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ALEXANDRE BRANDÃO RODRIGUES DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA NA EFETIVAÇÃO DA FILOSOFIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO FUNDADO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Monografia a ser apresentada no Concurso de Teses Jurídicas do IX Congresso Nacional de Defensores Públicos, o qual versa sobre o tema: DEFENSORIA PÚBLICA: NECESSÁRIA AO ESTADO DEMOCRÁTICO, IMPRESCINDÍVEL AO CIDADÃO. Campo Grande (MT) 2010

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ALEXANDRE BRANDÃO RODRIGUES

DEFENSOR PÚBLICO

DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA NA EFETIVAÇÃO DA FILOSOFIA DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO FUNDADO PELA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Monografia a ser apresentada no Concurso deTeses Jurídicas do IX Congresso Nacional deDefensores Públicos, o qual versa sobre otema: “DEFENSORIA PÚBLICA:NECESSÁRIA AO ESTADO DEMOCRÁTICO,IMPRESCINDÍVEL AO CIDADÃO”.

Campo Grande (MT)

2010

AGRADECIMENTOS

Aos meus filhos, a razão da minha luta.

À minha esposa, pelo companheirismo e amor compartilhados.

E a todos aqueles que lutam por uma sociedade mais justa, humana e

igualitária.

Criminalizar os pobres é instrumento indispensávelporque garante materialmente a sua posiçãosubalterna no mercado de trabalho e a sua crescenteexclusão, disciplinando-os, pondo-os em guetos e,quando necessário, destruindo-os. É tambéminstrumento indispensável para encobrir, com aimagem da criminalidade perseguida, isto é, a dospobres, o grande edifício de ilegalidade e deviolência que reúne em nossa sociedade as classesdetentoras do poder econômico. Esse edifício é tantomaior quanto maior for a desigualdade social.

(Alessandro Baratta)

RESUMO

A Constituição proclamou e fundou a República Federativa do Brasil em um EstadoDemocrático de Direto. Tal modelo de Estado tem, como filosofia política, o respeito àdignidade da pessoa humana e a garantia dos seus direitos fundamentais. A DefensoriaPública trata-se de uma instituição da República, que tem como finalidade dar efetividade aosdireitos fundamentais garantidos pela Constituição, pois visa orientar e defender, de formaindividual ou coletiva, todas as pessoas que se encontrem em algum tipo de vulnerabilidadesocial. E, com isto, afirmar o Estado Democrático de Direito proclamado e fundado pelaConstituição da República.

Palavras-chave: Constituição da República. Estado Democrático de Direito. Razões deEstado. Defensoria Pública. Efetividade.

ABSTRACT

The Constitution proclaimed and established the Federative Republic of Brazil in aDemocratic State of Right. Such model of State has, as political philosophy, therespect for the human being dignity and the guarantee of his basics rights. ThePublic Defender is an Republic institution, that has as purpose to give effectivenessto the basic rights guaranteed by the Constitution, because it aims to guide and todefend, in an individual or collective form, all the people who find himself in sometype of social vulnerability. And, with this, to affirm the Democratic State of Rightproclaimed and established by the Republic Constitution.

Key words: Republic Constitution. Democratic State of Right. State Reasons. PublicDefender. Effectiveness.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................07

1 Os princípios norteadores dos Estado Democrático de Direito fundado pelaConstituição da República Federativa do Brasil.........................................................09

2 Os fundamentos, objetivos e o papel da Defensoria Pública no EstadoDemocrático de Direito fundado pela Constituição da República Federativa doBrasil .......................................................................................................................................14

CONCLUSÃO ..........................................................................................................19

REFERÊNCIAS ........................................................................................................21

7

INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito é um modelo que teve a sua origem com o

Iluminismo e que tem, como filosofia política, o ideal de que o Estado não é um fim

em si mesmo. Na verdade, tanto o Estado, como o Direito, são meios utilizados para

fins de garantir os direitos fundamentais das pessoas. Estas sim, que são a razão de

existir tanto do Direito, como do Estado.

No modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito a pessoa é que está

no centro. Já, o Estado, por ser um “meio”, deve prestar contas, justificar sempre o

que tem feito com o poder que lhe é repassado pelas pessoas.

No presente estudo pretendemos, primeiramente, lançar luzes aos

fundamentos filosóficos do “Estado de direito”. Para isto, o diferenciaremos de seu

modelo antagônico que é o das “Razões de Estado”. O primeiro é um modelo

heteropoiético, que não permite a auto-justificação do Estado, já o segundo, um

modelo autopoiético, que, consequentemente, entende que o Estado é um fim em si

mesmo, por isso, não precisa justificar o uso do seu poder. Feita tal diferenciação

iremos ressaltar a matriz filosófica do Estado Democrático de Direito fundado pela

Constituição da República Federativa do Brasil.

8

E, em um segundo momento, pretendemos descobrir o papel da Defensoria

Pública no Estado Democrático Brasileiro, ressaltando as atribuições, os

fundamentos e objetivos da Instituição. Para isso, ter-se-á como base o novo

paradigma lançado pela Lei Complementar nº 132/2009, que alterou a Lei

Complementar nº 80/1994.

9

1 Os princípios norteadores dos Estado Democrático de Direito fundado pela

Constituição da República Federativa do Brasil

A República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de

Direito, não por mera promessa, mas porque foi proclamado e fundado pela

Constituição da República, em seu art. 1º. Neste sentido, é importante reproduzir o

magistério de José Afonso da Silva1:

A configuração do Estado Democrático de Direito não significaapenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático eEstado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceitonovo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes,mas os supera na medida em que incorpora um componenterevolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra aextrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quandoafirma que a República Federativa do Brasil se constitui em EstadoDemocrático de direito, não como mera promessa de organizar talEstado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.

(...)É um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do processo

contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estadocapitalista para configurar um Estado promotor de justiça social que opersonalismo e monopolismo político das democracias populares sobo influxo do socialismo real não foram capazes de produzir.

Mas, para que melhor se compreenda, no campo filosófico, o que é o “Estado

de direito”, deve-se diferenciá-lo de seu modelo antagônico, que é o das “razões do

1DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19º ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2000, p. 123 e 124.

10

Estado”. Para tal fim, teremos como base o magistério de Ferrajoli. O “Estado de

direito” e as “razões de Estado” são modelos incompatíveis, pois, este trata-se de

um princípio de auto-regulação da política como atividadefinalizada incondicionalmente ao “bem” ou à “potencia” do Estado e,por isso, dotada de autonomia em relação a outros valores oucritérios relativos a interesses ou necessidades diversas, sejamindividuais ou sociais; em segundo lugar, e de forma correlata, umafonte de legitimação autônoma – extra legem, extramoral, extra-social, extra-religiosa e especificamente 'política' – das escolhas edos meios a tal fim adotados.2

Neste modelo, tanto a moral, como o direito, ficam submetidos à critérios

políticos dos detentores do poder do Estado. E, tais critérios não levam em conta a

fonte de onde emana o poder, ou seja, a pessoa, o Ser Humano. Configura-se

“como razão não intersubjetiva, embora, fora do alcance do povo, detida

exclusivamente por aqueles espíritos ‘videntes’ que são os ‘homens de Estado’.”3

Por isso que o principal tratado de “razões de Estado” é o clássico “O Príncipe”, de

Maquiavel4, que prega que as razões do Estado, do governante, do detentor do

poder, são superiores tanto à moral, como ao direito, expressada na conhecida

fórmula que “os fins justificam os meios”.

Defendem a ideia do “Estado bom”, do “Estado ético”, do “Estado protetor”e,

por isso, “fundam os sistemas políticos sobre si mesmas, justificando o direito e o

Estado como bens ou valores intrínsecos”5 São responsáveis pela criação de um

direito arbitrário em que o Estado não necessita justificar as suas ações, pois tais

ações são para o “bem da sociedade”. Tais doutrinas são denominadas por

Ferrajoli, parafraseando Niklas Luhmann, denomina como autopoiéticas. Sendo que

2FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão.Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr,

Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomaes. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p 751.3

FERRAJOLI, Luigi. Obra cit. , p 752.4

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. Revisão de Roberto LealFerreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

5FERRAJOLI, Luigi. Obra cit. , p 813.

11

foram responsáveis por Estados totalitários, como, por exemplo, o nazista, o fascista

e o stalinista. Estas doutrinas

acompanham ou se confundem com concessões organicistas doEstado, idealizado como personificação da inteira sociedade e como síntesede razão, de valores e interesses sociais gerais. A confusão entre direito emoral, entre ser e dever ser, ou entre o ponto de vista interno e o ponto devista externo se associa de tal modo à confusão entre Estado e sociedade,ou pior, entre Estado e cidadãos: ‘Se o Estado’, escreve Hegel, “é o espíritoobjetivo, então só como seu membro é que o indivíduo tem objetividade ,verdade e moralidade”

6.

Enfim, no modelo orientado pelas “razões de Estado” os atos estatais não

precisam de justificativa, pois visam sempre o “bem geral”, a “ordem pública”, o “bem

maior”, conceitos vagos e imprecisos, eleitos por aqueles que detêm o poder do

Estado. A forma, as garantias, os direitos fundamentais, não devem ser empecilhos à

“boa política”, ao “bem geral”, à “defesa da sociedade”. Como dito, “os fins justificam

os meios”. O detentor do poder não precisa justificar o uso do poder, pois está

implícito que as suas ações visam o “bem do Estado”, o “bem da sociedade”, o “bem

do povo”. Não é por acaso que todas as ações de Hitler e de Stalin visavam sempre

o bem e a defesa do povo.

Já, o “Estado de direito”, é o modelo totalmente inverso, é próprio dos regimes

democráticos e republicanos, no qual o poder emana do povo, é exercido pelo povo,

em prol do povo. Na lógica estabelecida pelo modelo de “Estado do direito”, o

Estado não é mais um fim em si mesmo, mas sim é um “meio, justificado pela

finalidade de tutela dos direitos ‘fundamentais’ dos cidadãos e a está vinculado pela

sujeição de todos os seus poderes e regras constitucionais rígidas e fundadas.”7 Tal

modelo teve origem na teoria do “contrato social”, na qual as pessoas cedem parte

das suas liberdades para o Estado (o grande “Leviatã”, na visão de Hobbes) e este,

6FERRAJOLI, Luigi. Obra cit. , p 813.

7FERRAJOLI, Luigi. Obra cit. , p. 753.

12

por sua vez, se compromete em defender os seus direitos fundamentais, como a

vida, a liberdade, a segurança etc.

É um modelo heteropoiético, na concepção de Ferrajoli, pois considera o

Estado como um mal necessário com vistas a garantir os direitos dos cidadãos.

Para este modelo o Estado foi

criado pelo homem e para o homem, como seu instrumento. O quepara este é natural não é, com rigor, o Estado ou o poder, mas aspessoas e as suas necessidades vitais; enquanto o que para este éartificial não é a liberdade ou a vida, mas as suas garantias jurídicase em geral os deveres e poderes instituídos pela norma positiva paratutelá-los ou limitá-los

8.

Assim, exige constante justificação tanto do Estado, como da Ordem Jurídica,

visando à garantia dos direitos dos cidadãos (positivos e negativos). Em suma, em

um “Estado de direito” o homem é o “centro”, é o que importa. Porque não só a

sociedade, mas também o Estado, é composto por pessoas e não vice-versa. Nesta

perspectiva todo o poder só é legitimo se estiver direcionado a garantir e tutelar os

direitos das pessoas. E esta legitimação não deve ser implícita, deve ser sempre

justificada e comprovada pelos detentores do poder estatal.

Enquanto para as “razões de Estado” os fins justificam os meios, mesmo que

estes sejam ilegais e ilegítimos; para o “Estado de direito” o fim só será legítimo se

os meios também o forem. Na verdade, em um “Estado de direito”, o meio

empregado é que legitima o fim. O respeito à forma, às garantias, enfim, às “regras

do jogo” democrático é a única forma apta para alcançar o fim desejado.

Como dito, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de

8Obra cit. , p. 814.

13

Direito, pois não há somente a expressa proclamação constitucional, mas há,

também, e principalmente, nos seus fundamentos, objetivos, princípios e garantias, a

filosofia própria dos modelos heteropoiéticos que constituem às razões de um

“Estado de Direito”. Verifica-se isto, principalmente, nos fundamentos da “cidadania”

(art. 1º, II da CR) e da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III da CR). Nos

objetivos de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 2º, I da CR), de

“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais” (art. 2º, III da CR), e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 2º,

IV da CR). No princípio da “prevalência dos direitos humanos”, que rege as relações

internacionais (art. 4º, II da CR). E, é até desnecessário falar, dos direitos e

garantias individuais e sociais previstas no art. 5º e 6º da CR. Enfim, mesmo que a

Constituição não tivesse proclamado e fundado expressamente a República como

um Estado democrático de direito, os seus fundamentos, objetivos, princípios e

garantias, assim o constituiriam.

Deste modo, qualquer lei, qualquer ato ou qualquer ação não justificada ou que

visem defender doutrinas próprias dos modelos autopoiéticos de doutrinas que

defendam às “razões do Estado” (tais como do direito penal do inimigo, da lei e

ordem, da defesa social de Marc Ancel etc.) são materialmente inconstitucionais.

Estabelecidos os fundamentos e os princípios que regem a República

Federativa do Brasil, necessário avançar para entender o papel da Defensoria

Pública no Estado Democrático de Direito, bem como, os seus fundamentos.

14

2 Os fundamentos, objetivos e o papel da Defensoria Pública no Estado

Democrático de Direito fundado pela Constituição da República Federativa do

Brasil

A Defensoria Pública é nova, foi criada com a Constituição da República de

1988 uma Instituição Essencial a função essencial à justiça, que tem como

atribuição constitucional, “a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos

necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.” (art. 134 da CR)

Por ser uma instituição nova, a Defensoria Pública foi pouco estudada. A ideia

que até então existia, no senso comum, é que a Defensoria Pública é uma instituição

que visa defender o “pobre”, sendo “pobre” somente o hipossuficiente econômico-

financeiro. Na verdade trata-se de uma ideia reduzionista da atribuição da

Defensoria Pública, isto devido a redação do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição

da República, que assim dispõe:

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral egratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Tal equívoco pode ser creditado ao fato que a “insuficiência de recursos”, que

que trata o dispositivo constitucional, é interpretada, somente, como a de

insuficiência de “recursos financeiros”. Em que pese a Constituição da República,

em nenhum momento, permite tal reduzionismo.

15

A Defensoria Pública trata-se de uma Instituição tipicamente latino americana,

sendo que uma das principais críticas que Ferrajoli9 faz ao direito europeu é o fato

que não existe Defensoria Pública naquele continente. Para este autor, a Defesa

Pública é uma instituição que visa assegurar a efetividade ou no mínimo reduzir a

inefetividade do direito fundamental à defesa. E, têm três fundamentos, todos de

relevância constitucional:

O caráter de direito fundamental e universal do direito de defesa, que, por

ser um direito fundamental “não pode ser confiada à lógica de mercado como se

fosse um direito patrimonial, mas requer que seja garantida pela esfera pública.

Portanto, deve ser assegurada caso o imputado não decida escolher um defensor da

sua confiança, a cargo do Estado.”

O interesse público “não apenas para a condenação dos culpados, mas

também para tutela dos inocentes. Mais: justamente porque o acusado é assistido

pela presunção constitucional de não culpabilidade, é essa presunção que, até prova

em contrário, deve ser garantida pela esfera pública.”

A garantia da verdade processual, pois o “processo penal se configura na

verdade como procedimento de verificação ou de falsificação empíricas das

hipóteses acusatórias. É nesta natureza cognitiva, mais que potestativa, do processo

que reside a sua principal fonte de legitimação.” Para isso, necessita de paridade de

9Palestra proferida pelo Prof. Dr. Luigi Ferrajoli da Università di Roma La Sapienza, realizada

em 21.11.09 na Escola Superior da Advocacia do Rio Grande do Sul.

16

armas entre acusação e defesa e de poderes análogos àqueles da acusação

pública, para fins de garantir o contraditório.

Assim, para Ferrajoli, a Defesa Pública, materializada na presença de um

Defensor Público, trata-se de

uma garantia fundamental do correto processo, idônea aremover a total inefetividade para os pobres do direito fundamentalde defesa, a assegurar o mais amplamente possível a paridade entredefesa e acusação e, assim, aquele direito à falsificação, aquelafalsificabilidade das hipóteses de acusação que do caráter cognitivodo juízo representa uma condição necessária.

Como visto, no ordenamento jurídico pátrio a atribuição da Instituição está

prevista no art. 134 da Constituição da República, bem como, em outras normas,

como a Lei Complementar nº 80/1994, que, em seu art. 1º (alterado pela Lei

Complementar nº 132/2009), dispõe que a “Defensoria Pública é instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como

expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação

jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e

extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos

necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da

Constituição Federal.”

A citada lei complementar, no seu art. 3º (alterado pela Lei Complementar nº

132/2009), também define como objetivos da Defensoria Pública, que são:

- a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades

sociais (inciso I);

– a afirmação do Estado Democrático de Direito (inciso II);

– a prevalência e efetividade dos direitos humanos (inciso III); e

17

– a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório

(inciso IV).

Fica claro que os objetivos da Defensoria Pública se confundem com os

próprios objetivos da República Federativa do Brasil, principalmente os de reduzir

as desigualdades sociais (inciso III do art. 3º da Constituição da República) e o de

construir uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I do art. 3º da Constituição

da República). Sem falar na afirmação do Estado Democrático de Direito (art. 1º

da Constituição da República), da prevalência e dignidade dos direitos humanos

(inciso III do art. 1º e inciso II do art. 4º, ambos da Constituição da República), entre

outros. Logo, tendo a Defensoria Pública, no desempenho das suas atribuições, a

missão de concretizar os objetivos estabelecidos pela República Federativa do

Brasil, advém uma importante consequência de ser o Defensor Público também um

agente político.

Em que pese ser nova, a Defensoria Pública é uma Instituição que melhor

personaliza o Estado Democrático de Direito fundado pela Constituição da

República, pois é a “expressão e instrumento do regime democrático, incumbindo-

lhe fundamentalmente a promoção dos direito humanos”.10 Isso porque visa orientar

e defender os direitos e garantias, de forma individual ou coletiva, das pessoas, dos

Seres Humanos. E são estes, em uma visão heteropoiética (a única admitida

constitucionalmente), a razão de ser tanto do Direito, como do Estado.

A Defensoria Pública é a instituição da República que visa dar plena efetividade

10GALLIEZ, Paulo Cezar Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 69.

18

aos fundamentos básicos de um “Estado de Direito”, pois é através dela que a

pessoa pode exigir que os seus direitos sejam respeitados, que se tornem efetivos.

Ela é o “escudo e a espada” do cidadão, através da Defensoria Pública, o cidadão

pode ser orientado e defender os seus direitos até, inclusive, contra o próprio

Estado. Por ser, a Defensoria Pública, uma instituição responsável por efetivar os

direitos e garantias, pode atuar por pessoas que sequer sabem que têm direitos. É,

enfim, a Defensoria Pública, o braço do Estado na defesa do cidadão.

Por isso, a Defensoria Pública é a instituição que melhor personaliza o Estado

Democrático de Direito, pois, além das razões que já apresentas, é a única

instituição do sistema de justiça que só pode existir em um “Estado de direito”. Não

há possibilidade da existência da Instituição em um regime que adota como filosofia

as “razões de Estado”, ou seja, em um regime ditatorial, antidemocrático,

autopoiético.

Diante do exposto, fica claro que, aquele primeiro paradigma, de que a função

da Defensoria Pública se restringe a defesa do pobre (hipossuficiente econômico-

financeiro) é um paradigma superado. Na verdade, ele foi fruto do pouco estudo

sobre a verdadeira vocação constitucional da Instituição. Mas a Lei Complementar nº

132/2009 conseguiu tirar o véu e mostrar o que estava escondido. Assim, pelo

paradigma recentemente revelado, a missão da Defensoria Pública não é só a

defesa do pobre, mas sim a defesa, individual ou coletiva, do pobre, do idoso, do

réu em processo penal, da criança e do adolescente, da mulher vítima de

violência, do consumidor, enfim, de todo e qualquer grupo socialmente

vulnerável

19

CONCLUSÃO

A República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de

Direito (art. 1º da CR) e tem como fundamentos a soberania (inciso I), a cidadania

(inciso II), a dignidade da pessoa humana (inciso III), os valores sociais do trabalho e

da livre iniciativa (inciso IV) e o pluralismo político (inciso V). E, como objetivos (art.

3º da CR): construir uma sociedade livre, justa e solidária(inciso I); garantir o

desenvolvimento nacional (inciso II); erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III); promover o bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação (inciso IV).

No campo filosófico, poderíamos definir o “Estado de direito” como uma filosofia

política que visa colocar em relevo a dignidade da pessoa humana e o respeito aos

seus direitos e garantias fundamentais. Desta forma, o Estado e o Direito existem

com este fim, de garantir o respeito aos direitos fundamentais das pessoas, que são

a sua razão de ser. Por isso, é necessário que os detentores do poder do Estado

justifiquem, constantemente, o uso que fazem deste poder. Isto porque o Estado, o

Direito, e as limitações impostas ao pleno exercício dos direitos das pessoas pelos

poderes constituídos, são coisas artificiais, criadas pelo homem e que visam servir o

homem. Enfim, em um Estado Democrático de Direito todos os poderes e todas às

instituições do Estado devem estar voltados para o fim de garantir a dignidade

20

humana e a efetividade de seus direitos e garantias.

Neste contexto, a Defensoria Pública é uma Instituição, criada pela

Constituição da República, que tem como finalidade afirmar o Estado Democrático

de Direito, pois visa dar orientação jurídica e defender, de forma individual ou

coletiva, toda a pessoa que se encontre em vulnerabilidade social. Fica claro, que a

função da Defensoria Pública é de dar efetividade ao escopo filosófico próprio do

modelo do “Estado de direito”, ou seja, de defender a pessoa em sua dignidade

humana, a sua cidadania, os seus direitos e garantias fundamentais.

Não é por acaso, que os objetivos da República Federativa do Brasil se

confundem, em certo ponto, aos objetivos da Defensoria Pública. Isto porque a

Defensoria Pública é a Instituição garantista por excelência, que tem por função ser

a espada e o escudo do cidadão, litigando, se necessário, até contra o próprio

Estado, para dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais. A Defensoria

Pública tem o papel de exigir, do Estado, das suas Instituições e, até mesmo, do

particular, a justificação do exercício do poder, sempre que este exercício interferir,

de alguma forma, nos direitos e garantias fundamentais da pessoa. Por isso que,

apesar de ser nova, a Defensoria Pública é a Instituição que mais se identifica com a

filosofia do Estado Democrático de Direito fundado pela Constituição da República

Federativa do Brasil.

21

REFERÊNCIAS

ANCEL, Marc. A nova defesa social. Rio de Janeiro: Forense, s/d.

BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. SãoLeopoldo: Editora Unisinos, 2006.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 4. tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19º ed. SãoPaulo: Malheiros Editores, 2000.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, FauziHassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomaes. 2. ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2006.

GALLIEZ, Paulo Cezar Ribeiro. Princípios Institucionais da Defensoria Pública.4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 69.

HART, Herbert. O conceito de direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995.

HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um EstadoEclesiástico e Civil., São Paulo, Os Pensadores, 4 ed., Nova Cultura, 1998.

HEGEL, Georg Wolhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito.Tradução deNorbeto de Paula Lima, adaptação e notas Márcio Pugliesi. 2. ed. São Paulo: Ícone,1997.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. Revisão deRoberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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