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ALTHUSSER: A ESCOLA COMO APARELHO IDEOLÓGICO DE ESTADO LINHARES, Luciano Lempek – Mestrando – PUCPR [email protected] MESQUIDA Peri – Mestrado em Educação – PUCPR [email protected] SOUZA, Laertes L. de - PUCPR [email protected] Resumo: O presente artigo desenvolve uma reflexão sobre o tema da escola como aparelho ideológico do estado, segundo o pensamento de Louis Althusser, a partir da obra “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”. Segundo autores, Establet, Bourdieu e o próprio Althusser, a escola é o principal aparelho ideológico de Estado capitalista dominante nas formações sociais modernas, pois é ela que forma as forças produtivas para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, mantém e garante as relações de produção requeridas pelo sistema. Essas relações dicotômicas (patrão- empregado, burguês-proletariado) são reproduzidas no próprio contexto do aparelho escolar. A luta de classes, portanto, não está ausente da escola, ao contrário é alimentada por ela. Cabe então à escola, aparelho ideológico do Estado, servir aos interesses do Estado e da classe social que dominante. Ou seja, ela está a serviço da manutenção da dominação de uma classe sobre a outra, por meio de um discurso ideológico, alienante, perpetuando em última instância as relações de produção e a distribuição social e econômica desigual. Por isso, Althusser, seguindo Gramsci, pode afirmar que o Estado capitalista se mantém utilizando aparelhos de coerção ( forças armadas, o aparelho jurídico, etc.) e pela persuasão (partidos políticos, meios de comunicação, escola, etc.). Palavras-Chave: Ideologia, Educação, Aparelho Ideológico de Estado, Escola, Classse Introdução Louis Althusser antes de elaborar uma reflexão sobre a escola como reprodutora (“serva”) do modo de produção capitalista e por isso principal Aparelho Ideológico do Estado, desenvolveu uma reflexão sobre a Ideologia – seu significado, conceito e sua força na ação de mascarar e manipular a realidade a favor da classe dominante. Depois disso, trabalhou os Aparelhos Ideológicos do Estado como instituições visíveis que estão a serviço do Estado. O Estado Moderno, por sua vez, de acordo com Althusser, está nas mãos da burguesia. Já a burguesia, para manter o Estado em seu poder e se manter como classe dominante, controla e

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ALTHUSSER: A ESCOLA COMO APARELHO IDEOLÓGICO DE ESTADO

LINHARES, Luciano Lempek – Mestrando – PUCPR [email protected]

MESQUIDA Peri – Mestrado em Educação – PUCPR [email protected]

SOUZA, Laertes L. de - PUCPR

[email protected]

Resumo:

O presente artigo desenvolve uma reflexão sobre o tema da escola como aparelho ideológico do estado, segundo o pensamento de Louis Althusser, a partir da obra “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”. Segundo autores, Establet, Bourdieu e o próprio Althusser, a escola é o principal aparelho ideológico de Estado capitalista dominante nas formações sociais modernas, pois é ela que forma as forças produtivas para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, mantém e garante as relações de produção requeridas pelo sistema. Essas relações dicotômicas (patrão-empregado, burguês-proletariado) são reproduzidas no próprio contexto do aparelho escolar. A luta de classes, portanto, não está ausente da escola, ao contrário é alimentada por ela. Cabe então à escola, aparelho ideológico do Estado, servir aos interesses do Estado e da classe social que dominante. Ou seja, ela está a serviço da manutenção da dominação de uma classe sobre a outra, por meio de um discurso ideológico, alienante, perpetuando em última instância as relações de produção e a distribuição social e econômica desigual. Por isso, Althusser, seguindo Gramsci, pode afirmar que o Estado capitalista se mantém utilizando aparelhos de coerção ( forças armadas, o aparelho jurídico, etc.) e pela persuasão (partidos políticos, meios de comunicação, escola, etc.). Palavras-Chave: Ideologia, Educação, Aparelho Ideológico de Estado, Escola, Classse Introdução

Louis Althusser antes de elaborar uma reflexão sobre a escola como reprodutora

(“serva”) do modo de produção capitalista e por isso principal Aparelho Ideológico do Estado,

desenvolveu uma reflexão sobre a Ideologia – seu significado, conceito e sua força na ação de

mascarar e manipular a realidade a favor da classe dominante. Depois disso, trabalhou os

Aparelhos Ideológicos do Estado como instituições visíveis que estão a serviço do Estado. O

Estado Moderno, por sua vez, de acordo com Althusser, está nas mãos da burguesia. Já a

burguesia, para manter o Estado em seu poder e se manter como classe dominante, controla e

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manipula ideologicamente as instituições a fim de se reproduzir o status quo. Para tanto, o

Estado utiliza a escola como principal instituição ideológica, de maneira que ela lhe garanta

condições de sobrevivência já que, ao romper com a Igreja, perdeu o acesso às casses

populares as quais, de acordo com Marx, são precisamente a classe que se opõe à burguesia.

Althusser parte da conceito marxista de ideologia para, finalmente, desenvolver o seu

próprio conceito. Na primeira página da sua principal obra, “Ideologia e Aparelhos

Ideológicos do Estado”, Althusser cita Marx ao tratar sobre a reprodução das condições da

produção da classe dominante dentro do processo de formação das classes sociais.

Como Marx dizia, até uma criança sabe que se uma formação social não reproduz as condições da produção ao mesmo tempo em que produz não conseguirá sobreviver um ano que seja. A condição última da produção é, portanto a reprodução das condições da produção. (ALTHUSSER, 1985, p. 09).

Althusser pretendeu com isto pesquisar como a classe dominante se reproduz,

sobretudo, materialmente, seja por meio das idéias, seja por meio de suas estratégias de

sobrevivência para manter o Estado em seu poder, tanto pelo poder repressivo quanto pela

persuasão. (ALTHUSSER, 1985, p. 09-10).

Retomando as idéias de Marx, a partir de leituras de Establet (1978) e Althusser

(1985), podemos pensar que, essencialmente, o sistema capitalista divide a sociedade

essencialmente em duas classes: a classe burguesa, detentora dos meios de produção (fábricas,

indústrias, propriedades privadas, capital financeiro, etc.) e a classe proletária ou trabalhadora,

a qual não detendo os meios de produção, precisa vender a sua força de trabalho para se

manter, para se sustentar. Essa relação é mantida ou assegurada pela exploração da força de

trabalho, geralmente mão-de-obra barata do proletário. Uma espécie de mercadoria que é

comprada, vendida e disputada pelo melhor/ menor preço, segundo as leis do mercado

financeiro. Assim, o burguês, possuidor dos meios de produção, além de possuidor dos meios

de reprodução de sua condição de vida e status e da condição de vida e status do operário,

adquire o que Marx chamou de mais-valia, o excedente, o lucro. Já o operário não tem como

produzir, nem reproduzir o lucro, uma vez que não possui os meios de produção, condição

indispensável no mundo capitalista moderno. Com isto o capitalismo força ou promove a

separação da força de trabalho dos meios de produção, algo extremamente importante para a

classe dominante.

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A separação da força de trabalho dos meios de produção, separação que define o operário, impede-o radicalmente de tornar-se um capitalista porque o salário corresponde exatamente à produção da força de trabalho. Ele não tem materialmente nenhum meio de acumular o capital. Esta separação que o define é, por sua vez, a condição de sua reprodução enquanto operário. (ESTABLET in BASAGLIA, 1974, p. 112)

É importante lembrarmos que, no capitalismo, a classe burguesa “reproduz a força de

trabalho pagando salário aos trabalhadores com os quais eles podem alimentar-se e criar a

próxima geração de trabalhadores”. (CARNOY, 1990, p. 34). Para Althusser, a divisão social

de classe, dentro do sistema capitalista, tem origem na divisão do trabalho, reforçado, porém,

pela instituição escolar:

Na verdade não existe, excepto na ideologia da classe dominante, divisão técnica do trabalho: toda a divisão técnica... do trabalho é a forma e a máscara de uma divisão de classes. Assim, a reprodução das relações de produção só pode ser um empreendimento de classe. Realiza-se através de uma luta de classe que opõe a classe dominante à classe explorada. (ALTHUSSER, 1970, p. 116).

Louis Althusser e a escola como aparelho ideológico do Estado

A classe “explorada” que, segundo Althusser, se mantém enquanto classe subalterna,

graças à atuação dos aparelhos ideológicos do Estado, sendo que, entre eles, o mais

importante para a classe dominante, é a escola.

Como dizíamos, a divisão social do trabalho, por sua vez, irá assegurar um lugar

próprio na produção para cada sujeito. Lugar esse reconhecido como necessário pelos demais

ao longo do tempo. Nesse sentido, a ideologia, por meio dos seus mecanismos de inculcação,

fará com que o sujeito reconheça a necessidade da divisão do trabalho como algo natural.

(Albuquerque in Althusser, 1985, pág. 08). Dessa maneira,

formar o trabalhador significa, não propriamente, ou não apenas, qualificar seu trabalho, mas tornar, para o indivíduo, natural e necessária a equivalência entre a qualidade do trabalho e a quantidade da força de trabalho; tornar natural e necessária a venda da força de trabalho; a submissão às normas de produção, à racionalidade da hierarquia na produção, etc. (ALBUQUERQUE in ALTHUSSER, 1985, p. 12)

Além de tornar o trabalho algo natural e necessário ao homem, na verdade natural ao

operário e necessário à reprodução da classe burguesa e a sua condição de vida, a ideologia

burguesa busca cada vez mais na força de trabalho, habilidades específicas e diversificadas.

Segundo Althusser, cada vez mais, no sistema capitalista, estas habilidades vem sendo

desenvolvidas em um lugar fora da produção: pelo sistema educacional e outras instâncias e

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instituições, fato que não acontecia em épocas anteriores. No sistema feudal, por exemplo, o

indivíduo era formado em seu local de trabalho. Hoje em dia o individuo é formado em um

lugar alheio ao seu trabalho, aprende e desenvolve técnicas que nunca utilizará. O capitalismo

busca cada vez mais essa estratégia de interesse da classe burguesa, classe dominante, a fim

de renovar as condições da produção dominante para se manter no poder.

Ocorre que o aparelho escolar contribui, com a parte que lhe cabe, para reproduzir as

relações sociais de produção capitalista na medida em que: “contribui para a formação da

força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa” (ESTABLET, 1978, 254), além

de ensinar a diferentes crianças, diferentes padrões de comportamento, dependendo da classe

que ela pertença e do trabalho que ela realizará. (Esse raciocínio, da escola como aparelho que

forma, que molda o sujeito e lhe inculca pensamentos de submissão ao sistema vigente, será

importante para justificar a manutenção da classe burguesa como classe dominante, material,

política e ideologicamente). Assim, Carnoy, citando Althusser, escreve:

A reprodução da força de trabalho revela como condição sine qua non não somente a reprodução das habilidades, mas também a reprodução da sujeição à ideologia dominante ou a reprodução da ‘prática’ daquela ideologia, de tal modo que não é suficiente dizer ‘ não somente... mas também’ porque está claro que é nas formas da sujeição ideológica que se faz a preparação para a reprodução das habilidades da força de trabalho. (ALTHUSSER in CARNOY, 1990, p. 35

A ideologia, segundo Althusser, presta um serviço de fundamental importância para a

burguesia dentro do sistema capitalista, ajudando inclusive, a garantir o seu status de classe

dominante. Ela está presente na formação das classes sociais, afirmaria Marx; na perpetuação

das condições de reprodução dominante, sobretudo nos aparelhos ideológicos do Estado,

especialmente na instituição escolar, afirmaria Althusser; e, na “aceitação” pelo trabalhador

da sua condição de oprimido, afirmaria Freire.

Althusser, citando o pensamento de Marx, escreve que a ideologia é o “sistema das

idéias e das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. (K.

Marx in Althusser, 1970, pág. 69). Ainda sobre a ideologia, o prefácio da “Ideologia Alemã”,

de Marx, diz o seguinte:

Até agora, os homens sempre tiveram idéias falsas a respeito de si mesmos, daquilo que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função das representações que faziam de Deus, do homem normal, etc. Esses produtos de seu cérebro cresceram a ponto de dominá-los completamente. Criadores, inclinaram-se diante de suas próprias criações. (MARX, 1998. p. 03).

Gorender, citando K. Marx, diz que a ideologia é entendida

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[...]enquanto consciência falsa, equivocada, da realidade. Porém consciência necessária aos homens em sua convivência e em sua atividade social. Consciência falsa que não resulta de manipulação calculista, propagandismo deliberado, mas da necessidade de pensar a realidade sob o enfoque de determinada classe social, no quadro das condições de sua posição e funções, das suas relações com as demais classes etc. (GORENDER in MARX, 1998. p. XXII)

Althusser apresenta o conceito de ideologia a partir de duas grandes teses: a

imaginária e a material. A primeira refere-se à ideologia enquanto “representação imaginária

dos indivíduos com as suas condições reais de existência”. São concepções de mundo, na

maioria das vezes, fantasiosas sobre suas condições de existência, seja religiosas, morais,

jurídicas ou políticas, pois não correspondem à realidade, à verdade (ALTHUSSER, 1970,

pág. 77). Essa concepção ilusória parte de uma alusão da realidade, como demonstra

Althusser a seguir:

[...]toda a ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as outras relações que delas derivam), mas antes de mais a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, o que é representado não é o sistema das relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária destes indivíduos com as relações reais que vivem. (ALTHUSSER, 1970, p. 82).

A segunda tese de Althusser, busca defender a materialidade da ideologia: “a ideologia

tem uma existência material”. Evidentemente não como uma pedra, ela “existe sob diferentes

modalidades, todas enraizadas em última instância na matéria”, pois ela se passa nos

indivíduos. (ALTHUSSER, 1970, pág. 85). Assim, a ideologia não representa somente um

sistema de (falsas) idéias que atuam somente na imaginação, na compreensão da realidade ou

na representação do mundo. Ela tem, sobretudo, existência material, e é nessa existência

material que Althusser enfoca seu estudo. Essas idéias são, portanto, um conjunto de práticas

materiais necessárias à reprodução das relações de produção, pois elas representam os

interesses materiais de uma determinada classe. (ALTHUSSER, 1970, p. 83).

Esta ideologia fala dos actos: nós falaremos de actos inseridos em práticas. E faremos notar que estas práticas são reguladas por rituais em que elas se inscrevem, no seio da existência material de um aparelho ideológico, mesmo que se trate de uma pequeníssima parte deste aparelho: uma missa pouco freqüentada numa capela, um enterro, um pequeno desafio de futebol numa sociedade desportiva, um dia de aulas numa escola, uma reunião ou um meeting de um partido político, etc... (Althusser, 1970, p. 87)

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Althusser demonstra que a ideologia não se reduz a simples imposição de idéias, ela se

efetiva em práticas sociais inscritas em instituições concretas, reguladas por rituais no seio

dos aparelhos ideológicos do Estado:

A existência das idéias da sua crença é material, porque as suas idéias são actos materiais inseridos em práticas, reguladas por rituais materiais que são também definidos pelo aparelho ideológico material de que revelam as idéias desse sujeito... a materialidade de uma deslocação para ir à missa, de um ajoelhar, de um gesto de sinal da cruz ou de uma mea culpa, de uma frase, de uma oração, de uma contrição, de uma penitência, de um olhar, de um aperto de mão, de um discurso verbal externo ou de um discurso verbal <<interno>> (a consciência)... (Althusser, 1970, p. 89)

Althusser sistematiza as suas duas teses, afirmando que as práticas sociais só existem

por meio da ideologia, e a ideologia só existe para os sujeitos e por meio deles. Deste modo,

“toda ideologia tem por função (que a define) ‘constituir’ os indivíduos concretos em

sujeitos”. (ALTHUSSER, 1970, p. 94). Para Althusser, a ideologia transforma os indivíduos

em sujeitos, pois “o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta

livremente às ordens do Sujeito, portanto para que aceite (livremente) a sua sujeição1... e os

atos da sua sujeição”. (ALTHUSSER, 1970, p. 113).

Assim, os considerados bons indivíduos (“bons-sujeitos”) pela intervenção da

ideologia da classe dominante presente nos aparelhos ideológicos de Estado, no maior número

possível de sujeitos, são aqueles que seguem os modelos propostos pelo sistema capitalista,

pela burguesia, sem contestar tais padrões e concepção de mundo. Fazem isso de forma

“natural”, “... é verdade que é assim e não de outra maneira, que é preciso obedecer a Deus, a

voz da consciência, ao padre, ao patrão...” já os “maus-sujeitos”, as exceções, as anomalias,

precisam ser punidos pelo aparelho repressivo de Estado, a fim de que possam fazer parte do

sistema e dos modelos que este sistema impõe a todos, mesmo que seja necessário o uso da

coerção. (ALTHUSSER, 1970, p. 113).

A inculcação da ideologia dominante apesar de ser aprendida, reforçada e perpetuada

na escola não se origina nela. A inculcação das idéias dominantes tem, antes, origem na

formação das classes sociais, no seio do próprio Estado e de seus aparelhos. Althusser,

retomando a tradição marxista, define o Estado como

1 O responsável por essa sujeição é a ideologia. “Sujeição, tal como é entendida por Althusser... é um mecanismo de duplo efeito: o agente se reconhece como sujeito e se sujeita a um Sujeito absoluto. Em cada ideologia o lugar do sujeito é ocupado por entidades abstratas, Deus, a Humanidade, o Capital, a Nação, etc.” (Albuquerque in Althusser, 1985, p. 08).

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[...] uma ‘máquina de repressão’ que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e a ‘classe’ dos proprietários de terras) assegurar a sua dominação sobre a classe operária para submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à exploração capitalista). (ALTHUSSER, 1970, p. 31)

O Estado, segundo Althusser, funciona duplamente como um aparelho ideológico e

como um poder de força repressiva. Configura-se como um instrumento que serve para

assegurar os interesses da classe dominante, a burguesia, sobre a classe dominada:

proletariado ou classe trabalhadora. Sendo assim, o Estado, que está a serviço da classe

dominante, tem por objetivo garantir, por meio das idéias, da concepção de mundo, e/ou da

força física, a permanência da burguesia no poder. “O aparelho de Estado que define o Estado

como força de execução e de intervenção repressiva” pertence, portanto, à classe dominante e

serve como instrumento de luta contra as possíveis resistências da classe dominada.

(ALTHUSSER, 1970, p. 32)

O Estado, representante da classe dominante, ditará as regras e as normas de

convivência, o padrão, o dito normal e o transgressor, por meio de seus aparelhos, práticas

jurídicas, exército, polícia, os tribunais, força repressiva. Para Althusser, revisando a teoria

marxista do Estado, a existência do Estado “só tem sentido em função do poder de Estado”.

Por isso, “toda a luta política de classes gira em torno do Estado” e da detenção e conservação

do seu poder. Manter o poder de Estado é o propósito da classe dominante para poder

manipular os seus aparelhos ideológicos de Estado, os AIE. (ALTHUSSER, 1970, pág. 36).

Ávila (1985) fazendo alusão a Althusser, assim escreve:

[...]os AIE são, também, o alvo e o local da luta de classes já que podem ser disputados pelas antigas classes dominantes ou pelas classes exploradas que podem encontrar meios de se exprimir nelas, utilizar suas contradições ou conquistar aí, pela luta, posições de combate. (ÁVILA, 1985, p. 53)

A partir dessas reflexões, Althusser, se propôs distinguir o Estado enquanto força

repressiva, do Estado enquanto aparelho ideológico, a partir da teoria de K. Marx:

Lembremos que na teoria marxista, o Aparelho de Estado (AE) compreende: o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os tribunais, as Prisões, etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho Repressivo de Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em questão ‘funciona pela violência’ - pelo menos no limite (porque a repressão, por exemplo, administrativa, pode revestir formas não físicas) (ALTHUSSER, 1970, p. 42–43).

Assim, o aparelho repressivo de Estado serve para manter a “ordem” de maneira

coercitiva e direta sobre os sujeitos, se necessitar pela força física mesmo (polícia, exército,

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tribunais, etc.) a fim de garantir, em última instância, as relações de exploração da classe

burguesa, uma vez que o Estado é administrado pela burguesia.

O papel do ARE consistiria essencialmente em proporcionar as condições políticas da reprodução das relações de produção; ele contribuiria, também, para se reproduzir e para garantir, através da repressão, as condições de exercício dos Aparelhos Ideológicos. Estes, por sua vez, “proporcionam, em grande parte, a própria reprodução das relações de produção, sob o ‘escudo’ do aparelho repressivo de Estado”. Além disso, é por intermédio da ideologia dominante que se garante a harmonia entre os ARE e AIE dos AIE entre si. (ALBUQUERQUE apud ALTHUSSER, 1985, p. 30).

Para Althusser, é pela instauração dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), que a

ideologia é realizada e se torna dominante. Ela tem por objetivo último a reprodução das

relações de produção:

Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado um certo numero de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas...(a ordem pela qual as enunciamos não tem qualquer significado particular):

− O AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas), − O AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), − O AIE familiar, − O AIE jurídico, − O AIE político (o sistema político de que fazem parte os diferentes

partidos), − O AIE sindical, − O AIE da informação (imprensa, rádio-televisão, etc.) (ALTHUSSER,

1970, p. 43-44)

Os aparelhos Ideológicos se distinguem do aparelho repressivo, em primeiro lugar,

porque são vários; em segundo, porque pertencem ao domínio privado; e, em terceiro, porque

funcionam principalmente pela ideologia.

Apesar dos aparelhos de Estado, repressivo e ideológicos, funcionarem a partir de duas

definições bastante diferentes, a repressão (violência) e a ideologia (inculcação de idéias

burguesas), escreve Althusser: “a partir do que sabemos, nenhuma classe pode duravelmente

deter o poder de Estado (repressivo) sem exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e

nos Aparelhos Ideológicos de Estado” (ALTHUSSER, 1970, p. 49). Assim, a manutenção da

hegemonia que a burguesia exerce sobre os AIEs se transforma em uma condição para deter o

poder de Estado.

A função, portanto, do poder (repressivo) de Estado e dos aparelhos ideológicos de

Estado, é assegurar a reprodução das relações de produção capitalista, garantindo a

materialidade do processo (a mais-valia). Tomemos como exemplo o aparelho ideológico de

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Estado Escolar (aparelho dominante nas sociedades capitalistas). A instituição escolar atua

sobre as orientações e normas do Estado. Ela é constituída como um AIE por ser porta-voz

dos interesses da classe burguesa, e por estar, assim, a serviço da classe dominante que detém

o poder do Estado e que influencia os aparelhos ideológicos do Estado a seu serviço e em

benefício dos seus interesses de classe.

Segundo Bárbara Freitag (1980), a escola “atua no interesse da estrutura de dominação

estatal” tendo por finalidade a dominação da classe operária, sua condição e a inculcação das

idéias burguesas. Essa dominação, por sua vez, não se dá de maneira direta, através da

aplicação explícita da violência como no Aparelho Repressivo de Estado, mais de maneira

disfarçada, indireta, ideológica, por meio de uma “ação pedagógica2”

Althusser afirma que o aparelho ideológico dominante e de massa nas “formações

capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo

Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico escolar” (1970, p. 60).

Ele será responsável, junto com o aparelho ideológico de Estado político, por garantir a

reprodução das relações de produção capitalista e de classe. Esse novo aparelho ideológico (a

escola capitalista) irá substituir o poder da Igreja perante seus fiéis como aparelho dominante.

Althusser acredita que nas formações sociais feudais, diferentemente das capitalistas,

era possível encontrar números bem menos expressivos de aparelhos ideológicos de Estado. A

rigor, o aparelho ideológico dominante era a Igreja, a qual acumulava vários aparelhos. Em

particular, o aparelho ideológico cultural, da informação e o escolar. Assim, não seria possível

“passar o poder de Estado da aristocracia feudal para a burguesia capitalista-comercial”, sem

antes travar uma luta anti-clerical, a fim de “quebrar o antigo aparelho repressivo de Estado e

substituí-lo por um novo... mas também atacar o aparelho ideológico de Estado nº. 1: a Igreja”

(ALTHUSSER, 1970, p. 59).

“Daí a constituição civil do clero, a confiscação dos bens da Igreja e a criação de

novos aparelhos ideológicos de Estado para substituírem o aparelho ideológico de Estado

religioso no seu papel dominante.” (ALTHUSSER, 1970, p. 59).

A Igreja, enquanto aparelho ideológico do Estado do sistema feudal, era constituída

como funcionária pública do Estado, portanto servia aos interesses do Estado. A partir do

momento em que ocorre a separação entre a Igreja e o Estado, surge a necessidade do Estado

2 Segundo Bourdieu a ação pedagógica é uma violência simbólica na medida em que refere-se a uma imposição por meio de um poder arbitrário ou cultural. Representa, ainda, um sistema de relações de força entre a classe dominante e a dominada. (BOURDIEU, 1992. p. 20)

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elaborar um novo aparelho ideológico que atue diretamente na formação do sujeito de

maneira disfarçada, porém decisiva. Esse aparelho será a escola.

Althusser acredita que a luta ideológica iniciada no século XVI, chega ao século XIX,

entre a aristocracia fundiária e a burguesia industrial, marcada pelo “estabelecimento da

hegemonia burguesa nas funções outrora desempenhadas pela Igreja: antes de mais nada, na

Escola” (Althusser, 1970, pág. 59). O aparelho ideológico escolar moderno substituirá, assim,

o aparelho ideológico religioso da era feudal, formatando os sujeitos desde a infância. A

conquista desse importante aparelho ideológico de Estado, aliado ao poder do Estado

repressivo (poder político) serão condições imprescindíveis para a hegemonia ideológica e

para a reprodução das relações de produção capitalista.

O ponto de partida da reflexão de Althusser na obra “Ideologia e Aparelhos

ideológicos do Estado”, é o pressuposto de que para produzir e reproduzir as condições que a

burguesia ostenta dentro do sistema capitalista, ela deve, pois, “reproduzir: 1) as forças

produtivas, 2) as relações de produção existentes”. (ALTHUSSER, 1970, p. 11). Aqui surge o

papel ideológico sobre a existência da escola no que se refere à reprodução das forças

produtivas. Este raciocínio é importante, pois será a partir dele que a burguesia justificará a

existência da escola moderna como uma produtora das forças de trabalho.

Para que haja reprodução das forças produtivas, da força de trabalho, é necessário

garantir a sua formação, qualificação e a sua diversificação fora da produção, fora do mercado

de trabalho. Está é uma lei tendencial própria do regime capitalista. Entretanto, na medida em

que a escola qualifica as pessoas para o mundo do trabalho, “inculca-lhes uma certa ideologia

que os faz aceitar a sua condição de classe, sujeitando-os ao mesmo tempo ao esquema de

dominação vigente”. (FREITAG, 1980, p. 34). Establet reforça o argumento afirmando que “a

formação da força de trabalho se efetua nas formas mesmas da inculcação da ideologia

burguesa: portanto, por um só e mesmo mecanismo, o mecanismo das práticas escolares.”

(ESTABLET apud BASAGLIA, 1974, p. 113). Dessa maneira, Althusser pode, portanto,

afirmar:

Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados. Os mecanismos que reproduzem este resultado vital para o regime capitalista são naturalmente envolvidos e dissimulados por uma ideologia da Escola universalmente reinante, visto que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a Escola como um meio neutro... (ALTHUSSER, 1970, p. 66-67)

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Assim, o aparelho escolar ocupa um lugar privilegiado no modo de produção

capitalista, pois ele é o único, de todos os aparelhos ideológicos do Estado, a inculcar a

ideologia dominante e a reprodução das relações de produção sobre a base de formação da

forca de trabalho. Além de contribuir, essencialmente, no processo de reprodução da divisão

social e do trabalho, levando os indivíduos a aceitarem, naturalmente, sua condição de

explorados, “ou a adquirirem o instrumental necessário para a exploração da classe

dominada” (FREITAG, 1980, p. 34).

[...]a escola preenche a função básica de reprodução das relações materiais e sociais de produção. Ela assegura que se reproduza a força de trabalho, transmitindo as qualificações e o savoir faire necessários para o mundo do trabalho: e faz com que ao mesmo tempo os indivíduos se sujeitem à estrutura de classes. Para isso lhes inculca, simultaneamente, as formas de justificação, legitimação e disfarce das diferenças e do conflito de classes. Atua, assim, também ao nível e através da ideologia. (FREITAG, 1980, p. 33)

Para Bourdieu, o sistema educacional preenche duas funções importantes para a

sociedade capitalista: a reprodução da cultura e a reprodução da estrutura de classes.

(BOURDIEU, 1992, p. 66).

Althusser argumenta que a escola favorece a formação social capitalista quando

pretende sujeitar os indivíduos à ideologia dominante, garantir a reprodução da força de

trabalho por meio da reprodução de habilidades, além de garantir a reprodução da submissão

às regras da ordem estabelecida dentro desse regime de exploração e repressão. Assim, a

Escola (mas também outras instituições de Estado como a Igreja ou o exército) ensina

“saberes práticos”, por meio de modelos que asseguram a sujeição à ideologia dominante e

que desvalorizam o conhecimento e a cultura da classe proletária. (ALTHUSSER, 1985, p.

22).

Ora, o que se aprende na Escola? Vai-se mais ou menos longe nos estudos, mas de qualquer maneira, aprende-se a ler, a escrever, a contar, - portanto algumas técnicas, e ainda muito mais coisas, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou pelo contrário aprofundados) de ‘cultura científica’ ou ‘literária’ directamente utilizáveis nos diferentes lugares da produção (uma instrução para os operários, outra para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma outra para os quadros superiores, etc.). Aprende-se portanto ‘saberes práticos’ (des ‘savoirs - faire’). Mas, por outro lado, e ao mesmo tempo que ensina estas técnicas e estes conhecimentos, a Escola ensina também as ‘regras’ dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo o agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da moral, da consciência cívica e profissional, o que significa exactamente regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho, pelas regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. Ensina também a ‘bem falar’, a ‘redigir bem’, o que significa exactamente (para os futuros capitalistas e para os seus servidores) a ‘mandar bem’, isto é, (solução ideal) a ‘falar bem’ aos operários, etc. (ALTHUSSER, 1970, p. 21)

1505

Carnoy, citando Althusser, reforça o papel da escola na reprodução da força de

trabalho e, sobretudo, na reprodução das relações de produção, aparelho esse dominante,

quando escreve que

[...] é pela aprendizagem de uma variedade de know-how, envolvido na inculcação maciça da ideologia da classe dominante, que as relações de produção na formação social capitalista, isto é, as relações entre explorado e explorador e explorador e explorado são largamente reproduzidas. Os mecanismos que produzem esse resultado vital para o regime capitalista são naturalmente encobertos e disfarçados por uma ideologia da escola, universalmente dominante porque é uma das formas essenciais da ideologia burguesa vigente: uma ideologia que representa a escola como um ambiente neutro, purgado da ideologia (porque é... leiga), onde os professores respeitadores da ‘consciência’ e da ‘liberdade’ das crianças que lhes são entregues (com toda a confiança) por seus ‘pais’ (que são livres também, isto é, proprietários de suas crianças) abrem-lhes o caminho da liberdade, da moralidade e da responsabilidade dos adultos, através de seus próprios exemplos, de conhecimento, da literatura e através de suas virtudes ‘libertadoras. (ALTHUSSER apud CARNOY, 1990, p. 39)

A escola, segundo Freitag, assume um papel essencial na conservação e reprodução

das falsas consciências (ideologia) e, com isso, das relações materiais e sociais de produção.

A reprodução material das relações de classe depende da eficácia da reprodução das falsas consciências dos operários. Essas são criadas e mantidas com o auxílio da escola. A reprodução da ideologia vem a ser uma condição sine qua non da reprodução das relações materiais e sociais de produção. A escola, como AIE mais importante das sociedades capitalistas modernas, satisfaz plenamente essa função. (FREITAG, 1980, p. 35).

Para Althusser, todo aparelho ideológico, particularmente a Escola, concorre para um

único fim: a reprodução das relações de produção, relações estas de exploração. Cada

aparelho ideológico concorre para que esses objetivos sejam alcançados de uma maneira que

lhe é própria. Porém, o aparelho escolar encontra condições que nenhum outro oferece:

Desde a pré-primária, a Escola toma a seu cargo todas as crianças de todas as classes sociais, e a partir da Pré-Primária, inculca-lhes durante anos , os anos em que a criança está mais ‘vulnerável’, entalada entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado Escola, ‘saberes práticos’ (des ‘savoirs - faire) envolvidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história, as ciências, a literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no estado puro (moral, instrução cívica, filosofia). Algures, por volta dos dezasseis anos, uma enorme massa de crianças cai ‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. A outra parte da juventude escolarizável continua: e seja como for faz um troço do caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros médicos e pequenos, empregados, pequenos e médios funcionários, pequeno-burgueses de toda a espécie. Uma última parte consegue acender aos cumes, quer para cair no semi-desemprego intelectual, quer para fornecer, além dos ‘intelectuais do trabalhador colectivo’, os agentes da exploração, (capitalistas, managers), os agentes da repressão (militares, polícias, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são ‘laicos’ convencidos) (ALTHUSSER, 1970, p. 65).

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Será a partir dessa ideologia que o sujeito desempenhará um papel específico dentro

da sociedade de classes:

[...]papel de explorado (com ‘consciência profissional’, ‘moral’, ‘cívica’, ‘nacional’ e apolítica ‘desenvolvida’); papel de agente de exploração (saber mandar e falar aos operários: as ‘relações humanas’), de agentes de repressão (saber mandar e ser obedecido ‘sem discussão’ ou saber manejar a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou profissionais da ideologia (que saibam tratar as consciências com o respeito, isto é, com desprezo[...]) (ALTHUSSER, 1970, p. 65).

Dessa forma, segundo Althusser, os mecanismos que reproduzem as relações de

produção são desde cedo envolvidos e dissimulados pelo aparelho ideológico escolar,

universalmente soberano. Por isso, a escola se apresenta como a Igreja o fazia: natural,

indispensável, útil e generosa. Porém, serve aos interesses do Estado e de quem detém seu o

poder, pois,

[...]nenhum Aparelho Ideológico de Estado dispõe durante tanto tempo de audiência obrigatória (e ainda por cima gratuita...), 5 a 6 dias em 7 que tem a semana, à razão de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista (ALTHUSSER, 1970, p. 66).

Conclusão:

Althusser, de maneira radical, clara e objetiva, nos apresenta o problema que a educação

vive e a inversão de valores que o sistema impôs: o Estado, com seus Aparelhos, sejam os

Ideológicos (religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical e da informação) seja o da

Repressão (que funciona no limite pela violência) visam, sobretudo, assegurar o “stato quo” da

classe dominante, favorecendo os favorecidos e desfavorecendo os desfavorecidos.

(BOURDIEU, 1992). Assim, se valem da educação para atingir seus objetivos enquanto

classe que detém o poder de Estado e que não pretende dividir esse poder com nenhuma outra

classe.

Nosso autor mostra, portanto, que por trás do desenvolvimento de um projeto

pedagógico escolar de massa, existe na verdade uma falsa consciência da realidade, uma

alienação coletiva fortalecida durante os vários anos de obrigatoriedade escolar. Assim, a

escola seria o lugar ideal para ensinar ao aluno, de maneira ideológica, elementos como:

submissão, servidão, regras de como se portar na sociedade, além da reprodução das forças

produtivas.

Estudar Althusser e permanecer em estado de inércia nos parece impossível, pois tais

problemas nos remetem ao seguinte questionamento: se Instituição Escolar tem como

finalidade última reproduzir as relações sociais de produção capitalistas enquanto principal

1507

aparelho ideológico do Estado, segundo Althusser, reforçando ainda mais a divisão de classe do

sistema capitalista, formando uma força de trabalho aliena, proibida de exercerem sua vocação

ontológica, segundo Paulo Freire de “ser-mais”, oprimida por uma classe que protege os

interesses burgueses, entendemos que esse modelo de educação não serve a classe trabalhadora,

ao pobre, a classe popular, mas apenas ao interesse da classe dominante. Como deveria ser então

um projeto de educação que libertasse o homem de suas amarras?

Althusser nos expôs o problema da educação formal, ligada ao governo como aparelho

ideológico de maneira brilhante, cabe agora a transformação, a conscientização das massas.

Talvez Freire tenha sido, aqui no Brasil, quem melhor entendeu isso e lutou por uma educação

diferente. Não apenas lutou como conseguiu desenvolver um método de educação popular que

não estava ligado ao governo e aos interesses burgueses. Parece absurdo, porém seu método não

partia dos bancos escolares, de uma educação tradicional, narrativa, pois seu comprometimento

estava com o chamado oprimido enquanto classe. Seria esse o caminho para superamos o

dualismo burguês-trabalhados, opressor-oprimido, classe dominante-classe dominada?

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. _________________. Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970. ÁVILA, José Luiz Piôtto d'. A crítica da escola capitalista em debate. Petrópolis: Vozes, 1985. BAUDELOT, Ch. y ESTABLET, R.La escuela capitalista en Francia. 5. ed; Madrid: Siglo XXI. 1978 BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3 ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1992. 238 p. (Educação em questão ) BOURDIEU, Pierre; NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio Mendes. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. 251 p. 1998 ISBN 85-326-2053-1 FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 142 p. (Coleção educação universitária) __________. Sociedade sem escolas. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. 186 p. (Coleção educação e tempo presente; 10)

1508

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Karl Marx e Friedrich Engels. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 1998. CARNOY, Martin. Educação, economia e estado: base e superestrutura, relações e mediações. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1990.

SARTI, Ingrid. A crítica à ideologia da educação capitalista: seus enfoques, seus impasses. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1984, Mimeo.

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM, 2005.