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A tabelinha é conhecida: música e futebol. Ao longo da história, dezenas de importantes compositores trataram de levantar a bola do esporte em suas canções. De Lamartine Babo a Jorge Ben Jor, de Chico Buarque a Lupicínio Rodrigues, todos amaciaram a redonda e deram passes de letra para exaltar essa paixão nacional. Arte: Guilherme Resende Texto: Bruno Hoffmann PA S S E S D E L E T R A com craques legendários, como Pelé, Rivellino, Zico, Romário 16

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Arte: Guilherme ResendeTexto: Bruno Hoffmann

A tabelinha é conhecida: música e futebol. Ao longo da história, dezenas de importantes compositores trataram de levantar a bola do esporte em suas canções. De Lamartine Babo

a Jorge Ben Jor, de Chico Buarque a Lupicínio Rodrigues, todos amaciaram a redonda e deram passes de letra para exaltar essa paixão nacional.

ão há como negar: futebol e música são as duas grandes paixões nacionais. Também é motivo de or-gulho para uma nação que sempre sofreu “de com-

plexo de vira-lata”, como definia Nelson Rodrigues. Somos o país que mais vezes conquistou o mundo e mais encantou com craques legendários, como Pelé, Rivellino, Zico, Romário e Ronaldo. Na música não ficamos para trás: criamos o cho-rinho, o samba, a bossa nova, uma nova música popular. Era inevitável que ambos os temas se juntassem em determina-do momento. E, quando ocorreu, surgiram canções diverti-das e emotivas, contando sonoramente a história do futebol brasileiro ou narrando a paixão que ele desperta.Como prova da importância dos assuntos na identidade na-cional, é célebre o encontro entre Chico Buarque e Garrincha na Itália, em 1969. Eles não se entendiam. Garrincha, aman-te da bossa nova, só queria saber de João Gilberto; Chico,

apaixonado por futebol, só falava de histórias da bola.Como se sabe, há muitos cantores arriscando pontapés. E muitos boleiros testando o microfone. O Rei do futebol é um deles. Além de ter composições interpretadas por ar-tistas como Jair Rodrigues, Pelé gravou até um compacto simples com Elis Regina. As canções – Perdão Não Tem e Vexamão – eram do Rei.Músicas populares foram ainda parar nas arquibancadas, com adaptações feitas pelas torcidas. Em geral, colocam o nome do time em determinado verso, uma provocação ao adversário em outro e um palavrão para fechar a história. Impublicáveis.Neste Especial reunimos histórias inusitadas, emotivas e saborosas de 11 músicos que, a partir de sua arte, exaltam o esporte bretão. Uma seleção que joga por música. Está lançado o time dos sonhos do AlmAnAque. Que role a bola.

ESPECIALPASSES DE LETRA

N

17

Março 2009

1

15

Ninguém sabe para qual equipe torcia Noel Rosa.Mas especula-se que seja

o Vasco da Gama, por citá-lo em Quem Dá Mais: Ninguém dá mais de um conto de réis? / O Vasco paga o lote na batata / E em vez de barata / Oferece ao Russinho uma mulata.O futebol também se faz presente em Conversa de Botequim, consi-derada uma das mais elaboradas crônicas musicais da história. En-tre as ordens do personagem ao pobre garçom, está: Vá perguntar ao seu freguês do lado / Qual foi o resultado do futebol.

Noel era vascaíno?

O sambista Wilson Batista era fanático pelo Flamengo. Num certo domingo, foi as-

sistir a uma partida entre o time do coração e o Botafogo, no estádio de General

Severiano. O Flamengo foi derrotado. Wilson se revoltou, saiu xingando todo mundo

e até se recusou a pagar a passagem do bonde. O amigo Antônio Almeida tentou

acalmá-lo, mas recebeu uma resposta de bate-pronto: “Pô, eu tiro o domingo para

descansar e vejo meu time perder?”. Com o mote, ali mesmo compuseram E o Juiz Apitou: Eu tiro o domingo para des-

cansar / Mas não descansei / Que louco fui eu / Regressei do futebol / Todo queimado

de sol / O Flamengo perdeu pro Botafogo / Amanhã vou trabalhar / Meu patrão é

vascaíno e de mim vai zombar.Wilson também compôs, em parceria com Jorge de Castro, Samba

Rubro-Negro. Era uma exaltação aos jogadores da época: O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão. Nos anos 1980, João Nogueira atualizou os

craques: O mais querido tem Zico, Adílio e Adão... Recentemente,

foi a vez de Diogo Nogueira, com alguma boa vontade na rima

(e nos “craques”): O mais querido tem Souza, Obina e Juan / Eu já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão...

Já rezei pra são Jorge pro Mengo ser campeão

1 Até a pé nós iremos

Em 1953, uma greve de bondes paralisou Porto Alegre. Operários faltaram ao trabalho, casais dei-xaram de se ver e torcedores não puderam acompanhar as equipes no estádio. Entre eles, um gre-mista chamado Lupicínio Rodri-gues. Desconsolado, sentou-se à mesa de um bar, sacou a caneta e lá mesmo compôs o que viria a ser um dos mais emblemáticos hinos de time de futebol: Até a pé nós iremos / Para o que der e vier / Mas o certo é que nós es-taremos / Com o Grêmio onde o Grêmio estiver...

Wilson Batista7

Lupicínio Rodrigues3

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19

O homem dos 11 hinosLamartine Babo entrou na história da música brasileira pelas marchinhas. Mas também tem lugar de destaque por ter criado

o hino de 11 times do Rio: Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, América, Bangu, São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso, Madureira e do extinto Canto do Rio. Todos foram compostos em 1949, após ter sido desafiado pelo dono de uma gravadora a fazer os hinos para os principais clubes cariocas. Há versos inusitados, como o do Bangu (Em Bangu se o clube vence há na certa um feriado / Comércio fechado, a torcida reunida até parece a do Fla-Flu). O hino do Bo-tafogo é o único que aparece a palavra perder (Não pode perder, perder pra ninguém). No do Canto do Rio, o futebol fica em segundo plano: Aquela morena / Do Canto do Rio / Que torce e faz cena / E causa arrepio / Queimada da praia... Propositalmente, o último hino composto foi o do América, clube de coração de Lamartine: Hei de torcer, torcer, torcer / Hei de torcer até morrer, morrer, morrer / Pois a torcida americana é toda assim / A começar por mim...

mais 11 craques da música e seus times

Renato e seus Blue Caps eram os alvos dos gritos femininos

durante os anos 1960, com repertório e estilo de vida Jovem

Guarda. Mais tarde, um outro público passou a adorá-los: os

torcedores do Sport Recife, que se animam ao som do viciante frevo Sport

Estremece a Terra, composto por Renato Barros. Para muitos, um hino não-oficial

do clube: Vivendo com o Sport essa emoção / A galera se engrandece muito

mais / Quem não falar do Sport é mudo / Cazá! Cazá! / E pelo Sport, tudo!

Quem não falar do Sport é mudo

O surgimento de Pelé foi um calvário para o Corinthians. O Rei tinha no time do Parque São Jorge sua vítima prefe-rida (detalhe: dizem que Pelé era corintiano na infância). Durante o período, a equipe não ganhou nada. Foram 22 anos, oito meses e sete dias sem gritar “É campeão!”.A fiel torcida, no entanto, só crescia. Mas a cada ano, a cada título perdido, a cada bola na trave, a angústia au-mentava, como mostra Paulinho Nogueira em Meus 20 Anos: Até um simples empate que podia consolar / Geralmente é conquistado quando é preciso ganhar / Mas nessas poucas vitórias / Algumas sensacionais / A gente esquece de tudo / Não desanima jamais / Ai, Corinthians, cachaça do torcedor...Também cansado de sofrer pelos anos de fila, Sílvio Santos decidiu trocar o malfadado coração corin-tiano. A operação não deu certo: Ai, doutor, eu não me engano / Botaram outro coração corintiano.

Ai, Corinthians, cachaça do torcedor...

2 Lamartine Babo

4 Renato Barros

8 Paulinho Nogueira

Tom Jobim

Fluminense

Vinicius de Moraes

Botafogo

João Gilberto

Vasco

Tom Zé

Corinthians

Cartola

Fluminense

Adoniran Barbosa

Corinthians

Mano Brown

Santos

Chico Science

Santa Cruz

Gilberto Gil

Bahia

Cássia Eller

Atlético Mineiro

Roberto Carlos

Vasco

19

Março 2009

37Mané Garrincha viveu seus últimos anos de forma amar-gurada, entregue à bebida. Em 1973, Moacir Franco fez Balada nº 7 (a camisa que Mané usava em seu tempo de jogador). O tom da letra, como não podia deixar de ser, era melancólico: Mas pela vi-da impedido parou / E para sempre o jogo acabou / Suas pernas cansadas correram pro nada / E o time do tempo ganhou / Cadê você, cadê você, você passou...

Suas pernas cansadas correram pro nada

Ao nascer a primeira filha de Chico Buarque, Sílvia, o compositor Cyro Monteiro mandou uma camisa do Flamengo de presente à recém-nascida. Chico, torcedor fanático do Fluminense, compôs como resposta Receita para Virar Casaca de Neném, subvertendo as cores do time: Pintei de branco o teu preto / Ficando completo / O jogo de cor / Virei-lhe o listrado do peito / E nasceu desse jeito / Uma outra tricolor. Mera ilusão. Sílvia tornou-se flamenguista.

Nasceu desse jeito uma outra tricolor

Após ela gritar “Mengo” num gol do Zico, o marido tira o cinto e a espanca. A comemoração era um gesto irrefutável da falsidade da esposa. Assim começa Gol Anulado, com letra de Aldir Blanc e músi-ca de João Bosco. O marido sentia-se traído pela mulher que, para ele, era honrada, tra-balhadora e, acima de tudo, vascaína:

Se garante na cozinha. E ainda é Vasco doenteEu sempre disse contente / Minha preta é uma rainha / Porque não teme o batente / Se ga-rante na cozinha / E ainda é Vasco doente...A canção se encerra com uma genial analo-gia entre o término do amor e o maior anti-clímax do futebol: Eu descobri que a alegria / De quem está apaixonado / É como a falsa euforia / De um gol anulado.

Parecia uma narração radiofônica: Tabelou, driblou dois zagueiros /

Deu um toque, driblou o goleiro / Só não en-trou com bola e tudo porque teve humildade em gol. Dessa forma Jorge Ben Jor exalta-va um atacante do Flamengo do começo dos anos 1970. Com o visual peculiar e os

Só não entrou com bola e tudo porque teve humildadedentes saltados, Fio Maravilha ganhou a simpatia dos torcedores e de Ben Jor. Anos mais tarde, entretanto, o jogador processou o compositor. Queria receber algum por ter o nome citado na canção. Ben JoR então mudou o nome do protagonista da música: Filho Maravilha. E acabou com a conversa.

O clima do Festival da Record de 1967 era quase de estádio. Os artistas eram recebidos com aplausos descomunais ou com vaias re-tumbantes. A apresentação da música Beto Bom de Bola, de Sérgio Ricardo, incluiu-se no segundo caso. Ao cantar os versos Num terreno tão baldio / O quanto a vida é dura /

Num terreno tão baldio, o quanto a vida é duraOnde outrora foi seu campo, resmungou aos músicos: “Não consigo nem ouvir o som”. Levantou-se e bradou, enfurecido: “Vocês ganharam!”. Arrebentou o violão e arremessou-o contra o público. Foi desclassificado.

Moacir Franco5

Aldir Blanc6

Jorge Ben Jor11

Sérgio Ricardo1