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    Braslia a. 48 n. 191 jul./set. 2011 231

    Sumrio

    1. Breve histrico do alcoolismo. 2. Efeitos dolcool sobre o homem. 3. A embriaguez alcolicae a teoria da actio libera in causahoje. 3.1. Moda-lidades de embriaguez alcolica. 3.2. Condutado agente. 3.3. Culpabilidade. 3.4. O princpiodo nullum crimen sine culpa. 3.5. A teoria da actiolibera in causa. 4. Concluso.

    1. Breve histrico do alcoolismo

    Conhecer a sucesso de fatos e desco-bertas relacionados ao alcoolismo impor-tante tanto para se tomar uma postura maisconsciente diante do ato de beber, comopara entender os reflexos dessa doena nasociedade, a ponto de, s vezes, lanar-semo de solues prticas desconectadasdo ordenamento jurdico, para aplacar osdanos sociais e econmicos provenientes

    da embriaguez.Com isso em foco, tomar-se- como divi-sor de guas o Movimento de Temperana,que, segundo Jandira Masur, foi a maislonga e conhecida tentativa de prevenodos problemas ligados ao abuso do beber,iniciada no fim do sculo XVIII nos EstadosUnidos (MASUR, 1988, p. 61).

    O lcool a substncia psicoativa1quemais provoca transtornos no cotidiano das

    1 Uma droga psicoativa qualquer substnciaqumica que, quando ingerida, modifica uma ou v-rias funes do sistema nervoso central, produzindoefeitos psquicos e comportamentais. So drogas psico-

    Cristhyan Martins Castro Milazzo mestreem Direito, doutoranda em Cincias da Religio,professora efetiva da Universidade Estadualde Gois, assessora executiva da Pr-reitoriade Pesquisa e Ps-graduao da UEG e coor-denadora do Curso de Direito das Faculdades

    Objetivo ASSOBES/IUESO.Hudieny Dias de Souza bacharel emDireito pela Universidade Federal de Gois eadvogado.

    Cristhyan Martins Castro Milazzo eHudieny Dias de Souza

    Alcoolismo e tratamento penal daembriaguez

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    pessoas, ao lado de outras, como cocanae herona.

    Ele e seus problemas h muito so co-nhecidos. Segundo Jandira Masur (1988), as

    primeiras informaes sobre seu uso datamdo ano de 6000 a.C., quando comeou a sedifundir. Menna Barreto mostra o uso dasubstncia no Egito Antigo: H milnios osegpcios j usavam bebida inebriante, obti-da da fermentao da gua da chuva e mel,enquanto nos festejos do Nilo entregavam--se a orgias alcolicas coletivas, utilizandosubstncia conhecida pelo nome de Trag(BARRETO, 1979, p. 11). E Aristteles

    (1992, p. 57), relacionando o tema ao DireitoPenal, j na Antiguidade Clssica lecionava:[...] punimos uma pessoa at porsua ignorncia, se ela for consideradaresponsvel pela ignorncia, comoquando as penalidades so dobradas,no caso da embriaguez; efetivamente,a origem da ao est no prprio ho-mem, pois estava ao seu alcance noficar embriagado, e a embriaguez foi

    a causa de sua ignorncia.O uso historicamente precoce do lcooldeve-se, em parte, ao fato de que sua ma-tria-prima, o acar, pode ser facilmenteobtida em qualquer regio. Alm disso,o lcool alimenta, j que em cada gramaprov sete calorias (MASUR, 1988, p. 10-11).

    As primeiras bebidas alcolicas foramas fermentadas cerveja e vinho. Com aIdade Mdia, surgem as bebidas destiladas,

    aplacando mais as preocupaes e a dore assumindo virtudes mgicas (MASUR,1988, p. 13).

    Edgar Magalhes Noronha (1991, p. 178)mostra aspectos ruinosos da bebida, inclu-sive em relao aos autctones da AmricaPr-Colombiana:

    Em sua Criminologia, formula Afr-nio Peixoto verdadeiro libelo-crimeacusatrio contra o alcoolismo. Co-

    mea por dizer que irriso ter o ho-

    ativas o lcool, maconha, cocana, caf, ch, diazepan,nicotina, herona etc. (DALGALARRONDO, 2000).

    mem feito das fezes de uma bactria o lcool o produto de desassimila-o de um saccharomyces sua delcia.Mostra as desastrosas conseqncias

    sobre o organismo humano e sobre adescendncia do alcolatra. Apontaas estatsticas da criminalidade, regis-trando seus ndices mais elevados nossbados e domingos e decrescendoda por diante. Chama a ateno paraa conduta dos governos, que no va-cilam em auferir rendas a sua custa.Lembra a dizimao que ele produziunopele-vermelhada Amrica do Norte

    e em nosso selvagem, queimando-seantes com o cauim e mais tarde como cauimtat(cachaa) que o civilizadolhe deu.

    E tambm na Idade Moderna, um fatoliterrio pode contribuir para unificar umaviso histrica do lcool e expor mais ca-ractersticas da substncia:

    Macduff. E que trs coisas [...] abebida provoca to especialmente?

    O Porteiro. [...] nariz vermelho, sonoe vontade de urinar. Quanto lux-ria, a bebida incita-a e reprime-a aomesmo tempo: provoca o desejo, masimpede-lhe a execuo (SHAKESPEA-RE, 1961, p. 33, grifo nosso)

    O Movimento de Temperana suprarre-ferido buscou inicialmente evitar o abusode lcool, por meio de princpios morais,mdicos, econmicos e nacionalistas, com-

    batendo-se especialmente os destilados.Por volta de 1830, comea uma ciso noMovimento. Os chamados absolutistas[...] passaram a defender a [...] abstinnciatotalde bebidas alcolicas (MASUR, 1988,p. 62).

    O Movimento, em torno de 1840, passoua buscar a proibio total do lcool. Em1851 o movimento teve sua primeira vit-ria importante quando o estado do Maine

    proibiu a venda de bebidas alcolicas(MASUR, 1988, p. 63). Em 1920, o Congres-so emendou a Constituio estadunidenseproibindo a fabricao e venda de bebidas

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    alcolicas, dando incio ao perodo conheci-do por Lei Seca, que se estenderia at 1933,quando forte antagonismo pblico levou revogao da proibio, durante a qual

    o mercado negro de bebidas alcolicas eat mesmo o uso do nocivo lcool metlicoforam uma realidade para fazer frente inconstitucionalidade da comercializao(MASUR, 1988, p. 66-67).

    No entanto, onde o Movimento mais secaracterizou foi nos Contos da Temperana,gnero especfico de literatura e de arte gr-fica que inclua pequenas estrias, novelas,peas e ilustraes dos efeitos deletrios do

    lcool no organismo e na condio social.Atualmente, so diversas as alternati-vas s quais muitos pases recorrem paracombater o alcoolismo. Uma das maisdiscutidas diz respeito ao aumento de preodas bebidas alcolicas (MASUR, 1988, p.69). No entanto, a educao sobre o lcoola nica medida unanimemente defendidapelos envolvidos na preveno dos proble-mas associados ao beber, com programas

    escolares e campanhas dirigidas a todos(MASUR, 1988, p. 74).

    2. Efeitos do lcool sobre o homem

    O Cdigo Penal brasileiro, ao prever ca-sos genricos de manuteno da imputabi-lidade penal, normatiza no art. 28, inciso II:

    Art. 28. No excluem a imputabili-dade penal:

    (...)II a embriaguez, voluntria ou cul-posa, pelo lcool ou substncia deefeitos anlogos.

    Devido dificuldade de se estabelecero conceito de alcoolismo, fica-se com oconceito de embriaguez que se pode depre-ender dessa norma, haja vista inclusive asvrias tentativas de resposta (determina-es biolgica, psicolgica e sociocultural)

    que levam a concluses discriminatrias oupelo menos insuficientes para uma noomais ampla sobre a causa do alcoolismo(MASUR, 1988, p. 28-43).

    O lcool geralmente introduzidono organismo por via digestora, indo aoestmago e da para o sangue atravs dadifuso. Cerca de 90% da defesa orgnica

    se processa por oxidao, e, antes de de-corridas 24 horas de sua ingesto, ocorresua eliminao total, tambm pelas viasexcretoras, renais e respiratrias, embora70% da substncia j esteja eliminada emat 11 horas aps sua entrada no organismo(MARANHO, 1996, p. 389-390). Quandono fgado, o lcool biotransformado emaldedo actico, que se converte em acetatopela enzima acetoaldedo desidrogenase.

    O acmulo desse aldedo provoca efeitosdesagradveis: rubor facial, hipotenso,taquicardia e nuseas (MASUR, 1988, p. 33-34). Os reflexos so retardados mesmo embaixa concentrao sangunea da substn-cia e, com um pouco mais de concentrao, difcil a percepo simultnea de mais deum objeto, comprometendo, por exemplo,a execuo de manobras para evitar aci-dentes. Alm disso, a resposta ao estmulo

    sonoro (de lenta propagao) mais rpidaem comparao quela estimulada pela luz(de difuso rpida) (MARANHO, 1996, p.401-402), em razo de que o brio, por estarcom seus centros de controle intoxicados,talvez tenha dificuldade de reagir a/perce-ber estmulo ondulatrio de alta frequncia.

    Para se caracterizar as fases da embria-guez alcolica, sob o prisma mdico-legal,recorre-se embriaguez simples, aquela

    normalmente tomada como parmetropara descrever os fenmenos prprios doalcoolismo, com excluso dos crnicos.

    Aqui, tem-se trs fases, com suasrespectivas caractersticas principais:1) eufrica funes intelectuais ex-citadas, com os centros de controleintoxicados, embora o lcool sejadepressivo; vontade e autocrtica re-baixadas; comprometimento da capa-

    cidade de julgamento; certo erotismo,pela desinibio; ateno diminuda eaumento do tempo de reao (latn-cia); 2) agitada profundas pertur-

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    baes psicossensoriais, acarretandoacidentes ou infraes penais (atosanti-sociais); alterao das funesintelectuais, do juzo crtico, da aten-

    o e da memria, com propsitosdesordenados ou absurdos; atentadossexuais e agresses como delitos;perda do equilbrio; h liberao docontrole; perturbaes visuais, taiscomo diplopia, e s vezes anestesia,e 3) comatosa sono no incio e comase instalando progressivamente; podehaver espurccia, por relaxamento dosesfncteres, e vmito, consequente

    nusea; depois, anestesia profunda,abolio dos reflexos, paralisia ehipotermia; pode ser fatal, princi-palmente se exposio ao frio; mortepode sobrevir por broncopneumoniaaguda, como pode ocorrer se o briodormir na rua, por asfixia aps sufo-cao provocada por regurgitamentode alimento, por hemorragia ou porprocesso menngeo ou pancretico

    (MARANHO, 1996, p. 390-393).O alcoolismo gera a dependncia fsica.Ao parar de beber, o alcolatra pode sentirum mal-estar intenso em razo da sndro-me de abstinncia, que na sua forma maissevera conhecida por delirium tremens2,sanado pela ingesto de lcool.

    Sob o enfoque jurdico-penal, tambmtem-se trs fases: 1) excitao corresponde modalidade incompleta, em que os freios

    morais esto frouxos, mas o agente aindatem conscincia, apesar de demonstrareuforia, loquacidade, menor capacidade deautocrtica e haver desinibio; 2) depresso a embriaguez j completa, com confuso

    2 uma complicao aguda que ocorre nodecurso do alcoolismo crnico. Pode aparecer apsenfermidade infecciosa, traumatismo ou perodo deabstinncia intempestiva. H insnia, agitao psico-motora, parestesia, incoordenao motora, tremores econfuso onrica. Depois aparecem iluses e alucina-

    es (zoopsias e imagens liliputianas). Aparece tam-bm um quadro orgnico: sudorese, febre, anorexia,oliguria, hipotonia muscular, halitose e hipotermia.Pode ocorrer xito fatal (MARANHO, 1996, p. 394).

    mental, falta de coordenao motora, au-sncia de censura ou freios morais, perden-do o agente a conscincia e a vontade livres,e 3) letargia tambm aqui a embriaguez

    completa; ocorre sono profundo, podendohaver coma (SILVA, 2003, p. 53-54).Alm do conhecimento do alcoolismo,

    caracterizado por um consumo crnico delcool e primazia do beber, com todas assuas consequncias sobre a sade indivi-dual, o conhecimento dos reflexos dessadoena no plano socioeconmico e jurdicotambm relevante para se ter noo clarado estado a que pode chegar quem no se

    atm ao primeiro gole.Independentemente do que leve ao con-tato com o lcool, seja interesse econmico,ideologia para manter o status quoda mis-ria com o intuito de, por exemplo, diminuiro valor da fora de trabalho, ou busca pormaior convvio social e desinibio, o fato que, armada a teia social na qual o beber uma constante, pode-se acompanhar amisria em paralelo com o alcoolismo.

    A embriaguez, por outro lado, comu-mente est associada a casos de homicdioe violncia conjugal:

    um fato bem estabelecido a pre-sena importante do lcool em si-tuaes homicidas. Wolfgang cita-oem 64% dos casos, seja na vtima, noagressor ou em ambos. Gillin men-ciona-o em 1/3 dos homicidas, Gilliesem 58% dos homicidas masculinos e

    33% dos femininos. Pertusson falaem 36% dos homicidas alcoolizados.Cuthbert encontrou lcool presente deforma importante em 50% dos casos.Referindo-se influncia do lcoolna violncia conjugal, Coleman citao significativo emprego de lcool quefazem maridos e esposas com altondice de VC (violncia conjugal),quando comparados a casais no-

    -violentos (JOSEF, 2000, p. 32).Tambm afeta o bem vida a peculia-ridade de cada indivduo manifestar aembriaguez com doses e em situaes

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    psicossociais particulares, dificultando ocontrole de cada um sobre quando o bebernormal deixa de s-lo, sobre quando se esta abusar da substncia. Por outro lado, o

    abuso de lcool reduz significativamentea expectativa de vida do indivduo, sendocausas comuns de morte entre pessoas comtranstornos relacionados ao lcool o suic-dio, cncer, cardiopatias, doena hepticae acidentes automobilsticos (SILVA, 2003,p. 37). Mas, independentemente de o quan-to o lcool reduza a expectativa de vida doindivduo, a substncia pode ceifar a vidadeste a qualquer momento, como ocorre

    na vspera do suicdio e em acidentes au-tomobilsticos graves.

    3. A embriaguez alcolica e a teoria daactio libera in causahoje

    3.1. Modalidades de embriaguez alcolica

    No Direito, tm-se as modalidadescompleta (caracterizada por inconscinciaintelectual) e incompleta (com perda parcialda conscincia), preordenada, voluntria,culposa, decorrente de caso fortuito e decor-rente de fora maior (DOTTI, 2002, p. 423),sendo essas cinco ltimas mais perceptveisse se identificar a ausncia da vontade debeber (caso fortuito e fora maior) ou trsgraus de vontade que podem estar presentesno indivduo: em beber (culposa); beber eembriagar-se (voluntria), ou beber, embria-gar-se e cometer crime (preordenada). Essesgraus, quando presentes, so cumulativos nosentido de que a vontade socialmente maisdanosa exige a presena da menos gravosa.

    Na Criminologia e Psiquiatria, tm-seos tipos normal3, crnico4, patolgico5 e

    3Pode ocorrer de tempos em tempos numa pes-soa medianamente saudvel e produzir uma formatransitria de demncia (MANNHEIM, 1984, p. 365).

    4Envolve alteraes permanentes no sistemanervoso do sujeito, que passa a apresentar traos de

    alienao mental (REYES ECHANDI, 1976, p. 145),alm de sintomas somticos.

    5Faz com que o sujeito fique extremamentesuscetvel aos efeitos da bebida alcolica em razo

    habitual, este quando o sujeito vive costu-meiramente embriagado, por vcio (SILVA,2003, p. 59).

    3.2. Conduta do agente

    A conduta humana, objeto de regula-o do Direito Penal, o substrato a partirdo qual se afere a existncia do crime, deacordo com o que est tipificado nas leispenais. Assim, a conduta integra o fatotpico, tendo como caracterstica essencial avoluntariedade, sendo a atividade humanapositiva ou negativa, orientvel pelo dever--ser da norma (TOLEDO, 1994, p. 82-83).

    No entanto, mister que a vontade repercutaexternamente (SILVA, 2003, p. 13).So trs as teorias da conduta que se

    destacam: causalista, finalista e social.A teoria causalista, que no considera o

    dolo para caracterizar crime doloso, nem oselementos subjetivos especiais do tipo e daculpabilidade, tampouco o fato de a impru-dncia inconsciente no conter elementospsquicos, define a conduta como a causa

    de modificao no mundo exterior porcomportamento humano voluntrio, sendoa vontade a que d um mero impulso causalao comportamento. A conduta formadapor processo interno de vontade, atuaodessa no mundo exterior, e seu resultado(SILVA, 2003, p. 7-8).

    A teoria social, por sua vez, fixa a condu-ta como sendo o comportamento humanosocialmente relevante (JESCHECK, 1981,

    p. 296 apud DOTTI, 2002, p. 308), ou umacontecimento natural com perfil de aohumana, fato esse reconhecido por critriosfinalsticos de valor (BETTIOL, 2000, p. 209-210 apud SILVA, 2003, p.11). O contedoda vontade do agente passa a pertencer culpabilidade, bastando o mero querer algopara configurar a volio da ao (JESUS,1995, p. 204).

    de alguma condio psquica particular, situao em

    que pequena dose suficiente para provocar profundaobnubilao da conscincia e desencadear uma ma-nifestao epilptica, com acessos furiosos, ataquesconvulsivos e atos de violncia (SILVA, 2003, p. 62).

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    Essa teoria tambm no prosseguepela dificuldade de identificar-se a rele-vncia social da conduta (SILVA, 2003,p. 12), havendo critrio vago e impreciso

    influindo nos limites da antijuridicidade eindeterminando a tipicidade (MIRABETE,1988, p. 105).

    A mais aceita teoria da conduta afinalista, j que todo comportamento dohomem tem uma finalidade (MIRABETE,1988, p. 104). Assim:

    [...] o homem, graas ao seu sabercausal, pode prever, dentro de certoslimites, as possveis consequncias de

    sua conduta, designar-lhes fins diver-sos e dirigir sua atividade, conformeum plano, consecuo desses fins.Graas ao seu saber causal prvio,pode dirigir seus diversos atos demodo que oriente o suceder causalexterno a um fim e o domine fina-listicamente (WELZEL, 2001, p. 27apud SILVA, 2003, p. 9).

    Essa teoria justifica-se tanto com relao

    s condutas dolosas quanto culposas. aadotada pelo Direito Penal brasileiro.A conduta pode se dar por ao ou

    omisso. O comportamento ativo o maiscomum, exigindo a lei que o indivduono leve a cabo o ato. O omissivo ocorrequando h dever jurdico de agir, sendo otipo omissivo individualizante da condutadevida.

    A ao no apresenta problema de clas-

    sificao, enquanto a omisso divide-se emprpria e imprpria. prpria quando oagente abstm-se da conduta determinadapor uma norma penal incriminadora; podeser praticada por qualquer pessoa e inexistetipo ativo equivalente, como ocorre naomisso de socorro. A omisso imprpriaquando h tipo ativo correspondente. Cabeao intrprete indicar se o omitente pode serequiparado ao agente, sendo o resultado do

    fato criminoso advindo da inao do sujeitoativo. Pune-se esse tipo de omisso devido posio de garantidor do agente, confor-me art. 13, 2o, do Cdigo Penal brasileiro.

    3.3. Culpabilidade

    Todos podem ter uma noo do queseja culpabilidade. Trata-se daquele sen-timento de ser culpado, responsvel por

    alguma atitude ou dano que tenha sobre-vindo a outrem ou a si mesmo; ou mesmodo conceito que se faz sobre se se deve ouno responder por um dano provocado,mesmo que no se possa provar com rigoresse dano, como o caso do dano moral.No entanto, o resultado lesivo [...] s podeser atribudo a quem lhe deu causa se essapessoa pudesse ter procedido de outra for-ma, se pudesse com seu comportamento ter

    evitado a leso (MIRABETE, 2005, p. 195),no se podendo puni-la se um desmaio aimpede de alimentar seu filho.

    Apesar disso, inculpar algum por umaconduta socialmente indesejvel representao risco de no se prevenir futuros danos,pois mister ao menos um evento previ-svel.

    O estudo da culpabilidade sofreu al-teraes, tendo-se destacado as seguintes

    teorias: psicolgica, psicolgico-normativa(normativa) e da culpabilidade (normativapura).

    A primeira est fundada na vontade eprevisibilidade, responsveis pela cons-truo dos conceitos de dolo e culpa emsentido estrito, respectivamente. A cul-pabilidade se expressa numa ligao denatureza psquica, anmica, entre o sujeito eo fato criminoso, tendo aquela como formas

    o dolo e a culpa (MIRABETE, 2005).No entanto, devido a situaes no abar-cadas por essa teoria, surge a normativa.Alm da culpa ou dolo, exige-se a repro-vabilidade, um juzo de valor sobre o fato,considerando-se que essa censurabilidadesomente existe se h no agente ao menosa possibilidade de conscincia da ilicitudede sua conduta (MIRABETE, 2000, p. 196).

    Segundo Licnio Barbosa (2002, p. 213-

    214), essa teoria desdobrou-se em vriascorrentes:A teoria da conduta pela vida, quese atribuiu a Mezger, afirma dever-se

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    tomar em considerao, no examedo fato delituoso, no apenas o fatoincriminado, mas um acervo de atosanteriores da vida do agente, a fim de

    que se forme juzo, to exato quantopossvel, de sua conduta.A essa teoria, chamou Hans Weizelteoria do carter ou carter lgico.Pois os atos da vida do agente in-formam o seu carter. Deu-se-lhe,tambm o nome de determinao(pela) na vida, ou de tendncia. Osfatos da vida do agente identificariama sua tendncia criminosa, que po-

    deria ser do primeiro ou do segundograu, segundo Sauer , reincidenteou no.Willenstrafrecht foi nome atribudopor Von Hippel importncia davontade do agente na execuo dofato. Formou-se, da, a teoria dodireito penal da vontade, muitograta ao estado autoritrio, e queteve a sua gnese na doutrina alem

    neo-normativista. Todavia coube aGoldschmidt realar o papel da von-tade na conduta do agente. Para ele, mister distinguir entre a norma dedever e a norma de direito: a primeira[...] origina a culpabilidade; a ltima[...] supe a antijuridicidade.

    Por fim, o mesmo autor traz um com-plemento dessas correntes:

    Na teoria finalista, de Weizel, [...]

    convm [...] colher e examinar que osatos do agente se orientem a determi-nado fim. Tm uma destinao certa.Contrapondo os tericos do exameglobal dos atos da vida do agente,ligeiramente perpassados, fala-se nateoria do fato isolado, que, consoanteAnbal Bruno, compreende o exameapenas do fato incriminado (BAR-BOSA, 2002, p. 215).

    No entanto, mais tarde, com o surgi-mento da teoria finalista da conduta, essemodo de encarar a culpabilidade perdeterreno. Assim:

    O fim da conduta, elemento in-tencional da ao, inseparvel daprpria ao. O dolo, por exemplo, aconscincia do que se quer e a vonta-

    de de realizar o tipo; se ele no existe,ou seja, se a ao no for dolosa, noh fato tpico doloso (MIRABETE,2000, p. 196).

    Dessa forma, a maneira como o agenteprocura encarar sua conduta, ou seja, oque ele quer obter de sua atitude, ou o queseria esperado dele em face de eventualimprudncia, negligncia ou impercia,passa a ter menos importncia para se ob-

    ter a ideia de culpabilidade. Ento, surge ateoria da culpabilidade, em que o dolo e aculpa pertencem conduta, e os elementosnormativos formam a culpabilidade, ouseja, a reprovabilidade da conduta tpicae antijurdica (MIRABETE, 2000, p. 196),sendo essa censurabilidade uma opopoltico-fragmentria do legislador, embo-ra haja controvrsias doutrinrias sobre ohabitatem que se encontra o dolo e a culpa,

    colaborando para isso o art. 59 do CdigoPenal brasileiro, no qual o motivo/intenodo agente relevante para se fixar pena.

    Assim, para apenar algum, presume--se que tenha ele agido com culpabilidade.Igualmente, senso comum o fato de quequanto mais censurvel o crime cometido,mais se deve exigir reparao social pelodano causado, sendo a pena reflexo doquo intensa seja a culpabilidade, conforme

    partidrios da teoria retributiva da pena,embora no se deva admitir que a culpabi-lidade seja o nico limite da pena.

    Um primeiro passo para se verificarse o agente agiu culpavelmente est emmensurar a capacidade psquica do sujeito;capacidade essa que permita o seguinte:

    Ter conscincia e vontade dentrodo que se denomina autodetermi-nao, ou seja, se tem ele [o agente]

    a capacidade de entender, diante desuas condies psquicas, a antijuridi-cidade de sua conduta e de adequaressa conduta sua compreenso. A

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    essa capacidade psquica denomina--se imputabilidade. Esta , portanto,a condio pessoal de maturidade esanidade mental (MIRABETE, 2000,

    p. 197).Ento, tem-se o primeiro elemento daculpabilidade, que para alguns autores pressuposto e no elemento daquela (MI-RABETE, 2000, p. 197). No presente artigo,esse o elemento mais importante, vistoestar diretamente ligado capacidade que oagente tem de perceber o carter criminosodo fato quando da prtica deste em estadode embriaguez. Alm disso, a imputabi-

    lidade relaciona-se com o poder-agir-de--outro-modo, pressuposto de conduta quedeve estar presente na mente do imputvel.

    Superada a determinao da imputabi-lidade do sujeito, passa-se a ser necessrio,em busca de um juzo de reprovao, ve-rificar se o sujeito conhecia o fato de estarpraticando um crime culpvel, ou crime,conforme a teoria do crime considerada. indispensvel que ele:

    [...] possa conhecer, mediante algumesforo de conscincia, a antijuridi-cidade de sua conduta. impres-cindvel apurar se o sujeito poderiaestruturar, em lugar da vontadeantijurdica da ao praticada, outraconforme o direito [...]. S assimh falta ao dever imposto pelo or-denamento jurdico. Essa condiointelectual chamadapossibilidade de

    conhecimento da antijuridicidade do fato[...] (MIRABETE, 2000, grifo nosso).Resta obter o ltimo elemento da cul-

    pabilidade, requisito concomitante com osdemais na verificao desta, considerandoque:

    tambm necessrio que, nas cir-cunstncias do fato, fosse possvelexigir do sujeito um comportamentodiverso daquele que tomou ao pra-

    ticar o fato tpico e antijurdico, poish circunstncias ou motivos pessoaisque tornam inexigvel conduta diver-sa do agente. o que se denomina

    exigibilidade de conduta diversa (MI-RABETE, 2000).

    Assim, diante de certos casos, o fato de oagente ter capacidade psquica que o torne

    consciente e com vontade de praticar o fatotpico e antijurdico no quer dizer que deantemo seja considerada reprovvel suaconduta. No merece o rigor da lei quems tem uma sada admissvel no praticaro fato. Punir o autmato, diante de fatosaos quais o homem mdio sempre reageconfrontando o tipo penal, no atitudetolervel.

    Os casos de excluso da culpabilidade,

    que exige o conhecimento de seus elemen-tos, sero tratados aps a considerao dascausas excludentes da antijuridicidade,tambm denominadas

    [...] causas de justificao do com-portamento tpico, aplicveis ao fatopenalmente relevante em geral, aselencadas no artigo 23 do diplomapenal. So elas: a legtima defesa (noII), o estado de necessidade (noI), o

    estrito cumprimento de dever legal(noIII) e o exerccio regular do direito(noIII).

    A rigor, todas essas descriminantes ca-beriam, lato sensu, no exerccio regular deum direito, que seria gnero (PEDROSO,2000, p. 306). No entanto, h casos especfi-cos de excludentes de antijuridicidade, queo Cdigo Penal prescreve a determinadoscasos:

    Diante do endereo certo das exclu-dentes, do destinatrio tpico a que sedirigem, ressumbram as chamadasexcludentes especficas ou especiaisda antijuridicidade [...] aplicveis afato tpico destacado e diferenciado. o que acontece, exempli gratia, noartigo 128 do Cdigo Penal, que legi-tima o aborto, desde que provocadopor mdico, quando no haja outro

    meio de salvar a vida da gestante(no I), ou quando tenha resultadoa gravidez de estupro, precedida ainterrupo da gestao de consen-

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    timento por quem de direito (noII)(PEDROSO, 2000, p. 306-307).

    Sob outro prisma se mostra a imposioda pena, haja vista que a culpabilidade

    requisito para punir, e no do crime (MIRA-BETE, 2000). Aqui procura-se dissecar oselementos da culpabilidade, cuja presenasimultnea imprescindvel para se aferirque a conduta culpvel. Com esse intuitoe com base em remisses ao Cdigo Penalbrasileiro:

    Em primeiro lugar, existem os casosde inimputabilidade do sujeito:a) Doena mental, desenvolvimento

    mental incompleto e desenvolvimen-to mental retardado (art. 26);b) Desenvolvimento mental incom-pleto por presuno legal, do menorde 18 anos (art. 27);c) embriaguez fortuita completa (art.28, 1o).H ausncia de culpabilidade tam-bm pela inexistncia da possibili-dade de conhecimento do ilcito nas

    seguintes hipteses:a) erro inevitvel sobre a ilicitude dofato (art. 21);b) erro inevitvel a respeito do fatoque configuraria uma descriminan-te descriminantes putativas (art.20, 1o);c) obedincia ordem, no manifesta-mente ilegal, de superior hierrquico(art. 22, segunda parte).

    Por fim, exclui-se a culpabilidadepela inexigibilidade de conduta di-versa na coao moral irresistvel (art.22, primeira parte) (MIRABETE,2000. p. 198).

    Por fim, a imputabilidade. O CdigoPenal brasileiro no traz com precisoseu conceito, preferindo determin-la demodo negativo, posto tenha estabelecidoas hipteses de sua excluso, [...] os casos

    de inimputabilidade (PEDROSO, 2000,p. 506).Por outro lado, esse diploma penal foca-

    -se no critrio biopsicolgico para admiti-la.

    Assim, s se logra inexistir a imputabilida-de pela presena de deficincia mental epela incapacidade de entendimento e de-terminao dela proveniente, conciliando,

    destarte, a causa e o efeito. No podem estarpresentes maturidade e sanidade mental, ascondies pessoais necessrias capacida-de de discernimento e compreenso.

    3.4. O princpio do nullumcrimen sine culpa

    A responsabilidade penal requer que oagente do ato delituoso o tenha praticado aomenos culposamente. No deve a culpa ser

    confundida com o conceito de culpabilida-de, j que este implica na ideia de dever ouno o agente responder pelo fato, restandoconfigurado o crime com a mera existnciado fato tpico e antijurdico, segundo a teo-ria finalista da ao (ou conduta).

    Assim, independentemente de anliseda culpabilidade, o crime requer a culpaem sentido estrito ou o dolo, elementos dotipo penal.

    3.5. A teoria da actio libera in causaQuanto ao conceito, a actio libera in causa

    exige a seguinte condio:[...] algum, no estado de no-impu-tabilidade, causador, por ao ouomisso, de algum resultado punvel,tendo se colocado naquele estado, oupropositadamente, com a intenode produzir o evento lesivo ou sem

    essa inteno, mas tendo previsto apossibilidade do resultado, ou, ainda,quando a podia ou devia prever(QUEIRS, 1963, p. 37).

    Dessa forma, no pratica crime comactio libera in causa(ao livre na causa) oagente que no poderia ter previsto o queresultaria do ato/fato de beber, o qual otornou inimputvel.

    Comentando o surgimento da teoria da

    actio libera in causa, Anbal Bruno (1963, p.8) explana que ela foi concebida dentro doproblema da embriaguez transposto para oDireito Penal e entrando a em conflito com

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    a exigncia da imputabilidade, elemento oupressuposto da culpabilidade, em que sefundamenta a responsabilidade criminal.

    Haroldo Caetano da Silva (2003, p. 98)

    elenca os principais caminhos pelos quaisse enveredou a doutrina para justificar apunio da actio libera in causa:

    a) o dolo que tem o agente na faseinicial (imputvel) prolonga-se portodo o processo causal por ele provo-cado, alcanando o fato praticado emestado de perturbao da conscincia;b) a ao pela qual o agente se pe vo-luntariamente em condio de inca-

    pacidade j constitui ato de execuodo fato tpico visado, sendo suficientepara justificar a punibilidade;c) o agente, no momento em queainda imputvel, faz de si mesmomero objeto material para a prticado crime, tornando-se instrumentoinimputvel de um agente mediatoimputvel.

    Dessa forma, a teoria em comento deslo-

    ca a imputabilidade para momento anterior realizao do crime, de forma que a aoinicial caracterizante j parte da execuodo delito, est includa na operao delitu-osa, e a sua base.

    Embora o Cdigo Penal aceite, em toda asua plenitude, a teoria da actio libera in cau-sa, que engloba os casos em que o agente sedeixou arrastar ao estado de inconscincia,a teoria no deve ser aceita.

    Haroldo Caetano da Silva (2003, p. 122)refere-se justificativa comum dos doutri-nadores, em que se considera, para punir,que o agente obtm o resultado sendo uminstrumento de uma vontade anterior.Rebatendo a tese, esse autor, em brilhantesntese, considera que o sujeito sbriono sabe do que capaz o brio, no temcontrole sobre este, nem domnio do fato.Assim, o resultado danoso proveniente do

    beber, quando a embriaguez resultante completa (requisito para a aplicao dateoria da actio libera in causa), produto doacaso, mera possibilidade num universo de

    possibilidades, como deixam claro Zafaronie Pierangeli: Se o brio [...] ao invs de [sic]matar seu rival, abraa-o e lhe diz que fiquecom a namorada, no haveria possibilida-

    de alguma de conden-lo por tentativa dehomicdio.Esse mesmo argumento serve para

    rebater as demais hipteses trazidas peladoutrina. O dolo no pode alcanar a pr-tica do fato tpico, j que este poder no seefetivar, da mesma forma que no se exe-cuta o mesmo fato se o brio, por exemplo,dormir antes de comet-lo.

    V-se, ento, que a atual orientao

    legislativa penal no est de acordo coma melhor doutrina, carecendo de umainterpretao mais atualizada. o que sedepreende ao se deparar com estas linhasde Baracho (1984, p. 354), que consideraque os prprios juzes podem transformar--se em burocratas, isolados da sociedade,quando no esto atentos s deficinciasde qualquer modalidade normativa quemerece interpretao atualizada.

    Igualmente importante, para se tomara iniciativa de interpretar mais atualizada-mente a matria, este trecho de Beccaria(1997, p. 32 apud SILVA, 2003, p. 131), paraquem:

    Os juzes no receberam as leis denossos antepassados como tradiode famlia, nem como testamento,que s deixasse aos psteros a missode obedecer, mas recebem-nas da so-

    ciedade vivente ou do soberano quea representa, como legtimo deposi-trio do atual resultado da vontadede todos.

    Por outro lado, como disse Narclio deQueirs (1963, p. 66), o jurista deve ofere-cer solues jurdicas para os problemas

    jurdicos. No entanto, no o que ocorrequando um juiz, por exemplo, aplica lite-ralmente o que prescreve o Cdigo Penal

    brasileiro no que atine teoria da actiolibera in causa, visto ser esta uma ficojurdica, inventada para resolver questesprticas de segurana (SILVA, 2003, p.

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    124), considerando-se tambm o fato deque a histria insupervel batalha socialcontra o alcoolismo, complementada, ago-ra, pela atualidade da verdadeira guerra

    que se vem travando contra o consumo dedrogas, de uma maneira geral (SILVA,2003, p. 126).

    Sem se incorrer em contradies noordenamento jurdico ptrio, pode-seprevenir os efeitos penais do alcoolismomediante, por exemplo, polticas pblicas,como publicidade sobre os riscos da em-briaguez para toda a sociedade, ou mesmocom a criao de um tipo autnomo para

    o crime de brio (SILVA, 2003, p. 141).Quanto quela publicidade pblica, emrazo de o Estado obter dinheiro com aarrecadao de tributos sobre o comrcio debebidas, talvez se deva esperar um poucomais, at que se tenham melhores meiospara se arrecadar tributos com eficincia,ou at que os gastos pblicos, para trataros problemas da embriaguez, superem obenefcio tributrio auferido pelo Estado.

    Enquanto isso, o campo est aberto paraas ONGs (Organizaes No Governamen-tais) lutarem por mudanas.

    Para rebater dvidas sobre a impro-cedncia da teoria da actio libera in causa,pode-se recorrer ao conceito de culpabi-lidade, j que, durante a prtica do fatotpico, o brio est em estado de embria-guez completa, ou seja, um inimputvel(SILVA, 2003, p. 120), razo pela qual no

    deve sofrer qualquer penalizao, por seter conduzido sob o manto da inculpabili-dade. Por fim, em razo de a embriaguezcompleta ser caracterizada como doenamental pelo Catlogo Internacional de Do-enas CID, Cdigo F-10, e considerandoo art. 26 do Cdigo Penal, o agente do fatoilcito no deve ser apenado.

    4. Concluso

    Como j referido, sobre as necessidadesque surgiram no campo penal, a teoria daactio libera in causa, esboada e interpretada

    neste artigo, vem realidade jurdica bra-sileira para fazer frente aos casos em quealgum, sob o estado de no imputabili-dade, comete ato ilcito. Foi visto que, sob

    efeito completo de substncias inebriantes,especialmente do lcool etlico, o agente dofato delituoso no se comporta de modoprevisvel, sendo um mero autmato diantede uma fora ocasional particular que tantopode fazer o sujeito ultrapassar o limite dotipo penal quanto nem sequer amea-lo.

    Para um melhor entendimento do fen-meno etlico envolvido com o fato tpico eantijurdico, a busca por uma compreenso

    histrica, geogrfica e interdisciplinar doalcoolismo revelou que se trata de um pro-blema de muitas facetas, que no pode serresolvido no mbito jurdico sem se atentarpara suas causas socioeconmico-psquicas.

    Foi verificado, tambm, que a teoria nopassa de um artifcio que no consegueromper a falta de sintonia do legislador6com o que h de mais moderno e coerenteem termos de ordenamento jurdico no

    mundo. A previso legal de um tipo penalpara o crime do brio, existente em outrospases caso em que a atitude culposa j suficiente para caracterizar crime quandoo agente se embriaga e posteriormente vema cometer esse fato tpico e antijurdico , um passo harmnico com o que h de maisevoludo na doutrina.

    Parece que o legislador brasileiro foiradical ao estabelecer uma exceo, dentro

    do Cdigo Penal, em flagrante contradiocom a repulsa que aparentemente teriademonstrado ao proibir a responsabilidadeobjetiva no campo penal. Mas no se tratade um radicalismo necessrio, conquantotil para as medidas prticas vergastadas

    6Apesar das recentes reformas ao Cdigo de Trn-sito Brasileiro pelas Leis no11.275/06 e no11.705/08,que alteraram os artigos 165, 276, 277, 291, 1o e306 do CTB, os princpios gerais do Cdigo Penalcontinuam em vigor, inclusive com o afastamentodos Juizados Especiais Criminais quando o agenteestiver sob influncia de substncia psicoativa quedetermine dependncia. A reforma veio na contramoda necessidade de menor rigor quanto ao inimputvel.

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    neste artigo. verdade que s vezes, parase alcanar um objetivo, precisa-se de serradical, no necessariamente por gostarde o ser, mas para se chegar a um ponto

    mdio representativo de certa exigncia,a exemplo do que ocorre com o aluno me-diano que, ao obter nota zero numa provaem colgio que exige mdia mediana paraaprovao em duas provas, deve obter notamxima na outra. No o que ocorre aquicom o legislador, haja vista que seu radi-calismo afronta o sistema de princpios doCdigo Penal e da prpria Constituio daRepblica Federativa do Brasil.

    Alm de recorrer-se doutrina e DireitoComparado7, o legislador pode buscar, du-rante o processo legislativo, a participaoda sociedade civil organizada nas discus-ses dos projetos de lei, para se evitar ter deatualizar as leis pelo simples motivo de queessas, ao surgirem, j esto ultrapassadasde h muito em relao realidade socialdos destinatrios. Deve-se buscar leis maissintonizadas com a realidade ftica dos

    seus destinatrios, para no se incorrer emnecessidades corriqueiras de mudanas. E,nessa sintonia, os destinatrios das normasso peas-chave para que estas sejam du-radouras. No se quer, com isso, dizer queas leis devam durar para sempre, pois sabido que a dinmica da vida social exigeadaptaes das normas, conforme o atualresultado da vontade de todos. A sociedadedeve buscar um Poder Legislativo mais

    atuante no momento em que as prpriasleis j no mais guardam harmonia com osistema ao qual esto ligadas.

    Na prtica, resta o conforto de que,observando as condenaes emanadas doPoder Judicirio com competncia criminal,o prprio destinatrio das normas penais,

    7Veja-se, por exemplo, o crime de brio, previstono art. 295 (Embriagus e intoxicao), no1, do CdigoPenal portugus: Quem, pelo menos por negligncia,se colocar em estado de inimputabilidade derivadoda ingesto ou consumo de bebida alcolica ou desubstncia txica e, nesse estado, praticar um factoilcito tpico, punido com pena de priso at 5 anosou com pena de multa at 600 dias.

    por si mesmo, busque interpretar as normasimplcitas na jurisprudncia e adequar suaconduta ao anseio de manter sua prprialiberdade. Isso especialmente verdadei-

    ro num pas em que poucos conhecem asleis, havendo produo dessas com muitafrequncia.

    Reforando essa considerao, sabidoque a questo da imputabilidade foge aombito jurdico, sendo necessrio, paraa sua definio, recorrer-se a conceitos eteorias de outros ramos do conhecimentohumano: medicina, psiquiatria, sociologia eoutras disciplinas ligadas sade humana.

    A prpria psique humana, cujo conceito importantssimo para a culpabilidade deum modo geral, no est e talvez nuncaesteja bem descrita ou compreendida,sendo at discutida uma possvel extinoda Psiquiatria como ramo autnomo daMedicina.

    No entanto, o problema no se resume aisso. A falta de atualizao do ordenamentoparece ser um problema recorrente tambm

    em outros ramos jurdicos ptrios, excetonaqueles em que o prprio Estado est di-retamente interessado, como ocorre nas leisoramentrias, em razo do envolvimentode muitos interesses econmicos e s vezeseleitorais.

    Por outro lado, nunca se deve perderde vista que o Direito Penal subsidirio.S deve atuar quando forem praticadostodos os outros meios menos invasivos

    para reparar um mal imposto sociedade.A liberdade de um indivduo, uma dasmais grandiosas caractersticas de sua dig-nidade, deve, como costuma lecionar umilustre professor da Faculdade de Direitoda Universidade Federal de Gois (Prof. Dr.Pedro Srgio dos Santos), ser retirada comopunio em ltimo caso, quando o Estado,embora parea contraditrio, fez de tudopara provar se o indivduo era inocente,

    chegando ao fim do processo convencidode que restava configurada a culpa que oconceito de culpabilidade exige para imporpena. Relegar ao Direito a incumbncia

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    exclusiva de resolver problemas sociaise econmicos oriundos da embriaguez querer isentar de responsabilidade aspolticas pblicas levadas a cabo pelo Po-

    der Executivo, que est mais prximo dasociedade por administrar a coisa pblicae que teoricamente seria o Poder mais su-balterno, controlvel, da Repblica, o quefacilitaria seu controle at mesmo pelosadministrados. Embora o Direito tambmdeva colaborar para a harmonia social,especialmente o Direito Penal deve, peloargumento acima, ter atuao mnima.

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