além das palavras:o discurso conservador das elites agrárias

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ALÉM DAS PALAVRAS:O DISCURSO CONSERVADOR DAS ELITES AGRÁRIAS MINEIRAS A PARTIR DO JORNAL DE VIÇOSA NA DÉCADA DE 1920 Daniela Corrêa e Castro de Carvalho Universidade Federal de Viçosa 1.INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho foi verificar como as elites, através dos jornais, tentavam construir e/ou exercer um poder sobre a sociedade de seu tempo, elaborando um discurso sobre a realidade. Em particular será analisado o Jornal de Viçosa, publicado na cidade de Viçosa, Minas Gerais. A época escolhida foi a década de 20, de 1923 a 1928, período em que há arquivo de praticamente todos os exemplares publicados. O estudo é feito partindo do pressuposto de que: “Não existe imprensa sem inserção política. A política não é a única instância de ação da imprensa. Ela desempenha igualmente funções econômicas, especialmente comerciais, quando estimula, por meio dos seus anúncios, o consumo de bens. Da mesma forma, ela tem um papel cultural na medida em que veicula e consolida hábitos, costumes, gostos. Possui ainda, um papel jurídico- institucional, como legitimadora de regras éticas e morais socialmente aceitas” (MOTTA, 2002. p.15) Serão analisadas as matérias publicadas principalmente na primeira página e em outras, que mostrem a sociedade da época, na visão do jornal. O que é publicado conserva momentos de sua época, mas com o posicionamento defendido por quem escreve a matéria ou pelo dono do jornal, na intenção de manter o poder das classes ou valores que representa. A análise dos dados levantados é fundamentada nos conceitos de Michel Foucault sobre discurso, verdade e poder, de tal forma que o discurso publicado no jornal pretende mostrar a verdade como se essa fosse a única e correta, para assim manter o poder da elite, da qual o proprietário do jornal faz parte. Para Foucault (2001), a compreensão de poder não é como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo, grupo ou classe sobre outros, mas como algo que circula e só funciona em cadeia, exercendo-se em rede. Não é algo unitário e global, e sim formas heterogêneas, em constante transformação, que não é uma coisa em si, mas sim um conjunto de práticas sociais que pressupõe relações em diversos pontos e lugares da rede social. No caso da pesquisa, o poder se exerce em uma rede formada pelo jornal, como um meio de comunicação da elite e seu público. O poder se exerce independente de sua vinculação com o Estado, e sua dinâmica está ancorada em “efeitos de verdade” que ele procura produzir no interior dos discursos. A verdade é um conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder, sendo um combate em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha. Esse efeito de verdade é procurado em todas as matérias publicadas pelo jornal, através de um discurso que convença o leitor de que aquilo é a verdade. Para Foucault (In: FAIRCLOUGH, 2001, p.74) a “verdade deve ser compreendida como um

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ALÉM DAS PALAVRAS:O DISCURSO CONSERVADOR DAS ELITES AGRÁRIAS MINEIRAS A PARTIR DO JORNAL DE VIÇOSA NA DÉCADA DE 1920

Daniela Corrêa e Castro de CarvalhoUniversidade Federal de Viçosa

1.INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho foi verificar como as elites, através dos jornais, tentavam construir e/ou exercer um poder sobre a sociedade de seu tempo, elaborando um discurso sobre a realidade. Em particular será analisado o Jornal de Viçosa, publicado na cidade de Viçosa, Minas Gerais. A época escolhida foi a década de 20, de 1923 a 1928, período em que há arquivo de praticamente todos os exemplares publicados.

O estudo é feito partindo do pressuposto de que: “Não existe imprensa sem inserção política. A política não é a única instância de ação da imprensa. Ela desempenha igualmente funções econômicas, especialmente comerciais, quando estimula, por meio dos seus anúncios, o consumo de bens. Da mesma forma, ela tem um papel cultural na medida em que veicula e consolida hábitos, costumes, gostos. Possui ainda, um papel jurídico-institucional, como legitimadora de regras éticas e morais socialmente aceitas” (MOTTA, 2002. p.15)

Serão analisadas as matérias publicadas principalmente na primeira página e em outras, que mostrem a sociedade da época, na visão do jornal. O que é publicado conserva momentos de sua época, mas com o posicionamento defendido por quem escreve a matéria ou pelo dono do jornal, na intenção de manter o poder das classes ou valores que representa.

A análise dos dados levantados é fundamentada nos conceitos de Michel Foucault sobre discurso, verdade e poder, de tal forma que o discurso publicado no jornal pretende mostrar a verdade como se essa fosse a única e correta, para assim manter o poder da elite, da qual o proprietário do jornal faz parte.

Para Foucault (2001), a compreensão de poder não é como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo, grupo ou classe sobre outros, mas como algo que circula e só funciona em cadeia, exercendo-se em rede. Não é algo unitário e global, e sim formas heterogêneas, em constante transformação, que não é uma coisa em si, mas sim um conjunto de práticas sociais que pressupõe relações em diversos pontos e lugares da rede social. No caso da pesquisa, o poder se exerce em uma rede formada pelo jornal, como um meio de comunicação da elite e seu público.

O poder se exerce independente de sua vinculação com o Estado, e sua dinâmica está ancorada em “efeitos de verdade” que ele procura produzir no interior dos discursos. A verdade é um conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder, sendo um combate em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha. Esse efeito de verdade é procurado em todas as matérias publicadas pelo jornal, através de um discurso que convença o leitor de que aquilo é a verdade. Para Foucault (In: FAIRCLOUGH, 2001, p.74) a “verdade deve ser compreendida como um sistema de procedimentos ordenados para a produção, regulamentação, distribuição, circulação e operação de enunciados”.

O poder deve ser procurado em todas as relações vivenciadas pelos indivíduos nos diversos contextos sociais, como a publicação ou leitura de um jornal, pois o poder não pertence a um indivíduo, ele está implícito nas práticas sociais cotidianas. É exercido de acordo com o lugar onde há um feixe de relações e de acordo com o papel que cada um ocupa neste lugar.

Mas para o poder ser tolerável, ele deve mascarar a maior parte de si. “Seu sucesso é proporcional à sua habilidade para esconder seus próprios mecanismos” (FOUCAULT in: FAIRCLOUGH, 2001, p. 75) e também não funciona se for através de uma dominação forçada. Com isso, o jornal busca ser bem sucedido no seu discurso tentando convencer o leitor.

A princípio o trabalho buscava resgatar o que o Jornal de Viçosa publicava sobre o presidente da República, Arthur Bernardes, mas durante o processo de levantamento de fontes, constatou-se que o jornal não fazia alusão ao presidente a não ser em datas comemorativas, como o aniversário de Arthur Bernardes e em outros momentos para defende-lo, mas não houve um acompanhamento dos atos políticos.

Com a falta de material necessário para uma pesquisa aprofundada, optou-se por verificar como a época em que o jornal foi publicado era abordada nas suas páginas, principalmente porque foi uma década conturbada na história brasileira e que teve como uma das personagens principais um político viçosense, então presidente da República. Apesar de não haver material suficiente para abordar somente Bernardes, o seu envolvimento com a cidade e sua participação no cenário nacional possibilitou dedicar-se um capítulo para ele e sua relação com a imprensa.

O proprietário do jornal analisado no trabalho era Sylvio Loureiro, major e de família tradicionalmente envolvida na política. Seu tio era o Coronel Carlos Vaz de Mello, senador e que exercia grande influência na política local. Além disso, o irmão de Sylvio, Oscar Loureiro, era deputado federal, sendo que todos eles defendiam Arthur Bernardes.

A realização desse projeto foi importante tanto para um resgate dos jornais do início do século XX, utilizando-os como fonte histórica, quanto para a conservação da memória de uma época através de notícias impressas no jornal. É um aprofundamento de uma pesquisa que realizei sobre a história da imprensa de Viçosa, cidade que sempre teve um jornalismo atuante por sua participação política e importância na cafeicultura nacional, fazendo parte dos maiores produtores de café no inicio do século XX.

Outra constatação importante que se pode fazer é o descaso com fontes históricas importantes para pesquisas, como os jornais. Os exemplares analisados estão deteriorados pelo tempo, páginas foram destruídas pelas traças, e não há na cidade um local para a conservação adequada destes exemplares. Isso é outra justificativa para a realização da pesquisa, pois conserva em parte a história relatada pelos jornais.

Além disso, nenhum jornal de Viçosa foi objeto de pesquisas até hoje. Os jornais eram o meio de comunicação da época, quando houve uma grande proliferação na década de 20. Nesse período há a expansão urbana, com o crescimento das cidades, principalmente de importantes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo e o jornal era a principal fonte de informação, pois o rádio estava em desenvolvimento e a televisão ainda não era uma realidade.

Com o estudo de um jornal da década de 20 busca-se a interdisciplinaridade entre a história e o jornalismo, sendo que temos, segundo Alice Koshujama (2000), na relação entre os campos da história e da comunicação, várias perspectivas interdisciplinares de estudos. Além de ser necessário uma interface entre o jornalismo e o poder, que marca essencialmente as sociedades modernas. Nas últimas décadas o campo da pesquisa histórica tem passado por remodelações que apontam para crescente pluralidade de abordagens e temas. Neste movimento a imprensa tem sido tomada como fonte e também como objeto de estudos. Como fonte documental, integra-se a outros materiais que dão suporte a pesquisas e reflexões em áreas diferentes; como objeto, transforma-se ela mesma no foco dos trabalhos. (MOREL, BARROS, 2003).

2. HISTÓRIA, COMUNICAÇÃO E MEMÓRIA2.1 A história da imprensa

A imprensa surge no Brasil com a vinda da Família Real Portuguesa que trouxe uma tipografia completa, fundando a Imprensa Régia no Rio de Janeiro em 1808, 308 anos após a descoberta do Brasil. Até então, Portugal não permitia a instalação da imprensa no país. Em 10 de Setembro de 1808 saía o numero inicial do primeiro jornal brasileiro “A Gazeta do Rio de Janeiro”.

Em 1º de Junho de 1808, três meses antes da “Gazeta do Rio de Janeiro”, saía em Londres o “Correio Braziliense”, dirigido e redigido por Hipólito José da Costa, maçom e liberal, exilado naquela cidade. Em 1809 foi proibido de circular no país e em 1820 o “Correio” teve permissão para circular novamente, mas com o surgimento de outros jornais, praticamente perdeu a finalidade e desapareceu em 1822.

Em 1811o, na Bahia, surgia a “Idade de Ouro do Brasil”, nos mesmos moldes da Gazeta do Rio de Janeiro, que defendia o absolutismo. “Este jornal nascia para neutralizar o material contrário a Portugal que chegava ao Brasil com a abertura dos portos”.(AMARAL,1982, p.224).

À partir da metade do século XIX, o Império se consolida e a imprensa política, representada principalmente pelos Pasquins, esmorece. Com a organização urbana que se começa a formar, a imprensa reflete as transformações da época e começava a predominar o jornalismo mais conservador, exemplificado principalmente pelo “Jornal do Comércio”.

Jovens de famílias mais ricas iam estudar na Europa e voltavam ao Brasil com idéias novas e liberais: idéias republicanas. As dificuldades dos transportes e do correio prejudicavam a chegada dos jornais da Corte nas províncias, o que provocava o aparecimento de mais jornais no interior.

Em 1865, surge em São Paulo, o “Diário de São Paulo”, que inaugura a primeira máquina de impressão em grande formato. Em 1874, surge a “Gazeta de Notícias”, reformando a imprensa de seu tempo. Dava espaço à literatura, mas também às grandes preocupações nacionais. No mesmo ano instala-se no Rio de Janeiro a primeira sucursal da Agência Telegráfica Reuter Havas, que depois da 2ª Guerra Mundial passou a chamar-se France Press.

Os ideais republicanos conquistaram a imprensa. Reaparece o Pasquim, diferente daquele que existia durante a regência, agora com paixão doutrinária, de princípio abolicionista e republicano. No Rio de Janeiro, Quintino Bocaiúva, jornalista republicano, fez do jornal “O Paíz”, uma tribuna para destruição do regime monárquico, enquanto em São Paulo circulava desde 1875 o “Província de São Paulo”, que mais tarde passou a chamar-se “O Estado de São Paulo”. Em 1891, nascia no Rio de Janeiro o “Jornal do Brasil”, montado como empresa, que trazia inovações como a distribuição em carroças e amplitude de correspondentes estrangeiros.

Em Minas Gerais, segundo Hugo Ponte(PONTES, 1999)os primeiros jornais apareceram em Ouro Preto, se chamavam o “Compilador Mineiro”, cujo número 1 circulou em 13 de outubro de 1823, e o “A Abelha do Itaculumy”, que circulou no ano seguinte, sendo que o primeiro exemplar é do dia 14 de janeiro de 1824.

2.2 História de ViçosaA cafeicultura se desenvolveria no início do século XIX no solo da Zona

da Mata e depois atingiria o sul de Minas e o restante do estado. Da metade do século em diante a Zona da Mata era responsável por 99% da exportação mineira de café.

Viçosa está localizada na Zona da Mata e seu nome foi dado em homenagem ao Dom Antônio Ferreira Viçoso, da arquidiocese de Mariana, que visitou a cidade (SANT’ANA, 1984).

No ano de 1919 Viçosa estava entre as 23 cidades que eram as maiores produtoras de café da Zona da Mata. “O surgimento e o desenvolvimento dos núcleos urbanos mais importantes estão relacionados com o desenvolvimento da cafeicultura” (GIROLETTI, p. 87).

A cidade teve grande importância política tanto no cenário local, com influência na política das cidades próximas, quanto no estado e no país, com senadores e deputados federais, além de ser a cidade natal do ex-presidente da República, Arthur Bernardes. Isso favoreceu muito o desenvolvimento da cidade, que teve a instalação da Universidade Federal de Viçosa.

Arthur Bernardes era casado com Clélia Vaz de Mello, filha do maior líder político de Viçosa, Carlos Vaz de Mello, senador da República em 1900, e anteriormente Deputado Geral de 1881 a 1885.Vaz de Mello era tio do proprietário do jornal que é fonte dessa pesquisa e já participou diretamente da imprensa local.

Nas primeiras décadas do século XX a maior produção de café de Minas continuava se concentrando na Zona da Mata. (GIROLETTI, 1976). Isso representava uma grande importância econômica dessa região no cenário nacional, pois “entre os anos de 1924 e 1928,o café correspondia a mais de 70 % na receita das exportações” (NETO, 2003, p. 212).

2.3 A década de 20O ano de 1920 é o segundo após o término da I Guerra Mundial, que

pode ser considerada um sintoma de uma crise geral do capitalismo. Com a guerra, no Brasil iniciou-se o que Caio Prado Junior(1978) chama de política de substituição de importações, quer dizer, produzir parte dos produtos que

antes importava, e esse foi um dos momentos iniciais do desenvolvimento industrial.

O processo de industrialização instalado no país na década de 20 dependia “do setor agrário-exportador, pela insignificância dos ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente da concentração. As atividades predominantes por setor são as têxteis e as alimentares”(FAUSTO, 1972, p. 19).Mas a década de 20, principalmente de 24 a 30, é “uma fase sombria para as indústrias brasileiras; muitas fracassam e perecem, e todas ou quase todas se manterão próximas do nível mínimo de subsistência”(JUNIOR, 1978, p.266).

O principal elemento da superioridade agrícola no país era o latifúndio, que representava mais de 59% da área rural total do país. A acumulação de riquezas permitia que parte do capital fosse investido em indústrias, mas o latifúndio de café era predominante.

Na década de 20 apareceram várias publicações sobre o papel dos militares e civis na proclamação da República, a qual revelava suas fraquezas. Passado o momento inicial o novo regime consolidou-se, como afirma José Murilo de Carvalho(1987), sobre um mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo e vitória da ideologia reforçadora do poder oligárquico. Os novos grupos (industriais, pequena e média burguesia, e proletariado urbano) que passavam a ter maior importância política, se viam prejudicados pelo predomínio da oligarquia paulista, além da crise na economia cafeeira (COSTA, 1999). Durante essa década vigorou a política do café com leite ou política dos governadores, que era uma aliança entre Minas Gerais e São Paulo.

Com o fim dos efeitos da I Guerra Mundial, a situação anterior à guerra é pressionada a voltar. Os governos de Arthur Bernardes (1922-1926) e Washington Luis (a partir de 26) com uma política deflacionária e a valorização do café levam a estabilidade da moeda brasileira e a importação aumenta.

O movimento tenentista é o principal sintoma de mudanças que ocorreram com a I Guerra, que permitiu um avanço industrial.

“A economia monocultora e exportadora apresentava claramente suas deficiências. Cobrindo esse fundo estrutural, as instituições políticas, aparentemente firmes e até dotadas de eternidade, estavam abaladas e correspondiam a uma velha forma tentando disfarçar o conteúdo novo, mas já não alcançando os seus fins, descambando para o descrédito ostensivo que anunciava mudanças turbulentas.”(SODRÉ, 1978, p.20).

O movimento político chamado de Tenentismo expressou a contestação das estruturas coloniais ou dependentes que se mantinham mesmo com a Proclamação da República e era resultado do inconformismo militar. Além disso o movimento também é a expressão política da pequena burguesia que não tinha as mesmas condições que outras classes. Além disso os tenentes se identificam como “responsáveis pela salvação nacional, guardiões da pureza das instituições republicanas, em nome do povo inerme”(FAUSTO, 1972, p. 58)

A indignação militar não existiu apenas nesse período. Houve manifestações durante o Império, na abolição e na República, mas desta vez o movimento tinha características próprias a partir da sucessão presidencial em 1922 e sua maior manifestação foi chamada de Coluna Prestes.

A Coluna recebeu esse nome devido ao seu líder Luis Carlos Prestes e desencadeou-se em outubro de 1924 no Rio Grande do Sul. Durante os três anos seguintes a Coluna se deslocou pelo interior do país percorrendo mais de 20 mil quilômetros. Segundo Luis Carlos Prestes( SODRÉ, 1978), a Coluna

era um movimento feito por jovens e que tinha como principal objetivo derrubar o governo.

Até 1930 o regime republicano começa a correr perigo e se “instaura uma crítica nacionalista dos modelos cosmopolitas vigentes” (SEVCENKO,1998,p.37) até a ascensão de Getúlio Vargas. O período que se inicia em 1921, com a campanha da sucessão do presidente Epitácio Pessoa, e culmina na Revolução de 1930, tem nesses marcos as referências imediatas do tumultuado processo de decomposição e derrubada da ordem estabelecida pela República Velha.

Em relação a imprensa, em novembro de 1923 é aprovada a Lei Adolfo Gordo, primeira lei de imprensa no Brasil, projeto original do senador paulista Adolfo Gordo. Mais conhecida como "lei infame", invocava o lema da liberdade com responsabilidade para encobrir um dos seus propósitos —acabar com a chamada imprensa proletária mantida pelos trabalhadores. (NEGREIROS, 2004). Era uma lei antioperária, que resultou das greves, das grandes greves de 1917 e 1919, que foram os maiores movimentos da massa operária que se deram no Brasil até hoje.

Na área cultural, a década de 20 também foi rica. As novas tecnologias como linhas de telégrafo e telefone em 1922, a instalação da primeira emissora de rádio em São Paulo no ano de 1925 e o surgimento do cinema, transformavam a cultura. As produções hollywodianas ditavam a moda através das telas de cinema, induzindo o capitalismo e consumismo.

“A inquietação não era só política. As artes também se rebelaram, rompendo com padrões tradicionais.”(LIMA, 1989, p.68). A Semana de Arte Moderna foi outro grande marco na década de 20. A semana foi realizada por intelectuais burgueses insatisfeitos com as regras e estilos na arte e literatura, e foram buscar novidades na Europa para trazer ao Brasil.

A década de 20 termina com a crise de 1929 e quebra da Bolsa de Nova York. O mundo entra em crise e o Brasil se vê prejudicado, com queda nas exportações. Por fim, Getúlio Vargas assume o poder e inicia uma outra fase da história brasileira.

2.5.O jornalismo impresso em Viçosa até a década de 20Os jornais, historicamente, na cidade de Viçosa, eram controlados pela

elite. Os principais jornais que circularam até a época da pesquisa tinham como proprietários os políticos ou fazendeiros que detinham o poder econômico e político na região.

O jornal mais antigo da cidade é o “CIDADE DA VIÇOSA”. O primeiro exemplar circulou no dia 15 de novembro de 1892, era semanal, publicado aos domingos e seu fundador foi o senador Carlos Vaz de Melo. A circulação era nacional e parte de seus exemplares está arquivado na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

Na primeira página o jornal publicava que era um “ORGAM DO PARTIDO REPUBLICANO”, mesmo partido de Arthur Bernardes, ex-presidente da república, que participou do jornal. Em 1948 passou a se chamar “CIDADE DE VIÇOSA” e no dia 30 de setembro de 1961 foi extinto, mas voltou em 1962 com novo diretor, Omar Orlando.

O concorrente do jornal no início do século XX era o “GAZETA DA VIÇOSA”, “contra-bernardismo”, ao contrário do CIDADE, que era diretamente ligado ao presidente Bernardes. O proprietário do GAZETA era João Braz da Costa Val. O jornal parou de circular durante um período, voltando em 1938 com o nome GAZETA-NOVA FASE. Em 1945 passa a ser propriedade de Silvio

Romeu César de Araújo, então prefeito da cidade de Viçosa. Depois o jornal passou a ter como diretor e proprietário José da Costa Vaz de Melo.

No ano de 1923 surgiu o “JORNAL DE VIÇOSA”, publicado aos domingos até o exemplar nº 21, quando passou a ser publicado aos sábados. Em 1928 o jornal parou de circular. O diretor era Sylvio Loureiro, sobrinho do Coronel Carlos Vaz de Melo. No dia 22 de setembro de 1989 volta e circula até 1990, mas sem nenhuma relação com o publicado na década de 20. Desta vez o diretor era Francisco Tadeu de Senna Fernandes.

Em 1928, no dia 10 de março, circulou o primeiro exemplar do jornal “O IMPARCIAL”. O proprietário era José Archimino de Souza, advogado e ex-delegado da cidade, além de ter colaborado algumas vezes com o JORNAL DE VIÇOSA. O gerente era José Maria da Costa Pinto, funcionário do Patronato Agrícola “Arthur Bernardes”.

Outros estilos de jornal também existiram na cidade de Viçosa. Um deles foi “O ASTRO”, que como afirmava em seu cabeçalho, era “humorístico e noticioso,dedicado ao Bello Sexo”, ou seja, as mulheres. O primeiro número circulou em 07 de setembro de 1904 e o proprietário era A.Galvão & Cardoso. Além de ter um estilo diferente, o jornal era pequeno, com aproximadamente 15 cm de altura por 10 cm de largura.2.6. O Jornal de Viçosa

Dentre todos os jornais citados na história da imprensa de Viçosa, o Jornal de Viçosa foi objeto da pesquisa porque tem o maior número de exemplares arquivados no arquivo particular de Antônio Melo, escritor e morador de Viçosa. Ao analisar como o Jornal de Viçosa retrata a sociedade na década de 20, em especial entre os anos de 1923 e 1928, percebe-se algumas características do jornal. Suas matérias não são apenas informativas, tem sempre um posicionamento crítico da realidade, defendendo os valores que consideram corretos, cobrando os responsáveis pelo que acontece de errado no município e julgando as ações ou ausência delas.

A imprensa pode ser um instrumento de oposição e resistência, mas também exercício da democracia e para a manutenção da ordem (MOTTA, 2002), que é o caso do Jornal Viçosa, que defende os valores republicanos e a ordem social como ela se encontra.

A tendência desse pêndulo político é revelado pelas condições concretas da luta política local de cada cidade. No caso do jornal abordado na pesquisa, sua relação política é evidente. O diretor do jornal é Sylvio Loureiro, major e sobrinho do Coronel Mário Vaz de Mello, que dirigiu o jornal Cidade de Viçosa e que era representante de Arthur Bernardes no município.

No ano de 1925 o Jornal de Viçosa passou a ter um gerente, Carlos Magno, que ficou durante um ano. O jornal era o órgão oficial onde se publicavam os relatórios da Associação Comercial de Viçosa, bem como as atas de reuniões; os relatórios da Companhia Viçosense de Força e Luz; da delegacia de polícia, do coletor federal e estadual, que eram os responsáveis por recolher impostos; os pedidos de falência e todos os relatórios judiciais, assim como avisos do governo federal entre outros.

Isso levava o jornal, que tinha, normalmente, 4 páginas, a dedicar mais de duas para as publicações oficiais. O resto do espaço era ocupado por notas de quem visitou a cidade, quem visitou o jornal, quem casou, quem morreu, foi viajar, voltou de viagem, pagou a assinatura do jornal, os aniversariantes.

Outro fato importante é a relação do jornal com a religiosidade, sendo que todas as festas católicas eram divulgadas, ocupando muitas vezes a

primeira página. Além disso o jornal noticiava o surgimento de outros jornais, tanto em Viçosa como no estado e em alguns lugares do país. Quando recebia exemplares dos jornais também fazia uma nota de agradecimento.

O primeiro exemplar do Jornal de Viçosa circulou, provavelmente no dia 01 de julho de 1923. A data não pode ser confirmada pois não se tem o número um. O exemplar do qual começa a análise é o ano I, do dia 12 de agosto de 1923, n.º 7. Assim como não se pode afirmar a data de início, não de pode afirmar ao certo quando parou de circular. Na pesquisa, a análise se encerra no ano V, do dia 19 de maio de 1928, n.º 40, último exemplar arquivado.

Nem todos os exemplares desse período estão arquivados como os números:Ano I- 11, 12, 19, 31. Ano II- 13, 18. Ano III- 14. Ano IV- 5, 31, 33, 34. Ano V- 1, 3, 4, 5, 23, 27, 29, 34, 35, 38 e 39.Além disso, há publicações com números repetidos como no Ano IV, quando há duas edições número 22, 23 e 25, sendo que cada edição é de uma data diferente.

2.7. Jornalismo Opinativo e InformativoA imprensa do século XIX e começo do XX era marcada principalmente

pela opinião e não pela informação.Os jornais de opinião começaram com a Revolução Francesa e até meados do século XIX eram muito caros e voltados para a elite.

Os jornais eram criados para defender uma ideologia ou um objetivo que as pessoas buscavam conseguir.A imprensa era “o veículo prioritário para a batalha política”(ROSSI, 1986, p. 9) através da expressão de opinião. Essa característica não está presente apenas na imprensa brasileira, mas anteriormente na imprensa francesa, inglesa e também na americana, que praticavam um jornalismo mais opinativo e tendencioso do que informativo.

A opinião também era uma maneira de manipular fatos de acordo com os interesses do grupo ou da família proprietária do jornal (CAMPO, 2002). Com o tempo, o espaço dedicado a opinião foi reduzido para dar lugar a informação. Mas hoje a opinião não se limita apenas aos editoriais ou artigos assinados. Continua presente no título de cada reportagem, e em todo o processo jornalístico.

A seleção que o jornal faz do que publicar, desde o repórter que seleciona os fatos ao editor que decide o que eliminar, todo esse processo é permeado de opinião(CAMPO, 2002), mesmo que em teoria seja considerado que o jornalismo de hoje é predominantemente informativo e não mais opinativo.

O jornalismo opinativo e o informativo são categorias jornalísticas que apresentam características especificas e são distintas ideológica e politicamente. São duas categorias relacionadas com as maneiras de relação com o real – a reprodução e a leitura que se faz do real. A reprodução é a possibilidade de, após se apreender o real, reproduzí-lo no jornal. De acordo com essa reprodução, o leitor poderá fazer uma leitura do real que lhe é transmitido.

No jornalismo opinativo, a estrutura dada à mensagem é determinada por variáveis controladas pelo jornal e assume duas feições: autoria e angulagem (MELLO, 1992). Além disso, é uma categoria dividida nos seguintes gêneros jornalísticos: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica caricatura e carta. No jornalismo opinativo realizado pelo Jornal de Viçosa esta separação não é tão definida. Na maioria das edições não há editorial, nem comentário, resenha ou crônica.

Diferentemente do jornalismo opinativo, no informativo, os gêneros que o compõem estruturam-se com base em um referencial que não depende do jornal, e sim do acontecimento de um evento. Segundo a classificação feita por José Marques de Melo (MELO, 1992), dentro dessa categoria há os gêneros nota, notícia, reportagem, entrevista, serviço e enquete. Essa classificação dos gêneros não é estática pois estão relacionados com o modo de produção jornalística e com a cultura.

3. A DÉCADA DE 20 NO JORNAL DE VIÇOSAComo já explicitado no capítulo anterior, a década de 20 foi palco de inúmeros

acontecimentos, que muitas vezes estavam retratados nos discursos dos jornais. Neste capítulo são analisadas algumas matérias, separadas de maneira a facilitar a análise. O método utilizado é o estudo de caso, com uma descrição do Jornal de Viçosa e uma análise do seu conteúdo, agrupando as matérias selecionadas e analisadas em diferentes tópicos.

Em questões locais, estão as matérias relacionadas a política local, saúde, educação e gerais sobre a cidade; em questões sociais estão as relacionadas ao preconceito à entrada de imigrantes, os nomes dados aos filhos e a questão do trabalho; em judiciário agrupou-se as notícias sobre polícia e leis; em meios de transporte, notícias sobre automóveis, carroças e acidentes de trânsito; em economia, as relacionadas com a economia nacional e sua influência na local, com ênfase no comércio e câmbio; e em movimento tenentista, a abordagem que o jornal deu a esse movimento que marcou a década de 20.

3.1.Questões locais“Entristece”

Nessa matéria, publicada no dia 26 de agosto de 1926, o jornal escreve sobre a situação da Igreja do Rosário que ainda está em construção. Aproveita para criticar as construções da cidade, que “constituem desinteressantes padrões de reminiscência colonial, accrescendo a circumstancia de se acharem quase todos a pico de desabamento”. São desinteressantes porque com a República, ou seja, a Belle Epóque, as construções que remetem ao período colonial não transmitem a idéia de modernidade que se busca.

Mas sem esquecer a construção da igreja, o jornal, indiretamente, coloca a culpa principalmente na população, pois “nada pode fazer sem o concurso dos parochianos”. Com isso, busca fazer com que os católicos passem a financiar a finalização da obra pois “O estado da nossa Egreja do Rosário, realmente, entristece”. “Os missionários”

A religião sempre esteve presente no jornal através de comemorações de dias santos, visitas de padres e outros importantes representantes da Igreja Católica. Na matéria do dia 7 de junho de 1924, o jornal fala da visita à cidade vizinha São Miguel do Anta dos missionários, considerados “democratas, modestos e cultos...dignos e credores da estima e veneração não só de catholicos brasileiros, como também daqueles que se interessam pelo bem da collectividade, pela grandeza da pátria ”. Desde aí o jornal já começa com seu discurso a favor do catolicismo, pois até os que não são católicos devem venerar os missionários porque eles levam a “palavra de Deus” para todos.

De acordo com o jornal “os homens, pelo reflexo do progresso, se vão transformando em verdadeiros adeptos da descrença e do indifferentismo, em que a palavra de Deus, parece, vae sendo, aos poucos, banida dos lares” mas procura fazer um discurso que convença as pessoas de que, quem não é católico, não é capaz de ser bom. A pessoa que lê e que não é católica deve vir a ser, pois

“Sim. Ainda hoje, no século das luzes, vegeta, neste vasto Paiz, uma immensidade de almas sem luz, que, descrendo de tudo, não tendo fé, nem amor, nem caridade, destituídas dos mais rudimentares preceitos de educação, constituem um enorme perigo para as classes honestas, catholicas e laboriosas que, felizmente, existem no nosso caro Brasil.”

De acordo com a visão do jornal, quem não é católico não tem amor, nem caridade, nem educação, o que transforma essas pessoas em um perigo para quem é católico, e que portanto é honesto e trabalhador. Com esse discurso, além de tentar convencer a pessoa que não é católica de que ela é uma ameaça, também quer criar nos que são católicos um medo, receio em relação aos que não são, para que não os vejam com bons olhos.

O perigo também pode estar no fato de que descrentes, se não se unem a Deus, podem não respeitar a propriedade rural, principal base da elite. Além disso, há um conteúdo ideológico que usa da religião como meio

de convencimento dos indivíduos da necessidade de manutenção e respeito pela ordem social.

Segundo o próprio jornal, ele se enquadra nas pessoas honestas pois “Nós, ’O Jornal, além de catholicos” e diz que a religião católica é “sublime e encantadora, baseada – coisa admirável – apenas no prestigio sempre crescente de um madeiro – a Cruz e de um circulo minúsculo – a Hóstia”.

A presença dos missionários é importante porque vão “de aldeia em aldeia, espalhando, à mancheias, as luzes da Religião nos cérebros doentios”, além de conseguirem “afastar do mao caminho dezenas e dezenas de almas que hoje abençoam, unidas e satisfeitas, a acção bemdicta e perdurável de dois fieis representantes de Christo”.

Portanto, para o jornal, as pessoas devem receber os missionários bem e aceitar o fato de que é através da religião católica que uma pessoa é boa e tem uma alma de luz. “Para quem appellar?”

Uma “preta tuberculosa” vive na praça e o jornal cobra, na edição do dia 4 de junho de 1927, que “ninguém ainda se lembrou de remediar-lhe, já não dizemos o mal, porque este é irremediável, mas a desgraça dessa mulher”.

A preocupação do jornal não é exatamente com a situação da mulher mas sim com o fato de que “ vivendo assim, a desgraçada mulher ameaça, com o vírus perigoso da sua incurável moléstia, propagar o mal em muitas creanças...Além disso, esse facto muito irá contribuir para o desdoiro dos nossos foros de povo civilisado”

E por esses motivos o jornal pede “as autoridades competentes o seu efficaz concurso no sentido de remediar a desgraça daquella mulher que, a continuar assim, trará novas desgraças para a nossa população.Mas para quem appellar?”, pergunta que deveria ser respondida pelo jornal, que ao invés disso apenas abre esse questionamento.

3.1.2 Câmara MunicipalNo ano de 1927, a sucessão presidencial da Câmara de Viçosa foi matéria de primeira página em várias

semanas, sendo em duas semanas seguidas. Nessa época o presidente da Câmara era escolhido através de eleições. Nas duas primeiras veio com o mesmo título “O futuro presidente da nossa Câmara Municipal” e na terceira com “Ainda a presidência da Câmara”, matéria que começa com a frase “Não é demais insistir” até porque, segundo o jornal, esse não tem “compromissos políticos...preferências pessoaes”.

Mas ao ler as três primeiras matérias, publicadas nos dias 15 e 22 de janeiro, e 12 de fevereiro, se percebe que o jornal constrói um discurso para criar uma opinião pública favorável ao candidato que considera mais apto a ocupar o cargo, que deve ser um “candidato natural desta encantadora cidade” porque “quem melhor do que um nato cidadão de Viçosa, poderá experimentar...desejar a prosperidade desta cidade”. Essas são afirmações presentes na primeira matéria, do dia 15, mas se repetem nas outras.

Na matéria do dia 22, a primeira frase é “A nossa previsão não falhou”e no fim desse parágrafo o jornal justifica porque: ”A maior parte dos habitantes do município, mesmo aquelles que não estão presos a elle pela fatalidade accidental do nascimento dentro dos seus limites, reconheceu as razões e – a nobreza das intenções que alimentamos neste pleito”.

Mesmo sem, segundo o jornal, preferências pessoais, através das três matérias consegue convencer, de acordo com a afirmação acima, que a maior parte dos habitantes reconheceu suas razões e que o melhor para as eleições é que a população escolha um candidato de Viçosa, a exemplo do “sr. Dr. Arthur Bernardes”, que foi o único presidente da Câmara de Viçosa nativo até então.

Na terceira matéria, quando “Não é demais insistir” e também porque “não temos e nem visamos um determinado candidato”, o jornal escreve que a situação nessa eleição mudou, porque se antes havia indiferença, agora

“se nota a vontade autônoma e expressiva de eleger o candidato que reúna as qualidades primaciaes de um homem de bem e de um legitimo filho desta terra.....Pode ser outro Antonio Gomes Barbosa, nascido em Viçosa e aqui criado, amante dessa terra e de sua gente, cioso desse patriotismo regional”.

As qualidades do candidato foram definidas pelo jornal, que com seu discurso busca que as pessoas também escolham essas características para votar em um candidato. E assim como se deve escolher “na França, um francez”, nas eleições municipais, seguindo essa afirmação, o jornal se “auctorisa a querer para presidente da Câmara de Viçosa UM VIÇOSENSE NATO”.

No dia 26 de março o assunto da Presidência volta a primeira página com o título “O futuro presidente da nossa Câmara Municipal”. Nessa matéria, como já há um posicionamento do “Directorio Político do Município”, o jornal traz no nome do candidato que considera que deva ganhar:

“É provável que a escolha do futuro presidente da Câmara Municipal, venha recahir no distincto viçosense, dr. João Braz da Costa Val, ficando assim satisfeitas a vontade e a aspiração do povo desta terra”.

Com esse discurso, o jornal busca persuadir o leitor a acreditar que a escolha desse candidato realmente vai satisfazê-lo pois

“O nome do dr. João Braz constitue uma optima candidatura e é um orgulho de nossa Viçosa” e será satisfeita a “vaidade...dos filhos de Viçosa, que terão como presidente de sua Câmara Municipal, um viçosense nato, dos mais distinctos e queridos”.

Depois dessas matérias não se tem o exemplar arquivado que traga o vencedor da eleição e o que o jornal disse sobre o resultado, mas com a matéria do dia 21 de janeiro de 1928 com o título “Câmara Municipal” e que começa com a frase “Sob a presidência do exmo. Sr. Dr. João Braz da Costa Val”, percebe-se que o candidato escolhido pelo jornal venceu as eleições.

Não se pode afirmar até que ponto a opinião do jornal influenciou no voto das pessoas, mas o que se sabe é que através de seu discurso tentou persuadir as pessoas de que o melhor era que vencesse um viçosense, e que quem ganhou a eleição foi aquele que o jornal queria. Percebe-se então o quanto e como o jornal tentava intervir na cidade, principalmente em suas decisões políticas.

3.2. Questões Sociais“Questão social”

Na matéria do dia 8 de novembro de 1923, o jornal coloca que no século em que ele é publicado, a questão mais importante “é o problema social, onde se procura remover as dificuldades que existem entre o capital e o trabalho”. Mas sua intenção com a matéria não é mostrar que se preocupa com questão social, e sim em abordar a questão da Rússia, onde “O operariado obedecendo às orientações morbigenas de meia dúzia de demagogos, julga que pode usufruir uma alta, uma relevante posição na sociedade, fazendo taboa-rasa do capitalismo”.

O que pretende com esse discurso é manter o poder do capitalismo, capitalismo esse que mantém seu status de vida e sua posição privilegiada na sociedade. Coloca como se não se devesse contrariar o capitalismo, mas tenta não deixar essa classe operariada achando que o jornal não se preocupa com a situação deles, pois afirma que “ao lado, porém, das garantias que o Estado dispensa ao capital, surge também a necessidade de se amparar, de se proteger ao trabalho, representado nas pessoas do operariado. O Brasil por muitos annos, não dispensou á questão social o cuidado devido”.

Com essas afirmações coloca que reconhece que os investimentos na questão social não são muitos, mas logo em seguida mostra que o governo, “consultando os interesses das classes trabalhistas, já temos, felizmente, elaborado algumas leis de fundo humanitário, social”. Assim acalma qualquer pessoa que pense em lutar contra o capitalismo, pois vão pensar que o governo está fazendo algo para mudar a situação dessa classe.

É um discurso que quer manter a ordem, reconhecendo que há erros, mas deixando claro que estão sendo corrigidos, e que por isso ninguém precisa seguir o exemplo da Rússia, mantendo assim o capitalismo. “Os sem trabalho”

Na matéria do dia 27 de novembro de 1926, o jornal faz um discurso para convencer as pessoas de que a imigração é desnecessária, pois há muitos desempregados no país, “uma legião sempre crescente dos sem trabalho”, fato que pode ser constatado em qualquer lugar, “por toda parte, esse exercito de creaturas inuteis pela vida”.

Com esse tanto de pessoas desempregadas, “ quando se fala na lavoura semi-morta á falta de braços, há ainda quem venha clamar aos céos pela immigração, acceitando mesmo, como elemento são, todos os males que lhes advêm, de ordem physica ou de ordem moral”. Através desse discurso, além de se mostrar contra a imigração, o jornal ainda mostra o imigrante como uma pessoa que não deveria ser bem aceita, pois são possuidores de males físicos e morais.

O jornal afirma é que estas pessoas consideradas por ele “sem trabalho” na verdade não trabalham porque não querem, “preferem a miséria...ao leve sacrifício de umas horas de labor proveitoso’. A solução então para o jornal é obrigar essas pessoas a trabalharem:

“Para esses, criminosamente viciados da indolência, não seria demais uma obrigatoriedade que a elles próprios faria bem, concorrendo para o verdadeiro progresso de um paiz novo como o nosso”.

Assim, através do poder de sua palavra, busca convencer as pessoas de que não é necessária a imigração, e sim algo que obrigue quem não trabalha a trabalhar.

3.4. Meios de transporte“A vertigem da velocidade”

Na matéria do dia 14 de outubro de 1926, o jornal fala do perigo do automóvel, que é uma criação que “mais interesse há despertado na gente do seculo”. Sua posição perante esse símbolo da modernidade não é positiva pois para os que não tem essas “infalliveis machinas da morte, a preoccupação maior é conseguir uma, no evidente proposito de evitar a acção mortífera das outras”, com isso busca formar uma opinião contrária ao automóvel, sem que haja benesses em possuí-lo.

A matéria salienta que o mal maior não é o automóvel em si, mas a “vertigem da velocidade” que é quase um “phenomeno mórbido” que tem sido a “maior preoccupação das grandes cidades onde há estradas e ruas próprias para o trafego. Imagine-se agora numa cidade como a nossa, de ruas estreitas...onde o automóvel não conhece nem respeita aquelle pequenino e útil apparato que se chama velocímetro”. E para terminar de construir

um discurso que realmente transforme o automóvel em algo ruim, a matéria finaliza falando da “morte instantânea de um creançinha, esmagada brutalmente sob as pesadas rodas de um automóvel” que ocorreu “há poucos dias”.

3.5.Economia“Um symbolo e uma theoria econômica”

Na edição do dia 19 de agosto de 1923 a matéria “Um symbolo e uma theoria econômica” aborda o desaparecimento do dinheiro de cobre, o que serve para uma reflexão do jornal sobre o que representa esse dinheiro, que desapareceu porque o papel moeda desvalorizou o padrão monetário.

Mas a matéria não busca explicar o que exatamente aconteceu para o dinheiro de cobre ter desaparecido, já que o interesse do jornal é defender esse dinheiro e sua utilidade para o país.

Para o jornal o dinheiro de cobre era um símbolo que consistia na frase “vintém poupado, vintém ganho”. Além disso era uma teoria econômica que se fosse colocada em prática “ talvez curasse a mór parte dos males que affligem o Brasil”. A teoria era de que

“ em uma moeda de vintém ou 20 réis federaes, há um real de cada Estado brasileiro. Importa isso dizer que na applicação da receita publica federal, devia haver uma distribuição eqüitativa (de acordo com a superfície e população) dos favores e benefícios de toda a sorte que a União proporciona ao paiz”.

Isso transmiti a idéia do jornal de como deveria ser a economia no país, e apesar de ser defensor de Arthur Bernardes, não deixa de criticar certas decisões do governo, mas sem afetar o presidente. Para o jornal, o governo deveria tratar “tudo que constitue uma nação poderosa e rica...com o mesmo carinho em todos os Estados”.

O jornal quer, através desse discurso, mostrar que se a teoria econômica do dinheiro de cobre fosse aplicada, encararia a “questão sob o elevado aspecto moral....traduzido pela necessidade da unidade nacional, a qual encontra sua melhor garantia na distribuição eqüitativa...entre as unidades componentes da Federação”. Defende assim que se invista igualmente em todos os estados e que só assim há realmente uma unidade nacional.“No regimen das fallencias”

Na matéria publicada na primeira página da edição do dia 21 de agosto de 1926, a falência de empresas é vista pelo jornal como culpa do governo, dos bancos (“nem o regimen bancário deixa de ser fraco”) e do “fraco tino econômico-financeiro”. O país, apesar das riquezas naturais, é “ paupérrimo de iniciativas vastas e sugado por ambições alheias ao dever de gratidão, o Brasil vive hoje como viveu hontem e quem sabe viverá amanhã, num ambiente axphixiante de depauperamento financeiro”.

O jornal, na sua posição de cobrança, que sempre esteve presente em todas as matérias, se pergunta “Porque tantas fallencias....sem uma intervenção enérgica e conscienciosa de todo o elemento publico?”. “BANCO DE CREDITO REAL DE MINAS GERAES – O seu descaso pelo município de Viçosa”

Essa matéria, que ocupou a primeira página, foi assinada por Sylvio Loureiro, único caso em todos os exemplares do jornal analisados. A data de publicação é 2 de outubro de 1926 mas remete a matéria “No regimen das fallencias”, onde se fala do sistema bancário falho do país.

Na matéria do Banco, o diretor do jornal, já no título, avisa do que vai falar e seu posicionamento em relação ao assunto quando traz a palavra “descaso”. Para Loureiro, o Banco “não tem até aqui preenchido os fins a que se destina” sendo que o povo de Viçosa precisa de dinheiro, mas o Banco “continua com as suas operações suspensas, não querendo, de forma alguma, operar na praça de Viçosa”.

Durante toda a matéria, o autor reclama que a quantidade de dinheiro da agência do Banco em Viçosa é pouca e que isso impossibilita que se melhore. Não culpa o presidente do Banco por isso, tanto que o chama de “homem de alta competência...espírito culto, criterioso e inteligente, de uma honestidade destacável”, mas afirma que apenas o presidente não pode mudar a situação.

Em parte da matéria o jornal traz o que poderia ser a justificava do Banco para a falta de crédito para Viçosa pois

“Sofremos, infelizmente, como todo o paiz, as conseqüências de uma grave crise financeira e que mais se accentua nas praças em que se deu o alargamento do credito. Em Viçosa, como em todos os logares, houve, realmente, esse alargamento de credito única e exclusivamente para meia dúzia de pessoas........Mas a culpa desse credito excessivo...cabe aos bancos de fora, que, como se sabe...operam larga e francamente. Temos certeza absoluta que o Banco de Credito Real, há mais de um anno, restringiu as suas operações por empréstimos”.

Com esse discurso, o proprietário do jornal quer mostrar que o Banco realmente não investe na cidade, o que prejudica o seu desenvolvimento, e coloca sua matéria como um “appello do município de Viçosa” ao presidente do Banco.

Por outro lado, nem todos os bancos são desacreditados pelo jornal. Na edição do dia 24 de setembro de 1927 a matéria do “Banco Popular de Viçosa” fala da reunião feita nessa mesma semana para a fundação do Banco e no ano seguinte, na semana do dia 11 de fevereiro de 1928 o Banco Popular de Viçosa entra em funcionamento e a matéria “A installação do Banco Popular de Viçosa” fala sobre a inauguração, sendo que a instituição “está com a admiração de todos” além de “naturalmente, será o preferido pelo seu povo”.

4. A RELAÇÃO DE BERNARDES COM A IMPRENSA

A principal briga de Bernardes foi com Assis Chateaubriand, que era seu opositor. Na década de 20 Chateaubriand participa de “O JORNAL” e o então presidente Bernardes tentou retirá-lo da empresa através da compra de ações do jornal, mas Assis ficou sabendo e evitou que isso acontecesse. Desde então Chateaubriand buscou maneiras de mostrar à sociedade como ele achava que Arthur Bernardes era como homem político e na vida pessoal.

Em 1926 Assis escreveu o livro “Terra Desumana” para descrever a personalidade e a formação religiosa de Arthur Bernardes. Para Glauco Carneiro (CARNEIRO,1999), o livro foi demolidor e mostrou a inabilidade que provocara tantas sedições militares e o jacobismo econômico do presidente Bernardes, que atrasaria em décadas o desenvolvimento do país.

Na imprensa de Viçosa, Bernardes não enfrentava tanta oposição. A posição política do Jornal de Viçosa, seguindo a divisão existente nos jornais da cidade, de favoráveis ou contra a política do presidente da República, era bernardista. Ao elogiar políticos do estado, ligavam-os ao Bernardes, na tentativa de reforçar o poder e a força do presidente, que governava em estado de sítio e enfrentava problemas políticos.

Ao falar de outros políticos como, por exemplo, o presidente do estado de Minas Gerais na época, Raul Soares, o jornal diz:

“esmagou (Raul Soares) a calummia com que se pretendia atasalhar o nome impolluto do candidato Arthur Bernardes, que encarnava, naquelle momento histórico da República, a democracia e a liberdade civil dos nossos concidadãos”.

Além de aproveitar a matéria para falar de Bernardes, elogia-o de tal forma que busca desvalorizar as possíveis calúnias sofridas pelo presidente e colocá-lo como o representante da democracia e da liberdade civil.

Seguindo em defesa do presidente Arthur Bernardes, o jornal traz, além das visitas feitas por ele à Viçosa, homenagens ao seu aniversário ou seus familiares, e acontecimentos políticos que reforcem a posição de defensor e representante do país.

De acordo com GUARESCHI (1987) o jornal usa a diluição, ou seja, banaliza um fenômeno estranho ao corpo social, ou um sistema de mal grave, de tal modo que ele apareça como um incidente isolado, separado do seu contexto social, que não deve ter a atenção do leitor. “Os meios de comunicação minimizam o assunto e suas implicações, e reasseguram ao público que nada de especial está, realmente, acontecendo”( GUARESCHI, 1987, p.55)

Na edição do dia 23 de agosto de 1924, a matéria “Em torno da mashorca” traz o pronunciamento de Arthur Bernardes a alguns acadêmicos que foram felicitá-lo pelo fim da “mashorca” ou seja, a revolução do dia 5 de julho. De acordo com o jornal, “foi um dos maiores e mais vibrantes discursos da sua luminosa carreira política......uma profissão de fé, admirável e cheia de formosura” e refletiu o “orgulho da nação inteira que o chamou a dirigir-lhe os destinos”.

Para reforçar a idéia de que foi um movimento sem razão de ser, o discurso do jornal traz que Bernardes demonstrou “como não há um facto concreto a justificar-lhe a veracidade”. E retomando a Revolução de 22, que ocorreu no Rio de Janeiro, o presidente Bernardes, de acordo com o que está transcrito no jornal, disse: “A suspeita de ódio só poderia provir de não ter o Congresso concedido amnistia aos revoltosos de 1922. Mas essa accusação não procedia, porque a amnistia só tem estimulado a reincidência de rebelliões”.

Ao transcrever esse trecho, o jornal busca formar uma opinião pública que acredite que realmente a anistia não é algo correto e justificar os atos do presidente Bernardes. Outro trecho transcrito do discurso de Bernardes mostra que não houve perseguição política aos

militares revoltosos e justifica “alguns actos que poderiam ter determinado o juízo errôneo dos sediciosos”, como, segundo o discurso de Bernardes, não

“promover por merecimento os partidários da indiciplina e da desordem, em concorrência com os disciplinados defensores da lei e da autoridade. Se proceder assim, era commeter uma falta e não servir ao paiz, à justiça, à lei e às próprias corporações armadas, o governo confessava sua culpa.”

Em todas as matérias o jornal segue em defesa de Bernardes, mesmo que seja uma notícia sobre a visita do presidente, como a publicada no dia 31 de janeiro de 1925, quando esse recebeu “inequívocas demonstrações de apreço, a que faz juz....Viçosa, mais uma vez ufana...descobre-se reverente ao eminente Chefe da Nação”.

Em outra matéria, do dia 23 de maio de 1925 com o título “A mensagem”, o discurso de Bernardes no Congresso Legislativo é “um documento de mais alta importância política...revela o Chefe de Nação corajoso.....firme.....consciente.”

Através do jornal pode-se comprovar que era um “período agitado”, mas que o presidente soube se opor “aos manejos do caudilhismo1” e “não dissimula a realidade da situação e os perigos que ameaçam....Prefere falar ao paiz com toda a sinceridade”. E o jornal, mais uma vez, para reforçar o poder do governo que defende, afirma que Bernardes é “estadista de pulso de ferro que não tolera mando de coronéis.......encontra, entre nós, os applausos mais vivos porque sempre estivemos ao seu lado, nos dias tristes e indecisos”. Com essa afirmação não resta dúvida do posicionamento político do jornal, que considera que o presidente “encarna a Pátria nas suas aspirações de ordem, de paz e de progresso”.

E para finalizar um discurso que reforce a ordem vigente e para desmoralizar a oposição, afirma que a oposição é “minoria insignificante, que nesse periodo, preferiu pescar em água turva, e que se reduz a uma folha sem peso no conceito publico”.

5. CONCLUSÃO

O Jornal de Viçosa expressa parte dos interesses políticos da elite econômica de Viçosa na década de 1920. A elite constrói uma realidade fictícia, de interesse do grupo dominante da época. Além disso, não mostra a real profundidade dos acontecimentos, como o movimento tenentista, que durou por muitos anos, fato que foi omitido pelo jornal.

A cidade de Viçosa esteve inserida na economia cafeeira e também acompanhou o desenvolvimento de indústrias, principalmente têxteis. Com isso, havia na cidade uma elite agrária e alguns industrias, sendo que estes dois fatores influenciavam na imprensa local, seja no financiamento, através de propagandas, ou o envolvimento direto das pessoas ligadas à essas áreas no jornalismo, seja com colaboração de artigos ou participação na linha editorial do jornal.

O que se vê no Jornal de Viçosa é o predomínio do jornalismo opinativo sobre o informativo, que apesar de estar presente, era carregado de um discurso conservador e quando isso não ocorria, se resumia a informações sobre quem visitou a cidade, quem casou ou morreu.

A década de 20 foi particularmente marcada pelo movimento tenentista, que começou em 1922 mas que se fortaleceu em 1924. Esse foi um dos grandes desestruturadores da República, mas que só esteve presente nas páginas do Jornal de Viçosa durante a Revolta de Julho de 1924, em São Paulo. Depois disso o assunto não aparece mais, como se o movimento realmente não existisse.

Ao abordar qualquer assunto, o jornal emite sua opinião sobre o fato e pretende fazer o leitor acreditar no que defende, tentando com isso reforçar seus objetivos de manter a ordem política e econômica, pois a elite com a qual o jornal se identificava, ocupava um lugar privilegiado.

Nas questões locais, se considera o porta-voz da cidade e cobra ações seja da Câmara Municipal ou de inspetores de trânsito ou outros assuntos. Essa cobrança é feita de forma direta, mas sem colocar o nome da pessoa responsável, apenas o seu cargo.

1 Os caudilhos eram homens poderosos que se tornaram líderes em suas regiões após a saída dos espanhóis da América latina. Geralmente, eram grandes proprietários rurais que buscavam o poder político para melhor aproveitar os seus interesses econômicos. O caudilhismo aconteceu principalmente na Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile.

Em assuntos como o movimento tenentista ou outros ligados à Arthur Bernardes na época em que era presidente, o jornal só mostra o lado que convém, além de expor os fatos de maneira totalmente subjetiva. Em todos os casos se coloca a favor de Bernardes e desmerece qualquer ação de oposição ao presidente, como se essa não fosse suficiente para abalar a presidência ou o poder do presidente.

Por ser publicado na época da República, ou da chamada “Belle Epoque”, é nítida a influência francesa, seja no vocabulário, com textos escritos em francês ou o uso de expressões francesas em matérias escritas em português, seja na cultura, usando padrões franceses como modelos de beleza e qualidade a serem seguidos. Além disso, algumas matérias foram publicadas ressaltando a França como exemplo de força e heroísmo.

A presença da política era evidente,seja pela divulgação dos políticos que visitavam a cidade ou transcrição de matérias que falavam sobre os viçosenses e que eram publicadas em outros jornais. Também há o envolvimento do jornal com a política local e nacional, defendendo os candidatos que apoiava.

Sempre era noticiado o surgimento de um novo jornal, seja na cidade ou na região, assim como a visita à redação do jornal de pessoas que trabalham em outros jornais.Além disso, o Jornal de Viçosa estava sempre atento às publicações de outros estados, transcrevendo algumas vezes matérias publicadas neles ou mesmo defendendo a cidade ou seus interesses quando esses eram criticados.

O jornal se posicionava, e escrevia, que era o defensor dos interesses da cidade e considerava que suas matérias exprimiam as vontades e intenções da população local, seja na área política ou em reivindicações de melhorias para a cidade.

Além disso, consolida hábitos e costumes que considerava éticos e criticava os que julgava errados. Para esses, exigia que os responsáveis punissem ou corrigissem esses hábitos, ou mesmo cobrava da população que mudasse. Através de seu discurso mostrava o que deveria ser visto como correto ou como errado.

Isso estava presente principalmente na religião. Não bastava acreditar em Deus ou ter fé. Para a pessoa ser honesta, o jornal considerava que deveria ser católica apostólica romana, e em muitos momentos mostrou os que não se encaixavam nesse perfil como um perigo para a sociedade.

A preocupação com o que os outros iriam pensar de Viçosa também preocupava o jornal. Criticava a situação das ruas, dos prédios e de mendigos na rua, pois eram fatores que prejudicariam a impressão que os visitantes teriam da cidade. E ao sugerir mudanças, mais uma vez era influenciado pela cultura francesa e por padrões que remetessem a modernidade, e não ao passado da cidade.

Uma grande dificuldade para o estudo da imprensa do interior é a falta de bibliografia voltada para essa área. Além disso, encontrar as fontes de estudo, ou seja, os jornais, é difícil nas próprias cidades onde foram publicados, devido à falta de bibliotecas e hemerotecas municipais. O lugar onde se encontra é com colecionadores, em arquivos privados. Há exemplares de jornais do interior em arquivos de grandes cidades, mas nem todas as publicações estão arquivadas. Por isso, é importante que existam arquivos públicos para a conservação desses jornais e também para o acesso do público. Por não serem arquivados de maneira correta, os jornais se perdem ou são destruídos pelo tempo.

Também é importante a realização de um estudo como esse porque se conserva parte da história da imprensa e de aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais. Conhecer a cultura e costumes de uma época nos ajuda a compreender o passado, analisar melhor o presente e vislumbrar o futuro de maneira diferente, pois as mudanças são notórias, tanto nos meios de comunicação quanto na sociedade, relatada e influenciada por esse meio.

A influência e a formação de uma opinião pública são os principais objetivos do jornal, e isso não é buscado apenas na área política mas em todas. Através da seleção do que será dito sobre um fato, o jornal quer mostrar argumentos que favoreçam o seu ponto de vista e que consolidem o seu poder perante seu público.

Por isso é importante que outros estudos como esse e mais aprofundados, se realizem em jornais do interior; não apenas estudos sobre a história da imprensa mas também tendo a imprensa como fonte de pesquisa de uma época, pois, apesar de não ser o reflexo mais fiel, é o mais próximo de retratar um certo ponto de vista que parte da sociedade constrói sobre sua própria época e, através da confrontação de pontos de vistas, pode-se conhecer melhor uma história, uma época, uma cidade, bem como suas relações de poder e estratégias de dominação.

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