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Trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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a história e a invenção do pivô

ALTERNATIVO A QUÊ?

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ALTERNATIVO A QUÊ?

Trabalho de Conclusão de Curso pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo

FELIPE MOLITOR

São Paulo, 09 de Novembro de 2015

a história e a invenção do pivô

Orientador: Prof. Fabio Cypriano

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INVENÇÃO

A ESTRUTURA

O QUE É, O QUE É?

O QUE RESTA?

CONCLUSÃO

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SUMÁRIO

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Quando rascunhei as primeiras ideias para esse trabalho de conclusão, surgiu a vontade de

estudar a dinâmica entre espaços independentes e o sistema tradicional da arte. Inicialmente, pensei em colocar, lado a lado, algum espaço específico e uma galeria comercial, comparando suas ações e tentando identificar possíveis interferências entre eles. Até que ponto um lugar dedicado à uma produção alternativa reproduz uma lógica de mercado? Ou então, será que as galerias não absorvem o que acontece em um circuito independente e o transforma em mercadoria? O Pivô apareceu como um caso à parte, uma iniciativa que, de alguma forma, combinava essas hipóteses e poderia exemplificar, nele mesmo, as relações entre mercado e produção experimental que me interessavam. Optei por remontar a trajetória do Pivô, com foco maior na ativação daquele espaço com sua exposição inaugural, e suas estratégias de gestão e financiamento. Quis entender um pouco mais profundamente o que havia por trás daquele verniz cool e descolado que o lugar ostenta e que a ele é atribuído - característica que me intrigava cada vez mais ao longo da pesquisa. O formato de reportagem então me pareceu mais adequado do que uma análise acadêmica ou fazer somente comparações com outras instituições culturais. Impressionei-me com a dificuldade que tive em contatar algumas pessoas que queria ouvir para estudar o Pivô. Dos primeiros funcionários do lugar, por exemplo, todos negaram-se a dar entrevista sobre sua experiência. Outros personagens dessa história, como alguns de seus mantenedores e membros de seu conselho consultivo, também saíam pela tangente, não retornando e-mails ou ignorando ligações. Até mesmo em conversas informais com agentes do circuito que não são vinculados ao Pivô, quando contava que preparava um trabalho sobre o espaço, desconversavam ou mudavam a levada do discurso. Aparentemente, existe no meio das artes um tom blasé de quem

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não está disposto a trocar ideias com um jovem que ainda dá seus primeiros passos nesse mundo, ou medo de que um posicionamento mais crítico possa comprometer sua imagem. De qualquer forma, apostei em narrar o nascimento e os primeiros anos de vida do Pivô. Escolhi deixar a história falar por si só, e deixar o próprio leitor fazer suas reflexões acerca da natureza desse circuito onde ser visto e comentado pode, muitas vezes, ser o mais importante e essencial para sua permanência. No dia 7 de setembro de 2012, a Bienal de Arte de São Paulo chegava à sua 30ª edição. A mais importante exposição de arte do país se desvencilhava de episódios turbulentos que marcaram suas últimas edições. A vontade de devolver à Bienal uma estabilidade talvez tenha dado um tom pálido para a montagem, ilesa de polêmicas.

Em dias como esses, as atenções do circuito das artes visuais de todo o país se voltam para o evento. É de praxe também que o dia se encerre com uma festa e, naquele dia típico de fim de inverno, o boca a boca sobre qual seria o evento badalado da noite já estava instaurado.

Lá pelas 22 horas, o frio e pouco hospitaleiro Pavilhão Ciccillo Matarazzo, a sede da Bienal, se esvaziava. Enquanto isso, a pouco mais de seis quilômetros dali, outra construção assinada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, no centro da cidade, recebia convidados para a sua vernissage.

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As condições eram atraentes: um espaço abandonado há 20 anos no Edifício Copan, um ícone paulistano, era transformado em centro cultural. A inauguração acontecia com uma mostra de treze obras site-specific, e ainda por cima com música e bebida de graça em dia de nova Bienal. A ideia de atrair os holofotes do metier deu certo: cerca de duas mil pessoas se reuniram na inauguração do Pivô. O tamanho do lugar impressiona. São 3.500m², uma área maior do que a do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ainda em reformas, a arquitetura era labiríntica, desajustada, confusa, parecia um espaço acidental dentro do que era a planta original de Niemeyer. A exposição, chamada “Da Próxima Vez Eu Fazia Tudo Diferente”, ocupava com instalações e esculturas os três andares do lugar, todas buscando um diálogo com aquela singularidade arquitetônica. Por aqueles que a produziram, foi apelidada de “Bienal de Chernobyl”. A instalação “Aurora”, da artista visual Carmela Gross, a mais conceituada entre os selecionados pelo curador Diego Matos, iluminava a varanda do Pivô com sua luz neon arroxeada, onde também estavam os DJ’s da festa. Regada a drinks de Vodka Absolut - uma das parcerias para a realização do evento -, a celebração foi até às duas horas da manhã. Teve quem estendeu a comemoração para uma casa noturna do centro. O público maior era de artistas, críticos, curadores, galeristas, colecionadores. Também figuraram por lá atores globais como o Caco Ciocler, madames perfumadas da elite paulistana, diretores de instituições de arte internacionais como a Tate Modern e simples curiosos.

A estreia do Pivô foi comentada pela mídia nacional e internacional. Publicações como o jornal Folha de S. Paulo, as revistas SeLecT, Harper’s Bazaar e o programa Metrópolis da TV Cultura, até a revista americana Frieze e o blog do New Museum, de

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Nova York, destacaram a novidade. Os cliques da festa ficaram a cargo do blog Glamurama, da jornalista Joyce Pascowich, e da Vogue RG.

Nos bastidores, a mostra havia sido inteiramente montada com um orçamento de 100 mil reais, em apenas quatro meses e basicamente a seis mãos. Eram jovens de 25 a 35 anos, com pouco ou nenhum contato com o funcionamento de uma exposição de artes visuais. Quase todos vinham de experiências com o cinema.

O título da mostra, “Da Próxima Vez Eu Fazia Tudo Diferente”, com seu proposital erro de conjugação verbal, assume um tom premonitório e crítico quando se observa o que é hoje o Pivô. Como pano de fundo, há a tendência de reocupação da região central de São Paulo, que vem sendo tomada por diversas iniciativas culturais de diferentes intenções. As cartas estavam dadas: a seleção das obras, a natureza do espaço, os diferentes apoios e parcerias para sua criação e manutenção - elementos que constituíram o boom inicial e que permanecem como tripés para o funcionamento do Pivô até hoje.

A cabeça por trás do projeto, Fernanda Brenner, tinha então 26 anos. “A ingenuidade do começo ajudou muito. Foi uma energia louca e inconsequente. A gente tinha que chegar chutando a porta, tratar aquele espaço do tamanho que ele tem. Até hoje, quando penso naquilo, vejo que foi uma loucura. Jamais faria novamente, e o Pivô não existiria sem aquilo”.

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A história da construção do Edifício Copan é permeada por altos e baixos. O projeto inicial do arquiteto Oscar Niemeyer, um cânone do modernismo brasileiro, data de 1951. A princípio, a construção deveria ser finalizada em 1954, ocasião do 400º aniversário da cidade de São Paulo. Niemeyer esperava que o complexo, até hoje considerado um dos maiores residenciais da América Latina, fosse um lugar de intenso convívio social ao mesclar os apartamentos com estabelecimentos comerciais no andar térreo, além de um grande terraço - vontade essa alinhada aos ideais utópicos da arquitetura moderna brasileira. No fim das contas, o próprio projeto tornou-se utópico.

A planta do edifício foi redesenhada com os trabalhos já começados, e sua construção fora concluída somente em 1961. Mais interessado na construção de Brasília e desgostoso com a lentidão das obras, Niemeyer entregou o projeto para o arquiteto Carlos Lemos, que o tocou com o patrocínio do banco Bradesco a partir de 1957. A falência da instituição que antes bancava o projeto, a extinta Companhia Nacional da Indústria da Construção, também contribuiu para que a construção tomasse outro rumo. Para citar um exemplo, em artigo para a revista aU, de agosto de 2014, a arquiteta Carolina Silva Oukawa fala na implantação inadequada dos pilares do edifício. Muitos apartamentos que seriam mais amplos foram rachados em quitinetes, além de uma grande redução das áreas de uso comum. A irregularidade do espaço que hoje dá vida ao Pivô, com suas rampas tortuosas e curvas inesperadas, é resultado desse desarranjo no

momento de edificação. Ele fica em uma fatia do prédio, perto do bloco 3, na ponta do Copan mais próxima ao edifício vizinho, o Normandia. Os espaçosos 3.500m² estão distribuídos em três andares, que atravessam parte da sobreloja, do foyer e do terraço do complexo.

Originalmente, esse quase “buraco” do Copan tinha três finalidades diferentes. Ali funcionava uma agência de turismo - tipo de comércio muito comum na região até hoje -, uma central de atendimento do Bradesco, e principalmente um hospital dentário para os colaboradores da empresa. Do banco mesmo, apenas restou uma agência no prédio em frente ao Copan. Vale lembrar ainda que, na planta original, esse prédio da frente seria um hotel anexo ao edifício principal. O projeto previa até uma marquise que unisse os dois blocos, sobre o que hoje é uma rua interna.

O lugar foi totalmente desocupado ainda nos anos 70, loteado e posteriormente comprado, em 1992, em um leilão público. O local seguiu sem nenhum tipo claro de funcionamento, a não ser talvez em seu piso térreo, que fora cedido algumas vezes como locação para produções audiovisuais, de comerciais a longas-metragens. Ainda havia restos de cadeira de hospital, ferramentas médicas estragadas e ratos mortos quando Brenner entrou no lugar pela primeira vez, em 2011.

INVENÇÃO

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Ainda havia restos de cadeira de hospital, ferramentas médicas estragadas e ratos mortos quando Brenner entrou no lugar pela primeira vez, em 2011.

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“Hoje o lugar até parece a Tate Modern [de Londres], comparado com o que era. Era cheio de salinhas, um labirinto maluco. Você não tinha toda a dimensão do espaço, não dava para lembrar por onde entrou”, ela contou em nosso primeiro encontro.

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do Pivô como herança também foi comentado por diversas outras fontes em off, que Brenner diz não poder revelar a identidade por questões contratuais.

A primeira experiência foi realizada no fim daquele mesmo ano, entre os meses de outubro, novembro e dezembro, junto com a amiga Alessandra Terpins, que hoje integra a equipe de produção da galeria Luisa Strina. O proprietário emprestou as chaves do espaço, e permitiu que fizessem uma reforma no piso térreo, pedaço onde hoje funciona o restaurante “La Central”. A vontade delas era realizar uma ocupação com 30 artistas convidados por Terpins, visto que Brenner ainda não tinha tantos contatos no meio. O grupo fez todos os ajustes necessários no lugar, de pintar as paredes mofadas até aplicar um carpete, e transformou o lugar numa espécie de ateliê coletivo. “Não tinha nada curatorial, galeria por trás ou assessoria de imprensa. Queríamos acordar o espaço”, ela conta. O resultado foi a exposição “Projeto Imóvel”, que segundo Brenner, recebeu mais de três mil visitas espontâneas durante o curto período de 20 dias. Não há registros na imprensa do evento.

O projeto inspirou ações mais regulares, que pudessem acontecer três vezes ao ano. “Percebi que havia uma demanda muito grande por parte dos artistas por um lugar em que pudessem tomar risco. Eles não poderiam testar certas práticas em uma galeria porque existe o compromisso com o mercado, e quando que um artista consegue fazer uma exposição em um dos três museus da cidade?”, constata. Surgiu então a vontade de construir ali um espaço de fomento à produção artística, um “território para discussões no campo

Naquele momento, ela já tinha largado a faculdade de cinema, na Faap, há alguns anos. Mesmo assim, trabalhava como assistente de arte e de cenografia em diversos filmes pela O2 Filmes, a famosa produtora do cineasta Fernando Meirelles, tal como o premiado “Ensaio Sobre A Cegueira”. Depois de sete anos na área, abandonou as exaustivas diárias de trabalho no cinema para se dedicar à atividade artística.

Brenner, que na época era uma pintora só de final de semana, procurava algum salão que servisse de ateliê. Ela narra com empolgação a sua história com o Pivô, ainda que pareça um texto meio formatado, talvez pelas tantas vezes que já contou. No seu relato, um amigo de família comentou ter um lugar no centro, mas que achava muito grande para o que ela buscava. “Fui visitar o espaço, que na minha cabeça era uma só uma lojinha. Assim que entrei, tive uma pira artística. Aquilo era um sintoma claro de como a cidade lida com arquitetura e história. O lugar tinha vocação para a cultura”, relembra. Ela levava amigos para visitar o lugar, aqueles que considerava terem fibra para realizar algum projeto ali. Era um espaço gigantesco, perdido em um ícone de São Paulo, e à sua disposição. Ela diz que aquilo se apresentava como missão.

Essa versão do começo do Pivô que Brenner conta possui passagens que ela prefere deixar em branco. O thriller sino-brasileiro “Plastic City”, coprodução da O2 de 2009, usou o tal espaço do Copan como locação para algumas cenas em que ela mesma trabalhou. Affonso Celso Prazeres, síndico do Copan há 22 anos, disse sem rodeios que o lugar foi herdado por Brenner de seu avô. O espaço

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Depois que o ano virou, em 2012, o lugar foi oferecido à Brenner através de um comodato: um dispositivo contratual em que o locatário tem permissão para utilizar livremente o estabelecimento, com previsão de restituição posterior com prazo a ser acordado. O proprietário “anônimo” queria se ver livre das despesas mensais geradas por um espaço daquela magnitude.

Brenner viajou para Nova York e para a Europa, onde conversou com diretores de instituições que talvez tivessem alguma similaridade com o projeto que, segundo ela, ainda era só intuitivo. Aprendeu que, no final das contas, nada do que estudou poderia ser aplicado por aqui. “Um non-profit spaces [tipo de um espaço de arte independente], em Nova York, tem automaticamente isenção de uma série de impostos pela prefeitura. Não há non-profit [sem-impostos] no Brasil. Brinco que o Pivô é um non-budget [sem-orçamento]”.

da arquitetura e das artes visuais”: rascunho do que se institucionalizaria alguns meses depois como a Associação Cultural Pivô Arte e Pesquisa.

O que ela já tinha em mente eram três premissas básicas: o Pivô não representaria artistas, não abriria para a comercialização de obras e não constituiria acervo. Brenner sabia também que a própria escala do lugar o afastaria de uma mecânica habitual de um espaço independente, no sentido tradicional. Por consequência, surgiu nessa esteira um pensamento institucional que procurava adequar uma dinâmica de economia e gestão interna bastante particulares.

Para a oficializar a cessão do imóvel em comodato, o Pivô foi fundado em maio de 2012 como uma associação cultural: iniciativa de um grupo de pessoas físicas voltada para algum campo da cultura, e sem fins lucrativos. Ela usou como molde a Associação Cultural Videobrasil, fundada em 1983 pela Solange Farkas. O Videobrasil foi uma inspiração do fotógrafo moderno Thomaz Farkas, e tinha a premissa de “mapear e fomentar produções artísticas contemporâneas ao sul do Equador, como foco principal na videoarte e mídias eletrônicas”, segundo seu site.

A instituição hoje é respeitada por ter ajudado a firmar o audiovisual como um importante suporte artístico, além de contar com um acervo de 1.300 obras, segundo seu site. Vale lembrar que o Sesc - o Serviço Social do Comércio - apadrinhou o projeto há 23 anos, e que Solange Farkas se beneficiou de suas relações pessoais e profissionais para consolidar de vez o louvável projeto – e sem nenhum demérito nisso.

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O que ela já tinha em mente eram três premissas básicas: o Pivô não representaria artistas, não abriria para a comercialização de obras e não constituiria acervo.

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Paralelo ao processo de constituição formal do Pivô, acontecia também a produção de sua exposição inaugural. O novo braço direito de Brenner era Tyaga Sa Brito, uma amiga que estava com ela quando aconteceu o primeiro contato com o lugar. A produção ganhou reforço com a chegada pouco depois de Renato Silva, arquiteto que trabalhou na montagem da 29ª Bienal. Os também arquitetos Lucas Girard e Tiago Bahia ficaram responsáveis pela reforma – absolutamente necessária - do lugar. Marta Ramos-Yzquierdo, a única que tinha experiência profissional em galeria de arte, tomou a cargo as formalidades institucionais. Essa foi a primeira equipe do Pivô. O curador Diego Matos, hoje integrante da equipe curatorial do Sesc_Videobrasil, foi o escolhido por Brenner em maio para conceber e produzir a mostra abre-alas em sete meses.

O projeto curatorial da mostra “Da Próxima Vez Eu Fazia Tudo Diferente” estava calcado principalmente na arquitetura espacial e simbólica do Copan. A proposta era discutir questões como a permanência do pensamento modernista da época da construção do edifício, em diálogo com a situação de ocupação do espaço central da cidade e a ativação - ou reativação - de um ambiente parado no tempo e alçado à uma nova esfera. Vale destacar que toda uma cena cultural efervescente no centro da cidade e no chamado Baixo Augusta. Coletivos e movimentos artísticos, como a pioneira VOODOOHOP, já hypavam a região com festas em prédios desocupados e intervenções artísticas de diversas ordens desde 2010. Além disso, há outros espaços independentes próximos ao Pivô: o Phosphorus e o Paperbox Lab na região da Sé; o COMO Clube na Praça da República; o Estúdio

Lâmina na avenida São João; a Casa do Povo no Bom Retiro; e o .Aurora, na rua Aurora.

Foram selecionados trabalhos de catorze artistas para a exposição: Adriano Costa, Amalia Giacomini, Carmela Gross, Cristiano Lenhardt, Daniel De Paula, Eduardo Coimbra, Eduardo Frota, Guilherme Peters, Luiz Roque, Marcelo Gomes, Nazareno, Paloma Bosquê, Vitor Cesar e Rogério Sganzerla. Este último participava, na verdade, com uma contribuição ao título do evento. A frase, com seu proposital erro de conjugação, é a última fala de um filme pouco conhecido do cineasta, “Documentário”, de 1966. No texto que acompanhou a mostra, Matos coloca: “(...) Em 1966, (...) Rogério Sganzerla se utilizará da linguagem cinematográfica para nos falar de uma tomada de posição artística que se constitui pela própria possibilidade de vivência da cidade. Em “Documentário”, ele nos apresenta esse grande palimpsesto que é a própria cidade em constante mutação (...); tratava-se do momento de maior afirmação da nossa arquitetura moderna e que, paradoxalmente, parecia sugerir, ao mesmo tempo, o seu declínio.”

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O artista paulistano Daniel de Paula, “Puxados, despejos e pórticos”, teve a ideia de transportar um elemento de uso público desativado e inseri-lo no espaço expositivo. De Paula escolheu três pontos de ônibus que encontrou em um depósito da prefeitura, em corrosão, ou “deixando de existir”, nas palavras do curador. Houve uma grande mobilização para transportar, içar e montar essas peças, o que os fez refletir sobre a própria forma de organização e feitio de uma exposição de arte. Todos ali eram inexperientes. A proposta de ocupar o espaço privado com um elemento de natureza pública que havia sido abandonado tornou aquilo um corpo estranho - uma arquitetura dentro de uma arquitetura.

A artista Carmela Gross era, sem dúvidas, o nome de maior peso entre os participantes. “Quase dá pra fazer um livro, ‘Eu e Oscar Niemeyer’, tem obra minha em tudo que é coisa dele”, disse em uma conversa no seu ateliê, no Jardim Paulistano. Para ela, a obra “Aurora” sempre foi realizada em espaços de formulação confusa. “Gosto muito de fazer trabalhos nesses espaços desconectados, desfeitos”. A base para a reapresentação foi o projeto que ela levara para a Bienal de Moscou em 2007, sua mais recente montagem até então. Na sua quarta apresentação, acompanhava os pilares da ampla varanda do Pivô. Algumas adaptações tiveram que ser feitas. Como a lâmpada original não estava mais à venda, a produção teve que usar uma gelatina rosa em volta das lâmpadas brancas. A instalação foi montada de tal forma que a luz do dia perpassava pelas lâmpadas e fios de acordo com a movimentação solar. À noite, quando aceso, o trabalho ocupava o espaço, sem, no entanto, se tratar de uma obra com volume. A artista não acompanhou a montagem. “Na época estava fazendo outras coisas. Falei pro Diego que eu dava o projeto e eles faziam tudo. Os cabos ficaram retos, não caem no sentido de chuva de fios. Eu não queria fios compostos, arrumados de tal forma. Se aquele é o sentido natural do fio, que assim seja. É um detalhe conceitual que está mais na minha cabeça do que na experiência visual do próprio trabalho. Artes plásticas é cheia desses detalhes, e o artista é o chato que fica tomando conta do parafuso que ninguém verá. Ainda assim, fizeram com muita competência”, finaliza.

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Em nossa conversa, Matos parece absolutamente cuidadoso com as palavras, buscando relatar com exatidão suas lembranças da empreitada. Para ele, Brenner e seus amigos ainda traziam um ritmo de produção de cinema, tinham energia para construir como se tudo fosse possível. No curto espaço de quatro meses entre a concepção e exibição do projeto, Brenner conseguiu levantar um orçamento de 100 mil reais através de uma série de contatos pessoais. “Fiz um discurso apaixonado de tudo como estou te contando agora, não tinha nem um PDF para apresentar”, diz. “Eles confiavam mais em mim do que no projeto, e não era uma grana também que traria prejuízos, que eles estavam perdendo. Não foi tão romântico assim”.

Um dos acordos para o aporte financeiro foi com a galeria Mendes Wood DM. Lá seria realizada na mesma época uma exposição chamada “Alphabet of Magi”. O combinado foi que as obras de três artistas que compunham a mostra - Jen Denike, Alejandro Jodorowsky e Daniel Steegman Mangrané - seriam acomodados no espaço do Copan. A galerista Juliana Freire, da Emma Thomas, também levou para lá dois artistas, Lucas Simões e Alexandre Brandão. A equipe da galeria ajudou Brenner e seus colegas com um know-how de montagem e organização de uma exposição.

Matos ficou um pouco indisposto com a situação. “O que eu queria era que houvesse um diálogo de princípio com as galerias, até porque um desses artistas, o Alexandre, é meu amigo e poderia ter trabalhado com ele facilmente. Houve uma indistinção que não era pra ter acontecido. No começo, a Fernanda também se incomodou com

as parcerias com as galerias. Depois, ela começou a perceber: “Qual era o problema fazê-los entrar pela porta da frente? Por que esconder?”. Brenner confessa que as pessoas não entenderam que eram três exposições diferentes. “A gente não conhecia os protocolos do metier. Não sabia que não podia fazer parcerias como aquela, não entendia que podia ser algo terrível. Foi bom no começo todos da equipe serem meio sem-noção dessas regras do mercado de arte. Chegamos chutando a porta porque o que estávamos fazendo era enorme, as obras eram gigantes”.

A estreia à noite, logo depois da Bienal, além do caráter simbólico envolvido, foi uma sacada para atrair as pessoas. “Na Bienal, te dão água ou, se você tiver sorte, cai em um jantar mala de algum colecionador com quarenta pessoas”, disse Brenner. Matos aborda o assunto de maneira um pouco mais ácida. “Existe um dado pueril do circuito que você deve perceber, que é uma coisa de encantamento com algo que é um exótico domesticado. Lá tinha todos os componentes para isso e abriu no momento certo”, comenta. A vontade de chamar a atenção para o lugar foi pensada junto com as galerias parceiras. O evento foi divulgado via assessoria de imprensa dias antes. Juntar forças para

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chamar um público que interessava a todos era o mote. Brenner queria construir pontes e acessos com o circuito, onde ter bons contatos pode ser uma questão de sobrevivência. Deu certo. Carmela Gross, por exemplo, se lembra que não dava nem para andar. A empresa de segurança que guardou o evento contabilizou duas mil pessoas presentes. A equipe do Pivô contratou também três educadoras - duas estudantes de artes visuais e uma de ciências sociais - para um apoio de mediação na abertura e no tempo posterior de exposição, que foi até o dia 14 de outubro. Para o trabalho de um mês e meio, elas receberam um valor módico de 250 reais. Strike.

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No começo, a Fernanda também se incomodou com as parcerias com as galerias. Depois, ela começou a perceber: “Qual era o problema fazê-los entrar pela porta da frente? Por que esconder?”

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A cada seis meses, o conselho consultivo do Pivô se reúne. Seus membros se encontram para opinar e deliberar a programação do lugar – e são figuras de papéis bem distintos no circuito artístico que sentam-se à mesa. Para citar alguns: o casal Camilla e Eduardo Barella, que são os colecionadores de arte do momento; Felipe Dmab, que articulou a parceria junto com a primeira exposição, é um dos sócio-fundadores da galeria Mendes Wood DM; Márcio Harum é curador; Benjamim Seroussi é gestor da Casa do Povo, espaço cultural do bairro do Bom Retiro. Brenner conta que não há votação formal sobre o que deve ou não compor as atividades desenvolvidas pelo lugar. Do encontro, uma ata é encaminhada para firma em cartório. Toda essa formalidade, até a própria existência de um conselho consultivo, é uma das condições básicas exigidas pelo poder público para o que Pivô seja considerado legalmente uma associação cultural.

Com o devido aprendizados da experiência inaugural e o todo o primeiro orçamento torrado com a “Da Próxima Vez Eu Fazia Tudo Diferente”, o Pivô, em 2013, arriscava um projeto se mostrava mais delineado: ser um espaço autônomo de arte contemporânea, sem fins lucrativos, que fomentasse a pesquisa e o desenvolvimento de projetos artísticos, da sua concepção até seu período visível.

Fernanda Brenner expressou diversas vezes em nossos encontros sua crença em um modelo institucional e, mais do que isso, o seu desejo de tornar efetivamente o Pivô uma instituição. Para ela, o grande alvo é suprir uma demanda artística que não pode ser atendida por um museu

ou uma galeria comercial. “Os artistas sempre foram agentes muito ativos na construção do Pivô. Faltava um espaço que pegasse um artista em meio de carreira, ou um artista mais consagrado que quisesse experimentar. O Cildo (Meireles, artista visual que realizou uma exposição/conversa experimental em novembro de 2014) me falou ‘ninguém mais me chama pra fazer projeto fácil, agora é só retrospectiva na Tate (Modern, de Londres) com uma estrutura gigante”.

No entanto, entre o ideal e o praticável, parece que algo da programação se perde. Talvez os três anos de existência do Pivô sejam um período curto para enxergar algum tipo de influência ou impacto das atividades da instituição no circuito artístico. Colocadas em comparação, o fato é que as agendas de cada ano do lugar não parecem ter uma coerência entre si, isto é, não há um traço comum que dê uma identidade curatorial ou uma proposta afirmativa. Os projetos realizados através de residências no próprio Pivô e a sua consequente mostra, o esboço institucional proposto por Brenner, parecem incipientes. Alguns programas expositivos foram formulados ao longo do tempo, ajustados de acordo com as possibilidades financeiras e com as diferentes configurações espaciais do imóvel.

A ESTRUTURA

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“Os artistas sempre foram agentes muito ativos na construção do Pivô. Faltava um espaço que pegasse um artista em meio de carreira, ou um artista mais consagrado que quisesse experimentar.”

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A entrada principal do Pivô fica de frente para a viela interna entre o Copan e a agência do Bradesco vizinha. Nesse passeio, onde praticamente não passa carro, tem o badalado Bar da Dona Onça, um pequeno restaurante vegano, e também uma lavanderia. De cara, o visitante é recebido com uma exposição do programa “Hello.Again”, que busca estabelecer um diálogo com o ambiente urbano do entorno, tal como uma área de transição entre a rua e o Pivô. Uma parede falsa divide o espaço em dois, sendo a maior parte do restaurante “La Central”. Para a pequena mostra, resta a apertada área da entrada, de paredes envidraçadas e com uma grande pilastra redonda no centro. São três edições do “Hello.Again” realizadas por ano – duas partem de um convite do próprio Pivô, e uma terceira é selecionada por edital. O projeto foi pensado para abrigar ações de artistas que estejam despontando e tenham até dez anos de carreira

As três edições do “Hello.Again” realizadas este ano foram (em ordem cronológica):

“O Monólito e A Sentinela”Ana Mazzei / 21 fev—09 mai

“Labirinto de Hermès”Pontogor / 30 fev—22 ago

“O Incômodo”Paloma Bosquê / 29 ago—19 dez

No canto direito, ao lado da mesa da recepcionista, fica a escada estreita, de concreto exposto e corrimão de ferro, que leva para o que eles chamam de piso do meio. Se na planta de

Niemeyer o Pivô não existia, é aqui que isso se torna mais evidente. A disposição dos pilares de diferentes espessuras, as curvas das paredes, os degraus em um piso de rampa: os elementos arquitetônicos geram uma ambiência bastante singular e distinta do que se esperaria de um edifício modernista, ou de um espaço expositivo tradicional, do tipo cubo branco. Trata-se de um “resto” do edifício, e a característica mais chamativa do Pivô. Nessa área maior e mais nobre se realiza o Programa Anual de Exposições: três a quatro ações, propostas pela equipe curatorial e/ou por seu conselho consultivo. Os participantes devem desenvolver projetos moldados para aquele contexto específico. Há também o programa “Fora da Caixa”, que visa investigar produções artísticas realizadas nos últimos 50 anos – a idade do Copan – e tazê-las para o tempo contemporâneo. A curadoria deve apresentar obras ou projetos que tenham alguma importância histórica e que estejam reservados a coleções públicas ou privadas.

Já participaram do “Programa Anual de Exposições” (em ordem cronológica):

2013*

“Pivô é a Rua”Coletivo Transverso, Lourival Cuquinha, Coletivo MUDA, Matias Espacial Picón, Cauê [do Coletivo Transverso], Vapor 324 e Arto Lindsay / 5 out—16 nov

“À Tona”Feco Hamburguer à tona / 6 abr —4 mai

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*Essas três exposições de 2013 não foram classificadas em nenhum dos outros programas extintos do Pivô. A mostra “À Tona”, foi colocada dentro do projeto “Produções Pivô”, que “promove a investigação, desenvolvimento e divulgação de criadores contemporâneos, atuantes no Brasil e no exterior, e com foco na exibição e aproximação do público dos processos criativos dos artistas.” Não há outras ações realizadas nesse modelo – ou ao menos com esse nome.

2014

“Brazil: Arbeit und Freundschaft”Pedro Caetano, Marcius Galan, Marcelo Cipis, Jac Leirner, Antonio Malta, Paulo Monteiro, Suiá Ferlauto, Roberto Freitas, Marcelo Comparini, Barbara Rodrigues, Rodrigo Andrade,Shima, José Alberto Bahia Duarte, Henrique Detomi, Alice Lara, David Almeida, Thales Noor Rocha Nobre, Gregório Soares, Ana Rita Sousa Almeida, Débora Sousa Amor / 15 fev—15 mar

“Projeto Gameleira 1971”Lais Myrrha / 7 jun—2 ago

“É Possível, Mas Não Agora”Regina Parra / 25 out—20 dez

2015

“O Que Não Tem Conserto”Tonico Lemos Auad / 05 abr—30 mai

“Casa 7 no Pivô”Carlito Carvalhosa, Fabio Miguez, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade / 13 jun—29 ago

“Apodi 69”Cinthia Marcelle, Lais Myrrha, Marilá Dardot, Matheus Rocha Pitta e Sara Ramo / 19 set—07 nov

Para chegar ao terceiro andar, o visitante tem duas opções. Um dos caminhos é continuar na escada circular principal que dá para uma espaçosa varanda. Nas festas de vernissage do Pivô, a área externa é a que fica mais cheia. Lá os visitantes podem se encontrar, conversar e beber fora do espaço expositivo, mas permanecendo no Pivô. O outro caminho para subir de piso é seguindo pelo corredor do andar do meio, que parece se estreitar para depois criar novos espaços, onde estão o banheiro e o escritório. No final, há uma escada mais escondida, que dá acesso direto aos ateliês de artistas.

Em colaboração com o artista visual Beto Shwafaty, o programa “Pivô Pesquisa” destina 1.600m2 para esses estúdios temporários. Os artistas, selecionados por edital, utilizam o espaço entre quatro e seis meses. Para se inscrever, eles devem apresentar uma pesquisa que se justifique de ser realizada no Copan ou na região central. Em 2013, o programa chamava-se “Ateliê Temporário”, e teve como participantes os artistas Beto Shwafaty, Clara Benfatti, Fabio Tremonte, Feco Hamburger, Glauco Firpo, Lais Myrrha, Leticia Ramos, Lucia Koch, Marcos Gorgatti, Michael Dean, Nazareno, Omar Salomão, Paulo Pjota, Pinar Yolacan, Rodolpho Parigi, Theo Craveiro, Valentina Liernur e Vitor Cesar.

Em 2014, quando o programa mudou de nome, os artistas residentes foram Ana Mazzei, Beto Shwafaty, Fábio Tremonte, Julio de Paula, Lucas Simões, Regina Parra, Ricardo Alcaide, Rodrigo Garcia Dutra, Teresa Berlinck e Vivian Cacuri. Em

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2015, Schwafaty, Simões e Alcaide optaram por ficar com ateliês permanentes. Os demais foram então Alessandra Domingues, Antonio Lee, Daniel Albuquerque, Diego Cattani, Frank Ammerlaan, Julio de Paula, Julius Heinemann, Leticia Ramos, Luiz Roque, Matthew Lutz-Kinoy, Pedro Caetano, Raquel Uendi, Renata Ursaia, Stefania Batoeva e Tobias Madison.

“O cotidiano aqui é bem tranquilo, mesmo porque é difícil encontrar todos trabalhando ao mesmo tempo”, conta o artista Lucas Simões, no ateliê. “O interessante daqui é poder cruzar com outras pesquisas, conversar com pessoas inesperadas no meio do caminho”, completa. Para o “Pivô Pesquisa”, existe um almoxarifado e uma marcenaria à disposição dos artistas. Um pintor, um marceneiro e um cenotécnico integram a equipe. Essa infraestrutura permite que o lugar seja praticamente autossuficiente em montagens de exposições - um caso raro em qualquer tipo de espaço de arte.

Ainda no terceiro andar, uma área para debates e workshops e dois ambientes são destinados a projetos expositivos e apresentações públicas - o programa chamado “Pivô Recebe”. São contemplados de três a seis projetos de artistas, curadores ou produtores, formatados para aquele espaço, e que se alinhem conceitualmente com a proposta do lugar. Uma análise dos registros das atividades do Pivô indica que o programa já tivera outros nomes - “Conduíte”, “Pivô Acolhe” e “Pivô Convida” - e também formatações variadas até se tornar o “Pivô Recebe”. Nem todas as ações nessa “categoria” aconteceram somente no terceiro andar.

Ações já realizadas no “Pivô Recebe” (considerando as antigas denominações “Conduíte”, “Pivô Acolhe” e “Pivô Recebe”:

2012

“Quase Sombra”Alexandre Brandão / 08 set—14 out / Parceria com a galeria Emma Thomas

“Dimensão Encerrada”Lucas Simões / 08 set—14 out / Parceria com a galeria Mendes Wood DM

“Alphabet of The Magi”Exposição foi dividida entre o espaço do Pivô e o da galeria Mendes Wood DMArtistas no Pivô : Jen Denike, Alejandro Jodorowsky, Daniel Steegman Mangrané / 08 set—14 out

2013

“Corta Luz”Luiza Baldan / 03 ago—31 ago / Pivô Convida

Rodolpho Parigi / 21 set—23 nov / Programa Conduíte / Parceria com galeria Nara Roesler

“Golpe de graça”Matheus Rocha Pitta / 5 out—21 dez / Pivô Convida / Parceria com Mendes Wood DM

“Vostok – Um Prólogo”Letícia Ramos / Performance em 5 abr / Pivô Convida

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“David Abramo”2 mar—23 mar / Pivô Acolhe com Mendes Wood DM

“On Sociology (The Civilization of Speculation)”Stefan Brüggemann / 6 abr—4 mai / Pivô acolhe com Mendes Wood DM

Lançamento da Revista NAU21 out

“Metaphone”Projeto de Vygandas Simbelis / 2 nov / Parceria entre o Pivô, o Festival Videobrasil e o Consulado da Lituânia

Debate: Kiko Goifman, Cao Guimarães, Ivana Bentes e mediação de Eduardo de Jesus18 dez / Parte da programação dos Programas Públicos da 18ª edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil

Lançamento do livro “Vostok”Letícia Ramos / 19 dez

“Tabuleiro em Construção”Workshop de Edith Derdyk e Lua Tatit / 22 jun—13 jul “Handmade Urbanism / De Iniciativas Comunitárias a Modelos Participativos” Paulo Ayres + Lançamento do livro homônimo / 6 jun—5 jul

2014 “Que Coisa é? Uma Conversa” Cildo Meireles e Mario Garcia Torres / 31 ago—01 nov / Proposta de Alexandra Garcia Waldman “Umas e Outras” Lenora de Barros / 29 mar—17 mai / Parceria com a Galeria Millan “Noturna” Workshop com os artistas Lucas Simões e Roberta Ferraz / 16 ago Conversa entre Cildo Meireles e Guilherme Wisnik Parceria com a Galeria Luisa Strina por ocasião das exposições “Pling Pling”, na galeria, e a “Que coisa é? Uma conversa” no Pivô Conversa com Ibis Hernández 31 jul Palestra/ Conversa Aberta: Fabio Bonfati e Raily Yance com Sofía Hernandéz Chong Cuy e Fernanda Brenner 20 nov Exposição Erica Ferrari 02 ago—30 ago / O Pivô recebe o projeto ‘Corpos d’Água’ da artista Erica Ferrari, contemplado pela Secretaria de Cultura de São Paulo, através do Edital ProAC

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Exposição El Ranchito / Matadero Madri e Pivô 02 ago—30 ago / O Pivô receberá os artistas espanhóis participantes da Residência El Ranchito, programa do Espaço Cultural Matadero em Madrid. Os artistas selecionados são: Ana Belén López Plazas, Marta Muñoz Legido, Natalia Domínguez, Pablo Santacana e Raúl Díaz Reyes Exposição / O/A Artista Como – Translecturas Translechugas Tipo Walestras / Walectures / Por Uma Ecologia De Saberes Or How To Conduct The Ceremonies Of The Pedagogical/ Artista Como/ 20 mai—22 mai / Suporte do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 10ª Edição

Pivô recebe Casa Triângulo 05 abr—27 abr / Exposição comemorativa de 25 anos de atividades da Casa Triângulo / Artistas brasileiros participantes: Albano Afonso, Alex Cerveny, assume vivid astro focus, Camila Sposati, Daniel Acosta, Eduardo Berliner, Flávio Cerqueira, Marcia Xavier, Mariana Palma, Nazareth Pacheco, Reginaldo Pereira, Rommulo Vieira Conceição, Sandra Cinto, Tony Camargo, Valdirlei Dias Nunes, Vânia Mignone e Yuri Firmeza. Artistas estrangeiros participantes: Guillermo Mora, Jack Strange, Joana Vasconcelos, Juliana Cerqueira Leite, Manuela Ribadeneira, Max Gómez Canle, Pier Stockholm e Stephen Dean Palestra com Steven Henry Madoff e Ana Paula Cohen 17 out

2015 “Question Centre” Marcius Galan / @ Pivô Recebe / 21 fev—28 fev Conversas Desenhadas Sobre Paredes 18 abr Conversa com o escritor e curador independente Chris Sharp 30 mai Lançamento do livro “Outras Fotografias na Arte Brasileira Séc. XXI” 25 abr / O livro apresenta o trabalho de 24 artistas que utilizam-se da fotografia para construir possíveis caminhos de representação a partir das intrincadas relações entre a arte e o real. Às 15h haverá conversa com os artistas Virgínia de Medeiros e Jonathas de Andrade, o curador Moacir dos Anjos e a editora-chefe da Cobogó, Isabel Diegues Lançamento do livro “Cao” de Cao Guimarães01 ago Deserto-Modelo Lucas Arruda / 05 abr—30 mai / Essa exposição é realizada com apoio da Mendes Wood DM Parágrafo Único Fábio Tremonte / @ Pivô Recebe / 09 mai—06 jun

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O ano de 2013 possui duas características marcantes que não se repetem nos seguintes. Sete das nove mostras apresentadas foram parcerias com galerias comerciais e outras instituições. O programa “Pivô Recebe”, que foi algumas vezes chamado de “Pivô Acolhe” ou “Pivô Conduíte”, foi a plataforma criada para esse tipo de iniciativa. Nesses casos, o Pivô cede seu espaço para a programação de outras instituições, recebendo em troca uma ajuda para seu sustento. Vale citar como exemplos o artista Rodolpho Parigi, representado pela galeria Nara Roesler, que apresentou no Pivô sua persona performática Fancy Violence, ainda nas primeiras aparições; a exposição “Golpe de Graça”, de Matheus Rocha Pitta, bancada pela galeria Mendes Wood DM. O artista interferiu diretamente na arquitetura do Copan ao furar o chão do andar do meio, conectando com sua obra dois pisos do Pivô; e o projeto “Metaphone”, da artista lituana Vygandas Simbelis, que fazia parte do programa do 18º Festival Sesc_Videobrasil. A outra característica em relação a esse ano é a recorrência de trabalhos ligados à arquitetura e ao contexto urbano. Tais temas surgem com força nas residências artísticas, nas exposições e nas parcerias com as outras instituições. A já citada mostra “Golpe de Graça”; o trabalho de Luiza Baldan, “Corta Luz”; o workshop “Tabuleiro em Construção”; e a individual de David Abramo são alguns casos. As mostras coletivas “O Pivô é a Rua” e “Handmade Urbanism” utilizaram a arquitetura esquisita do Pivô a seu favor, um acerto ao se tratar de questões como a arte de rua, os (des)arranjos urbanísticos e reflexões acerca de espaços públicos.

Em 2014 e 2015, esse denominador comum desaparece. As ações, ainda que mais regulares, se tornam desconexas entre si, sem um fio condutor que as una. As parcerias com galerias (pelo menos as explícitas) encolhem, e projetos de maior fôlego - como a exposição “Umas e Outras” de Lenora de Barros e “Projeto Gameleira 1971” de Lais Mhyrra – trazem o Pivô de volta às páginas de cultura dos jornais e das revistas especializadas. Há uma justificativa bem específica para esse ponto de virada, e que toca diretamente na forma que o lugar é financiado: a utilização da Lei Rouanet.

A produtora Sandra Oksman é hoje o braço direito de Brenner no projeto. Elas já tinham trabalhado juntas em 2007 no longa “Plastic City”. Oksman também largou o cinema, e se radicou em Nova York por um tempo para repensar seus caminhos profissionais. Voltou para o Brasil em março de 2013, com o convite da amiga para integrar o time do Pivô. Ela é quem opera todos os trâmites envolvidos na gestão do lugar e agiliza os processos. “A entrada da Sandra marcou uma sedimentação institucional pra pensar a economia interna. Antes estava muito experimental, em todos os sentidos.

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Ela foi essencial para a gente conseguir fechar um pensamento, um conceito”, disse Brenner em um encontro com as duas, sem deixar claro que pensamento é esse. Nessa conversa, em uma sala reservada do escritório do Pivô, muitas vezes uma completava a frase da outra – e davam risada ao contar o trabalho cotidiano. Ninguém da equipe original permanece trabalhando diretamente no Pivô. Incluindo Brenner e a recepcionista, são só oito pessoas. “O trabalho aqui é horizontal. Todo mundo sabe o que está acontecendo, até porque as funções se acumulam”, conta Brenner. Todos dividem uma mesa no amplo escritório do lugar. “Aqui, seja quem for, se você está caminhando e vê uma goteira, você vai parar pra resolver, não dá para ignorar o problema. Cada um tem uma lista de tarefas, mas, pela natureza do projeto, mistura tudo”, explica Oksman, arregalando os olhos. “O Copan é uma cidade, tem todo um relacionamento complexo com o prédio. Além disso, todo dia é um vazamento, o elevador que quebra, um artista que começou a usar tinta spray e o outro reclama”. A equipe não recebe 13º salário, mas tem férias remuneradas e uma diária de trabalho mais flexível. Oksman explica que a situação em comodato isenta a administração do pagamento de aluguel – o que acontece também com o instituto Tomie Ohtake, por exemplo. A Lei de Incentivo, no entanto, só permite que se destine 15% do orçamento previsto para taxas de manutenção, pois o valor deve ser em sua maioria aplicado no projeto em si. Oksman: “Se eu botar que gasto 25 mil por mês de condomínio, já estoura todo meu orçamento. Não consigo pagar, é impossível e

inegociável”. Outro gasto citado por ela é o IPTU, calculado a partir da localização e tamanho do imóvel. O do Pivô hoje está em 60 mil reais/ano. À certa altura do papo, depois de ter detalhado uma série de tarefas diárias e outros gastos que o lugar demanda, ela falava mais acelerada. “Aqui você gasta muito mais para existir do que para fazer programação, é uma ginástica diária. 40% da semana nós passamos discutindo cada centavo que sai”, diz. “Um espaço desse tamanho... São o que? Nove exposições por ano, com quinze artistas em estúdio e uma equipe do tamanho da nossa? É um pouco insano. Mas para a gente, que trabalhava com cinema, é até normal”, Brenner completa. “Precisa de uma dose considerável de idealismo”. Três meses depois da chegada de Oksman, um plano anual de atividades foi desenvolvido para que o Pivô pudesse ser submetido à Lei Rouanet, que é por enquanto a fonte de renda mais generosa do espaço. A Lei Federal de Incentivo à Cultura, criada em 1991, permite que pessoas físicas e jurídicas possam destinar parte do imposto de renda para iniciativas culturais. O desconto, que não pode passar de 6% para cidadãos e 4% para empresas, é uma forma que o governo federal encontrou para estimular o patrocínio através do abatimento fiscal – ainda que haja algumas críticas à formulação da lei. A partir do momento em que o solicitante já conseguiu 1/12 do valor projetado, já é possível tocar o negócio. Para o ano de 2014, o Pivô solicitou junto ao Ministério da Cultura, em novembro de 2013, um orçamento de aproximadamente 975.810,00 reais. O valor foi aprovado em torno dos 900 mil,

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sendo que nem 40% do montante foi captado. Para 2015, o Pivô atingiu a mesma porcentagem. Para Oksman, é como se o Pivô tivesse que ser refeito a cada ano. A discrepância entre o dinheiro solicitado e o que é captado, além do largo período de tempo que existe entre a concepção do plano e a sua real execução, são grandes entraves. Uma matéria do jornal “Folha de S. Paulo”, capa do caderno “Ilustrada” no dia 11 de agosto de 2015, aponta para a lentidão e a burocracia envolvidas nos mais de 6.500 pedidos recebidos anualmente pelo ministério. Oficialmente há 28 pessoas contratadas pelo MinC para deliberar se uma proposta está apta ou não a levantar patrocínio. O Pivô foi, inclusive, citado no texto por ser um caso bem sucedido diante da burocracia: Sandra Oksman, diretora de planejamento da galeria Pivô, instalada no edifício Copan, em São Paulo, diz que entrou em contato com o MinC para ver qual era a situação do projeto para o plano anual do espaço. “Fui encaminhada para a Funarte e informada por eles que não havia parecerista de artes visuais. Ainda estavam aguardando a contratação de novos profissionais.” Esse caso teve final feliz: Sandra precisava do “ok” do MinC com urgência, e duas semanas depois do seu telefonema um coordenador do ministério analisou o pedido da Pivô –que conquistou o direito de captar cerca de R$ 2 milhões pela Lei Rouanet. Segundo os dados do ministério, a prestação de contas do Pivô referente a esses orçamentos estão regulares, sem indícios de desvio financeiro ou má gestão.

O programa “Amigos do Pivô” foi criado em 2013, junto com o plano anual, como uma forma de sistematizar diversas frentes de apoio financeiro, inclusive daquelas que já existiam desde 2012. Pela legislação, esses dados devem permanecer abertos para a consulta pública. Afinal, trata-se de uma associação cultural sem fins lucrativos. Os “Amigos do Pivô” são divididos em categorias definidas pelo tamanho pelo aporte, que não é revelado. Em outubro de 2015, são eles: Mantenedor Andrea e José Olympio PereiraColeção Moraes-BarbosaElizabeth DeeFortes VilaçaGaleria Luisa StrinaGaleria Nara RoeslerGeorgiana Rothier e Bernardo FariaLilian e Luis StuhlbergerLisson GalleryMendes Wood DMRonaldo Antônio VarelaTeckma EngenhariaVera e Luiz ParreirasWhite Cube SPAqueles que preferiram permanecer anônimos Aliado Fábio Prata e Flávia NalonProyectos Monclova Parceiro Luiza Brenner

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Cúmplice Eduardo SteinbergPaula AlzugarayRicardo Cerqueira Ferreira Comparsa - a partir de R$250 (por ano) Pinky Wainer Camarada Antonio Malta CamposCamila IwazakiDeborah Alice Bruel GeminEduardo Selbach NasiGerd Van den DaeleKiki MazzucchelliMonica TinocoNatacha OliveiraPatricia SalesRodolpho ParigiVivien Margaretha Francisca Maria Hertogh Chapa - até 25 anos Eduardo Haiala TrevisanMaria Catarina DuncanMariana Beatriz FiorinoMarlon Brambilla Na categoria de mantenedores, ou os que doam as maiores quantias, há treze pessoas físicas. Stuhlberger, investidor que já foi perfilado pela Revista Piauí como o dono do maior fundo multimercado fora dos EUA; Marcelo Araújo, secretário de Cultura do Estado de São Paulo, e

a colecionadora de arte Georgiana Rothier. O maior aporte, quase metade de todo o orçamento, vem da Qualicorp, holding que administra planos de saúde. Há também apoio da Bloomberg, a primeira a patrocinar o Pivô mesmo antes do Plano Anual, e a Teckma Engenharia. Outras formas de levantar recursos encorpam o orçamento, como o leilão de parede que acontece no final do ano. Um artista, convidado pelo Pivô, doa o valor da obra integral ou parcialmente. Os trabalhos à venda ficam expostos por sete dias. No último, os arremates acontecem com lance mínimo de 50% do valor de mercado da obra. O programa “Pivô Pesquisa” tem uma dinâmica autossuficiente. O artista participante desembolsa 30 reais por m2. Para Brenner, o baixo valor não configura um aluguel de espaço, mas sim uma taxa de manutenção. Há também o aluguel do restaurante La Central, comerciais, editoriais de moda e afins. São as conexões com outras instituições, via isenção fiscal ou por parcerias diretas, que amarram as pontas do orçamento. É também esse o método que desperta mais curiosidade e comentários ácidos sobre o Pivô no circuito artístico. Até porque há membros do conselho consultivo cujas instituições a que estão ligados figuram na lista dos mantenedores, levantando suspeitas sobre seu poder de influência na programação do lugar. Um deles é Felipe Dmab, sócio-fundador da galeria Mendes Wood DM e amigo de infância de Brenner. Foram algumas as ações do Pivô realizadas em conjunto com a galeria dentro dos

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programas “Pivô Acolhe” ou “Pivô Recebe”. Alguns artistas representados pela galeria, como Matheus Rocha Pitta, Paulo Monteiro, Lucas Arruda e Leticia Ramos, integraram mostras do lugar. A artista Paloma Bosquê, namorada de Brenner e também representada pela Mendes Wood DM, tinha trabalhos seus nas mostras “Projeto Imóvel” e a “Da Próxima Vez eu Fazia Tudo Diferente”, além de apresentar uma individual esse ano pelo “Hello.Again”, participar da roda de conversa “Taza y Media” e do leilão de parede. Sendo assim, das dez exposições que tem no currículo, três foram pelo Pivô. Além da Mendes Wood DM, as galerias Luisa Strina, Fortes Vilaça e Nara Roesler - que são instituições com força no mercado de arte do país - também já tiveram alguns artistas de seu plantel em ações do Pivô. São várias as relações possíveis entre a programação das galerias e dos membros do conselho consultivo com a agenda no Pivô. Para utilizar os dois casos mais recentes, os artistas Paulo Monteiro e Fabio Miguez, que estavam na mostra “Casa 7 no Pivô”, também estavam em cartaz com individuais nas suas respectivas galerias, Mendes Wood DM e Nara Roesler. O mesmo acontece com a artista Sara Ramo, que integrou a mostra “Apodi 69” no Pivô e uma individual na galeria Fortes Vilaça. As associações, que não parecem ser meros acasos aleatórios, são absolutamente negadas por Brenner. Quando indagada, pela segunda vez, se não havia mesmo nenhuma pressão por parte

dos mantenedores e conselheiros quanto à programação, ela ficou um pouco vermelha. Disse que pouco se fala no meio sobre o pensamento de construção de cena e de trocas internacionais encabeçado pelas galerias comerciais. “As primeiras pessoas que entenderam as demandas de um projeto como o nosso, que entenderam o Pivô como uma necessidade, são de galerias. E isso me surpreendeu. Nossas parcerias sempre foram demonizadas por diversos agentes e sempre bato na tecla de que esse apoio é muito importante. As propostas sempre partiram do Pivô, não há pressão. Propomos, vemos até onde podemos chegar com cada artista, o que podemos viabilizar e o que a galeria pode cobrir”. Dias depois, pedi para que ela apresentasse cada um desses mantenedores, comentando como os conheceu. A conversa, no entanto, não durou mais do que dez minutos. “Cada um veio de um tipo de relação. Àlguns eu fui apresentada, outros vieram ao espaço sozinhos e quiseram apoiar... Eu não quero falar nada pessoal sobre essas pessoas, inclusive é um pré-requisito, até porque tem uns que preferem ficar anônimos. Mantenedor é delicado e é uma coisa que a gente não mexe”. Insisti que ao menos explicasse as diferentes categorias, ou que talvez comentasse alguma dessas relações. Brenner, que já estava incomodada com as provocações, mudou o tom. Irritada, falou: “Eu não consigo entender porque isso vem ao caso, não sei qual é o tom que você vai usar ao falar disso”. Ela disparou um longo sermão, sem permitir interrupções, que escolhi transcrever na íntegra: “Todos os números do Pivô são abertos. Você lê o nome e quanto doou

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“As primeiras pessoas que entenderam as demandas de um projeto como o nosso, que entenderam o Pivô como uma necessidade, são de galerias. E isso me surpreendeu.”

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no site do MinC. Não tem hide-agenda, eu fico louca com essas coisas. Sempre tem quem vá nessas de ‘ai é porque é rica, porque é irmão de não sei quem’, então se for para esse lado já corta aí porque não vou te dar, não gosto de fofoca no estilo ‘Folha de S. Paulo’. Todos do programa de sócios são pessoas que escolhem se envolver no desenvolvimento e manutenção do projeto de acordo com a possibilidade financeira que tem. Tem gente que mora aqui no Copan que dá 100 reais e que faz tanta diferença como quem dá 10 mil por ano. Tudo o que vem desses mantenedores e desses amigos parte desse afeto de quem acredita na missão, e quer que o projeto se perpetue. É uma relação ‘super’ aberta, não tem muito porque você entrar em cada um deles. Inclusive é contraproducente. Ninguém doa pra ganhar obra, ninguém doa porque tem uma artista que coleciona que quer mostrar aqui, não tem nada disso. Não tem ninguém que dá pitaco na nossa programação, não tem ninguém do conselho que aponta artista porque é da sua galeria. Só que isso é um negócio que as pessoas sempre tentam cavar. ‘Ah, porque o Felipe Dmab tá no conselho, então vai levar artista da Mendes Wood’. Sempre acham que tem isso daí. O Pivô é muito estrito com a consistência da programação, e qualquer pessoa que queira contribuir sabe disso. É falado. O apoio vai para o desenvolvimento da instituição, eles sabem que vão ter exposições que vão gostar e que não vão gostar. Espero que seu recorte não seja esse”. A conversa se encerrou. Na manhã seguinte, Brenner enviou uma mensagem de desculpas, justificando que estava num dia difícil. O pedido permaneceu nos nossos dois contatos seguintes.

Mudamos de assunto.

O “Projeto Gameleira 1971”, de Lais Myrrha, é um caso bastante marcante na trajetória do Pivô. A exposição abordava um episódio esquecido do currículo de Oscar Niemeyer: o desabamento de um projeto assinado pelo arquiteto, em 1971, conhecido como tragédia da Gameleira, bairro de Belo Horizonte onde estava sendo construído um Pavilhão de Exposições. Foram 117 pessoas mortas ou desaparecidas no desastre. Com a ditadura militar em vigor, na época nas mãos do general Emilio Garrastazu Médici, houve uma blindagem para não manchar a reputação simbólica e política de Niemeyer. As informações que restaram são escassas, não existindo o que já tinha sido, parcialmente, a planta original, e nem uma fala do arquiteto sobre o ocorrido. Exibido entre os dias 7 de junho e 31 de agosto de 2014, o projeto consistia em uma instalação-maquete composta por 72 blocos de concreto que reproduziam, em outra escala, uma fotografia dos escombros veiculada pela mídia na época.

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Os nomes dos operários que faleceram, só descobertos depois de uma investigação da artista no IML, foram impressos na parede ao lado da maquete. A ação de Myrrha toca em questões como apagamentos históricos e a memória do pensamento modernista, e se torna mais contundente dada a sua concepção e exibição no edifício Copan. O crítico e curador Moacir dos Anjos foi quem escreveu o texto curatorial da exposição. Na semana seguinte à abertura, os arquitetos Pedro Mendes da Rocha (filho do renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha) e Lauro Cavalcanti (conselheiro da Casa Lucio Costa e da Fundação Oscar Niemeyer, membro do conselho editorial do Iphan, e na época diretor do Paço Imperial e professor da Escola Superior de Desenho Industrial) se manifestaram condenando a exposição em duas notas no site da IAB-SP – Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo. Em tom depreciativo, eles falam em oportunismo e cenografia de tragédia por parte da artista, negando o silêncio de Niemeyer. O IABsp, muito embora, respeite a liberdade de expressão da artista, manifesta sua indignação com a sugestão da artista de que o arquiteto Oscar Niemeyer e o poeta e calculista Joaquim Cardozo silenciaram frente ao trágico acidente. Enviamos ao Painel do Leitor, daquele jornal, nossa manifestação formal.Recuperando o ocorrido, juntamos texto do crítico e historiador, Lauro Cavalcanti. Pedro Mendes da RochaPresidente em exercício IAB/SP

Sobre silêncio, ética e oportunismo Acredito que seja muito talentosa a artista que expõe as falsas vigas no Copan. O silêncio de Niemeyer e Cardoso só se deu, entretanto, na cabeça da expositora. Cardoso deu inúmeras declarações, inclusive em juizo, foi injustamente condenado e teve a vida aniquilada. Niemeyer, exilado pela ditadura, partiu em defesa de Cardoso, o assistiu na depressão que se seguiu, e lamentou a perda das vidas. Mas, é verdade, o arquiteto não fez nenhum proselitismo com os vitimados. É curioso que alguém se arvore em cobrar ética de dois mortos, faça uma cenografia da tragédia e, em pose glamurizada para os jornais, explore outros tantos mortos… Lauro Cavalcanti Em resposta, a artista escreveu um texto rebatendo as críticas, publicado em 11 de junho. Ela afirmou ser seu projeto o resultado de uma pesquisa de dez anos em torno do episódio e contra-atacou dizendo que os arquitetos não tinham visitado a exposição e não teriam estudado o assunto a fundo para opinar sobre.

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“(...) Faz dez anos que penso em realizar um trabalho sobre a tragédia da Gameleira, um acontecimento relegado ao esquecimento coletivo e acontecido na minha cidade natal. Em 2004, quando realizava uma pesquisa para um trabalho que apresentei na primeira edição da Bolsa Pampulha, encontrei, nos arquivos do IML de Belo Horizonte, a lista dos 117 operários mortos ou desaparecidos no acidente que eu, surpreendentemente, não conhecia. Desde então, passei a pesquisar o assunto. Quando, no ano passado, a Fernanda Brenner me convidou para fazer um projeto no Pivô, não sabia ainda que seria esse. Fui para o meu ateliê e passei em revista minhas pesquisas, atuais e mais antigas. Estava finalizando a publicação Breve cronografia dos desmanches, trabalho realizado pelo Edital Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2012. Esse trabalho trata do desmonte físico e simbólico das cidades a partir de tipologias inventadas que reúnem fatos reais e ficcionais. São pequenos relatos sobre demolições, desabamentos e afins. A isso se somou o fato do próprio Pivô estar em obras e do COPAN ser um espaço fisicamente desafiador. Além disso, o COPAN foi um projeto de Niemeyer que deu parcialmente errado, porque a construtora envolvida faliu e o Bradesco acabou comprando e finalizando a obra. Assim, o projeto não saiu como o desenhado pelo arquiteto, que só o reconheceu parcialmente anos depois. Pensei que esta fosse uma conjuntura bastante apropriada e não, oportunista no sentido jocoso posto no texto de Cavalcanti. Havia uma convergência de forças que era, ao meu ver, emblemática. (...)

Quanto ao Niemeyer, seu silêncio é realmente imperdoável. (...)Talvez, devesse ter se pronunciado somente para se colocar mais francamente ao lado daquele que criou soluções totalmente inéditas para seus projetos e, de tabela, sem fazer proselitismo, ajudado as famílias dos operários a receberem o que lhes era devido. O arquiteto tinha força simbólica e, por isso, política para isso. Mas, claro, isso não é tarefa de arquiteto. Por fim, considero sim, leviano e de má fé o comentário de Lauro Cavalcanti, ao acusar meu trabalho como proselitista e sem ética, dizendo que apareço glamurizada nos jornais me valendo de mortos. Tenho uma longa pesquisa sobre as lacunas da memória, sobre o esquecimento e as forças de poder nisso envolvidas. Aliás, meu trabalho de mestrado trata disso, trazendo comentários sobre vários trabalhos de arte envolvidos com essas questões. Não sou a primeira e nem serei a última artista a tocar nesse tipo de ferida, valendo mencionar trabalhos como os de Rosângela Rennó e de Clara Ianni. Quanto às “vigas falsas” de que fala Cavalcanti, lamento informar que são parte de uma grande maquete. Nunca intencionei imitar vigas; a obra chama-se geometria do acidente e é um modelo físico, uma representação em escala feita a partir de uma imagem publicada na impressa da época. Portanto, mesmo que fora da escala usual para uma maquete, o trabalho não quer e não falseia nada, porque uma maquete nunca é a imitação daquilo que representa. A exposição trata das relações entre poder, política

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e amnésia social. O fracasso que se estampou de forma parcial é o do projeto desenvolvimentista brasileiro, do qual esse arquiteto, quer queiram, quer não, é signo. É um projeto sobre a falsa memória de um modernismo vitorioso. Considero oportuno, dada a conjuntura política atual, trazer esse fracasso à tona. Meu ponto de partida é Walter Benjamin; não, Niemeyer. Sou pela história dos vencidos.”

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Em conversas com pessoas do meio de arte, em matérias de jornais e revistas sobre o Pivô, um pequeno equívoco é recorrente: as pessoas referem-se ao lugar como “a” Pivô. Não seria errado utilizar o artigo feminino se, nesse enunciado, estivesse subentendido o fato de que se trata de umA associação cultural. Porém, em sua maioria, o que se quer dizer é a “galeria” Pivô. A indistinção é sintomática. O público, sendo ou não de arte, não se expressa corretamente porque não consegue, de bate-pronto, compreender do que se trata aquele lugar e o que ele faz. Mesmo a mais inocente associação do Pivô ao termo “galeria” indica uma falta de clareza de qual a sua função. Analisadas as agendas do .Aurora e do Phosphorus, outros espaços de arte localizados na região central e em imóveis antigos, suas ações parecem menos vinculadas a um circuito tradicional e mercadológico de arte do que o Pivô, até mesmo pelos agentes que participam dessas iniciativas. Em linhas grossas, o primeiro, fundado em 2013, é gerido por um pequeno grupo de artistas, e tem em sua programação ações mais ligadas à orientação de pesquisas independentes e publicações, articulações com profissionais de outras áreas do pensamento e um espaço dedicado à artistas sem representação de galeria. O Phosphorus tem um ano a mais do que o Pivô, e já levou para lá nomes como Paulo Bruscky, Janaina Wagner, Cristiano Lenhardt e Rodolpho Parigi (ele novamente com a Fancy Violence em parceria com a galeria Nara Roesler). O lugar aposta principalmente em exposições e residências, lidando diretamente com uma produção mais

experimental. A diretora do lugar, Maria Montero, optou por fundar, há dois anos, a galeria Sé como uma maneira de engrossar o financiamento do projeto, o que também distingue o que cabe no mercado e o que interessa ao um espaço autônomo. De acordo com o site dessas instituições, ambos se valem de editais e recursos públicos que o Pivô não utiliza, como o ProAC, do governo do Estado de São Paulo. Mas, afinal, o que configura um espaço de arte como independente? A curadora Kamilla Nunes, no seu livro “Espaços Autônomos de Arte Contemporânea”, aponta para a problema da terminologia, que se apresenta sempre insuficiente na tentativa de estabelecer um padrão. Para ela, o problema “reflete a realidade e o contexto em que esses espaços foram criados, suas estruturas físicas, a forma com são geridos e subsidiados, a escolha das programações e até mesmo a periodicidade da programação”. Os termos que circulam nessa intenção de classificação são vários: centro, ateliê, plataforma, dispositivo, estúdio, fundação referentes ao local físico, e alternativos, independentes, autônomos, autogestionados, experimentais sobre as gestões.Para este trabalho, vale a definição de “independente” publicada na primeira edição da Revista Número, em maio de 2003, formulada por seus editores a partir de suas pesquisas com esses lugares: independente: 1. Autossustentável; que não aceita se submeter a critérios dominantes; que tem suas próprias leis e maneiras de se relacionar; que toma suas próprias decisões e cria sua própria regra.

O QUE É, O QUE É?

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Mesmo a mais inocente associação do Pivô ao termo “galeria” indica uma falta de clareza de qual a sua função.

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2. O contrário do dependente; é autossuficiente para geração de ideias, opiniões, financiamentos e produção; não coagido e livre das ideologias e do mercado; acredita na sua autonomia.3. Mesmo sendo parte integrante de um sistema ou circuito, não estabelece uma relação direta e extensiva com outras partes. Por não haver autonomia ou resistência ao sistema estabelecido da arte no Brasil, o Pivô foge à qualquer aproximação com outros espaços. A instituição aposta, inclusive, em algumas parcerias com galerias comerciais. Essas associações, de apoio direto ou via lei de incentivo, são explicitadas no site da instituição e em um banner na sua recepção. No dia sete de maio deste ano, Paulo Miyada, crítico e curador do Instituto Tomie Ohtake, publicou na revista SeLecT o texto “Quando o problema do mercado de arte é um problema?”. Ele discorre sobre alguns comentários feitos nas redes sociais sobre as últimas feiras de arte e o uso de dinheiro público na sua realização, e também sobre a mostra “Imagine Brazil”, realizada no próprio Tomie Ohtake, que colocava na ficha técnica das obras a cortesia das galerias pelo empréstimo. Sua argumentação tem como eixo central o “o desconforto acerca de como o poder do capital privado, das galerias e do mercado de arte emerge como variável que conforma os espaços de exibição das obras de arte contemporâneas, divulgando suas marcas, definindo ambiências ou ditando formatos para a fruição da arte”. Ainda que parta de um assunto diverso do tratado nesse trabalho, Miyada levanta uma reflexão específica que cabe aqui:

“Quando torcemos o nariz ao relativo enriquecimento de algum artista, à divulgação da existência e eficiência das galerias como agentes de promoção comercial da arte, ao trânsito e negociação entre mercado, artistas e críticos, enfim, quando tratamos o problema como uma cruzada da pureza da autonomia da arte, podemos às vezes parecer estar demarcando um ponto de vista crítico quando, na verdade, estamos reforçando a importância dos critérios financeiros como centro de nossas atenções.” Não faria sentido, portanto, exceder nas críticas sobre as parcerias comerciais do Pivô. Não se trata de um espaço independente numa acepção tradicional, e nem de relações escusas ou duvidosas com o mercado. O alvo da discussão deve ser como esse tipo de compromisso pode comprometer a programação do lugar, tornando-se mais uma vitrine para o mercado ou uma extensão do espaço expositivo de galerias.

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Ainda sobre a tese de Nunes, ela cita uma fala do crítico de arte Jorge Sepúlveda, que sentencia: “todas as gestões independentes estão condenadas inevitavelmente a se converterem em instituições ou a desaparecer. Porque uma vez que houver um vocabulário comum, será gerado um certo tipo de procedimento, e os espaços se converterão em instituições”. Sobre o diagnóstico de Sepúlveda, o Pivô estaria então à frente de outras iniciativas porque já nasceu com a ambição de atuar como uma instituição cultural. O nome “Pivô” sugere, portanto, uma ponte entre o circuito tradicional, de galerias e museus, com uma atividade menos engessada, interessada em outras formas de pensar e fazer arte. É o que Brenner chama de lacuna, ou espaço “entre”. No entanto, quando se observa a trajetória do lugar, seus objetivos como instituição talvez não estejam claros ou maduros. A divisão de programas, que pode ser resumida em parcerias com outras instituições, residências artísticas, e uma agenda expositiva própria, não tem identificação entre si. É legítimo que um espaço daquela dimensão espacial e com demandas de manutenção bastante específicas, procure uma atuar em frentes diversas, a fim de ocupá-lo e sustentá-lo devidamente, mas falta concordância entre essas ações. A característica fundamental e que mais chama a atenção em relação ao Pivô é, sem dúvidas, sua arquitetura. Em todas as entrevistas realizadas para esse trabalho, ou até mesmo em conversas informais que tive sobre o lugar com outras pessoas do circuito, a aparência do espaço é seu

atributo mais comentado: o piso irregular, as paredes sinuosas, a mistura de áreas circulares e angulosas - uma série de percepções acerca daquela ambiência que ora é chamada de bela, ora de ruidosa ou confusa. Essa dinâmica, que o afasta do tipo de ambiente que se convencionou, ao longo do tempo, adequado para abrigar obras de arte moderna e contemporânea, o cubo branco, é a maior marca do Pivô. As mostras “Umas e Outras”, de Lenora de Barros, “Projeto Gameleira 1971”, de Lais Myrrha, ou ainda “Corta-Luz”, de Luisa Baldan, (as duas últimas resultado de residências no próprio Pivô) são exemplos de iniciativas mais interessantes porque entendiam as condições do espaço, fazendo com que aquele contexto arquitetônico específico favorecesse as obras que apresentavam. O que poderia ser considerado o DNA do Pivô, talvez a identidade que assegure a consistência de programa e proposta, nem sempre é considerado. Outras exposições não conseguem a mesma força porque não há, de princípio, uma justificativa para serem realizadas ali. Uma coletiva de artistas já consagrados, como a “Casa 7 no Pivô” ou a recente “Apodi 69”, poderia ser realizada em outro lugar. Talvez o verniz cool do espaço seja o ponto de partida. Uma das ações mais pertinentes ao Pivô são os ateliês do programa Pivô Pesquisa. Um andar inteiro destinado para a residência de 20 artistas, ao mesmo tempo, naquele prédio e por preço que não se encontraria em aluguel naquelas redondezas. Além disso, o edital de seleção prevê que os participantes devem ter uma pesquisa relacionada à arquitetura ou que tenha algum tipo

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de conexão com a região central, defendendo o motivo ser realizada ali. No entanto, poucos foram os trabalhos que ganharam mostras. O Pivô Pesquisa então está dado como uma ação de importância menor frente ao resto da programação. Nesse sentido, se o Pivô também se dispõe a de abarcar projetos de sua concepção até o período visível, essa ideia está falhando.

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Uma das imagens mais fortes no imaginário das pessoas a respeito do Pivô é a obra “Aurora”, de Carmela Gross, montada na exposição inaugural. Tal como um letreiro neon, comum na paisagem urbana, o trabalho “chamava” os transeuntes, sinalizando o começo da iniciativa. Em nossa conversa, Gross foi quem trouxe uma das maiores contribuições para o fechamento desse trabalho. Para ela, o Pivô é como a fatia de um bolo, não deve ser entendido ou estudado isoladamente. A artista também destacou as relações entre arte e mercadoria como a sacada do lugar: “Os colecionadores sabem que esse lugares são importantes para validar as coleções privadas deles. A instituição sabe que ela pode dialogar com um espaço mais aberto, ela usa esse espaço que é mais poroso. Há muitos atores nessa circulação, e a arte não precisa ser nada, ela precisa estar conectada com todos os instrumentos de circulação”. “O Pivô é esse nó, que mostra que não dá para ser ingênuo e achar que está descolado e é alternativíssimo quando a gente sabe que não é. Sua inteligência é estar conectado com esses componentes da circulação, para o bem e para o mal”. Arremata: “dá pra fazer uma correlação com a publicidade. O Pivô também é uma agência publicitária”.

O QUE RESTA?

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Ao longo da pesquisa, a presença do mercado de arte no Pivô me incomodava cada vez menos. Ficou bastante claro para mim que, para gerir um espaço como aquele, de 3.500m2, parcerias são bem-vindas desde que devidamente esclarecidas. E são. Nenhum dos entrevistados para esse trabalho duvidou ou questionou a existência de relações do Pivô com o mercado porque ela parece bastante óbvia, até porque é explícita. Nas diversas visitas que fiz ao lugar, o que pulsava mesmo era a questão da imagem e da aura que aquele ambiente transmitia. Entendi que, para além de como se banca, o que interessa ao Pivô é como ele quer ser. O que percebi em relação a essa história é o projeto que, no papel, ambiciona algo que sua condução desconsidera. Não seria impossível ao Pivô manter suas associações com outras instituições, mas combinando-as de forma mais criteriosa e com um olhar curatorial mais apurado. Acredito que seja justamente nessa brecha entre projeto e execução que outro alicerce da construção da imagem daquele lugar aparece: o seu tipo descolado, com cara de “coisa gringa”, é o que acaba sustentando sua existência e o interesse das pessoas e do mercado por ele. O Pivô fica como mais um ambiente atrativo para se visitar no centro de São Paulo, região que vive um boom de iniciativas, de bares a baladas, que imitam modelos de cidades como Nova York e Berlim. Ser uma instituição cultural dedicado à uma produção artística experimental ou em diálogo com arquitetura e urbanismo, é segundo plano. Fico então, novamente, com o palpite de Carmela

Gross: “O Pivô é esse nó, que mostra que não dá para ser ingênuo e achar que é ‘alternativíssimo’ quando a gente sabe que não é. Sua inteligência é estar conectado com os componentes da circulação, para o bem e para o mal”. Arremata: “dá pra fazer uma correlação com a publicidade. O Pivô também é uma agência publicitária”. .

CONCLUSÃO

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1. Escada principal do Pivô 2. “Aurora” de Carmela Gross 3. Copan em construção 4. Reforma do Pivô 5. Reforma do Pivô 6. Reforma do Pivô 7. “Puxados, despejos e pórticos” de Daniel de Paula 8. Exposição “Que coisa é? Uma Conversa” de Mario Garcia Torres e Cildo Meireles 9. Exposição “Corta Luz” de Luiza Baldan 10. Exposição “Febre” de Rodolpho Parigi 11. “Golpe de graça” de Matheus Rocha Pitta 12. “Golpe de graça” de Matheus Rocha Pitta 13. Exposição de David Abramo 14. Casa 7 no Pivô 15. Projeto Gameleira 1971” de Lais Myrrha 16. Projeto Gameleira 1971” de Lais Myrrha 17. “Umas e outras” de Lenora Barros

18. “Umas e outras” de Lenora Barros 19. Pivô Pesquisa 21. Pivô Pesquisa

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Agradeço aos amigos Alexandre Drobac Ferlauto e Alina da Porciuncula Paias, arquitetos em formação, que com paciência, talento e carinho, deram cara, forma e cor para este trabalho.

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