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Almansoi Revista de Cultura O NOVO

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Page 1: Almansoi Revista de Cultura · O Convento de Nossa Senhora da Saudação deve a sua origem à conjugação de duas causas distintas. De um lado, temos a iniciativa piedosa de uma

Almansoi Revista de Cultura

O NOVO

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Contributos para a História da Arquitectura e do Urbanismo em Montemor-o-Novo, do Século XVI ao Século XIX:I - 0 Convento de Nossa Senhora da Saudação;II J Cemitério de S. FranciscoAna Margarida Portela e Francisco Queiroz

Ap■zsentação

Este pequeno estudo divide-se em duas partes, aparentemente distintas, mas complementares. Na primeira, faz-se uma análise da evolução do Convento de Nossa Senhora da Saudação até ao século XIX, sob as perspectivas do urbanismo e da arquitectura. Apesar de obras muito válidas já publicadas sobre este complexo conventual, vários aspectos necessitavam de correcção, maior problematização e valorização1.

Quanto à segunda parte, é sobretudo uma abordagem resumida à História do estabelecimento do Cemitério de S. Francisco e à originalidade de alguns dos seus aspectos artísticos do século XIX, abordagem essa que vem colmatar .uma 'nportante lacuna bibliográfica2.

Não se tratam, pois, de trabalhos monográficos aprofundados sobre o Convento de Nossa Senhora da Saudação e sobre o Cemitério de S. Francisco. São somente modestos contributos de dois investigadores que, não sendo de Montemor-o-Novo3, encontraram nesta cidade aspectos histórico-artisticos únicos, alguns dos quais em risco de desaparecimento (por desconhecimento da sua real importância).

iodas as fotos actuais são dos autores. Quanto aos desenhos com alçados e cortes

. . -

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do Convento de Nossa Senhora da Saudação são apenas esboços destinados a dar a imagem global do complexo conventual. Poderão ter alguns erros ou distorções, já que não fo i efectuada qualquer medição.

Tributamos aqui os nossos agradecimentos à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo (Biblioteca e Arquivo Histórico, Divisão de Administração Urbanística e Cemitério); ao Dr. Jorge Fonseca; ao Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo e à Associação O fic inas do Convento (esp ec ia lm en te à organização do Campo de Trabalho Internacional de apoio ao III Simpósio de Escultura em Terra(cota): "Habitar 2001").

I - O Convento de Nossa Senhora da Saudação

O Convento de Nossa Senhora da Saudação deve a sua origem à conjugação de duas causas distintas. De um lado, temos a iniciativa piedosa de uma congregação de mulheres lideradas por Joana Dias Quadrada que, por volta de 1500, se recolheram emparedadas (mas sem votos) numa casa da vila velha de Montemor-o-Novo. De outro lado, temos D. Mécia de Moura, viúva de D. Nuno de Castro. Esta fidalga permaneceu viúva por mais de quarenta anos e possuía uma morada nobre de casas na vila velha de Montemor-o-Novo, herdadas dos pais, às quais foi acrescentando vários prédios confinantes durante a segunda metade do século XV. Contudo, a sua única filha viria a falecer. Assim, com idade avançada, sem descendentes directos e com património imóvel para gerir, D. Mécia de Moura encontrou na iniciativa piedosa da referida congregação a solução para o fim da sua vida. Em 1502 fez doação dos prédios que possuía ao grupo de mulheres recolhidas, dotando-as de rendimentos suficientes para iniciar a obra de um convento. Deste modo, D. Mécia de Moura pôde juntar-se ao recolhimento e obter privilégio de sepultura na capela- mor da futura igreja, com missa diária. Para que isso efectivamente sucedesse, D. Mécia de Moura procurou certificar se que o convento seria mesmo construído e viria a ter um futuro assegurado.

Por um lado, os prédios doados tinham "largueza de aposento, pátio e quintais" sendo "sítio capaz de um grande mosteiro"4. Por outro lado, na doação de 1502, D. Mécia de Moura propôs como patrocinador da futura casa conventual o próprio rei D. Manuel I e seus sucessores. A proposta pretendia cativar o monarca para que este removesse todos os obstáculos à constituição de um novo convento de iniciativa particular. Se aceitasse o padroado, o monarca deveria também interceder junto do Papa para obtenção e aprovação de uma regra e tomar a seu cargo a manutenção do convento. Efectivamente, D. Manuel I aceitou a proposta e decidiu que a regra a observar na nova comunidade feminina seria a de S. Domingos, tendo incluído o novo convento no rol de doze da mesma Ordem que o Papa Júlio II tinha autorizado a fundar em Portugal5.

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Este : o é muito interessante e levanta questões varias em termos de motivaçõesdo m- -rca, De facto, D. Manuel I foi o rei que consolidou em actos concretos a nova ntalidade renascentista que despontava em Portugal, nomeadamente napassa n definitiva da residência real em Lisboa, do Castelo de S. Jorge para onovo o da Ribeira - urna zona nova de Lisboa, arrancada às areias do Tejo, o mesm î'ejo onde aportavam agora as riquezas das índias. Terminava a imagem do rei co > senhor feudal, encastelado para se proteger de outros senhores mais pequi j s , de outros reinos ou do próprio povo. Iniciava-se a imagem do rei detentor de um asto império, um rei humanista, centralizador, moderno, legitimado peloseu p rio poder ultramarino e acção esclarecida.

Cont , D. Manuel I mandou construir também uma residência em Évora, facto quedev. realçado e que permitiu a Montemor-o-Novo ser ainda mais um local de passagem e paragem obrigatória do rei e respectiva corte. Aliás, a tradição histórica refer, passagem de Vasco da Gama por Montemor-o-Novo e a própria iniciativa daviagc jue o levaria à índia decidida em Cortes realizadas nesta vila.

Assin e por um lado D. Manuel I tinha interesse em promover iniciativas piedosasque ■ monstrassem o seu poder, por outro lado Montemor-o-Novo parecia ser um local ticutarmente favorável para essa demonstração.

O Nú leo Arquitectónico Inicial do Convento de Nossa Senhora da Saudação

No st i bem conhecido "Inventário Artístico" dedicado ao Alentejo, Túlio Espanca fez uma I descrição do convento, procurando referenciar o que lhe pareceu de maiorrelev ja artística e, consequentemente, omitindo vários espaços conventuais.Mais lentemente, Jorge Fonseca publicou excertos de interessantes documentos relativos à construção do convento, realçando bem a importância do patrocínio regio, Contudo, continua por fazer um sólido trabalho de campo de interpretação do ec ;io, o que se torna aparentemente incompreensível, perante o extremointer deste complexo conventual.

Na -stigação que fizemos no local preocupamo-nos sobretudo com a comp •ensão da sobreposição cronológica das várias camadas construtivas. Pude os interpretar apenas parcialmente estas camadas, pois não tivemos acessoa todo o conjunto conventual. Mesmo assim, constatamos vários aspectos inter antes, até hoje não referenciados.

em dos trabalhos já publicados sobre o Convento de Nossa Senhora da Sau ao, nomeadamente as descrições referentes a aspectos do convento hojeve< . ao público, arruinados ou descaracterizados, tivemos também em atenção

outros aspectos, de forma a compreender as várias camadas históricased ,das:

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• A questão dos materiais utilizados0 tijolo burro com argamassa, reboco e cal e a cantaria de granito (ocasionalmente servindo de alvenaria) foram os materiais mais utilizados na construçãodo Convento de Nossa Senhora da Saudação. 0 granito foi sobretudo utilizado em algumas estruturas (arcaria e colunas do claustro, contrafortes) e nos umbrais e lintéis de portas e janelas. Mesmo assim, não existem no convento estruturas totalmente em granito, nem mesmo o claustro. Por outro lado, constatamos ter sido bastante mais utilizado o granito nas estruturas quinhentistas do que nas posteriores. Verificamos também que alguns dos corpos do complexo conventual podem possuir granito apenas em certas zonas, denotando o recurso a materiais menos nobres perante a eventual escassez de meios monetários disponíveis e o prolongamento das obras. Quanto ao mármore, foi igualmente utilizado no exterior do Convento de Nossa Senhora da Saudação, mas em quantidades quase diminutas e em dois momentos diferentes da construção: na primeira metade do século XVI (portal da igreja) e na segunda metade do século XVIII (janelas centrais da fachada ocidental, na ala poente). Foi também utilizado mármore no interior do convento, nomeadamente em lavabos, pias de água benta e na grade de comunhão da igreja.

• O tipo de fenestraçãoApós uma análise dos tipos de portas e janelas existentes no convento (formato, materiais, existência ou não de molduras, e tc .), foi possível enquadrar temporalmente muitos deles, com base no que foi comum nas diferentes épocas em Portugal e, especialmente, em Montemor-o-Novo.

• O pé-direito dos vários pisos e a abertura dos vãosComo é sabido, a altura dos portais e janelas e o pé-direito dos compartimentos aumentou gradualmente desde a época medieval até ao século XIX, acompanhando um aumento de estatura média das populações e também a evolução da própria arquitectura, com as crescentes exigências de arejamento e de iluminação. Analisando-se este aspecto em conjunto com o tipo de fenestração foi possível datar mais aproximadamente muitos dos corpos do edifício conventual.

• O sistema de cobertura dos vãosEste aspecto foi muito importante na compreensão das camadas do complexo conventual, pois nele existem sobretudo dois tipos de cobertura: a abóbada de berço com estrutura de tijolo, tipicamente alentejana (e suas derivações, conforme o tipo de espaço a cobrir) e a abóbada de nervuras. Esta última filia-se claramente na tradição tardo-gótica, pelo que a sua utilização ter-se-á feito nas partes mais antigas do convento. Contudo, o seu uso no Convento de Nossa Senhora da Saudação poderá ter sido feito ainda um pouco para lá de meados do século XVI, já em plena Renascença, por arcaísmo, como sucedeu em outros locais de Portugal. Coberturas

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com sistema de travejamento, quase sempre à vista, foram mais comuns no século XIX, com as obras de adaptação efectuadas no convento, de forma a receber o Asilo Mo : morense de Infância Desvalida.

Segui n d : uma metodologia de confronto entre os vários indícios arquitectónicos de datação e os documentos já publicados, constatamos que os vestígios arquitr i onicos mais antigos existentes no complexo conventual que chegou até nós encon' m-se em locais dispersos. Contudo, parece existir uma certa lógica inicial ¿e coi ito, a qual pudemos interpretar apenas parcialmente, devido às limitaçõesde acesso supramencionadas.

Assim, em primeiro lugar, não restam dúvidas de que é tipicamente manuelino o portal que dá acesso à antiga portaria do convento. Trata-se de um portal de lintel e umbrais chanfrados, sobrepujado pela esfera armilar de D. Manuel I, da qual pendem encordoados (fig. 1). Este portal não se situa de forma axial em relação às duas alas do convento que avançam até às muralhas, denotando que estas últimas foram pensadas posteriormente. De qualquer modo, o portal manuelino da antiga portaria deveria ficar sensivelmente ao centro da primitiva fachada, apesar desta ter sido talvez prolongada para ocidente alguns anos depois.

A primitiva fachada principal do convento, faceando a via pública, deveria ser constituída então por um rés-do-chão e, provavelmente, um primeiro andar com pé- direito muito baixo (do tipo mezanino) em algumas zonas. Esta fachada primitiva correria desde o local onde está hoje a portaria principal do convento talvez até ao túnel de ligação à ala nascente. Infelizmente, esta zona do convento encontra-se fechada e muito arruinada, o que dificulta uma total compreensão do edifício primitivo.

Também o portal da igreja conventual possui esfera armilar no lintel, embora este portal seja em mármore e de trabalho menos frustre que o da antiga portaria, não havendo encordoados pendentes da esfera armilar (fig. 2). Trata-se de um portal artisticamente mais evoluído, já de formato claramente renascentista (uma moldura simples orla o portal), contrastando com os dois toscos degraus de acesso, em granito, e mesmo com os paramentos da igreja, em alvenaria. O portal, lateral a igreja - como era costume nos conventos femininos - é o único elemento nobre da fachada da igreja e, mesmo assim, muito singelo. Falta saber em que medida esta singeleza deriva da eventual limitação de recursos monetários do convento inicial oo de uma propositada contenção, em busca de maior equilíbrio, como propunha a estética renascentista. Se a utilização do mármore, em contraponto ao granito da primitiva portaria conventual, poderia apontar mais para a segunda hipótese, a verdade é que o portal da antiga portaria resulta mais monumental, porque inserido numa fachada de menor cércea, enquanto o portal da igreja resulta incrivelmente

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despercebido em relação aos elevados paramentos contrafortados da igreja. Aliás, a cércea da fachada da primitiva portaria do convento seria menor do que é hoje, pois o piso superior que se pode actualmente ver naquela fachada é posterior ao século XVI, o que enfatiza mais a nobilitação do portal desta mesma portaria, em comparação com o da igreja. Por outro lado, em frente desta primitiva portaria e talvez no seu prolongamento para ocidente deveriam outrora ter existido casas, ao longo de uma rua que, da Porta de Santarém, ia desembocar no adro da Igreja de S. Tiago. Por isso, se tentarmos imaginar o efeito visual que teria tido a fachada primitiva do Convento de Nossa Senhora da Saudação, este seria quase proporcional ao que hoje existe: se outrora a fachada era mais baixa e menos longa, também o pouco espaço de serventia pública (pois não se consta que já ali existisse uma praça) e a previsível menor dimensão das casas em volta facilmente permitiriam alguma notoriedade à fachada do convento, mais horizontalizada (fig. 3).

Apesar da antiga portaria e do portal da igreja ficarerrTém pontos opostos e afastados no complexo conventual, um artisticamente menos evoluído que o outro, ambos afirmam a esfera armilar como única decoração: a marca de poder do padroado régio que seria essencial ostentar. Assim, podemos concluir que a primitiva portaria e - pelo menos - parte da igreja serão ainda do reinado de D. Manuel I. Consequentemente, o espaço onde hoje se situa o claustro, ou pelo menos a sua parte nascente, deveria já pertencer ao convento, embora o claustro ainda não tivesse sido construído.

O claustro propriamente dito será, segundo Túlio Espanca, da época do reinado de D. João III6. Podemos concordar com esta hipótese, sobretudo por duas razões. Em primeiro lugar, a sua tipologia construtiva é claramente renascentista: piso térreo com tramos de dois arcos apoiados em colunas de ordem toscana, tudo em granito; piso superior com tramos arquitravados, apoiados em colunas de granito, mas com cimalha em alvenaria, denotando obra incompleta ou com fundos mais escassos para o seu remate. Os remates piramidais dos contrafortes, também em alvenaria, poderão ser posteriores ou então - se forem coetâneos da construção do claustro - reflectirão igualmente o já referido recurso a materiais menos nobres para acabamento da obra, como sucedeu com a cimalha. Os contrafortes, dois de cada lado da quadra, são de granito, com gárgulas em forma de meio balaústre, também claramente renascentistas7. Do mesmo modo, os almofadados na cantaria são típicos da Renascença. A cobertura do piso inferior do claustro, em abóbada nervurada partindo de pequenas mísulas, denota ainda algum peso da tradição tardo-gótica e assemelha-se à cobertura do piso inferior do claustro do Convento de S. Francisco de Montemor-o-Novo, que será da mesma época, ou seja, meados do século XVI. Efectivamente, se compararmos o claustro do Convento de Nossa Senhora da Saudação com outros claustros conventuais em Portugal verificamos que existe uma maior proximidade estética com os claustros da época de D. João III,

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nomea nente com os claustros de colégios quinhentistas em Coimbra (fig. 4),

Em segundo lugar, depois de analisar as plantas parciais do convento a que tivemos acesso, verificamos que a antiga portaria conventual dá para um vestibulo e este, poi su : !'/, comunica com uma sala que faz a ligação com o piso térreo do claustro atrav- ■ escadaria. Note-se que o piso térreo do claustro está situado cerca de três metros e meio abaixo do nivel do terreiro que hoje se abre em frente da primitiva portaria do convento. Do mesmo modo, o piso térreo da igreja está outros cerca i rés metros e mero abaixo do piso térreo do claustro, pois todo o convento situa numa zona de declive algo acentuado no sentido nort.e-sul (fig. 5). Ora, o piso da antiga portaria situa-se num plano diferente do piso superior do claustro, der lo épocas diferentes de construção. Por essa razão, o claustro terá de ser posterior à primitiva portaria, posterior ao reinado de D. Manuel I.

Assii migamos que o convento inicial, antes da construção do claustro, possuía três pianos distintos: o da portaria antiga, com rés-do-chão e primeiro andar de baixo pé-direito. Neste plano pode encontrar-se uma sala abobadada de tecto abat ) artesoado, datada por Túlio Espanca de cerca de 1515. Temos depois o piar do piso térreo do claustro, apenas com rés-do-chão e o plano do chão da igrei

Ao descermos a escadaria que vem da antiga portaria do Convento de Nossa Senhora da :daçào para o piso térreo do claustro (fig. 3), encontramos logo à esquerda a sal. do capítulo. Como bem apontou Túlio Espanca, este era um dos primitivos esp, os conventuais, certamente anterior à construção do claustro, embora tenha siri construído já com a intenção de abrii para um futuro claustro. A sala do capitulo possui planta rectangular e é abobadada com nervuras e chaves m ¡elinas, havendo ao centro um pilar octogonal de suporte. 0 portal de granito, c! i ado, é em arco muito abatido - recurso arquitectónico bastante utilizado no Pt do manuelino, como no caso do portal da sala do capitulo do Convento de S. Ff cisco de Montemor-o-Novo. Este ultimo portal é, no entanto, muito mais d" irado e muito mais tipicamente manuelino, apesar de ter sido classificado por T' "'i Espanca como de meados do século XVI e arcaizante - opinião com a qual C .demos a discordar, entre várias razões, por serem frágeis as deduções baseadas r documentos que citou, sobretudo tendo em conta que Montemor-o-Novo esteve lOgO atrás da charneira em termos de estilo manuelino, pela sua localização

'gráfica e pela importância política que teve durante o reinado de D. Manuel I.

1 tomando a análise da quadra nascente do piso térreo do claustro do Convento de .sa Senhora da Saudação (fig. 5), a sala que fica logo à direita de quem desce as

■'.cadas vindas da portaria primitiva, sala cuja função inicial ignoramos, apresenta ,JI11 portal em alvenaria de tijolo, com umbrais e verga em meio canudo, tipico da

imeira metade do século XVI, embora com soleira em gramto. Esta sala apresenta

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também uma cobertura em abóbada nervurada. Uma outra sala mais pequena imediatamente ao lado, é igualmente coberta por tecto quinhentista de nervuras. Assim, podemos concluir que toda a quadra nascente do piso térreo do claustro do Convento de Nossa Senhora da Saudação remonta ao convento primitivo, signifi­cando que o espaço do claustro fora previsto já desde o início da construção no lado nascente e também no lado sul, que coincide com os muros da igreja, não havendo do claustro qualquer abertura directa para a mesma. Note-se que, para abrir parte da pequena sala supramencionada na quadra nascente do claustro - onde se instalou mais tarde a Capela de Nossa Senhora da Boa Morte - foram necessárias escavações, devido ao declive. Aliás, esta divisão é, por esse motivo, menos profunda que as duas restantes da quadra nascente. Também a capela-mor da igreja, do seu lado norte, teve de ser escavada na terra , servindo o paramento norte como muro de suporte, do mesmo modo que na parte norte do refeitório antigo.

A Localização do Convento de Nossa Senhora da Saudação e as Questões Urbanas

Em temos urbanos, a construção do Convento de Nossa Senhora da Saudação levanta várias questões interessantes. Logo na época da doação de 1502, D. Mécia de Moura pediu a ajuda da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo para a obra que pretendia empreender. D. Manuel I viria a aconselhar o município a colaborar, numa interessante carta:

"Vimos a carta que nos enviastes acerca do m osteiro que dona Mécia de Moura em essa vila quer ed ificar ( . . . ) E porque nós somos disso muito contente por ser mui necessário em uma tal v ila , queremos que se faça e se ja do conto dos doze que o Santo Padre nos deu licença para fazerm os novamente nestes reinos ( . . . ) e pois é coisa que tanto há de enobrecer essa vila, encomendamo-vos muito que toda a ajuda que lhe fo r de vós necessária para que se acabe [a obraj, que vós lha queirais dar ( . . . ) e encomendamos que prossigais na obra do dito mosteiro até a fim dele"8.

O facto de ser considerado pelo rei muito necessário um convento numa vila como Montemor-o-Novo pode levantar algumas especulações. Seria por não existir ainda um convento feminino numa vila que estava em franca expansão fora de muralhas? Ou seja, haveria uma motivação meramente demográfica? Lembre-se que já existia em Montemor-o-Novo uma comunidade conventual masculina, franciscana. Situava- se no antigo ermitério de Nossa Senhora das Graças e existia pelo menos desde 1495, embora - segundo Túlio Espanca - só nas décadas de 1530 e 1540 tenha sido construído o Convento de S. Francisco propriamente dito9.

Pela leitura dos dados bibliográficos disponíveis, ficamos com a impressão que a vila velha estava já em processo avançado de despovoamento na época em que se pretendeu edificar o Convento de Nossa Senhora da Saudação. A população tera

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comei.;- reedificar as suas casas na parte baixa da vila, aproveitando os matei las casas da vila velha: "foram povoando o arrabalde, e querendo oSenho/ Dom Manuet acudir a tal desordem, e não ver destruída uma vila tãoantigo íandou passar um alvará (estando em Évora) concedendo vários privilégios aos que /orassem dentro da cerca da dita vila"10. Este alvará, de 25 de Outubro de 1508. i eava também os direitos a quem residia no arrabalde. Uma das dispos decididas pelo rei proibia os mercadores de terem lojas fora da vila amura i. Mas as preocupações regias quanto ao despovoamento da vila velhaeram interiores a D. Manuel I.

As nr H ões concretas do deslocamento populacional para o arrabalde são aindaobje .Je discussão. Teria sido pelo excessivo peso de impostos cobrados aocomer intramuros ou pelo facto das necessidades defensivas não se justificarem tanto, com um reino consolidado e em paz? Talvez ambas as razões. Porém, poderá ter havido outra, até agora ainda não formulada.

Na ■ is Média, a vila velha de Montemor-o-Novo possuia quatro portas,prov ímente as mesmas que foram descritas nas Memórias Paroquiais (séculoXVIII): "uma a que chamam a porta de Évora de que saía a estrada para a dita Cidade, fica entre o Sul e o Oriente, amparada com a primeira torre que fo i ; i ente a defende. Ao Nascente fica a segunda porta chamada de São Tiago com outii grandiosa torre por defesa. Para a parte do Norte, fica a porta principal a qu<- amam da Vila, com outra torre mais fo rte que todas, em tal forma que seg\ indo a entrada da porta as faces dela, forma três retiradas com um fortim em cima que parece inconquistável. E a última porta chamada do Anjo, fica à parte do Oci nte, com outra nobilíssima torre seguindo a entrada o giro da mesma com dut atiradas, que além de iminência do sitio , se faz impossível a combates ( . . . ) . Por entre as quatro torres em espaços, e distâncias competentes se achão orrimados aos muros uns meios torreões, com suas ameias que não excedem à

'o dos próprios muros que enchem ao número de vinte, não tendo alaum desde d íq do Anjo pela parte do Sul até à porta de Évora: mas desta parte tem uma c<- tra muralha de altura de uma vara até às ameias, e por dentro destas as vigias Poi a sua defesa. E esta he a fortificação antiga, na qual se não vê hoje mais que ruinas, e huma aparência do que fo i"11.

i descrição fornece-nos indícios importantes. Se analisarmos uma planta de ntemor-o-Novo (fig, 6 ), verificamos que as portas ainda existentes situam-se

: las no pano norte das muralhas. A de S. Tiago colhia o nome da igreja que lhe ava perto, sede de paróquia, a qual já existia no início do século XIV. Esta porta,

■ ida a oriente, era também chamada Porta do Sol, sendo provavelmente o postigo", mencionado na Idade Média como a quarta porta da cerca11'. A confirmar-

seria uma porta secundária no complexo de muralhas. A Porta de Evora, que iftibém abria para oriente, devia ser a principal saída da urbe para nascente.

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Situar-se-ia na zona mais baixa do pano sudeste da muralha, onde ainda hoje existe uma confluência de caminhos (fig. 6 )1T Porém, a descrição acima transcrita alude no passado à estrada medieval que começava na Porta de Évora, o que indicia perda de importância desta saida da antiga vila.

Assim, só as portas do Anjo e de Santarém mantiveram alguma utilização após o despovoamento da vila velha. Aliás, como se viu, eram as únicas portas com retiradas. Mas foi a Porta de Santarém, ao centro do pano norte das muralhas, a única em utilização até hoje. Esta porta, virada na direcção da estrada que se dirigia para a importante urbe medieval de Santarém, não tinha, aparentemente, nenhuma igreja próxima. Porém, foi também designada Porta da Vila ou de Santa Maria da Vila, por dar acesso mais rápido à Igreja de Santa Maria da Vila e ao centro da urbe medieval14. Inicialmente, duvidamos da existência desta Igreja de Santa Maria da Vila. Pensamos poder tratar-se da mesma Igreja de Santa Maria do Bispo, junto à Porta do Anjo (também chamada do Bispo), que era igualmente medieval e de três naves. De facto, não só julgávamos improvável terem existido dentro de muros de uma pequena vila duas igrejas de fundação medieval com a mesma invocação15, como a existência material da Igreja de Santa Maria da Vila não foi ainda provada. Porém a Igreja de Santa Maria da Vila existiu mesmo e a explicação para duas igrejas com a mesma invocação é curiosa: uma era de patronato da Mitra de Évora e outra do respectivo Cabido16.

Um dos locais onde - dentro da lógica medieval urbana - se poderia ter localizado a Igreja de Santa Maria da Vila foi já objecto de uma intervenção arqueológica. Das escavações resultou a conclusão de que não havia ali nenhuma igreja, mas sim um edifício público, tendo sido adiantada a hipótese de uma cadeia ou dos paços do concelho. Julgamos mais provável a segunda hipótese, pela localização central das ruínas escavadas em relação aos três principais extremos da vila amuralhada. Porém, os próprios paços do concelho poderiam ter uma cadeia anexa, como sucedeu em outras urbes medievais do Alentejo (nomeadamente, Marvão).

Tendo existido igrejas medievais sedes de paróquia nos três principais extremos da vila velha: Santa Maria do Bispo a ocidente, S. Tiago a oriente, e S. João Baptista a sul (junto ao paço do alcaide, que ocupava o extremo dessa colina), a Igreja de Santa Maria da Vila só podia ter-se situado junto ao local onde se identificou a possível existência dos antigos paços do concelho. Sabe-se que ficava próximo o pelourinho e uma praça, provavelmente a única de carácter medieval na vila velha.

Retomando a análise urbana da vila velha de Montemor-o-Novo (apesar de não serem hoje visíveis as primitivas ruas e casas), a existência de taludes e vestígios de paredes, o facto de ainda existirem ruínas dos principais edifícios públicos e religiosos, bem como a localização das portas permitem tirar algumas conclusões sobre o espaço urbano. Desconhece-se ainda qual o fulcro urbano inicial da vila

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velha : I o morro com ocupação mais antiga. Porém, o facto de no morro do paçodo af le não ter existido uma porta de entrada na vila (pelo menos não encor nos tal referência), confere a este morro a primazia como fulcro urbano, de oncf -hvergem precisamente no local onde se julga terem existido os paços do concel e a Igreja de Santa Maria da Vila - quatro principais vias para as quatro porta /ila, o que faz todo o sentido em termos de urbanismo medieval. Por outro lado. formato da cerca amuralhada e a localização dos principais pólos de atraci populacional reflectem também a formação triangular típica das urbes med: > de crescimento orgânico. É claro que abordar a malha urbana da vilave[f Montemor-o-Novo ainda é especular, enquanto não se fizerem escavações oene v adas para se apurar, por exemplo, até que ponto existiu no local uma urbe romana (havendo mesmo quem classifique de romano o arco da Porta de Santarém) ou um urbe mourisca.

Poii independentemente das inúmeras dúvidas e lacunas existentes, é sSrttomátfco o facto de três das quatro portas da vila velha ficarem no pano norte da mui ilha. Ora, para compreendermos este fenómeno temos de recriar a chegada a Montomor-o-Novo das vias medievais e avaliar quais as mais importantes (fig. 6). 0 me ■ do extremo sul da vila velha, a confirmar-se a não existência no local de um,: • ta o que faz sentido devido ao declive existente a sul do paço dos alcaides- set ■ um ponto de partida e de chegada. Como se viu, as vias provenientes das três pon convergem para esse morro, pelo que a formação urbana da vila velha de Mn i[ -o-Novo não é uma formação alongada, de estrada, mas convergente (emleqn havendo como ponto de intercessão a praça onde ficariam os paços docor ¡ho, perto da Igreja de Santa Maria da Vila.

Or,i ,dos estes indicios levam a concluir que as várias vias medievais que passavampor ontemor-o Novo cruzavam-se a norte da muralha, abaixo da vila velha. EstefSí ’ deu origem a um arrabalde de apoio à grande encruzilhada de vias: para Évoraa e. para Viana do Alentejo (e Algarve) a sul, para Alcácer do Sal a sudoeste,para Lisboa a oeste, para Santarém a noroeste, para Mora e Avis a norte e para Arr.iiolos a nordeste.

N t:de Média, quem vinha de Santarém para Évora, por exemplo, não precisava d* ¡ublr à vila velha de Montemor-o-Novo, pois a confluência das estradas era feita abaixo da vila, no arrabalde, local onde poderia talvez hospedar-se, fazer um- quer arranjo na ferradura da cavalgadura ou mesmo vender produtos que fl , ;esse. Este arrabalde seria certamente habitado inicialmente por almocreves,

' padeiros ou outros profissionais ligados ao comércio ambulante e apoio aos ■Jantes. Aliás, ainda hoje uma das mais antigas ruas deste arrabalde é a dos

locreves. Estão também documentadas estalagens medievais nesta parte do •balde17 e a própria Rua da Mancebia denuncia actividades típicas de uma

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povoação de passagem e pernoita18.

No século XV, com a consolidação da paz no reino e o florescimento do comércio, certamente a populaçao da vila velha de Montemor-o-Novo sentia o apelo da parte baixa, onde poderia tirar maior rendimento. Não sendo a vila velha um local de passagem, mas de chegada e partida, comecou a formar-se um novo pólo no sítio onde as vias de comunicação confluiam.

No fim do século XV, a vila velha mantinha apenas dois únicos fulcros de atracção:

• Os fulcros religiosos. As igrejas estavam todas na vila velha, assim como os locais de enterramento das paróquias. No arrabalde não existiam igrejas, embora existisse pelo menos uma ermida (de S. Vicente).

• Os fulcros administrativos. O poder do alcaide e do concelho permaneciam na vila velha. Porém, também na vila intramuros a actividade comercial estava mais subordinada e condicionada a esses poderes, o que favorecia a opcão pelo arrabalde.

Estando ja no século XV o fulcro comercial no arrabalde, começou a assistir-se ao despovoamento mais intenso da vila velha e ao crescimento inversamente proporcional do arrabalde. Este fenomeno agudizou-se com os finais do século XV, época de grande florescimento económico e em que o medo de uma invasão espanhola ou muçulmana estava desanuviado, sendo seguro comerciar fora da proteccão antiga das muralhas. Com a expulsão dos judeus, a actividade comercial intramuros sofreu o golpe decisivo, uma vez que a judiaria situava-se na vila velha. Tinha sido já aberta a Praça Nova19, fora de muros, mas logo após a Porta de Santarém. Esta praça destinava-se ao comércio e assumia uma localização de compromisso entre a vila velha e o arrabalde20.

Poderia então a necessidade invocada por D. Manuel I de um convento como o de Nossa Senhora da Saudação em Montemor-o-Novo ter relação com o processo de despovoamento da vila velha, onde iria ficar implantado, tornando-se assim o novo convento uma forma de fixar população e serviços na parte alta e mais antiga de Montemor-o-Novo.

É uma hipótese válida e coincidente com outras iniciativas deste monarca pata obstar ao despovoamento da antiga vila. Contudo, julgamos que o processo de despovoamento não era ainda muito forte aquando da decisão da fundação do convento. De facto, o período em que se fez maior renovação dos edifícios religiosos situados na vila velha foi precisamente o período manuelino: uma nova capela

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tumular i Igreja de S. João Baptista, junto ao paço do alcaide, o qual foi também reformado*1; a reforma da Igreja de Santa Maria do Bispo; o calcetamento de ruas; a reforma da Porta de Santarém e a casa do guarda; o próprio Convento de Nossa Senhor da Saudação.

E verdade que algumas destas obras foram realizadas precisamente para tentar atenuar o despovoamento. Mas, este massivo investimento de obras não faria senti: e o processo de despovoamento da vila velha estivesse tão acelerado.Aliás, ja em meados do século XVI procurou-se reformar a arruinada Igreja de Santa Maria da Vila. Seria então preferível construir de raiz uma nova igreja paroquial no arrabo le, o que nunca foi feito. A Ermida de S. Vicente passou a servir como sede desta paróquia, apesar da sua pequenez. Só séculos depois as sedes de paróquia foram transferidas definitivamente para a parte baixa de Montemor-o-Novo.

Contudo, logo no início do século XVI a Igreja da Misericórdia foi colocada no arrabalde, no local de uma antiga ermida22, sintoma claro de que a vila de Montemor-o-Novo estava já muito dividida: as misericórdias, fundadas em Portugal a pai r da viragem do século XV para o século XVI, eram normalmente colocadas o mais perto possível do centro das vilas pois, ao contrário dos conventos de clausura e ermitérios, eram instituições religiosas ao serviço dos mais desfavorecidos e iam ao seu encontro.

0 arrabalde de Montemor-o-Novo teve origem abaixo da referida Ermida de S. Vicente, precisamente na zona da Rua dos Almocreves (fig. 6), zona essa onde ainda se podem vislumbrar dois portais góticos. Mas se o arrabalde devia a sua formação a uma confluência de vias, é certo que uma das vias era, desde há muito, mais importante que todas as outras: a via entre Lisboa e Évora. Assim, muito naturalmente o arrabalde foi estendendo-se no sentido oriente-ocidente, ao longo do eixo da Rua Teófilo Braga (outrora Rua Direita), num sentido paralelo à muralha do lado norte. Esta constatação justifica também o facto de três das quatro portas da vila velha ficarem no lado norte da muralha, dando acesso ao vale onde se cruzavam as várias estradas. Mas mesmo a Porta de Évora, que ficava no pano sudeste, teria de ter ligação ao arrabalde, possivelmente pelo local onde se erigiu o convento dos dominicanos e só dai seguiria para Évora, através do Rossio.

' 1 eixo de expansão urbana do arrabalde deu origem a uma nova centralidade: a 'Ca Velha (hoje Praça Cândido dos Reis), que recebeu ligação directa com a Praça iva e Porta de Santarém através do Quebra Costas (rua que quebrava a encosta de inde declive). Mas a ligação principal era feita pela antiga Rua da Calçada, de

menor declive.

Porta de Santarém permaneceu até hoje como a única com utilização corrente, não só por ser a mais próxima do Convento de Nossa Senhora da Saudação - que

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permaneceu em uso quando toda a vila velha viria a ser abandonada - mas tambem por estar mais próxima da Praça Nova e das principais ruas de acesso à nova centralidade. A Praça Velha possui uma casa com janela renascentista, com coluna, a atestar a sua existência em quinhentos. Porém, todo o eixo que se prolonga desde esta praça até oriente e ocidente ainda hoje ostenta vestígios arquitectónicos da primeira metade do século XVI, como duas casas manuelinas na antiga Rua Direita (uma em frente à actual Câmara Municipal), a própria Igreja da Misericórdia (portal manuelino), o antigo Hospital do Espírito Santo (com portal renascentista ainda com esfera armilar, embora a instituição remonte ao século XIV) e a casa-mirante da esquina do Largo da Porta do Sol e da Rua D. Vasco (que a tradição associa a Vasco da Gama). 0 também quinhentista Convento de S. Francisco, como foi comum na época, erigiu-se em zona periférica do arrabalde.

A Praça Velha passou a ser complementada nos finais do século XVII com uma nova praça, que se abriu no local onde se tinha erigido a Igreja de S. João de Deus (fig. 6). Esta igreja (e convento anexo) tornou-se importante fulcro urbano, após a população de Montemor-o-Novo ter tomado consciência que existia um santo natural da vila, nascido precisamente nesse local, o que originou a consequente devoção. Motivos teve a Misericórdia de Montemor-o-Novo em opor-se à construção da nova igreja mesmo junto aos seus muros. Esta nova igreja rapidamente tornou- se a principal da vila baixa, apesar da Matriz de Santa Maria do Bispo só ter sido extinta no século XIX. Tal facto também explica porque, da Praça Velha, persistiu até hoje uma rua de acesso directo à Porta do Anjo: a Rua do Sacramento, por onde era levado o Santíssimo para a antiga Igreja Matriz. Porém, esta rua não levou casas na maior parte da sua extensão, sobretudo mais junto às muralhas, tal como sucedeu no Quebra Costas, sem casas na sua parte mais alta. Este é outro fenómeno interessante em termos urbanos, que ainda hoje se pode observar em Montemor-o- Novo: a lacuna de habitações antigas no morro que sobe para a vila velha - outro indicio que comprova como foi importante a vertente comercial na confluência de estradas para a formação de uma nova vila na parte baixa e como a vila velha de Montemor-o-Novo não era local privilegiado de passagem. Se o fosse, tenderia a formar-se arrabalde na zona junto à porta de entrada e/ou junto à porta de saída da via mais importante que cruzasse a vila amuralhada.

A existência da Praça Nova junto à Porta de Santarém, que teve casas com arcos, não invalida estas constatações, pois surgiu de um compromisso de interesses e deixou de fazer sentido com o despovoamento da vila velha. Foi substituída em termos comerciais pela Praça da Porta do Sol, que ficava precisamente na encruzilhada das estradas, onde foi erigida uma ermida do século XVI23.

Por tudo isto, compreende-se o facto dos edifícios religiosos construídos de raiz em Montemor-o-Novo após 1500 terem sido todos colocados na parte baixa da vila.

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Torna-se assim interessante problematizar a excepção que foi o Convento de Nossa Senhora da Saudação. À opção pela vila velha não teria sido por uma questão de espaço, pois a vila baixa estava em expansão e havia muito espaço na periferia, local até mais conveniente para um retiro de emparedadas. Aliás, o termo original empregado no século XVI é mosteiro e não convento, precisamente pelo carácter de retiro e clausura inerente à regra de observância das dominicanas. Ora, os mosteiros de clausura deveriam ficar afastados dos centros urbanos. Tal facto não sucedeu no caso de Montemor-o-Novo, pois a nova edificação ficou numa zona com casas contíguas. Paradoxalmente, só quando o despovoamento da vila velha atingiu um ponto extremo e irreversível passou a designar-se correntemente como Convento de Nossa Senhora da Saudação, numa altura em que mais parecia um mosteiro isolado.

Talvez fosse demasiado importante na escolha da localização o facto da iniciativa conventual ter tido como base as casas que já existiam na vila velha, provenientes de uma doação. Porém, a opção pela localização na vila velha era a mais complexa para a colocação do convento, pela necessidade de demolições, e as religiosas certamente não olvidavam este facto.

Trata-se de um tema a necessitar de mais estudo. O facto da vila velha estar hoje reduzida a ruínas encerra em si mesmo a oportunidade excelente de conhecimento do que era a primitiva vila, através de escavações arqueológicas, que tardam. Apenas alguns edifícios foram intervencionados parcialmente.

As Obras Efectuadas no Convento de Nossa Senhora da Saudação na Segunda Me: ide do Século XVI

O Convento de Nossa Senhora da Saudação foi edificado em terrenos outrora ocu dos por casas, não sendo de excluir que paredes tenham sido reaproveitadas Par a construção do mesmo. Infelizmente, apesar de termos já adiantado quais as pares do edifício conventual primitivo ainda existentes, não temos dados concretos sobre que obras foram feitas inicialmente e como foram realizadas. Não é reaccionado um nome de arquitecto ou de um mestre de obras inicial na bibliografia exi:: ente. Por outro lado, na mesma existe alguma confusão na descrição das obras realizadas durante a segunda metade do século XVI e início do século XVII. Em seguida iremos chamar a atenção para algumas dessas incongruências e adiantar hipóteses de explicação. Contudo, não poderão ser resolvidas as muitas dúvidas existentes sem uma análise mais detalhada ao edifício (nomeadamente às partes do c°nvento hoje ocupadas por particulares ou vedadas por risco de desmoronamento) '' s°bretudo, sem uma nova análise, mais minuciosa, dos documentos originais.

‘- ‘meçando com a primeira grande incongruência de dados, temos um portal em

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tudo semelhante ao da primitiva portaria conventual, excepto por não possuir esfera armilar. Este portal, hoje entaipado, situa-se no actual corpo nascente que sai do edifício conventual até à muralha, por debaixo de um arco e faceando o paramento da portaria primitiva (fig. 7). Este facto poderá indicar que o edifício conventual primitivo possuía já um anexo em frente à portaria, com o qual não comunicava directamente. De facto, a doação feita por D. Mécia de Moura a Joana Dias Quadrada e restantes emparedadas consistia de "umas casas de morada ( .. .) com seus quintais e terreiros e com uma casa que se sempre chamou palheiro, que está ante a porta das ditas casas, as quais casas partem com casas e quintais de Luís Dantas ( . . . ) com casas de Fernão Gonçalves de Negreiros e com ruas públicas ( . . . ) as quais casas e quintais e todo seu assentamento de alto e baixo ( . . . ) dá à dita Joana Dias"24. Ora, dá-se a entender que estes prédios iam desde a rua onde veio a ficar a portaria primitiva até à rua para onde viria a ser feita a serventia para o portal da igreja, faceando o tal palheiro do outro lado de uma dessas ruas. Seria o local deste palheiro onde está hoje o dito portal entaipado, e sido ali construído também um dos núcleos primitivos do convento? Que função teria e porque estaria então desligado do edifício principal, uma vez que o arco de ligação desta ala ao corpo principal é posterior?

Para tentarmos solucionar esta questão, iremos resumir alguns aspectos da evolução do convento, em termos documentais. Segundo Jorge Fonseca, citando Frei Luís de Sousa, Joana Dias Quadrada tinha ficado muito entusiasmada com a doação de 1502, "começando na mesma hora que se viu de posse do sítio , [a ] abrir alicerces para Igreja e forma de Mosteiro". Frei Luís de Sousa (cronista da Ordem Dominicana em Portugal) baseou-se em documentos originais do cartório do convento, retomados recentemente por Jorge Fonseca25. Ainda segundo Jorge Fonseca, quando D. Mécia de Moura se juntou às recolhidas, estas deveriam reunir-se numa casa que não fazia parte dos prédios doados por D. Mécia. Porém, nestes prédios já haviam em 1506 obras realizadas, pois a elas alude o testamento da fundadora, no qual se clarifica novamente a vontade "de se fazer um mosteiro de fre iras ( . . . ) em as minhas casas de morada que tenho na dita vila ( . . . ) e para isso lhes tenho já outorgadas e dotadas ( . . . ) e já em elas é começado'^ .

Para que fosse válida a doação de 1502, confirmada e ampliada pelo testamento de 1506, era necessária a aprovação de D. Manuel I, aprovação essa que data de 150627. O convento já tinha então a invocação de Nossa Senhora da Saudação (Anunciação), com Joana Dias Quadrada como prioresa. O ano de 1506 é fundamental, pois estando a intenção do testamento da doadora confirmada e apoiada pelo rei, podiam as obras avançar. Segundo Jorge Fonseca, os quatro anos de espera, entre 1502 e 1506, terão talvez precipitado um projecto mais ambicioso para o convento. Se efectivamente assim sucedeu, adiantamos nós que tal facto certamente deveu-se precisamente ao apoio obtido por parte do monarca, que

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inicialmente talvez não se julgasse tão efectivo. Ora, se o novo convento seria de padroado real, não poderia ser uma obra qualquer.

Após a morte da doadora, foram adquiridos entre 1510 e 1514 vários prédios contíguos às casas doadas por D. Mécia de Moura. Em 22 de Maio de 1510 dois prédios confinantes com as casas do convento foram adquiridos. Um dos prédios pertencia a Fernão Menino: umas casas que partiam "de uma parte com casa do mosteiro da saudação e com Diogo Pires llharco". Na escritura de venda clarifica-se que os predios serviriam para "se meterem com o dito mosteiro que se ora faz". O outro prédio adquirido era de Diogo Pires llharco e sua mulher Isabel Dias: um assento de casas que partiam, de uma parte, "com casas que foram de Fernão Menino e agora são do mosteiro" e de outra parte, com casas que "foram de Fernão Gonc Ives Negreiros"28.

Supomos que esta compra correspondeu a prédios contíguos, os quais ficavam imediatamente ao poente da portaria primitiva. De facto, refere-se a propriedade de Fer ião Gonçalves de Negreiros, que tinha confrontação com o prédio inicial do convento e esta confrontação deveria ser ou pelo nascente ou pelo poente. Supomos que fosse pelo poente, não só pela forma como surge descrito em segundo lugar, mas também porque temos indícios de que o outro prédio já referido, de Luís Dantas, ficava a nascente do convento primitivo. Assim, esta compra de 1510 serviu para ampliar o convento no sentido poente, talvez abrangendo já o local onde iriafica a cozinha e refeitório.

Em 30 de Dezembro de 1511 foi efectivada uma outra compra, que se tornainteressante em termos de história urbana. Para a ampliação da obra do conventofoi necessário adquirir mais prédios, que supomos situarem-se a nascente do primitivo convento, pois ficavam certamente do lado oposto dos prédios adquiridos em 15)0. Ora, um dos prédios constava de pardieiros e estrebarias que ficavam entre uma propriedade de Luís Dantas e o convento. Este prédio pertencia ao hdalgo Garcia da Cunha e seus irmãos António, Sebastião, Diogo e Joana da Cunha. Como estes não se entendiam sobre a venda do prédio ou se recusavam a fazê-lo, foi necessária uma ordem' régia forçando à sua venda, tendo o juiz da vila sido encarregado de constranger os donos do prédio29. É um exemplo concreto de como a opção pela colocação do convento na vila velha foi mais complexa para as freiras

termos de ampliação do edifício. A propriedade no local estava fragmentada, Pois seria uma zona de bastante ocupação urbana, numa via principal que ligava a Porta de Santarém à Igreja de S. Tiago (fig. 6), via essa que sabemos ter sido calcetada antes mesmo da existência do convento30.

Até 1512 interveio em todo este processo de edificação do convento o testamenteiro de D. Mécia, João Mendes de Vasconcelos, a quem caberia

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concretizar o projecto do convento, administrando os rendimentos dos bens legados até a obra estar concluída. Ora, em 1512, D. Manuel ! mandou entregar à prioresa e freiras os bens e rendimentos deixados por D. Mécia, o que só seria justificável após a conclusão da obra, segundo o testamento. Por isso, Jorge Fonseca julga que o convento terá sido então dado como concluído. Aliás, a clausura terá comecado oficialmente no novo edifício em 1513, tendo dado entrada no convento as primeiras três religiosas de hábito, vindas do Convento de Santa Ana de Leiria31. Por outro lado, em 1514, D. Manuel I outorgou à comunidade conventual o benefício de um por cento anuais extraídos das sisas do almoxarifado da cidade de Évora enquanto o convento vivesse na boa fama e observância da regra32.

Estavam efectivamente criados todos os fundamentos para funcionamento e manutenção do convento. Porém, se a ampliação da ideia original foi desenvolvida ainda no reinado de D. Manuel I, após a obtenção do padroado real - como adiantou Jorge Fonseca - então temos duas hipóteses explicativas para interpretar o que hoje existe no convento: ou esta ideia teve de ser ainda muito mais ampliada três décadas depois; ou então o início da clausura, em 1513, não correspondeu ao fim de obras no convento, mas sim ao fim das obras consideradas estritamente necessárias para o funcionamento da comunidade conventual. Pela análise que já expusemos das partes mais antigas do complexo conventual, parece-nos que em 1513 partes fundamentais do mesmo estavam ainda por construir, como o claustro, grande parte da igreja e o refeitório.

Julgamos que ambas as hipóteses supramencionadas são válidas. De facto, o apoio régio atraiu o mecenato de particulares, que pretendiam obter sepultura na igreja ou expiar as suas almas. O convento obteve dotes por entrada de filhas de importantes fidalgos, como os Mascarenhas (alcaides da vila), que também ofereceram objectos de culto. Aumentaram as rendas que a comunidade conventual recebia, o que permitiu a aquisição de outros bens de raiz, nomeadamente herdades e quinhões em herdades. Assim, compreende-se que o complexo conventual tivesse sido redimensionado em relação ao que se pretendera criar já após a obtenção do padroado real, até porque foi crescente o número de professas durante o século XVI.

Segundo Jorge Fonseca, após o início da clausura novas referências documentais a obras são já da segunda metade de quinhentos. Contudo, é curioso que em 1545 a Prioresa Soror Leonor Baptista tenha escrito a D. João III pedindo-lhe uma esmola, porque alegadamente as freiras não tinham que comer e possuíam uma grande dívida para com o boticário, que já se recusava a dar as mezinhas. Ora, se desde o início da clausura o convento acumulava benesses e privilégios, o facto de em 1545 a situação financeira do convento ser muito má só poderia dever-se a obras avultadas feitas recentemente.

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Na nos-, opinião, as obras efectuadas até ao início da clausura não terão correspondido a um hipotético maior arrojo em relação ao projecto inicial, mas talvez t em ainda a conclusão desse mesmo projecto inicial e só a partir dessa época puderam ser lentamente tomadas a cabo as obras de ampliação projectadas já após a confirmação do padroado régio e impulsionadas pela concessão do benefício percentual das rendas do almoxarifado de Évora. Apesar da inexistência de documentos que o comprovem, julgamos que a partir do início da clausura as obras tenham sido quase contínuas, pois os vastos prédios adquiridos em 1510 e 1511 não poderiam ter levado em pouco tempo as diversas benfeitorias arquit* íónicas projectadas. Aliás, logo em Setembro de 1514 D. Leonor Freire (moradora em Setúbal, mulher do fidalgo Luís Dantas) vendeu ao convento "um assentamento de casas que ela e o dito seu marido hão e têm ( . . . ) que partiam de uma paite ao levante com estrebarias de Garcia Lobo e de Percival de Queiroz e da outra parte ao poente com o dito mosteiro e das outras partes com ruas públicas"33. Segundo Jorge Fonseca, estas casas deviam situar-se para o lado da Igreja de S. Tiago, confinando eventualmente com prédios voltados para o respectivo adro. A transação teve de ser resolvida pelo rei, pois referia-se a um prédio de morgadio {por principio inalienável) e o preço de venda subiu para além do inicialmente ajustado, tendo D. Manuel I, mais uma vez, assegurado grande parte da despesa34.

Pela descrição, julgamos que estes prédios poderiam situar-se imediatamente a nascente da sala do capítulo, tendo servido para ampliar a compra de 1511. Mesmo sem saber a localização exacta dos mesmos prédios, ou até que ponto as benfeitorias neles existentes foram aproveitadas, supomos que tenham servido para a expansão do complexo conventual, em obra efectuada nos anos seguintes à compra.

infelizmente, não possuímos dados concretos sobre compra de prédios em frente à primitiva portaria conventual na primeira metade do século XVI. Ora, supondo que o ]á referido portal entaipado (que faz frente para a primitiva fachada conventual & è muito semelhante ao da primitiva portaria) terá sido construído ainda na primeira metade do século XVI, então temos sobretudo duas hipóteses explicativas:

• este portal poderá ter pertencido a uma casa particular e ter sido reaproveitado ao passar mais tarde à posse do convento;

• ou, como já adiantamos, este portal pertenceu a uma primitiva dependência conventual, construída em época coetânea à da prim itiva portaria e em terreno que pertencia ao convento por via da doação de D. Mécia de Moura, caso se confirme que esta doação terá contemplado um prédio emfrente ao local da primitiva fachada conventual.

Julgamos mais plausível a segunda hipótese, sendo evidente que este portal

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precedeu a existência de uma praça no local onde está hoje o terreiro. Porém, permanecem ainda muitas dúvidas. Segundo Jorge Fonseca, a comunidade conventual comprou em 1558 a Lourenço Pantoja e sua mulher um assento de casas que confrontavam "com casas que foram estrebarias de dom Nuno" e "com adro da igreja de São Tiago e entestam em ruas públicas"25. Não seria este "Dom Nuno" referido na escritura de venda o próprio marido de D. Mécia de Moura? Não aludiria a escritura ao palheiro que entrara na posse do convento através da doação de 1502? Uma vez que, através da compra efectuada em 1514, a propriedade pertencente ao convento tinha sido ampliada até muito próximo da Igreja de S. Tiago, supomos - pelas confrontações - que esta compra de 1558 se refira a um local em frente ao adro da dita igreja, mas do outro lado da rua. As duas ruas públicas aqui referidas aludirão provavelmente à que passava em frente à portaria primitiva e à que corria junto à muralha (fig. 3).

Segundo Jorge Fonseca, no local referente à compra de 1558 foi estabelecida a vigararia que alojava os padres confessores. Consequentemente, a dita vigararia teria de ficar separada do corpo principal do convento ou, pelo menos, sem comunicação directa com este. Tal facto vem confirmar a localização do prédio adquirido como a nordeste da primitiva portaria, do outro lado da rua.

O hiato documental sobre as obras de expansão do convento entre a compra de 1514 e esta compra de 1558 pode ser justificado pelo próprio prolongamento das obras no núcleo principal do convento. O facto do alojamento dos padres ter obrigado â compra de prédios talvez não previstos no projecto inicial deu visibilidade documental às obras que se supõe ter sido feitas então nesse anexo conventual. O mesmo não terá sucedido com a obra da igreja, claustro e outros anexos no interior do espaço já pertencente ao convento desde 1514, obra essa que terá sido levada a cabo de forma progressiva até ao início da segunda metade do século XVI. Como já adiantamos, o claustro será efectivam ente de meados do século XVI.

Voltando aos prédios adquiridos em 1558, Jorge Fonseca refere que umas casas supostamente contíguas aos prédios referidos foram protestadas em 1561 pelo cavaleiro André Monteiro, afirmando que as mesmas, situadas na Rua de São Tiago dos Cavaleiros e partindo "de uma parte com casas e quintais por todas as bandas do mosteiro" pertenciam a um prazo de que era administrador. Ora, ele achara-as "tomadas e metidas no dito mosteiro" devido a uma doação feita por Lourenço Pantoja e sua mulher. Ficamos assim a saber que, para além da compra de 1558, existiu uma doação de mais terreno por parte dos mesmos proprietários. Esta doação terá sido ainda de 1558 ou dos dois anos seguintes, o que tornou as casas em litígio rodeadas de prédios pertencentes ao convento, pelo que André Monteiro facilmente aceitou vender as mesmas, em troca de um rendimento numa courela.

Assim, concluímos que o Convento de Nossa Senhora da Saudação empreendeu uma

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import ite ampliaçao ¿1 nordeste da primitiva portaria e por volta de 1561 estariam a rea. se ali obras. ja que 0 mesmo André Monteiro afirmava: todas as mais das casas h ta cerca são derrubadas '.

Supomos que 0 derrube das casas poderá ter sido parcialmente aproveitado para a aberti de uma pequena praça, do lado ocidental do anexo onde funcionava a refeni morada dos padres confessores e mesmo para desafogar a fachada oriental do • 1 anexo (fig. 8). Assim, a ideia da praça do terreiro poderá remontarprecisamente ao final da década de 1550 e terá sido no inicio da década seguinte consti da a ala nascente do convento, tendo esta prolongado talvez um primitivo anexe i jo acesso era 0 referido portal entaipado. Isto partindo do principio de que 0 dito portal deverá ser anterior à abertura da praça do terreiro, pois está virado para a primitiva portaria, quando deveria ter ficado melhor virado para ocidente, caso istisse já a ala e 0 espaço livre do seu lado poente. Tratam-se de hipóteses a necessitar«« de confirmação, mas que parecem corresponder às escavações já rea In tis no terreno.

Segundo Jorge Fonseca, também a partir de 1560 iniciou-se 0 processo de construção do dormitório das freiras, a poente do convento então existente (fig. 3). Segundo descrições do século XIX, sabemos que o dormitório mais antigo do Convrnto de Nossa Senhora da Saudação fazia face à quadra poente do claustro. Supomos então tratar-se do mesmo. Porém, segundo Jorge Fonseca, para a obra do dormitório construído na década de 1560 foi necessário ocupar uma travessa pCibl i, 0 que parece estranho, pois 0 dormitório antigo a que nos referimos abria pai segundo piso do claustro, implicando a construção previa do piso terreo. Ora,0 pmblema da ocupação de via pública teria de ser levantado antes da construção do piso térreo.

A verd ad e é que em Novembro de 1560, depois de obter 0 consentimento dos vizinhos (ainda existiam, note-se), a comunidade conventual pediu à Câmara M unicipal de Montemor-o-Novo autorização para ocupação da dita travessa pública. As freiras obrigavam-se a mandar construir outra travessa em substituição da primeira “tamanha e tão larga e calçada" como a existente. Segundo Jorge Fonseca, 50 após 1564 a obra do dormitório pôde iniciar-se, uma vez que só nesse ano foi w itâ a demarcação da nova rua pelos oficiais da câmara "por dentro das casas que foram de Heitor de Sequeira \ ficando um poço e quintal destas dentro do convento. Ora, poderá estar aqui a solução para a aparente incongruência: a1 tisa pública atravessaria não 0 espaço onde foi construído 0 dormitório, mas

1 1 zona mais para 0 exterior, que foi necessário adquirir para desafogamento daf 1 hada poente do mesmo dormitório, tendo sido a travessa afastada do dormitório

•Wentual e realinhada. Isto deu origem a um pátio fechado, no extremo sudoeste ® cerca conventual, mais tarde conhecido pelo pátio das noviças e onde ainda hoje

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existe um poço (fig. 3).

Em 1586 foi feita a avaliação de "certa obra" no convento, feita em parceria por Mateus Neto (mestre de obras da Casa Real) e pelo pedreiro João Gomes, ambos residentes em Évora. Um louvado foi nomeado para decidir que ganho deveria cadaqual obter com a empreitada36. Ou seja, trata-se de um obra então já realizada.

Jorge Fonseca não adianta hipótese para esta obra e cita José Eduardo Horta Correia, que a relaciona com a construção do claustro. Porém, como já afirmamos, o claustro será ainda do reinado de D. João III (reinado terminado em 1557), como já tinha adiantado Túlio Espanca. É certo que Túlio Espanca não se apoiou em bases documentais. Porém, se em 1560 se planeava a construção do dormitório que supomos ser o antigo dormitório conventual, chamado mais tarde dormitório do sino ou do Nascimento, o espaço do claustro tinha de estar já todo delimitado pelo poente antes da década de 1560, pois o referido dormitório foi construído sobre o piso térreo que fechava a quadra poente do claustro.

Para além dos elementos arquitectónicos já referidos pertencentes ao convento primitivo manuelino, existem outros no complexo conventual datáveis ainda de época anterior ou coetânea do claustro. Assim, se o piso térreo da quadra nascente do claustro, com a sala do capítulo, será do reinado de D. Manuel I, o mesmo piso térreo da quadra norte será ainda da primeira metade do século XVI, pois apresenta algumas divisões com abóbada nervurada simples (algumas celas estão vedadas). Por outro lado, esta quadra terá sido construída - total ou parcialmente - nos prédios adquiridos em 1510. Note-se que o piso térreo desta quadra não possuía aberturas senão para o claustro, por se encontrar abaixo do nível da rua que passava em frente à portaria.

Do mesmo modo, é provavelmente da primeira metade do século XVI a cozinha primitiva, que ficava no extremo noroeste do espaço do claustro, e que terá mesmo sido construída antes do claustro, pois levou até uma entrada diagonal para o mesmo. Por outro lado, a porta de acesso axial à cozinha, que se atinge por um corredor vindo do claustro, é semelhante à da sala do piso térreo da quadra nascente que se situa ao lado da escadaria para a portaria primitiva: possui verga e umbrais em meio canudo, sendo a verga em granito e os umbrais em alvenaria de tijolo.

A chaminé da cozinha parece ser ainda a primitiva, integrada no sistema de nervuras da cobertura. Mais ao poente da cozinha, mas em ala não alinhada com a fachada da portaria e saliente do corpo principal do convento, foi construído o refeitório, de duas naves e cinco tramos, com abóbada nervurada apoiada em

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colunas de granito. É obra datável da mesma época do claustro, não só pelo tipo de colunas í ordem toscana), mas também pelos mesmos almofadados do claustro, que aqui se utilizam nos estilóbatas. Este refeitório é algo semelhante (mas um pouco mais evoluído) ao antigo refeitório do Convento de S. Francisco de Montemor-o- Novo, q e será talvez da década de 1540 ou 1550.

Consequentemente, a louvação feita em 1586 não deverá corresponder à obra do claustn . o qual provavelmente datará da década de 1550. Também julgamos difícil que a obra louvada em 1586 fosse o prolongamento da fachada da antiga portaria para ocidente, acompanhando a rua existente no local, pois as compras de prédios que possibilitaram este prolongamento serão da recuada data de 1510 e no piso inferior existem os já referidos elementos ainda de tradição tardo-gótica. Por outro lado, esta fachada teria de existir aquando da construção do claustro, de forma a ocultá-lo da via pública. Aliás, como a mesma fachada foi depois prolongada por uma ala ocidental, onde se construiu o refeitório, deverá o prolongamento ser anterior ao mesmo refeitório. Também por essa razão, será anterior ao claustro, já que o refeitório deverá ser obra coetânea do claustro, como já apontamos.

O facto do claustro ser de planta trapezoidal, com o lado menor precisamente na quadra onde se abre a sala do capítulo, junto ao núcleo inicial do convento, denota tambem que o claustro construido adaptou-se a um espaço e volumes preexistentes e não o contrário (fig. 3). O claustro foi primeiramente um espaço aberto definido pela quadra nascente (da sala do capítulo), pela quadra sul (dos muros da igreja), e peto corpo do convento que fazia face à rua (quadra norte). Aliás, e interessante que no piso superior do claustro, no extremo nordeste, as duas salas que fazem ligarão com a primitiva portaria do convento estão em planos diferentes, possuindo alguns degraus para quebrar o desnível. Uma destas salas possui também abóbada nen/iirada e a porta que nela foi aberta para comunicar com o piso superior do claustro parece ter obrigado a uma reformulação de parte de nervura da abóbada.

seja, como já referimos, o pé-direito do claustro é superior ao das divisões do primitivo convento, o que obrigou a algumas adaptações arquitectónicas. Na quadra poente do claustro, onde foi construído o dormitório do sino, já se procurou uma maior regularização do espaço, embora este tenha sido ali modificado P'- ¡eriormente.

Assim, a obra não especificada que em 1586 teria sido já terminada poderá ser 0utra. Note-se que, em 1583, com a escritura de doação referente à entrada de uma llha do mercador António Rodrigues, o convento ficou bastante mais rico, o que

Poderia ter despoletado, por motivo de maior desafogo financeiro, a dita obra não especificada. Talvez seja possível determinar qual foi a misteriosa obra por exclusão

-• partes.

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A Construção da Enfermaria e dos Arcos de Passagem

Segundo Jorge Fonseca, em 1596 a Prioresa e demais freiras mostraram à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo o desejo de edificarem uma enfermaria, devido ao local do convento ser alegadamente "muito doentio". Porém, o Pe. Romeiras relatava no século XIX que a iniciativa da construção da enfermaria se ficara a dever a uma fidalga37. Para tal fim, terão sido compradas "umas casas perto da sua portaria", não sendo referido em que ano e de que casas se tratavam.

Mas para a construção da enfermaria era necessário ser feito "um arco pela rua para a dita enfermaria", pelo que deviam obter aprovação da Câmara Municipal. Para isso, as freiras invocavam como precedentes as permissões semelhantes que fizera a Câmara Municipal de Lisboa às religiosas do Convento do Salvador e do Convento do Rosário, bem como a autorização dada pelo rei D. Sebastião às freiras de Santa Ana.

Segundo Jorge Fonseca, este arco seria o que hoje está sobre a rua que corre em frente à portaria antiga do convento, ligando o convento à ala nascente (figs. 3 e 5). Todavia, teria de haver já um piso térreo pertencente ao convento naquele local. Como verificamos, este piso térreo é precisamente onde se encontra o já referido portal entaipado, ou seja, as já referidas casas de vigararia dos padres confessores.

Porém, se houve uma compra de casas junto à primitiva portaria aquando da intenção em construir uma enfermaria, que casas foram essas? Ainda segundo Jorge Fonseca, poderiam ter sido as casas que Luís do Rego Freire acabou por entregar ao convento depois de demanda entre ambas as partes. Tratava-se de "uma morada de casas ( . . . ) com seu quintal que partem de uma banda com casas do padre Julião Freire seu irmão e da outra partem com casas de Lourenço de Brito e estão defronte da portaria do dito mosteiro". O convento terá tomado posse das casas de forma ilegal, tendo sido feito em 1604 um acordo em que as freiras eram obrigadas a entregar 120.000 reais pelo preço e pelos alugueis que podiam ter rendido durante os anos em que estas foram ocupadas. Ora, se a enfermaria foi construída sobre edifício já existente, torna-se estranha esta referência. É certo que a enfermaria foi construída no primeiro piso da ala nascente, mas prolongou-se para sul, quase até ao logradouro atrás da capela-mor da igreja.

Se estas casas de Luís do Rego Freire ficavam efectivamente em frente à fachada principal do convento, a única conclusão que podemos tirar é a de que as casas foram adquiridas para serem derrubadas (mesmo que por algum tempo tenham sido, talvez, ocupadas) e dar maior consistência e amplitude à formação da praça do terreiro.

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A Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, após vistoria, autorizou o arco/passadiço de ligação da enfermaria ao convento, "com tanta altura que não faça impedimento à bandeira do São João e às bandeiras das procissões que pela dita rua passam". Porém, segundo Jorge Fonseca, em 1597, depois da obra ter já iniciado, as freiras pediram à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo que fosse autorizado "o arco assim na rua como na travessa que está ao muro". As freiras ameaçavam com a mudança do convento para local mais sadio, caso não fosse aceite a pretensão. O pedido para outro arco foi também autorizado.

Segundo Jorge Fonseca, este segundo arco era talvez o que hoje existe junto à muralha, na ala nascente. Porém, vemos aqui nova incongruência. De facto, o arco que ligou o piso superior da ala nascente - a enfermaria de nova construção - ao corpo principal do convento é completamente diferente do arco que liga o mesmo piso à muralha, denotando edificação em épocas diferentes.

0 arco de ligação do corpo conventual principal à ala nascente é efectivamente bastante alto, e em abóbada de berço. É obra datável do fim do século XVI. Porém, se analisarmos a parte que na ala nascente está sobre a muralha verificamos que existem dois momentos de construção, facilmente distinguíveis pela tipologia de sustentação do túnel. Uma parte é em abóbada de nervuras e está na linha do corpo que vem desde o já referido portal entaipado. A outra parte, forma um apêndice à primeira e é sustentada por abóbada de volta perfeita, dividida por arcos torais (fig. 9).

Assim, julgamos muito improvável que a parte do túnel com abóbada nervurada tenha sido construída no fim do século XVI. Talvez seja ainda de meados do século XVI. da época da compra de 1558 e da instalação da vigararia dos padres confessores, o que faz todo o sentido em termos arquitectónicos. Efectivamente, o piso térreo desta ala (hoje uma casa particular) tem, pelo menos, duas salas com abóbadas nervuradas, ficando uma próxima ao referido portal entaipado e outra a seguir ao segundo contraforte. Estas abóbadas nervuradas serão de época próxima a parte do túnel que liga esta ala à muralha.

Por outro lado, este arco, quer na parte em abóbada nervurada, quer na parte em volta perfeita, é muito mais baixo que o arco de ligação do corpo conventual Principal à ala nascente (fig. 5, corte C-D). A razão da maior altura deste último arco não teria sido só a fácil passagem de um estandarte. De facto, o primeiro piso d« ala nascente situava-se num plano acima do primeiro piso da primitiva fachada do convento, pelo que se optou por lançar o passadiço para um plano superior.

Julgamos que Jorge Fonseca poderá não ter interpretado bem os documentos do fim d<> século XVI que analisou e transcreveu parcialmente: se teria de existir já um corpo térreo nesta ala nascente (onde ficou a vigararia dos padres confessores), o

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segundo arco referido pelas freiras - na travessa junto à muralha - poderá não ter sido o que uniu esta ala conventual à muralha. Esta já estaria unida pela parte do arco em abóbada nervurada, o que poderá também significar a existência de um piso superior pelo menos em parte desta ala, o qual datará de pouco tempo após a compra de 1558.

Então a que arco junto à muralha se referiam as freiras em 1596? Seria o arco do apêndice desta ala, situado a oriente, cuja abóbada é em volta perfeita? Esta suposição parece fazer sentido, mas torna-se também incongruente, pois tal apêndice não surge numa conhecida vista de Montemor-o-Novo, tirada por Píer Maria Baldi em 1669 (fig. 10). Apesar das reservas com que nos devemos basear em gravuras antigas de cidades (sobretudo em termos de pormenores), a de Pier Maria Baldi, incluída na sua famosa série de vistas de Portugal, dá-nos interessantes pistas sobre o Convento de Nossa Senhora da Saudação.

Ora, numa análise feita no local, constatamos que o piso térreo da ala nascente (pelo menos) e a sua ligação à muralha são anteriores a toda a ala poente (com excepção do apêndice com túnel de volta perfeita, que será então posterior à vista de 1669). Porém, a ligação da ala nascente ao corpo principal do complexo conventual, pretendida em 1596, deverá ser temporalmente muito próxima à construção de toda a ala poente, pela semelhança deste arco com os dois arcos da ala poente, ligando esta ao corpo do convento e à muralha. Note-se que o espaço entre os contrafortes da ala nascente, que define as abóbadas nervuradas no interior, é muito mais irregular que o espaço entre contrafortes na ala poente, que terá sido erguida com base num só projecto e/ou numa só fase construtiva (fig. 3).

Assim, por exclusão de partes, o arco da "travessa que está ao muro" seria efectivamente um arco junto à muralha, mas o da ala poente. A confirmar-se, podemos concluir que houve uma construção quase simultânea de parte do piso superior da ala nascente (pelo menos a parte que ligou ao corpo principal do convento) e de toda a ala poente, o que explica a aquisição de casas em frente à portaria, efectivamente para derrubar, já que seria necessário delimitar a nova praça (fig. 11).

Também por exclusão de partes, a obra louvada em 1586 poderia ser na igreja, pois sendo elemento fundamental do complexo conventual e tendo sido iniciada ainda em reinado de D. Manuel I, não possui elementos estruturais manuelinos ou mesmo de tradição tardo-gótica com datação epigonal (fig. 12). Isto à excepção do portal e, consequentemente, talvez de alguns muros, bem como de dois pilares hoje forrados de azulejo, rompentes dos ângulos interiores do arco triunfal, que segundo Túlio Espanca poderiam ter pertencido a uma primitiva abóbada manuelina na capela-mor. No corredor que, do claustro, dá acesso à igreja existem, junto à

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entrad ' oro baixo e da igreja, duas coberturas nervuradas, sendo claramente quinhe is (fig. 13). Também quinhentista é a pia de água benta da igreja, já renast i. hoje mutilada. Porém, tudo o resto na igreja, em termos estruturais, parece < do ultimo quartel do seculo XVi e primeiro quartel do século XVII.

Aliás, >616, os Mascarenhas, alcaides-mores da vila, patrocinaram parte da reforn ̂ da igreja. O oitavo alcaide mandou construir o jazigo familiar na igreja convei al, logo após a morte da segunda mulher D. Catarina de Lencastre. O contra om as religiosas permitia fazer "no coro de baixo um jazigo para seus descei entes com "uma casa de abóbada por cirna, da qual ficará a serventia do dito c ficando por baixo o carneiro. Entre as grades do coro de cima e do coro de ba 0 ficariam as armas da familia. No contrato ficaram ainda previstas as pintui a fresco na abóbada do coro baixo, como hoje existem, embora Tulio Espau a;, date de por volta de 1612ia. Assim, depreende-se a existência em 1616 dos ■ alto e baixo, mas implicitamente refere-se a sua reformulação (e eventual amn! io para poente?). Note-se que os coros ficaram oblíquos em relação á nave da i. Contudo, não estamos a afirmar que tivesse sido algum dos coros a obra louv,: em 1586, De facto, a existência destes deverá ser anterior à obra dodor, :u io do sino, que funcionava como principal complemento do coro alto e que efet omente com ele tinha ligação facilitada, mesmo não estando situado no me. piso, devido ao ja referido declive. Alias, foi certamente este pormenor queorv i a designação dormitório do sino. pois o campanário primitivo ficavaimcí; tamente a sul do dormitório, no telhado da escadaria que ia do dormitório pai coro alto.

A C strução da Ala Poente do Convento de Nossa Senhora da Saudação

Sob {*0 túnel que ligava a ala nascente com a muralha foi construído um mirante gi ido com vista para o arrabalde da vila e arredores. Julgamos que terá sido a0 ução do mirante uma das motivações do prolongamento inicial do conventoai muralha, no que se efectivou uma solução urbana muito interessante, quejn unos única em Portugal (figs. 3 e 8).

2 tcão do convento à ala nascente serviu sobretudo para ligar visualmente of vento à vila baixa. Por um lado, sabe-se que os conventos femininos em Portugal1 iiam geralmente o seu mirante. No caso do Convento de Nossa Senhora da

idação, este justificava-se junto à muralha, onde a vista discreta para as cenas ■■ida secular seria deslumbrante. Havia, pois, que prolongar o convento até à

■ ralha e construir o túnel para, sem obstruir a via pública, criar um piso superior pudesse ficar acima da muralha e permitir o panorama da vila baixa. Assim,

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apesar de termos concluído que a ligação da ala nascente á muralha poderá ter sido feita pouco tempo apos a compra de 1558, julgamos que a construção do mirante será posterior, já que esta ala era a vigararia dos padres confessores (que não necessitariam de mirante) e o piso superior da mesma só teve ligação ao corpo principal do convento após 1596, com a construção da enfermaria. Assim, o mirante da ala nascente será do fim do seculo XVI.

A ala poente do Convento de Nossa Senhora da Saudação foi pensada provavelmente em finais do século XVI, como complemento à ala nascente, que iria ser ligada ao corpo principal do convento por via da enfermaria. A ala poente fecharia definitivamente a praça, enobrecendo a fachada principal do convento.

Assim, na viragem do século XVI para o século XVII, o Convento de Nossa Senhora da Saudação ficou com uma praça de terreiro mais ou menos regular, nobilitando todb o espaço e tornando-o mais privado. Não só porque a vila alta estava a despovoar- se irremediavelmente, mas também porque o sistema de túneis e o facto da muralha estar outroia um pouco mais elevada do que hoje, entre as duas alas. tornavam aquele num espaço fechado, à imagem das tipicas praças maiores espanholas, com acesso por túnel e espaço uniforme no interior.

Claro que o exemplo de Montemor o Novo partiu de adições e a simetria não foi totalmente conseguida, nem mesmo com as obras do século XIX. Porém trata-se de um exemplo feliz e importantíssimo em termos da História do urbanismo em Portugal. Isto, mesmo considerando que, em finais do século XVI o despovoamento da vila velha de Monlemor-o-Novo não era ainda considerado irreversivel, caso contrário não teria havido a preocupação em manter as vias públicas existentes, através de túneis. Aliás a vista de 1669 mostra-nos ainda casas na vila velha, à direita da porta de Santarém, local onde no interior da cerca existe uma elevação que tomava as casas visiveis do exterior da muralha (fig, 10).

Todavia, estas vias que ciuzavam a praça do terreiro foram submetidas a um plano regularizador, levando a que entrassem na praça do convento de um determinado modo, obrigando a fazer percursos diagonais na mesma, caso se pretendesse alternar a via junto à muralha com a via mais interior, junto à portaria. Acrescente- se que, para a construção do Convento de S. João de Deus (na segunda metade do século XVII), também foi necessário ocupar uma via preexistente, de modo a que a cripta da igreja ficasse sobre a casa onde nasceu o santo. Foi também aqui construido um arco de passagem39.

Mas não teria sido só a criação de uma praça regular, fechada e nobre, o objectivo principal da nova ala poente do Convento de Nossa Senhora da Saudação. De facto, com o crescimento do complexo conventual, a primitiva portaria passava cada vez mais despercebida e, com a conclusão das duas alas. ficou mesmo em posição

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assimétrica perante o novo espaço de enquadramento (já o era em relação ao clausto: igreja). Ora, a fachada do corpo principal do convento não foi nobilitadaaquando da conclusão da praça do terreiro, nem sequer se procurou marcar uma nova a1- ¡alidade definida pelo espaço da recém ampliada e regularizada praça.

Segundo Túlio Espanca, as duas alas perpendiculares à fachada principal do convento estão assentes em arcaria primitivamente liberta e hoje cega, opinião com a qual discordamos. Por um lado, na ala nascente não poderia haver um portal da primeira metade de quinhentos faceando a fachada da portaria se todo o piso térreo desta ala fosse aberto. Por outro lado, como já referimos, no piso térreo da ala nascente existem várias divisões em abóbada nervurada, que fragmentam os próprios tramos entre contrafortes. Além disso, existe um certo declive de terreno, que coloca a Igreja de S. Tiago acima do nível da praça do terreiro conventual. Se a ala nascente fosse toda aberta no piso térreo, teria de existir uma outra morfologia de terreno na fachada virada para a Igreja de S. Tiago, de modo a permitir a passagem de pessoas e carros.

No caso da ala poente, se os arcos fossem todos abertos então o espaço para onde se virava a fachada ocidental desta ala teria de ser logradouro público. Porque não o é hoje? Já nos é difícil explicar porque um dos túneis da ala poente - o que liga a ala ao corpo principal do convento (hoje entaipado) - não tem correspondência a uma via pública do outro lado. É certo que esta via poderá ter desaparecido, porque a estrutura viária da vila velha diluiu-se com o despovoamento. Porém, a ter existido esta via pública, ela passaria bem junto às janelas do antigo refeitório, que ficava abaixo do nível do solo na sua parte norte, permitindo aos transeuntes olhares indiscretos para a refeição das freiras. Este cenário parece-nos pouco plausível.

Teria este túnel sido então construído apenas para fazer pendant com o túnel que ligava o corpo principal do convento à enfermaria, não correspondendo a nenhuma via pública? Seria um preciosismo algo estranho, se olhássemos para o facto da portaria do convento ter continuado assimétrica em relação a estas duas alas e a própria praça do terreiro conventual estar cheia de pequenas assimetrias (fig. 8). Contudo, talvez esse túnel tenha efectivamente sido construído para fazer correspondência com o túnel da ligação do corpo principal do convento à ala nascente. De facto, o piso térreo da ala poente também não se destinava a ocupação por parte das freiras, mas sim a anexos conventuais. A construção do arco permitia a existência de um piso superior nesta ala, e consequente mirante, fazendo comunicação da ala com o convento sem que houvesse comunicação promiscua do piso térreo com o mesmo convento. Por outro lado, se não tivesse sido feito o passadiço, a primitiva cozinha conventual ficaria sem iluminação após a construção da ala poente.

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Além disso, se o arco "na travessa que está ao muro" era efectivamente o de ligação da ala poente à muralha, como defendemos, tendo sido feito o arco hoje entaipado na mesma época, a ausência de referências ao mesmo justificava-se por não passar ati nenhuma via pública. Toda esta construção teórica hipotética, que necessitará de ulterior confirmação, faz algum sentido. Faltaria apenas saber como era vedado este arco, caso o outro lado fosse terreno do convento. Talvez com um portão de ferro.

Como se percebe, a ala poente terá sido construída, não só para embelezar e fechar o terreiro, mas também para dar novo acesso ao panorama para a vila baixa, aproveitando-se o piso térreo para anexos. A criação das duas alas com piso superior acima das muralhas permitiu abrir o horizonte do complexo conventual. De certo modo, esta nova praça seguiu, propositadamente ou não, princípios comuns ao Terreiro do Paço em Lisboa (antes do terramoto) ou mesmo à praça do terreiro da Universidade de Coimbra, embora sejam ambas situações muito distintas.

O propósito do piso superior da ala poente foi a ampliação do dormitório do sino para norte. Claro que a ampliação teve de ser feita através de um piso situado num plano superior ao antigo dormitório, não só para permitir a construção de um segundo mirante - pois não eram só as religiosas doentes que dele precisavam - mas também devido ao declive (caso contrário ficariam as janelas do novo dormitório junto à praça, o que seria moralmente reprovável).

A razão para a existência de outro dormitório, construído menos de trinta anos depois do dormitório do sino, era certamente o crescente número de religiosas. Lembremo-nos que quanto mais religiosas havia, mais criadas eram necessárias para o serviço. Por outro lado, sabemos que no convento existiram mesmo escravas e criados masculinos (de serviço externo, obviamente). Viviam também no convento mulheres recolhidas não professas e as noviças. 0 Convento de Nossa Senhora da Saudação tornava-se, em finais do século XVI, num grande complexo habitacional e religioso.

Túlio Espanca refere que "no pavilhão da banda nascente ficavam o hospício dos padres confessores, casas dos criados e competentes cavalariças, palheiros e quintais privativos , igualmente protegidos de muros mas separados da comunidade"40. Não se refere, no entanto, às funções da ala poente, tendo no seu inventário confundido a enfermaria com o dormitório novo da ala poente. Isto porque afirma que as duas alas sáo percorridas"através de túneis de alvenaria tosca e de rebocos frustes, sendo o dos dormitórios coberto por abóbadas nervuradas ou de berço, de vários tramos reforçados com arcos formeiros, chanfrados"4'1. De facto, os dois túneis da ala poente, quase paralelos aos da ala nascente são em abóbada de berço.

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Em relação ao piso térreo da ala poente (um anexo conventual cuja função primitiva ignoramos), note-se que os dois tramos a seguir ao arco de ligação ao corpo principal correspondem a duas saias no interior, ligadas entre si por um arco. Porém, estas salas estão hoje cerca de um metro abaixo da linha do solo do terreiro (fig. 5, corte A-B). 0 mesmo não acontece com a sala do tramo junto ao túnel que dá para a muralha, que está ao nível do terreiro. Note-se que a única porta hoje existente para este piso térreo está dentro do túnel junto à muralha. Isto poderá indicar também algum faseamento da construção de parte desta ala, mas é apenas um indício. Porém, estes dados vêem reforçar a pouca plausibilidade da hipótese das arcarias cegas terem outrora sido abertas.

As Obras dos Séculos XVII e XVIII

A vista de Montemor-o-Novo tirada por Pier Maria Baldi possui um erro em relação ao Convento de Nossa Senhora da Saudação, talvez propositado: estão representadas duas janelas como mirante das alas poente e nascente, quando deveriam existir três (fig. 10).

Em relação ao mirante da ala poente, este é hoje constituído por três janelões que partE'iri do nível do soalho, sendo o central na linha do corredor e os dois outros referentes a dois pequenos compartimentos simétricos, que seriam talvez celas individuais de religiosas com estatuto privilegiado ou salas de lavores (fig. 8). Talvez estas três aberturas, em alvenaria, não estejam no formato original, sobretudo se olharmos às volumosas molduras renascença que lhes estão por cima, junto ao beiral. As duas molduras laterais parecem querer formar pilastras (tipicamente maneiristas) mas não estão alinhadas com as janelas. São molduras típicas da segunda metade do século XVI e primeira metade do século XVII.

Em relaçao ao mirante da ala nascente, cujo interior não pudemos visitar, nota-se que os janelões são quase corridos, apenas interrompidos por dois umbrais de sustentação, tudo em granito. Por cima existem frestas correspondentes, hoje entaipadas. Esta solução das frestas acima das janelas é também utilizada na face oriental da ala nascente. Quanto ao apêndice oriental desta ala, junto à muralha, tem também o seu mirante, com janelões mais espaçados, também em granito e igualmente encimados por frestas no seu alinhamento. Porém, estas frestas são arqueadas, correspondendo a um solução típica do século XVIII, o que confirmará a veracidade da não inclusão deste apêndice arquitectónico no desenho de Pier Maria Baldi, de 1669.

Se exceptuarmos o apêndice oriental da ala nascente, supomos que já no início do século XVII o Convento de Nossa Senhora da Saudação ocuparia sensivelmente a mesma área construída que hoje ocupa. Porém, como se pode verificar na vista de

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1669, as duas alas que avançam para a muralha estão representadas, mas não o andar superior da fachada primitiva do convento. Efectivamente este nãn Q na época. ^

Com a finalização das alas poente e nascente, o corpo principal do convento fjc muito baixo, pelo que - perante o crescimento da comunidade conventual no sé |U XVII e primeira metade do século XVIII - optou-se por ampliar progressivamente ° número de compartimentos precisamente nesse corpo principal, através çja construção de um piso superior em algumas partes da fachada principal. Só mais tarde, em data que desconhecemos, foi elevada e regularizada toda a cércea da fachada principal mas que, mesmo assim, não se nivelou com a cércea das alas (fig- 8).

Estamos persuadidos desses aumentos por fases porque a regularização final da cércea terá elevado mais em algumas zonas do que noutras a fachada até ai existente. De facto, este piso superior da fachada principal do conventocorresponde, na parte central da fachada, a um primeiro andar em relação ao pisosuperior do claustro. Porem, corresponde a um segundo andar no lado nascente, por cima da primitiva portaria que, como já vimos, possui um piso superior primitivo em plano desencontrado com o piso superior do claustro.

Outro indicio de que o piso superior da fachada principal não terá sido construido todo na mesma época é a tipologia de janelas e a sua colocação do lado exterior, que não é uniforme. Paralelamente, pelo lado de dentro, o soalho que se vislumbra do piso superior do claustro possui dois planos ligeiramente diferentes. Além disso, na parte mais a ocidente deste piso superior, existe um mezanino com uma fresta virada para o primeiro piso do claustro. Ora, também neste extremo, o piso superior correspondeu a um segundo andar, embora as janelas aqui existentes viradas para o exterior não o denunciem.

Assim, julgamos que um piso correspondente ao segundo andar do claustro foi primeiramente construido no extremo ocidental do corpo principal, talvez ainda nos finais do século XVII, provavelmente para aposentos da prioresa e com ligação privilegiada ao dormitorio novo (fig .3). A elevação de toda a fachada,regularizando-a, será eventualmente já do século XVIII. Não podemos adiantardatações mais concretas, por não termos tido acesso a este piso.

Devido ao declive e ao facto de haver um pé-direito diferenciado entre os pisos da primitiva portaria e da zona mais a ocidente, já alinhada com o piso superior do claustro, o resultado da ligação entre as alas foi interessante: na ligação da ala nascente ao corpo principal, o telhado sobe bem acima do telhado da fachada deste corpo, enquanto na ligação da ala poente ao corpo principal é este corpo que se sobrepõe ligeiramente (fig. 8).

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II Podemos também adiantar que a ala poente terá sofrido alterações após a sua I construção. Assim, possui diferentes janelas, conforme se trate da parte central ou I das partes sobre os túneis de ligação à muralha e ao corpo do convento. No caso da I ligação à muralha, não existem hoje janelas, mas do lado que faz face ao terreiro I terá havido uma janela, a julgar pela diferenciação de cor do reboco.

I Ora, as três janelas centrais do lado ocidental desta ala poente foram nobilitadas I rom molduras em mármore, com uma gota pendente de cada lado, típicas da I segunda metade do século XVtll (fig. 11). Porque não foram também nobilitadas do I mesmo modo as opostas janelas da mesma divisão que abriam para o terreiro, e que I até hoje permaneceram em alvenaria? Esta questão é de resposta d ifícil. Ambas as

tipologias são típicas do século XVIII, pelo que nem as três janelas viradas para o I terreiro nem as três viradas para ocidente terão o formato primitivo. Terão ali I existido outras janelas, com formato diferente e da época de construção desta ala.

Aliás, no interior, as aberturas correspondentes às janelas são de inchalço, recurso I arquitectónico tão típico desde os finais do século XVI até à primeira metade do

século XVIII - um espaço temporal demasiado largo para adiantar datações.

Contudo, existe outro indício de que os dois grupos de três janelas da parte central da ala poente, com formato setecentista, foram reformadas em relação às ali existentes no arco de ligação ao corpo central do convento: os gradeamentos possuem malheiro de diagonais, enquanto as janelas do arco de acesso ao corpo principal, assim como todas as janelas da ala nascente, possuem grade de malha perpendicular (tipológicamente mais primitiva).

É claro que a questão das janelas é muito complexa. No piso térreo do claustro observamos que os portais de acesso ao corredor para o refeitório antigo, à cozinha antiga (na diagonal), e a uma divisão próxima, são de granito com umbrais e verga sem qualquer moldura, de baixo pé-direito (fig. 14). Este tipo de solução afasta-se do modelo manuelino mais decorativo e vai ser encontrado em portas e janelas de outras partes do convento da segunda metade do século XVI (acesso da capela-mor à sacristia, janelas, frestas e janelões da ala nascente, janelas do piso superior da ala do refeitório antigo, e outras portas e janelas em vários outros locais). Porém., no século XVil também foi utilizada esta solução, sobretudo em portas e janelas menos nobres. Para diferenciarmos, baseamo-nos sobretudo no maior vão, e maior abertura em geral, das janelas e portais do século XVII. Mesmo assim, é difícil fazer uma datação aproximada.

Outro aspecto interessante no Convento de Nossa Senhora da Saudação são os contrafortes. Os da fachada virada a oriente, na ala nascente, são diferentes dos da fachada virada a ocidente na mesma ala, pois a zona superior tem molduras em granito. Mas estão na mesma posição relativa. Efectivamente é mais um indício de várias fases de obras na ala nascente, que tornam a sua análise complexa,

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sobretudo para quem não teve acesso ao seu interior. Quanto aos contrafortes da ala poente, pelo menos os que faceiam o terreiro, têm partes de granito, mas são basicamente de alvenaria.

Efeitos do Despovoamento da Vila Velha no Convento de Nossa Senhora da Saudação

É curioso notar que foi precisamente após a construção de todas as principais alas e anexos do Convento de Nossa Senhora da Saudação que o despovoamento da vila velha permitiu a cedência facilitada de terreno a adicionar à cerca conventual Assim, aquilo que a custo fora adquirido no século XVI pelas freiras terreno para ampliação - foi cedido fácil e gratuitamente no século seguinte.

No início do século XVII temos já dados urbanos concretos de grande despovoamento da vila velha. Jorge Fonseca dá alguns exemplos: em 1603 a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo cedeu ao convento, a seu pedido, um terreno situado a sul do mesmo "defronte da igreja do dito mosteiro" onde estavam "uns pardieiros derrubados", para fazerem uma cerca "para hortaliça e para outras necessidades". A Câmara Municipal entendeu que os pardieiros faziam "disformidade" à vila e "hera nobreza dela" fazer-se a cerca. O muro seria feito "do canto de São Tiago direito à Rua do Poço e pela Rua do Poço abaixo até defronte da capela mor da Igreja do mosteiro ( . . . ) entestando no canto da dita capela e daí outra vez direito ao canto de São Tiago". Refira-se que a sacristia da igreja poderá ter sido construída precisamente neste terreno, já que se colocou em edifício acoplado ao corpo da igreja, estando o tecto datado de 1605 (fig. 3). Uma serventia de duas varas de largura devia ser deixada nas duas ruas em que passava o novo muro, a de S. Tiago e a do Poço. Jorge Fonseca afirma mesmo que uma destas ruas terá sido cedida ao convento pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, em 1609. Tratava-se da "rua que vai do adro de São Tiago para a porta da Igreja do dito convento" a qual foi cedida em troca de outra rua "da porta nova [provavelmente a Porta de Santarém, por ter sido a última a receber uma beneficiação] para a porta da Igreja do dito convento", que a Câmara tinha dado anteriormente às religiosas.

Este tipo de trocas de ruas prova que, no inicio do século XVII, já a zona limítrofe do convento estava praticamente abandonada, tendo a Câmara todo o interesse em que o Convento de Nossa Senhora da Saudação tomasse conta dos espaços e deles se utilizasse. Foram então reformuladas algumas outras vias junto ao convento. Jorge Fonseca refere que, em 1612, existiam ali umas casas "aonde chamam o terreiro do pelourinho e partem de uma banda com a travessa nova que vai para a igreja do mosteiro das freiras e da outra partem com casas de Inês Fernandes"42-

Apesar da ligação do convento às muralhas e, visualmente, à vila baixa, o efectivo despovoamento da vila velha era prejudicial às freiras. Isso o prova a queixa feita pelas mesmas ao rei da grande dificuldade que tinham em se abastecerem de carne

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e peixe. Pediram então ao monarca o privilégio de que o peixe e a carne lhes fossem vendidos pelo preço corrente antes de se começarem a distribuir pelo povo. Este privilégio foi concedido em 1610, tendo continuado o convento debaixo da mercê real nos anos seguintes, consolidando-se como o segundo maior terratenente da região de Montemor-o-Novo, logo após a Misericórdia. Certamente manteve a boa fama que se exigia, pelo menos aparente. Efectivamente, corre a informação oral de que, durante as obras de adaptação a museu do convento dominicano masculino de Sto. António, que fica cerca de trezentos metros mais abaixo, encontrou-se um túnel de ligação ao Convento de Nossa Senhora da Saudação, com restos mortais de recém nascidos.

0 Cor1 vento de Nossa Senhora da Saudação no Século XIX

Com a constituição de uma praça bem definida e o alteamento uniforme da fachada do corpo principal, que levou à inclusão de mais um piso na zona da fachada primitiva, a antiga portaria passou a ficar quase perdida na fachada. Mesmo assim, no período barroco não foi construída uma portaria que marcasse a nova axialidade. Antes foi reformada interiormente a antiga, em 1752, segundo epígrafe registada por Túlio Espanca (já o tinha sido no século XVII com revestimento azulejar). Isto talvez indicie que o alteamento uniforme desta fachada possa ser posterior a dita reforma e datar já de finais do século XVIII, ou mesmo já do século XIX, a julgar pelar janelas que estão no piso sobre a portaria primitiva, desde a ala nascente até ao campanário. Por esta época, o Convento de Nossa Senhora da Saudação estava ainda em fase de expansão, como provam as "casas novas das freiras", que foram feitas em 1749 "defronte da cadeia velha"42. Também o provam várias obras feitas no : erior do convento, como os dois oratórios abertos na sala do capítulo (fig. 15).

Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o convento ficou somente à espera da morte da última freira até passar definitivamente à posse da Fazenda Nacional. A ‘ Itima prioresa, D. Maria Velez, apesar de isolada e idosa ainda empreendeu obras no convento, como a beneficiação do pavimento do piso térreo do claustro, no ano de 1871, como atesta a data no mesmo. Esta religiosa morreu em Fevereiro de 1876. Ora, já em 1874 havia a ideia de instalar em Montemor-o-Novo um asilo para a infância desvalida, um tipo de obra assistencial que foi comum no Alentejo da segunda metade do século XIX, particularmente com o aproveitamento de velhos edifícios conventuais. Após a morte da última freira, os promotores da ideia reuniram-se e optaram por instalar o asilo no extinto Convento de Nossa Senhora da Saudação, em detrimento do de Nossa Senhora da Luz, junto ao Rossio (que tinha sido cedido à Misericórdia). Dois dos argumentos invocados para a escolha do ’-onvento de Nossa Senhora da Saudação foram os bons ares do castelo e a

hundâncía de espaço.

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Este asilo foi efectivamente inaugurado em 2 de Julho de 1876 e desde início destacou-se como promotor da obra o abastado Joaquim José Faísca, irmão do Padre João de Deus Augusto Faísca (último capelão da extinta comunidade). Outro nome importante na criação do asilo foi Rodrigo de Vila Lobos de Melo Fragoso (falecido em 1884).

Após a instalação do asilo foram necessárias obras de beneficiação (por estar o convento algo arruinado) e de adaptação às novas funções. As obras mais relevantt s decorreram em 1882 e 1883, financiadas pelos rendimentos crescentes do asilo acrescentados do importante legado de 500$000 que o Barão de Castelo de Paiva tinha deixado aos vários asilos do país e do próprio legado de dois contos de réis em inscrições feito por Joaquim José Faisca.

Estas foram obras de grande transformação" no interior44. Mas também no exterior alguns aspectos foram modificados. Túlio Espanca sustenta que o actual portal de acesso ao convento (nova portaria) foi rasgado por esta altura, para dar comunicação mais fácil para o asilo (fig. 8). Porém, foi colocado ao centro do corpo principal do antigo convento e serviu para, finalmente, marcar a axialidade da fachada e da praça do terreiro. 0 estilo da porta de acesso ao claustro é setecentista, mas podemos admitir que esta tenha sido feita ao estilo antigo após a extinção do convento. De facto, esta nova portaria - como ela foi construida só faria sentido após a regularização completa da fachada principal do convento, cuja datação desconhecemos mas que já adiantamos ser da segunda metade do século XVIII ou mesmo do século XIX. Por outro lado, a caixilharia de madeira das várias dependências do convento reformadas para o asilo utiliza o mesmo tipo de arqueado, por vezes mesmo em aberturas cujo enquadramento não possui esse formato.

O portal exterior da nova portaria é em arco de volta perfeita e fica na linha do campanário, que interrompeu a cornija existente, marcando ainda mais a axialidade da fachada. Este campanário possui no reboco a seguinte epígrafe: A.M .I.D . [Asilo Montemorense de Infância Desvalida] 188345. Entre o portal e o campanário foram desenhados no reboco dois capiteis com parte de fuste canelado, simulando um pórtico. A porta do asilo também possui as iniciais A.M .I.D . e a bandeira, de ferro forjado, data de 1896, provando que as obras de adaptação a asilo decorreram também no final da década de 1880 e na década de 1890.

Uma das obras mais interessantes de adaptação foi então feita na sala do capítulo, tendo sido levantadas todas as ossadas das freiras e metidas num sarcófago de alvenaria junto ao pilar central da sala (fig. 16). Este sarcófago foi revestido, qual frontal de altar, por azulejo oitocentista, misturado com pequenas partes de azulejos antigos, tendo-se gravado a inscrição: "Neste extincto convento de nossa senhora da saudação servia esta caza de capítulo, e o seu pavimento de sepultura

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às freiras, cujos ossos mão piedosa encerrou nesta urna". A mão piedosa bem poderia ter sido a de Joaquim José Faísca, homem de personalidade peculiar, hoje injustamente omitido na História de Montemor-o-Novo do século XIX.

Contudo, quando ainda era vivo, a sua figura chamou a atenção dos editores da re' periódica lisboeta "Commercio e Industria", a qual se dedicou a publicar bioq nias dos mais importantes vultos portugueses da sua época, de modo a formar uma Galena biographica contemporânea". Assim, mesmo sem conhecer Joaquim josé Faísca pessoalmente, Augusto Peixoto ficou encarregue de escrever a sua (jjom afia para esta revista. Tal sucedeu em finais da década de 1880.

Augusto Peixoto não nos deixou muitos dados biográficos sobre Joaquim José Faísca, ma elogiou-o sobremaneira e acentuou o facto deste Montemorense não ter sido seleccionado para uma biografia na dita revista por ostentar títulos de nobreza ou comendas. De facto, Joaquim José Faísca era um homem genuinamente bom e não um vaidoso que exercia a caridade apenas para obter outro tipo de benesses. Foram a sua capacidade de empreendimento e gestão e a sua benemerência que permitiram a Joaquim Jose Faísca integrar esta "Galeria biographica cc itemporânea", no que terá sido a única figura de Montemor-o-Novo que logrou consegui-lo (fig. 37).

Segundo o referido esboço biográfico, Joaquim José Faísca nasceu em Montemor-o- Nnvo a 23 de Outubro de 1824, sendo filho de José Luís e de Maria Rita45A. Seus pais eram pobres, tendo Joaquim José Faísca recebido apenas uma educação Mjdimentar. Foi, pois, forçado a estabelecer-se como barbeiro. Apesar de retirar poucos rendimentos desta profissão, ainda conseguiu financiar a educação religiosa do seu irmão - o já referido Padre João de Deus Augusto Faísca.

Mais tarde, Joaquim José Faísca abriu um estabelecimento de ferragens em Montemor-o-Novo, tendo o seu nome começado a ganhar fama pela probidade e carácter que demonstrava. Tal facto viria a permitir-lhe ocupar a função de Tesoureiro da Confraria do Santíssimo Sacramento, que logo começou a gozar de uma saúde financeira invejável. Joaquim José Faísca foi também Tesoureiro da Confraria do Santíssimo da Freguesia de S. Tiago do Castelo, onde também deixou uma exemplar marca de gestão, sem quaisquer défices. A esta sua capacidade viria a recorrer a Comissão Executiva de Montemor-o-Novo por alturas de uma crise financeira. Joaquim José Faísca correspondeu com mais um serviço competente de gestão de verbas. Assim, Joaquim José Faisca acabou por ser também Vereador da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, substituto de Juiz de Direito e substituto de Administrador do Concelho, "sempre com aplausos".458

Mas a biografia de Joaquim José Faísca traçada por Augusto Peixoto acentua sobretudo a dívida que Montemor-o-Novo tinha para com ele, devido ao Asilo

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Montemorense de Infância Desvalida, que terá sido ideia de Joaquim José Faísca. A este asilo Joaquim José Faísca dedicou-se com todo o empenho, tendo ali gasto grande parte da sua fortuna, amealhada com muito trabalho. É por todas estas razões que não hesitamos em apontar Joaquim José Faísca como o principal mentor das obras de adaptação do Convento de Nossa Senhora da Saudação a asilo e, consequentemente, como o responsável pelo encerramento das ossadas das freiras num novo sarcófago, colocado na velha sala do capítulo e decorado com azulejos.

Mas o gosto por um certo tipo de azulejaria oitocentista não foi exclusivo deste benemérito. O também abastado proprietário de Montemor-o-Novo José Marques dos Santos reformou duas casas em Montemor-o-Novo - na Praça Velha e na Praça do Corro, em 1884 e 1890 respectivamente - utilizando padrões de azulejos do mesmo género dos utilizados nesta memória para as ossadas das freiras46.

Este gosto pelo azulejo de finais do século XIX manifestou-se igualmente de forma intensa em algumas casas de Montemor-o-Novo e mesmo nos jazigos de arquitectura mais local do Cemitério de S. Francisco, como se abordará.

Voltando às obras realizadas para adaptação do convento a asilo, cumpre-nos realçar uma em que se nota particularmente o já referido gosto pelo azulejo de finais de oitocentos. Trata-se do novo refeitório do asilo, obra datada de finais da década de 1880, que reformulou completamente o espaço do antigo dormitório do sino (figs. 5 e 17). Túlio Espanca aponta apenas a colocação de um lavabo de már­more com rodapé de azulejos policromos seiscentistas. Ora, é interessante neste refeitório a colocação de novos azulejos, do género daqueles que foram utilizados nas duas casas de José Marques dos Santos, bem como o revestimento do pavimento com mosaico de padrões muito ao gosto do fim do século XIX.

É notória a mistura propositada dos azulejos antigos com um novo gosto, embora este também se apresente através de vários tipos de padrões, não havendo uma verdadeira uniformidade.

O exemplo mais interessante desta falta de uniformidade encontra-se no piso superior do claustro, entre a entrada do asilo e o corredor de acesso ao novo refeitório. Aqui, o mosaico do pavimento apresenta vários padrões, notando-se claramente que foram utilizadas sobras de mosaico, talvez de alguma obra particular47, que foram cedidas ao asilo e aproveitadas para aplicação na superfície possível (fig. 18). Este indício de utilização de sobras nota-se também na nova cozinha, que foi instalada no piso imediatamente superior em relação à cozinha quinhentista. Surge-nos aqui uma mistura de vários tipos de azulejo oitocentista, diferentes dos utilizados no refeitório, mas com algumas cercaduras em comum. Aliás, também no novo refeitório é evidente a utilização de sobras, pois um padrão de mosaico existente ao centro da sala não chega até ao fundo. Alguém terá

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apluado essas sobras de mosaico e azulejo aos espaços que considerou mais importantes no asilo, procurando gerir alguma simetria nas composições. Tal como adiantamos em relação à memória colocada na sala do capítulo, julgamos que o n jiisável por essa solução poderá ter sido Joaquim José Faísca, o grandejp ilsionador do asilo e seu tesoureiro, bem como entusiasta das formas modernasde instrução, como prova a sua ideia em estabelecer no asilo um teatro e sala de gi rica , que ainda hoje existem. Alias, já em 1875, Joaquim José Faisca foi um dos representantes da empresa construtora do teatro que se pretendia estabelecer ei Montemor-o-Novo, num casarão do Terreiro de S. João de Deus47A- Porém, o novor< 'tório do asilo levou também dísticos apropriados ao bom comportamento à mesa, em azulejo, bem como inscrições no mesmo material aludindo aos principais benfeitores e recordando as obrigações a cumprir por parte do asilo, devido aos

idos. Ora, uma dessas inscrições alude ao próprio Joaquim José Faisca e sabemos q o foi colocada ali antes de 1909, pois a sua data de morte (20 de Março de 1909) foi acrescentada posteriormente (fig. 17). Estes painéis azulejares, de composição simplicíssima e meramente informativos, possuem uma epígrafe reveladora: "J.P. ■ L boa. Fábrica de Louca, Largo do Intendente, 13". Trata-se, certamente, da r, lebre Fábrica Viuva Lamego, que se situava no Intendente. Ficamos assim a saber

ie grande parte dos azulejos do novo refeitório, bem como quase todos ou mesmo a totalidade dos azulejos oitocentistas aplicados no Convento de Nossa Senhora da Saudação terão saido desta fábrica de Lisboa, talvez a mesma que forneceu o azulejo para revestimento das duas casas referidas de José Marques dos Santos.

Refira-se também que as portadas abertas no novo refeitório, com vista para o pátio da lavagem ou das noviças foram guarnecidas com grades de ferro fundido de balaústres com folhagens e roseta central, de um tipo muito comum em Portugal no illimo quartel do século XIX, certamente vindas também de alguma fundição de

Lisboa.

Mas foram feitas ainda outras obras para melhor acomodação do asilo. A escada que faz ligação entre a sala que serve de vestíbulo ao refeitório quinhentista e a parte da cozinha oitocentista foi provavelmente rasgada aquando das obras de adaptação a asilo, pois interrompeu a abóbada da dita sala. Nota-se também que a entrada para o antigo refeitório era inicialmente mais larga e possuia lintel de granito, o que não quer dizer que tenha sido modificada só após a instituição do asilo.

O púlpito do refeitório quinhentista foi aproveitado para a construção de uma chaminé no salão do teatro, no piso imediatamente acima. A chaminé foi reformada em 1945. conforme data no exterior, e desenvolve-se entre dois contrafortes de granito quinhentistas. O salão que fica imediatamente acima do antigo refeitório deverá ser da segunda metade do século XVI ou início do século XVII - pelo tipo de

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janelas. Porém, foi muito alterado pelos promotores do asilo aquando da passagem a teatro, tendo as várias janelas viradas a norte sido entaipadas e substituid; apenas por duas, muito mais elevadas. Este salão seria provavelmente um dormitório, talvez de noviças, o que explicaria o nome do pátio contíguo. Contudo este pátio poderia ter adquirido a denominação devido a duas salas na quadra poente do claustro (piso térreo), que têm ligação para o pátio, mas não a têm para o claustro.

Também as frestas que davam luz para o antigo refeitório, do lado norte, foram entaipadas. Em toda esta zona do convento (teatro, nova cozinha e novo refeitório) os tectos originais desapareceram, tendo ficado o telhado à vista.

Finalmente, uma outra obra que será talvez do século XIX (ou anterior), mas que não pudemos associar directamente à instalação do asilo. Trata-se de um apêndice junto à muralha e contíguo à ala nascente pelo lado ocidental, como se pode verificar numa fotografia do fim do século XIX ou início do século XX existente na Biblioteca Municipal de Montemor-o-Novo (fig. 19). Este volume arquitectónico, hoje não existente, teria de ocupar parte da praça do terreiro, compreendendo-se perfeitamente as motivações arquitectónicas que levaram à sua demolição, embora não tenhamos feito pesquisa sobre a história do edifício no século XX, pelo que não apuramos ainda quando foi construído nem quando foi demolido este apêndice.

Na referida fotografia antiga surge uma sombra em arco no segundo tramo da fachada da ala poente que dá para o terreiro, o que hoje actualmente não se veria numa fotografia tirada do mesmo local, já que a parede foi puxada para o exterior, estando hoje precisamente esse tramo sem arco visível e a parte do arco do túnel que se apoia na muralha nem deixa hoje perceber o contraforte junto à mesma muralha, por estar também puxada a parede para o exterior.

Por último, note-se que a praça do terreiro conventual e as ruas de acesso à dita praça, por debaixo dos túneis, não possuem calçada à vista, à excepção de vestígios de dois degraus em calçada na antiga rua que passa por debaixo do arco mais alto, na ligação da ala nascente ao corpo principal do convento. Mas já referimos que era calcetada a rua que passava outrora em frente da portaria, estando hoje oculta por terraplanagens. Porém, nas escavações já realizadas neste terreiro foram encontradas estruturas de casas que não levaram calçada num nível superior, o que denota o não calcetamento da praça. Não apuramos a razão para este facto, pois tal lacuna contrasta com a sua dignidade arquitectónica. Obviamente, no estudo do urbanismo deste local da vila velha deve-se ter em conta que ruas foram engolidas ou desviadas pela ampliação do complexo conventual, provocando alterações na rede viária da zona circundante. Quem sabe o que se poderá encontrar apos escavações sistemáticas no espaço do terreiro e em outros locais junto ao convento?

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Outros Aditamentos ao Trabalho de Inventariação de Túlio Espanca

Antes de finalizar esta já longa abordagem ao Convento de Nossa Senhora da Saudação, devemos acrescentar outras notas ao inventário de Túlio Espanca, de foi ia a que este fique mais completo.

No refeitório antigo, por exemplo, Túlio Espanca identifica apenas duas cenas seiscentistas a fresco nos vãos dos tímpanos: a adoração dos reis e dos pastores (na cabeceira) e, no paramento norte, a coroação de espinhos (século XVII). Podemos acrescentar que a cena da adoração é na verdade o nascimento, uma vez que são representados os pastores, não se incluindo os magos. Além disso, no lado norte do refeitório pode ainda perceber-se parte da sequência das cenas a fresco. Assim, logo a seguir à apresentação do Menino Jesus no templo (ou a circuncisão?), temos a cena que representa Cristo no Monte das Oliveiras (fig. 20). A seguir temos então a flagelação (ou a coroação de espinhos, segundo Túlio Espanca).

No extremo nascente do refeitório temos uma cena representando a queda de Cristo com a cruz (provavelmente com Verónica) e, logo a seguir, o Calvário. Acima da verga da porta de entrada do refeitório existe uma outra cena que não pudemos identificar, mas que poderá ser talvez o casamento místico da Virgem. Do lado sul do refeitório, os frescos dos tímpanos da abóbada estão em muito mau estado (alguns certamente foram já perdidos). Porém, podemos adiantar que o percurso das cenas culmina na extremidade poente com a Coroação de Maria. Trata-se de um percurso iconográfico bem conhecido dos pintores a fresco alentejanos e que pode ser encontrado em outras igrejas desta região.

Túlio Espanca também não realçou devidamente o facto do disco solar ter sido um elemento muito utilizado na iconografia da igreja, nomeadamente no arco triunfal, no camarim do retábulo-mor e no próprio coro alto (fig. 12). Aliás, no piso térreo do claustro repete-se num dos tímpanos uma associação de elementos decorativos existentes no tímpano do fundo da igreja (sobre a grade do coro alto): um disco solar (no caso da parede do fundo da igreja, com o sol inscrito), orlado por panejamentos. Também o grande janelão oval da parede sul da capela-mor poderá denotar esse gosto (que se reflecte igualmente no arco triunfal da antiga Igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Luz). Este janelão serviu para compensar a impossibilidade de abrir vãos de iluminação no paramento norte da referida capela- mor.

Também referindo-se aos azulejos de padrão axadrezado verde e branco do coro alto e do coro baixo, Túlio Espanca classifica-os laconicamente de coetâneos, quando será conveniente notar que são tipologicamente mais arcaicos que os da nave da igreja, de tipo tapete policromo. Assim, os do coro alto e baixo, mesmo que possam ser já do início do século XVII, denotam uma tradição de revestimento mais

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próxima de finais de quinhentos (veja-se o revestimento azulejar das paredes da saia do capítulo do Convento de S. Francisco de Montemor-o-Novo, neste caso em azul e branco).

Segundo Túlio Espanca, o ano de 1673 deve corresponder ao fecho da obra monumental das pinturas parietais, da empreitada dos azulejos e provavelmente também da execução do retábulo do altar-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Saudação, retábulo que, de facto, é muito interessante. Porém, não lhe chamaríamos "trabalho raro e arcaico de entalhamento português do séc. XVII e do reinado de D. Pedro II", pois trata-se de um retábulo de transição entre o maneirismo e o chamado estilo nacional, estando até já muito próximo do barroco pleno, pela abertura do camarim, pelos registos desencontrados, pela profusão decorativa dos dois últimos terços das colunas de suporte, pela ausência de locais para colocação de telas, substituídas por nichos para santos, entre outros indícios. Assim, se a época de 1673 se confirmar para datar o retábulo, ele será até algo avançado para a época.

É interessante também notar que os paramentos quinhentistas do interior da igreja foram recuados em meados do século XVII, junto ao arco triunfal, para poderem comportar altares colaterais, os quais foram substituídos pelos altares actualmente existentes, já do período rococó (fig. 5, corte C-D). Esta solução é interessante porque reflecte a mudança tridentina com efeitos em curso nos finais do século XVI e início do século XVII, quando na igreja inicial se previa apenas um grande retábulo. No caso do Convento de S. Francisco de Montemor-o-Novo, cuja igreja possui um formato semelhante, embora tenha sido menos alterada estruturalmente na nave (possui ainda a cobertura nervurada, apesar de parte das nervuras ter sido retirada), optou-se por não mutilar a parede junto ao arco triunfal e, assim, não foi ali colocado qualquer retábulo colateral.

Devemos também referir que existe um curioso remate de inspiração barroca, com fragmentos de azulejo desenhando aletas e uma cruz, na porta que fazia a ligação do claustro para a escadaria de acesso à igreja e coro baixo do Convento de Nossa Senhora da Saudação. No intradorso do vão de passagem existem azulejos de figura avulsa, com flores, lebres e carrancas. Junto à soleira da porta existe a data de 1901, que regista talvez um pequeno remendo feito no pavimento do claustro. A sala vestibular logo após esta porta parece ter duas fases construtivas diferentes, notando-se pela cobertura diferenciada. Nesta sala confluem um dos acessos ao coro alto, a escadaria para o coro baixo e para o piso superior do claustro (dormitório do sino), bem como a entrada para uma sala onde ainda existem restos de um nicho com pinturas geometrizantes, talvez de finais do século XVIII ou ja oitocentistas.

Encontramos no claustro outro aspecto interessante não referenciado por Túlio

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Pspartca: a quadra norte apresenta, no piso superior, todas as colunas entre os tram os guarnecidas de alvenaria de tijolo e argamassa (fig. 4). Teria sido um cor plemento de sustentação, tendo em conta a edificação de mais um piso nào . ;to na época de construção do claustro? Entre duas janelas deste piso vêem-se rel, /os, uma carranca e um remate barroco, tendo talvez existido um disco solar ao centro (eventualmente com um relógio de sol).

poi jltimo, ao contrário do que afirma Túlio Espanca, existe no chão da nave da igreja mais uma sepultura de mármore epigrafada, correspondendo a um fa(,- ¡mento de 1603, para além da própria sepultura de D. Mecia de Moura, na ca: la-mor, que Túlio Espanca se terá esquecido de referir e que é a mais vistosade todas.

O dor do Convento de Nossa Senhora da Saudação

Ao terminar esta primeira parte do trabalho, julgamos oportuno secundar a opinião de Túlio Espanca quanto ao grande valor artístico e mesmo pitoresco deste convento. Um historiador de arte italiano (Ricardo Averini), citado por Banha de Andrade, classificou-o até como obra prima rara e comparável a obras de rt iscença italiana, denotando conhecimento por parte do(s) arquitecto(s) de obras fundamentais existentes em Itália, nomeadamente de Bramante.

É claro que são de muito merecimento as obras a fresco do refeitório, da sala do Cl; lítulo e, sobretudo, do coro baixo, bem como os revestimentos azulejares da ig 1 1 . portaria e coro alto, e o próprio claustro. Do mesmo modo, é muito interessante a cobertura da igreja e coro alto, pela solução do tecto em caixotões d stuque com belo esgrafitado em tons ocre (fig. 12).

Contudo, em nossa opinião, o aspecto mais importante e mais original deste ' rdexo conventual é precisamente a percepção da sua evolução por camadas e interacção com o meio urbano envolvente, ampliando-se na mesma medida em que a vila velha definhava, levando à construção de uma praça fechada, com alas abertas em mirante para a nova vila. Trata-se, efectivamente, de um magnífico ' m̂plo não erudito, é certo da inovação urbana renascentista. Também o facto de se ter disposto de forma interessante em vários planos torna este convento invulgar (fig. 21).

: ’"ctivamente, existem outros exemplos de igrejas/conventos com semelhante ulejaria, frescos e tectos, por vezes até de melhor qualidade. Por exemplo, o

uadrão de azulejo e cercadura da parte superior do paramento da nave da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Saudação é o mesmo da Igreja Matriz de S. Vicente de Cuba48, ali datados de 1677. Também é igual ao da Ermida da Nossa Senhora da Represa, em Vila Ruiva, excepto a cercadura, isto para além de ser igual ao de

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várias outras igrejas alentejanas (e mesmo do norte do país), algumas já referenciadas por Túlio Espanca49.

Também existem muitas semelhanças, quer nos padrões de azulejo, quer no próprio tipo de tecto, entre a Igreja do Convento de Nossa Senhora da Saudação e a Igreja de Santo António do Convento de S. Domingos de Montemor-o-Novo (neste último caso já não são os tectos originais, que estavam completamente arruinados, mas cópias).

Quanto às pinturas do tecto da capela-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Saudação, de 1673, são do mesmo género, certamente do mesmo autor, das do tecto da nave da Igreja de S. João de Deus (datadas de 1672) e de uma das capelas laterais desta igreja, também de 1673. Acrescentamos, porém, que as pinturas da Igreja de S. João de Deus são mais bem conseguidas, além de estarem em melhor estado de conservação.

Quanto aos frescos do coro baixo, são da mesma época e provavelmente de autor comum à empreitada dos frescos da Ermida de S. Pedro da Ribeira, situada cerca de um quilómetro a sudoeste do Convento de Nossa Senhora da Saudação, como já tinha adiantado Túlio Espanca.

Por todas estas razões, julgamos que a verdadeira singularidade do Convento de Nossa Senhora da Saudação está precisamente nos aspectos arquitectónicos e urbanos, o que não diminui em nada o valor patrimonial e histórico deste complexo. Pelo contrário: sem diminuir o valor artístico já demonstrado por outros autores, pretendemos com este pequeno estudo relevar outros aspectos que julgamos ainda mais interessantes. E juntando todas as suas virtudes artísticas, temos seguramente no Convento de Nossa Senhora da Saudação um dos mais interessantes complexos conventuais do país.

É absolutamente necessário que sejam redefinidas as prioridades e se dê início a um plano consistente de recuperação e revalorização deste Monumento Nacional, cuja ruína é cada vez mais acelerada, sobretudo em zonas sensíveis da igreja. Esta situação injustificável, e mesmo revoltante, justifica plenamente a pertinência deste estudo.

II - O Cemitério de S. Francisco_________________________________________ __

Uma das mais importantes questões urbanas do século XIX foi a re-localização dos locais de enterramento para fora das povoações e em espaços abertos. Tentada em casos isolados ainda no século XVIII, só através de dois decretos publicados em 1835 a necessidade dessa re-localização adquiriu contornos generalizados para todo o país.

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Mas o processo foi lento e muito difícil, tendo dado origem a vários tumultos. Porém, como já demonstramos50, os níveis de aceitação desta nova realidade - os cemitérios públicos - variaram de região para região. No Alentejo, encontramos datas mais recuadas para fundação de cemitérios públicos do que no Minho, por exemplo. Mas isso não quer dizer que os cemitérios alentejanos tenham sido todos modernas logo de inicio, no sentido de se terem destinado claramente à construção de monumentos. E foi a necessidade de diferenciar na morte todas as hierarquias sociais em vida que fez nascer nos novos cemitérios, sobretudo nos maiores, autêniicas cidades em miniatura, com ruas e edifícios.

0 estudo destas "cidades dos mortos" dá-nos importantes pistas sobre a sociedade dessa epoca, sobretudo ao nível local. Por outro lado, o carácter romântico dos cemitérios oitocentistas, em que o lado horrível da morte vai ser substituído por símbolos metafóricos, obrigou a que os cemitérios fossem locais de arte. E, efectivamente, em muitos cemitérios portugueses existem peças artísticas de elevado valor, facto que até hoje não tem sido devidamente estudado, por preconceito e por pudor em lidar com espaços da morte.

Tendo como termo de comparação os levantamentos que efectuamos ao longo de vários anos em cerca de quatro centenas de cemitérios em Portugal, iremos resumir um pouco da História e dos valores artisticos do Cemitério de S. Francisco, assinalando em que medida foi, ou não, diferente de outros.

O ETCcibelecimento do Cemitério de S. Francisco

A lei de 1835 não teve, em geral, um cumprimento célere. As razões para esse facto são extensas e não podem ser aqui esmiuçadas51. Porém, se olharmos ao exemplo das maiores cidades do pais na altura, no caso de Montemor-o-Novo não se demorou muito tempo para estabelecer um cemitério de acordo com a lei.

Em 25 de Outubro de 1837, o Administrador Geral do Distrito lembrou à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo que era necessário providenciar um cemitério público para Montemor-o-Novo e para Lavre, de modo a cumprir-se a lei de 1835. d ia n te esta pressão, a vereação decidiu passar a utilizar um cemitério antigo, que se situava dentro do quintal da Igreja Matriz de Santa Maria do Bispo, terminando 05 enterramentos no cemitério até aí em uso52.

Supomos que o cemitério até aí utilizado se situasse na parte baixa da vila, tendo , : ■ ' oca de cemitérios sido realizada talvez para cumprir parcialmente as disposições ’'-gais quanto ao afastamento dos cemitérios às povoações. Lembremo-nos que a vila velha, sobretudo na sua parte poente, estava despovoada. A ser assim, o

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cemitério utiLizado até entao talvez fosse o do antigo Hospital do Espírito Santo que já existia, pelo menos, desde 171853.

Os cemitérios de hospitais foram o primeiro tipo de cemitério descoberto de carácter permanente em Portugal. Porém, eram cemitérios para pobres, uma vez que os ricos não recorriam aos hospitais em ocasião de doença. Assim, apesar de cemitérios em local descoberto, eram frequentemente meros terrenos sem qualquer organização e onde não foram erigidos quaisquer monumentos.

Porém, se houve uma troca de cemitérios em 1837, então já antes a inumação no interior das igrejas não era a regra em Montemor-o-Novo. Serviria o Cemitério do Hospital do Espírito Santo já em 1837 para inumar pessoas com posses, que dantes eram sepultadas no interior das igrejas? Será necessário fazer um estudo mais preciso através dos livros de óbitos das várias paróquias da antiga vila para determinar a evolução da situação entre 1833 e 1837. Porém, se o Cemitério do Hospital do Espírito Santo servia de local de enterramento generalizado em 1837, essa situação só poderia ter começado em 1835, com a lei dos cemitérios públicos. Foi o que sucedeu também em Évora: o Cemitério do Hospital da Misericórdia começou a ser usado como cemitério público provisório, em 1836, tendo a respectiva Câmara pedido ao Governo a cerca do Convento dos Remédios para instalar ali o cemitério definitivo para toda a cidade, o que aconteceria em 1839- 184054.

Ainda em 1837, a vereação da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo mostrou outro indício de boa vontade para cumprir a lei, tendo dado conhecimento ao pároco de Santa Maria do Bispo da mudança do cemitério para aquele local e oficiando aos párocos e juntas de paróquia de Lavre, Canha e Cabrela, para que na sessão de 4 de Novembro de 1837 dessem informações sobre os cemitérios gerais que deviam ser estabelecidos nas respectivas povoações55.

As vereações da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo desta época são algo omissas quanto à questão do cemitério, pois devem ter existido várias discussões sobre o assunto. Assim, pelos poucos dados que temos, julgamos que a opção pelo quintal da velha Matriz de Santa Maria do Bispo afigurava-se como provisória. A Câmara não terá empreendido qualquer obra no local.

Este facto motivaria o reforçar da pressão por parte da autoridade distrital de Évora. Os vereadores sabiam-no certamente. Por isso, julgamos que se terão fundamentado no que na época estava a suceder na vizinha cidade de Évora, e resolveram pedir ao Governo a concessão de parte de uma cerca conventual em Montemor-o-Novo para aí instalarem, a prazo, um cemitério definitivo.

A Câmara poderia ter estabelecido o cemitério definitivo na vila velha, que oferecia

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muito espaço e certamente era um local que agradava aos higienistas (por ser bem batido de ventos e ficar longe de casas). Também era um local favorável para a Câmara Municipal, porque haviam ali muros, que podiam ser aproveitados para muros do cemitério, embaratecendo a obra. Refira-se que em Montemor-o-Velho foi precisamente essa a opção: colocou-se o cemitério no interior do castelo, apro -itando o despovoamento da parte alta da vila e a existência de muros, bem cor* da Igreja da Alcáçova, que assim servia de capela mortuária e atenuava o efeito de choque que poderia ter o súbito afastamento dos locais de enterramento aos :emplos.

Também em outras povoações com igual fenómeno de despovoamento das cidadelas acasteladas, os cemitérios públicos foram ali criados em datas bastante próximas à lei de 1835, sendo o caso de Torres Novas talvez o mais paradigmático. Porém, o castelo de Torres Novas era propriedade una e pertencia à Fazenda Nacional. Ora, a vila velha de Montemor-o-Novo era o esqueleto de uma propriedade fragmentada.

Em 1837, as principais posses da Fazenda Nacional em Montemor-o-Novo eram as cercas dos dois conventos masculinos de S. Francisco e de S. Domingos. Tinham sido extintos em 1834 e estavam ao abandono, como sucedia então com os conventos de muitas outras vilas e cidades portuguesas. Assim, aproveitando os precedentes criados aquando da epidemia de cólera de 1833-1834, quando o próprio D. Pedro advogou o aproveitamento de cercas conventuais para cemitérios (em Lisboa e no Porto), muitas câmaras municipais resolveram pedir a concessão destas cercas para equipamentos urbanos que a lei exigia ou que a civilização aconselhava - com era o caso dos cemitérios - mesmo possuindo as autarquias terrenos próprios suficientes para instalar esses equipamentos.

Tendo a lei de 1835 sido imposta às autarquias como um novo fardo, porque os rendimentos dos cemitérios a médio prazo poderiam não chegar se a população boicotasse a obra do municipio, muitas câmaras julgaram-se no direito de exigir que o Governo desse, pelo menos, terreno gratuito para a instalação deste equipamento urbano, já que possuia muitas propriedades por via da extinção das ordens religiosas e, muitas vezes, não sabia bem o que fazer com as mesmas.

A Câmara Municipal de Montemor-o-Novo terá feito o pedido ao Governo da Rainha ainda em 1837, no que foi feliz, pois se o tivesse feito anos mais tarde talvez já não fosse possível o deferimento do pedido, uma vez que outros fins poderiam sobrepor- se para estas propriedades da Fazenda Nacional. Assim, sabemos que em 17 de Fevereiro de 1838 tinha-se já "aprezentado por varias vezes ao Governo de Sua Majestade a Rainha para conceder a esta municipalidade a cerca do extincto Convento de S. Domingos para nella se fazer o Simiteiro geral"56. Porém, "não tendo havido resulução alguma sobre esta reprezentação", decidiram que se

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representasse "novamente pelo Ministério dos Negócios do Reino propondo-se que é de suma urgência a construção do Simitério"57.

Os argumentos da urgência poderiam aqui ser meros pretextos, vindos da câmara de uma vila em que os enterros no interior das igrejas já não seriam então a regra, e em que o cemitério antigo recuperado em 1837 ficava longe de casas, não havendo o alegado perigo dos miasmas. Porém, julgamos que havia mesmo boa vontade e interesse por parte da vereação da altura. De facto, pediram ao Governo que se concedesse nem que fosse uma porção de terreno na referida cerca, mesmo que a Câmara tivesse de pagar pelo terreno58. Ora, esta sujeição à hipótese de ter de pagar por algo que era do Estado e que iria servir para o bem público foi muito rara (talvez mesmo única) em pedidos de outras autarquias.

Obviamente, perante esta sujeição, o Governo da Rainha concordou, por portaria de 25 de Julho de 183859: aproveitou a boa vontade da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo para simultaneamente meter algum dinheiro nos cofres do Estado, estando também a pugnar pelo cumprimento da lei.

É aparentemente estranho que a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo não tenha preferido construir o cemitério em terreno que pertencesse ao município. Para além da já referida vila velha, havia também o Rossio, que era vasto e onde foram sendo feitas posteriormente várias concessões por parte da Câmara a instituições que precisavam de construir equipamentos.

Entretanto, com a concessão de parte da cerca de S. Domingos assegurada, em 8 de Agosto de 1838 o Administrador Geral do Distrito pressionou a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo para decidir qual o terreno na cerca de S. Domingos que preferia para servir de cemitério. Esta pressão era justificada, pois outros casos houve em que após as concessões feitas pelo Governo - concessões gratuitas, ao contrário da feita à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo - as autarquias nada faziam para ali estabelecer o cemitério, ou mantinham o local como cemitério provisório indefinidamente, sem fazer quaisquer investimentos. Um caso semelhante, por nos já estudado, foi o de Castelo de Vide60.

Perante a pressão, a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo assegurou ao Administrador Geral do Distrito de que ia tratar rapidamente desse assunto e proceder à avaliação do terreno. 0 vereador fiscal tomaria posse do mesmo e mandaria executar a obra assim que houvesse oportunidade61.

Porém, dá-se um facto novo: em 19 de Setembro de 1838, perante a necessidade de se construir um quartel militar em Montemor-o-Novo, a Câmara decidiu pedir ao Governo a concessão do edifício de um convento. Esta era a solução mais fácil e foi mesmo a solução mais adoptada em Portugal, no século XIX, para a construção de

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quar; Muitas vezes, a opção pelos quartéis inviabilizava anteriores ideias de estabelecimento de cemitérios nesses locais. Foi o caso do conhecido Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, que ainda hoje é quartel militar62. Muitos outro ‘xemplos poderiam ser dados.

Ora Câmara Municipal de Montemor-o-Novo não se decidia se iria pedir o Convento de S. Francisco ou o de S. Domingos. Perante o impasse, o Administrador Geral do Distrito resolveu pressionar mais uma vez. Para evitar mais questões sobre a e olha do local para cemiterio, a Câmara decidiu convocar facultativos e profr sores de farmácia para a selecção do terreno mais apropriado. Em função da deci; iriam depois resolver a questão do quaitel, embora nao fosse de todo incompatível a colocação dos dois equipamentos urbanos num mesmo convento, desd que ocupassem espaços distintos.

Os 'dicos decidiram unanimemente pelo terreno na cerca de S. Francisco. A Cân ; ; resolveu então voltar atrás na opção feita um ano antes e pedir nessa cerca uma porção de terreno para cemitério63. Tendo sido pedida em 17 de Setembro de 1838 a autorização ao Administrador Geral do Distrito, este informou uma semana depois que a questão carecia de resolução da Rainha. A Câmara Municipal recorreu ent.: > para a Rainha64. Entretanto, a 27 de Outubro de 1838, a Câmara Municipal dei rou oficiar ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia para exigir o cruzeiro A ) cemitério pertencente ao hospital, de modo a transferi-lo para o cemitério que a Câmara andava a construir "visto estar aquelte em abandono, e ter-se de' i minado não se fazer ali mais enterramentos"65.

Efectivamente, o empreiteiro Domingos António de Paiva recebeu várias quantias relativas a obras realizadas para a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo. entre Outubro e Dezembro de 1838, por trabalhadores a seu mando, Entre estas quantias, a; "nas referiam-se à obra de um novo cemitério. No entanto, esta obra devia ser de pouca monta: só é referida pedra e cal. Provavelmente ergueu-se apenas um muro66. Aliás, a despesa referente à "construção do cemitério público" foi registada nos livros de Receita e Despesa da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo em conjunto com obras feitas no açougue, na casa do relógio e curral do concelho, Dl' is que decorreram de 28 de Julho até 15 de Dezembro de 183 857.

0 ra. terá sido feita esta obra de um novo cemitério na cerca de S. Domingos ou já na cerca de S. Francisco? Pelo que se passou posteriormente, julgamos que terá sido ja na cerca de S. Francisco, embora este novo cemitério talvez não tenha sido l;i l i izado como tal, de forma generalizada ou definitiva, nos anos seguintes. Uma ! m razões terá sido a não obtenção da aprovação da Rainha para a troca das cercas,

alS° compreensível, uma vez que o pedido feito relativo à cerca de S. Francisco não SuPunha o pagamento do terreno, como se tinha sujeitado a Câmara meses antes Çfn relação a S. Domingos. Ora, o Governo julgava certamente abusiva a troca,

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interpretando-a como forma de fugir aos compromissos firmados. Assim, a situação manteve-se em impasse durante alguns anos.

Foi necessário esperar até 1844, ano em que o ministro Costa Cabral publicou duas importantes portarias com implicações nos cemitérios (em Janeiro e Setembro), uma das quais terá sido a causa remota da revolta da Maria da Fonte. Em 4 de Setembro de 1844, o Governador Civil de Évora decidiu solicitar do Governo a concessão de terreno para cemitério na cerca de S. Francisco e fez notar que ia pugnar pela activação do processo de construção dos cemitérios nas outras freguesias do concelho de Montemor-o-Novo68. De facto, não tendo dado o exemplo a sede de concelho, dificilmente nas freguesias rurais os cemitérios públicos seriam estabelecidos. Foi uma situação comum a quase todo o país. Porém, nesta época, o pároco de Lavre mandou um ofício informando que um cemitério tinha sido ali criado em 31 de Setembro de 1835 e estava na altura com guarda. Era murado de pedra e cal e ficava junto à Igreja de S. Pedro69. Esta notícia é aparentemente contraditória, não só com a disposição do Governo Civil em estabelecer cemitérios no concelho (que não os tinha), mas também porque sabemos que, aquando das pressões de 1837, houve promessa por parte da Junta de Paróquia de Lavre de tratar da construção do cemitério quando se reunissem as condições financeiras70. Ora, se o cemitério já ali existia desde 1835, como explicar esta referência?

Efectivamente, a fronteira entre cemitério e adro era muito ténue na época. E a própria fronteira entre terreno onde se praticavam inumações e cemitério público era mais ténue ainda. Assim, um terreno ao ar livre poderia, com alguma facilidade, passar por cemitério público. Isto, sobretudo na primeira metade do século XIX, quando era preferível para as autoridades distritais obter pelo menos o cumprimento parcial da Lei de 1835 do que assistir a um total incumprimento. Por isso, muitos supostos cemitérios foram então criados com o beneplácito destas autoridades, na expectativa de que se viessem a tornar nobilitados com o tempo. Muitos cemitérios públicos criados na primeira metade do século XIX foram liminarmente rejeitados ainda no século XIX, por não estarem em local próprio nem cumprirem a lei. O já referido caso de Castelo de Vide é paradigmático. Mas existiram outros casos, nomeadamente no Alentejo (como por exemplo, Nisa).

Ainda em Setembro de 184471, o Governador Civil instou à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo para fazer o orçamento e, no mês seguinte, recomendou ao Presidente da Câmara para transferir o cemitério em uso (talvez o quintal de Santa Maria do Bispo) para o lugar na cerca do Convento de S. Francisco que já estava cercado com muros, os quais tinham sido feitos por ordem da Câmara. Depreende- se, pois, que as obras realizadas em finais de 1838 tenham sido em S. Francisco, não tendo prosseguido a empreitada por não se ter obtido a concessão dessa cerca por parte do Governo. Mas agora, com a força da nova lei cabralista e com a influência

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(decisiva do Governador Civil - que tomou ele próprio a iniciativa de pedir a cerca de un rito onde a Cámara Municipal já tinha despendido algum dinheiro a vereai día tomar medidas concretas.

Não si dia adiar mais a questão do cemitério. O terreno era bom e em localpróxin um edificio religioso. Ficava fora da povoação mas tinha acessos e ficavare la t iv a m e n te próximo ao centro da vila. Mas o Governador Civil achava que se devia f szer um acréscimo de terreno ao que tinha sido inicialmente murado na cerca acréscimo esse que ele julgava poder ir até à parede da capela-mor da igreja. Assim, a Câmara ficou encarregue de remeter para o Governo Civil as dime : e avaliaçao do acresnm o7;. Este detalhe e importante e perm ítenos saber qual fot então o recinto primitivamente murado pela Cámara Municipal na cerc S. Francisco (fig. 22).

Em 29 de Outubro de 1844, o entáo Presidente da Câmara deu conta à vereação da obte io de uma cópia do regulamento do Cemitério de Évora, para servir de ñor' om as modificações convenientes. A vereação deu então ordem para semedir cercar e avaliar o terreno do acréscimo para poder communicar-se Intei i mente corn aquetla igreja, senda o sea natural limite o prolongamento do mw aposto oo da frente, na carreira"71. A Cámara iria também avaliar o custo do prt 1 .rnento di) muro e as modificações relativas ao muro lateral, para se dar a ser., tina do primeiro para o segundo terreno acrescido. Foram então nomeados os mestres Joaquim de Santa Ana Pinto e António Cipriano e, como avaliadores, José Ff i na Ramos e Joaquim Nunes Valverde.

É interessante que o acréscimo de terreno tenha sido feito na direcção da capela- rn da Igreja, com o objectivo claro de fazer a ligação à mesma, o que não estava P1 'Isto no muramento inicial. Como já se referiu, a proximidade da igreja era b.j inte conveniente, quer em termos religiosos, quer em termos de custos que se evitavam na construção de uma capela mortuária, ficando o cemitério fora da vila. Por outro lado, as paredes da igreja serviam de muro ao cemitério.

■ mais interessante ainda foi o facto da vereação de 29 de Outubro de 1844 ter 1 liberado que se recolhessem no celeiro comum as "portas de ferro e as suas duas

tdes laterais' que foram oferecidas pela Confraria do Santíssimo Sacramento da ‘atriz da Vila para colocar no novo cemitério7"1. Não sabemos de onde provinham • tas portas de ferro.

'i comum o aproveitamento de estruturas antigas para os cemitérios, como forma poupar dinheiro e rentabilizar boas pecas de arte das muitas igrejas conventuais

iue ficaram ao abandono após 1834. Em Évora, por exemplo, aproveitou-se o portal de uma antiga igreja conventual extinta para portal do cemitério, em 1840. Porém,

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é curioso em Montemor-o-Novo o aproveitamento de um antigo portão, quando foi mais comum o aproveitamento de cantarias.

0 Governador Civil de então parecia zeloso do cumprimento rápido da lei: em 18 de Dezembro de 1844 enviou um oficio onde se recomendava mais uma vez a conclusão do cemitério na cerca de S. Francisco75. Já em Abril de 1845 é a vez do Administrador do Concelho relembrar à Câmara a necessidade de se concluir o Cemitério de S. Francisco. A Câmara desculpava-se: também tinha interesse na finalização da obra, mas andava com poucos meios financeiros76. Mesmo assim, no Verão de 1845 iniciou as obras de conclusão do Cemitério de S. Francisco.

A 9 de Julho de 1845, o oficial de alvanel José Maria Banha recebeu 60$000 pela primeira prestação referente ao acabamento da obra do cemitério77. Ter-se-á tratado da obra de muramento. A obra do portal foi ainda contratada nesse ano: a 29 de Setembro de 1845, Manuel Godinho e Agostinho da Silva, mestres canteiros de Borba, receberam 48$000 pela primeira prestação do portal do cemitério, segundo as obrigações celebradas na Câmara Municipal de Borba em 5 desse mês78.

Já em 1846, temos notícia de trabalhos feitos no cemitério em Janeiro e Fevereiro por João Piteira e outros trabalhadores a seu cargo, nomeadamente de terraplanagens79. Em 3 de Fevereiro de 1846, o mestre canteiro Manuel Godinho recebeu os restantes 48$000 referentes ao portal de cantaria, pelo que estaria já concluido80. Trata-se de um portal modesto, em mármore da região de Borba, composto por dois cunhais rusticatos. O mesmo canteiro Manuel Godinho recebeu 11 $040 em 8 de Fevereiro de 1846, pelo trabalho da cruz do cemitério e mais arranjos de pedras no acabamento81. Esta cruz ainda hoje existe no cemitério, no seu local original. É também obra modesta de cantaria.

Entretanto, as obras de muramento e terraplanagem ainda prosseguiam. Em 8 de Fevereiro de 1846, o já referido José Maria Banha recebeu 60$000 pelo resto da sua obra no cemitério. No mesmo mês surge-nos o nome de António Carvalho, como encarregado das obras no cem itério , tendo recebido várias verbas por terraplanagens, as quais prolongam-se por Março de 184 682.

Ainda em Fevereiro de 1846, José Maria Banha recebeu 3$680 pelos pedreiros que trabalharam no assentamento do cruzeiro do cemitério, trabalho concluído em 7 de Fevereiro de 1846. José Maria Banha recebeu também 3$000 pelo trabalho e aviamentos para abrir uma porta de novo do dito cem itério para a nova [secção do cemitério?]”83. Em Março de 1846, José Maria Banha continuou a dirigir obras de alvenaria no cemitério, que deve ter ficado quase pronto no fim desse mês84. Ainda em Março de 1846, a Câmara adquiriu a Gabriel Nunes Reis madeira, uma tesoura para cortar buxo e uma carrada de buxo para o cemitério85. Este aspecto mostra como a Câmara pretendia um cemitério moderno, devidamente arborizado. Essa

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intenção foi também registada em acta de 7 de Fevereiro de 1846: após ser concluida a terraplanagem, dividir-se-ia o terreno e plantar-se-iam árvores em roda do muro, pelo lado exterior, e dentro do recinto (ciprestes, buxos e outrosarb ! os)®6.

Em Abril de 1846, João Piteira e seus assalariados efectuaram obras de calcetamento, ajardinamento e pintura no cemitério e calcetamento na rua de acesso87. Nesse mês, o cemitério já tinha guarda nomeado, Luís Simões, que também ali realizou trabalhos de acabamento88. 0 regulamento foi aprovado em 26 de Abril de 1846, sendo então Presidente da Câmara Municipal Alexandre José Botelho. 0 cemitério abria aos Domingos, aos dias santos e no dia 2 de Novembro. Nos restantes dias só abria se alguém lá quisesse ir, devendo ir falar previamente cor i o guarda89.

Ainda não sabemos se o regulamento do Cemitério de S. Francisco inspirou-se directamente no do Cemitério de Évora, pois desconhecemos este último. Porém, o regulamento do Cemitério de S. Francisco contém parágrafos muito semelhantes aos do regulamento do Cemitério do Prado do Repouso, no Porto, aprovado em Novembro de 1839 (um dos mais antigos regulamentos de cemitério do pais).

No Cemitério de S. Francisco, as sepulturas seriam perpétuas, temporárias por seis anos, ou "de momento". Ora, isto era exactamente o que previa o regulamento do Cemitério do Prado do Repouso. E as semelhanças são mais ainda. No artigo 4o da parte referente às sepulturas, o regulamento do Cemitério de S. Francisco previa a possibilidade de poderem ser concedidos terrenos para cemitérios de ordens terceiras, quando não as havia certamente em Montemor-o-Novo com interesse em tal prerrogativa. Trata-se de um artigo que foi incluído no regulamento do Prado do Repouso, a pensar no caso especial do Porto, onde a pressão das ordens terceiras contra o cemitério público era imensa. Outro aspecto em que o regulamento do Cemitério de S. Francisco é muito semelhante ao do Prado do Repouso é na menção ao nome do cemitério - de S. Francisco - quando normalmente os cemitérios não levavam nome, sendo chamados pelo nome da localidade. Claro que há artigos no regulamento do Cemitério de 5. Francisco adaptados à especificidade do caso de Montemor-o-Novo, pelo que o regulamento deste cemitério não terá sido uma cópia directa de outro regulamento. Por exemplo, os doridos podiam mandar celebrar à sua custa missas na Igreja de S. Francisco ou na anexa Capela do Senhor dos Aflitos.

A Organização Urbanística do Cemitério de S. Francisco

Outra das normas do regulamento do Cemitério de S. Francisco proibia os empregados do cemitério de imiscuírem-se com os empresários que construíam os

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monumentos fúnebres. Conclui-se assim que a Câmara Municipal de Montemor-o- Novo já previa inicialmente a construção de monumentos, como começava a suceder no Cemitério de Évora. Curiosamente, em 28 de Abril de 1846 (apenas dois dias depois da aprovação do regulamento), o Pe. João Nepomuceno, capelão de Joaquina Herculana Salema e de Maria José Salema (irmãs do falecido Cristóvão Salema, e filhas de Luís Gaudêncio de Barros e Vasconcelos da Câmara, moço fidalgo da Casa de Sua Majestade), informou a Câmara de que esta família possuía dois jazigos na vila. Um situava-se na Igreja de S. Francisco e outro na Igreja do Calvário. Por isso, pretendiam as duas irmãs requisitar um novo jazigo no Cemitério de S. Francisco, pagando pelo terreno.

É interessante esta vontade de obter um jazigo particular ainda nem o cemitério estava oficialmente aberto. Mas estas duas irmãs mostravam grande interesse na conclusão do cemitério, tendo feito até várias ofertas para o mesmo, como um portal completo de cantaria para a casa do guarda e dois belos vasos com que se "tinham coroado os cunhais da fachada do cemitério"90. Tendo em conta os donativos desta família para o novo cemitério, a Câmara deliberou conceder às duas irmãs o dito terreno no sítio que pretendessem. Tal benefício de escolha não era nada de relevante, pois em outros cemitérios deixava-se, por norma, a escolha do local dos jazigos às famílias, desde que se cumprissem determinadas regras urbanísticas.

Efectivamente, na maior parte dos cemitérios portugueses desta época as várias secções foram destinadas a diferentes tipologias de ocupação do solo: campas temporárias (onde não podiam ser erigidos mausoléus), mausoléus de pequena dimensão e mausoléus de grande dimensão, conhecidos por jazigos-capela. Porém, existiram sobretudo duas tipologias de arrumação do espaço nos cemitérios portugueses:

• A mais antiga, que radicava nos campos santos italianos, previa a colocação dos maiores túmulos na periferia, ficando o recinto central dos cemitérios para campas e pequenas esteias. Esta tipologia foi pela primeira vez usada em Portugal no Cemitério da Lapa, no Porto, tendo sido a preferida dos cemitérios do norte do país, onde a capela funerária de relativa dimensão foi o tipo de monumento preferido para jazigo de família pelas famílias mais abastadas. Sendo grandes construções, ficavam na periferia, normalmente encostadas aos muros, para permitir a visibilidade no interior dos talhões do cemitério. Esta tipologia de ordenação urbanística surge muito esporadicamente a sul do Mondego, sobretudo em cemitérios mais antigos, como no antigo Cemitério da Sé de Leiria, no antigo Cemitério de Torres Novas ou mesmo numa primeira fase do Cemitério dos Prazeres, antes da sua reorganização.

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, A tipologia mais utilizada no centro e sul do pais, embora acabasse por ter sido também adoptada nos cemitérios municipais do Porto, é a que coloca os monumentos ao longo das ruas. ficando as secções de enterramento temporário por detras dos monumentos. Assim, capelas e mausoléus ou esteias ficam todos indistintamente alinhados ao longo das principais vias do cemitério, não se prevendo a construção de capelas de grande dimensão. Esta tipologia de ordenação urbanística foi proposta nos cemitérios de Lisboa, após a sua reorganização nos finais da década de 1830 e a partir destes cemitérios serviu de modelo.

O, j Cemitério de S. Francisco adoptou primeiramente a tipologia que tinha sido proposta no Porto, com os monumentos encostados aos muros. Trata-se de um aspecto muito curioso, que iria marcar logo de inicio e de certo modo - alguma originalidade do cemitério. No Alentejo, conhecemos um outro cemitério onde se adoptou este esquema, embora mais tarde: o de Poitalegre. Mas tanto num caso como noutro, as modas de monumentos funerários que vinham de Lisboa foram tao le es que abandonou-se esse esquema anos mais tarde e passaram a colocar-se os monumentos ao longo das ruas centrais.

IL • planta com a "Desci ipcão e memória das partes principaes do Cemiterio de S. F r a n c i s c o elucida-nos melhor essa questão (fig. 23). A legenda é a seguinte:

1. 1Porta principal fronteira à Copellinha do Senhor dos Aflitos.

2. Porta que dá serventia para a nóra da Cerca, e cultura do arvoredo, que ahi se plantou, em roda dos mui os do Cemitério.

3. Ruas paro o serviço do cemitério.

4. Quadros paro os enterramentos geraes.

5. Ditos para os enterramentos particulares, Túmulos, 6c.

ó. Ditos para o enterramento de Anjinhos em geral.

7. Jazigo ou carneiro de D. Francisco de Souza Barreto, e hera também Capella de um dos Vínculos de sua Casa, pela qual se abrio a communicaçáo do Cemitério com a Egreja de S. Francisco; com permissão dos Administradores da dita Capella, pais daquelle, D. Diogo de Sousa e sua mulher D. Maria Benedicta Salema Barreto.

8. Carneiro ou depósito dos ossos do cemitério.

9. Cas a do guarda e repositório. Foi Capella, e Jazigo, do Morgado que instituio Ruy Lobo da Gama, Fidalgo d'EI Rei D. Manoel, e do seu Conselho, que ali foi sepultado em o anno de 1573.

10. Capella, Casas, e Jardim, 6 c ., da Ordem Terceira de S. Francisco".

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Em Maio de 1846, plantava-se ainda buxo no cemitério, colocava-se o portão, caiava-se o cemitério e abria-se um poço para rega92. Mas só em 6 de Julho de 1846 foi feita a benção do cemitério, tendo sido mandado fechar o cemitério usado até aí, comi porta de pedra e barro93. No dia 7 de Julho procedeu-se ao inventário de objectos entregues ao guarda do cemitério e no dia seguinte fez-se a trasladação dos ossos do antigo cemitério para o novo, facto que certamente influiu para criar respeitabilidade no novo cemitério94.

Porém, o "Livro do Registo dos Epitáfios e das Concessões de terrenos para Sepulturas, Túmulos, ou Carneiros, etc." tem termo de abertura de 18 de Abril de 184695. É precisamente o mês em que foi feita a concessão de um terreno para jazigo às irmãs Joaquina Herculana Salema e Maria José Salema de Vasconcelos, a qual foi registada em 6 de Maio de 1846. 0 jazigo seria perpétuo e nele devia ser edificado o seu túmulo ou carneiro, para sucessores e parentes. As irmãs escoLheram o "terreno no topo da rua maior junto ao muro do sul", seguindo, assim, o que a planta do cemitério determinava. Este terreno tinha dezoito palmos de comprimento e doze de largura96. Era, pois, um grande jazigo, preparado para levar um grande monumento. Porém, não se encontra nada actualmente nesse local. 0 referido livro não regista nenhuma outra concessão e nem sequer um epitáfio.

Ficamos sem saber qual foi o monumento mais antigo erigido no Cemitério de S. Francisco. Mas podemos, ainda assim, fazer uma análise dos monumentos hoje existentes e de outros aspectos interessantes do cemitério.

O Portão do Cemitério de S. Francisco

Comecemos pelo portão, o qual foi aproveitado de outro local, como se viu. Foi o mestre serralheiro Domingos António Bailão (também surge como Domingos Balhão), quem propôs à Câmara a execução do "engradamento de ferro" que ia guarnecer a entrada do Cemitério de S. Francisco "na forma dos respectivos desenhos" e de "ferro da Suécia" por 24$000. A proposta foi aceite97.

Felizmente, conhecemos o recibo, de 6 de Maio de 1846, que enum era minuciosamente o trabalho realizado das ferragens que "promptificou para a porta do cemitério novo"98:

• desmancho dos círculos das grades, fichas para meter as letras, gatos e travessas de vergalhão para as cravas - 1 $200

• quatro letras (1845) e seus prisioneiros - 2$400

• dois remates que coroam as grades fixas - 9$600

• conserto no remate que coroa as meias portas - 1$920

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blema colocado no centro do dito remate - 2$400

* acrescentamento no vergalhão em que se apoiam as grades - $400

. onserto do fecho maior - $480

hapa que figura batente de uma das grades fixas - 1 $200

• duas relas novas - $800

■ 24 parafusos e porcas para segurar os remates - 3$600

O O! amento de 24$000 foi cumprido, embora se tenham adicionado pequenas ve; s referentes a betume e amanho do tarugo da cruz do carneiro, ao asse tamento dos remates e condução dos ditos e dos vergalhões, a ferro para pia ar buxo e a outras miudezas, totalizando 25$450. O mesmo serralheiro fez também na altura o conserto da fechadura do cemitério do castelo, o que indicia te ste cemitério funcionado até à inauguração do Cemitério de S. Francisco".

O portão do cemitério foi bem adaptado, não se notando ã primeira vista quais as pa 'es em que interveio Domingos António Bailâo. Trata-se de um portão típico da segunda metade do século XVIII, com vergalhão de secção quadrada e formas ainda ba loquizantes.

N sua adaptação a porta de cemitério publico colocou-se a data, que não c rresponde ao assentamento do portão nem sequer à inauguração do cemitério. Mais interessante do que isso, foi a colocação de iconografia da morte no topo, em c :;pa de ferro batida, pois o serralheiro em causa ainda não possuía a técnica para ■ indir as peças. F notável que tenha sido colocada uma ampulheta alada com duas asas diferentes: uma de mocho e outra de morcego. Duas foices da morte fazem o restante enquadramento (fig. 24).

' ' itro aspecto original do Cemitério de S. Francisco é a grade que foi colocada logo ■- pós o portão, a qual terá sido executada também por Domingos António Bailão: peta grade da porta interna do cemitério e uma cruz de ferro para signal das >epulturas maiores do mesmo cemitério - 24$360"100. Esta verba foi paga em 12 de Julho de 1846. Esta grade é completamente diferente do portão (veja-se o tipo de vrgalhâo), sendo uma obra mais típica da primeira metade do século XIX101.

Os Monumentos do Cemitério de S. Francisco

Quanto aos monumentos funerários propriamente ditos, o que mais se destaca no Cemitério de S. Francisco é, claramente, o do já referido Joaquim José Faísca. Situa-se logo à entrada do cemitério. Podemos mesmo classificá-lo como um dos

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mais originais monumentos funerários em Portugal, sendo de lamentar que esteja actualmente votado ao abandono (fig. 25).

Trata-se de uma espécie de capela, formada por caixa de alvenaria rebocada e pintada. Ao contrário de um jazigo-capela típico dos cemitérios do Porto ou Lisboa, este monumento apresenta a entrada para os caixões lateralizada, sendo a porta da capela verdadeiramente um oratório, já que não é possível a entrada nessa parte do jazigo. Trata-se de uma solução original, provavelmente única em Portugal, denotando a dificuldade dos primeiros jazigos, de um dado género, em adoptar modelos mais internacionais. Assim, este jazigo resultou claramente local, não erudito, frustre, mas impressionante pela sua sugestão e pelas soluções que apresenta. 0 seu valor define-se também por ser um tipo de jazigo que só existe em Montemor-o-Novo. É um raro monumento funerário oitocentista tipicamente alentejano. Este facto não é de desprezar, pois os cemitérios alentejanos foram dominados pelos modelos de túmulos que os canteiros de Lisboa enviavam para a região. Por medo de enveredarem por tipologias antiquadas ou grosseiras, os encomendadores alentejanos preferiam mandar executar os túmulos em Lisboa, ou então eram os próprios canteiros locais que procuravam colar-se ao que era feito no Cemitério dos Prazeres.

No Cemitério de S. Francisco nota-se claramente que os monumentos mais típicos foram aqui construídos em datas mais recuadas. A partir de finais do século XIX todos os monumentos passaram a ser executados em Lisboa e, salvo raras excepções, isso tornou o Cemitério de S. Francisco muito igual a tantos outros.

Foquemos então em primeiro lugar os monumentos mais originais deste cemitério e que melhor espelham Montemor-o-Novo, os quais devem ser preservados por essa mesma razão. Estes monumentos situam-se todos junto ao muro, do lado norte do jazigo de Joaquim José Faísca. Infelizmente, um deles foi demolido recentemente e os restantes, salvo um, encontram-se em abandono.

Não apuramos ainda quando foi feita a concessão de terreno para jazigo a Joaquim José Faísca. Mas sabemos que este foi construído em duas fases distintas. A primeira terá sido em 1862 e consistiu na colocação de uma esteia, provavelmente à cabeceira da sepultura da sua filha Sara Augusta Faísca. Esta esteia foi feita em Lisboa, e nela Joaquim José Faísca mandou gravar uma poesia e a curiosa nota "para si e seus descendentes, comprou este monumento Joaquim José Faísca". E interessante que Joaquim José Faisca tenha empregue a palavra "comprou" que nunca se usava nestes casos. Mas foi efectivamente isso que ele fez. Comprou uma banal esteia, igual a tantas outras dos cemitérios de Lisboa, para assinalar o jazigo da sua família.

Na referida esteia existe uma perpétua e uma saudade que, em linguagem

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simbólica, significam saudade perpétua. Esta associação foi muito comum nos cemitérios do romantismo. Mas, por vezes, poderiam aparecer as duas flores em separado. Temos um caso interessante também em Montemor-o-Novo: o mausoléu de Francisco Gaspar Martins, Bacharel formado nas Faculdades de Filosofia e Medicina, falecido em 25 de Novembro de 1849. Suas cinco filhas mandaram erigir o monumento (talvez o mais antigo hoje existente no cemitério). Daí terem sido no me-smo esculpidas cinco saudades. Este monumento está situado a meio da rua mais larga do cemitério, que corresponde à antiga secção junto ao muro nascente e onde hoje existem outros monumentos antigos, algo desgarrados. Todos estes monumentos, de pequena dimensão, foram executados em Lisboa, seguindo tipologias em voga na capital. A notar apenas o que foi erigido ao menor José (1 de Maio de 1861 - 4 de Janeiro de 1867), pelo seu pai José Maria de Vila Lobos Laboreiro e que inclui em relevo a figura de um rapaz junto a uma urna drapeada, que poderá ser o próprio José (fig. 27). A confirmar-se, trata-se de um raro exemplo de representação de uma criança num monumento do século XIX, pois os poucos retratos que se faziam eram de adultos, normalmente de importantes figuras locais. Este monumento pertenceria a um jazigo maior, provavelmente englobando outro monumento ao lado, como se pode ver pelos vestígios no chão.

Voltando ao jazigo de Joaquim José Faísca, após a morte da sua outra filha, Noeme Maria Faísca (1867 - 22 de Novembro de 1871), os pais mandaram erigir o jazigo que hoje ali se vè, tendo sido aproveitada a esteia que anteriormente deveria estar sobre a terra, para coroar o jazigo. Ora, no oratório da capela, por cima da cruz do nicho, existe um placa que refere: "foi benzida esta capela pelo vigário da vara autorizado pelo arcebispo em 11 de Abril de 1872 '. Trata-se de outro aspecto interessante, pois não era comum benzer-se expressamente os jazigos-capela. Assim, ficamos a saber que a obra data de 1872, apesar de incorporar uma esteia anterior.

Para além de ter ideias arejadas, como já se comprovou em relação ao asilo, Joaquim José Faísca era certamente um homem muito religioso e de mentalidade romântica. Num portal de 1866, que seria talvez o do quintal da sua casa em Montemor-o-Novo, evidenciam-se estas duas facetas de Joaquim José Faísca, sendo de assinalar o painel de Santo António em azulejo (fig. 26).

O interior do oratório do jazigo-capela de Joaquim José Faísca é de materiais pobres, com altar em tijolo burro, rebocado. 0 nicho, com um pequeno calvário, possui um livro onde se insiste: “a vida é um livro com páginas desperanças e decepções que no sepulchro findam. Só há repouso aqui à sombra da crus do Creador".

Mas o mais interessante de todo o interior do jazigo são os dois santuários, um de cada lado, e os medalhões pintados executados possivelmente pelo proprio Joaquim José Faísca ou pela sua mulher, como tributo de saudade às duas filhas já referidas,

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Sara (falecida talvez em 1861102) e Noeme. As quatro peças contêm a legenda "À minha filha" (fig. 28).

Os santuários são caixas de metal contendo cada qual uma composição de várias miniaturas de monumentos sepulcrais. Trata-se de um tipo de trabalho de lavores muito comum entre os conventos femininos do século XVIII, mas aqui aplicado à arte funerária romântica. Assim, temos no santuário da esquerda um mausoléu rematando em pirâmide, um mausoléu rematando em coluna com urna flamejante e um outro rematando em cruz. Existem também esteias, um anjo ajoelhado, um cipreste, uma figura alegórica e outros elementos que não se percebem bem, dado o mau estado de conservação (fig. 29).

0 santuário do lado direito, em muito mau estado, apresenta elementos do mesmo género mas todos diferentes; à excepção talvez do anjo ajoelhado sobre uma almofada. Interessante é a inclusão da ruina de um arco medievalista, solução tipicamente romântica. Estes santuários eram complementados com flores secas e uma base imitando pedras. Julgamos que as peças são de madeira e cartão pintado (fig. 30).

Quanto aos medalhões, representam ambos um túmulo, diferentes entre si, rodeado por outros túmulos e árvores da morte (como o salgueiro-chorão). Num dos medalhões existem amores-perfeitos e no outro existem rosas, flores que no século XIX se adequavam bem à simbologia fúnebre de crianças do sexo feminino.

Curiosamente, a gramática artística dos santuários é moderna para a época, pelas tipologias de monumentos que se apresentam, mas Joaquim José Faísca adoptou para seu jazigo uma tipologia local de capela-oratório, que remata em cobertura piramidal, com quatro urnas flamejantes de cada lado e um pequeno plinto, qual frontão, a servir de base à antiga esteia. Neste plinto existe um crânio e tíbias em relevo.

Quanto ao portão, faz-nos lembrar um nicho/oratório que ainda hoje existe na Carreira de S. Francisco, mais próximo das traseiras da Igreja do Calvário. Poderá ter sido este oratório o modelo inspirador para o jazigo de Joaquim José Faisca.

Os dois panejamentos, que foram colocados na fachada, a servirem de tabela, poderão ser posteriores à capela, pois aludem à memória do irmão de Joaquim José Faísca, o Pe. João de Deus Augusto Faísca (falecido em 2 de Janeiro de 1881, com 48 anos). Numa das tabelas lê-se outra poesia fúnebre: "A vida é prysma dourado / que a mão da morte quebrou / a vida é sonho accordado / pharol que o vento apagou / a vida é o nada da terra / e tudo o que nada é / o nada que tudo encerra1 tudo em que nada se lê". Estas tabelas em lioz foram certamente executadas em Lisboa e são iguais a muitas outras existentes em jazigos-capela dos cemitérios da capital.

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Note-se que na parede lateral do jazigo que faz face ao portão do cemitério, foi mais tarde colocado um painel de azulejos, certamente pela mesma fábrica que executou os do refeitório do asilo. Nele se pode ler que a conservação do jazigo ficava a cargo do Asilo de Infância Desvalida. Porém, desaparecido o asilo, se a Misericórdia de Montemor-o-Novo não tomar a seu cargo a sua efectiva conservação, como ficou estipulado pelo legado de Joaquim José Faisca há uma centena de anos, urge que a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo tome posse do referido jazigo e o mande restaurar no interior, tendo o cuidado de atribuir o restauro dos santuários a ios devidamente habilitadas.

0 jazigo de Joaquim José Faisca é um monumento sepulcral único no país, pelos belos medalhões e santuários do interior, peia forma como o jazigo foi concebido, misturando elementos executados em Lisboa com soluções locais de arquitectura, e mesmo pelo portão.

Porém, existem no Cemitério de S. Francisco alguns raros jazigos do mesmo género, um deles certamente inspirado no de Joaquim José Faísca. Trata-se do jazigo dedicado a Francisco António da Silva Grenho, falecido em 15 de Julho de 1870 e a sua mulher Maria Joana dos Santos Grenho, falecida em 5 de Agosto de 1865. Mandaram erigir a sobrinha Maria da Purificação Mata e Fiúza e seu marido José Joaquim Fiúza Guião, em 15 de Julho de 1875 (fig. 31).

É uma caixa de alvenaria semelhante à de Joaquim José Faísca, também com entrada lateral para os caixões e uma esteia por cima. Porém, não possui oratório, sendo ainda mais frustre que a da família Faísca, embora a esteia colocada no remate tenha sido executada em Lisboa e ostente uma coroa de perpétuas com fita e uma ampulheta alada. Falta saber se a esteia foi colocada em cima da caixa de alvenaria em 1875, ou se esta foi construída após a colocação da esteia, como no caso do jazigo de Joaquim José Faísca.

Um outro monumento sepulcral que se insere nesta tipologia local é dedicado ao menor Casimiro, falecido em 10 de Março de 1880. O "modesto jazigo" foi mandado erigir por "P. e F. M .a d'Oliveira". Trata-se de uma caixa de alvenaria mais pequena, também frustre, que apenas levou uma placa com a inscrição (hoje derrubada) e um curioso revestimento a azulejo monocromático em losangos, na linha do já referido gosto pelo azulejo que se desenvolveu em Montemor-o-Novo no século XIX (fig. 32).

Com o mesmo padrão de azulejo temos um jazigo raso na mesma secção, dedicado ao Dr. João Elói Nunes Cardoso, que faleceu em 8 de Março de 1858. Foi mandado erigir pela sua filha, encontrando-se em muito mau estado. É notável como o azulejo consegue transformar uma mera campa rasa num jazigo de efeito estético. A monocromia terá sido utilizada para acentuar o carácter fúnebre, com a inscrição também em azulejo e a simulação de uma cruz no muro do cemitério. Trata-se de mais um jazigo totalmente original, sem paralelo no país (fig. 33).

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Refira-se que este padrão de azulejo foi utilizado também na cobertura e paramentos laterais de uma outra capela no Cemitério de S. Francisco, apesar desta ser de tipologia lisboeta. Mais uma vez, as tendências locais emergem, misturando- se com os modelos internacionais que eram executados pelos canteiros de Lisboa.

Os exemplos que acabamos de dar são as excepções que tornam verdadeiramente interessante o Cemitério de S. Francisco. Em relação às obras do romantismo fúnebre executadas em Lisboa, são quase todas tardias (fim do século XIX e inicio do século XX) e só algumas possuem motivos de interesse.

Dos canteiros lisboetas que fizeram obras para o Cemitério de S. Francisco nesta época, assinalemos Severiano João de Abreu, hábil artista que teve oficina na Calçada do Combro (aos Paulistas), e que para aqui executou uma capela tipicamente lisboeta do final do século XIX, com frontão triangular. Temos também o canteiro Pedro Antunes dos Santos, que executou várias obras para cemitérios do Alentejo, e que tinha oficina na Rua do Crucifixo, n.° 69. Executou aqui uma capela tipicamente lisboeta do final do século XIX, com frontão triangular e tabelas a flanquear o portal para colocação dos epitáfios. É uma solução com centenas de cópias nos cemitérios de Lisboa e, por isso, banal.

O importante e laborioso canteiro Germano José de Sales, cuja oficina situava-se na Rua do Arsenal, n.° 134, executou já em conjunto com os seus filhos duas capelas para o Cemitério de S. Francisco. Uma delas possui um medalhão na fachada com o retrato de António Maria Laboreiro de Vila Lobos.

A sociedade de canteiros dirigida por José Guilherme Correia, com oficina na Rua do Corpo Santo, n.°s 20-22, também executou várias capelas para este cemitério. Em duas destas capelas, tipicamente lisboetas do final do século XIX, são utilizadas as estátuas alegóricas para remate da fachada: a Caridade e a Esperança numa, e a Caridade e querubins noutra. Uma outra capela executada nesta oficina apresenta uma tipologia neoromânica, sendo já do início do século XX.

Também do início do século XX, mais precisamente de 1906, é a capela da já referida família Marques dos Santos. Trata-se de uma das melhores obras do canteiro António José Moreira, que teve oficina na Rua Vítor Cordon, n.°s 16-18. E a maior obra construída no Cemitério de S. Francisco no início do século XX, tendo levado um gradeamento a toda a volta para realçar a própria grandeza da capela, a qual é pouco comum em Lisboa. A solução dos gradeamentos em volta das capelas foi bastante utilizada neste cemitério. Apesar de muitos dos gradeamentos serem cópias dos cemitérios de Lisboa, a opção pela sua colocação à volta de capelas é uma solução local, embora exista esta subversão de modelos em outros cemitérios do país.

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capela dos Marques dos Santos, neoclássica, apresenta dois motivos de interesseadicionais:

• Os símbolos profissionais da agricultura colocados acima do portal e bem esculpidos, aludindo a uma família de grandes proprietários agrícolas. Pode ver-se um carro de bois, uma charrua, um arado, um molho de espigas, parras, um jugo, uma grade e malhos para o cereal’01 tudo unido por laçarias (fig. 34 ).

• No coroamento da capela temos bem conseguidas alegorias da Fé, Esperança e Caridade (fig. 35).

Outro canteiro de Lisboa com obra no Cemitério de S. Francisco e José Narciso Lino, jue teve oficina na Rua do Conselheiro Monteveide. n.°s 38-44. Na capela neogótica

que executou, erigida a Isabel Maria de Carvalho Sameiro (falecida em 8 de Março de 1905) pelo seu pai António Pedro Sameiro, existe um medalhão com o retrato da finada (fig. 3 6 ). Trata-se de um retrato bem executado. A capela remata com a alegoria da Fé.

Refira se que estes monumentos executados em Lisboa nos finais do seculo XIX foram quase todos construídos em lioz. O mármore alentejano foi nesta época pouco utilizado. Uma das excepções e um curioso mausoléu executado por L. F. da Silva que teve oficina no Arco de S. Francisco, em Évora.

Por utliino, não podemos ignorar, pela sua antiguidade no cemiterio, o que resta de um mausoléu (outrora talvez encimado por uma pirâmide) etigido a Antonio Durão de Sá iVídigueira, 1793 • Montemor o-Novo. 26 de Outubro de 1852) pela mulher e filhos. Situava-se na antiga secção lateral junto ao muro nascente, hoje ao moio da rua mais larga.

Outro monumento provavelmente executado em Lisboa que se deve mencionar, por não ser tao estereotipado como os monumenlos erigidos em Lisboa nos finais do século XIX é o do Conselheiro Cipriano Justino da Costa (Comendador da Ordem de Custo, Bacharel das Faculdades de Matematica e Direito, Desembargador Honorário da Relação do Porto|. Foi mandado engir pela viúva e baseia-se num baldaquino suportado por quatro colunas, havendo o sarcofago ao centro, assente em quatro garras de leão. Na face posterior da base existe um postigo em chapa de ferro, com respiradouro em forma de cruz fundida, solução tipicamente lisboeta.

Tambem se deve notar que o único projecto do século XIX para jazigo existente hoje no Arquivo Historico de Montemor-o-Novo e de 5 de Outubro de 1889 e refere-se ao jazígo-capela que Maria José de Melo Fragoso Girào mandou erigir para Henrique de Almeida Girão. É uma capela banal, tipicamente lisboeta. No desenho do tímpano foi colocada a lápis a seguinte referência: “tropheu militar e brozào darmas inheiente ao título de Conselheiro'1W.

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Os restantes requerimentos do século XIX referentes ao cemitério não apresentam projectos. Porém, encontramos um que mereceu a nossa atenção: a 23 de Dezembro de 1875, D. Afonso de Sousa Botelho dá conta que no Cemitério de S. Francisco e ligado à igreja "existe um pequeno edifício reduzido hoje a pardieiro, tendo sido a capela de Santo António, pertencente à família dos Lobos da Silva, há tempos extincta, e da qual capei la foi último possuidor João Gabriel Lobo da Silva, filho de Luiz L. da Silva, Capitão Geral de Pernambuco, do Conselho Ultramarino, etc. e de sua mulher D. Antónia de Noronha". Sendo o suplicante parente do último possuidor, como o provava peia linhagem apresentada, desejava adquirir os restos da dita capela para os reparar e erigir ali seu jazigo. Em troca, cederia o terreno que lhe pertencia no mesmo cemitério e ainda intacto. A Câmara Municipal deferiu a pretensão desde que a capela não tivesse comunicação alguma com a Igreja de S. Francisco.

É interessante como a velha fidalguia da região de Montemor-o-Novo conseguiu manter algum status social na morte, mesmo com o advento do cemitério público, onde o burguês endinheirado triunfou pela espectacularidade dos seus mais vistosos monumentos. Isso foi possível em Montemor-o-Novo porque dois antigos jazigos da Igreja de S. Francisco foram autorizados a ter uso no século XIX, já que estavam contíguos ao cemitério.

Infelizmente, a abordagem ao Cemitério de 5. Francisco na época romântica tem de se limitar a estas considerações. Para se fazer um estudo sóiido sobre o mesmo, forçoso seria entrar em detalhe na questão da sociedade de Montemor-o-Novo do século XIX e das suas mais destacadas figuras ou famílias. Mesmo assim, por todos os elementos que apresentamos, temos no Cemitério de S. Francisco um pequeno, mas interessante, conjunto de túmulos oitocentistas de carácter local, cabendo a primazia precisamente ao de Joaquim José Faísca. Estes monumentos sepulcrais merecem claramente a preservação, porque são dos mais singulares existentes no Alentejo e marcam também a genuinidade de Montemor-o-Novo105.

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Nota

1. Para aiém de um intenso trabalho de campo realizado em Agosto de 2001, foram consultadas as seguintes fontes e bibliografia para a primeira parte deste estudo:

"Commercio e Industria, Sciencias, Artes e Letras, Galeria Biographica Contemporânea” , n.° 105, i.isboa, 1889;

ANDRADE, António Alberto Banha de - Breve história das Ruínas do Antigo Burgo e Concelho de Montemor-o-Novo. Separata de "Cadernos de História de Montemor-o-Novo", n.° 3, Évora, 1977; BORGES, Nelson Correia - Arquitectura Monástica Portuguesa na Época Moderna. In "Museu", IV Série, n.° 7, Porto, 1998, pp. 31-59; ESPANCA, Túlio - Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora. Vol. VIII, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1975; FONSECA, Jorge - O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação. Fundação e patrocínio régio. In A Cidade de Évora", 2a série, n.° 1, 1994-95, pp. 397-417; SILVEIRA, Conceição - Evolução do Burgo de Montemor-o-Novo e Razões da Saída para Fora das Muralhas do Castelo nos Séculos XV e XVI. Trabalho de urbanismo no âmbito do Mestrado em História da Arte da Universidade Lusiada (policopiado). S .L , s .n ., 1996; FONSECA, Jorge / SALINAS, Rafael / BARBOSA, Ana Lúcia - O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação. Um Património a Defender. Montemor-o-Novo, Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, 1997; GONÇALVES, Ana - Novos Dados Sobre a Vila Antiga de Montemor-o-Novo - Resultado dos Trabalhos de 1992-1993. In "Almansor", n.° 11, Montemor-o-Novo, 1993, pp. 5-28; FONSECA, Jorge - Montemor-o-Novo no Século XV. Montemor-o-Novo, Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, 1998; FONSECA, Jorge - A Vila Intra-muros de Montemor-o-Novo - Contributo para o seu Estudo. In "Almansor", n.° 11, Montemor-o-Novo, 1993, pp. 29-80; MALTA, Maria da Conceição de Carvalho Reis - O Associativismo Recreativo e Cultural Oitocentista: Análise do "Círculo Montemorense" (1891). In "Almansor", n.° 11, Montemor-o-Novo, 1993, pp. 231-311; FONSECA, Jorge - Toponímia e Urbanismo de Montemor-o-Novo (séculos XV-XIX). In "Almansor", n .° 14, Montemor-o-Novo, 2000, pp. 17-74; GONÇALVES, Catarina Valença - A Pintura Mural no Concelho de Alvito. Séculos XVI a XVIII. In "Programa Nacional de Bolsas de Investigação para Jovens Historiadores e Antropólogos", 4a edição (1997/1998). Porto, Fundação da Juventude, 2000, vol. I, pp. 10-93; ROMEIRAS, Pe. João Joaquim de Sousa - História Summaria da Fundação do Asylo Montemorense de Infanda Desvalida e da sua Administração até Junho de 1889. Évora, Minerva Eborense, 1890; O Concelho de Montemor-o-Novo nas Memórias Paroquiais de 1758. In Almansor' n.° 3, Montemor-o-Novo, 1985, pp. 121-177; Colecção de fotografias antigas da Biblioteca e Arquivo Histórico de Montemor-o-Novo.

2. Para além do trabalho de campo, efectuado em Abril e Agosto de 2001, foram consultadas as seguintes fontes para a segunda parte deste estudo, todas existentes no Arquivo Histórico Municipal de Montemor-o-Novo (A.H.M .M.N.):

Actas, 1837-1838; Actas, 1838-1839; Actas, 1844-1846; Actas, 1846-1849; Receita e Despesa, 1834-1847; Regulamento interno para o cem itério público de Montemor-o-Novo denominado de S. Francisco, 1846; Livro de registo dos ep itáfios e das concessões de terrenos para se p u ltu ra s , túm ulos ou ca rn e iro s , e t c . , desde 1846; R e q u e rim e n to s , 1866-1870; Requerim entos, 1871-1885; Requerim entos, 1885-1906; Mandados de Despesa, 1838; Mandados de Despesa, 1845-1846; Mandados de Despesa, 1846-1847.

3 .Ana Margarida Portela é Licenciada em Conservação e Restauro, com especialização em materiais pétreos, área em que exerce também actividade docente, no Porto. Francisco Queiroz é Licenciado e Mestre em História da Arte. É professor de História da Arquitectura e do Urbanismo na Escola Superior Artística do Porto e formador de professores na área do Património. Os autores têm vindo a publicar vários trabalhos de investigação nas áreas da

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História da Arquitectura e das artes industriais na época romântica, do Património e conservação de monumentos e da História local.

4. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 401. A transcrição foi alterada para a grafia actual, tal como nos restantes documentos anteriores ao século XVIII aqui transcritos, uma vez que os excertos foram todos já publicados.

5. Cf. ESPANCA, ob. c it . , p. 302.

6. Cf. IDEM, Ibidem, p. 303.

7. Apenas uma das gárgulas encontra-se em bom estado. As restantes foram mutiladas.

8. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 403. O sublinhado é nosso.

9. Cf. ESPANCA, ob. c it . , p. 310.

10. Cf. O concelho de Montemor-o-Novo nas memórias paroquiais de 1758, p. 134.

11. Cf. Ibidem, p. 133. Os sublinhados são nossos.

12. Cf. FONSECA, Montemor-o-Novo no século XV, p. 16.

13. Cf. FONSECA, A vila intra-muros de Montemor-o-Novo, pp. 32-35.

14. Cf. IDEM, Ibidem, p. 34.

15. A atribuição da invocação mariana à principal igreja de um núcleo urbano muralhado foi muito popularizada em Portugal nos séculos XIII e XIV. Ora, o povoamento de Montemor-o-Novo foi promovido nessa época. Seria uma coincidência muito grande a existência de duas igrejas paroquiais com a mesma invocação, o mesmo número de naves (por isso, igrejas de maior dimensão) numa mesma vila .

16. Cf. FONSECA, Montemor-o-Novo no século XV, p. 18.

17. Cf. IDEM, Ibidem, p. 14.

18. Cf. FONSECA, Toponimia e urbanismo de Montemor-o-Novo, p. 47.

19. Cf. FONSECA, Montemor-o-Novo no século XV, p. 22.

20. Cf. FONSECA, A v ila intra-muros de Montemor-o-Novo, pp. 61-63.

21. Cf. FONSECA, Montemor-o-Novo no século XV, p. 20.

22. Cf. IDEM, Ibidem, p. 24.

23. Cf. FONSECA, Toponimia e urbanismo de Montemor-o-Novo, p. 57.

24. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 401. O sublinhado é nosso.

25. Documentos existentes na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora.

26. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 401. O sublinhado é nosso.

27. A lei então em vigor obrigava a que todas as doações ou legados perpétuos feitos ainstituições religiosas necessitassem de provisão real, sobretudo as doações de elevado valor feitas por mulheres solteiras ou viúvas, para evitar induzimento ou engano. Jorge Fonseca admite mesmo a hipótese de alguma tentativa de embargo da doação por parte de fam iliares da doadora. Vd. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 401.

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28. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 402.

29. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 402.

30. Cf. GONÇALVES, ob. c it ., p. 12.

31. Cf. ESPANCA, ob. c it . , p. 302.

32. Vd. IDEM, Ibidem, p. 302 e FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 404.

33. Cf. FONSECA, O Mosteiro de Nossa Senhora da Saudação, p. 404.

34. Cf. IDEM, Ibidem, p. 404.

35 . Cf. IDEM, Ibidem, p. 405. O sublinhado é nosso.

36. Cf. FONSECA / SALINAS / BARBOSA, ob. c it . , s/p.

37. Cf. ROMEIRAS, ob. c it . , p. 81.

38. Cf. FONSECA / SALINAS / BARBOSA, ob. c it . , s/p.

39. Cf. FONSECA, Toponímia e urbanismo de Montemor-o-Novo, p. 55.

40. Cf. ESPANCA, ob. c it ., p. 303.

41. Cf. IDEM, Ibidem, p. 303.

42. Cf. FONSECA, A vila intra-muros de Montemor-o-Novo, p. 47. O sublinhado é nosso.

43. Cf. FONSECA, Toponímia e urbanismo de Montemor-o-Novo, p. 29.

44. Cf. ROMEIRAS, ob. c it ., p. 78.

45. Segundo Túlio Espanca, um dos sinos de bronze do mesmo campanário foi fundido emLisboa por M .A .S ., em 1888. Cf, ESPANCA, ob. c it . , p. 303.

45A. Cf. "Commercio e Industria” , n.° 105, Lisboa, 1889.

45B. Cf. IDEM, Ibidem.

46. Padrões de azulejo semelhantes surgem em outros locais do país, mesmo no norte, como no caso de uma casa no centro de Vila Nova de Poiares.

47. Lembramo-nos da construção do Círculo Montemorense que decorreu por volta de 1890 e onde foram empregues revestimentos cerâmicos do mesmo género. Dois dos principais promotores desta associação eram também directores do asilo, asilo esse que até chegou a emprestar cadeiras para os espectáculos do Círculo Montemorense. Mas esta é uma hipótese ainda frágil, tendo em conta que não conhecemos o interior da sede desta agremiação. Baseamo-nos em MALTA, ob. c it ., pp. 274-275.

47A. Cf. A .H.M .M .N., Requerimentos, 1871-1885, 24 de Fevereiro de 1875.

48. Vd. BORGES, ob. c it . , p. 171.

49. Cf. ESPANCA, ob. c it . , p. 307.

50. Vd. QUEIROZ, Francisco / PORTELA, Ana Margarida - Especificidades da arte funerária oitocentista na região da Serra de S. Mamede. Os Cem itérios de Portalegre. Castelo de Vide e Nisa. In "Programa Nacional de Bolsas de Investigação para Jovens Historiadores e Antropólogos", 4a edição (1997/1998). Porto, Fundação da Juventude, 2000, vol. I, pp.168-253.

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51. Vd. QUEIROZ, Francisco - Os cem itérios do Porto e a arte funerária o itocentista no noroeste de Portugal. Tese de Doutoramento em História da Arte a apresentar à Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 2002.

52. Cf. A .H .M .M .N ., Actas, 1837-1838, fls. 63v.-64.

53. Cf. FONSECA, Toponímia e urbanismo de Montemor-o-Novo, p. 44.

54. Vd. QUEIROZ, Os cemitérios do Porto e a arte funerária oitocentista no noroeste de Portugal.

55. Cf. A .H.M .M .N., Actas, 1837-1838, fls . 63v.-64.

56. Cf. IDEM, Actas, 1838-1839, f l . 15.

57. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 15.

58. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 15.

59. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 73. ,

60. Vd. QUEIROZ / PORTELA, Especificidades da arte funerária oitocentista na região da Serra de S. Mamede.

61. Cf. A.H.M .M.N., Actas, 1838-1839, f l . 78.

62. Vd. QUEIROZ, Francisco - Contributos para a História dos Cem itérios de Gaia (partes I, IIe III). In "Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia", 7o vo l., n .° 45, Junho de 1998, pp.54-62; n.° 46, Dezembro de 1998, pp. 23-35 e n.° 47, Junho de 1999, pp. 45-57.

63. Cf. A.H.M .M.N., Actas, 1838-1839, fl. 89.

64. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 90v.

65. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 97v.

66. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1838.

67. Cf. IDEM, Receita e Despesa, 1834-1847, fl. 49.

68. Cf. IDEM, Actas, 1844-1846, fl. 27.

69. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 12.

70. Cf. IDEM, Actas, 1837-1838, fl. 67, 8 de Novembro de 1837.

71. Cf. IDEM, Actas, 1844-1846, fl. 27.

72. Cf. IDEM, Ibidem, fls . 31-32.

73. Cf. IDEM, Ibidem.

74. Cf. IDEM, Ibidem.

75. Cf. IDEM, Ibidem, f l . 45.

76. Cf. IDEM, Ibidem, fl. 75.

77. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1845-1846, n.° 16.

78. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 56.

79. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 112.

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80. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 110.

81. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 113.

82. Cf. IDEM, Ibidem, n.°s 114 e 115.

83. Cf. IDEM, Ibidem, n .c 116.

84. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 118.

85. Cf. IDEM, Ibidem.

86. Cf. IDEM, Actas, 1844-1846, f l . 111.

87. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1845-1846, n .c 134.

88. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 136.

89. O horário de abertura no Verão era das 6 horas até ao último enterramento (no máximoaté às 21 horas) e no Inverno era das 8 horas até ao último enterramento (no máximo às 19horas). Cf. A.H.M .M.N., Regulamento interno para o cemitério público de Montemor-o-Novo denominado de S. Francisco, 1846, artigo 6°.

90. Cf. IDEM, Actas, 1844-1846, f l . 127v.

91. Cf. IDEM, Regulamento interno para o cemitério público de Montemor-o-Novo denominadode S. Francisco, 1846, f l . 10.

92. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1845-1846, n.° 151 e IDEM, Actas, 1846-1849, fl. 4.

93. Cf. IDEM, Actas, 1846-1849, f l. 10v.

94. Cf. IDEM, Regulamento interno para o cemitério público de Montemor-o-Novo denominadode S. Francisco, 1846, fls. 11 e seguintes e IDEM, Mandados de Despesa, 1846-1847, n.° 7.

95. Cf. IDEM, Livro de registo dos epitáfios e das concessões de terrenos para sepulturas, túmulos ou carneiros, etc.

96. Cf. IDEM, Ibidem.

97. Cf. IDEM, Actas, 1844-1846, fl. 128.

98. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1845-1846, n.° 139.

99. Cf. IDEM, Ibidem, n.° 139.

100. Cf. IDEM, Mandados de Despesa, 1846-1847, n.° 12.

101. Vd. PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O fe rro como forma de arte cem iteria l, no século XIX: o caso de Coimbra. In "Munda", n.° 39, Maio de 2000, pp. 5-24.

102. O epitáfio, no interior do jazigo, não é legível à distância.

103. Utiliza-se aqui a nomenclatura destas alfaias agrícolas como são designadas no norte do pais.

104. Cf. A.FI.M .M.N., Requerimentos, 1886-1890.

105. Lembramos também que o carro funerário antigo, actualmente no interior da Igreja deS. Francisco, dentro de algum tempo será uma peça de museu. Esperemos que até lá se mantenha preservado.

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Figura 1 - Detalhe do portal da primitiva portaría

Figura 2 - Portal da Igreja do Convento de N.* Sr.a da Saudação

Figura 4 - Claustro do Convento >>

124

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Mirante

PORTA DE SANTAREM

Mirante.

TERREIRO

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Figura 3 - Convento de N.a Sr.a da Saudação de Montemor-o-Novo. Planta geral e cerca conventual

< Figura 5 - Convento de N.a Sr.a da Saudação

Almansor | Revista de Cultura n°1 ¡ 2a série 2002 125

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Figura 6 - Montemor-o-Novo em finais do século XIX:

Reconstituição hipotética desenhada sobre uma planta de

1945

1 - Convento de N" Sra. da Saudação2 - Convento de S Francisco3 - Convento de S. Domingos4 - Recolhimento de Na Sra. da Luz (actual hospital)5 - Hospital do Espirito Santo6 - Igreja e convento de S João de Deus7 - Igreja da Misericórdia8 - Igreja do Calvário9 - Ermida de S. Sebastião

10 - Ermida de S. Vicente11 - Ermida de S. Lázaro12 - Ermida de S. Pedro13 - Igreja de S. Tiago14 - Igreja de S. João Baptista do Castelo15 - Igreja de Sta. Maria do Bispo16 - Paço dos Alcaides (castelo)17- Porta do Anjo ou do Bispo18 - Porta de Santarém19 - Porta de Santiago

20 - Praça Velha21 -Terreiro de S. João de Deus22 - Praça do Corro23 - Rossio24 - Rua dos Almocreves25 - Rua Direita26 - Antigos Paços do Concelho (?)27 - Porta de Évora (?)28 - Igreja de Sta Maria da Vila (?)29 - Praça Nova

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« Figura 7 Portal quinhentista hoje entnipnrlo

Figura 9 • Túnel da ata nascente junto á muralha

Figura H Convento do N. ' Sr. ' da Saudacno

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Figura 10 - Vista de Montemor-o-novo,

por Pier Maria Baldi em 1669

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Figura 11 - Ala poente do Convento vista da Torre do Relógio

Figura 12 • Igreja do Convento

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Figura 13 - Corredor de acesso ao coro baixo

Figura 14 - Portas de acesso à cozinha quintentista e ao primitivo refeitório (piso térreo do claustro)

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Figura 15 - Detalhe de decoração de um dos oratórios da sala do capítulo

< Figura 16 - Sala do capítulo

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Figura 17 - Refeitório do asilo

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Figura 19 - Fotografia antiga de Montemor-o-Novo, tirada do Rossio

Figura 20 - "Cristo no Monte das Oliveiras” (fresco no primitivo refeitório)

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Figura 21 - Convento visto da Igreja de S. João Baptista

Figura 22 - Secções mais antigos do Cemitério de S. Francisco (à

direita). O primitivo muro corria ao longo da rua mais larga, ao

centro. Ao fundo, pode ver-se o convento de N." Sr.8 da Saudação

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Figura 23 - Planta antiga do Cemitério de S. Francisco

A

Figura 24 - Portão do Cemitério de S. Francisco

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Figura 25 - Jazigo-capela de Joaquim José Faísca

Figura 26 - Portal mandado erigir por Joaquim José Faísca em 1866

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Figura 27 - Detalhe do mausoléu de José, mandado erigir por seu pai José M.V.L. Laboreiro

Figura 28 - Cemitério de S. Francisco. Interior do jazigo de Joaquim José Faísca

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Figura 29 - Medalhão e santuário dedicados a Noeme Maria Faisca

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Figura 30 - Medalhão e santuário dedicados a Sara Augusta Faísca

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Figura 31 : Jazigo de Francisco Grenho e de Maria Joana Grenho

Figura 32: Jazigo dedicado ao Menor Casimiro >

Figura 33: Jazigo dedicado ao Dr.João E. N. Cardoso

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Figura 34 -Detalhe do jazigo capela da Família Marques dos Santos

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Figura 35 - Alegoria da Fé (jazigo capela da Família Marques

dos Santos)

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Figura 36 - Retrato de Isabel Maria de Carvalho Sameiro no seu jazigo capela

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