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ALFREDO ALVARENGA

CÉU AZUL

Copyright © 2017 by Alfredo Alvarenga Capa © Luitz Terra Contato: [email protected]

Dedico este conto, para todos os

seres humanos que viveram e

morreram ao lutar pela liberdade.

ALFREDO ALVARENGA

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CÉU AZUL

- O Céu...

- O que você disse Ana? Vê alguma

coisa? – Ronaldo perguntou sobressaltado,

preparando para o pior e olhando atônito para

onde Ana mirava seus olhos.

- Não é nada... Apenas... Quase nunca

olho para o céu.

- Compreensível, quase nunca há nada

de bom para se olhar nele. – Respondeu o

rapaz, respirando, aliviado. – De qualquer

forma, temos de ir, já está quase na hora.

- Só mais um instante Rô... Já irei.

Ela voltou, novamente, seus olhos

azuis para cima, para aquela massa revolta e

escura que cobria o firmamento e lançava

sobre a terra sombras perpétuas. Uma brisa

fria lhe tocava a face e sua mente vagava,

CÁU AZUL

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nesse breve instante de paz desoladora,

procurando lembranças da infância e de sua

vó, Olga, dos momentos que passou junto a

ela e das histórias loucas que ela contava, de

como era o mundo antes, no passado, em seu

tempo. Aquela senhora havia dito que o céu

costumava ser, na maior parte do tempo azul,

e que durante a noite estrelas belíssimas

brilhavam, e que algumas pessoas ainda

achavam que era, no céu, em que se vivia

Deus. As lágrimas eram inevitáveis; mas, com

estoicismo, controlou-se para não irromper em

uma torrente de choro... Lembranças da avó,

lembranças de um mundo que nunca viu. Ana,

mais uma vez, olhou para as nuvens de cinza

chumbo, e buscava alguma forma débil e

confusa de oração, afinal nunca rezou, e não

sabia se deveria orar, buscando, Deus nos

céus, pois se Ele existe, não está no céu... Não

existem deuses no céu, apenas demônios e ela

e todos os humanos hoje sabiam disso.

ALFREDO ALVARENGA

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Há mais de setenta anos, antes dela ou

de sua mãe nascer, quando Olga era apenas

uma criança, foi quando tudo mudou. O

mundo, na época, regozijava-se de esperança,

afinal acabava de sair de uma Grande Guerra

Mundial, foram longos seis anos de inúteis e

irrelevantes conflitos contra um mal humano,

uma nação liderada por um louco que se

levantou em cobiça contra o mundo e, quando,

enfim, aquele tirano foi derrotado, o mundo

comemorava sem saber da ameaça de um mal

maior que pairava sobre as tolas almas

humanas. Ainda, durante a guerra, alguns

pilotos, de ambos os lados do conflito,

relatavam verem coisas estranhas em meio ao

campo de batalha, bolas luminosas, na época

chamadas de Foo Fighters, que voavam entre

os aviões em combates e deixava os generais

atônitos. E, devido ao comportamento pacifico

que tal fenômeno apresentava, os líderes

CÁU AZUL

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mundiais decidiram deixar tais acontecimentos

de lado, o que foi um erro colossal.

Os olhos mareados de Ana desceram e

contemplaram aquela vastidão cinza,

praticamente vazia e moribunda, pontilhada

por entulhos, sujeira e pó. Do alto da colina

onde estava, era possível avistar a cidade nova

de aço cromado e dourado, que, agora, ardia

em chamas e a poucos quilômetros dela, as

ruinas decrépitas de uma antiga grande cidade,

as ruínas de São Paulo, onde nasceu e cresceu.

Lembrou-se do arremedo de casa em que um

dia viveu. Aquele amontoado de concreto,

ferro retorcido e tijolos, no qual ela, sua mãe e

avó se protegiam do frio, ao redor de uma

parca fogueira bruxuleante em que Olga

tentava preparar alimentos ou contava as

histórias sobre o passado.

- Meu pai foi um Pracinha, durante a

guerra, na Europa, e na que veio posterior,

assim, quase não tenho lembranças dele,

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lembro-me de que era um homem forte... –

disse Olga em uma noite álgida de inverno.

- Que pena que não pude conhecê-lo...

Ou o vô, ou meu pai...

- Seu pai ainda está vivo, não se

esqueça. – Interveio Denise. – Ele apenas nos

trocou por eles, desistiu de tudo e, agora, vive

naquela cidade brilhante.

- Ainda existe esperança? – perguntou

Ana para sua mãe. Esta se calou, e voltou a

comer a sopa de camundongos.

- Ana, temos que acreditar. –

respondeu Olga, com um sorriso bondoso em

seu rosto marcado.

- Vó, você se lembra de quando eles

chegaram?

- Lembro querida, infelizmente. A

Guerra tinha acabado... O mundo pensava

estar em paz; mas, logo nos vimos cercados

por um mal terrível e absoluto.

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Olga era uma criança na época e, por

isso, suas memórias eram limitadas e, com

toda a destruição que se seguiu, poucos

sabiam dos exatos detalhes de como o mundo

acabou. Após a vitória dos aliados, mais

objetos estranhos foram vistos, na Europa,

sobre os céus da derrotada Alemanha, assim

como na Suécia, e nos Estados Unidos. Em

1947, o piloto Kenneth Arnold foi um dos

primeiros a ver uma esquadrilha de objetos,

batizados pelos jornais de Discos Voadores;

logo, pessoas, no mundo todo, também viam

os Discos Voadores. Os governos das maiores

potências negavam a veracidade dessas

histórias, e quase ninguém mais no mundo,

hoje, sabe o que se desenrolou de forma oculta

por aqueles primeiros anos, pois tanto os

Estados Unidos como a União Soviética

sabiam o que eram esses objetos temíveis. Em

1947, os Estados Unidos derrubaram um

desses Discos Voadores, na cidade de

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Roswell, no Estado do Novo México, e se

defrontaram com a horripilante aparência

humanóide dos seres que pilotavam tais

máquinas. Seres que pareciam um escárnio da

anatomia humana, mais baixos, com a pele

acinzentada e uma grande cabeça desprovida

de pelos, nariz, orelha ou individualidade...

Apenas adornada por dois nefastos olhos

amendoados e negros como o inferno. Na

época, era segredo, mas uma nova guerra

estava sendo travada. Ocultada da

humanidade, com batalhas, geralmente, no

oceano e no Ártico, onde os seres, por trás dos

Discos, ergueram sua primeira base de

comando.

Em poucos meses; porém, mediante a

derrota das grandes nações, com sua

tecnologia obsoleta, não havia mais como ser

ocultado do público a realidade, e os Discos

Voadores, agora, revelavam-se em sua

plenitude para a humanidade bestializada.

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Eram aeronaves de tamanhos distintos,

algumas chegando ao tamanho de grandes

estádios de futebol, em forma de grandes

discos, semelhante a dois pratos sobrepostos

de uma cor metálica cromada, outras menores,

com oito metros, tinham a forma de meia lua,

era os caças de combate; e havia monstruosas

estruturas em forma de cilindros negros com

centenas de quilômetros de extensão, eram

com elas que tais criaturas cruzavam o éter

entre o cosmos.

Cientistas conjecturavam que esses

serem vieram do espaço; mas, nunca se soube

exatamente de onde, se de algum planeta do

Sistema Solar, como Marte, Vênus ou o

distante e frio Plutão ou se essas criaturas

nefandas atravessaram a vastidão cósmica de

estralas distante até encontrarem nosso

mundo. Alguns alemães, nos dias finais de

soberania humana, afirmavam que o Terceiro

Reich havia teorizado que, talvez, os Foo

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Fighters viessem do centro da Terra, e fossem

fruto de uma espécie que evoluiu em um

mundo intra-terreno. Mas, fosse qual fosse à

origem de tais monstros hediondos, o certo era

que a paz nunca foi uma de suas perspectivas.

As máquinas extraterrestres que, a

partir de bases, nos pólos e no mar, avançaram

sobre os exércitos até chegar às metrópoles,

não pouparam os civis em sua invasão, e com

raios de plasma incandescente, reduziram a

ruínas incandescentes as principais cidades da

Terra. Estados Unidos e União Soviética, em

um último e pífio esforço, usaram as bombas

atômicas de forma massiva. O impacto de tal

ataque nunca foi bem, ao certo entendido, o

dano que provocou aos invasores permaneceu

um mistério... Contudo, a civilização humana

não sobreviveu às explosões e a subseqüente

mudança climática, ironicamente, auxiliamos

a vitória de nossos inimigos.

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- Ana... Acorde. – dizia Ronaldo,

estralando os dedos, ao lado do rosto da

moça...

- Rô... Por um instante, imagine como

seria ter crescido no mundo sem eles? Será

que estaríamos aqui? Que existiríamos? Que

teríamos relevância? Será que isso é real, e se

for um sonho?

- Ahhh... General Artese. Além de ser

uma formidável guerreira é, também, uma

filósofa.

- Culpa da minha Avó, ela me ensinou

a ler... E pensar...

- Que seja... Respondendo sua

pergunta, talvez o mundo fosse um lugar

melhor, mas não temos outra opção, e sonho

ou não, estamos contando com você. Você

precisa dizer alguma coisa às tropas.

A General Ana Artese virou-se para o

sopé daquele morro, ali, estavam centenas de

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soldados, ao lado de aeronaves, apostos para a

batalha.

Mesmo com a derrota, a humanidade

ainda encontrou meios para lutar, e os

invasores, após a magnitude catastrófica da

ultima batalha, abrandou seus ataques, a final,

eles haviam vencido a guerra. Poucas semanas

após as explosões atômicas, os seres de cor

cinza iniciaram um processo de colonização

do planeta Terra. Eles se comunicaram aos

humanos sobreviventes como os novos

senhores do mundo e, em um ato de

benevolência digna dos tiranos, poupariam a

vida dos que se rendessem e se submetessem

ao domínio alienígena, como uma classe

inferior, quase escravizada, com nenhum

direito nessa nova ordem mundial. Os

primeiros a colaborarem com os invasores

garantiram alguns privilégios, como o direito

de residir nas novas cidades de vidro e aço,

metrópoles douradas erguidas em meio aos

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desertos de caos e cinzas, convivendo, lado a

lado, com os extraterrestres. Colaboradores

como o pai de Ana, que trocou a família pelo

conforto da servidão resignada... Ana e sua

mãe nunca mais o viram. Ao restante da

humanidade, restavam os escombros e o duro

trabalho compulsório nas minas extraterrestres

ou em suas fábricas.

Contudo, foi nesse derradeiro

momento, que surgiram os movimentos de

resistência. Antigos soldados da guerra contra

os aliens permaneceram lutando, usando,

agora, táticas de guerrilha e terrorismo, usando

o velho código da Maquina Enigma da antiga

Alemanha Nazista como meio de se

comunicar. A resistência, com vitórias e

derrotas se arrastou por décadas, quando,

então, os seres humanos perceberam que os

cinzentos, apelido pelo qual os dominadores

eram chamados, estavam todos aqui... Onde

quer que tenha sido seu lar, ele não existia

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mais, não havia reforços em outras estrelas,

apenas os que aqui se fixaram e seus

descendentes. Talvez, fosse seu modus

operandi, destruir um mundo, sugar seus

recursos e partir para o próximo. Nas ultimas

décadas, a luta humana que chegara a ser

insipiente, crescia em adeptos, algumas naves

de combate alienígenas abatidas ou roubadas,

passaram por modificações e foram

incorporadas aos exércitos humanos.

Nesse contexto, é que Ana Artese

apareceu, vinda de uma infância difícil, o avó

provavelmente morto em uma fabrica

alienígena e sem o pai, um traidor de sua

espécie; sobrevivendo de restos, com 12 anos,

foi recrutada por uma célula de rebelião

humana. Logo, mostrou-se uma guerreira nata,

uma exímia pilota e estrategista. E, conforme

derrotava as bases e cidades invasoras, nos

territórios do que um dia foi a América do Sul,

ascendia ao posto militar.

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- Soldados. – começou Artese, seu

discurso em um microfone diante da multidão

que esperava por seus comandos. – guerreiros,

humanos... Talvez, não tenhamos muito pelo

que lutar, nosso planeta é, agora, uma

caricatura do que nossos avós dizem que ele

foi um dia, em vez de verdes florestas e

campos, temos desertos moribundos, e nosso

céu é, perpetuamente, cinza, como é a cor de

nossos inimigos. Mas, eu e vocês, meus

irmãos e irmãs, temos nossa liberdade, e

nossos sonhos... Talvez, possamos construir

juntos um ‘amanhã melhor’, recuperar o verde

e o azul de nosso mundo; porém, antes temos

de destruir essa escória cinza, olhar nos olhos

negros e sem vida desses invasores e dizermos

que somos seres humanos, filhos da guerra e

que seremos nós a espécie inteligente a

triunfar no final. Como sabem, iremos, agora,

voar em um ataque conjunto com todos os

países do mundo, para uma última batalha,

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contra nossos inimigos que, em derrota, fogem

para o ártico, local de sua maior e mais antiga

base... Possivelmente, muitos de nós não

sobrevivamos; porém, teremos a vitória em

nossas mãos e para sempre o mundo irá se

lembrar de nós e de nossa luta, pois somos

humanos e é isso que fazemos, lutamos até o

fim. Por séculos, treinamos contra nós

mesmos para esse momento. Até à vitória! –

Gritou Ana Artese, promovendo uma catarse

em todos ali.

Os batalhões se aprontaram em suas

aeronaves, a correria pré-batalha estava se

iniciando, o destino da humanidade estava em

jogo naquele momento. As naves, feitas dos

destroços da tecnologia alienígena, ou roubada

de suas fábricas, todas traziam emblemas

próprios dos pilotos, suas asas pintadas cada

uma a sua maneira, com símbolos de escárnio

contra o inimigo, ou antigas bandeiras dos

países e Estados que, um dia existiram naquele

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continente, enfeitavam algumas aeronaves.

Antes de adentrar ao cockipt de sua nave, Ana

voltou-se para Ronaldo, precisava-lhe contar

uma coisa.

- Amigo... Tive um sonho estranho esta

noite.

- Lá vem você com seus sonhos, com

todo respeito a sua patente e a nossa amizade,

temos de nos focar na luta.

- Mas, é importante, tenho sonhado

com isso há algum tempo. – Ana respirou

fundo, antes de continuar. – Sonho que estou

em outro lugar, sem a guerra contra os cinzas,

e usando não nossas fardas, mas roupas

diferentes, comuns, que tenho um quarto

bonito, diferente dos escombros em que vivi

ou dos que existem nas cidades que nossos

inimigos ergueram. Às vezes, vejo-me usando

um computador, e conversando com pessoas

que nunca vi, na maior parte do tempo,

futilidades, ou tendo longas discussões

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acaloradas e inúteis com desconhecidos, sobre

assuntos tão bobos e triviais. São sonhos tão

reais que, quando acordo, tenho dúvida se

eram sonhos... E se isso, que vivemos é

realidade.

- Discussão? Pelo computador? –

Indagou seu amigo incrédulo.

- Sim, eu e outros escrevemos textos

enormes, às vezes, parecemos zombar de

assuntos que, naquele contexto são sério; mas,

que nada tem haver com esse horror de vida

que levamos.

- Ana... Ninguém perderia seu tempo

discutindo por um computador, o usamos para

traçar planos, fazer cálculos. Esse mundo que

você diz, mesmo sem a guerra e a invasão, é

absurdo. Temos de lutar, minha general, pelo

que é verdadeiro e real.

- Você tem razão meu amigo...

Conhecemo-nos há muito tempo, sei que

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posso confiar em você. Obrigada. Agora,

vamos, tenho uma guerra para vencer.

As naves decolaram e rumaram para o

Ártico, onde combates inimagináveis

determinariam o futuro do mundo. Caças

humanos e dos invasores singrariam pelos

céus, explosões de plasma derrubariam os

grandes cilindros negros sobre o gelo Ártico.

Mas, mesmo em meio à batalha, as lembranças

daquela outra vida não saiam da mente de

Ana, como se as duas de alguma forma fossem

reais.

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