além da inclusão

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Entertainment & Humor


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Page 1: Além da inclusão

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por José Gabriel Navarro

Os seGredOs de um filme prOtaGONizadO

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o diretor e roteirista do longa-metragem, Marcelo galvão, é o primeiro a embarcar neste quarto sonho. Estava marcada para a segunda metade de julho uma ida do cineasta à sede da organização das Nações Unidas (oNU) para exibir o filme a alguns chefes de Estado. além disso, já escreveu 13 episódios — uma temporada inteira — de um seriado baseado em Co-legas, que em breve será negociado com emissoras de televisão para sair do papel.

a mistura equilibrada de engajamento e naturalida-de com que a história trata de downianos vem do pró-prio galvão, aliás. o nome do personagem Márcio era o mesmo de um tio do diretor. “se eu não tivesse a ex-periência de passar a infância com ele, não poderia ter escrito este roteiro. Fiz a partir de minhas memórias

THistórias extraordinárias – Na página ao lado, cena icônica do longa-metragem Colegas, com os três amigos – Stalone, Aninha e Márcio – partindo para a jornada de autodescobrimento. Logo abaixo, o diretor e roteirista Marcelo Galvão mostra o troféu principal do último Festival de Gramado – a produção ainda levou outros dois (Direção de Arte e um Prêmio Especial do Júri para o elenco, que o trio principal exibe na foto logo à direita). Também nesta página, outros sinais do fenômeno: Ariel Goldenberg e Rita Pokk na sua casa em São Paulo, onde receberam a reportagem da MONET; Goldenberg realizando o sonho de se encontrar com o ídolo Sean Penn em sua residência em Los Angeles, resultado da iniciativa que moveu artistas, fãs e se espalhou pela internet

Três AMigos, nuM conversível, corTAM A estrada rumo ao sul do país, ao som de Raul seixas. seguindo esta fórmula de road movie à brasileira, Colegas fala da busca por so-nhos e liberdade (como todo filme desse gênero) de três jovens com síndrome de Down (como quase nenhum filme, de qualquer tipo que seja). os 14 prêmios e os mais de 160 mil espectadores conquistados pela obra até o momento confirmam: o desempe-nho superlativo do trio protagonista dá total sustentação ao longa--metragem, que até poderia se deter em temas como superação e inclusão social, mas se propõe mesmo à missão tão desafiadora quanto essencial do cinema, que é contar uma boa história.

“É uma comédia, é um filme ‘pra cima’. Está mostrando a quebra do preconceito para a so-ciedade, e, para os pais, ensinando-os a deixar os filhos seguirem seu próprio caminho”, diz

ariel goldenberg, intérprete de stalone, em seu apartamento no bairro paulistano do sumaré, onde mora com a esposa, a atriz Rita Pokk, que interpreta aninha. a trama, de fato, aponta para a emancipação que qualquer jovem persegue, não apenas os downianos. stalone quer ver o mar, aninha deseja casar e Már-cio, vivido pelo desenvolto judoca Breno Viola, precisa voar.

o empenho de ariel fora das telas também ajudou a chamar a aten-ção para o filme. Ele criou a campanha #VemseanPenn (com hashtag e tudo) para trazer o ator ao Brasil e conhecê-lo pessoalmente. Penn foi indicado ao oscar pelo papel de um pai com deficiência mental em Uma Lição de Amor (2001). Em março último, ariel e Rita encon-traram o norte-americano na casa dele, na Califórnia, e ganharam de presente o certificado de indicação ao prêmio da academia de artes e Ciências Cinematográficas. E agora, claro, a campanha da vez é #EuVouProoscar (www.facebook.com/EuVouProoscar): ariel e a equipe de Colegas pretendem representar o Brasil na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

da ficção. E eles têm uma disciplina muito constante”, avalia galvão, que, no total, dirigiu mais de 40 pessoas com síndrome de Down em Colegas. o único quesito que precisou ser retraba-lhado mais vezes foi o da dicção.

HuMAnidAde – o Brasil tem tradição cinematográfica re-cente e escassa tanto em art brut (aquela desenvolvida pelos clini-camente loucos, cujo exemplo mais assumido e bem-sucedido é Loki, de 2008, centrado no Mutante arnaldo Baptista) quanto em arte naïf, ou seja, “inocente”, sem técnicas vindas da preparação acadêmica e com o olhar voltado para os próprios sentimentos, caso de outro documentário, o misterioso Elena, de 2012.

Já a síndrome de Down teve, se muito, espaço em cotas de merchandising social em produções para a tV como as novelas da Rede globo Coração de Estudante (2002), com dois persona-gens secundários, e Páginas da Vida (2006/2007), em que a al-teração genética era a faísca para as explosões melodramáticas de Regina Duarte e parte do núcleo principal criado por Manoel Carlos. a garotinha com Down desta segunda novela, aliás, é na vida real filha de Evaldo Mocarzel, diretor do documentário Do Luto à Luta (2005), que trata justamente da inclusão social, e conta com parte do elenco de Colegas.

Mas o próprio Colegas está além de tudo isso. se, por um lado, como quase todas as comédias brasileiras, patina num humor que lembra as tiradas supergastas dos filmes d’os trapalhões, por ou-tro, tem no seu trio protagonista uma força cênica ímpar – e nova. Eles não estão ali para introduzir um gênero inclusivo, nem para cumprir um papel de bom-mocismo. aparecem contando uma história com toda a humanidade possível, o que inclui também violência verbal, ambição e sexualidade (devidamente dosadas por se tratar de um filme “pra família”). Estão na tela, enfim, as nuan-ces de qualquer espécime de nossa raça.

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positivas. a franqueza, a simplicidade, o jeito cômico, meio criança, são coisas que eu sempre admirei [nas pessoas com síndrome de Down], e era isso que queria nos meus protagonistas”, afirma. “Não escrevi um fil-me para falar de síndrome de Down, mas pra falar de sonhos e de aventura.”

a sinceridade radical que galvão cita, talvez a ca-racterística mais comum entre downianos, ajudou bastante na hora de gravar. Numa cena tensa em um restaurante, por exemplo, Rita se lembrou de quando perdeu o pai e ficou bastante emocionada, o que, apesar da dor, contribuiu para a dramaticidade que o momento exigia. “É como uma criança que, se ouve que é um gênio, vira um gênio em 10 minu-tos. É muito mais fácil para eles criarem o mundo