no cincia tm sido pouco frutferas, optamos por discutir as possibi-lidades de se construir conhecimentos confiveis sobre os fenmenos sociais. Ouso do plural no termo "possibilidades" deixa implcita a posio aqui adotada,segundo a qual no h um modelo nico para se construir conhecimentosconfiveis, assim como no h modelos "bons" ou "maus" em si mesmos, e simmodelos adequados ou inadequados ao que se pretende investigar.

  • Isto no quer dizer que "vale tudo", As cincias sociais tm desenvoh"iurna grande variedade modelos prprios de investigao e proposto critr:que servem, tanto para orientar o desenvolvimento da pesquisa, corno p..avaliar o rigor de seus procedimentos e a confiabilidade de suas conc1use -fato de que esses critrios so decorrentes de um acordo entre pesquisadore_ -urna rea determinada, em um dado momento histrico, no compromete_relevncia. Ao contrrio, eles representam urna importante salvaguarda cor.o que poderamos chamar de "narcisismo investigativo", que julga poder p:-cindir de evidncias e de argumentao slida, baseando-se apenas na afir::".-o de que" eu vejo assim",

  • TULO 5

    Cincias Sociais so Cincias?

    H algumas dcadas, os livros que tratavam de metodologia da pesquisa~l cincias sociais costumavam trazer, em suas pginas iniciais, alguma discus-~o sobre cincia e mtodo cientfico. Tais discusses procuravam caracterizarconhecimento cientfico distinguindo-o de outros tipos de conhecimento e

    :essaltando sua superioridade sobre os demais. Essa posio tomava por base:.:.m conceito de cincia calcado no empirismo lgico - ou no positivismo, como:ostuma ser genericamente chamado - e refletia a crena na existncia de. onteiras ntidas entre o conhecimento cientfico e outros que no poderiammerecer esse status, fossem estes resultantes de prticas cotidianas ou de inves-.gaes que, embora se pretendendo cientficas, no preenchiam as condiesexigidas.

    O empirismo lgico prescrevia que todos os enunciados e conceitos refe-rentes a um dado fenmeno deveriam ser traduzidos em termos observveis(objetivos) e testados empiricamente para verificar se eram falsos ou verdadei-ros. A observao estava, ao mesmo tempo, na origem e na verificao daveracidade do conhecimento, utilizando-se a lgica e a matemtica como uminstrumental a priori que estabelecia as regras da linguagem. Assim, a atividadecientfica ia construindo indutivamente1 as teorias, isto , transformando pro-gressivamente as hipteses, depois de exaustivamente verificadas e confirma-das pela observao, em leis gerais e as organizando em teorias, as quais sepropunham a explicar, prever e controlar um conjunto ainda mais amplo defenmenos. O progresso da cincia seria cumulativo, isto , com o desenvolvi-

    1. A induo o processo pelo qual, a partir de um certo nmero de observaes, sefaz uma generalizao sob a forma de uma lei ou regra geral.

  • mento das investigaes, iriam sendo formuladas teorias cada vez mais a -gentes, dotadas de maior poder explicativo e preditivo.

    Esse mtodo, supostamente, deveria ser seguido por todos os ram ~conhecimento que quisessem aspirar o status de cincia. Assim, para q '-cincias sociais pudessem aspirar a credibilidade a1canadapelas cincias .rais, deveriam buscar a objetividade, neutralidade e racionalidade atribuda=mtodo dessas cincias.

    Os princpios do positivismo foram posteriormente questionados po::'rios cientistas e filsofos da cincia. O Captulo 2 discute amplamente ~-questionamentos, razo pela qual eles no sero detalhados aqui. Destacarapenas alguns pontos daquela discusso, para analisar suas repercussesdebates travados no mbito especfico das cincias sociais. Aessas repercuss necessrio acrescentar, no caso das cincias sociais, a crtica da "ci'-tradicional", formulada pela chamada Escola de Frankfurt, pelo profundpacto que teve na pesquisa, especialmente nos pases da Amrica Latina -quanto os questionamentos da "Nova Filosofia da Cincia" se centram -=aspectos epistemolgicos, os da Escola de Frankfurt privilegiam os asp -ideolgicos envolvidos naquela perspectiva de cincia.

    Os questionamentos levantados pela filosofia da cincia contemporr.-principalmente por Popper, Kuhn, Lakatos e Feyerabend - atingem diretarr.os pilares do positivismo: a objetividade da observao e a legitimidadeinduo.

    No que se refere observao, vimos no Captulo 2 que a possibilidaduma "observao pura", tal como pretendiam os positivistas, amplamerejeitada: a observao est sempre impregnada de teoria. Isto quer dizer qao realizar o teste emprico de uma teoria, esta prpria teoria influencia o /I fatoa ser observado, na medida em que impe o recorte, definindo as categoria=relevantes e selecionando os aspectos e relaes a serem observados. Mas ns a teoria que est sendo testada impregna a observao, tambm os instru-mentos utilizados nesse processo supem teorias: o microscpio utiliza as'lesda refrao, o termmetro as leis da dilatao. No caso das cincias sociais,~esmo aco~tece com os instrumentos que utilizamos. Por exemplo, o uso ;dIfere~t~s tIpos de escala - categrica, ordinal, intervalar ou de razo - impli ;:SUp~sIoes~obre a .n.atureza da caracterstica (ou varivel) que est send:medIda. MaIs especIfIcamente, se usamos uma escala intervalar estamos s _pondo que os intervalos ~ntre pontos consecutivos da escala ;o iguais; _usamos uma escala de razao, estamos supondo, alm de intervalos iguais quea caracterstica medida pode apresentar um ponto zero absoluto, isto , ~odeestar totalmente ausente. Agrande maioria das variveis utilizadas nas cincia.=

  • 'ai alm do nvel ordinal, embora freqentemente a elas se imponha- -ente um nvel intervalar. Mesmo nos testes altamente padronizados,

    tes de QI, no se pode dizer que a diferena entre os QIs 50 e 75 ae entre 125 e 150, do mesmo modo que no se pode dizer que uma

    - -= e tem QI 180 tem o dobro da inteligncia de outra que tem QI 90. O- orre com a maioria dos constructos usados nas cincias sociais.- ois tipos de impregnao da observao pela teoria - pela prpriae est sendo testada e por aquela em que se baseiam os instrumentos5 - questionam o papel da observao como base segura para a cons-o conhecimento.anto induo, a validade da generalizao feita a partir da observaoerto nmero de casos, mesmo que estes sejam muitos, j havia sidono sculo XVIIIpor Hume, filsofo empirista ingls. Modernamente,

    - - maiores crticos da induo como processo de construo do conheci-- foi Popper (lembremos o j clssico exemplo, citado no Captulo 2, defato de que todos os cisnes observados at agora so brancos no mee que o prximo seja branco). Se,para esse autor, a partir de observaesgica indutiva no se pode verificar a veracidade de um enunciado, isto

    -2 ser feito por meio de tentativas de refutao da hiptese e da lgica":' tiva (a observao de um nico cisne negro pode logicamente refutar a

    _ - alizao de que todos os cisnes so brancos). A validade da induo _. tionada por Popper, no apenas em relao a generalizaes superficiais,-- sobretudo quando esta utilizada para a elaborao de teorias, uma vez_ e, a partir de um certo nmero de observaes, diferentes teorias compatveis:.-fi esses dados podem ser elaboradas.

    Poderamos pensar: "Bem, no importa que vrias teorias possam explicar- mesmos dados, sempre podemos avali-Ias e decidir qual delas apresenta a

    _ elhor explicao". Tal possibilidade, porm, negada por Kuhn (1970) com:.un argumento que ficou conhecido como a "tese da incomensurabilidade".:::ssatese sustenta que, frente a duas ou mais teorias rivais, impossvel justifi--ar racionalmente a preferncia por uma delas. Isto porque, quando um para-digma substitudo por outro, ocorrem mudanas radicais na maneira deinterpretar os fenmenos, nos critrios para selecionar os problemas relevantes,nos procedimentos e tcnicas para resolv-Ios e nos critrios de avaliao deteorias. Alm disso, os conceitos e enunciados de um paradigma no sotraduzveis para outro, pois uma mesma palavra pode corresponder a signifi-cados diferentes em diferentes teorias ou paradigmas (nas cincias sociais, oconceito de ideologia um bom exemplo disso). Kuhn tambm defende a teseda impregnao dos dados pela teoria, afirmando que os dados e procedimen-tos usados para testar uma teoria pressupem a teoria em questo. Partindodessas premissas, Kuhn sugere que a aceitao de uma teoria no determinadaapenas por critrios lgicos ou por evidncias experimentais e sim pela capaci-dade de persuaso de seus proponentes.

  • As idias de Kuhn (1970)causaram profundo impacto nos meios cientfi-cos e filosficos, pois atingiam no apenas o positivismo, mas tambm o racio-nalismo crtico ou falsificacionismo proposto por Popper como alternativaquele paradigma. A tese da incomensurabilidade, juntamente com a da im-pregnao dos fatos pelas teorias, qual est intimamente relacionada, consti-tuiu um poderoso argumento a favor do relativismo. Embora Kuhn tenharecusado a classificao de relativista - tendo procurado amenizar suas posi-es mais radicais em escritos posteriores - muitos autores consideram quemesmo essas revises no so convincentes para superar o impasse em que eleprprio se colocou. Mas, por mais que se tenha questionado o radicalismo dasposies de Kuhn, uma coisa certa: como observou Masterman (1979), "noseremos capazes de voltar para onde estvamos antes de Kuhn" (p. 107).

    No intenso debate provocado pelas idias de Kuhn, trs posies podemser identificadas. Muitos filsofos, como Popper, argumentaram contra suasteses relativistas, defendendo a possibilidade de utilizao de critrios objetivosna avaliao de teorias. Outros, como Lakatos (1970, 1978), admitem que sempre possvel evitar a refutao de uma teoria introduzindo modificaoes nashipteses auxiliares, mas tambm acreditam que possvel utilizar critriosobjetivos para a avaliao das teorias, com base em seu poder heurstico, isto ,em sua capacidade de prever fatos novos. Finalmente, outros - como Feyera-bend e a chamada Escola de Edimburgo (Barnes, BIoor,Latour e Woolgar estoentre osmais conhecidos) levam as teses relativistas s suas ltimas conseqn-cias. Feyerabend (1978,1988)prope o "anarquismo epistemolgico", um rela-tivismo radical que, partindo da afirmao da impossibilidade de se decidirracionalmente entre teorias rivais, defende a proliferao de teorias e mtodoscomo forma de ampliar os horizontes do conhecimento. Mais ainda, afirma queno h meios objetivos que nos autorizem a defender a superioridade doconhecimento cientfico sobre qualquer outro, nem mesmo sobre a bruxaria. Emoutras palavras, "vale-tudo".

    A posio da Escola de Edimburgo, mais conhecida como Sociologia doConhecimento, tambm irracionalista e relativista. Seus defensores assumemas teses da incomensurabilidade e da impregnao dos fatos pela teoria eafirmam que o que chamamos de conhecimento cientfico , na verdade, umaconstruo social (BIoor,1976;Latour, 1987;Latour &Woolgar, 1986).Para eles,a aceitao de uma teoria seria determinada pelo status do cientista ou grupoque a prope, pelo prestgio da revista que a publica, pelos interesses em jogona comunidade cientfica, pelas lutas de poder, entre outros fatores histricos,culturais, sociais e pessoais.

    As posies relativistas radicais tm sido severamente questionadas pordiversos autores. Kincaid (1996),por exemplo, direciona suas crticas para asprincipais teses do relativismo - a incomensurabilidade de significados e pa-dres em diferentes teorias e a impregnao dos fatos pela teoria. Lembrainicialmente que, segundo a tese da incomensurabilidade, o significado dos

  • :ermos em uma teoria determinado pelo seu papel naquela teoria, por suas:elaes com outros termos que dela fazem parte e, conseqentemente, noode haver traduo de uma teoria para outra. Kincaid argumenta que essa tese

    ~na formulao inicial de Kuhn) ignora o fato de que a dependncia do signifi-ado no uma questo de tudo ou nada e que o fato de ter um mesmo referenteode ser suficiente para a traduo. Newton eEinstein podem ter usado o termo

    "massa" com diferentes sentidos, mas isso no impediu uma traduo plaus-vel. Kincaid critica, ainda, o argumento de que diferentes paradigmas adotamdiferentes padres para avaliar as teorias, o que no permitiria que a escolhaentre elas fosse feita em bases racionais. Afirma que mudanas radicais, comoas que Kuhn descreve, ocorrem na "longa durao", isto , quando h um longointervalo de tempo entre os dois paradigmas considerados (como por exemplo,entre a fsica aristotlica e a newtoniana), mas, nesse intervalo, muitas mudan-as parciais vo ocorrendo na prtica, como demonstram inmeras evidnciasna histria da cincia.

    Quanto impregnao dos dados pela teoria, Kincaid lembra que, deacordo com essa tese, os dados e procedimentos usados para testar uma teoriapressupem a teoria em questo e, conseqentemente, teorias rivais determina-ro diferentes dados, tornando impossvel uma avaliao racional para decidirentre elas. Embora admitindo que diferentes teorias colocam diferentes ques-tes/ esse autor no concorda que isto resulte na impossibilidade de se avaliarteorias rivais, pois elas freqentemente partilham uma gama de questes sufi-cientemente ampla para permitir decises.

    Kincaid tambm critica os adeptos da Sociologia do Conhecimento -tambm chamados construtivistas sociais - como BIoor e Latour, segundo osquais a construo da cincia um processo social de negociao no qual osatores procuram construir redes de influncia cada vez maiores. O recurso aevidncias e racionalidade seriam apenas estratgias para defender essa rede.Kincaid afirma que no h dvida que a cincia um processo social e que ascrenas da cincia tm origens sociais, mas isto no quer dizer que esta nopossa se basear em evidncias, racionalidade e mtodo. Tambm admite quedinheiro e prestgio motivam os cientistas. Mas, se a comunidade cientficarecompensa a procura de evidncias e a elaborao de boas teorias, ento estascontinuam a orientar a prtica cientfica. Argumenta, finalmente que, se oconstrutivismo social , como seus adeptos geralmente consideram, uma ativi-dade cientfica, suas afirmaes tambm no passam de construes sociais e,portanto, segundo sua prpria lgica, no temos razo alguma para aceitar suasconcluses. Em outras palavras, a posio da Sociologia do Conhecimento auto-refutadora.

    Concluindo, vale assinalar que as crticas s teses de Kuhn, assim comoaquelas dirigidas Sociologia do Conhecimento, se referem fundamentalmentes suas concluses irracionalistas e no s suas tentativas de compreender osprocessos sociais que perpassam as prticas cientficas. Ao contrrio, esses

  • questionamentos foram de suma importncia para expor tendenciosidades epara julgar a confiabilidade dessas prticas, principalmente no que se refere scincias sociais. E, sem dvida, contriburam para abalar a crena na objetivida-de e racionalidade da cincia.

    As posies da chamada "Escola de Frankfurt" so de especial interessepara as cincias sociais, uma vez que estas ocupam lugar central nas questespor ela levantadas. Ao focalizarmos os aspectos polticos desses questionamen-tos, no estamos desqualificando suas contribuies epistemolgicas, mas ape-nas enfatizando os primeiros, uma vez que estes constituem sua contribuiomais original e de maior impacto sobre a pesquisa.

    A "Escola de Frankfurt" no , na verdade, uma escola no sentido tradicio-nal. O termo designa, ao mesmo tempo, um grupo de intelectuais e uma teoriasocial especfica, de inspirao marxista. Esses intelectuais eram filiados aoInstituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, fundado em 1923.Entretanto, so-mente em 1930,com a nomeao de Max Horkheimer para a direo do Institu-to e a constituio da equipe que inclua, alm do prprio Horkheimer,filsofo Herbert Marcuse, o socilogo Theodor Adorno e o psiclogo EriFroffiffi, que comearam a se estruturar as bases do que mais tarde seri-chamado de "Escola de Frankfurt". Para Slater (1978),um dos mais conceitu -dos especialistas na obra da Escola de Frankfurt, foi entre 1930e o comeo -dcada de 40, quando a equipe se desfez, que aquela "escola" produziu s -contribuio mais original para uma "teoria crtica da sociedade".

    Para os frankfurtianos, o valor de uma teoria depende de sua relao co::-a prxis. Isto significa que, para ser relevante, uma teoria social tem de erelacionada s questes nas quais, num dado momento histrico, as for. - .sociais mais progressistas estejam engajadas. O caos econmico que se aba~sobre a Alemanha aps a l.a Guerra Mundial, levando ao desempregopauperizao extrema da classe operria alem, e a posterior manipula. ~dessa classe pelo fascismo eram, no momento em que surge a Escola de Fr'- -furt, as questes em que se envolviam "as foras sociais mais progressiCoerentemente, estas questes representaram o ponto de partida das refle -dos intelectuais que integravam essa" escola". (Para uma anlise detalha - -base histrica do pensamento da Escola de Frankfurt, ver Slater, 1978.)

    Horkheimer quem delineia os pontos fundamentais da teoria crti -. -=-um artigo intitulado "Teoria tradicional e teoria crtica" (1983),publicado:primeira vez em 1937, apresenta os princpios bsicos da teoria crtioposio ao que chama de teoria tradicional, da qual o positivismoexpresso mais acabada. Horkheimer expe a o conflito entre o positi\";a viso dialtica, denunciando o carter conservador do primeiro e enfa '-~

  • tureza emancipatria da ltima. Segundo esse autor, a teoria tradicional- - ta uma concepo de cincia cujas origens remontam ao "Discurso sobre o- - odo" de Descartes, que aponta, como ideal da cincia, a formulao de um- ema dedutivo, no qual todas as proposies referentes a um determinado

    -" po seriam relacionadas de tal modo que poderiam ser deduzidas de uns~ liCOS princpios gerais. A exigncia fundamental dos sistemas tericos assim~ nstrudos seria a de que todos os elementos fossem ligados entre si de modo

    _ .:' eto e livre de contradies. A lgica do pensamento cartesiano suporia,. ,,: da, a "invariabilidade social da relao sujeito-teoria-objeto", o que a distin-_ e "de qualquer tipo de lgica dialtica" (Horkheimer, 1983,p. 133.)

    Ao seguir esse modelo, a cincia tradicional teria se tornado abstrata eastada da realidade, no se ocupando da gnese social dos problemas nemas situaes concretas nas quais os conhecimentos da cincia so aplicados.

    Essa alienao se expressaria tambm na separao ilusria entre cincia e valore entre o saber e o agir do cientista, o que o preserva de assumir as contradies.O pensamento crtico, ao contrrio, procura a superao das dicotomias entreaber e agir, sujeito e objeto, e cincia e sociedade, enfatizando os de terminantesscio-histricos da produo do conhecimento cientfico e o papel da cincia nadiviso social do trabalho. O sujeito do conhecimento um sujeito histrico quese encontra inserido em um processo igualmente histrico que o influencia. Oterico crtico assume essa condio e procura intervir no processo histricovisando a emancipao do homem atravs de uma ordem social mais justa.

    Os questionamentos da Escola de Frankfurt s iriam ter um impactosignificativo nos mtodos utilizados pelas cincias sociais cerca de duas dca-das mais tarde, quando o positivismo j havia entrado em decadncia. Em 1961,uma discusso entre Popper e Adorno sobre a lgica das cincias sociais,promovida na Universidade de Tbingen pela Associao Sociolgica Germ-nica, reacende o interesse pelas idias dos frankfurtianos. Popper abriu o debateexpondo 27 teses formuladas em termos objetivos, seguindo-se a rplica deAdorno. Segundo Popper (1978), o debate foi bastante decepcionante, noapenas para ele, mas para outros participantes, uma vez que, ao contrrio doesperado confronto de idias, a impresso que ficou foi de "um suave acordo"(p. 36), uma vez que no houve propriamente um questionamento das tesesapresentadas e sim um discurso paralelo.

    Nesse discurso, Adorno, alm de retomar muitas das questes anterior-mente discutidas por Horkheimer, exps as idias que mais tarde seriam apro-fundadas em seu trabalho "Dialtica negativa": um esforo permanente paraevitar falsas snteses, rejeio de toda viso sistmica, totalizante da sociedade.Adorno (1983)critica o que chama de "obsesso metodolgica" do positivismo,afirmando que essa posio, por "seu carter instrumental, quer dizer, suaorientao em direo ao primado de mtodos disponveis, em vez de coisa eseu interesse, inibe consideraes que afetam tanto o procedimento cientficocomo o seu objeto" (p. 219).

  • Questiona, ainda, a extenso do mtodo das cincias naturais s cinciassociais, especificamente quanto necessidade de decompor problemas comple-xos em aspectos singulares para adequ-Ios ao teste emprico. Para ele, osproblemas, assim "arrumados", se convertem em problemas aparentes, umavez que as relaes entre eles desaparecem, em decorrncia da "decomposiocartesiana em problemas singulares" (p. 239).

    O debate entre positivistas e tericos crticos tem continuidade estenden-do-se a outros autores, entre os quais Habermas (representando a teoria crtica).A repercusso desse debate foi extremamente significativa, tendo as contribui-es dos diversos debatedores sido, posteriormente, publicadas em livro (Thepositivist dispute in German sociology, 1976).

    Habermas analisaria a oposio entre o positivismo e a teoria crtica emvrios outros trabalhos, retomando pontos discutidos por Horkheimer e Ador-no e acrescentando outros. No nosso propsito aqui analisar as contribuiesdos diferentes defensores da teoria crtica, nem tampouco os questionamentosfeitos a essa teoria por autores filiados a outras correntes. Nosso objetivo foiidentificar os pontos bsicos da crtica ao positivismo apresentada pelos frank-furtianos, e as alternativas por eles propostas, de modo a que possamos melhorcomprender suas repercusses na chamada" crise dos paradigmas", bem comoem seus desdobramentos no panorama atual da pesquisa em cincias sociais.

    Lanando mo de uma "licena didtica", procuramos apresentar no Qua-dro I as principais oposies entre os dois paradigmas.

    QUADRO IComparao entre o Empirismo Lgico e a Teoria Crtica

    Empirismo lgico Teoria Crtica

    Objetivos da desenvolvimento do transformao dacincia conhecimento/formulao de teorias sociedade/emancipao do homem

    molecular: os fenmenos complexos molar: os fenmenos s podem serRecorte precisam ser decompostos em aspectos compreendidos se vistos como

    testveis totalidades

    Cincia eprodutos e processos da cincia so

    cincia e sociedade so vistos comoSociedade

    vistos como um sistema independenteum sistema global

    das relaes sociais

    no mtodo: critrios metodolgicosno problema: a metodologia assume

    nfase definem os problemas que podem serpesquisados

    aspecto secundrio

    buscada atravs de mecanismos deatacada como um mito que encobre

    Objetividade controle embutidos no design e nomtodo crtico

    estratgias de dominao

    Relao sujeito e objeto so elementossujeito e objeto so elementos

    Sujeito-Objeto independentes no processo de pesquisaintegrados e co-participantes doprocesso

    Neutralidadeos valores do pesquisador no o julgamento de valor consideradointerferem no processo de pesquisa parte essencial do processo

  • . uxo das crticas da Escola de Frankfurt "cincia tradicional" e oe e seguiu publicao da "Estrutura das revolues cientficas" deos ocorridos no incio da dcada de 60, afetaram profundamente a

    ..;~ '-er a cincia e seu mtodo, contribuindo para o esgotamento do jaradi~ma \,ositivista" .'2.No C\.uese reere s cincias sociais, msto-

    :e confrontadas com a dificuldade de se adaptarem ao modelo dasr _._ naturais, as idias relativistas encontraram campo frtil. Sobre essa

    Laudan (1990)assim se expressa:

    . os cientistas (especialmente cientistas sociais), literatos e filsofos no pertencentes ao.:3.u po da filosofia da cincia passaram a acreditar que a anlise epistmica da cincia a:-artir da dcada de 60 oferece uma potente munio para o ataque geral idia de que a-' cia representa um conhecimento confivel ou uma forma de conhecimento superior. viii).

    e, de um lado, muitos cientistas SOCIaIS,com base nessa (des)crenaa adotar o "vale-tudo" proposto por Feyerabend, de outro, um grupo

    menos significativo, acreditando que possvel e necessrio produzir-' ecimentos confiveis, comea a buscar alternativas aos modelos de cincia ostos pelas cincias naturais. Outros, ainda, considerando que todos os

    _ tionamentos postos pela discusso da dcada de 60foram de alguma forma_Jefados pela cincia natural ps-positivista, defendem a adoo desse para-- :ma tambm nas cincias sociais.

    neste quadro que, na dcada de 70, comea a ganhar fora o chamadoaradigm'a qualitativo", o qual se definia por oposio ao positivismo, identi-

    ;; ado com o uso de tcnicas quantitativas. Embora metodologias qualitativasssem h muito tempo usadas na antropologia, na sociologia e mesmo na

    ~sicologia, nesta poca que seu uso se intensifica e se estende a reas at ento.ominadas pelas abordagens quantitativas, justificando o uso do termo "para-gma".

    O fato de no mais contar com uma metodologia estruturada a priori, commodelos e procedimentos que deveriam ser seguidos, representava um espaopara a inveno, alm de permitir que fossem estudados problemas que nocaberiam nos limites rgidos do paradigma anterior. Entretanto, como seria de

    2. Cabe assinalar que a derrocada do paradigma positivista - ento representado peloempirismo lgico- comea a se delinear aps a Segunda Guerra Mundial. Na verdade, a partirdessa poca, esse paradigma comea a ser minado por dentro, por vrias razes lgicas e empricas.Entre as ltimas, destaca-se o fato de que a exigncia de descrever em termos observacionaistodos os conceitos utilizados nas teorias impediria a investigao de inmeros problemas postospelo desenvolvimento dessa mesma cincia, como o caso, por exemplo, da estrutura do tomo.

  • se esperar, a rigidez metodolgica anterior foi, muitas vezes, substituda poruma total falta de mtodo, dando origem a pesquisas extremamente" frouxase com resultados pouco confiveis. A falta de rigor dessas pesquisas reacende .a discusso sobre a cientificidade dos conhecimentos assim produzidos.

    Essa discusso mais recente, porm, tornou-se mais complexa, adquirindnovos contornos. Durante o perodo em que o paradigma positivista ou emp'orista lgico era hegemnico, a questo parecia simples: poderiam ser conside-rados cientficos os conhecimentos obtidos pelo mtodo cientfico, tal como eera definido naquele paradigma; os que no atendessem quelas prescri- -estariam fora do mbito da cincia. Hoje, porm, admite-se que todos os cririos de demarcao propostos para distinguir, inequivocamente, o que pode eque no pode ser considerado cincia so falhos. Para complicar mais as coisasentre as diversas correntes que constituem a filosofia da cincia contemporne"no h uma definio consensual do que seja cincia. Chalmers (1995),em -livro significativamente intitulado O que a cincia afinal?, se prope a apretar as modernas concepes sobre a natureza da cincia. Aps examinar ~.diversas questes postas pela filosofia da cincia, conclui que a perguntaconstitui o ttulo do livro "enganosa e arrogante". Enganosa porque supe _ oexista uma caracterizao to ampla de cincia que permita que reaconhecimento essencialmente diferentes nela possam se encaixar. Arroga:--porque supe uma categoria geral-" a cincia" - que serviria de parmetro P"legitimar ou desqualificar uma dada rea de conhecimento.

    Em resumo, os critrios tradicionais para definir cincia no maissustentam, no havendo consenso sobre o que, de fato, caracteriza a ci:-Alm disso, hoje se admite que o ideal positivista de um mtodo nico _servisse a todas as cincias nunca se realizou, nem mesmo no mbito -cincias naturais, como pode ser observado quando analisamos os m -efetivamente utilizados pelos cientistas em sua prtica concreta (Bogd -Biklen,1994, Loving, 1997).Isto no significa, porm, que "vale-tudo" e s'a discusso mais recente sobre a cientificidade das cincias sociais se ap.=.outras bases.

    Muitos cientistas e filsofos da cincia continuam defendendo a ique as cincias sociais devem seguir os padres das cincias naturais, ar_tando que no h coisa alguma no modelo bsico daquelas cincias queque o comportamento de seres humanos seja estudado da mesma man~diferentemente do que ocorria h algumas dcadas, isto no quer diz -cincias sociais tenham de abandonar mtodos que lhe so prprio .prope hoje um compromisso com certos princpios bsicos do

  • princpios bsicos apontados por diferentes autores, porm, nemcidem, como veremos a seguir.

    - - .::.Ziman (1996), o conhecimento cientfico se distingue dos demais peloe seu contedo "consensvel". Isto quer dizer que o cientista deveupao de se expressar em uma linguagem no ambgua para que

    .: ~ universalmente compreendido, permitindo, assim, que seus pares oe maneira no ingnua ou, ao contrrio, a ele se oponham com

    "r.j-)eS- bem fundamentadas. Argumenta esse autor que as comunicaes dono pretendem apenas contar as coisas como ele as viu ou pensa que

    objetivo do cientista convencer o leitor, seja procurando desfazer-'ocos anteriores, seja anunciando uma observao at ento despercebida.:-eza na comunicao do conhecimento produzido seria, portanto, pr-con-: para a obteno do acordo entre os estudiosos de uma dada rea.Embora admita que so poucos os conhecimentos cientficos inegavelmen-

    :. nsensuais em qualquer rea, Ziman enfatiza que o ideal da cincia atingircada vez maiores de consensualidade. Na busca da consensualidade, os

    tistas freqentemente recorrem a uma linguagem formalizada, formaliza-- esta que teria seu pice na linguagem matemtica, a qual, por sua natureza,__ equvoca e universalmente vlida. Ziman admite, porm, que, se a lingua-

    matemtica inequvoca, nem por isso torna a mensagem mais verdadeiramais significativa. Frmulas precisas e logicamente compatveis podem tercontedo falso. Alm disso, a linguagem matemtica tem um potencial

    .:escritivo muito limitado. Essa uma das principais objees sua utilizao- cincias sociais: os objetos, contedos e relaes que elas focalizam dificil-ente podem ser traduzidos em linguagem matemtica. O uso da linguagem

    :natemtica no seria, portanto, essencial a todos os ramos da cincia. Aexign-da fundamental, segundo Ziman, a de que a mensagem seja significativa e que~ossa ser expressa de maneira suficientemente clara para que se possa estabe-.ecer um dilogo frutfero com os demais pesquisadores da rea.

    Para Ziman, a credibilidade da cincia sustentada por sua capacidade depreviso. Para que se possa fazer previses vlidas necessrio trabalhar commodelos, mapas bem fundamentados que nos permitam explicar os fenmenos.Afirma ele que cincias com alto poder preditivo trabalham com categoriasnitidamente definidas e racionalmente ordenadas, o que no ocorre nas cinciassociais, pois, embora no faltem categorias significativas no campo social, estasno so ntidas, alm de freqentemente no serem tambm significativas.Assim, a credibilidade dos conhecimentos das cincias sociais depende, comoem qualquer cincia, do desenvolvimento de suas teorias, incluindo a seleoadequada e a comunicao precisa dos dados observacionais, sua organizaoem padres significativos e a validao de suas hipteses pela atividade coleti-va da comunidade cientfica. Entretanto, observa esse autor que as cinciassociais esto cheias de modelos especulativos que jamais foram submetidos auma validao crtica. Os padres de construo e validao da teoria no so