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KIT DIVERSIDADE: A EXPERIÊNCIA DE GUARACIABA NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PARA O AUTOCONSUMO 1

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KIT DIVERSIDADE: A EXPERIÊNCIA DE GUARACIABA

NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PARA O AUTOCONSUMO

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KIT DIVERSIDADE: ALIMENTAÇÃO PARA O AUTOCONSUMO EM GUARACIABA – SC.

Sumário Página

1. Antecedentes ................................................................................................................. 32. Kit Diversidade – O que é? .......................................................................................... 33. Associação de Desenvolvimento da Microbacia ........................................................ 44. Objetivos do Kit de Diversidade ................................................................................. 55. A agrobiodiversidade e a diversidade do Kit de Guaraciaba ................................... 66. Metodologia de implementação do Kit Diversidade ................................................. 97. Etapas da implementação do Kit Diversidade ........................................................... 97.1. Reunião com lideranças comunitárias das Associações de Microbacias .............. 107.2. Reunião com as comunidades rurais ....................................................................... 107.3. Escolha das Espécies e Variedades Locais .............................................................. 117.4. A produção de sementes ........................................................................................... 127.5. Seleção das sementes ................................................................................................. 137.6. Armazenamento e embalagem das sementes .......................................................... 137.7. Distribuição das sementes do Kit Diversidade ....................................................... 137.8. Avaliação do Kit Diversidade ................................................................................... 147.9. Divulgação das ações do Kit Diversidade ................................................................ 158. Resumo da metodologia de implementação do Kit Diversidade .............................. 159. Parcerias na implementação e avaliação dos trabalhos ............................................ 1610. Pesquisa, Extensão e Aprendizagem Participativa ................................................. 1711. Referências Bibliográficas ......................................................................................... 18

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KIT DIVERSIDADE: ALIMENTAÇÃO PARA O AUTOCONSUMO EM GUARACIABA - SC.

1. Antecedentes

A partir do desenvolvimento do projeto Microbacias 2 com a elaboração dos Planos de Desenvolvimento das Microbacias Hidrográficas (PDMH) de Guaraciaba foram realizados diagnósticos no ano de 2005 que revelaram dados alarmantes sobre o elevado percentual de famílias agricultoras que não mais cultivavam em suas propriedades os alimentos que consomem: 75% para o arroz; 65% para a batatinha; 50% para o feijão e alho; 40% para a abóbora e hortaliças folhosas. Apesar disso, a agricultura familiar do extremo-oeste catarinense ainda conserva uma ampla diversidade para o autoconsumo, estimada em mais de 200 cultivares locais, mantidas pelas famílias por apresentarem sabor especial, agradável ao paladar, por tradição mantida ao longo do tempo, por herança repassada através de gerações, para reduzir os custos de manutenção da propriedade e por serem saudáveis devido ao modo como são produzidas, que são elementos formadores da segurança alimentar e ações participativas com enfoque agroecológico.

2. Kit Diversidade – O que é?

O Kit Diversidade é um conjunto de sementes de diferentes espécies de variedades locais produzidas e distribuídas entre famílias de agricultores(as) de microbacias hidrográficas de Guaraciaba. A composição do kit é formada por sementes de diversas espécies cultivadas e mantidas pelas famílias em suas propriedades e pode eventualmente conter variedades melhoradas não híbridas. O kit diversidade visa estimular a produção de alimentos para autoconsumo. Além disso, o kit é uma ferramenta para promover a segurança e soberania alimentar, compreender os elementos da territorialidade e promover a agroecologia como estratégia do desenvolvimento sustentável. Essa experiência pioneira realizada no Brasil e construída de forma participativa permite contribuições na dimensão ecológica e de sustentabilidade social, econômica, político-institucional, geográfica e cultural

As ações do kit integram a produção e o consumo de alimentos livres de agrotóxicos para a melhoria da saúde das pessoas e do ambiente. O cultivo de diferentes espécies manejadas pelos agricultores conserva e amplia a agrobiodiversidade encontrada e estimula a preservação do equilíbrio natural entre os inimigos naturais e os agentes causadores de danos às culturas. As famílias cultivam hábitos de produzir os alimentos de que mais gostam e preservam há vários anos, conservando espécies e variedades diferentes daquelas que compõem o kit, ampliando a base genética existente. A distribuição e troca de sementes entre as famílias provoca a manutenção e ampliação das relações sociais existentes nas comunidades, promove a disseminação dos saberes populares relacionados ao cultivo e conservação de cada semente, época preferencial de plantio, cuidados e tratos culturais, conservação e formas de aproveitamento desses produtos, valorizando os diversos gostos e sabores. O aspecto econômico também é destacado, pois quando as famílias produzem o próprio alimento, ocorre uma melhoria da renda familiar através da redução de gastos com a compra de alimentos em mercados que muitas vezes não revelam a origem e a qualidade dos produtos, nem tampouco o modo como foram produzidos. A difusão do kit diversidade é facilitada no meio rural devido aos seus componentes relacionados principalmente com a agricultura familiar, mas pode ocorrer também no espaço urbano onde se destacam as hortaliças, as frutíferas nativas e plantas exóticas.

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3. Associação de Desenvolvimento da Microbacia

A idéia do Kit Diversidade surgiu a partir da constituição da Associação de Desenvolvimento da Microbacia Hidrográfica (ADM) Rio Flores, no ano de 2004, com 145 famílias associadas. A ADM é a estrutura organizacional onde ocorrem os processos de tomada de decisão em ações participativas planejadas que dizem respeito ao grupo de famílias e as instituições parceiras. A identificação do Grupo da Associação da Microbacias (GAM) formado por lideranças naturais das comunidades rurais e a eleição da primeira Diretoria da ADM ocorreu na implementação das ações do projeto Microbacias 2, executado pela Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural através da EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. A elaboração do Plano de Desenvolvimento da Microbacia Hidrográfica (PDMH), com a facilitação dos extensionistas da Epagri e do facilitador técnico contratado para assessorar cada ADM, foi desenvolvida através de metodologias participativas que diagnosticaram as prioridades das famílias dos agricultores, contemplando aspectos ambientais, sociais e econômicos que objetivam a melhoria da qualidade de vida das famílias rurais. Os trabalhos envolveram inicialmente as famílias das comunidades de Linha São Roque, Linha Tigre e Linha Perondi em Guaraciaba. As duas primeiras ações priorizadas por esta ADM foram à produção de alimentos para subsistência, que evoluiu para o conceito de alimentação para autoconsumo e a redução do uso de agrotóxicos.

No ano de 2005, o facilitador contratado pelo Projeto Microbacias 2 e agricultores das ADMs Rio Flores e Lajeado Ouro Verde participaram de um Curso de Agrobiodiversidade, promovido pelo Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade - NeaBio/UFSC. Neste evento o pesquisador Bhuwon Sthapit do International Plant Genetic Resources Institute - IPGRI, do Nepal/ASIA relatou uma estratégia de multiplicação de sementes desenvolvida naquele país. Está idéia foi adaptada às prioridades e ações propostas no PMDH e serviu de referência para a associação local implementar o Kit Diversidade, visto que o relato do pesquisador estava em consonância com o planejamento elaborado anteriormente pelas famílias da ADM. Por ocasião do curso surgiu o nome “Kit Diversidade” adotado na experiência do Nepal, o qual tornou-se em Guaraciaba, nome fantasia, marca e sinônimo da produção de alimentos para autoconsumo.

Figura 1: Lideranças das ADMs debatem estratégias para desenvolver o Kit Diversidade.

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4. Objetivos do Kit de Diversidade

O objetivo principal do Kit Diversidade é a produção de alimentos para o autoconsumo das famílias, com o resgate das sementes crioulas, a diversificação da dieta alimentar, a melhoria da renda e da saúde das famílias, a eliminação do uso de agrotóxicos nos alimentos e o aprimoramento das relações sociais entre as famílias. Essa ação foi definida como a primeira prioridade do PDMH da ADM Rio Flores na área da melhoria da renda aliada ao enfoque social da participação comunitária das famílias. A produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos foi a principal prioridade eleita para ser trabalhada na área ambiental. A necessidade da redução de custos de produção, especialmente da cesta básica das famílias, foi incorporada como uma prioridade na área econômica do plano estratégico dessa microbacia.

O desenvolvimento e a implementação do Kit Diversidade nas comunidades aliou a estes objetivos outros elementos de caráter subjetivo como o prazer das famílias em produzir o próprio alimento e serem mais felizes. A relação do agricultor com a terra, a importância da família rural colher alimentos saudáveis para o seu consumo e também socializar os frutos desse trabalho com outras pessoas, remete a valorização dos aspectos culturais mantidos pelas comunidades ao longo do tempo e reforça o capital social existente entre as famílias organizadas em associações. A melhoria da dieta alimentar, das condições de saúde e de bem estar está diretamente relacionada com a conscientização da necessidade de redução e/ou eliminação do uso de agrotóxicos na produção de alimentos. O direito das famílias de produzirem os alimentos desejados, as tradições relacionados às variedades locais, a garantia do consumo de alimentos saudáveis promovem a verdadeira segurança e soberania alimentar. A facilidade de acesso a variedades locais e o resgate do uso de sementes crioulas pelos agricultores, aumentando o número de espécies e variedades cultivadas e conservando as existentes, com a possibilidade da troca solidária de sementes entre as comunidades locais contribui para a conservação da biodiversidade. Desse modo, o conjunto de atividades que compõem o Kit Diversidade possibilita avançar em busca da sustentabilidade através de processos participativos com enfoque agroecológico (Guadagnin et al., 2007).

As ações do projeto Microbacias 2 com o Kit Diversidade ampliaram a pesquisa, extensão e aprendizagem participativa (PEAP) entre as famílias de agricultores, técnicos, extensionistas, pesquisadores, professores, estudantes e entidades parceiras. Entre as iniciativas de PEAP, destacou-se o trabalho desenvolvido com variedades locais de arroz de sequeiro em Guaraciaba, espécie símbolo do Kit em função da importância alimentar da cultura.

Figura 2: O Arroz crioulo é o símbolo do Kit Diversidade.

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5. A agrobiodiversidade e a diversidade do Kit de Guaraciaba

A agrobiodiversidade é definida como as diferentes formas de vida presentes na agricultura composta de dezenas de espécies e centenas de variedades cultivadas e utilizadas pelos agricultores. No Oeste Catarinense a agrobiodiversidade mantida pelos agricultores familiares abrange cerca de 50 variedades de arroz, 100 variedades de milho e em torno de 120 de feijão além de diversas outras espécies e variedades locais (Canci et al., 2004). Essa região é rica em espécies e variedades selecionadas e mantidas pelas famílias ao longo das gerações principalmente através de sistemas informais de conhecimento e manejo da agrobiodiversidade (Canci, 2006). Essas variedades acumulam diferentes formas, tamanhos, cores e sabores como: o arroz preto, vermelho, branco e creme; o milho roxo, branco, multicolorido e rajado; o feijão mouro, preto, vermelho, branco e até mesmo verde, as dezenas de variedades de hortaliças, favas com vagens compridas e curtas, ervilhas beges e verdes, lisas e rugosas. Há espécies e variedades cultivadas somente pelos agricultores, sem similares no mercado, como o tradicional porongo utilizado para fabricação da cuia para o chimarrão. Toda esta diversidade ainda está presente nos corações e na memória dos agricultores e afloraram nas reuniões para definir a composição do Kit Diversidade. Nas Associações de Desenvolvimento das Microbacias envolvidas somaram 16 espécies e 52 variedades, conforme tabela 1. Vale salientar que se optou por variedades já conhecidas, produtivas e conservadas há muitos anos pelos agricultores, como o arroz crioulo de sequeiro, que é um dos símbolos do Kit Diversidade em Guaraciaba e que obteve a produtividade de 7.495,68 kg/ha, considerada excelente pelas famílias.

Tabela 1. Espécies que compuseram o kit Diversidade nas ADMs de Guaraciaba.ESPÉCIE Nº VARIEDADES PROCEDÊNCIA

Feijão 11 GuaraciabaMilho 5 Guaraciaba e Epagri

Milho Pipoca 4 GuaraciabaBatatinha 2 Guaraciaba

Fava 1 São Miguel do OesteAlho 2 Guaraciaba

Ervilha 2 Guaraciaba e São Miguel do OesteArroz 7 Guaraciaba e Anchieta

Feijão de Porco 1 São Miguel do OesteChícharo 1 EpagriAbóbora 4 GuaraciabaMoranga 2 Guaraciaba

Melão 2 GuaraciabaAmendoim 1 Guaraciaba

Tomate 2 GuaraciabaBatata Doce 1 Guaraciaba

Melancia 4 Guaraciaba

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Milho Oito Carreiras Roxo Milho Amarelão

Milho Oito Carreiras Rajado e Branco Feijão Mourinho Miúdo e Graúdo

Feijão de Vagem Phutspona Feijão Carioca “nativo”

Feijão Mourinho Graúdo Feijão Azulão

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Ervilha Branca “do Orlando” Batata de ano Jantsch, Jhares Karthoflen

Pipoca preta, amarela, roxa e branca Feijão Preto “Schmitz”

Variedades locais de arroz de sequeiroFigura 3: Algumas espécies e variedades locais do Kit Diversidade.

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6. Metodologia de implementação do Kit Diversidade

A metodologia utilizada para a implementação constituiu-se de estratégias participativas simples e de fácil adaptação pelas famílias de agricultores. Todas as ações do kit foram elaboradas conjuntamente entre as famílias das associações de microbacias, técnicos locais, pesquisadores e entidades parceiras envolvidas com as ações do Projeto Microbacias 2 em Guaraciaba. Através de diversos encontros, reuniões, assembléias, visitas individuais, excursões, unidades demonstrativas e de pesquisa, extensão e aprendizagem participativa construiram-se as diferentes etapas para implementação do Kit Diversidade. A flexibilidade e a independência nos processos de tomada de decisão, como também na composição diferenciada do kit entre as microbacias facilitaram o processo. Em todos os momentos sempre se considerou a filosofia e as normas do Projeto Microbacia 2, que objetiva a melhoria da qualidade de vida das famílias.

Os trabalhos do kit envolveram metodologias participativas com diagnósticos rápidos participativos, tardes de campo, reuniões comunitárias e respeitaram as diferentes realidades locais de cada microbacia e a complexidade de fenômenos sociais, ambientais e econômicos existentes em cada comunidade. Diante de condições que privilegiam a complexidade dos agroecossistemas existentes, um método único, padronizado e extremamente rígido apresenta pouca eficácia e baixa aplicabilidade. Na implementação do kit considerou-se as linhas gerais de ação previstas no PDMH, através de metodologias que consideraram esta flexibilidade e adaptabilidade. Como exemplo, a Microbacia Lajeado ouro Verde entregou as sementes do kit em uma assembléia com um único grupo de 130 famílias, ao passo que na Microbacia Rio Flores os membros da Diretoria e do Grupo de Animação/GAM organizaram reuniões individualizadas com seus vizinhos onde aconteceu a entrega das sementes, abrangendo todas as famílias da microbacia. Qual foi a melhor maneira? As duas, pois cada associação fez de acordo com sua visão, capacidade e conhecimento. Entretanto, essas experiências vivenciadas não excluem a necessidade de estudar, conhecer e avaliar outros métodos participativos, inclusive clássicos, re-planejando e aprimorando o método e as ações realizadas. É importante considerar que mesmo não havendo um método clássico, isso não significa desorganização, mas flexibilidade diante das condições encontradas, o que na proposta do kit diversidade permitiu a sua implementação nas associações de microbacias.

Esse conjunto de estratégias revelaram-se uma metodologia eficaz, principalmente por ser desburocratizada, de fácil compreensão e aplicação. Em todos os momentos de tomada das decisões houve a participação das famílias de agricultores (as), do técnico facilitador do Projeto Microbacias 2 e de extensionistas da Epagri local, com o apoio do Neabio/UFSC. O trabalho conduzido pelas organizações do próprio município e colaboradores facilitaram a organização de uma estrutura de funcionamento dos trabalhos.

7. Etapas da implementação do Kit Diversidade

As etapas que permitiram a implementação do Kit Diversidade nas Associações de Microbacias de Guaraciaba sempre estiveram em consonância com as ações desenvolvidas no projeto Microbacias 2 neste município. A maneira como essas etapas aconteceram nesta experiência devem ser consideradas como uma possibilidade desta proposta se desenvolver e podem contribuir como uma das diversas referências na implementação de ações como esta. Porém não devem ser consideradas isoladamente como uma metodologia ou estratégia única,

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visto que em cada situação devem sempre se considerar a diversidade de fatores existentes nas comunidades locais e suas características políticas, culturais, ecológicas, sociais e econômicas. Portanto, as etapas descritas na experiência de Guaraciaba podem apenas servir de referência para outros estudos e propostas participativas semelhantes com enfoque agroecológico.

7.1. Reunião com lideranças comunitárias das Associações de Microbacias

A primeira etapa foi a reunião com a diretoria e grupo de animação formado com 20 pessoas eleitas entre as lideranças das comunidades que integram a associação da microbacia. Esse grupo avaliou as ações priorizadas no Plano da Microbacia e a compatibilidade da proposta do Kit Diversidade com as demandas eleitas pela maioria das famílias dessa associação.

Os agricultores e o facilitador que participaram do curso de Agrobiodiversidade organizado pelo Neabio/UFSC apresentaram para a diretoria da ADM e Grupo de Animação/GAM a experiência do kit diversidade idealizada no Nepal. Neste mesmo encontro foi elaborada uma proposta de ação do Kit Diversidade para debate e implementação com toda as comunidades, que foi realizada em assembléia geral da associação. A diretoria da ADM teve um papel destacado na proposta de implementação do kit, gerenciando e encaminhando os trabalhos, de modo que todas as ações desenvolvidas na associação aconteceram através de processos conjuntos de tomada de decisões, no qual a Diretoria propôs essa ação do kit para as famílias associadas. O debate permite o planejamento das ações futuras e o empoderamento de todos os membros envolvidos, que serão os principais agentes de divulgação e animação do processo.

7.2. Reunião com as comunidades rurais

A etapa seguinte foram as reuniões com as famílias de todas as comunidades rurais. No segundo semestre de 2005 ocorreram encontros para definir as estratégias de desenvolvimento das etapas do Kit Diversidade nas três comunidades pertencentes a microbacia Rio Flores que iniciou este trabalho, e posteriormente, também na microbacia do Lajeado Ouro Verde. Nas demais microbacias isto ocorreu a partir de 2006. Em 2008 o kit diversidade foi desenvolvido em seis associações de microbacias de Guaraciaba envolvendo aproximadamente 700 famílias rurais.

Nestas reuniões foi incentivado que cada participante manifestasse a sua opinião sobre essa proposta de trabalho. Este momento serviu também para relembrar que a produção de alimentos pelas famílias era uma ação já priorizada anteriormente no plano da microbacia. Foram diagnosticados as espécies e cultivares de interesse de cada família integrante da associação e as propriedades que ainda mantinham esses cultivos. Também se obteve informações dos participantes sobre os motivos pelos quais desejavam determinadas variedades. Os principais aspectos destacados, principalmente pelas mulheres agricultoras, foram o sabor agradável, preferências ao paladar das famílias, a tradição de determinados cultivos e hábitos mantidos ao longo do tempo, a herança do modo de cultivo e da conservação das espécies repassada através de gerações, a necessidade de redução dos custos de manutenção da propriedade e as qualidades nutricionais desses alimentos indispensáveis à saúde das pessoas devido ao modo como são produzidas e conservadas sem o uso de agrotóxicos.

Nas reuniões comunitárias foram discutidos os motivos pelos quais muitas famílias deixaram de cultivar variedades mantidas basicamente para a alimentação de autoconsumo. Foram destacadas a redução do número de integrantes das famílias pela saída da propriedade,

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principalmente dos jovens que vão para centros maiores; a maior dedicação do tempo destinado às atividades produtivas de maior expressão econômica, como a cultura do fumo e a expansão da bovinocultura de leite; a perda de determinadas variedades em função de pragas, doenças ou adversidades climáticas; a possibilidade de aquisição desses produtos nos mercados locais e a diminuição das trocas de sementes entre as famílias, principalmente mantidas pelas mulheres.

Um elemento importante do trabalho, também diagnosticado nos encontros realizados nas comunidades, foi a identificação de famílias de agricultores que mantinham em suas propriedades os cultivos daquelas espécies e variedades antigas do interesse da comunidade para fazer parte do kit. Em todas as reuniões surgiram informações sobre variedades de feijão, arroz, batatinha de ano, alho, melancia, amendoim, abóbora, melão e diversas outras espécies e aspectos relevantes de seu cultivo, como época de plantio, tratos culturais, colheita e conservação das sementes. Nestas etapas dos encontros buscou-se identificar as famílias que desejavam multiplicar as sementes de interesse das demais famílias da microbacia, que poderiam ser as mesmas que já mantinham essas variedades ou outras famílias que receberiam as sementes para posterior cultivo e distribuição. No caso de não haver o cultivo da espécie ou variedade desejada na mesma microbacia, buscou-se identificar numa microbacia ou regiões mais próximas a fim de garantir as qualidades desejadas pelas famílias e a facilidade de adaptação as condições locais de cada propriedade.

7.3. Escolha das Espécies e Variedades Locais

A composição do Kit Diversidade foi definida em cada comunidade através de processos participativos de tomada de decisão. Assim, os kits distribuídos foram diferentes, constituídos com 5 a 12 cultivares de 5 a 8 espécies, respeitando-se as preferências das famílias e a disponibilidade de cultivares e/ou sementes. Foram escolhidos os interessados em multiplicar as sementes, o dimensionamento das áreas a fim de suprir as quantidades desejadas, o método de armazenagem e a forma de distribuição dos kits nas comunidades. A aquisição das sementes foi realizada preferencialmente entre famílias da comunidade ou regiões vizinhas, a partir das informações obtidas anteriormente com estas pessoas.

A escolha das espécies e variedades que compõem os kits distribuídos às famílias ocorreu de modo participativo através de encontros entre as famílias e os técnicos locais. Nestas reuniões, após debates sobre a proposta do kit, as famílias de agricultores eram questionadas sobre “quais as cultivares que gostariam de ter?”, valorizando-se as preferências e os gostos locais. Nesse momento resgataram-se diversos conhecimentos sobre aquelas variedades que se cultivavam desde a chegada dos imigrantes de descendência italiana e alemã, entre outros, que povoaram a região do oeste catarinense a partir da década de 1950, como a batata de ano Jhares Karthoflen, a diversidade dos feijões, dos tipos de arroz, as cultivares de hortaliças e outras variedades locais.

Conforme Sthapit (2007), a contribuição dos conhecimentos informais mantidos pelas famílias de agricultores através das gerações, sobre como e quando plantar e conservar, associada aos conhecimentos formais é fundamental para preservar esse patrimônio genético de inestimável valor e conhecimento agregado. Dessa forma as famílias que receberam esse conjunto de sementes e conhecimentos que compõem o kit diversidade adquirem as condições necessárias para a multiplicação das sementes em suas propriedades, possibilitando a garantia da manutenção e amplicação da agrobiodiversidade existente.

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Segundo Dominguez et al., (2000) a semente é o primeiro anel na cadeia alimentar, entendida como o “órgão da planta que é utilizado pelos agricultores para multiplicar uma espécie cultivada em seu benefício” é considerada a base fundamental, sem a qual a agricultura não prosperaria. A semente é vital para a sustentabilidade da agricultura familiar e, como mais de 70% da semente utilizada nos países onde predominam famílias de agricultores familiares são produzidas por eles próprios, especialmente pelas mulheres, nada mais racional do que se adotar sistemas informais para suprir as necessidades das comunidades rurais existentes nesses países, cujo objetivo principal é a segurança alimentar.

A partir da relação das espécies e cultivares eleitas pelas famílias para integrar o Kit Diversidade, seguiu-se com outro questionamento: “quem tem essas variedades e quem gostaria de multiplicar essas sementes para serem distribuídas às famílias?”. Assim, foram escolhidos as variedades, algumas delas cultivadas há mais de 40 anos na região, como o arroz da variedade “Mato-Grosso” cultivado pelo o agricultor Roque de Moura da Linha Ouro Verde, o feijão “Schmitz” cultivado pelo agricultor Leonildo Schmitz da Linha Tigre, a ervilha branca e a melancia “do Orlando”, do agricultor Orlando Glaas da Linha Ouro Verde, o alho da Dona Terezinha, a Ervilha da Dona Clarinda, todos moradores da microbacias.

Os aspectos mais importantes que foram considerados para a composição do kit foram: a vontade das famílias em produzir determinada espécie ou cultivar; os aspectos culturais e tradicionais mantidos pelos agricultores familiares; as características positivas de determinada espécie, como produtividade, resistência ou tolerância à “pragas” e doenças; o sabor e demais qualidades favoráveis ao paladar das pessoas; a flexibilidade e a simplicidade de cultivo, devidos a variabilidade genética, a adaptabilidade às condições locais e aos métodos simples de seleção e armazenamento; a possibilidade de cultivar sem o uso de agrotóxicos;

7.4. A produção de sementes

As sementes que compõem o kit foram produzidas pelos agricultores familiares, na sua maioria, em propriedades localizadas nas mesmas comunidades das microbacias onde foram distribuídas. Quando não havia disponibilidade das sementes de interesse das famílias de determinada comunidade, recorreu-se à comunidade mais próxima num raio de até 25 quilometros, a fim de garantir as condições de adaptação da variedade desejada às condições locais. Foi necessário o planejamento do tamanho da área de produção de acordo com o número de famílias da Microbacia, ou comunidade e espécie envolvida, respeitando os princípios da agroecologia. O acompanhamento dos técnicos locais foi indispensável como agentes animadores, facilitando as decisões e orientações sobre as tecnologias de produção. Algumas famílias ficaram responsáveis pelo cultivo de mais de uma variedade, de acordo coma sua disposição e capacidade. Durante o ciclo de desenvolvimento dos cultivo houve o assessoramento por parte dos técnicos e de agricultores interessados em avaliar o desenvolvimento das variedades. Os cultivos dessas variedades foram desenvolvidos de modo a não se utilizar agrotóxicos, visto que conforme a decisão das famílias no plano de desenvolvimento na área ambiental, havia necessidade de não utilizar agrotóxicos. O plantio das sementes para compor o kit diversidade aconteceu de acordo com as informações decididas anteriormente nas reuniões, mas sempre respeitando as particularidades e condições locais de cada família e ambiente.

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7.5. Seleção das sementes

As sementes foram selecionadas pelas próprias famílias que multiplicaram esses materiais com o acompanhamento do técnico facilitador do projeto Microbacias 2 e os extensionistas da Epagri do município de Guaraciaba. Essa etapa apresentou algumas dificuldades em função da falta de equipamentos adequados à realidade local, devido ao seu alto custo e capacidade operacional inadequada para a diversidade de produtos existentes.

A seleção e limpeza das sementes que compõem o kit diversidade foi realizada nas propriedades dos agricultores conforme as decisões tomadas nas reuniões. Algumas sementes, como de variedades de feijão e de arroz foram acondicionadas em embalagens individuais pelos próprios agricultores em suas propriedades. Outras sementes, como as de milho, melancia, alho e ervilha tiveram uma seleção, limpeza e foram embalados fora das propriedades devido as dificuldades das famílias em realizarem esses processos.

De acordo com Dominguez et. Al (2000), a agricultura familiar aperfeiçoou os métodos tradicionais, constituindo o sistema informal de sementes, enquanto a agricultura comercial aperfeiçoou ferramentas mais sofisticadas para melhorar as espécies e criou leis e normas para regulamentar a produção e o uso das sementes, constituindo o sistema formal. A resposta às necessidades de produção está acumulada na informação genética das sementes, que por sua vez, está fortemente influencida pelo sistema de produção. A dinâmica do sistema informal nasce da repetida seleção nas condições locais de produção, o intercâmbio de sementes entre as famílias de agricultores e a pressão exercida pelos fatores naturais e humanos, o que permite e favorece as mutações genéticas e as hibridações, os quais são selecionadas pelos agricultores para se adaptarem às diversas necessidades da agricultura desenvolvida para a produção de alimentos para o autoconsumo das famílias.

7.6. Armazenamento e embalagem das sementes

A etapa de armazenamento e embalagem aconteceu tanto nas propriedades das famílias que produziram as sementes como nas famílias que receberam as mesmas. Uma estratégia utilizada foi manter as sementes a serem distribuídas o menor espaço de tempo possível na propriedades, de modo que cada família a partir do momento em que recebeu o kit diversidade ficasse responsável pela conservação das sementes até o momento do plantio. As sementes de cada variedade foram embaladas individualmente em envelopes de papel e o conjunto das diferentes espécies que compuseram o kit foram acondicionados em caixas de papelão. Integrou o kit um material contendo as informações resgatadas com as famílias que produziram essas sementes sobre os principais cuidados no plantio, tratos culturais e manejo das espécies.

7.7. Distribuição das sementes do Kit Diversidade

A distribuição dos kits foi realizada em reuniões em cada uma das comunidades pertencentes a microbacia, com a participação de integrantes das famílias associadas que receberam individualmente o kit diversidade. Em algumas comunidades, lideranças locais pertencentes a diretoria das ADMs se encarregaram da distribuição dos kits aos seus vizinhos. A estratégia de distribuição dos kits de sementes a todas as famílias associadas aconteceu num momento próximo a colheita das sementes nas propriedades para que cada família que recebeu o

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kit diversidade ficasse responsável pela conservação das sementes até o momento do plantio das mesmas, visando reduzir o potencial de contaminação e deterioração desses produtos. Identificou-se ainda que algumas famílias que realizaram a troca solidária de variedades de sementes de interesse. A distribuição das sementes com antecedência a época de plantio permitiu além da melhor conservação das sementes, o planejamento do cultivo com melhor definição e preparo do solo a fim de garantir um bom desenvolvimento das culturas. Mesmo assim, em certos casos, ocorreram problemas como adversidades climáticas e dificuldades no cultivo que dificultaram o desenvolvimento das variedades.

Até o mês de junho de 2007 foram distribuídos 2000 kg de sementes de 10 cultivares de feijão, 5 de milho, 4 de arroz, 2 de pipoca, 2 de batata, 2 de ervilha,1 de fava, 1 de melancia, 1 de alho e 1 de adubo verde. Na safra 2006/2007, mais de 20% dos agricultores(as) familiares de Guaraciaba cultivaram milhos crioulos, sendo o 2º maior plantador do estado de Santa Catarina. Em 2008 as ações do Kit Diversidade foram ampliadas para 6 microbacias de Guaraciaba, abrangendo 700 famílias de agricultores. Exemplares do kit foram disponibilizados para outros municípios da região como forma de divulgar a proposta de trabalho para outras comunidades rurais onde o projeto Microbacias 2 também é desenvolvido.

Figura 4: Reunião para distribuição do Kit Diversidade na ADM Ouro Verde.

7.8. Avaliação do Kit Diversidade

A fim aprimorar o processo de desenvolvimento do kit são realizados encontros e visitas individuais de asessoramento às famílias para avaliar os aspectos positivos desse trabalho e a necessidade de alterações a serem realizadas nas próximas etapas. Nas reuniões comunitárias busca-se discutir as adaptações e mudanças necessárias para aprimorar as ações do kit. A partir dessas avaliações buscou-se implementar novas unidades de Pesquisa, Extensão e Aprendizagem Participativa para ampliar o conhecimento sobre cultivares locais de milho, milho pipoca, feijão, arroz, adubos verdes de inverno e de verão, uso de pó de basalto em pastagens e outros. Incrementaram-se ainda cursos de higiene e limpeza com os alimentos e formas de aproveitamento e conservação de produtos produzidos nas propriedades rurais.

A participação do Neabio/UFSC com a presença de uma estudante de Mestrado contribuiu significativamente para avaliar o desenvolvimento do Kit Diversidade em Guaraciaba. Nessa pesquisa a estudante coletou informações sobre a amplitude dos trabalhos desenvolvidos com o Kit Diversidade nas ADMs Ouro Verde e Rio Flores e a eficiência dos processos realizados.

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7.9. Divulgação das ações do Kit Diversidade

Em todas as etapas do trabalho buscou-se divulgar as ações realizadas através do Jornal “Visão de Futuro” elaborado pelas oito Associações de Desenvolvimento das Microbacias de Guaraciaba, como também nos sites do Projeto Microbacias 2 e da Epagri, através dos jornais de circulação regional e programas das rádios regionais e com a proposta da edição de um livro descrevendo as experiências desenvolvidas com o Kit Diversidade em Guaraciaba.

Houve também a gravação de uma reportagem que foi apresentado no programa de televisão da Epagri e várias palestras em diversos municípios do estado de Santa Catarina e no estado do Paraná. Foi elaborado um artigo publicado no Congresso Brasileiro de Agroecologia em Guarapari/ES em 2007. Houve a apresentação da experiência do kit no Seminário Estadual de Agroecologia em Lages, em julho de 2008. O facilitador do Projeto Microbacias 2 esteve na França a convite da associação de agricultores AgroBio Périgord na região da Aquitânia, , e da Fondation Sciences Citoyennes e da Réseau Semences Paysannes, onde apresentou os trabalhos desenvolvidos pelas associações de Microbacias de Guaraciaba sobre o Kit Diversidade, onde também palestrou sobre pesquisa participativa no Brasil e sobre seleção e melhoramento de variedades crioulas. As experiências desenvolvidas com o Kit Diversidade em Guaraciaba integrarão um livro que está sendo editado.

8. Resumo da metodologia de implementação do Kit Diversidade

As etapas metodológicas de implementação do kit diversidade em Guaraciaba, foram:

1 – Identificação da demanda prioritária por parte dos agricultores. No caso de Guaraciaba a necessidade de produção de alimentos para o autoconsumo foi definida no Plano de Desenvolvimento da Microbacia Hidrografica/PDMH através de processos participativos.2 – Formação de conhecimentos por integrantes do grupo. Houve a participação em curso promovido pelo Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade – UFSC.3 – Reunião com lideranças comunitárias. A diretoria e Grupo de Animação da Microbacia Rio Flores e Ouro Verde foram os agentes promotores da proposta.4 – Reuniões Comunitárias e diagnósticos da produção de alimentos para autoconsumo, com objetivo de conhecer a realidade local, espécies menos e mais plantadas. Foi feito através de reuniões, mas pode ser feito através de entrevistas ou questionários individuais.5 – Capacitações de agricultores e técnicos envolvidos com os trabalhos sobre Agrobiodiversidade, Metodologias Participativas, Métodos de seleção e melhoramento de variedades com agricultores familiares e outros; 6 – Assembléias comunitárias. As associações de microbacias, realizaram assembléias, encontros e reuniões formais e informais para debaterem os temas relacionados à produção de alimentos para o autoconsumo, a conservação da biodiversidade e a redução de custos nas propriedades agrícolas, saúde, entre outros, e para a definição de estratégias de operacionalização, decididas conjuntamente entre as famílias de agricultores associados, facilitadores, técnicos, extensionistas, e entidades governamentais, participantes do projeto Microbacias 2.7 – Diagnóstico das variedades de interesse do grupo de famílias em reuniões comunitárias.8 – Identificação das famílias que mantem o cultivo das variedades de interesse do grupo e o conhecimento dos aspectos principais das culturas e conservação das sementes.

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9 – Escolha das famílias responsáveis pela multiplicação das sementes que compõem o kit diversidade. As famílias se apresentavam espontaneamente nas reuniões e encontros .10 – Reunião técnica de planejamento dos cultivos com agricultores multiplicadores.11 – Plantio e cultivo das variedades do kit diversidade pelas famílias com o acompanhamento e assistência técnica pelos facilitadores do Microbacias 2 e extensionistas da Epagri local.12 – Acompanhamento dos cultivos por parte dos técnicos e agricultores vizinhos.13 – Colheita, seleção e beneficiamento das sementes com a melhor tecnologia disponível.14 – Definição da quantidade de sementes que cada família vai receber, considerando a necessidade de cada espécie, para manter a variabilidade genética e a quantidade beneficiada de sementes.15 – Embalagem e conservação das sementes com a participação de agricultores e outros profissionais envolvidos no processo.16 – Distribuição do kit diversidade a todas as famílias das comunidades das Associações das Microbacias pelos próprios agricultores e lideranças das comunidades, assessorada pelo facilitador e extensionistas da Epagri.17 – Avaliação das etapas de implementação e dos resultados obtidos visando o aprimoramente constante do processo. Contou com a colaboração de estudante de Mestrado da UFSC.18 – Divulgação dos trabalhos desenvolvidos e resultados alcançados como estratégia de difusão.

9. Parcerias na implementação e avaliação dos trabalhos

A avaliação das etapas e ações realizadas desde a elaboração até a implementação do kit diversidade foi considerada elemento importante para que houvesse a continuidade dos trabalhos com o kit diversidade e para que a idéia pudesse ser difundida entre outras comunidades de agricultores familiares. O apoio recebido por parte de estudantes de graduação e pós-graduação, professores e pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias e Faculdade de Agronomia da Universidade Federal de Santa Catarina, através do Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade - Neabio/UFSC, possibilitou que integrantes desse grupo participassem das etapas de avaliação da implementação e desenvolvimento do kit diversidade. Houve a participação de uma estudante de Mestrado do curso de Agroecossistemas da UFSC que realizou essa etapa com as famílias das ADMs Ouro Verde e Rio Flores.

O apoio do projeto Microbacias 2 através da disponibilização de um técnico facilitador selecionado pelos agricultores componentes das Diretorias e Grupos de Animação das ADMs Ouro Verde e Rio Flores foi indispensável para que, juntamente com os extensionistas da Epagri, houvesse o processo de mobilização e organização das comunidades para eleger as demandas prioritárias a serem trabalhadas e decidir o planejamento e as formas de atuação para a resolução das questões anteriormente discutidas. O assessoramento e orientações técnicas são fundamentais para o sucesso da implementação de metodologias participativas com as famílias rurais.

Da mesma forma, a participação das entidades e lideranças locais foi fundamental para o sucesso das ações do Kit Diversidade. A presença de integrantes de movimentos sociais, Sindicatos dos Agricultores Familiares, Prefeitura Municipal de Guaraciaba e Secretarias, Centro de Referência e Apoio Social, Casa da Família, Casa Familiar Rural, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS, mesmo que presentes apenas em algumas etapas do trabalho, contribuiu para melhorar a organização, o planejamento e a implementação dos trabalhos.

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10. Pesquisa, Extensão e Aprendizagem Participativa

O desenvolvimento de trabalhos de Pesquisa, Extensão e Aprendizagem Participativa (PEAP), realizado em Guaraciaba desde 2005, através do componente Pesquisas e Estudos do Projeto Microbacias 2, no qual as ADMs de Guaraciaba participaram de um projeto piloto realizado em 10 municípios do estado de Santa Catarina, estimulou a integração entre famílias de agricultores, técnicos extensionistas, pesquisadores e entidades parceiras na resolução de problemas demandados pelas comunidades através de metodologias participativas que valorizam os conhecimentos locais.

A necessidade de desenvolver pesquisas e estudos também foi considerada como elemento indispensável para atingir os objetivos pretendidos com o Kit Diversidade. Devido ao interesse de algumas famílias em avaliar aspectos agronômicos das variedades existentes entre os agricultores, surgiu a idéia de desenvolver unidades de observação e pesquisa de arroz, com as sementes de diversas variedades existentes entre os agricultores da região. Foi desenvolvida no ano de 2005 uma unidade de PEAP com 14 variedades locais de arroz na propriedade da família do agricultor Leonildo Schmitz da Linha Tigre, onde no momento da colheita realizou-se uma tarde de campo com grande repercussão na comunidade e região. Esses trabalhos motivaram os participantes a melhorar os processos produtivos desenvolvidos anteriormente e difundir as experiências vivenciadas visando resolver questões priorizadas nas comunidades rurais.

Também foram implementadas unidades de observação do uso de pó de basalto na propriedade do agricultor Dirceu Cossa na Linha Tigre, visando identificar as potencialidades do uso alternativo de fontes nutricionais de plantas. Posteriormente foram implantados unidades de observação e pesquisa com o uso de adubos verdes de inverno e de verão, eliminação do uso de herbicidas com o manejo de plantas de cobertura, ensaios com variedades de milho, milho pipoca, arroz e feijão com a participação de pesquisadores do Neabio/UFSC e Centro de Pesquisa da Agricultura Familiar - CEPAF/EPAGRI de Chapecó, que foram difundidas e implementados também em outros municípios da região.

A partir desses trabalhos, foram desenvolvidos outras experiências em pesquisa participativa nas ADMs de Guaraciaba. Essas ações aliadas às experiências de outras comunidades estimularam outras 18 iniciativas em oito municípios da região do extremo-oeste catarinense com o apoio do projeto Microbacias 2 .

Figura 5: Pesquisa, Extensão e Aprendizagem Participativa com varieades locais de arroz.

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11. Referências Bibliográficas:

CANCI, Adriano; VOGT, Gilcimar Adriano; CANCI, Ivan José. A diversidade das espécies crioulas em Anchieta – SC. Diagnóstico, resultados de pesquisa e outros apontamentos para a conservação da agrobiodiversidade. São Miguel do Oeste, SC: McLee, 2004. 112p.

CANCI, Ivan José. Relações dos sistemas informais de conhecimento no manejo da agrobiodiversidade no oeste de Santa Catarina. 2006. 204f. Dissertação (Mestrado em Recursos Genéticos e Vegetais) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.

DOMINGUEZ, Carlos E.; PESKE, Silmar T.; VILLELA, Francisco A.; BAUDET, Leopoldo. Sistema informal de sementes: causas, conseqüências e alternativas. Pelotas, RS: Editora e Gráfica Universitária/UFPel, 2000. 207p.

GUADAGNIN, Clístenes Antônio; GUADAGNIN, Cristina Mayumi Ide; CANCI, Adriano; COSSA, Dirceu José. Kit diversidade: uma alternativa sustentável na produção de alimentos para autoconsumo. Guarapari, ES: Resumos do 5º Congresso Brasileiro de Agroecologia. Revista Brasileira de Agroecologia, out/2007. V.2, n.2. p.295-298.

STHAPIT, Bhuwon; SUBEDI, Abishkar; GAUTAM, Resham. Ferramentas práticas que estimulam o manejo comunitário da agrobiodiversidade. In: BOEF, Walter Simon; THIJSSEN, Marja Helen; STHAPIT, Bhuwon. Biodiversidade e Agricultores: fortalecendo o manejo comunitário. Porto Alegre : L&PM, 2007. p.136-153.

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