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ALGUMA COISA AGORA? Jornalistas Apuradores – Ouvidores Gerais da Sociedade e Construtores da notícia

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ALGUMA COISA AGORA?

Jornalistas Apuradores –

Ouvidores Gerais da Sociedade

e Construtores da notícia

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ALGUMA COISA AGORA?

Jornalistas Apuradores –

Ouvidores Gerais da Sociedade

e Construtores da notícia

Bernardo RezendeIvania Melo

Natália BomfimVinícius Frausini

BELO HORIZONTE - 2007

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FICHA TÉCNICA

Projeto gráfico e capaRodolpho Miranda

Orientação e revisãoMarcelo Loures

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos especialmente ao nossoorientador, professor e psicólogo social Marcelo Louresque, desde o pré-projeto, demonstrou interesse peloassunto. Na primeira orientação, disse que preferia serchamado apenas pelo nome. Virou Marcelo, mas nun-ca deixou de ser Mestre. Nesse dia, descobrimos umasala vazia no campus Carlos Luz, que virou nosso escri-tório. Ele sempre nos atendeu com todos os seus olhose ouvidos, seja em relatos de trabalho de campo, sejaem novas idéias ou problemas pessoais. Marcelo lia,corrigia tudo atentamente e, talvez sem saber, contri-buía na integração do grupo. Provocou em nós refle-xões sobre questões éticas da prática jornalística eaprendemos muito com isto. Quando pedimos que eleavaliasse o pré-projeto, alguns colegas disseram quenos arriscávamos, pois ele era muito rigoroso edetalhista. Não tivemos medo. Ganhamos muito como rigor e a atenção aos detalhes. Marcelo é o orientadorde que todos precisam ter!

MUITO OBRIGADO!

Adriana AgostiniCláudia FonsecaCristina Amaral

Eustáquio TrindadeJoão de CastroJuliana Duran

Marialice EmboavaMarise MartoranoRaquel de AzeredoRosangela Guerra

Silvia Iglésias

Agradecemos também aos nossos personagense a todos que, de alguma forma, contribuiram naprodução do Alguma Coisa Agora?.

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Em sua maioria, os jornalistas sãoincansáveis voyeurs que vêem os defeitosdo mundo, as imperfeições das pessoas edos lugares. Uma cena sadia, que compõeboa parte da vida, ou a parte do planetasem marcas de loucura não os atraem damesma forma que tumultos e invasões,países em ruínas e navios a pique, ban-queiros banidos para o Rio de Janeiro emonjas budistas em chamas – a tristeza éseu jogo, o espetáculo, sua paixão, a nor-malidade, sua nêmese.

Gay Talese

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Sumário

INTRODUÇÃO ................... 8

PERSONAGENS ................. 10

PARTE I - DIFERENTE, MAS IGUALCorpo Relaxado .................... 13

Colete Salva Vidas ................ 17

Totens e Ícones ................... 19

PARTE II - ANGÚSTIAS24 Horas .......................... 24

Dor do Mundo ...................... 26

Se Vira nos 30 .................... 29

Tudo Resolvido .................... 31

Disque-Reportagem ................. 33

PARTE III - FUROSOperação Caça Fontes .............. 37

Antenado .......................... 41

PARTE IV - RAPIDINHASApenas? ........................... 44

Ouvir Imagens ..................... 46

Repolho é Bom para Pele ........... 48

Suicídio Não ...................... 50

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PARTE V - VELHA GUARDA ...... 52

PARTE VI - GATEKEEPERS DOS

GATEKEEPERS“Repórter não quer aprender” ...... 60

“Repórter de pé limpo” ............ 64

BIBLIOGRAFIA ................ 67

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INTRODUÇÃO

O livro Alguma Coisa Agora? é o resultado dotrabalho de quatro aspirantes a jornalistas, que bus-caram entender o processo de construção das notí-cias e a identidade dos apuradores. Foi preciso re-correr à Antropologia, à Psicologia e às Teorias daComunicação para iniciar uma envolvente pesquisade campo em redações de rádios, televisões e im-pressos, se estendendo à assessorias de comunica-ção e jornalistas da “Velha Guarda”.

O trabalho de campo foi além de visitas técni-cas, experimentamos sua rotina de trabalho. Tenta-mos quebrar a barreira entre o visitante e o profissi-onal, nos “misturamos” com eles, vivenciamos a pres-são do dia-a-dia. Antes de irmos para as redações,elaboramos um roteiro de observação, no qual ten-tamos analisar tudo ao seu redor. Desde a cor dasparedes, organização dos móveis, localização da sala,relação com os outros jornalistas, expressão facialdiante de algumas notícias e técnicas de apuração.

Falar em jornalistas-apuradores pode parecerum pleonasmo, pois todo jornalista é na essênciaum apurador. O protagonista é o profissional quefica, especificamente, na sala de apuração, telefonapara vários locais em busca de informação, assiste aprogramas de rádio e televisão, e faz um “resumo”para que a redação fique informada.

O objetivo do livro não é ser um manual deapuração, nem traçar o perfil de uma pessoa, masreunir histórias destes profissionais em capítuloscurtos, separados por temas, talvez seguindo umatendência do jornalismo atual, que sejam interessan-

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tes, atraentes para os leitores. Acreditamos que es-crever este livro-reportagem significou exercitar aessência do jornalismo: o ato de escrever.

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PERSONAGENS

Capitão Gedirchefe da assessoria de imprensa da Polícia Militar

Cláudio Ramosapurador Hoje em Dia

Cláudio Rezenderepórter trainee CBN

Délio Rochajornalista Velha Guarda

Fernando Costaestagiário apuração O Tempo

Gláucio Castrorepórter Hoje em Dia

Karina Novyapuradora TV Alterosa

Larissaestagiária apuração CBN

Luiz Henrique Yagelovicgerente de jornalismo CBN

Luiz Ribeirorepórter Estado de MinasMaria Cláudia Santos

coordenadora de jornalismo Rádio ItatiaiaMariana Garcia

jornalistaPaula Rangel

chefe de reportagem CBNPaulo Santana

locutor Rádio InconfidênciaPaulinho

pauteiro Diário da Tarde

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Senhoraouvinte Rádio ItatiaiaSymphronio Veiga

jornalista Velha GuardaTiago Nogueira

estagiário apuração Diário da TardeWilson Resende

chefe da assessoria de imprensa da Polícia Civil

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PARTE I

DIFERENTE, MAS IGUAL

[...] jornalistas são funcionários de uma linha demontagem acelerada em que rapidamente seleci-

onam, por padrões viciados e em geral imutáveis,sempre os mesmos enfoques, as mesmas

caraterizações. Jornalismo se torna uma máqui-na de produzir sempre o mesmo, qualquer que

seja o conteúdo diferente do dia-a-dia.

Ciro Marcondes Filho

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Corpo Relaxado

(...) É pelo meu corpo que compreendo o outro,como é pelo meu corpo que compreendo as coisas.

(...) Pode-se dizer que o corpo é a forma escondi-da do ser próprio. (...) Tudo ocorre como se a

intenção do outro habitasse meu corpo ou comose minhas intenções habitassem o seu. (...)

Maurice Merleau-Ponty

Cláudio Ramos, um senhor de cabelos grisa-lhos, não perde uma oportunidade para sorrir, e acre-dita que um dos segredos do seu trabalho é a per-cepção. Com mais de 17 anos de experiência no jor-nal Hoje em Dia, ele não troca seu serviço pelo deum repórter e acha muito importante a apuraçãocomo o princípio do processo de construção de no-tícia.

No Hoje em Dia, a sala de apuração fica na en-trada da redação, um pouco distante da editoria decidades, ou Minas como é chamada no jornal, ao ladoda sala do secretário de redação. Em suas paredesde vidro há uma persiana que inviabiliza a visão dequem está de fora. O apurador fica na cabeceira deuma mesa em forma de “L”. Em sua frente o compu-tador, na outra extremidade da mesa, no alto, duastelevisões, e ao seu lado um rádio. Os telefones e osrádios, para comunicação com os carros de reporta-gem, ficam perto do computador. Debaixo das tele-visões, fixado de forma organizada na parede, há ummanual com dicas para a apuração. No entanto, este

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é pouco usado, os apuradores são experientes e ojornal não tem estagiários, comenta Cláudio Ramos.

Com tantos anos de experiência, o apurador jádesenvolveu algumas estratégias para facilitar seutrabalho. Só pela chamada da Itatiaia, pela vinheta,ou pelo tom de voz do apresentador, ele identifica aimportância do fato. O caderno Minas depende muitodo trabalho de apuração para pautar os repórteres,por isso, apurador e redação devem sempre mantercontato. Cláudio ressalta a valorização dosapuradores pelos editores e repórteres. Acredita quea maioria das notícias se inicia em sua sala: “começacomo um pontinho preto, depois aumenta, ganhamais informações, fontes, personagens, até se tor-nar uma matéria. A apuração começa na rua do jor-nal, vai para o bairro, depois para o Estado, para opaís, e o planeta Terra. Nada deve ser deixado delado, ou considerado sem importância”.

Cláudio costuma ligar para os colegas de reda-ções de TV e rádio em busca de informações “no-vas”. Trocar informações com colegas de impressospode significar não dar um furo, ou passar informa-ções que eles ainda não apuraram. Ele dá dicas paranão perder informação: “Na conversa com os outrosprofissionais de apuração é importante nunca dizerque sabe tudo, que já enxugou o assunto. Podemhaver informações não apuradas, que eu ainda nãotenho, mas o pior em afirmar que se sabe tudo éfazer com que o colega perca o estímulo em passar ainformação. Ele pode pensar que eu sempre sei tudoe não passar mais as novidades”, afirma Cláudio.

Na apuração também é preciso ter um olharcrítico, estar com “um olho no peixe e outro no gato”,especialmente com as assessorias. Elas costumamomitir algumas informações, principalmente quan-

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do há policiais envolvidos nos crimes. A repercus-são de um fato como este é prejudicial para a ima-gem da polícia junto à sociedade. As assessorias deempresas privadas também devem ser observadas.Quando há um desastre ambiental, ou um acidentemuito grave, eles retêm a informação, esperam omáximo para não divulgar dados errados. É precisoconfiar mas desconfiar ao mesmo tempo das asses-sorias de comunicação, comenta o apurador.

Em um dia de trabalho, Cláudio recebeu a in-formação da assessoria da polícia militar de que fo-ram presas algumas pessoas em Betim. As informa-ções eram sem nexo, não havia detalhes. CláudioRamos achou estranho e resolveu investigar. Ligoupara várias pessoas e ninguém sabia de nada. Então,insistiu com os assessores da polícia militar e desco-briu que havia um policial entre os presos. “Agora ofato é diferente, há um policial envolvido nos cri-mes. Betim é uma região bastante violenta, tem cri-mes todo dia. Mas, quando há um policial é sinôni-mo de corrupção”.

A relação de Cláudio com os assessores é umcaso atípico. Nas outras redações os apuradores sem-pre mantêm a formalidade em suas rondas e nãosaem deste diálogo: “Boa tarde sargento, aqui éRodrigo do jornal X, alguma coisa agora? Obriga-do”.

Durante uma das rondas, Cláudio encostou nacadeira com se estivesse relaxando, apoiou os bra-ços no encosto, arrumou o corpo, aumentou a voz,e perguntou ao assessor como foram as férias, se ti-nha aproveitado muito, se estava preparado para adura rotina de trabalho. Depois de uma conversadescontraída, com muitos risos, como quem nãoquer nada, ele perguntou: “Você tem alguma infor-

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mação nova?”. Talvez isso seja uma boa estratégia.Para quem o assessor daria uma informação com-pleta, ou deixaria escapar algo que não podia? Parao estagiário que ligou e manteve a formalidade desempre, ou para o “amigo” Cláudio Ramos?

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Colete Salva Vidas

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.

Mas de se nada ver quanto a alma sonha!De que me servem a verdade e a fé?

Fernando Pessoa

Depois de acessar o diretório da redação, colo-car as fitas para gravar os programas indicados nomanual de apuração, Fernando faz a primeira ron-da. Ele telefona para hospitais de pronto-socorro,delegacias especializadas, Corpo de Bombeiros, ór-gãos responsáveis pelo trânsito, Polícias Militar, Ci-vil, Rodoviária, Federal e Estadual, penitenciárias ebatalhões. Ao mesmo tempo fica atento às notíciasda Globo News, dos jornais da Globo (canal aber-to), da Itatiaia e CBN.

Segundo ele, o que mais interessa na Globosão os seguintes programas: Bom Dia Brasil, MGTV1ª edição, Globo Esporte, Jornal Hoje, MGTV 2ª edi-ção, Jornal Nacional e Jornal da Globo. O Globo Es-porte é gravado somente para conferir as notícias ever se há algo de novo, alguma estatística diferente.Normalmente, não se espera novidades, pois em fun-ção do horário do programa, as matérias já sairamnos jornais televisivos da noite anterior, e nos im-pressos do dia. Os telejornais da Globo são grava-dos e armazenados em fitas de vídeo, dentro de umacaixa, que fica sobre a mesa durante o mês todo. Nofinal de cada mês, eles são descartados.

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Grava-se tudo da Globo News, mas as informa-ções não ficam arquivadas como as da Rede Globo.Ao final de cada fita, elas são reutilizadas. Ostelejornais de outras emissoras são gravados apenasem ocasiões especiais. Alguém pode ouvir ou ler queum jornal vai cobrir um assunto interessante e pedirpara que seja gravado. O objetivo é analisá-lo, e tal-vez fazer uma matéria sobre o assunto ou sugeriruma pauta diferente.

Os dois rádios gravam tudo das emissorasItatiaia e CBN. Eles não são armazenados, as fitassão reaproveitadas. No intervalo das rondas,Fernando ouve as fitas, digita e salva todas as infor-mações. Na parte da tarde, horário de seu estágio, oque interessa nos programas de rádio são os jornaisda CBN e o Chamada Geral da Itatiaia.

Quando começou o estágio no jornal O Tem-po, Fernando Costa não foi orientado sobre as notí-cias que interessam ou não ao jornal. Durante umasemana, ele foi acompanhado por um estagiário queo mostrou como funciona o programa usado pelaredação. Uma vez salvo no diretório, programa usa-do pela redação, todos os repórteres, de todas aseditorias têm acesso ao conteúdo.

Fernando prefere não selecionar o que vai sal-var. Ele faz um resumo de todos os jornais da Globo,dos jornais da CBN e Itatiaia e deixa disponível paraa redação. Isto funciona como um colete salva-vidas.Desta forma, além de evitar um furo, não deixa aredação sem alguma informação importante.

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Totens e Ícones

Um símbolo religioso transmite sua mensagemmesmo quando deixa de ser compreendido,

conscientemente, em sua totalidade, pois umsímbolo dirige-se ao ser humano integral, e não

apenas à sua inteligência.

Mircea Eliade

Os jornais impressos são os totens dos jorna-listas, presos em velhos suportes de madeira, e exi-bidos em estantes no meio da redação. Estagiários,repórteres, chefes de reportagem, editores, âncoras,gerentes de jornalismo e diretores dedicam umaparte do tempo de trabalho para reverenciar ou blas-femar os mais importantes “totens” do Estado e doBrasil.

O tempo dedicado à leitura varia na mesmaproporção do valor do contra-cheque, quanto me-nos se ganha, menos se lê jornais no ambiente detrabalho. Estagiários raramente vão ao banheiro paralavar as mãos sujas de tinta do Estado de Minas, OTempo, Hoje em Dia, Diário do Comércio, Super,Aqui, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Lan-ce, Extra, O Globo, Gazeta Mercantil e Valor Econô-mico. De um modo geral, são estes os jornais quechegam às redações de Belo Horizonte. Não há comoler atentamente todos eles, em alguns simplesmen-te passa-se os olhos, em outros se dá mais atenção.Certamente, aqueles que se dedicam pouco ao ritu-al sagrado, também gostariam de ter mais tempo para

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ler, comentar e discutir matérias “umbilicais” e dosconcorrentes.

É difícil imaginar a quantidade de jornais ve-lhos que vão sendo acumulados. Na rádio CBN, alimpeza hospitalar e o monocromático branco dosmóveis e paredes, contrastam com uma grande cai-xa de papelão, cheia de jornais. A chefe de reporta-gem tentava encontrar alguém que precisasse da ven-da daqueles papéis e fosse “de confiança” para en-trar na redação periodicamente.

A totemização dos jornais, a princípio, seriauma ânsia pela informação, no entanto, ela está es-sencialmente relacionada a questões do ego. Dar al-guma notícia em primeira mão é motivo de orgulho,um prazer efêmero, em raros casos têm “durabilida-de tântrica”. Levar um furo talvez seja uma das gran-des preocupações dos jornalistas, em especial dosapuradores, pois eles serão os primeiros a seremresponsabilizados. O furo em uma rádio, quandoacontece, é no próprio dia. Cláudio, da CBN, ficacom um rádio na mesa, ligado o tempo todo naItatiaia e quando entra o jornal ele aumenta o volu-me. Já na Rádio Inconfidência, Paulo Santana faz arádio-escuta da CBN, Itatiaia e Band News.

Não foi permitido acompanhar a apuração daRádio Itatiaia. Segundo a coordenadora de jornalis-mo, Maria Cláudia, já foram realizadas pesquisas aca-dêmicas sobre a emissora, na qual fizeram “observa-ções errôneas sobre o trabalho da equipe de jorna-lismo”, o que levou a diretoria a proibir esse tipo devisita. Ela afirmou em entrevista que “se faz muitopouco rádio-escuta, pois não há uma rotina”, porémficam com duas televisões ligadas o tempo todo, prin-cipalmente, para acompanhar “as coisas de fora doEstado”. A coordenadora negou um “ar de presun-

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ção” ao falar da rádio-escuta. Disse que o tamanho daequipe de jornalismo da Itatiaia, em relação a outrasde BH, explica a quase ausência dessa prática.

O jornalista Gay Talese, no livro O Reino e oPoder, narra um interessante episódio no New YorkTimes, sobre a preocupação e os cuidados com osconteúdos dos concorrentes:

“Há muitos anos, quando uma força-tarefa do Ti-mes se saíra muito bem em uma matéria difícil,os editores reuniram-se no dia seguinte, congra-tulando-se mutuamente; Adolph Ochs , que esta-va sentado em silêncio, disse então que lera emoutro jornal um fato que faltava na cobertura doTimes. Um editor respondeu que se tratava de de-talhe insignificante e que o Times dera vários fa-tos importantes que não tinham aparecido nosoutros jornais. Ochs replicou, dardejando: ‘Euquero tudo’. Foi esse pensamento, rigidamenteseguido, que criou uma estranha mentalidade emedo em alguns e gerou tarefas esquisitas paraoutros. Por muitos anos, houve gente na redaçãocuja missão era examinar o jornal e contar todosos resultados esportivos e todas as notas fúnebres,assegurando-se de que o Times publicara todos,ou pelo menos, mais do que outro jornal. À noite,havia editores que ficavam andando para lá epara cá, esperando que um mensageiro chegassecom a última edição dos outros jornais, temero-sos de que trouxessem matérias ou alguns fatosque não constassem do Times.”

Provavelmente, em algum lugar do New YorkTimes, também deve existir um acúmulo de jornaisvelhos. O que fazer com eles é um problema já re-solvido: reciclagem. A grande questão discutida é atéquando teremos jornais circulando diariamente. Umjornalista do Le Monde afirmou em uma entrevista,

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em abril de 2007, que em menos de 10 anos os jor-nais circularão duas ou três vezes por semana.

Os portais Terra, Uai, Globo e sitesinstitucionais disputam as atenções dos jornalistascom os impressos. As informações on line são con-sultadas a todo momento. Os velhos totens chegamquase “gelados” nas redações e depois da leituramatinal, raramente volta-se a eles. Apuradores nãodesgrudam os olhos da internet em busca de infor-mações “quentes”. Talvez seja um equívoco chamaros jornais impressos de totens.

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PARTE II

ANGÚSTIAS

Morro do que há no mundo:do que vi, do que ouvi.

Morro do que vivi.Morro comigo, apenas:

com lembranças amadas,porém desesperadas.

Morro cheia de assombropor não sentir em mim

nem princípio nem fim.Morro: e a circunferência

fica, em redor, fechada.Dentro sou tudo e nada.

Cecília Meireles

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24 Horas

Eu não tenho data pra comemorarÀs vezes os meus dias são de par em parProcurando uma agulha num palheiro

O Tempo não Pára - Cazuza / Arnaldo Brandão

“Bom final de semana, até segunda-feira!” Estadespedida é algo raro na vida de jornalistas que tra-balham em redação, na qual os apuradores estãoincluídos. Normalmente, o sábado e o domingo dedescanso ficam reduzidos a um ou dois por mês.Além disso, existem situações inesperadas ou dedestaque, como por exemplo, o atentado às TorresGêmeas ou a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, quepodem exigir a presença de toda a equipe de jorna-lismo. O esquema diferenciado de folga no fim se-mana é então cancelado.

A despedida de sexta-feira, quando acontece,pode ser uma simples ilusão. Karina Novy, apuradorada TV Alterosa, não esperava que uma fonte telefo-nasse para ela no celular, em um sábado de folga. Elaestava na casa do namorado e a situação causou umincômodo, mas não deixou de anotar as informaçõesrecebidas e telefonar para a redação. A expressão facialda apuradora, ao narrar a interrupção de seu fim desemana de descanso, era de insatisfação.

Será que um jornalista precisa estar semprealerta? A tão esperada folga foi interrompida por umaligação de trabalho. A fonte tinha interesses pesso-ais em divulgar as informações transmitidas? Prova-

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velmente, outros apuradores já passaram e passarãopela situação de Karina.

Confiança e credibilidade são fatores essenci-ais na relação com as fontes, o que pode significartrabalhar “24 horas”. Sentimentos conflitantes daprofissão tornam difícil definir o “ser jornalista”. Aten-der uma fonte fora do horário de trabalho é, ao mes-mo tempo, motivo de orgulho e um incômodo. Jor-nalistas recebem ligações de fontes, mas tambémtelefonam nas férias para a redação.

O caminho de casa para o trabalho pode “ren-der matéria”, o que certamente está relacionado àsatisfação e a mão aberta batendo no peito: “Eu soujornalista”. Um produtor da TV Alterosa, no trajetopara a emissora, presenciou um acidente no qual umcarro de passeio bateu em uma árvore na AvenidaSilviano Brandão. Assim que chegou na TV, ele pro-curou a apuração: “Karina, um carro bateu na Aveni-da Silviano Brandão, na altura do número 1862”. Elememorizou o número onde ocorreu a batida. Pare-ce que mesmo fora da redação, os profissionais nãose desligam.

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Dor do Mundo

“Mesmo sem motivo, sinto sempre uma ansiedadeque me faz ver e procurar perigo onde não existe.

Isso aumenta infinitamente qualquer aflição e fazcom que a ligação com os outros seja muito

difícil”.

Schopenhauer

“O apurador fica no meio do caminho. Ele não éaquele que vê, que está ali exposto. Mas é umapessoa que acaba se tornando um pouco mais in-sensível, não no sentido pejorativo. Não gosto dedizer que a gente fica mais insensível ou mais friopor lidar com estes fatos. Acho que em algum lu-gar da gente nós colocamos isto. Acho que a gentenão absorve com tranqüilidade... Fica armazena-do, já percebi. Houve um caso de violência comuma irmã minha, de seqüestro. No dia que eu a vipassando por aquilo, a sensação que tive foi quechorei a dor de todo o mundo. São coisas que vãoficando acumuladas, e você começa a percebercomo o outro lado sente, na hora que acontecemuito perto de você. Toda vez que se apura vocêfica pensando em como o outro lado está se sen-tindo. Para a vítima é uma história dela, e paranós é mais uma história. Não tem jeito, uma horavocê tem que refletir sobre isto.”

Maria Cláudia Santos, coordenadora de jorna-lismo da Rádio Itatiaia, sentiu a dor do mundo ou a“dor de todo o mundo”, quando sua irmã foi se-qüestrada. Ela falou sobre isto em uma entrevista no

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dia 28 de março de 2007, com uma rapidez e desen-voltura típica dos repórteres de rádio. Certamentejá havia pensado sobre as rotinas, o dia-a-dia e o con-tato com os ouvintes. Segundo a coordenadora, elessão fiéis, e fornecem espontaneamente mais infor-mações do que os numerosos releases recebidostodos os dias na redação.

A dor muitas vezes não chega pelo telefone oue-mail, vai até a porta da Rádio Itatiaia. Sobe ladeirasdo bairro Lagoinha em dias de sol, sem ter a certezado endereço. Foi o que aconteceu enquanto esperá-vamos Maria Cláudia para gravarmos a entrevista.

Uma senhora de aproximadamente 65 anos,perguntou ao recepcionista se ali era a Rádio Itatiaia.Ele afirmou que sim e ofereceu ajuda. Um poucodistante do balcão, junto à porta, começou a falarsobre a neta que estava presa. Interessado no quedizia, pediu para que se aproximasse. Desde a trans-ferência para a penitenciária de Três Corações, asduas perderam contato. A avó tinha certeza que coma “sabedoria” de um jornalista da Rádio Itatiaia con-seguiria achar uma forma de falar com a neta. Na-quele momento, o jornalista estava gravando umprograma e não poderia atendê-la. Ela sentou nasescadas, abriu a bolsa, com um lenço enxugou o suordo rosto e tomou um gole demorado de umagarrafinha d’água. O recepcionista avisou que MariaCláudia já estava aguardando.

Seis meses antes, quando ainda preparávamoso projeto deste livro, conversamos com MarianaGarcia sobre a dor dos apuradores. Quando estu-dante de jornalismo, estagiou durante dez meses nojornal O Tempo, em 2005/2006. Ela nos relatou situ-ações que exemplificam os critérios organizacionaisna seleção de notícias, e como o contato diário com

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informações fornecidas para a editoria de cidadesmodificou seus critérios individuais.

No período de estágio, parece ter vivenciadoos antagonismos das pulsões de vida e morte. Antesde ingressar no Jornal O Tempo, ela acreditava gos-tar da editoria de polícia, porém declarou ter muda-do de opinião depois do convívio com a apuraçãodiária de crimes, acidentes, rebeliões e mortes. Aose defrontar intensamente com as repressões impos-tas pela sociedade, ela percebeu que não se identifi-cava com esse tipo de editoria. Mariana acaba comuma ilusão. Um fato marcante desta transformaçãoocorreu durante a apuração de mais um acidente.Ela soube, por um telejornal, da morte de um primoem uma estrada de Minas Gerais.

Segundo Mariana, só era notícia para a editoriade cidades o que chamasse a atenção, e pudesse cau-sar impacto nos leitores. Se fossem presas, pessoascom drogas, isto apenas seria notícia caso os envol-vidos fossem conhecidos. Se fosse um desconheci-do, deveria portar uma grande quantidade de dro-ga. Um acidente seria notícia se houvesse vítimas fa-tais, ou um grande número de envolvidos.

Quando a jornalista estagiava, a mãe de umrepórter do jornal O Tempo morreu atropelada, como corpo partido ao meio por um caminhão. O jornalnão deu nem uma nota sobre o fato. Todos os ou-tros impressos de Belo Horizonte cobriram o aciden-te. E se fosse com a mãe de um profissional dessesjornais? Ela concluiu a entrevista de uma forma con-tundente: “Parece que os jornalistas não têm cora-ção, ou se têm sabem dividir muito bem a emoçãodo trabalho”.

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Se Vira nos 30

[...] jornalistas de todas as crenças e qualidadesregistram de seu modo peculiar as notícias do

mundo como eles as vêem, ouvem, e crêem com-preender. Depois, boa parte delas é distribuída

por todos os Estados Unidos, milhões de palavraspor minuto, e milhares dela chegam a umagrande fábrica de fatos de catorze andares

localizada na rua 43, perto da Broadway, oprédio do The New York Times [...]

Gay Talese

O trabalho de apuração é como uma garim-pagem, os profissionais selecionam, avaliam o queé bom, ou não. Gláucio Castro é repórter do ca-derno de esportes do jornal Hoje em Dia e já tra-balhou durante sete anos na apuração. Nela, aspessoas aprendem muito, ganham maldade paratratar com determinados assuntos, principalmen-te para obter informações, desenvolvem formaspara lidar com as fontes, além de desenvolver apercepção.

Apesar de achar muito importante o traba-lho, o maior desejo de Gláucio era trabalhar comorepórter, ou seja, sair da sala de apuração e ir paraa redação. O que mais o incomodava era o riscode passar por incompetente por incompetênciados outros. “O apurador depende de terceiros edas assessorias para conseguir informações. Se elasnão têm informação pouco adianta a redação co-

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brar. Os repórteres esbravejam, sobem no salto,mas virar notícia não tem jeito”.

Suponhamos que um repórter de rádio, duran-te uma viagem, presencia um acidente envolvendoo Governador. Ele liga para a redação e transmitetudo. Se ele informar a localização fica fácil para osrepórteres se deslocarem, mas caso contrário oapurador depende da assessoria, sabe apenas o quetodos ouviram pelo rádio. São situações como estasque o apurador deve se “virar nos 30”, buscar infor-mações até em locais improváveis.

Gláucio afirma que os apuradores são lembra-dos como pessoas que têm um trabalho bastante di-fícil, ou até chato. Há uma página em um site derelacionamento cujo nome é “Apurador também égente”. Nesta comunidade participam pessoas quejá trabalharam na apuração, que trabalham, ou queconhecem bastante a rotina dos apuradores.

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Tudo Resolvido

Se ao que busco saber nenhum de vós respondePor que me repetis: “vem por aqui!”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,A ir por aí...

José Régio

“Jornalista não é obrigado a passar informaçãopara outro jornalista”, assim começou uma conver-sa entre os apuradores da TV Alterosa. Karina apura-va o caso de uma quadrilha de roubo de cargas en-tre São Paulo e Minas Gerais, que foi presa em BeloHorizonte. Pouco depois de ver a notícia na emisso-ra concorrente, ela tentou obter informação sobre ofato, porém sem sucesso. A Polícia Civil, há algunsdias investigava os possíveis envolvidos. A Alterosa eo Diário da Tarde fazem parte do grupo Associados,e trocam informações com frequência. No entanto,nenhum dos dois tinham detalhes sobre o assunto.

O furo era real e visível. Karina ligou para aassessoria da Polícia Civil de Minas, mas eles aindanão tinham informações. Preocupada com o fato, aapuradora pensou alto: “Como assim eles não sa-bem! A concorrente já está noticiando”.

O olhar ansioso tomava conta do seu rosto, poisas tentativas foram em vão. Preocupado com a situa-ção, o editor-chefe passou o telefone de um contato

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da Polícia Civil de São Paulo. Rapidamente ela ligou,mas não obteve sucesso. A fonte afirmou não ter in-formações.

Karina estava ligada nas rádios CBN e Itatiaia eouviu que um repórter estava próximo ao galpãoonde a polícia preparava-se para invadir e apreen-der a carga roubada. O editor sugeriu à apuradoraligar para o jornalista que estava no local, e solicitarnovidades sobre o caso.

A apuradora conseguiu o telefone do repór-ter que cobria a ação da polícia, porém estava apre-ensiva por não conhecê-lo. O repórter disse apenasque a polícia já tinha prendido dois acusados, e nãohavia mais ninguém próximo ao galpão. Minutosdepois, ouviu da emissora, na qual o repórter traba-lha, que a polícia permanecia no local.

Apesar da falta de êxito na busca por detalhes,Karina acredita que “jornalista não precisa passarinformação para ninguém, a não ser que eles sejamcolegas. Principalmente quando a notícia pode ren-der um furo”.

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Disque-Reportagem

[...] a verdade também pode ser uma mentira. Averdade não é o suficiente. A verdade é apenas o

cerne de uma totalidade inesgotável.

Henry Miller

Os jovens predominam na redação do Diárioda Tarde, alguns trajam seus All-Stars de início decarreira, outros ainda se deliciam com Chatô, O Reido Brasil. No Estado de Minas a faixa etária e o cli-ma são diferentes, alguns pop stars desfilam esban-jando seu prestígio. Apesar de serem poucos, quemse destaca são os homens de suspensório. Eles nãosão de muitas palavras, transitam com passos firmes,com um “ar de dever cumprido” e sempre estão con-centrados em seus afazeres. O acesso também é maisdifícil, falar com um editor-chefe é quase impossí-vel, sempre estão em reunião, discutindo os interes-ses do jornal.

No primeiro dia de visita ao Diário da Tarde,enquanto aguardava uma reunião com o estagiáriode apuraçao, Tiago Nogueira, ouvimos no vão daporta as orientações para a apuração. “Estamosfocando muito os casos de polícia, precisamos nospreocupar mais com a cidade, com o que aconteceem Belo Horizonte”.

A sala de apuração fica ao lado da redação, emfrente a editoria de polícia. [As cadeiras destes re-pórteres são inconfundíveis, foram marcadas porcorretivo, em seus encostos, com a palavra polícia].

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Nela há uma televisão e um rádio, que ficam sintoni-zados na Rede Globo e na Itatiaia, respectivamente.Os programas não ficam armazenados, são descarta-dos à medida que outro é gravado. Chegam muitosreleases por e-mail, o que acumula mais trabalho.Os sites da Polícia Militar e da Rede Globo sempreficam abertos. Dentro da sala, ao lado do computa-dor, há um armário onde fica uma edição do DT paracada editoria. Às vezes é uma confusão. Os repórte-res pegam o jornal e não assinam a lista, quem aindanão leu “sobra”, observa o apurador.

Tiago não usa o diretório de redação para sal-var as apurações, ele digita no Outlook, envia para oeditor de cidade e para a Alterosa no final de seuexpediente. No Diário da Tarde, o pauteiro Paulinhoacompanha de perto o trabalho de apuração. Sem-pre que há uma informação diferente, o apuradorpede orientação sobre a cobertura do fato. Quandoa decisão é positiva eles ligam, ou usam umcomunicador que fica dentro do carro de reporta-gem para contactar os repórteres. Segundo Tiago,desta forma ele “lava as mãos”. O jornal já tem a in-formação, a decisão de cobrir cabe a eles. A apura-ção feita pelo estagiário é usada pelo EM e pelo DT.Alguns repórteres fazem matérias para os dois jor-nais. Às vezes, algumas notas são aproveitadas notablóide Aqui, os três fazem parte do grupo Associa-dos. Segundo o apurador, o DT cobre mais os as-suntos policiais, por isso o Estado de Minas não temapuração. Mas, quando surge algum fato “filé”, quemcobre é um repórter do EM.

A Alterosa e o DT trocam informações e espe-lhos diariamente. O objetivo é conferir se algum fatopassou despercebido. Há situações no jornal que nãoé possível enviar um repórter-fotográfico até o local,

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talvez por falta de tempo. Neste caso, eles ligam paraa emissora de televisão e pedem um frame, ou seja,uma imagem congelada da televisão que é usadacomo fotografia. O crédito é dado à emissora. Oapurador acredita que esta relação com os Associa-dos facilita bastante seu trabalho. Torna-se mais difí-cil tomar um furo, há o auxílio de outro meio decomunicação para apurar os acontecimentos.

Para trabalhar na apuração é preciso ficar de“olho aberto”, as pessoas costumam ligar contandofatos muito estranhos. Elas acham que o jornal é umdisque-reportagem e querem que assuntos de inte-resse pessoais sejam cobertos, mas o jornal não fazisto, aqui nosso objetivo é atender à população deforma geral, não um membro dela, afirma o apurador.

Tiago diz que trabalhar na apuração “não é amelhor coisa do mundo, a responsabilidade é gran-de e quando tomamos um furo a bomba estouraaqui”. Ele prefere ir para a rua, trabalhar como re-pórter, mas se surgir uma oportunidade em apura-ção ele aceita.

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PARTE III

FUROS

O furo dá um gozo particular, um enorme prazerde conquistador. O furo é uma conquista que está

associada ao brilho profissional, razão justificadade vaidade pessoal, e que fornece um prestígio que

pode fazer progredir a carreira profissional.

Nelson Traquina

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Operação Caça Fontes

Talento é quando um atirador atinge um alvo queos outros não conseguem. Gênio é quando um

atirador atinge um alvo que os outros não vêem.

Schopenhauer

Em fevereiro de 2006, um grupo de sete ho-mens assaltou algumas agências bancárias emBonfinópolis de Minas, norte do Estado, e fizeramtrês reféns. Mais de duzentos policiais estiveram naregião tentando capturar o grupo e libertar os re-féns. Havia helicópteros e policiais especializados. Apopulação estava com medo de sair às ruas e estra-das. Emissoras de TV e jornais impressos enviaramrepórteres para o local .

Na redação da CBN, no dia 14 de fevereiro, ocerco policial no norte de Minas Gerais era uma es-pécie de trilha sonora de novela. Qualquer redação,seja de rádio, impresso ou televisão, tem sempre umfactual relacionado a acidente, morte, assassinato,ação policial ou fenômenos da natureza como umaespécie de música ambiente. Esta lista parece tãoincorporada ao dia-a-dia das redações que é quaseimpossível imaginá-las sem ela. Durante mais de ummês, o cerco policial foi notícia em vários veículosda mídia.

As redações costumam ter mapas emolduradosna parede. No alto da avenida Raja Gabáglia, a CBNnão poderia deixar de ter um de Belo Horizonte eoutro do Estado. As consultas são freqüentes, acom-

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panhadas da busca de informações básicas para oenvio de repórteres: condições das estradas, tempode viagem, hospedagem e infra-estrutura para comu-nicação. A primeira preocupação é com o funciona-mento do celular. Nos primeiros dias em que o nor-te de Minas foi destaque, ele ficou marcado no mapapor impressões digitais.

Luiz Henrique, Paula Rangel, Cláudio e Larissatrocaram idéias e informações, constantemente, so-bre o cerco. Luiz Henrique queria ouvir outras fontesalém da polícia, pois ela não tinha mais informações.

Rapidamente, Larissa e Cláudio se empenharamem estabelecer contatos, por telefone, com morado-res de Bonfinópolis, Riachinho e São Romão. Umaverdadeira “Operação Caça Fontes”. Ajudado por PaulaRangel, Cláudio conseguiu os números do presiden-te da câmara, do pastor, do padre, do sindicato rurale da secretaria de educação. O objetivo era sabercomo estava o “clima” na cidade. Antes de deflagradaa operação, Larissa conseguiu conversar por celularcom Luiz Ribeiro, repórter do Estado de Minas, queestava no local. Não havia nenhuma novidade, porémjornalistas costumam ser solidários com os colegasde profissão para compartilhar informações.

Larissa de repente anuncia com tranqüilidade:“Estou na linha com o sobrinho de um refém. Eleestá disposto a gravar uma entrevista”.

Cláudio corre para o estúdio, sob orientaçãode Paula Rangel. Durante a conversa, o sobrinho disseque o Exército deveria intervir. Isto virou mancheteda matéria de Cláudio, que entrou no jornal damanhã. Larissa contou como conseguiu o telefonedele. Consultou pela internet uma lista telefônicacom a cidade e o sobrenome de um dos reféns. De-pois de algumas ligações “encontrou” o sobrinho. A

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iniciativa foi da estagiária e ela deu uma explicaçãosimples: “Nessas cidades pequenas as pessoas seconhecem e quase todas são parentes”.

Cláudio e Larissa foram parabenizados pelo tra-balho. O desejo do sobrinho de um refém foi destaqueno jornal da manhã. A instantânea “Operação CaçaFontes” terminou. A agenda de telefones da redaçãoganhou mais números. Os telefones das fontes alter-nativas foram incluídos nos computadores da redação.

Vamos pedir socorro a Pierre Bourdieu paratentar entender o cotidiano da apuração, e das di-versas “operações” promovidas nas redações. A po-lêmica obra de Bourdieu, Sobre a Televisão, apre-senta o jornalismo em estado de “Apocalipse Now”.Suas análises sobre as práticas jornalísticas são qua-se de caráter médico-legista. Hora de abrir o envelo-pe do Laboratório de Patologia do Dr. Bourdieu:

“Os jornalistas, grosso modo, interessam-se peloexcepcional, pelo que é excepcional para eles. Oque pode ser banal para outros poderá ser extra-ordinário para eles ou ao contrário. Eles se inte-ressam pelo extraordinário, pelo que rompe como ordinário, pelo que não é cotidiano — os jor-nais cotidianos devem oferecer cotidianamente oextra-cotidiano, não é fácil... Daí o lugar que ofe-recem ao extraordinário ordinário, isto é, previs-to pelas expectativas ordinárias, incêndios, inun-dações, assassinatos, variedades. Mas o extraor-dinário é também e sobretudo o que é não ordi-nário com relação aos outros jornais. É o que édiferente do ordinário e o que é diferente do queos outros jornais dizem do ordinário, ou dizemordinariamente. É uma limitação terrível: a queimpõe a perseguição do furo. Para ser o primeiroa ver e a fazer alguma coisa, está-se disposto aquase tudo, e como se copia mutuamente visando

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a deixar os outros para trás, a fazer antes dosoutros, ou a fazer diferente dos outros acaba-sepor fazerem todos a mesma coisa, e a busca daexclusividade, que, em outros campos, produz aoriginalidade, a singularidade, resulta aqui nauniformização e na banalização.”

Melhor entender o pensamento de Bourdieunão como um atestado de óbito, mas um exame desangue solicitado pelo geriatra ao paciente que nãofuma, caminha três vezes por semana e descuidaum pouco da alimentação. O exame não está bom,mas ainda há muita vida pela frente.

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Antenado

[...] Nós não “vemos” simplesmente as coisas, jáque também as construimos interpretativamente

com o olhar: o que chamamos de objetividaderesulta das projeções subjetivas com que vestimos

as coisas do mundo – e isto implica afirmar ocaráter primitivamente alucinatório de toda e

qualquer percepção.

Muniz Sodré

Trancado em uma sala pouco organizada, comjornais espalhados pelo chão, muitas orientaçõespregadas nas paredes, caixa de fax desorganizada,livros espalhados, cadernos de cidade sobre a mesa,avisos de folga, escala de trabalho pregados na pare-de, o estagiário Fernando Costa fica atento para nãolevar um furo. Este acontece quando um jornal dáuma informação e o outro não. O que tem a infor-mação dá o furo, e o que não, leva o furo.

Quando o jornal toma um furo os editores fi-cam “loucos”, e a “ferrada” vem para a apuração. Pormais insignificante que pareça, o apurador deve es-tar ciente dos fatos e passar a informação para a re-dação, se não cobrirem e tomarem um furo o pro-blema é deles, todos sabiam do que estava aconte-cendo, comenta Cláudio Ramos.

O fundamental para trabalhar na apuração éatenção. O ouvido sempre deve “ficar ligado” aosfatos novos para não levar um furo. Uma informaçãoimportante não pode ser noticiada pelo concorren-

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te e passar despercebida.Há outra situação em que o furo tem um as-

pecto diferente do analisado acima. No interior deMinas Gerais, na cidade de Boa Esperança, as crian-ças vão para a escola, na carroceria de um trator. Ainformação foi noticiada primeiro pela televisão. Noentanto, no outro dia, todos os jornais impressosbuscavam informações relativas ao fato. Neste caso,a matéria funciona como uma “suíte”, uma continu-ação do que foi noticiado no dia anterior, o que dáum aspecto diferente ao furo. Os acontecimentos queenvolvem crianças têm uma repercussão maior namídia brasileira, assim, as pessoas poderiam procu-rar por jornais que tivessem na capa uma chamadapara a matéria. Nesta situação, o furo seria um fatorque influenciaria a venda de jornal, pois as pessoaspoderiam buscar por aquela informação.

No caso do rádio e da televisão, o furo podeganhar outra forma. Ninguém assiste a vários canaisde televisão, ou ouve várias freqüências de rádio aomesmo tempo. Mais uma vez o furo não teria tantovalor. A busca por ele, ou o interesse em noticiarprimeiro pode tornar o jornalismo menos objetivo eparcial. A pressa em apurar é um fator que deixa asmatérias pobres, sem informação, com relatos ape-nas de um lado da moeda. Os jornalistas se dispõema quase tudo para sair na frente dos concorrentes.

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PARTE IV

RAPIDINHAS

Tudo é ilusão. As circunstâncias felizes, as situa-ções desagradáveis e as emoções são ilusórias.

Analisar a natureza real dos fenômenos noslibera das aparências.

Dalai Lama

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Apenas?

Dicionário, não és tumba, sepulcro, féretro,túmulo, mausoléu, mas preservação, fogo escon-dido, plantação de rubis, perpetuidade viva da

essência, celeiro do idioma.

Pablo Neruda

Definir notícia é uma tarefa difícil para os pro-fissionais de comunicação. Cláudio Ramos acha quealém de subjetivo, é perigoso. O que é notícia paraalguns pode não ser para outros. Na apuração, adefinição e a concepção de notícia é ainda mais pe-rigosa.

Atropelamento tem todos os dias em uma ci-dade do tamanho de Belo Horizonte, porém, há si-tuações em que o atropelamento de apenas umapessoa vale notícia. A informação passada pela as-sessoria da Polícia Militar é que uma menina foi atro-pelada na Avenida Amazonas, no Bairro Gameleira.Aparentemente é um acidente comum, todos os diastem. Onde está o inusitado? A menina saía da escolaquando foi atropelada. Foi imprudência da menina,a sinalização estava com problemas, ou o motoristadirigia em velocidade acima da permitida em umaárea escolar? São detalhes que devem ser bem anali-sados. A informação foi checada e o motorista haviaavançado o sinal amarelo em frente a uma escola,causando o acidente.

O cuidado em ser entendido por um maiornúmero possível de pessoas é uma constante. A aten-ção é redobrada com os termos jurídicos e o

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“policialês”. As palavras podem ser muito perigosase condenar quem é indiciado ou deixar ouvintes ir-ritados, com um simples “apenas”. Cláudio, repór-ter trainee, fez uma nota sobre a situação no aero-porto de Confins e escreveu que havia “apenas” umvôo atrasado. “Este vôo poderia ser o seu, e não se-ria apenas”, disse Paula. O repórter concordou coma observação e suprimiu o apenas dos informes so-bre aeroportos.

A palavra “apenas” no bairro Cabana ganhadestaque. Um casal que andava de moto na regiãofoi baleado. O rapaz que pilotava a moto levou 18tiros e sobreviveu. A jovem, que estava na garupa,foi atingida por apenas uma bala na perna e morreu.Talvez se o rapaz tivesse morrido não seria notícia,pois o fato ocorreu no bairro Cabana.

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Ouvir Imagens

Para o nosso olho é mais cômodo, numa dadaocasião, reproduzir uma imagem com frequência

já produzida, do que fixar o que há de novo ediferente numa impressão [...].

Friedrich Nietzsche

Na mente de um apurador de televisão deveexistir uma câmera e um relógio. Uma situação apu-rada agora corre o risco de não ter mais nenhumaimagem daqui a 15 minutos, na melhor das hipóte-ses, pode-se mostrar simplesmente o local do ocor-rido. A impressão é que Karina visualiza as imagensdos fatos, imagina como eles poderão ser filmados,e ao mesmo tempo um “tic-tac” bate alertando paraos minutos que passam.

Na sala de apuração da TV Alterosa há dois te-levisores ligados, um na própria emissora, e outrona Rede Globo. Quando Karina chega, às 6h15 damanhã, ela grava e acompanha o Bom Dia Minas.Faz um “espelho comparado”, ou seja, verifica se saiualguma informação na Globo, que consta na pauta,ou ainda não foi apurada. Para Karina, “essa é a horamais corrida do trabalho”.

O clima de tensão é constante em uma apura-ção de TV. Todo dia é uma correria contra o tempopara conseguir imagens. Nas rádios, “as imagens”dependem da capacidade descritiva do repórter edos sons ambientes. Em impressos, as fotos não sãouma obrigatoriedade e existe o recurso de gráficos e

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desenhos. As “notas secas”, informações sem ima-gem, lidas pelo apresentador ou âncora dostelejornais, não são muito bem-vindas. Karina estásempre atenta se existem imagens para as informa-ções que recebe e apura. A televisão é sustentada,essencialmente, por imagens, o que torna o veículomais atraente, porém muitas vezes dificulta o traba-lho dos profissionais desta mídia.

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Repolho é Bom para Pele

Os desiludidos do amorEstão desfechando tiros no peito.Do meu quarto ouço a fuzilaria.

As amadas torcem-se de gozo.Oh quantas matérias para os jornais.

Carlos Drummond de Andrade

Os jornais O Tempo e o Super Notícias ficamno mesmo prédio e andar, são separados apenas poruma parede. Eles têm redação e apuração diferen-tes. Os estagiários dos jornais também são diferen-tes e não acompanham os mesmos programas.

Segundo Fernando, as notícias que interessamaos dois jornais variam. Por ser mais barato, ou po-pular, o Super Notícias veicula notícias que julga maisacessíveis à população menos instruída. Por se inte-ressarem pouco por assuntos de política ou econo-mia, ele não tem cadernos destas editorias. Os as-suntos relacionados à violência são mais freqüentes,principalmente os mais bizarros, os que chamam aatenção, os acontecimentos “chocantes”.

O Tempo compete com um jornal de linha edi-torial diferente, para outro tipo de leitor, que buscainformações melhor apuradas e que se preocupamcom os acontecimentos que envolvem o país.Fernando acredita que quanto mais “enxuta” a reda-ção de um jornal, pior as condições dos profissio-nais desenvolverem um bom trabalho. O dead-lineé menor quando os repórteres têm que produzir

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muitas matérias, o tempo é mais curto, comenta oapurador.

Os estagiários do Super Notícias e do jornal OTempo mantêm contato, apenas profissional. Trocaminformações, às vezes conversam sobre os trabalhosda faculdade. A estagiária do Super Notícias não ficarestrita à apuração e também ajuda na redação. Elaacompanha o programa Chamada Geral da Itatiaia,e o Jornal da Alterosa. Depois dos informativos, ligapara Fernando e passa as notícias mais importantes.

Por telefone, os dois trocam informações e aapuradora brinca: “Tem uma notícia que saiu no Jor-nal da Alterosa e que deve ser interessante para vocês:repolho é bom para a pele”. Com um sorriso irônicodo outro lado da linha, Fernando afirma que nemvale a pena apurar, não vale notícia para O Tempo,talvez para o Super Notícias.

A seleção das notícias passa por critérios indi-viduais e outros da empresa. O apurador tem umrepertório, ou seja, um conhecimento acumuladodurante a sua vida que influencia na captação do queé notícia. Um fato pode ser interessante para um,mas não para outro. Além deste critério subjetivo,há também a linha editorial do jornal. Todo veículode informação tem um público-alvo, por isso, escre-ve o que pressupõe ser do interesse deles. O inte-resse em agradar o leitor restringe o que é noticiadoou não.

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Suicídio Não

A maior expressão da angústiaPode ser a depressão

Algo que você pressenteIndefinível

Mas não tente se matarPelo menos essa noite não

Essa noite não - Lobão/ Bernardo Vilhena/ IvoMeirelles/ Daniele

Não existem portas fechadas na Rádio CBN,exceto no acesso aos estúdios, onde é necessáriodigitar uma senha ou passar o crachá. Nada deamontoados de papéis e pastas ou imensos quadroscom todo tipo de aviso, mensagem ou convite. Oscomputadores estão estalando de novos, na portade um armário foram afixados a escala de folga doCarnaval e o esquema de vagas na garagem do pré-dio. Tudo é muito claro e iluminado, sobra luz na-tural e artificial. Vidros do teto ao chão oferecemem primeiro plano uma visão do bairro São Bentoe montanhas ao fundo.

Luiz Henrique fica na sua sala com a portaaberta e sempre levanta para ir aos estúdios con-versar mais de perto com Paula Rangel, ou verificara localização de uma cidade no mapa. A distânciaentre as mesas é mínima e não há qualquer tipo debarreira para a troca de idéias e informações entrea apuração, a chefia de reportagem e a gerência dejornalismo. O intercâmbio de informações que che-

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gam à redação, seja pela apuração, releases, sitesou repórteres, agiliza o trabalho e evita perda detempo.

A estagiária Larissa falava de uma situação queestava apurando, dava detalhes de uma morte sus-peita. Paula falou que estava parecendo suicídio eque não deveria fazer nem mesmo uma nota do caso.

Larissa: Não damos notícia de suicídio?Luiz Henrique: Já ficou provado que noticiar

suicídio é um estímulo para quem está pensando oujá pensou em cometer.

Paula: Suicídio não damos de jeito nenhum.

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PARTE V

VELHA GUARDA

Estamos aí, como vocês estão vendoEstamos velhos, mas ainda não morremos.

Enquanto há vida há esperançaDiz o velho ditado, quem espera sempre alcança

Nosso teor não é humilhar a ninguémNós só queremos mostra o que a Velha Guarda

tem

Hino da Velha Guarda da PortelaFrancisco Santana

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Délio Rocha – Trabalhou nos jornais Diáriode Minas, Jornal dos Sports, Estado de Minas, Diáriodo Comércio, Jornal de Casa e Folha de São Paulo.Foi assessor de imprensa no Ministério da Agricultu-ra, Prefeitura de Belo Horizonte, Governo de MinasGerais, Palácio das Artes, secretarias de Estado daAgricultura e Educação. Participou de campanhaseleitorais de Tancredo Neves para o Senado e para oGoverno de Minas.

Symphronio da Veiga – Trabalhou em dife-rentes jornais impressos em Minas Gerais, de repór-ter a editor. Em rádio, atuou na Itatiaia, Guarani eCultura. Foi editor da TV Itacolomi, em Belo Hori-zonte, de 1970 a 1972, e na TV Uberaba, nos anos de1972 e 1973. Nos Governos de Francelino Pereira,Tancredo Neves, Hélio Garcia e Newton Cardoso ena Associação dos Magistrados Mineiros foi assessorde imprensa.

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Délio Rocha: Fiz Direito. Na minha época nãose exigia o diploma, o jornalismo era visto como umaforma de ascensão social. Muitos vinham de classemais humilde e normalmente eram pessoas que gos-tavam muito de ler, escrever e que tinham curiosida-de. Não existia jornalista que não havia lido Macha-do de Assis, dentre outros clássicos. Sendo assim,você tinha uma cultura geral extraordinária, acimada média da sociedade.

Symphronio da Veiga: Sou formado pelaUFMG em Direito e cheguei a exercer a profissãodurante um ano. Em 1958/1959, não existia o Cursode Comunicação Social, eles selecionavam os candi-datos que estavam no curso superior, de preferênciaos que cursavam Direito, Economia ou Sociologia.

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ASSIM ERAM AS REDAÇÕES...

DR: Hoje é muito comum encontrar erros emtelejornais e impressos devido à falta de uma figuraque era o copy desk. O repórter produzia a matéria,encaminhava ao copy desk , que a corrigia. Mas quan-do não dava para corrigir por ter muitos erros, elereescrevia a matéria e a encaminhava ao editor semum erro sequer. Hoje a matéria sai do repórter e vaidireto para a página. Além disso também tinha umsecretário de oficina, que era um jornalista encarre-gado de acompanhar a montagem da página.

SV: A estrutura era assim antigamente: chefede reportagem, chefe de redação, secretário e copydesks, que faziam as correções dos textos dos jorna-listas. Junto vinha também uma prova tipográfica quepassava pela revisão. Então eram duas revisões, umado copy desk na redação e outra no setor de revisãoque examinava a prova tipográfica.

RELAÇÃO COM AS FONTES

DR: A questão da fonte para mim sempre foiapenas um indicativo. Compete ao jornalista, a par-tir daquela indicação da fonte, apurar os detalhes ea verossimilhança daquilo. Hoje é tudo abre aspas,fecha aspas.

SV: Quando eu cobria o sindicalismo no Diá-rio de Minas e não encontrava tal fonte importantepara conceder a entrevista, inventava a declaraçãodela, pois a conhecia muito, sem comprometê-la,claro. Depois ele virava e falava “Oh Symphronio, saiuuma declaração minha que eu não dei, mas é aquilomesmo que eu penso”. A confiabilidade era tremen-da entre a fonte e o jornalista.

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TÁ AMARRADO!

DR: Todo veículo tem que ter um pauteiro, masos veículos de comunicação não podem se prendertotalmente a pauta, porque a pauta é fria. Tenho umexemplo clássico disso: um repórter do Diário deMinas, na década de 60, foi incumbido de cobrir umapré-estréia de uma opereta no Teatro Metrópole. Eraum fato extraordinário. Quando voltou à redação,chegou sem a matéria. O redator perguntou: “Vocênão fez a matéria da estréia?” Ele disse: “Não teveestréia, o teatro pegou fogo.” Ele estava tão preso àpauta, que não noticiou que um patrimônio históri-co da cidade havia pegado fogo. Hoje, o repórter saicom a pauta no bolso e na redação eles vão cobrardele a própria pauta.

SV: Na minha época a pauta também não existiae tinha o nome de roteiro. Isso foi antes das escolas deComunicação Social entrarem em vigor. Em 1964, osroteiros mudaram de nome, nascendo assim, a pauta.

GARIMPAGEM

DR: O critério de seleção das notícias em teseé o mesmo. É a notícia que vai atingir o maior núme-ro de pessoas. O que diferencia atualmente é oapadrinhamento de notícias que é grande, pois temsempre alguém interessado em sua publicação. An-tigamente não se mexia muito com ladrão de gali-nha, pelo menos na nossa editoria de polícia. Nãovalorizávamos o crime do pé de chinelo, porque agente sabe, todo mundo sabe que os grandes crimessão feitos por parte da elite. Quando era então al-guém da elite, aí sim, deitávamos e rolávamos, ía-mos à “forra”, como dizia. O criminoso pequeno a

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gente dava o destaque que o crime comportava ou oque tinha disponível na página, uma espécie de co-brir o buraco da página.

APURADOR

SV: Antes não existia apurador especificamen-te como se vê hoje. A apuração era feita por uminiciante, que era identificado como repórter auxili-ar. Ganhava um salário mais baixo e só depois erapromovido. Era orientado por um jornalista maisexperiente da redação, o que não acontece atualmen-te nas redações. Cabia ao iniciante telefonar para asdelegacias, entidades, pedir informações e ao mes-mo tempo conceder o telefone da redação para quetais entidades o informassem. Assim era feita a trocade informações entre os jornalistas e as assessorias.

NO MEU TEMPO ERA DIFÍCIL

DR: Era mais difícil mesmo. Você não tinha car-ro, telefone. Até a década de 80, o repórter era proi-bido de usar o telefone. Ele tinha que ir ao local ecobrir o acontecimento. O jornalista é o olho da so-ciedade, então ele tem que estar vendo e presenci-ando a entrevista. Tive que ir várias vezes a cidadesdo interior apurar as notícias. Hoje, o jornalista temmais tempo de apurar os fatos. Eu fazia tudo a pé,porque a empresa não tinha carro para o jornalista.E olha que os jornais de antigamente tinham maispáginas do que os de hoje. Atualmente, a pessoa ficaacomodada e nem busca ir além. O próprio entre-vistado pede as perguntas por e-mail. Isso não é jor-nalismo! No jornalismo você tem que ver a pessoafalando para saber se ela está mentindo. Pela apura-ção da voz você enxerga a verdade...

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FUROS

DR: Os furos não acontecem hoje com tantafreqüência. Ele era exatamente a dificuldade em vocêdescobrir a notícia. Era pura sorte e oportunidade.Os jornais estão perdendo para a internet, porqueela é ágil e atualizada permanentemente. Todo mun-do comprava jornal, ele ia além do que as pessoas jásabiam. Hoje, ele fica aquém. Quem lê somente ojornal é mal informado.

Vou contar um caso que aconteceu com o repór-ter Luiz Carlos Mota Costa, que trabalha hoje no Diá-rio do Comércio. Na época foi um grande furo. A FIATia lançar o Prêmio e tal lançamento era guardado a setechaves. O repórter conversou com o diretor industrialda montadora e foi batendo um papo com ele. “Paraum projeto sair da prancheta e ir para a rua, quantosanos mais ou menos demora isso, uns cinco, seisanos?”. O diretor disse que não era tanto tempo assim,dois anos no máximo. Os dois continuaram conver-sando e o repórter novamente: “Vocês estão trabalhan-do nesse lançamento tem uns seis meses?”. O diretordisse que havia um ano e meio. O repórter o pegou nopulo. Quando a matéria saiu no jornal havia o seguintetítulo: “FIAT lança novo modelo daqui seis meses”. Comduas perguntas, o jornalista descobriu quando o carroia ser lançado e sabia que era para concorrer com oMonza.

RELEASES

DR: Os releases eram raros, pois não existiamassessorias de imprensa. As assessorias foram implan-tadas pelas empresas com a ditadura militar. Me lem-bro que o Governador Israel Pinheiro só tinha umassessor de imprensa – que passava apenas informa-

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ções, mas não tinha ninguém produzindo matérias.Até certa época o release não era usado, a não

ser nos veículos mais pobres, mais safados. O pró-prio jornal “Estado de Minas” não publicava. Se ti-nha algum release que fosse bom, ele era totalmen-te reescrito. Hoje não costumam mudar nem o títu-lo. Várias vezes, enquanto estava na Assessoria daPrefeitura, meu texto saía com o próprio título queeu mandava. Inclusive, um release que enviei ao jor-nal “Estado de Minas” foi veiculado em duas editorias,cidade e economia, no mesmo dia, no mesmo ca-derno.

Hoje 80% da pauta é oriunda do release. Ojornalismo foi oficializado.

DEVER CUMPRIDO

DR: O bom apurador é o que vai colher o mai-or número de dados. Os diversos ângulos que a boanotícia possa ter para esclarecer bem ao leitor, ou-vinte ou telespectador. A apuração dos fatos é o prin-cipal da nossa atividade que é produzir notícias. Sevocê não apura, você não informa, e se você não in-forma você não está cumprindo com o dever do queo jornalista tem com a sociedade.

SV: Uma fonte fundamental da notícia é a apu-ração. Quando bem feita é uma grande facilitadorapara toda a equipe. Espera-se do apurador que elesaiba investigar, checar e descobrir as versões dosfatos. Assim o repórter vai poder ir mais a fundo emsua matéria. Hoje, o apurador é uma figura que fazuma seqüência ao andamento da redação.

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PARTE VI

GATEKEEPERS DOS

GATEKEEPERS

Quantas relações humanas são pobres e banaisporque deixamos que o outro se expresse de modo

repetitivo e porque nos desviamos das áreas deatrito, dos pontos vitais, de tudo o que em nossoconfronto pudesse causar o crescimento e a dor!

Ecléa Bosi

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“Repórter não

quer aprender”

Wilson Resendeassessor de comunicação da Polícia Civil

Alguma Coisa Agora? – Como você seleciona umanotícia?Wilson Resende – Fazemos uma avaliação sobre aimportância, o alcance, e pelo impacto que determi-nada informação vai provocar na vida das pessoas. Apartir daí definimos o tratamento, e sobretudo quaisos canais devem ser aproveitados para a difusão des-sa informação.

ACA – Tem alguma informação que vocês não pas-sam?WR – Olha, não podemos passar informação no mo-mento das investigações porque isso pode atrapa-lhar, principalmente em casos de homicídio.

Além de atrapalhar, pode causar um tumulto.A família da vítima pode se revoltar contra uma pes-soa que é suspeita. Na verdade, este tipo de infor-mação envolve o aspecto legal. Às vezes a gente se-gura, mas de qualquer forma isso é passado para ojornalismo.

Então você percebe que nós estamos seguran-do a informação em si, um detalhe da investigação,mas nós estamos informando. Estamos informandoque não podemos passar informação.

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ACA – Existe pressão dos jornalistas para conseguirinformações?WR – Nós compreendemos a ânsia e a pressão que ojornalista tem lá na redação, principalmente em darum furo, ou chegar primeiro numa informação. Enisso, muitas vezes ele incorre em erros e até o pior,o exagero, diria até com sensacionalismo. No conta-to que eu tenho com os jornalistas eu sempre pro-curo alertar, para tomar cuidado com o sensaciona-lismo, pra não exagerar na dose, e repassar uma in-formação que às vezes só cria alarde à população edistorce um pouco o tom do fato. Não estou dizen-do que distorce a informação. Não estou dizendoque isso é de forma intencional, é a ânsia e a pressãoque nós jornalistas vivemos no dia-a-dia pela buscado furo e da informação mais completa. Se o jorna-lista veicular uma informação errada, ele e o veículopodem perder credibilidade. Eu acho que a impren-sa deveria errar muito menos do que ela erra.

ACA – Por que a imprensa erra?WR – Erra por falta de compreensão, por falta deentendimento do contexto, por falta de preparo dojornalista que no dia-a-dia não tem condição de seespecializar para tratar de determinado assunto. Apolícia demorou a perceber o quanto é importanteter um tratamento transparente, uma relação afina-da com a imprensa, isso também contribui para queo jornalista não entenda a polícia, e não saiba o pa-pel da polícia. Então, nós temos que repensar todaessa nossa forma de agir, tanto os jornalistas que tra-balham em redação, quanto os de assessoria.

ACA –Como é o relacionamento da assessoria comos apuradores?

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WR – É muito bom. Os apuradores na maioria dasvezes são recém formados, e ainda não dominamtodo o contexto daquela instituição, daquele fato,daquela notícia. E por estar na apuração, que é oinício da descoberta da notícia, ele é muito pressio-nado, principalmente pelos jornais dependeremdeles para produzir as pautas.

ACA – Os apuradores conhecem as atribuições decada polícia?WR – O jornalista não tem compreensão da atribui-ção das polícias. Este caso muito acontece conosco:determinada pessoa é detida pela PM, e levada para adelegacia. Lá, o delegado de posse da ocorrência edos depoimentos, chega à conclusão que, com basena lei, aquela pessoa não deve ser presa, libera a pes-soa. Então, a imprensa, às vezes trata isso de formasensacionalista, porque a PM prendeu e o delegadosoltou. A PM não prende, ela detém, ela conduz àdelegacia. Quem prende é o policial civil, o delegado,que com base na lei, com base nas informações, põeaquela pessoa numa cela ou a libera. Mesmo que eleabra um inquérito, ou uma investigação sobre aquelecaso, a pessoa é liberada. Às vezes, o delegado tematé a convicção, pela experiência, que aquela pessoaé culpada, mas as informações e os depoimentos éque servem como elementos jurídicos para prenderaquela pessoa. Se ele não tem essas informações, eesses elementos jurídicos, ele não pode prender, se-não ele passa a cometer um crime. O jornalista nãosabe disso, insiste em não aprender isso, e muitas ve-zes informa a população de forma errada.

ACA – Você consegue distinguir pelo telefone quan-do é um estagiário ou um profissional?

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WR – Dificilmente vou confundir quando é um foca,ou um jornalista experiente. Não quer dizer que ofoca erre sempre, tem foca muito bom. No entanto,só pelo tom de voz, pela insegurança é possívelreconhecê-los.

ACA – Você acha que um assessor que não seja jor-nalista vai entender menos os apuradores?WR – Ou vai entender menos, ou não vai entender.Eles atrapalham o trabalho e dificultam a relação daassessoria com a sociedade.

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“Repórter de pé limpo”

Capitão Gedirassessor de imprensa da Polícia Militar

ACA – Como vocês passam as informações para amídia?Capitão Gedir – Antes as informações eram passadasde manhã e à tarde. Hoje temos um portal no qual asempresas cadastradas têm senha e acesso aos aconteci-mentos. Colocamos informações que são de interesseda comunidade, como homicídio, prisões, apreensõese operações da polícia militar. A gente tem a idéia datransparência da informação. A comunidade liga mui-to para a imprensa e as notícias chegam aos veículoscom mais rapidez. Às vezes nós servimos como umafonte para os apuradores checarem as notícias.

ACA – Existe alguma orientação sobre quais infor-mações podem ser passadas para a mídia?CG – Na verdade, há crimes como estupro, tentativade homicídio, cuja investigação ainda não foi reali-zada, e divulgá-los pode ser prejudicial, trazendomais insegurança à sociedade do que informação.

ACA – Como é o relacionamento da polícia com amídia?CG – Acho que essa relação polícia/imprensa égradativa. Passou-se pela ditadura, perseguições...temrepórter que odeia a polícia, tem polícia que odeiarepórter, mas na verdade, os dois estão do mesmolado. Na briga entre o bem e o mal, a imprensa e a

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polícia estão do lado do bem. Quando a gente con-seguir achar um meio termo, falo porque estou aquihá seis anos, o resultado será muito positivo.

ACA – Como as notícias chegam até vocês?CG – Nós recebemos as informações através do 190.Todas as ocorrências de destaque que acontecem naRegião Metropolitana de Belo Horizonte e no interi-or são repassadas para a sala de imprensa.

ACA – Os jornalistas publicam tudo que a assessoriada polícia passa?CG – Hoje, vivemos uma realidade diferente. Antes aeditoria de polícia era a principal, ou seja, todos osjornalistas passavam por ela, era uma verdadeira esco-la. Agora tem muitos repórteres novos que não conhe-cem, não procuram conhecer. A informação chega pelainternet, rádio, e muitas vezes o profissional não temtempo de aproximar, de conhecer. É o que a gente cha-ma de “repórter de pé limpo”, ele não vai ao chão co-nhecer de perto. Muitas vezes o que ele escreve não éuma realidade, quer dizer... algumas vezes.

ACA –Você acha que o jornalista perde credibilidadecom vocês?CG – Perde com o leitor, né? Com a gente ele perdea confiança. Nós trabalhamos com uma questão deética. A partir do momento que você é antiético enão relata realmente o que está acontecendo, nãoexiste parceria, os dois lados perdem.

ACA – Que imagem você tem dos apuradores?CG – É uma imagem boa, a partir do momento quevocê conhece, você passa a entender e a ajudar. Aassessoria de imprensa tem um relacionamento bomcom quem a gente trabalha.

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ACA – Os jornalistas conseguem mais informaçõesque vocês da PM?CG – Acho que não. Somos uma fonte muito impor-tante para a imprensa, e tenho certeza que os jor-nais dependem de nós para ter informações. A im-prensa pode receber a informação da sociedade, deoutro órgão, mas confirmam a informação aqui.

ACA – Você diferencia por telefone se quem fala éum profissional ou estagiário?CG – Tranqüilo! Percebo a diferença pelo jeito daconversa. O profissional sabe, entende, ele “pesca”.O estagiário normalmente não entende, tem queexplicar várias vezes. Quando eu falo, por exemplo:“Olha está tendo um inquérito policial militar”, ofoca pergunta: “Mas é o delegado fazendo?”. Aí vocêvê o total desconhecimento. Atualmente lidamos commuitos estagiários.

ACA – Os jornalistas sabem diferenciar o trabalho daPolícia Militar da Polícia Civil?CG – Não sabem e não procuram saber. Acho queeles deveriam se informar. A minha preocupação é aseguinte: se a pessoa não sabe o que escreve, imagi-na o que vai passar para o jornal? Escrever uma coisaque você não sabe é muito melindroso e arriscado.

ACA – Você acha que ser formado em Relações Pú-blicas facilita o seu trabalho na assessoria?CG – Facilita porque a gente conhece a área. Se vocênão entender o lado do repórter, como a imprensafunciona, como é o dia-a-dia de um repórter, de quemestá apurando, o que é levar um furo, isso a gentetem que entender. Os leigos não têm informaçõesde como funciona uma redação.

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