aleitamento materno e suas praticas

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ALEITAMENTO MATERNO E SUAS PARTICULARIDADES: UMA ABORDAGEM TEÓRICO-PRÁTICA SOBRE O TEMA 1 Mônica Cecília Pimentel de Melo 2 ; Igara Cavalcanti Feitosa Luna 3 ; Amanda Isabella Rodrigues Gomes 3 ; Lívia Dias Mangueira Bastos 3 ; Nayanne Maria Magalhães Bringel 3 . 1 Artigo de revisão resultante de pesquisa original. Texto não publicado anteriormente; 2 Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Petrolina-PE, Brasil, Mestre em Enfermagem, e-mail: [email protected] 3 Discente do 6º período, do curso de Graduação em Enfermagem, da UNIVASF, Petrolina-PE, Brasil. RESUMO Prática não meramente biológica, a amamentação caracteriza-se como um evento de relevância na vida de uma mulher. Ao longo dos anos, o que era uma atividade meramente fisiológica, ganhou destaque dentro da sociedade e hoje órgãos de saúde mobilizam-se em prol da iniciativa do aleitamento materno. Dessa forma, este estudo pretende conhecer e analisar os fatores mais relevantes que permeiam a prática do aleitamento materno sob a perspectiva teórico-prática dos diferentes estudos presentes na literatura. Essa revisão demonstrou que conhecer o universo que circunda a prática da amamentação é fator imprescindível para a elaboração de metodologias que venham fortalecer e estimular o hábito desse exercício entre as mães. PALAVRAS-CHAVES: aleitamento materno, relações mãe-filho, lactante. BREASTFEEDING AND ITS SPECIAL: THEORETICAL AND PRACTICAL APPROACH ON THE THEME ABSTRACT Practice not merely biological, breastfeeding is characterized as an event of significance in the life of a woman. Over the years, which was a purely physiological activity, was highlighted in today's society and health agencies are mobilizing in support of the initiative of breastfeeding. Thus, this study seeks to examine and analyze the most relevant factors that permeate the practice of breastfeeding from the perspective of different theoretical and practical studies in the literature. This review has shown that understanding the universe that surrounds the practice of breastfeeding is an essential factor for the development of methodologies that will strengthen and encourage the habit of exercise among the mothers. KEYWORDS: breastfeeding, mother-child relations, lactating. 1 INTRODUÇÃO ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.6, N.11; 2010 Pág. 1

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Page 1: Aleitamento materno e suas praticas

ALEITAMENTO MATERNO E SUAS PARTICULARIDADES: UMA ABORDAGEM TEÓRICO-PRÁTICA SOBRE O TEMA1

Mônica Cecília Pimentel de Melo2; Igara Cavalcanti Feitosa Luna3; Amanda Isabella Rodrigues Gomes3; Lívia Dias Mangueira Bastos3; Nayanne Maria Magalhães

Bringel3.

1 Artigo de revisão resultante de pesquisa original. Texto não publicado anteriormente;

2 Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Petrolina-PE, Brasil, Mestre em Enfermagem, e-mail: [email protected] Discente do 6º período, do curso de Graduação em Enfermagem, da UNIVASF,

Petrolina-PE, Brasil.

RESUMOPrática não meramente biológica, a amamentação caracteriza-se como um evento de relevância na vida de uma mulher. Ao longo dos anos, o que era uma atividade meramente fisiológica, ganhou destaque dentro da sociedade e hoje órgãos de saúde mobilizam-se em prol da iniciativa do aleitamento materno. Dessa forma, este estudo pretende conhecer e analisar os fatores mais relevantes que permeiam a prática do aleitamento materno sob a perspectiva teórico-prática dos diferentes estudos presentes na literatura. Essa revisão demonstrou que conhecer o universo que circunda a prática da amamentação é fator imprescindível para a elaboração de metodologias que venham fortalecer e estimular o hábito desse exercício entre as mães.

PALAVRAS-CHAVES: aleitamento materno, relações mãe-filho, lactante.

BREASTFEEDING AND ITS SPECIAL: THEORETICAL AND PRACTICAL APPROACH ON THE THEME

ABSTRACTPractice not merely biological, breastfeeding is characterized as an event of significance in the life of a woman. Over the years, which was a purely physiological activity, was highlighted in today's society and health agencies are mobilizing in support of the initiative of breastfeeding. Thus, this study seeks to examine and analyze the most relevant factors that permeate the practice of breastfeeding from the perspective of different theoretical and practical studies in the literature. This review has shown that understanding the universe that surrounds the practice of breastfeeding is an essential factor for the development of methodologies that will strengthen and encourage the habit of exercise among the mothers.

KEYWORDS: breastfeeding, mother-child relations, lactating.

1 INTRODUÇÃO

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A lactação é uma das práticas mais eficientes de atender os aspectos nutricionais, imunológicos, psicológicos e o desenvolvimento de uma criança em seus primeiros anos de vida. Mesmo com toda essa gama de aspectos favoráveis, esses fatores não parecem exercer maior influência sobre a amamentação do que os benefícios e vantagens do leite materno sobre as fórmulas e leites artificiais.

Ichisato & Shimo (2001) destacam a hipogalactia (insuficiência lactacional), como sendo uma das razões primordiais que levam ao desmame precoce. Dentro deste contexto, adicionam-se ainda as crenças e os tabus que influenciam diretamente no exercício do aleitamento materno. A cultura e seus valores arraigados têm influenciado de forma crucial no exercício da amamentação, prática não somente biológica, mas histórica, social e psicologicamente delineada.

Desde a década de 80, as evidências favoráveis à prática da amamentação exclusiva aumentaram consideravelmente. Entretanto, ao longo da história da humanidade houve uma média de 15% a 25% de mortes em crianças, chegando a 90% quando as crianças eram órfãs e não tinham mãe substituta para a amamentação. Esse fato foi predominante até o final do século XIX, quando a amamentação ao peito era uma opção de sobrevivência (DINIZ; VINAGRE, 2001).

Na metade do século XX, a defesa da lactação natural, não acontecia, principalmente, pelo fato da defesa e estimulação ao leite artificial, rotulado como sendo o alimento mais adequado para as crianças, divulgado como a solução de todos os problemas enfrentados pela mulher moderna. Assim, falava-se pouco do aleitamento materno, o que fez as mulheres aderirem ao leite artificial, em detrimento do aleitamento natural (MARTINS FILHO, 2000).

Atualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), muitos estudos de caráter científico demonstram a relevância do aleitamento materno para a saúde materno-infantil e para o espaçamento das gestações como fator de diminuição de fertilidade. Complementando, Venâncio et al. (2002) corrobora afirmando que a prática da lactação atualmente salva a vida de seis milhões de crianças a cada ano, prevenindo diarréia e infecções respiratórias agudas. Sabe-se também que a administração de outros líquidos e de outros alimentos, além do leite materno nos primeiros seis meses de vida da criança pode interferir de forma negativa na absorção de nutrientes e em sua biodisponibilidade, podendo diminuir a quantidade de leite materno ingerido e levar à menor ganho ponderal, além de outros malefícios.

Embasados nas evidências científicas, a OMS recomenda a prática da amamentação exclusiva por seis meses e a manutenção do aleitamento materno acrescido de alimentos complementares até os dois anos de vida ou mais (BRASIL, 2003). Apesar dos benefícios, deve-se aceitar a escolha, informada e consciente da mãe pela não amamentação, assim como também, a amamentação como um direito, especialmente quando ela tem um trabalho, seja ele remunerado ou não, necessitando dessa forma, conhecer a legislação trabalhista que protege a maternidade.

São raros os casos, tanto maternos quanto neonatais, que contra indicam a amamentação. Entre os maternos, encontram-se as mulheres em uso de medicações incompatíveis, com câncer de mama que estejam em tratamento, mulheres HIV positivo, ou portadoras do HTLV, ou com distúrbios da consciência ou comportamento grave, entre outras. As contra-indicações neonatais incluem crianças portadoras de galactosemia, alterações da consciência, baixo peso com

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imaturidade para a sucção ou deglutição e fenda palatina que impossibilite o ato de sugar. Nesses dois últimos casos pode-se oferecer o leite materno por sonda orogástrica, e nas crianças com a presença da fenda, pode ser o leite materno ordenhado (BRASIL, 2009).

O Brasil possui uma enorme diversidade geográfica, em que coexistem crenças e mitos, que são parte do legado sócio cultural em que cada agrupamento humano assimila conhecimentos empíricos repassados de geração a geração. Há uma série de mitos, tabus e crenças relacionadas com a amamentação, muitas vezes trazendo transtornos quando nos referimos à importância da lactação aos recém-nascidos.

A crença é uma convicção adotada com fé, elaborada ou aceita por grupos humanos e que representa significativo papel em seu comportamento. Muitos conceitos são introduzidos e às vezes determinam negativamente a maneira de vivência da comunidade (FERREIRA, 2004). Neste enfoque identifica-se que a prática do aleitamento materno é fortemente influenciada pela cultura pré-existente, pois as crenças têm um papel importante na determinação do comportamento e ajustamento emocional à vida.

Acreditando-se, portanto, na complexidade que envolve o aleitar, denotado de várias facetas da realidade vivenciada pela mãe e que esta sofre interferências cotidianas de seu meio social, faz-se necessário que mudanças sejam promovidas na prática assistencial do aleitamento materno, para que se tenha melhores indicadores no que tange essa prática, proporcionando a mulher mais segurança e menos conflitos. Assim, esse estudo apresenta como objetivo conhecer e analisar os fatores mais relevantes que permeiam a prática do aleitamento materno sob a perspectiva teórico-prática dos diferentes estudos presentes na literatura.

2 MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, caracterizado como revisão

bibliográfica, realizada com 17 referências, compreendidas entre artigos on-line, livros e manuais datados a partir do ano de 2000. A consulta online se deu nas principais bases de dados em saúde – LILACS, SCIELO, IBECS e MEDLINE, vinculadas a Literatura Científica e Técnica da Biblioteca Virtual em Saúde, no período de agosto de 2009 a fevereiro de 2010. Essa consulta resultou na análise de artigos científicos referentes à questão aleitamento materno e os enfrentamentos cotidianos das nutrizes. Os artigos analisados são parte integrante da revisão de literatura dos estudos de referência do projeto de extensão em andamento “Mitos e tabus do aleitamento materno: vamos desfazer esse nó?”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco sob o parecer nº 199/09, vinculado à PROIN/PIBIN (Pró-Reitoria de Integração aos Setores Comunitários e Produtivos/Programa Institucional de Bolsas de Integração) da Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF.

Na busca, utilizaram-se descritores como amamentação; crenças e mitos; e lactantes. A partir daí, foi realizada a leitura sistemática, a seleção dos artigos, a exploração dos dados, em que se reagrupa todo o material dividido em grupos semelhantes sempre em volta do contexto do estudo, e por fim, na fase do tratamento dos resultados, os dados obtidos foram analisados e interpretados para que se aprofundasse nas categorias do estudo.

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3 APRESENTANDO E COMENTANDO OS RESULTADOS

Os resultados obtidos foram categorizados a partir da leitura sistemática do material analisado, ao qual foram definidas três categorias de análise.

3.1 O universo materno

Desde épocas mais remotas, a maternidade se traduz como status, e por isso, valorizada socialmente e instituída como responsabilidade/dever da mulher pelo cuidado com o filho, o que está em parte atrelado à capacidade que a mesma tem de engravidar, parir e amamentar. As sensações corporais somadas às práticas que ocorrem ao longo do corpo materno são resultantes de representações culturais de maternidade e imprimem moldes preconizados pela sociedade como forma de perceber e agir diante das situações que se apresentam na amamentação, podendo ser vivenciadas pelas mulheres em consonância ou em conflito com as determinações sociais (NAKANO, 2003).

Sendo assim, são incontáveis os fatores que influem de forma benéfica e ou maléfica durante todo o ciclo da amamentação, como a situação socioeconômica, o grau de instrução, as condições de trabalho e a idade materna, colocados como alguns dos protagonistas quando se fala em prática de desmame precoce ou déficit de alimentação após o nascimento do bebê (RAMOS, 2008).

No Brasil, as mulheres de baixa renda são as que menos se mostraram interessadas em procurar acompanhamentos de saúde durante a gravidez, além de fazerem parte do grupo com menor índice de aleitamento materno exclusivo. Entretanto, a partir do sexto mês a prevalência do aleitamento materno se inverte, sendo maior entre as mais pobres. Assim, acredita-se que este fato possa ser explicado por razões de dificuldades econômicas, que impedem a complementação com outros alimentos ou, até mesmo, com outros tipos de leite (FALEIROS; TREZZA; CARANDINA, 2006).

Em relação ao grau de instrução materna, muitos estudos demonstram que esse fator afeta diretamente a motivação para amamentar. Mulheres com maior grau de instrução tendem a amamentar por mais tempo, talvez pela possibilidade de um maior acesso às informações sobre as vantagens do aleitamento materno. Já nos países em desenvolvimento, as mães de classes menos favorecidas, também menos instruídas, frequentemente não casadas, começam o pré-natal mais tarde e, consequentemente, se preocupam em decidir sobre a forma do aleitamento também mais tarde (ibid., id).

Hoje, apesar do destaque e inserção das mulheres no mercado de trabalho, algumas ainda acreditam que o fato de estarem amamentando as impede de trabalhar fora. Isso não se constitui como verdadeiro, pois a mãe pode dar de mamar nos períodos que estiver em casa e/ou armazenar seu leite para ser oferecido ao seu filho, enquanto ela estiver fora (BRASIL, 2003).

Entretanto, verificou-se que a falta de apoio nas instituições de trabalho e de condições ambientais para a ordenha do leite, além da falta de creches próximas ou dentro do ambiente de trabalho foram as principais dificuldades apontadas pelas

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mães em relação à manutenção da amamentação. Em São Paulo, um estudo com 76 mães funcionárias de 13 indústrias, mostrou que 97% delas iniciaram o aleitamento materno, mas, apesar de 55% ainda amamentarem após o quarto e quinto mês do nascimento, quando da sua volta ao trabalho, apenas 12% o faziam exclusivamente (SILVA; UTIYAMA, 2003).

Dentre outros fatores, ainda podemos citar a idade materna, situação conjugal e paridade materna. No tocante a idade da mãe, alguns autores consideram não haver associação relevante entre a idade materna e a duração do aleitamento materno, outros por sua vez, verificaram que o período de amamentação exclusiva ou parcial é maior entre as mães com mais idade, do que entre as mais jovens (FALEIROS; TREZZA; CARANDINA, 2006).

Os principais fatores considerados pelos pesquisadores em relação ao comportamento das mães adolescentes frente ao aleitamento materno são: nível educacional mais baixo, poder aquisitivo menor e, muitas vezes, o fato de serem solteiras. Além desses fatores, alia-se também a falta de segurança e confiança em si mesmas para prover a alimentação para a criança; a falta de apoio das avós e familiares mais próximos, e aos problemas com a auto-imagem (ibid., id).

No Brasil, a quantidade de consultas de pré-natal entre as adolescentes costuma ser inferior, podendo não atingir o número mínimo preconizado pelo Ministério da Saúde - seis consultas por gestação, contribuindo assim, com práticas desfavoráveis à amamentação, pois é no pré-natal que se inicia o processo de sensibilização ao aleitamento materno pelos profissionais de saúde.

Além de todos esses fatores, existem ainda as crenças e os mitos que muitas puérperas possuem em relação à amamentação. Há exemplos de mães que acreditam na fragilidade nutricional do seu leite, não sendo suficiente para amamentar seu bebê; que as mamas se tornarão flácidas com a amamentação; ou que se as mamas forem pequenas irão produzir pouco leite; entre outros. A evidência científica parece apontar para a importância dos mitos e das crenças como possíveis causas que justificam a complementação precoce da alimentação do recém-nascido.

O contexto familiar e a experiência materna comportam-se também como pontos relevantes quando o assunto permeia o universo das particularidades do aleitamento materno. De acordo com o contexto familiar, se tratando principalmente da parte econômica, o aleitamento materno é benéfico, pois além de não custar nada, já vem pronto e está na temperatura certa, o que dispensa o aquecimento e preparo, sendo assim, uma economia (BRASIL, 2003).

Ainda se tratando do universo feminino, os estudos retratam os benefícios da amamentação para a saúde da mulher. O processo da amamentação facilita o estabelecimento do laço afetivo mãe-filho, previne as complicações hemorrágicas no pós-parto e favorece a regressão uterina ao seu tamanho normal, contribui para o retorno mais rápido ao peso antes da gravidez e é um método natural de planejamento familiar através do método da amenorréia da lactação (LAM) (BRASIL, 2003). Além disso, se caracteriza como um fator protetor contra câncer de ovário e mama relacionados diretamente ao tempo de duração do aleitamento (REA, 2004).

3.2 A relação neonato e amamentação

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Muitos estudos comprovam e ressaltam inúmeras vantagens da amamentação para a criança, a mãe, a família e a sociedade em geral. Destaca-se como benefício primário da amamentação, o efeito desta sobre a mortalidade infantil, graças aos inúmeros fatores existentes no leite materno, que protegem contra infecções comuns em crianças. A associação entre mortalidade infantil e ausência de aleitamento materno é modificada por diversos fatores de ordem fisiológica, nutricional, imunológica e afetiva (GIUGLIANI, 2000).

O recém-nascido, particularmente, se pré-termo, apresenta uma imaturidade no desenvolvimento das funções digestiva, metabólica e excretora. O desenvolvimento lento se traduz por múltiplas deficiências enzimáticas, que causam modificações nas funções gástrica e pancreática. O leite humano, através das peculiaridades de sua composição nutricional, é sem dúvida o alimento mais adequado para superar tais deficiências, permitindo ao recém-nascido uma ótima adaptação ao seu novo ambiente (CALIL; LEONE; RAMOS, 1992).

O leite materno previne mortes desde os primeiros dias de vida, como comprova um estudo europeu multicêntrico sobre mortalidade por enterocolite necrozante. No estudo detectou-se que recém-nascidos pré-termo não amamentados ou em aleitamento misto tiveram uma chance 10,6 e 3,5 vezes maior de morrer por enterocolite, respectivamente, quando comparados com seus pares amamentados exclusivamente (GIUGLIANI, 2000).

Na Malásia, por exemplo, o número de mortes devido à alimentação com leite não humano de crianças menores de um ano foi estimado em 28 a 153 para cada 1000 crianças nascidas vivas, dependendo das condições sanitárias e do acesso à água potável (ibid., id).

Gartner et al. (2005) apud Martins e Krebs (2009) citam, entre os benefícios já mencionados, uma possível proteção do aleitamento materno contra a síndrome da morte súbita do lactente, o diabete insulino-dependente, a doença de Crohn, a colite ulcerativa, o linfoma, as doenças alérgicas e outras doenças crônicas do aparelho digestivo. Além da proteção contra as doenças, o leite materno propicia uma nutrição de alta qualidade para a criança, promovendo o seu crescimento e seu desenvolvimento saudáveis.

O leite materno é o alimento que supri todas as necessidades nutricionais para o lactente menor de seis meses. Devido às suas características físico-químicas, é facilmente absorvido e digerido, facilitando na eliminação do mecônio; diminui o risco de icterícia; protege contra infecções, especialmente diarréias e pneumonias, pela ausência do risco de contaminação das mamadeiras e pela presença de anticorpos e de fatores anti-infecciosos no leite materno. Contém também fatores de crescimento que preparam o intestino imaturo da criança para digerir e absorvê-lo, evitando assim que proteínas não digeridas sejam absorvidas, lesando o intestino e causando alergias (BRASIL, 2003).

O leite de vaca é composto de proteínas heterólogas que ao ser introduzido precocemente na alimentação das crianças contribuem para o desencadeamento de processos alérgicos. Já o leite materno contém anticorpos, especialmente IgA secretória, células do tipo macrófagos, polimorfonucleares e linfócitos e outras substâncias como fator bífido e lactoferrina que protegem o organismo do bebê contra infecções (ibid., id).

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Além de todas essas vantagens para o bebê é importante destacar que o leite materno aumenta o laço afetivo mãe-filho, promovendo mais segurança ao bebê; melhora a resposta às vacinações e proporciona ao lactente uma maior capacidade de combater doenças mais rapidamente (ibid., id).

A real contribuição do aleitamento materno para a sociedade é quase que incalculável. Como resultado, sabe-se que as crianças que são amamentadas com leite materno adoecem menos, necessitando de menos atendimento médico, hospitalizações e medicamentos. Como resultado, a amamentação beneficia crianças, famílias e sociedade como um todo (GIUGLIANI, 2000).

3.3 Contextualizando o papel do profissional de saúde

A assistência em aleitamento materno congrega um universo multiprofissional. Araújo e Almeida (2007) revelam que os profissionais de saúde têm considerado a amamentação como um evento puramente instintivo e biológico e que as ações de incentivo são formuladas a partir do que consideram esse ato, isto é, como um ato natural, mesmo reconhecendo que esse processo é determinado por objetos sociais do contexto materno. Dessa maneira, para que ocorra uma boa atuação no sentido de promover, proteger e apoiar a amamentação é preciso não apenas conhecimentos sobre aleitamento materno, mas também habilidades clínicas e de aconselhamento.

O aconselhamento em amamentação resulta em ajudar a mãe a tomar decisões de forma empática, saber ouvir e aprender, desenvolver a confiança e dar apoio durante todo o processo. As seguintes técnicas e atitudes facilitam o sucesso no aconselhamento:

– Comunicação não verbal, mostrando-se interessado através de gestos como balançar a cabeça afirmativamente ou sorrir; prestando atenção; dedicando tempo para ouvir e tocando na mulher de forma apropriada;

– Perguntas abertas, dando mais espaço para a mãe se expressar;– Empatia, ou seja, mostrar às mães que os seus sentimentos são

compreendidos;– Não uso de palavras que soam como julgamentos, como por exemplo,

certo, errado, bem, mal, etc.;– Aceitação dos sentimentos e opiniões das mães, sem, no entanto, precisar

concordar ou discordar do que ela pensa;– Reconhecimento e elogios ao que a mãe está fazendo certo, o que

aumenta a confiança dela, encorajando-a a manter práticas saudáveis e facilitando que ela aceite sugestões;

– Poucas informações em cada aconselhamento, as mais importantes para o momento;

– Linguagem simples, acessível ao nível da mãe;– Sugestões ao invés de ordens;– Informações sobre todos os procedimentos e condutas (GIUGLIANI, 2000).Em outros casos, outra dificuldade enfrentada pelos profissionais reside no

fato de compreender os reais motivos pelos quais muitas mulheres deixam de amamentar seus filhos e conseguir atuar junto a essas mulheres na tentativa de

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intervir nos aspectos que levam à decisão materna de desmame e introdução de outros alimentos na dieta do recém-nascido (SILVA, 2000).

No que diz respeito à promoção da amamentação, os serviços e profissionais de saúde têm sido alvo de discussões sobre atitudes e práticas diante da promoção da amamentação. Constantemente, ambos são responsabilizados pelo sucesso dessa prática, cuja atuação na promoção ao aleitamento materno exclusivo e prevenção do desmame precoce, são informações e apoio que devem ser transmitidas às mulheres desde a consulta no pré-natal, estendidos até o parto, puerpério e puericultura (BRASIL, 2003).

Para a realização desse acompanhamento gradual com o intuito de se obter sucesso no aleitamento materno é necessário a capacitação dos profissionais de saúde para atuar nessa assistência com uma abordagem que ultrapasse as fronteiras do biológico, compreendendo a nutriz em todas as dimensões do ser mulher (ARAUJO; ALMEIDA, 2007).

Com o cumprimento do seu papel, os profissionais de saúde podem melhorar o cenário do desmame precoce, promovendo a amamentação e ajudando as mulheres que amamentam a superar uma série de obstáculos à amamentação bem sucedida. Para a realização dessa tarefa, são necessários conhecimentos e habilidades no manejo das várias fases da lactação. Destacam-se dentre vários atributos dos profissionais de saúde que lidam com essa temática o aconselhamento no pré-natal, orientação e ajuda no período de estabelecimento da lactação, avaliação criteriosa da técnica de amamentação e intervenção adequada quando surgem os problemas relacionados com a lactação (FALEIROS; TREZZA; CARANDINA, 2006).

Assim, os profissionais de saúde desempenham um papel de extrema relevância na assistência às nutrizes. Para tal, tem-se a necessidade da constante atualização dos conhecimentos e habilidades, tanto no manejo clínico da lactação como na técnica de aconselhamento. Dessa maneira, o profissional de saúde estará cumprindo com o seu papel e colaborando com a garantia do direito de toda a criança de ser amamentada, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. (GIUGLIANI, 2000).

O processo da amamentação requer um complexo conjunto de condições interacionais no contexto social da mulher e de seu filho, mesmo que aparentemente simples e inerente à fisiologia materna. Sendo assim, é preciso dar condições concretas para que mães e bebês vivenciem este processo de forma prazerosa e com eficácia (ibid., id).

4 TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Nessa revisão de literatura foi possível observar que para a mulher assumir com mais segurança o papel de mulher-mãe-nutriz, a mesma necessita ser assistida durante essa fase pelo profissional de saúde, assim, esclarecendo suas dúvidas, aprimorando suas práticas, desmistificando alguns aspectos culturais irrelevantes na prática da amamentação, conhecendo as vantagens e, por fim, garantindo mais tranquilidade a nutriz.

Atualmente os principais fatores envolvidos nos problemas da amamentação incorreta estão no desconhecimento da importância do aleitamento materno para a

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saúde da criança e da mãe, a substituição do leite materno, as práticas culturais, a insegurança da mãe quanto a sua capacidade de amamentar o seu filho e também as práticas inadequadas de serviços e profissionais de saúde.

Torna-se de suma relevância que os profissionais de saúde sejam qualificados, tanto no manejo clínico da lactação, como na técnica de aconselhamento, e conheçam o cotidiano materno, o contexto sócio-cultural a que essas mães pertencem, as suas dúvidas, os seus medos e expectativas, bem como os seus mitos e crenças referentes à amamentação para que possam garantir, a cada mulher, uma escuta ativa sem julgamentos, dirimir suas dúvidas, de modo a tornar a amamentação um ato de prazer e não de obrigação. Afim de que haja a atuação e a abordagem ao processo de aleitamento materno e todo o universo que o permeia, faz-se necessário valorizar o ser mulher como mãe, esposa, trabalhadora e cidadã. Dessa forma, vale ressaltar que a aplicação do conhecimento biológico em conjunto com a experiência da nutriz propicia uma amplitude de cuidados que nos aproxima da situação real e individual de cada lactante.

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