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Alan Marinho

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Alan Marinho

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 4

2. CONCEITO E DEFINIÇÃO............................................................................................................ 6

2.1 DEFININDO PROVIDÊNCIA DE DEUS.....................................................................................................6

2.2 A ETIMOLOGIA DO TERMO PROVIDÊNCIA...........................................................................................6

2.3 SENTIDO ESCRITURÍSTICO DO TERMO PROVIDÊNCIA...........................................................................82.3.1 SENTIDO ESCRITURÍSTICO NO NOVO TESTAMENTO.................................................................................102.3.2 SENTIDO ESCRITURÍSTICO NO ANTIGO TESTAMENTO..............................................................................14

2.4 OBJEÇÕES ACERCA DA VERACIDADE DA PROVIDÊNCIA......................................................................182.4.1 DEÍSMO......................................................................................................................................................202.4.2 PANTEÍSMO................................................................................................................................................212.4.3 ACASO........................................................................................................................................................23

3. FUNDAMENTOS QUE ATESTAM A PROVIDÊNCIA NA PERSPECTIVA REFORMADA............................................................................................................................................................ 25

3.1 PERSPECTIVAS TEOLÓGICO–REFORMADO.........................................................................................253.2.1 CATECISMO DE HEIDELBERG ....................................................................................................................293.2.2 CONFISSÃO BELGA.....................................................................................................................................293.2.3 CONFISSÃO DE FÉ WESTMINSTER.............................................................................................................31

3.3 A VERACIDADE DA PROVIDÊNCIA...................................................................................................... 333.3.1 A VERACIDADE DA PRESERVAÇÃO.............................................................................................................343.3.2 A VERACIDADE DO GOVERNO...................................................................................................................363.3.2.1 GOVERNO GERAL ...................................................................................................................................393.3.2.2 GOVERNO NATURAL ..............................................................................................................................393.3.2.3 GOVERNO MORAL ..................................................................................................................................403.3.3 A VERACIDADE DO CONCURSO..................................................................................................................42

4. A PROVIDÊNCIA E AS SUAS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS PARA A IGREJA.....................46

4.1 BENEFÍCIOS DA PROVIDÊNCIA .......................................................................................................... 464.1.1 PACIENTES EM MEIO Á ADVERSIDADE......................................................................................................474.1.2 AGRADECIDOS EM MEIO Á ADVERSIDADE................................................................................................494.1.3 CONFIANÇA INABALÁVEL EM NOSSO PAI..................................................................................................504.1.4 CERTEZA DA SALVAÇÃO EM CRISTO .........................................................................................................52

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 65

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BAVINK, HERMAN – DOGMÁTICA REFORMADA – DEUS E A CRIAÇÃO; TRADUZIDO POR VAGNER BARBOSA. SÃO PAULO: CULTURA CRISTÃ, 2012.....................................65

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1. INTRODUÇÃO

Nota-se que a providência de Deus é um assunto amplamente defendido pelos reformados e

totalmente fundamentado nas Escrituras. Por esta razão, o objetivo é compreender,

especificamente, o pensamento reformado calvinista e analisar do ponto de vista das

Escrituras e na área da Teologia Sistemática.

Esta pesquisa contempla o pensamento bíblico-reformado calvinista, onde há de fundamentar

todo o trabalho em textos bíblicos de acordo com o assunto da providência de Deus, com um

ato soberano e contínuo sob todas as coisas criadas.

O objetivo geral desta monografia é mostrar a veracidade da providência nas Escrituras

Sagradas e na teologia reformada. O objetivo específico é apresentar que o universo e toda a

criação animada ou inanimada não estão à deriva, entregue ao destino, acaso ou fatalismo, e

sim ao controle no qual Deus preserva, governa toda a criação e concorre agindo com o

homem para cumprir sua vontade soberana. Essa pesquisa ainda visa também um fim prático

para os cristãos, a fim de extrair suas implicações para a Igreja na contemporaneidade.

Quanto ao problema abordado nesta monografia, questiona-se se há realmente uma

providência, se de fato existe um Ser que governa toda a criação, e se há um controle das

coisas que foram criadas. A hipótese central é que a providência de Deus é um fato bíblico e

totalmente fundamentado nas Escrituras e na teologia Reformada.

O tema desta monografia visa um resgate dessa doutrina tão esquecida e pouco compreendida

pelos cristãos, e têm também um fim apologético. Em uma época de ceticismo, de autonomia

humana, de pensamentos filosóficos e doutrinas errôneas que contestam um controle soberano

de Deus, essa pesquisa mostra que existe de fato um ser que preserva, governa e concorre

juntamente com as coisas criadas por Ele mesmo para um fim, a glória do seu Nome.

Utiliza-se a Bíblia Sagrada, dicionários bíblicos e teológicos, comentários bíblicos, literaturas

históricas e específicas sobre o tema, como fontes para a monografia. O referencial teórico

adotado é o capítulo cinco da Confissão de Fé de Westminster, primeira seção:

Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutávelconselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para olouvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta,dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisasdesde a maior até a menor.1

1CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Editora Cultura Cristã. 17ª edição, 2001. Capítulo V, Seção I,P.47.

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Ditas estas coisas, seguem os problemas corolários levantados que decorrem do problema

central que foi apresentado.

1. Qual é o sentido geral da providência e o sentido escriturístico da providência no Antigo e

Novo Testamento?

2. Em que consiste a providência no pensamento reformado e a veracidade da providência no

sentido teológico-reformado?

3. Como a doutrina da providência pode ser experimentada pela Igreja?

A estrutura dessa monografia se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, consiste em

evidenciar o que é Providência de Deus. O capítulo traz o conceito no sentido etimológico, e

definição teológica reformada em geral, no pensamento filosófico, como de outros pensadores

durante a história. E por fim, o sentido bíblico veterotestamentário e neotestamentário. E por

fim, objeções da doutrina da providência, o que será refutado no capítulo 2 desta pesquisa.

O segundo capítulo, é um panorama da providência de Deus na perspectiva teológico

reformado calvinista, nas confissões reformadas. Nele oferece-se um dialogo com diversos

teólogos renomados bíblicos reformados que pensam acerca do significado da providência de

Deus. Os reformadores explora a questão da providência como uma preservação, governo e

concorrência.

No terceiro capítulo, esse trabalho finaliza com as implicações práticas que a doutrina da

Providência de Deus traz para a Igreja, como também sua compreensão exata traz um

benefício fantástico para o cristão de forma individual.

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2. CONCEITO E DEFINIÇÃO

2.1 DEFININDO PROVIDÊNCIA DE DEUS

Neste capítulo inicial o pesquisador estará expondo a definição da doutrina da providência.

Incialmente será mostrado o sentido etimológico do termo em questão.

2.2 A ETIMOLOGIA DO TERMO PROVIDÊNCIA

A Palavra “providência” não aparece nas Escrituras, mas a doutrina é amplamente

disseminada nas Escrituras, portanto é bíblica. Portanto, “providência de Deus” se constrói

através dos livros das Escrituras de formas diversas. Dessa forma podemos atender que a

palavra providência não é um conceito teórico, mas a atividade contínua de Deus no mundo

criado por Ele mesmo.

Essa palavra portuguesa “providência” foi cunhada do termo latino ”providentia”, e a palavra

“prover” do latim providere. Que etimologicamente significa “ver antes” ou “ver de

antemão” (CAMPOS, 2001, P.13).

2“Providência” corresponde ao grego pronoia. Tais palavras correspondem presciência ou

previsão. Previsão ou presciência está relacionada a um plano extraordinariamente arquitetado

por Deus para o futuro e, de outro, à consumação sólida desses planos.

Providência segundo o dicionário de língua portuguesa3 significa: Sabedoria suprema, com

que Deus tudo dirige. Deus, considerado na sua providência. Essa definição nos remete a

providência ligada ao aspecto da sabedoria divina que excede a todos os saberes terrenos. E

que Deus através do atributo da sabedoria governa e dirige as coisas criadas.

A palavra providência deriva-se da filosofia grega. Segundo Laércio, Platão foi a primeira

pessoa a usar a palavra pronoias nesse sentido. Turretini cita uma expressão de Hugo de São

Vitor que relatou: ‘Abarca especialmente três coisas: prognõsin, prothesin e dioikêsin – o

conhecimento da mente, o decreto da vontade e a administração eficaz das coisas decretadas;

2Berkhof fala em sua obra que previsão é, de um lado, associada a planos. Assim, a palavra “providência” veio asignificar a provisão que Deus faz para os fins do seu governo, bem como a preservação e governo de todas ascriaturas. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzida por Odayr Olivetti. 4ª edição revisada. São Paulo.Editora Cultura Cristã, 2012. P. 153.

3Refere-se a um dos atributos divinos, na qual Deus controla e governa todas as coisas criadas através da suasábia e suprema Sabedoria. FIGUEIREDO, Cândido. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1913. P. 1638.

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conhecimento que dirige vontade que ordena e poder que cumpre. A primeira prevê, a

segunda provê e a terceira executa ou realiza’(TURRETINI, 2011, P. 617).

4RC Sproul, teólogo reformado, disse que o significado fundamental da palavra providência é

“ver antes ou com antecedência”, ou “prover algo para”. Embora apresente sentidos

pertinentes, a palavra se distancia ainda muito da extensão e a magnitude de conseguir cobrir

o profundo significado da doutrina da providência, a qual significa muito mais do que Deus

ser um mero coadjuvante ou espectador dos eventos humanos e de toda a atividade dos

cosmos. Na verdade, apresenta muito mais do que uma mera referência à presciência de Deus.

Na antiga filosofia grega existia uma tensão entre o destino e o acaso. Para os epicureus5 o

mundo é governado e sustentado pelo mero acaso. Os estoicos6, grupo influente na Grécia,

sustentavam que o mundo é governado pelo destino. O pelagianismo7 parte do princípio que a

providência é o exercício vida comum. Os deístas exclui qualquer providência pós-criação,

eles entendiam que Deus não intervém no mundo criado. A providência de Deus é apenas

4Sproul sustenta que aquilo que Deus cria, ele também sustenta. O universo não só depende de Deus para a suaorigem, mas depende dele também para continuar existindo. O universo não pode existir e operar por seu própriopoder. Deus sustenta todas as coisas pelo seu poder. SPROUL, R C. Verdades essenciais da fé cristã; Doutrinasbásicas em linguagem simples e prática, volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. P. 56-58.

5Epicureus/Epicurismo é um sistema filosófico, que prega a procura dos prazeres moderados para atingir umestado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento dofuncionamento do mundo e da limitação dos desejos. No entanto, quando os desejos são exacerbados podem serfonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade que é manter a saúde do corpo e aserenidade do espírito. Epicurismo é um sistema criado por um filósofo ateniense chamado Epicuro de Samos noséculo IV a.C. Existem vários fundamentos básicos do Epicurismo, porém, se distingue o desejo para encontrar afelicidade, buscar a saúde da alma, lembrando que o sentido da vida é o prazer, objetivo imediato de cada açãohumana considerando sem sentido as angústias em relação à morte, e a preocupação com o destino. Osseguidores do epicurismo são chamados de epicuristas e, de acordo com o sistema filosófico, devem procurarevitar a dor e as perturbações, levar uma vida longe das multidões (mas não solitário), dos luxos excessivos, secolocando em harmonia com a natureza e desfrutando da paz.Outro valor defendido pelo epicurismo e seus defensores é a amizade. A amizade traz uma grande felicidadepara as pessoas, já que a convivência pode ocasionar uma troca saudável de pensamentos e opiniõesenriquecedoras. Segundo Epicuro, o criador do epicurismo, as pessoas não podem viver de forma agradável senão forem prudentes, gentis com os outros e justas em suas atitudes e pensamentos sem viver prazerosamente.As virtudes então devem ser praticadas como garantia dos prazeres.https://www.significados.com.br/epicurismo/, acesso em 15/08/2017.

6Estoicos – grupo com uma filosofia que foi denominada estoicismo. O estoicismo foi uma “filosofia influentena Grécia antiga e no mundo romano que destaca o controle pessoal sobre as emoções. Criado por Zenão deCicio (334-262 a.C.; não deve ser confundido com Zenão, o Eleata, famoso por seus paradoxos), o estoicismodesenvolveu-se ao longo do tempo. Geralmente são reconhecidos três períodos de sua história: o estoicismoprimitivo, o estoicismo médio e o estoicismo romano. A maior parte dos escritos estóicos remanescentes provémdo último período, do qual o escravo Epicteto e o imperador Marco Aurélio são os mais famosos representantes.O estoicismo caracteriza-se pela convicção de que o universo possui uma estrutura racional e tudo acontecenecessariamente. A verdadeira virtude requer a aceitação dos fatos exteriores; o virtuoso vive de acordo com arazão que molda o universo e obtém satisfação de uma atitude de indiferença em relação às coisas boas ou ruinsque a maior parte das pessoas deseja e teme.” Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia daReligião. Tradução Rogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P.51-52.

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“leis da natureza”8, ou seja, determinada por essas leis e pelo livre arbítrio dos homens. Por

sua vez, o panteísta que entende que a natureza e Deus é a mesma coisa, não há distinção,

então providência para eles é o curso da natureza em movimento. Nisto não há um Criador

acima de qualquer curso da natureza, pois tudo é Deus.

9Para as religiões orientais, como o hinduísmo e budismo, o ponto de vista está sob a uma

cosmovisão da realidade, em que tudo está numa crescente e Grande Corrente do Ser, e

consequentemente, as coisas evolui cada vez mais na direção da divindade. Para eles Deus

não é um ser pessoal que dirige e governa a história para um fim. Ele não é um Criador

pessoal que preserva, cuida e ama as criaturas. Segundo eles, a história se dá pelo carma.

Assim o curso da história se repete ciclicamente na qual não há como fugir da “roda do

carma”. E consequentemente caem num fatalismo prático10. Portanto, a providência de Deus é

inexistente.

Até aqui o autor abordou o significado de providência no aspecto geral. Abaixo o pesquisador

aborda o sentido de providência nas Escrituras.

2.3 SENTIDO ESCRITURÍSTICO DO TERMO PROVIDÊNCIA

A Escritura Sagrada mostra que o Deus criador é totalmente envolvido com a sua criação e

em atividade contínua com a sua criação que é elemento da sua providência. Embora as

7Pelagianismo – doutrina da não destruição completa da vontade humana pelo pecado original, e que, portanto épossível aos seres humano alcançar a santidade moral por meio de seus esforços. É associada, às vezes, àconcepção de que o pecado original é transmitido pelo meio ambiente e pela cultura e pode ser reduzido pormelhorias sociais. Esse conceito é atribuído a Pelágio (d.C. 345 – d.C. 425), monge britânico que se opôsfortemente a Agostinho. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. TraduçãoRogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P. 105-106.

8Leis da natureza – são leis científicas ou físicas, atribuídas pelos não-teístas descoberta da ciência e definidasob a forma de leis, sem atribuir necessariamente essa ordem a qualquer desígnio intencional. . Evans, C.Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. Tradução Rogério Portella – São Paulo: EditoraVida, 2004. Pp.79-80.

9Franklin Ferreira em sua obra de teologia sistemática fala que a tradição oriental tem uma visão pessimista dahistória, para eles a história está se aperfeiçoando através da evolução, mas seguindo em círculos, por meio docarma. Franklin/MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para ocontexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. P. 297.

10Fatalismo prático – conceito de que tudo que acontece necessariamente e que, portanto, a escolha e o esforçodos seres humanos não fazem diferença. Os críticos do determinismo alegam ser o fatalismo sua consequêncialógica. Entretanto, a maioria dos deterministas (particularmente os chamados “deterministas brandos”) rejeita aacusação, declarando que as escolhas humanas fazem a diferença como parte da ordem causal. Alguns“deterministas radicais” aceitam a ideia de que todas as coisas acontecem exatamente da forma que deveriam sere afirmam que o reconhecimento dessa verdade liberta as pessoas da ansiedade e as conduz à paz de espírito.Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. Tradução Rogério Portella – São Paulo:Editora Vida, 2004. P.55.

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Escrituras não use a palavra providência, texto da Palavra de Deus singularmente possui o

teor do termo providência. Alguns teólogos que tentam extrair o termo das Escrituras

fundamentam a doutrina tanto com textos do Antigo e do Novo Testamento. Por exemplo,

Abraão pela fé em Deus permitiu que ele visse e vivesse as promessas do Senhor, no texto de

Gênesis 22.8: “Respondeu Abraão: Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o

holocausto; e seguiam ambos juntos.” O termo usado por Abraão “proverá”, tem o significado

no hebraico de ר,הא,הה, que quer dizer na raiz da palavra “para ver o acesso a” ou “irá fornecer”,

“vai disponibilizar”.11 Traz a ideia da provisão de Deus a Abraão. Outro texto que traz a ideia

da providencia de Deus se encontra em Ezequiel 20.6: “Naquele dia, levantei-lhes a mão e

jurei tirá-los da terra do Egito para uma terra que lhes tinha previsto, a qual emana leite e mel

coroa de todas as terras.” Quando Deus fala “levantei-lhes a mão” mostra a promessa de Deus

a Israel de que ele cumpriria. A palavra “mão” nessa passagem no hebraico tי,הד֙יי traz a ideia de

uma mão (a abrir (indicando poder, meios, direção, etc.).12 Percebe-se o princípio de que Deus

utiliza o seu poder, meios e direção no cumprimento da sua vontade.

No Novo Testamento encontra-se o texto de Hebreus 11.40: “por haver Deus provido coisa

superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados. A palavra

“provido” significa no grego Προβλεψαμενου que traz a ideia “tendo (ter) provido”, como

também traz o significado mais amplo de olhar antecipadamente, ou seja, fornecer

antecipadamente - fornecer.13 Esses textos que foram abordados acima traz alguns dos

aspectos da providência nas Escrituras. Nelas verifica-se a relação de Deus com o mundo e a

sua obra da providência. Algumas vezes ocorre a palavra (pronoias, pronoein) trazendo

sempre uma referência à providência humana.

Bavink, teólogo reformado, comentou sobre isto dizendo que as Escrituras sendo próprio livro

da providência de Deus, ou seja, a sua história revela passos da ação providencial do Senhor

em todos os acontecimentos da história que vai desde a criação até a consumação dos séculos.

Ele descreve essa providência de Deus ao:

Criar (Sl104. 30; 148.5); fazer viver (Jó 33.4; Ne 9.6); renovar (Sl 104.30); ver,observar (Jó 28.24; Sl 33.14ss.); salvar, proteger, preservar (Nm 6.24ss; Sl 36.6;121.7,8); liderar, ensinar, governar (Sl 9.19,20; 25.5,9;) trabalhar (Jo 5.17); sustentar(Hb 1.3); cuidar (1 Pe 5.7) (BAVINK, 2012, P.607).

11 http://biblehub.com/lexicon/genesis/22-6.htm, acesso em 06/08/2017.

12http://biblehub.com/lexicon/ezekiel/20-6.htm, acesso em 06/08/2017.

13http://biblehub.com/lexicon/hebrews/11-40.htm, acesso em 06/08/2017.

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As Escrituras revela um Deus que é o Senhor da História que está assentado no trono que tem

sob o domínio toda a ordem criada. Sinclair Fergunson14 afirma que: “Uma definição

adequada da ideia de Deus requer seu senhorio da historia de tudo o que existe. Todavia, a

doutrina cristã da providência de Deus não reside nessa especulação metafísica, mas no

ensino da Bíblia” (FERGUNSON, 2009, P.820).

As Escrituras demonstram provas seguras e infalíveis onde o próprio Deus pode relatar de

forma, contundente, eficaz, ou seja, tão perfeito quanto o pensamento humano finito e

limitado pode alcançar ou perceber em sua plenitude. Toda a revelação ou profecia de Deus,

todas as Escrituras, ambas do Velho Testamento e Novo Testamento, descrevem tantas cenas

do cuidado na preservação, seu governo soberano sobre toda a ordem criada e a sua ação na

vida humana concorrendo para o propósito final da glorificação do seu Nome. A Palavra

divina descortina a história pela obra da sua providência do começo do Universo criado até a

consumação da história. A Escritura atesta e revela a providência de Deus numa forma geral:15

a) sobre o cosmos em sua totalidade; b) sobre o mundo exterior ou físico; c) sobre a criação

irracional ou inanimada; d) sobre os negócios ou decisões das nações; e) sobre o nascimento e

destino da vida do homem; f) sobre os sucessos exteriores e derrotas na vida dos homens; g)

sobre as coisas aparentemente acidentais ou insignificantes; h) na proteção dos justos; i) no

suprimento das necessidades do povo de Deus; j) nas respostas as orações; k) na exposição e

punição dos ímpios. Vê-se abaixo como se dá, mais especificamente, essa perspectiva no

Novo Testamento e Antigo Testamento.

2.3.1 SENTIDO ESCRITURÍSTICO NO NOVO TESTAMENTO

No Novo Testamento está eivado da providência de Deus no sentido de que o Senhor aparece

em atividade continuamente dentro da sua criação. A Ênfase neotestamentária que a

providência está baseada no caráter de Deus. Especialmente no seu conhecimento, na sua

vontade, e na sua bondade, elementos da expressão do caráter de Deus no ato da providência.

O conhecimento de Deus é total, e demonstrado na sua onisciência. Onisciência é a palavra

que significa “conhecer todas as coisas”. Na Escritura se diz que Deus é aquele que conhece o

14Sinclair Fergunson – teólogo reformado, Dr. Sinclair B. Ferguson é professor de teologia sistemática noSeminário Redeemer em Dallas, TX, EUA. É reitor do curso de Doutorado em Ministério na Academia Ligonier,e professor no Ministério Ligonier.

15Segundo Strong teólogo sistemático a Escritura testemunha e dar provas escriturística suficientes nos aspectosde um governo geral providencial e de controle. STRONG, Augustus Hopkins. Teologia sistemática/ AugustusHopkins Strong; prefácio de Russell Shedd; [tradução Augusto Victorino]. - São Paulo: Hagnos, 2003. P.615.

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passado, presente e o futuro. E que nada está encoberto aos seus olhos, ou seja, todas as coisas

estão patentes diante da sua infinita e ampla visão. Como registrado em Hebreus 4.13, “E não

há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão

descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos que prestar contas”16. Ele conta os fios

de cabelo de nossa cabeça, mostrando seu conhecimento nas coisas mais comuns e ínfimas,

como registrado em Lucas 12.7 “até os cabelos da vossa cabeça estão contados”. A

capacidade do conhecimento de Deus deixa estarrecidos os escritores bíblicos, como registra

Paulo em Romanos 11.33-36,

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!

Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem,

pois conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem

primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele,

e para ele são todas as coisas. A ele, pois a glória eternamente. Amém!17

Arthur W. Pink, em sua obra sobre os atributos de Deus em relação ao conhecimento de Deus

– onisciência do Senhor descreveu:

O conhecimento que Deus tem do futuro é tão completo como o Seuconhecimento do passado e do presente, e isso porque o futuro dependetotalmente dEle próprio. Se fosse possível ocorrer alguma coisa sem a açãodireta de Deus ou sem a Sua permissão, então aquilo seria independentedEle, e Ele deixaria, de pronto, de ser Supremo (PINK,1990,P.11).

Em relação à vontade de Deus na providência podemos dizer que aquilo que o Senhor

deseja Ele faz, seja no sentido de mandamento ou decreto. 18 Essa distinção é

importante para entender que Deus intervém na história e sempre por trás de todas as

coisas o seu desejo cumpre-se seja por decreto ou mandamento. O puritano John

Flavel19 (1628-1691) vincula a doutrina da providência à preocupação em descobrir a

vontade de Deus. Ele expressa que é importante fazer a distinção entre a vontade

secreta e revelada, sendo a primeira é modus operandi das ações de Deus e a segunda

das ações humanas20. Nesse sentido encontramos vários textos bíblicos do novo

16BÍBLIA ARA.

17BÍBLIA ARA.

18A vontade de Deus há vários sentidos nos quais de diz que Deus tem uma vontade. Deus pode desejar em umsentido de mandamento, e ele pode desejar em um sentido de decreto. HELM, Paul. A Providência de Deus –Tradução Vagner Barbosa. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007. P. 40-41.

19John Flavel, o puritano (1628-1691), foi um ministro presbiteriano e um prolífico e popular autor inglês.

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testamento que dá base essa vontade. 21No estudo da palavra no grego do novo

testamento aparece thelema traduzida por “vontade”, os textos refletem isto,

Mt 6.10 – “venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra comono céu”; Lc 22.42 -“dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice;contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua”; Jo 5.30 - “Eu nadaposso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo. O meu juízo éjusto, porque não procuro a minha própria vontade, e sim daquele que meenviou”; Rm 12.2 –“E não vos conformeis com este século, mastransformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteisqual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”; Gl 1.4 – “o qual seentregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar destemundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai”; Ef 1.5,9,11 –“nos predestinou para ele, para adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,segundo o beneplácito de sua vontade...desvendando-nos o mistério da suavontade[...]segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conformeo conselho da sua vontade”;Cl 1.9 –“[...]que transbordeis de plenoconhecimento da sua vontade...”; 1 Ts 5.18 – “em tudo dai graças, porqueesta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para conosco”; Hb 13.21 – “vosaperfeiçoe em todo bem, para cumprirdes a sua vontade[...]”; 1 Pe 2.15 –“Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façaisemudecer a ignorância dos insensatos”; 1 Jo 5.14 – “[...]se pedirmosalguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve”; Ap 4.11 – “Tu ésdigno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porquetodas as coisas tu criaste, sim, por causa da sua vontade vieram a existir eforam criadas(CAMPOS, 2013, P.32).

Outra palavra encontrada no Novo Testamento é o verbo hodegeo22 que tem um

significado no ato de Deus nos “conduzir, guiar”, uma relação da direção de Deus nas

ações dos homens. Direção no aspecto do Espírito Santo na vida dos homens

conforme Jo 16.13, “quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a

toda a verdade [...]”; Ap. 7.17, “pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os

apascentará e os guiará para as fontes da água da vida”. Outra palavra do novo

testamento no grego eudokia23 tem o significado de “agrado”, “boa vontade”, esses

termos tem uma relação estreita com a vontade soberana do Criador, Fp. 2.13,

“porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua

20 John Flavel, The mistery of Providence (Edinburgh: Banner of Truth, 1963), p.185. Flavel aprofunda asdistinções, ao dizer que a vontade revelada pode ser manifesta a nós tanto em sua Palavra, quanto em suas obras.A primeira é a sua vontade de mandamentos, e a segunda é a vontade efetiva (quanto ao bem) ou permissiva(quanto ao mal). Há variação também quanto à clareza das coisas reveladas e ao entendimento das pessoas aquem é revelado. Campos Júnior, Heber Carlos. Tomando decisões segundo a vontade de Deus. São José dosCampos, SP. Editora Fiel, 2013. P.62

21Heber aprofunda a palavra no grego a fim de fundamentar o termo vontade de Deus nas Escrituras. CamposJúnior, Heber Carlos. Tomando decisões segundo a vontade de Deus. São José dos Campos, SP. Editora Fiel,2013. P. 32.

22Hodegeo/οδηγος hodegos - guia, líder, At 1.16; instrutor mestre, Mt 15.14; Lc 6.39; Ap 7.17; instruir, ensinar,Jo 16.13; At 8.31. MOULTON, Harold K. Léxico grego analítico [Tradução Everton Aleva de Oliveira e DaviMiguel Manço] – São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p.293.

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boa vontade”. Percebe-se que as palavras do Novo Testamento em relação à vontade

de Deus tem um amplo significado, com terminologias diferentes. Mas, em tudo a

uma ação poderosa e providencial de Deus.

Sobre a bondade de Deus, embora questionada em relação aos males existentes nesse

mundo, a pesquisa aqui tende mostrar simplesmente a relação da providência com a

bondade de Deus com a sua Igreja. Nesse aspecto, Paul Helm, em sua obra, a

providência de Deus, destaca que a bondade de Deus é revelada na Escritura, em vários

aspectos, nisto explica: “a graça de Deus na conversão é poderosa (1Ts 1.5); é um chamado

eficaz (Rm 1.6; 9.11; 1Co 1.9; Ef 4.4); é comparada à criação (2Co 4.6) e à ressurreição (Ef

2.5) e a um novo nascimento (1Pe 1.23). O Espírito Santo dá arrependimento (2Tm 2.25) e fé

(Ef 2.8)” (HELM, 2007, P.43).

Arthur W. Pink em sua obra descreveu a bondade de Deus em seu ápice que,

A bondade de Deus foi mais ilustremente visível quando Ele enviou o Seu Filho,

"[...] nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei,

a fim de recebermos a adoção de filhos" (Gálatas 4:4-S). Foi então que uma

multidão dos exércitos celestiais louvou seu Criador e disse: "Glória a Deus nos

alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens" (Lucas 2:14). Sim, no

evangelho "a graça (em grego, a benevolência ou bondade) de Deus se há

manifestado, trazendo salvação a todos os homens" (Tito 2:1) (PINK, 1990, P.47).

No ensino de Jesus no evangelho de Mateus 10.29, a bondade está ligada a paternidade de

Deus pela sua criação mesmo nas pequenas coisas, ou seja, naquelas que parecem

insignificantes como o pardal que cai por terra se não for á vontade do Pai. Fica evidente que

o cuidado do Criador pela sua criação é minucioso e detalhista. Em Mateus 10.30, traz um

detalhe ainda maior sobre o cuidado de Deus pela sua criação – o homem – a demonstração de

que até mesmo os fios dos cabelos estão contados revela a paternidade do Criador pela vida

humana nos detalhes. Donald Guthrie, afirma acerca desse assunto que: “o próprio fato de que

Jesus usa o título “Pai” aplicado a Deus quando menciona seu cuidado providencial evidencia

quanto é abrangente sua compreensão de paternidade”. Jesus disse: “Meu Pai trabalha até

agora, e eu trabalho também” (GUTHRIE, 2011, P.80).

23Eudokia/ Eudokeo – pensar bem, aprovar, anuir, concordar, ter prazer ou alegria, Mt 3.17; 17.5; Mc 1.11; Lc3.22; 12.32; aprovação, aceitação; boa vontade, favor, graça, Lc 2.14; beneplácito, propósito, intento, Mt 11.26;Lc 10.21; Ef 1.5,8; Fp 2.13; desejo, Rm 10.1. MOULTON, Harold K. Léxico grego analítico [Tradução EvertonAleva de Oliveira e Davi Miguel Manço] – São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p.184.

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24Nas epístolas, a providência de Deus aparece em passagens como Romanos 1.19 e Tiago

1.17. Embora o cuidado seja sobre tudo e todos, e fica explícito um cuidado especial para

aqueles que creem Nele. Evidencia-se em Romanos 8.28, onde Deus cuida e controla todos os

aspectos da vida daqueles que nele creem o cuidado especial pelos seus filhos. A Igreja nasce

e é formada como o resultado dessa graça especial onde os homens e mulheres recebem do

favor de Deus. Agora o pesquisador aborda a perspectiva no Antigo Testamento sobre a

providência.

2.3.2 SENTIDO ESCRITURÍSTICO NO ANTIGO TESTAMENTO

Nesta parte da pesquisa vai expor o aspecto da providência no Antigo Testamento, é claro

sem esgotar o tema por ser vasto na imensidão dos 39 livros do Antigo Testamento. Com isso,

abordar-se o sentido escriturístico do termo, expondo a obra providencial de Deus em textos

bíblicos. Primeiro entende-se que o governo providencial está sobre todo o universo criado,

onde Ele opera segundo a sua vontade opera com a força do seu exército numeroso e os

viventes que se submetem a sua poderosa determinação. E todas as ações Dele sobre a criação

acontecem segundo o conselho da sua soberana vontade. Os textos abaixo refletem o seu

domínio, força e vontade soberana. No Sl 103.19, “Nos céus, estabeleceu o Senhor o seu

trono, e o seu reino domina sobre tudo; Dn 4.35, “[...] segundo a sua vontade, ele opera com o

exército do céu e os moradores da terra [...]”.25

A Escritura evidencia a ação providencial de Deus sobre mundo físico, e como o mundo

exterior responde a sua ordem. A natureza criada, as plantas, vegetações, árvores frutíferas, a

chuva que cai, o sol que aquece, os luminares, os ventos tempestuosos, os animais em toda a

sua espécie, o cuidado em alimentá-los, tudo satisfazem a ordem daquele quem os criou. Os

textos abaixo refletem o cuidado minucioso e poderoso do Criador pelo mundo físico exterior,

Jó 37.5,10 - “Com sua voz troveja Deus maravilhosamente [...] pelo sopro de Deusse dá a geada [...]”; SI. 104.14 - “Fazes crescer a relva para os animais e as plantas,para o serviço do homem”; 135.6,7 - “Tudo quanto aprouve ao Senhor, ele o fez, noscéus e na terra, no mar e em todos os abismos [...] nuvens [...] relâmpagos[...]ventos”; SI. 104.16 -“Avigoram-se as árvores do Senhor e os cedros do Líbano queele plantou”.26

24Donald Guthrie expõe em sua obra que Deus exerce controle sobre todos os aspectos da vida dos crentes, oque revela seu cuidado especial como Pai por seus filhos, e isto fica evidente nas epístolas. GUTHRIE, Donald.Teologia do Novo Testamento. Tradução de Vagner Barbosa – São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011. P.80.

25Salmo 103.19; Daniel 4.35. Bíblia de Genebra, 2º edição, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil. EditoraCultura Cristã, 2009.

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A ação providencial de Deus se estende sobre a sua criação irracional e inanimada. No Sl

104.21,2827, “Os leõezinhos rugem pela presa e buscam de Deus o sustento”; “Se lhes dás,

eles o recolhem; se abrem as mãos, eles se fartam de bens”. Sobre a providência no reino das

coisas inanimadas, Heber comentou:

Toda criação inanimada é objeto da providência divina. Os céus, a terra e tudo o queneles há são objeto do cuidado amoroso do Criador, vivem debaixo do governo doCriador, são sustentados e preservados pelo Criador de maneira direta ou indireta,isto é, através das leis antigas e fixas que ele criou (CAMPOS, 2001, P.64).

A ação providencial de Deus também está sobre todos os povos e nações, onde ele determina

os negócios e as ações sejam elas más ou boas. O seu domínio excede o domínio dos que

governam, mesmo sem saber os governantes estão sob o olhar do Rei eterno e cumprindo

sempre a sua vontade permissiva ou decretiva. 28A Escritura revela em Jó 12.23 - “Multiplica

as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega”; SI. 22.28 - “Pois do Senhor é o

reino, é ele quem governa as nações”; Sl 66.7 - “Ele, em seu poder, governa eternamente; os

seus olhos vigiam as nações [...]”. Todas as nações são objetos do poder, domínio, governo e

servem para o cumprimento do seu eterno propósito. Heber afirmou que Deus opera da

mesma forma desde o princípio do mundo com a sua mão providencial, “O Deus providente é

o mesmo. Ele levanta e ele abate as nações usando homens e mulheres que estão ao seu dispor

como causas secundárias e instrumentais da sua providência” (CAMPOS, 2001, P.79).

O governo providencial de Deus alcança o homem em sua totalidade. Desde o ventre materno,

o seu nascimento, o seu crescimento perpassando suas decisões e percursos determinado pelo

próprio Criador. Ele conhece nossos passos diários, ele sabe quando nos assentamos e quando

nos levantamos, ele provê a nossa chegada e saída, ele ver o nosso interior e exterior, ele

determina o dia do nosso nascimento e da nossa morte, a redenção e a condenação. Os textos

abaixo refletem essa realidade da ação providencial de Deus no nascimento e no destino dos

homens,

1 Sm. 16.1 - “enche um chifre de azeite e vem; enviar-te-ei a Jessé, o belemita;porque, dentre os seus filhos, me provi de um rei”; SI. 139.16 - “Os teus olhos meviram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias,cada um deles escritos e determinado, quando nem um deles havia ainda”; Is. 45.5 -“[...] eu te cingirei, ainda que não me conheces”; Jr. 1.5 - “Antes que eu te formasse

26Jó 37.5,10; Salmo 104.14,16; Salmo 135.6-7. Bíblia de Genebra, 2º edição, Barueri, SP: Sociedade Bíblica doBrasil. Editora Cultura Cristã, 2009.

27Salmo 104. 21,28. Bíblia de Genebra, 2º edição, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil. Editora CulturaCristã, 2009.

28Jó 12.23; Salmo 22.28; Salmo 66.7. Bíblia de Genebra, 2º edição, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil.Editora Cultura Cristã, 2009.

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no ventre materno, eu te conheci [...] te consagrei [...] e te constituí profeta àsnações.29

A providência para com os seres humanos denota que eles não podem agir sem a interferência

do Criador, as suas criaturas não agem independente do seu propósito e querer, isto mostra

que,

Tudo o que somos está vinculado a Deus. Ele nos contempla dos céus, lugar de suahabitação, e nos vê como criaturas miseráveis e carentes de sua providência. Então,reconhece o salmista, “tu, Senhor, preservas os homens e os animais” (Sl 36.6).Deus age providencialmente em todos os estágios da vida humana (CAMPOS, 2001,P.68).

Esta ação providencial de Deus abrange a vitória e a derrota na vida dos homens, o fracasso e

o sucesso, os atos bem sucedidos e os atos mal sucedidos. Na verdade todo benefício recebido

pelo homem vem da bondade de Deus ao homem. Segundo a teologia reformada chamamos

isto de graça comum30 onde todos os homens sejam eles ímpios ou justos recebem do Senhor

suas dádivas. Embora Deus demonstre a sua graça para justo e injusto, da mesma forma Ele

derrama do juízo e da sua graça. O texto abaixo indica que Deus em seu decreto e ação

providencial fala que ele mesmo abate a um e exalta a outro. O Sl 75.6,7 fala que “Porque não

é do Oriente, não é do Ocidente, nem do deserto que vem o auxílio. Deus e o juiz; a um abate,

a outro exalta.”31

A Escritura demonstra uma providência que não é esporádica, ou que é somente nas coisas

significativas ou grandiosas. A Escritura afirma que o homem pode fazer planos, mas a

resposta, a decisão a definição vem de Deus. Para Deus não há acaso, sorte, destino ou

fatalismo, e sim um direção exata, controladora que procede da sua ação providencial

maravilhosa. Existe uma verdade na Escritura em Pv 16.33, “A sorte se lança no regaço, mas

do Senhor procede toda decisão.” Tudo é obra da providência. Os seres humanos, que

utilizados por Deus, pensam numa casualidade nos acontecimentos, na verdade a causalidade

do homem para Deus chama-se providência. Bavink falou sobre isto,

Algo é “fortuito” apenas aos olhos das pessoas, quando, nesse momento, ignoramsua causa. No entanto, nada é nem pode ser objetivamente “fortuito”. Todas as

291 Samuel 16.1; Salmo 139.16; Isaías 45.5; Jeremias 1.5. Bíblia de Genebra, 2º edição, Barueri, SP: SociedadeBíblica do Brasil. Editora Cultura Cristã, 2009.

30Graça comum – Graça divina estendida não somente aos eleitos, que Deus salva, mas a todos os sereshumanos e, até mesmo, à ordem natural como um todo. Os teólogos que enfatizam a graça comum dizem que elaé uma ação divina de bondade (“envia chuva sobre justos e injustos”) e permite que seres humanos pecaminososadquiram conhecimento e desenvolvam empreendimentos culturais como o governo e as artes. Evans, C.Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. Tradução Rogério Portella – São Paulo: EditoraVida, 2004. P. 63-64.

31Salmo 75.6-7.

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coisas têm uma causa, e essa causa é basicamente um componente da todo-poderosasábia vontade de Deus (BAVINK, 2012, V.2, P.616).

Essa ação providencial poderosa de Deus é consolo e proteção para os justos. Para o seu povo

a providência traz paz, segurança, sustento e uma certeza de que Deus em todas as coisas tem

guardado a sua vida com a sua mão poderosa. A Escritura afirma sobre isto,

Sl 4.8 - “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazesrepousar seguro”; Sl 5.12 - “Pois tu, Senhor, abençoas o justo e, como escudo, ocercas da tua benevolência”; Sl 63.8 - “[...] a tua destra me ampara”; Sl 121.3,4 -“[...] não dormitará aquele que te guarda. É certo que não dormita, nem dorme oguarda de Israel.32

Nisto, os justos sempre podem trazer também a ideia de provisão e suprimento. Vê-se ao

longo da Escritura Deus suprindo a necessidade do seu povo. O seu povo nunca foi

desamparado, pois o Senhor sempre agiu mediante a sua graça (favor imerecido) a fim de

trazer uma porção ao seu povo. Os textos abaixo exemplificam a sua provisão mediante as

necessidades do seu povo. Gn. 22.8,14 - “[...] Deus proverá para si, meu filho o cordeiro para

o holocausto [...]”; “O Senhor Proverá [...]”; Dt. 8.3 - “[...] não só de pão viverá o homem,

mas de tudo o que procede da boca do Senhor viverá o homem.”33

O governo providencial de Deus corresponde respostas à oração dos justos. A oração do justo

sobe ao trono da graça, e quando feita segundo a vontade de Deus Ele á responde derramando

da sua bondade e fortalecendo a fé dos seus filhos. Deus dá o prazer dos seus filhos verem e

experimentarem a resposta de suas orações. No SI. 68.10 - “em tua bondade, ó Deus, fizeste

provisão para os necessitados”; Is. 64.4 -“Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com

os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti, que trabalha para

aquele que nele espera.”34 Sobre a relação da providência e oração fica evidente que,

Jamais oração e providência devem andar separados. São dois companheirosinseparáveis que ninguém jamais pode desconectá-los. Se negarmos um, estaremosnegando o outro de tão intimamente ligados eles estão. A oração supõe umaprovidência divina enquanto que a obra providencial é, em parte, o resultado daoração e está ligada a ela. Todas as vezes que Deus responde a uma oração, ele estáagindo providencialmente na vida do seu povo (CAMPOS, 2001, P. 42).

A Escritura revela a providência de Deus em que inclusive se estende no seu juízo, ou seja, na

punição daqueles que desobedecem a sua Palavra. Deus promete aplicar o seu juízo sobre os

homens ímpios, a Escritura revela o Deus que aplica o seu juízo, e por muitas vezes declara,

32Salmos 4.8, 5.12, 63.8, 121. 3-4.

33Gênesis 22.8,14; Deuteronômio 8.3.

34Salmo 68.10; Isaías 64.4.

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No SI. 7.12,13 - “Se o homem não se converter, afiará Deus a sua espada; já armouo arco, tem-no pronto; para ele preparou já instrumentos de morte, preparou suassetas inflamadas”; Sl 11.6 - “Fará chover sobre os perversos brasas de fogo eenxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice 35

Então, percebe que o Antigo Testamento demonstra que desde o relato de Gênesis 1 e 2 – do

ato da criação onde Ele chamou existência as coisas que não existiam, mas a mesma força que

Deus usou ao criar, Ele sustenta, direciona a sua criação. A história do Antigo Testamento é

farta disso, e percebe-se isto, no comentário de Franklin,

A história do Antigo Testamento mostra que Deus tem um plano para as nações eque esse plano está sendo realizado no povo de Israel (I Cr 17.9). Em Isaías 14.24-27, a predição sobre o futuro do império assírio não está baseada na presciência deDeus, mas em seu propósito. A derrota dos assírios acontecerá porque Deus acausará. E ninguém pode desfazer o que ele determinou. Deus diz: “Como pensei(dãmâ, aqui no tempo verbal piel, significa planejar, intencionar), assim sucederá, e,como determinei (yã ats, tencionar, planejar) assim se efetuará. (...) Este é o desígnio(‘etsâ) que se formou (yã ats) concernente a toda a terra... (...) Porque o Senhor dosExércitos o determinou; (yã ats) quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida;quem, pois, a fará voltar atrás? (FERREIRA, MYATT, 2007, P.314).

Após o pesquisador examinar o termo etimologicamente, as definições gerais e o sentido da

providência no Novo Testamento e Antigo Testamento. O autor traz algumas objeções em

relação á doutrina da providência, a fim de trazer ao leitor o quanto essa doutrina foi atacada

pelos seus oponentes. Essas objeções serão refutadas pelo autor no capítulo 2 desta pesquisa

onde discorrerá sobre a veracidade da providência.

2.4 OBJEÇÕES ACERCA DA VERACIDADE DA PROVIDÊNCIA

J.I. Packer36 comenta que “Alguns pensadores têm restringido a providência de Deus à

presciência sem controle, ou sustentação sem intervenção, ou supervisão geral sem

preocupação com detalhes” (PACKER, 2014, P.55).

Vive-se um ceticismo muito grande, onde as pessoas não acreditam mais em nada. Não há

mais absolutos, e tudo é relativo. Com isso, a sociedade mergulha numa incredulidade sem

tamanho e a máxima é que o mundo está desgovernado, e o caminho é o próprio homem

governar a sua vida.

35Salmos 7.12-13, 11.6.

36J. I. Packer- É um eminente teólogo anglicano. Doutor em filosofia pela Universidade de Oxford serviumuitos anos como professores de teologia no Regent College, em Vancouver. Autor muito apreciado pelopúblico cristão escreveu vários livros, entre eles O Conhecimento de Deus, Entre os Gigantes de Deus, O AntigoEvangelho e Os Vocábulos de Deus, entre muitos outros já publicados no Brasil.

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Embora no período da Reforma Protestante tenha havido uma grande ênfase na doutrina da

Providência de Deus, muitos reformadores discutiram, como também estruturaram o assunto

dada a importância dela para a vida basilar da igreja. Mas o que foi tratado de maneira tão

eficaz no século XVI, com o passar do tempo essa doutrina foi desprezada. A partir do XX,

alguns elementos históricos surgiram minando a doutrina da providência na igreja cristã.37Heber Carlos de Campos especulou que apesar do crescimento numérico da igreja no século

XIX devido o desenvolvimento da obra missionária, pouco foi feito em relação ao

fortalecimento da doutrina e com isso abriram-se brechas para mexer com as estruturas da38teologia ortodoxa. E daí houve um ataque direto as principais doutrinas da fé cristã, e dentre

elas a doutrina da providência de Deus.

Em sua Obra o Ser de Deus e as suas Obras, Heber Carlos de Campos cita três elementos

históricos que fez abalar algumas doutrinas, dentre elas, a doutrina da providência, assim ele

cita alguns desses acontecimentos históricos que mexeu com a estrutura da doutrina: o

desenvolvimento do naturalismo científico no século 19, o aparecimento da subjetividade da

religião e a erupção das duas guerras mundiais. Tudo isto provocou no coração do homem um

pensar humanístico da história, segundo Dr. Heber, a realidade dos homens era que,

Esqueceram-se de que Deus conduz a História que de antemão escreveu. Perderam osentido da verticalidade da relação Deus-homem. Quando isto acontece, os sereshumanos começam a viver sem propósitos na vida. Foi nessa hora que a criseexistencial se avolumou e tudo acabou sendo “vaidade de vaidades”, à semelhançada cosmovisão do antigo Pregador (CAMPOS, 2011, P.20-21).

Com isso, tratar-se-á abaixo alguns conceitos filosóficos surgidos durante esse período

conturbado da história que fez com que a doutrina da providência fosse colocada de lado, e

até mesmo um pouco esquecida pela igreja. De forma, que hoje precisa ser novamente

examinada e vivida pelo povo de Deus.

37Heber Carlos Campos é (Th. M. Seminário Presbiteriano Ver. José Manoel da Conceição, São Paulo; Th. D.Concordia Seminary, Saint Louis) é professor no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Dr. Andrew Jumper,casdo com Dona Neuzeli e tem três filhos.

38Teologia Ortoxa Protestante – normalmente é empregado pelos protestantes para se referir ao sumário dasdoutrinas defendidas pelos reformadores e em geral aceitas pelas igrejas da Reforma. Nesse caso, ser ortodoxosignifica estar de acordo com os princípios da Reforma.

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2.4.1 DEÍSMO39

O deísmo aceita a ideia de uma criação divina das coisas, mas crê que Deus, depois de ter

criado o mundo, abandonou à sua própria sorte e existência. Nesse caso o aspecto de criação

serve apenas para dar ao mundo sua existência independente, ou seja, o curso do mundo é

natural. Nesse sentido do mundo independente de Deus recorre à mesma ideia de que foi

aceita até mesmo por Kant40 e Darwin41. Mas a filosofia deísta é que, ao criar o mundo, Deus

dotou-o com total independência e soberano governo e equipou-o com energias e dádivas

suficientes para que pudesse por si mesmo existir perfeitamente bem e pudesse também, sob

todas as circunstâncias, autodirigir-se. O mundo, de acordo com o pensamento deísta,

podemos ilustrar: que é como um grande relógio, que, depois de acionado, dado corda,

funciona por si mesmo num ato mecânico. Isto produziu uma explosão de ideias que conduziu

a um pensamento posterior de que o mundo não tem necessidade de revelação, pois ele

alcançará a verdade de forma natural de acordo com o curso da história, e pelos próprios

recursos disponíveis em si mesmos. Quanto a isto, Heber falou, “conforme o deísmo, a

preocupação de Deus como o mundo não é universal, especial e perpétua, mas somente de

natureza geral. A inalterabilidade das leis naturais jogam Deus para escanteio, retirado deste

mundo” (CAMPOS, 2001, P.323).

Como podemos perceber, o deísmo traz o racionalismo em sua essência, ou seja, o movimento

que afirma que a razão pode chegar a toda verdade apenas pelo uso de seus próprios recursos

descontrói toda a realidade de uma revelação natural e especial. Da mesma forma o deísmo

39Deísmo – ponto de vista segundo o qual Deus criou o mundo, mas não o sustenta providencialmente. Emoutras palavras, apesar de Deus existir, ele não interage com a criação. O termo é também usado para descrever aconvicção de que a verdadeira religião é a religião natural fundamentada na razão e não em alguma revelaçãoespecial detentora de autoridade. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião.Tradução Rogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P.40.

40Immanuel Kant (1724-1804) – um dos maiores filósofos modernos, cuja filosofia crítica tentou sintetizar osideais do racionalismo e do empirismo. Kant afirmou, na obra crítica da razão pura, que o conhecimento darealidade do “fenômeno” – isto é, a realidade como ela se apresenta a nós, e não a realidade em si. Oconhecimento humano é sempre estruturado pelo espaço e pelo tempo, as “formas de intuição” da mentehumana, e por categorias providas pelo entendimento humano, como causalidade e substância. Como disse Kant,apesar de a teologia natural tradicional ser falha, e o conhecimento teórico sobre Deus, impossível, oreconhecimento dos limites da razão dá espaço para a fé moral e racional. Desde que nos esforçamos para vivermoralmente de acordo o imperativo categórico, devemos pressupor racionalmente a liberdade humana, aexistência de Deus e a imortalidade. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião.Tradução Rogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P. 78.

41Charles Darwin (1809-1882) autor da teoria sobre a evolução da vida biológica, que afirma que o mecanismode desenvolvimento evolutivo é resultado de variações aleatórias e da seleção natural por meio da competiçãopara sobrevivência e reprodução. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião.Tradução Rogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P. 39.

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caminha junto ao pelagianismo, ou seja, a doutrina de acordo com a qual o desejo do homem

pode fazer com que ele alcance sua salvação. De acordo com o deísmo, o desejo do homem,

assim como sua razão, foram criados para ser independentes, e foram equipados com dons e

energias permanentes, que fazem com que a obra de qualquer Mediador da salvação seja

supérflua ou desnecessária.

Na teoria de uma providência simplesmente geral muitos que reconhecem o controle de Deus

sobre os movimentos dos planetas e os destinos das nações negam qualquer arranjo divino nos

eventos particulares. A maior parte dos argumentos contra o deísmo é igualmente válida

contra a teoria de uma providência simplesmente geral. Este ponto de vista é, na verdade, a

única forma do deísmo, que sustenta que Deus não se afastou totalmente do universo, mas que

sua atividade nele se limita à manutenção das leis gerais. Contra isto, o pensamento

reformado reivindica o governo absoluto de Deus sobre tudo e todos sem que nada esteja

longe ou afastado do seu domínio e controle.

2.4.2 PANTEÍSMO42

O panteísmo vem de uma palavra que é derivada do grego pan (que significa "tudo") e theos

(que significa "deus"). Então, para o panteísmo tudo é Deus. Assim, esse pensamento de

origem ocidental, mantém a posição de que a diferença em espécie entre Deus e o mundo é

inexistente, e os dois são considerados iguais um ao outro, ou melhor, dois lados de um e do

mesmo ser. Para os panteístas não há um Deus pessoal, Criador, a visão deles diverge das

Escrituras. Dessa forma Deus é considerado a essência do mundo, e o mundo considerado a

manifestação de Deus. Para Heber, em sua obra ele examina o pensamento do panteísmo, da

seguinte maneira: “Deus é absorvido materialisticamente no mundo ou o mundo em Deus.

Nele não há lugar para a criação porque não existe um criador que seja diferente e separado da

criação” (CAMPOS, 2001, P.324).

É da mais alta importância que nos apeguemos a essa diferença em essência entre Deus e o

mundo. Quem quer que deprecie ou negue essa distinção está falsificando a religião, puxando

Deus para o nível da criatura, e em princípio torna-se culpado do mesmo pecado que Paulo

42Panteísmo crença de que Deus e o mundo são idênticos. O defensor ocidental mais famoso do panteísmo éBaruch Espinosa, ao afirmar que Deus e a natureza são dois nomes da mesma realidade, que tem mente eextensão material como dois de seus atributos. O termo é usado também para descrever o monismo absoluto dohinduísmo vedanta advaíta, segundo o qual a realidade total é idêntica ao Absoluto, que é Deus, e que asdistinções que fazemos entre os objetos são apenas da aparência. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética eFilosofia da Religião. Tradução Rogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P. 103-104.

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atribui aos pagãos quando diz que eles, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram

como Deus, nem lhe deram graças (Rm 1.21). Mas há uma consideração que faz com que essa

distinção seja necessária. Se Deus for idêntico ao mundo, e, portanto, também indistinto da

raça humana, então todo pensamento e ato do homem teria que ser direta e imediatamente

transferido para a responsabilidade de Deus. Dessa forma o pecado também seria da

responsabilidade de Deus – em resumo, não haveria algo como o pecado.

É verdade que a Escritura, por um lado, forçosamente afirma que o homem, com todos os seus

pensamentos e atos, e também com todos os seus pecados, está sob o domínio de Deus. O

homem nunca é independente de Deus. O Senhor olha dos céus; vê todos os filhos dos

homens (Sl 33.13). Ele forma o coração de todos eles e contempla todas as suas obras (Sl

33.15). Ele determina o lugar da sua morada (Dt 32.8; At 17.26). Ele pondera todas as veredas

dos homens (Pv 5.21; Jr 10.23). Ele age de acordo com a Sua vontade com os exércitos dos

céus e entre os habitantes da terra (Dn 4.35). Nós estamos em Suas mãos como um vaso de

barro, e Ele faz conosco o que quiser43. Quando o homem se torna um pecador ele não se

emancipa de Deus. Sua dependência de Deus simplesmente muda de caráter. Ele perde sua

natureza moral e racional e se torna uma criatura caída. O homem que se torna um escravo do

pecado se desvaloriza e se torna um instrumento em suas mãos. Portanto é possível que a

Escritura diga que Deus endurece o coração dos homens44, que Ele põe um espírito de mentira

na boca dos profetas (2Sm 24.1; 1Cr 21.1), que Ele manda que Simei amaldiçoe Davi (2 Sm

16.10), que Ele entrega os homens à imundície de seus pecados (Rm 1.24), que Ele manda aos

homens a operação do erro, para que eles se entreguem à mentira (2Ts 2.11), e que Ele envia

Cristo para a ruína de muitos (Lc 2.34).

O grande problema do panteísmo que leva os homens à ruína, segundo o teólogo Bavink, em

sua dogmática teológica, sempre será a falta de esclarecimentos práticos quanto ao erro no

panteísmo, assim ele escreveu:

Embora o panteísmo possa se apresentar sob uma forma bonita e sedutora, ele levaseus adeptos novamente adotarem o destino pagão. Sobre suas premissas, não háexistência além da natureza; não há poder maior do que aquele que opera no mundode acordo com lei firme; não há vida melhor do que aquela para quais os materiaisestão presentes nessa criação visível (BAVINK, 2012, V2, P. 611).

43Is 29.16; 45.9; Jr 18.4; Rm 9.20,21.

44Ex 4.21 ss.; Dt 2.30; Js 11.20; Rm 9.18.

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2.4.3 ACASO

A tese dos defensores do acaso passa pela defesa de que não existe um governo soberano de

Deus sobre o universo, ou seja, Deus não legisla e governa sobre todos os eventos. Surgem

algumas perguntas e questionamentos quanto a isto, “Existe alguma coisa que Deus esteja

fora? O acaso responde que pode ter alguma coisa que Deus esteja de fora. Como segue a

afirmativa: O acaso indica que há um campo no qual nem mesmo Deus pode entrar”

(HAMILTON/HARRIS, 2008, P. 1118).

Mera coincidência não existe. Piper combatendo esse pensamento moderno filosófico

afirmou; “Na verdade tudo coincide para o propósito do Criador. A providência afirma e

comprova inegavelmente a diretriz geral e plena do propósito da história escrita por Deus,

proporcionando assim esperança para um mundo caído” (PIPER, 2001, P.16-17).

Como dizia Calvino, a mão de Deus está no controle. A soberania de Deus sobre os assuntos

humanos não se compromete nem pela realidade do pecado e do mal no mundo. Ela não se

limita às boas ações das pessoas ou aos eventos agradáveis da natureza. O vento pertence a

Deus, quer conforte, quer mate.

R C Sproul fala da impossibilidade do acaso quando expressou:

Num universo governado por Deus não existem eventos casuais. De fato, não existealgo como acaso. O acaso não existe. Não passa de uma palavra que usamos paradescrever possibilidades matemáticas, mas que não tem nenhum poder em si, porquenão tem existência. O acaso não é uma entidade capaz de influenciar a realidade.Acaso não é algo real. Não é nada. (SPROUL, 1999, P.57).

O acaso marca que algo é impossível de ser previsto, governado ou seguir um método dirigido

por alguém ou alguma coisa superior. Esse modelo é criado pelo homem comum que de

alguma forma quer que as coisas fossem alcançadas pela sua mente finita, e quando entende

que as coisas não podem ser alcançadas pela sua compreensão lógica, então diz que o acaso é

verdadeiro. A imprevisibilidade dos eventos por parte do homem causa em si uma frustação e

confusão no coração do ser humano, e por isso, a resposta para tais fatos é o acaso por se ele

imputável. Paul Helm trata isso com uma espécie de ignorância humana de tratarmos os

eventos ao acaso, ele falou:

Talvez nós gostássemos que os eventos que são ordenados por Deus fossem maisprevisíveis, menos causais (i.e., menos inesperados) do que são. Talvez nóstenhamos a ideia de que, sendo Deus quem é os eventos devessem ser maismetódicos do que são (HELM, 2007, P. 126).

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No fim, há de se reconhecer que, se há um Deus no céu, não existem meras coincidências,

nem mesmo nos menores detalhes da vida: "A sorte se lança no regaço, mas do Senhor

procede toda decisão" (Pv 16.33). Nenhum pardal "cairá em terra sem o consentimento de

vosso Pai" (Mt 10.29).Turretini em sua obra teológica abordou o assunto acerca do destino e

aponta quatro visões diferentes: o destino físico, matemático, estóico e cristão. Assim definiu,

O primeiro, o físico, nada mais é do que a ordem da série de causas naturaisdefinidas por seus efeitos. Seu princípio é a natureza ou o poder de agir (o qualcomunicou às coisas na criação); o segundo, o matemático, é a necessidade dascoisas e eventos oriundos das posições dos céus e dos astros, mas não somente oscorpos mistos, mas afirmam-se também as vontades humanas são necessariamenteimpelidas a seus atos; O terceiro, o estóico, consiste de certa ordem e conexãonaturais de todas as coisas desde a eternidade, sendo algumas consequentes dasoutras, resultando numa imutável complexidade desse tipo; o quarto, o cristão,consiste numa série e ordem de causas dependentes da providência divina pelasquais ela produz seus próprios efeitos (TURRETINI, 2011, P.624-626).

A obra da providência no mundo não é simplesmente que Deus tem um pré-conhecimento das

coisas criadas, mas envolve a Sua vontade ativa e dinâmica em domínio do universo e isto

inclui a preservação, governo e concorrência. Sobre esses três elementos da providência, a

pesquisador falará no capítulo 2 desse trabalho. Que também aborda o diálogo com alguns

pensadores reformados sobre o tema e os fundamentos teológicos reformados nas confissões

de fé reformadas de que a providência é um fato real e inegável.

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3. FUNDAMENTOS QUE ATESTAM A PROVIDÊNCIA NA PERSPECTIVA REFORMADA

Nesse capítulo o pesquisador descreve a providência na perspectiva teológico-reformado e nas

confissões, como também demonstra a veracidade da providência em termos da preservação,

governo e concorrência (cooperação). Fundamentos esses que alicerçam a doutrina da

providência de uma forma geral.

3.1 PERSPECTIVAS TEOLÓGICO–REFORMADO

De uma forma geral os reformadores subscreveram e adotaram a doutrina agostiniana da

providência, embora com algumas diferenciações pequenas em alguns aspectos pormenores.45

Nesse instante do trabalho o pesquisador propõe um diálogo com alguns pensadores

reformados sobre o assunto da providência. Antes disso, será exposto o pensamento de

Agostinho de onde culminou ou nasceu à doutrina reformada da providência de Deus.

Agostinho desenvolveu a sua doutrina sobre a providência por volta do século V, visando

principalmente combater as ideias filosóficas de destino e acaso, sua ênfase foi na soberania

de Deus, que através dela todas as coisas são essencialmente preservadas e governadas. Assim

ele escreveu: ‘não poucas pessoas gostam mais das coisas temporais do que da divina

providência que forma e dirige os tempos’ (FERREIRA/MYATT, 2007, P.302).

45Os reformadores de uma forma muito acentuada adotou para si a doutrina da providência na perspectivaagostiniana, embora diferissem em pormenores. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzida por OdayrOlivetti. 4ª edição revisada. São Paulo. Editora Cultura Cristã, 2012. P. 154.

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João Calvino (1509-1564) no século XVI trabalhou a doutrina da providência em uma das

suas obras mais conhecidas até hoje, as institutas, e tratou essa doutrina com todo cuidado, e,

especialmente de forma bíblica. No primeiro livro das Institutas, nos capítulos XVI a XVIII,

ele analisou que “Deus, por seu poder, sustenta e preserva o mundo por ele criado, e por sua

providência ele rege cada uma das suas partes” (CALVINO, 2006, P.192).

João Calvino, em sua exposição sobre a doutrina bíblica da providência salientou que existe

uma regência na criação, como um maestro que orienta a sua orquestra no tom musical, ou

seja, tudo ou qualquer coisa que está envolvida no mundo não é o acaso nem sorte. O Deus

das Escrituras segundo Calvino reivindica para si todo o poder sobre a Criação sobre isto ele

declarou,

Ele é tido por Onipotente, não porque de fato possa agir, contudo às vezes cesse epermaneça inativo; ou, por um impulso geral de continuidade ao curso da naturezaque prefixou, mas porque, governando o céu e terra por sua providência, a tudoregula de tal modo que nada ocorra senão por sua determinação [...] pois, se ogoverno de Deus assim se estende a todas as suas obras, é pueril cavilação limitá-loao influxo da natureza (CALVINO, 2006, P. 195).

Sobre a natureza da providência Calvino rejeitou o termo presciência, mas tratou a

providência na esfera de que o ato de Deus é proposital sobre a criação é atual, eficiente,

global e particular. Para ele é inconcebível ver a atuação de Deus somente pela sua

presciência, “os que admitem uma mera presciência sem qualquer propósito, nada fazem

senão divagar em néscios devaneios” (CALVINO, 2006, P. 196).

François Turretini, teólogo reformado, em seu compêndio teológico definiu o termo

expandindo em três horizontes amplamente aceitáveis: “a presciência (pre-conhecimento),

predestinação (preordenação), e administração eficaz das coisas decretadas” (BERKHOF,

2012, P.153).

Berkhof falou que o termo se restringe mais ao último sentido. Berkhof definiu a providência

como o “permanente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as

criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu

determinado fim” (BERKHOF, 2012, P.154).

É necessário que se compreenda que a atuação de Deus no mundo não é temporária ou

inconstante. A criação não se mantém por si mesma, mas a própria criação atua mediante a

natureza que nelas estão, e sob o governo de Deus, para o cumprimento da decisão absoluta

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do Governante do Universo – Deus. Sobre isto, Wayne Gruden, por sua vez definiu a

providência de Deus da seguinte maneira:

Deus intervém constantemente em todas as coisas criadas, para que ele mantê-los emanter as propriedades que os criaram; coopera com as coisas criadas em cada ação,e gerencia as propriedades que os distingue a agir como agem; e direciona-os paracumprir as finalidades que foram atribuídas (GRUDEM, 2009, P.460).

Outro teólogo reformado expõe sua definição sobre o aspecto do ato contínuo de Deus após a

criação, na qual Ele a mantém para o cumprimento de todo o seu propósito. Augustus Strong

teólogo batista reformado definiu a providência dizendo: “E a atuação contínua de Deus pela

qual ele faz todos os eventos do universo físico e moral cumprirem o desígnio para o qual ele

o criou” (STRONG, 2003, P.614).

Um ponto importante defendido por um expoente reformado que viveu entre meados do

século XIX e início do século XX, Herman Bavink, trata a providência deixando evidente que

Deus não atua de forma passiva, ou meramente sob um pré-conhecimento das coisas criadas.

Definiu a providência de Deus assim: “não é meramente pré-conhecimento, mas envolve a

vontade ativa de Deus no governo de todas as coisas e inclui preservação, concorrência e

governo” (BAVINK, 2012, P.603).

A providência está relacionada ao auxílio, proteção, zelo, monitoramento, controle de Deus

sobre todos os seres criados, ou seja, sobre toda a sua criação. Onde Ele cuida desde o ato

criacional até o futuro da eternidade, sem interrupções. A. W. Pink atribui a providência de

Deus à sua supremacia espetacular, e exemplifica:

As Escrituras retratam vividamente a supremacia de Deus sobre as obras deSuas mãos. Toda matéria inanimada e todas as criaturas irracionaisexecutam as ordens do seu Criador. Por Sua vontade dividiu-se o MarVermelho e suas águas se levantaram e ficaram eretas como paredes(Êxodo 14); e a terra abriu suas fauces e os rebeldes carregados de culpaforam tragados vivos pelo abismo (Números 14). À Sua ordem o sol sedeteve (Josué), e, noutra ocasião, voltou atrás dez graus do relógio de Acaz(Isaías 38:8). Para exemplificar Sua supremacia, mandou corvos levaremalimento a Elias (1 Reis 17), fez o ferro flutuar (2 Reis 6:5), mantevemansos os leões quando Daniel foi lançado na cova dessas feras, fez que ofogo não queimasse os três hebreus que foram arrojados às chamas dafornalha. Assim, "Tudo o que o Senhor quis, ele o fez, nos céus e na terra,nos mares e em todos os abismos" (Salmo 135:6) (PINK, 1990, P.20-21).

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46Houve uma remodelação na teologia reformada onde a doutrina da providência era discutida,

e assim ganhou alguns aspectos consideráveis na qual Deus atua de forma interna, ou seja, o

seu caráter revela pré-conhecimento (prognõsis), e um propósito e fim decretado (prothesis),

e um plano arquitetado desde a fundação do mundo (dioikesis). Deve-se considerar que a

doutrina da providência como um fator interno foi amplamente discutida na doutrina dos

decretos e atributos de Deus. Mas com o passar do tempo os reformadores fundamentaram a

doutrina dentro da preservação e governo, posteriormente acrescentou a concorrência. Outro

aspecto discutido na teologia reformada foi o fator externo da atuação de Deus, essa foi a

maior ênfase dos reformadores no ato da providência, pois a providência advém após a

criação. O conceito da providência de Deus foi amplamente discutido e fundamentado pelos

reformadores, e a partir de então encontrado nos símbolos de fé das igrejas reformadas. O

pesquisador destaca abaixo alguns deles.

3.2 NOS SÍMBOLOS DE FÉ DAS IGREJAS REFORMADAS

47Uma das principais características da Reforma Protestante do século XVI foi à produção de

um grande número de declarações doutrinárias na forma de confissões e catecismos. Estas

declarações resultaram tanto de necessidades teológicas quanto pastorais, na medida em que

os novos grupos definiam a sua identidade em um complexo ambiente religioso, cultural,

social e político. O contexto da reforma foi propício para as reformulações teológicas, pois

num universo de grandes mudanças de pensamentos e uma abertura para novos conceitos, os

reformadores conseguiram disseminar o quanto as pessoas estavam distantes do verdadeiro

ensino das Escrituras, assim a máxima da reforma foi a 48Sola Scriptura.

46Bavink sofreu uma grande modificação enquanto no passado, quando a providência ainda era discutida nadoutrina dos atributos ou decretos de Deus, ela manteve seu significado original, mas com o passar do tempo. PBAVINK, Herman – Dogmática Reformada – Deus e a criação; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo:Cultura Cristã, 2012. P. 609.

47Reforma Protestante produziu diversos símbolos de fé para fundamentar o povo na doutrina correta e corrigirerros doutrinários existentes na época. MATTOS, Alderi. Artigo – O Catecismo de Heidelberg: Sua HistóriaInfluência. Catecismo de Heidelberg (1563) Zacarias Ursino e Gaspar Oleviano. P.11.

48Sola Scriptura - segundo a Reforma Protestante, é o princípio segundo o qual a Bíblia tem absoluta primaziaante a Tradição legada pelo magistério da Igreja Cristã, quando, os princípios doutrinários entre esta e aquelaforem conflitantes. https://www.google.com.br/search?q=sola+scriptura&oq=sola+scriptura, acesso em15/08/2017.

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As confissões reformadas ficaram sendo a estruturação dos ensinos bíblicos. 49Mark Noll

observa que esse fenômeno é típico da Reforma, uma vez que o termo "confissão", em seu

sentido mais comum, designa as declarações formais da fé cristã escritas especialmente por

protestantes, desde o início do seu movimento. Alguns desses documentos produzidos durante

e pós-reforma discutiram sobre a doutrina da providência de Deus. Segue abaixo alguns deles.

3.2.1 CATECISMO DE HEIDELBERG 50

Na pergunta 27, subscreve a providência de Deus:

É a força Todo-poderosa e presente (1), com que Deus, pela sua mão, sustenta egoverna o céu, a terra e todas as criaturas (2). Assim, ervas e plantas, chuva e seca(3), anos frutíferos e infrutíferos, comida e bebida, saúde e doença, riqueza epobreza e todas as coisas (4) não nos sobrevêm por acaso, mas de sua mão paternal(5).

O Catecismo de Heidelberg evidencia o caráter do Senhor em sua onipotência e onisciência.

Onde Deus com o seu poder e conhecedor de todas as coisas na qual Ele preserva, governa o

céu, a terra e todas as criaturas. Assim, tudo que há, existe e acontece não é mero acaso, e sim

tudo está sobre o cuidado paternal do Pai Criador. E Ele as sustenta e governa com o seu

poder todas as coisas tanto as inanimadas e animadas. Tais como: plantas e ervas do campo, a

estação, sol e chuva, as árvores frutíferas, o alimento que a terra produz todo o bem e mal que

acontece, o nível sócio, econômico, político existente entre os viventes.

3.2.2 CONFISSÃO BELGA51

A Confissão Belga no artigo 13 subscreveu a providência de Deus:

49MarK Noll - (nascido em 1946) é um historiador americano especializado na história do cristianismo nosEstados Unidos . Ele ocupa o cargo de Professor de Pesquisa em História no Regent College , tendo sidoanteriormente Francis A. McAnaney Professor de História da Universidade de Notre Dame . O próprio Noll éum cristão evangélico reformado e, em 2005, foi nomeado pela revista Time como um dos vinte e cincoevangélicos mais influentes da América. https://en.wikipedia.org/wiki/Mark_Noll, acesso 15/08/2017.

50Produto mais influente do movimento reformado alemão o Catecismo de Heidelberg, publicado a 19 dejaneiro de 1563. A exata autoria do Catecismo de Heidelberg é uma questão controvertida. Joseph H. Halldeclara que Ursino tornou-se a sua principal "fonte" juntamente com Oleviano, mas "a verdadeira autoria doCatecismo de Heidelberg permanece inconclusiva.” (17) Barth vai além e diz que "o catecismo não é obra de umautor; é obra de uma comunidade.” (18) No entanto, ele admite que os dois teólogos tivessem uma participaçãodecisiva no projeto. O documento tem três divisões principais: a Primeira Parte - Nosso Pecado e Culpa: A Leide Deus (perguntas 3 a 11) é uma confissão da pecaminosidade humana e do desprazer de Deus. A SegundaParte - Nossa Redenção e Liberdade: A Graça de Deus em Jesus Cristo (perguntas 12 a 85) revela o plano deredenção e inclui uma exposição do Credo dos Apóstolos. A Terceira Parte - Nossa Gratidão e Obediência: NovaVida através do Espírito Santo (perguntas 86 a 129) apresenta a gratidão obediente como o fundamento das boasobras e inclui uma exposição dos Dez Mandamentos e da Oração Dominical. Esta seção vê a vida cristã como aresposta de gratidão do crente às bênçãos de Deus. O catecismo constitui-se em um "pequeno clássico da vidadevocional.” (26). MATTOS, Alderi. Artigo – O Catecismo de Heidelberg: Sua História Influência. Catecismode Heidelberg (1563) Zacarias Ursino e Gaspar Oleviano. P.3,4 e 6.

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52Cremos que o bom Deus, depois de ter criado todas as coisas, não as abandonou,nem as entregou ao acaso ou a sorte1, mas que as dirige e governa conforme suasanta vontade, de tal maneira que neste mundo nada acontece sem suadeterminação2. Contudo, Deus não é o autor, nem tem culpa do pecado que secomete3. Pois seu poder e bondade são tão grandes e incompreensíveis, que Eleordena e faz sua obra muito bem e com justiça, mesmo que os demônios e os ímpiosajam injustamente4. E as obras dEle que ultrapassam o entendimento humano, nãoqueremos investigá-las curiosamente, além da nossa capacidade de entender. Mas,adoramos humilde e piedosamente a Deus em seus justos julgamentos, que nos estãoescondidos5. Contentamo-nos em ser discípulos de Cristo, a fim de que aprendamossomente o que Ele nos ensina na sua Palavra, sem ultrapassar estes limites6. Esteensino nos traz um inexprimível consolo, quando aprendemos dele, que nada nosacontece por acaso, mas pela determinação de nosso bondoso Pai celestial. Ele nosprotege com um cuidado paternal, dominando todas as criaturas de tal modo quenenhum cabelo - pois estes estão todos contados - e nenhum pardal cairá em terrasem o consentimento de nosso Pai (Mateus 10:29,30). Confiamos nisto, poissabemos que Ele reprime os demônios e todos os nossos inimigos, e que eles, semsua permissão, não nos podem prejudicar7. Por isso, rejeitamos o detestável erro dosepicureus, que dizem que Deus não se importa com nada e entrega tudo ao acaso.

A Confissão Belga denota a providência do Senhor pós-criação, um Deus que não entregou a

sua criação aos cuidados da natureza e nem ao menos à livre vontade humana de governo.

Embora tenha coisas que acontecem difíceis de explicar, contudo Deus em todas as coisas as

determinou. Deus exerce o seu poder soberano no cumprimento do que decretou e nas obras

da providência, sendo as obras providenciais a execução temporal dos decretos eternos do

Senhor. A confissão ainda traz que as obras da providência é consolo para os cristãos como

também tem uma perspectiva pedagógica nas adversidades da vida. Mas em tudo Deus está

presente, controlando, determinando e protegendo a sua Igreja.

51O primeiro dos padrões doutrinários das Igrejas Reformadas é a Confissão de Fé. É chamado normalmente deConfissão Belga, pois é originário da região sul dos Países Baixos, conhecida hoje como Bélgica. O seu principalautor, Guido de Brès, um prega- dor das Igrejas Reformadas dos Países Baixos foi martirizado por causa da Féno ano de 1567. Durante o Século XVI as igrejas desse país estavam sujeitas às mais terríveis perseguições porparte do governo católico-romano. De Brès preparou essa confissão no ano de 1561 para protestar contra essacruel opressão e provar aos seus perseguidores que os adeptos da Fé Reformada não eram rebeldes, comohaviam sido acusados, mas cidadãos dentro da lei que professavam a autêntica doutrina cristã, segundo asSagradas Escrituras. No ano seguinte, um seu exemplar foi enviado ao rei Felipe II juntamente com uma petiçãoem que os signatários declaravam estar prontos a obedecer ao governo em todas as coisas legítimas, mas queestavam prontos “a oferecer as suas costas aos chicotes, suas línguas às facas, suas bocas às mordaças e o seucorpo inteiro às chamas” ao invés de negarem as verdades expressas nessa Confissão. Ao compor a Confissão, oseu autor valeu-se, numa certa medida, da Confissão das Igrejas Reformadas da França, escrita principalmentepor João Calvino e publicada dois anos antes. Contudo, a obra de Brès não é uma mera revisão do trabalho deCalvino, mas uma composição independente. Ela foi imediata e alegremente recebida pelas igrejas dos PaísesBaixos e adotada pelos Sínodos Nacionais convocados nas últimas três décadas do Século XVI. Depois de umacriteriosa revisão, não de conteúdo, mas textual, o grande Sínodo de DORT de 1618/1619 a adotou como um dospadrões doutrinários da Igreja Reforma- da, à qual se requer a subscrição de todos os seus oficiais eclesiásticos.É amplamente reconhecida a sua excelência como uma das melhores declarações simbólicas da fé reformada.http://www.igrejasreformadasdobrasil.org/doutrina/confissao-belga, site acessado em 02/08/2017.

521 Jo 5:17; Hb 1:3. 2 Sl 115:3; Pv 16:1,9,33; Pv 21:1; Ef 1:11. 3 Tg 1:13; 1Jo 2:16. 4 Jó 1:21; Is 10:5; Is 45:7;Am 3:6; At 2:23; At 4:27,28. 5 1Rs 22:19-23; Rm 1:28; 2Ts 2:11. 6 Dt 29:29; 1Co 4:6. 7 Gn 45:8; Gn 50:20; 2Sm16:10; Rm 8:28,38,39.

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3.2.3 CONFISSÃO DE FÉ WESTMINSTER53

A Confissão de Fé de Westminster afirma que no capítulo V da providência, seções I, II, III,

IV E V, VI E VII, o seguinte54:

I. Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável

conselho da sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da

glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e

governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas, desde a maior até a menor.

II. Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as

coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena

que elas sucedam conforme a natureza das causas secundárias, necessárias, livre ou

contingentemente.

III. Na sua providência ordinária Deus emprega meios; todavia, ele é livre para operar sem

eles, sobre eles ou contra eles, segundo o seu arbítrio.

IV. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se

manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros

pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão

tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e

governa em uma múltipla dispensarão, mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas

transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e

justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo.

V. O mui sábio, justo e gracioso Deus muitas vezes deixa por algum tempo seus filhos

entregues a muitas tentações e à corrupção dos seus próprios corações, para castigá-los pelos

seus pecados anteriores ou fazer-lhes conhecer o poder oculto da corrupção e dolo dos seus

53Desde Julho de 1643 até Fevereiro de 1649, reuniu-se em uma das salas da Abadia de Westminster, na cidadede Londres, o Concílio conhecido na história pelo nome de Assembleia de Westminster. Este Concílio foiconvocado pelo Parlamento Inglês, para preparar uma nova base de doutrina e forma de culto e governoeclesiástico que devia servir para a Igreja do Estado nos Três Reinos. A Confissão de Westminster foi a últimadas confissões formuladas durante o período da Reforma. Até agora tem havido na história da Igreja somentedois períodos que se distinguiram pelo número de credos ou confissões que neles foram produzidos. O primeiropertence aos séculos IV e V, que produziram os credos formulados pelos concílios ecumênicos de Nicéia,Constantinopla, Éfeso e Calcedônia; o segundo sincroniza com o período da Reforma. Os símbolos do primeiroperíodo chamam-se "credos", os do segundo "confissões". Uma comparação entre o Credo dos Apóstolos, porexemplo, e a Confissão de Westminster mostrará a diferença. O Credo é a fórmula de uma fé pessoal e principiacom a palavra "Creio". A Confissão de Fé de Westminster segue o plano adotado no tempo da Reforma, é maiselaborada e apresenta um pequeno sistema de teologia. Esse sistema é conhecido pelo nome de Calvinismo, porser o que João Calvino ensinou, e foi aceito pelas Igrejas Reformadas, que diferiam das Luteranas. A Confissãode Fé de Westminster. Editora Cultura Cristã, 2001. 17° edição – São Paulo. P.7-8.

54A Confissão de Fé de Westminster. Editora Cultura Cristã, 2001. 17° edição – São Paulo. Pp. 47, 49, 50, 51,52, 53, 54, 55, e 56.

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corações, a fim de que eles sejam humilhados; para animá-los a dependerem mais intima e

constantemente do apoio dele e torná-los mais vigilantes contra todas as futuras ocasiões de

pecar, para vários outros fins justos e santos.

VI. Quanto àqueles homens malvados e ímpios que Deus, como justo juiz, cega e endurece

em razão de pecados anteriores, ele somente lhes recusa a graça pela qual poderiam ser

iluminados em seus entendimentos e movidos em seus corações, mas às vezes tira os dons que

já possuíam, e os expõe a objetos que a sua corrupção torna ocasiões de pecado; além disso,

os entrega às suas próprias paixões, às tentações do mundo e ao poder de Satanás: assim

acontece que eles se endurecem sob as influências dos meios que Deus emprega para o

abrandamento dos outros.

VII. Como a providência de Deus se estende, em geral, a todos os crentes, também de um

modo muito especial ele cuida da Igreja e tudo dispõe a bem dela.

Então, com base na Confissão de fé de Westminster concluem-se as seguintes afirmações,

claro sem esgotar o assunto prescrito na CFW, por ser extenso e profundo: Primeiro Deus

governa e preserva todas as criaturas; sua preservação e governo sobre elas se estende sobre

todas as suas ações; sua preservação e governo sobre elas é totalmente santa, sábia e poderosa.

O seu decreto é infalível e determinante no curso da história e evidenciado na sua

providência. Sendo Ele a causa primária, que dá o “start” nas coisas secundárias que segue e

cumpre o propósito do Criador. As coisas secundárias exercem o seu propósito de forma

concorrente, e estas não tem a sua natureza violada por Deus. Inclusive, os atos pecaminosos

dos homens sendo exclusivamente deles, de maneira nenhuma não se pode atribuir culpa ou

autoria a Deus. O Deus Totalmente Santo não se mistura com os atos pecaminosos dos

homens e muito menos pode lhe ser atribuído os atos imorais do ser humano. Pelo contrário,

os homens são entregues a sua essência pecaminosa que levam ao juízo.

Mas, a CFW termina com uma palavra confortadora para a Igreja de que Deus se dispõe de

forma amorosa, cuidadora e misericordiosa aos crentes, e em especial a sua Noiva, A igreja

comprada pelo preço do sangue de Cristo. Na qual está alicerçada e fundamentada na

veracidade da providência do Deus Todo-Poderoso. Veracidade que se expande em três

elementos fundamentais da teologia reformada: preservação, governo e concorrência. Que

ver-se abaixo.

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3.3 A VERACIDADE DA PROVIDÊNCIA

O pensamento reformado calvinista sustenta a providência sob três aspectos vitais:

preservação, governo e concorrência. A criação aponta para a perfeição das obras de Deus,

que é seguida pela providência de Deus, por isso, entendemos que todas as criaturas são

preservadas, governadas, dirigidas e guiadas pelo Deus Supremo e Criador. Percebe-se na

Teologia Reformada os elementos da providência que aponta para uma definição ampla da

obra de Deus após as coisas criadas. O teólogo Berkhof comenta sobre esses três elementos:

Mas, conquanto distingamos três elementos na providência, devemos lembrar queesses três nunca estão separados, na obra de Deus. Embora a preservação se refira aexistência, a concorrência à atividade e ao governo à direção de todas as coisas,jamais se deve entender isso num sentido exclusivo. Na preservação há também umelemento de governo, no governo um elemento de concurso, e no concurso umelemento de preservação (BERKHOF, 2012, P. 154).

Em decorrência das principais refutações da doutrina da providência os teólogos reformados

tratam dos elementos da providência como um fundamento sólido e eficaz para alicerçar a

doutrina. Uma doutrina que sempre teve controvérsias e discussões intensas merece ser

tratada com fundamentos sólidos e bíblicos. Na verdade podendo entender que o perfeito

entendimento da doutrina da providência passa pelo fato de compreender a soberania de Deus.

Arthur W. Pink em sua obra, Deus é Soberano, descontrói todo os conceitos filosóficos

quando ele afirmou que

Muita gente pensa que Deus é somente rei no céu, porém não pensa que Ele é ocriador do mundo e também não acreditam que o controle todas as coisas queacontecem nele. Algumas pessoas acham que o mundo funciona como umamáquina, obedecendo as leis da natureza. Outros consideram que o homem podecontrolar o que lhe acontece usando seu próprio livre arbítrio (PINK, 2007, P.4).

A compreensão da providência de Deus passa pela soberania de Deus e a refutação de que há

no homem o lvre-arbítrio. Quanto a isso Spurgeon declarou: “Deus é independente de tudo e

de todos. Ele age de acordo com Sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘Eu farei’, o que quer

que diga será feito. Deus é soberano, e Sua vontade, não a vontade do homem, será feita”

(SPURGEON, 1992, P..42-43).

O pesquisador trata abaixo sobre esses elementos que fundamentam a providência de Deus na

Teologia Reformada no aspecto da: preservação, governo e concorrência.

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3.3.1 A VERACIDADE DA PRESERVAÇÃO

55Conservatio, que envolve a preservação do universo criado, toda a criação existente.

Preservação é o ato de Deus pelo qual todas as espécies existentes, criaturas, e toda a

existência nos indivíduos são mantidas e preservadas pelo Criador. Pode ser feita de forma

mediata e imediata. No sentido de Mediata, acontece onde as coisas são preservadas pelas

próprias leis naturais que Deus as estabeleceu. Diferentemente, de Imediata, Deus chama à

existência as coisas que não existem pelo seu poder, sem que houvesse qualquer matéria-

prima ou qualquer ajuda secundária. Sobre isto, Heber comentou: “Nada do que é criado sem

material existente ou com material pré-existente possui auto sustentação” (HEBER, 2001,

P.99).

No conceito geral a preservação é uma atividade sem tréguas do Criador sobre a sua criação

na qual Deus a mantém pelo seu poder sustentador. Sobre isto é relevante à explicação de

Hodge, em sua obra teológica, definiu que,

A preservação é aquela operação contínua da energia divina em virtude da qual oCriador mantém todas as criaturas em existência e na posse de todas essaspropriedades e qualidades inerentes de que as dotou em sua criação, e também naposse daquelas que porventura tenham adquirido depois, em virtude dos seus hábitosou do desenvolvimento. Isto é, tanto a existência como os atributos de toda espécie,bem como a forma e as faculdades de toda criatura individual são mantidasconstantemente em existência por Deus (HODGE, P.150, V.2).

É importante para o melhor entendimento fazer a distinção da obra da criação e providência.

A preservação se distingue da obra da criação. Embora ambas lidem com a ação divina, ou

seja, a atividade de Deus, elas se distinguem. Criação é trazer a existência algo que não existe,

na verdade trazer algo novo que jamais tenha existido antes. Criar do nada (ex nihilo)56.

Criação é um ato único e eficaz de Deus, enquanto a preservação é um ato contínuo de Deus

em relação a toda a sua obra criada. Herman Bavink descreveu sobre isto: “Quando, no sétimo

dia, Deus completou a obra que havia feito, ele repousou de toda a sua obra (Gn 2.2; Êx

20.11; 31.17). Assim, a Escritura descreve a transição da obra da criação para a preservação”

(BAVINK, 2012, P.604).

55Conservatio – Palavra latina cunhada na doutrina da providência para determinar o ato da preservação doCriador sobre a sua criação.

56Exnihilo – palavra latina “nada” “do nada”. Calvino ensinou que a origem do universo acontece nos doisprimeiros dois capítulos de Gênesis. Inclui criação do mundo e do homem. Pela sua Palavra ele chamou ouniverso à existência, e tudo para a sua glória fruto da manifestação da sua graça. Onde a Trindade Excelsaestava presente ativamente na criação.

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Portanto, uma íntima conexão e um relacionamento estreito existem entre elas. 57Em tudo

ocorre pela evidência da criação e as suas consequências externas vistas pós á existência das

coisas que o processo passa-se diretamente e conduzem-nos da criação para a providência.

Desde o momento em que o mundo em seu todo ou cada um de seus habitantes foi chamado à

existência pelo ato criativo de Deus, eles imediatamente ficaram sob a vigilância da

providência de Deus. Aqui não há transição gradual, nem qualquer tipo de abismo ou brecha.

Pois exatamente como as criaturas, por serem criaturas, não podem nascer de si mesmas, da

mesma forma elas não podem, por um minuto sequer, existir por si mesmas.

A providência caminha de mãos dadas com a criação. Elas são companheiras. E é da maior

importância manter, contra toda ameaça deísta, essa inseparável conexão entre a criação e a

providência. É necessário, então, em vista da alternativa deísta, aderirmos à relação existente

entre a criação e a providência. A Escritura faz isso. 58Ela chama a obra da providência de

dádiva da vida e atividade preservadora (Jó 33.4; Ne 9.6), renovação (Sl 104.30), fala (Sl

33.9), vontade (Ap 4.11), trabalho (Jo 5.17), o sustento de todas as coisas pela palavra de Seu

poder (Hb 1.3), cuidado (1Pe 5.7), e também de criação (Sl 104.30; Is 45.7). O que está

implicado em todas essas expressões é que depois da criação do mundo Deus não o

abandonou, nem o desprezou. Deus não empurrou o mundo para o lado ou para trás depois de

tê-lo criado. A palavra providência significa que Deus supre o mundo em todas as suas

necessidades59. Esse não é um ato somente da mente de Deus, mas também de Sua vontade,

em decorrência de Seu conselho. É uma atividade pela qual, de momento em momento, Ele

conserva o mundo em sua existência.

As Escrituras afirmam que a preservação é um ato contínuo de Deus, se evidencia na

conservação em existência de todas as criaturas de Deus. A expressão das Escrituras

“sustentando todas as cousas” (Hb. 1:3), fundamenta esse ato preservador. A manutenção ou

preservação, que é geralmente vista como a primeira atividade da providência, de maneira

nenhuma não é uma supervisão passiva, onde Deus está de fora observando o curso da

história sem preservar sua criação. É ensinada nas Escrituras que “Nele vivemos, e nos

57Todas essas considerações naturais e diretamente conduzem-nos da criação para a providência. BAVINK,Herman – O Fundamento da nossa fé – Um Panorama da Doutrina Cristã. Traduzido por Vagner Barbosa.SOCEP – São Paulo. P. 142-147.

58Para o teólogo Bavink, “Deus nunca está ocioso. Ele nunca está passivamente presente, como meroespectador. Como potência divina ele está sempre ativo na natureza e na graça”. BAVINK, Herman – DogmáticaReformada – Deus e a criação; traduzido por Vagner Barbosa. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. Pp. 617-618.

59Gn 22.8; 1Sm 16.1; Ez 20.6; Hb 11.40.

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movemos e existimos” (Atos 17.28); “Sustentando todas as coisas, pela Palavra do seu poder”

(Colossenses 1.17). O ponto que sustenta a preservação no pensamento reformado calvinista

não é que Ele leva o mundo a existir somente, mas que Ele faz com que o mundo exista na

força do seu poder. Isso é manutenção ou preservação no sentido verdadeiro da palavra. O

Catecismo de Heidelberg descreve essa providência como: “É a força todo-poderosa com que

Deus, pela sua mão, sustenta e governa o céu, a terra e todas as criaturas” (CATECISMO DE

HEIDELBERG, PERG. 27).

Virtude, força, e poder procedem de Deus, saem dele, fazendo com que o mundo continue a

existir em perfeita harmonia, da mesma forma que fez com que ele fosse criado. Sem receber

essa força nenhuma criatura pode existir nem sequer por um momento. No momento em que

Deus removesse Sua mão e suspendesse o envio de Sua força, a criatura seria reduzida a nada.

Nada vem à existência nem permanece existindo sem que Deus envie Sua Palavra e Seu

Espírito (Sl 104.30; 107.25). Somente Deus fala, age e quer por si mesmo.

60John M. Frame em sua obra a doutrina de Deus afirmou que a preservação classifica-se de

quatro maneiras: A preservação metafísica, o ato de Deus pelo qual Ele mantém o universo; A

preservação histórico-redentora, o ato de Deus pelo qual desde o inicio da existência humana

Deus preserva de forma temporária o mundo do juízo final, levando seu povo à salvação; a

preservação pactual, o ato de Deus pelo qual ele preserva os seus eleitos, o seu povo, à sua

Igreja num pacto firmado pelo Senhor da aliança e assim os seus recebem a benção pactual

através dessa relação pactual; a preservação eterna, ato pelo qual preserva o seu povo para á

salvação eterna realizada por Ele mesmo, ou seja, a redenção preparada desde a eternidade ao

seu povo. Onde Deus preserva a caminhada de cada um deles nessa vida como uma forma de

preservação, para que debaixo desse cuidado Ele provê à salvação eterna. A seguir o

pesquisador aborda o aspecto do governo, outro elemento que autentica a veracidade da

providência.

3.3.2 A VERACIDADE DO GOVERNO

O ponto central da doutrina da providência é a ênfase no governo de Deus sobre o universo

criado por ele mesmo. Ele governa com eficácia e uma suprema eficiência sua criação com

absoluta soberania e autoridade. Ele governa todas as circunstâncias e tudo aquilo que

60John Frame caracterizou esses quatro aspectos para uma visão mais extensa da preservação de Deus. FRAME,John. A Doutrina de Deus; Traduzido por Odayr Olivetti, Vágner Barbosa. Editora Cultura Cristã – São Paulo,2013. P. 221, 223, 225.

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acontece sendo das coisas mais ínfimas até as maiores. Ele governa o cosmo e tudo que nele

há, esse governo está alicerçado no seu controle soberano e providencial. Sobre a natureza do

governo de Deus, Berkhof definiu “como a contínua atividade de Deus pela qual ele rege

todas as coisas teologicamente a fim de garantir a realização do propósito divino”

(BERKHOF, 2012, P.161).

Há também sem dúvida uma relação estreita entre a preservação e o governo. Sendo que a

atividade governamental de Deus está relacionada ao “propósito diretivo de toda realidade e

do curso da História para os fins que Deus tem em mente. É a execução real, dentro do tempo,

de seus planos projetados na eternidade.” (ERICKSON, 1990, P. 394).

No aspecto de que o governo fundamenta-se no controle soberano de Deus. Existem duas

formas de pensar em uma resposta acerca de quem está no controle de tudo. Existe a pessoa

que não acredita em Deus, o ateu, que parte do pressuposto humanista e com isso considera

tudo desde o seu próprio ponto de vista humano, terreno e arbitrário. O homem que considera

a inexistência de Deus o seu pensamento acerca do controle começa com o homem e é por

isso que não pode entender como Deus pode estar no controle. A pessoa que não crê em Deus

sempre pensará que é absurdo dizer que Deus controla tudo, para eles não é plausível um Ser

superior que esteja no controle do universo. Porém, o cristão vive debaixo de uma certeza e

sabe que Deus está no controle porque assim o tem falado Deus na Bíblia. O cristão,

diferentemente do ateu, começa com Deus. Sua crença está fundamentada no Criador que

sustenta e controla todas as coisas. Pink sabiamente colocou,

Quando pensamos acerca do que está acontecendo no mundo, não deveríamoscomeçar a explicá-lo desde uma perspectiva meramente humana, porque se assim ofazemos, jamais compreenderemos esta vida. Existem muitas coisas na vida queachamos estranhas e difíceis de entender, porém através da Bíblia Deus nos dáentendimento. A Bíblia é a Palavra de Deus, a revelação divina para nós. Então, sequeremos entender o que acontece no mundo, devemos começar aprendendo o que aBíblia diz acerca de Deus. Este é o lugar correto para começar (PINK, 2007, P.4).

A palavra “governo” vem do latim gubernare, “governar uma embarcação”. A ideia de dirigir

algo rumo a um objetivo a um destino determinado. Quando pensa-se em governo de Deus,

classificamos num governo teleológico, ou seja, o seu controle soberano sobre os

acontecimentos com um propósito. Onde tudo que acontece segue uma direção para um fim

de glorificar a Ele e o cumprimento dos seus decretos. Para os teólogos reformados o governo

providencial de Deus apresenta algumas características invioláveis. Em primeiro lugar esse

governo tem um caráter universal, Deus governa sobre tudo sem ao menos nada

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absolutamente fique de fora do seu controle providencial de governo. As Escrituras afirmam

no salmo 22. 28-29 e no salmo103.19:

Pois do Senhor é o reino, é ele quem governa as nações. Todos os opulentos da terrahão de comer e adorar, e todos os que descem ao pó se prostrarão perante ele, atéaquele que não pode preservar a própria vida; Nos céus, estabeleceu o Senhor seutrono, e o seu reino domina sobre tudo. (BÍBLIA DE GENEBRA, 2009, PP.704,766).

Além disso, o governo providencial do Senhor ter um caráter universal, ele age na

especificidade das coisas, é particular. Deus governa na particularidade de todas as coisas

criadas, até as mais ínfimas. O evangelho de Mateus 10.29-31 relata a particularidade do

governo de Deus, dizendo: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá

em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da

cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais”

(BÍBLIA DE GENEBRA, 2009, P.1246).

O seu governo estende-se aos pensamentos e todas as vontades dos homens, até mesmo os

eventos que parecem aos nossos olhos contingentes61. Turretini fala sobre isto, “Nada é mais

casual e fortuito que a sorte, e, contudo, sua ocorrência é atribuída ao próprio Deus: “a sorte

se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a decisão (Pv 16.33).” (TURRETINI, 2011,

P.629).

O Governo de Deus não é ineficiente, ou tem falta de alguma coisa, pelo contrário, é eficaz. É

com excelência que Ele governa, assim como Ele é suficiente em si mesmo essa suficiência

opera com exuberância na sua governança, e ninguém pode impedi-lo. As Escrituras expressa

isto em 62Jó 23.13.“Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele

deseja isso fará.” O seu governo não compreende que Deus faz as coisas conforme os

acontecimentos da história, de acordo com que vai sucedendo ou ações humanas. O seu

governo é a execução do seu propósito eterno, que ele decretou desde a eternidade todas as

suas obras para o cumprimento da sua própria vontade. As Escrituras apontam para isto em

Isaías 28.29, Ef 1.11: “Também isso procede do Senhor dos Exércitos; ele é maravilhoso em

61Contingentes – Vem do termo contingência que é característica das coisas finitas que existem, mas cujaexistência não é necessária. Os que apoiam o argumento cosmológico acreditam que a contingência da ordemnatural demonstra a necessidade de essa ordem natural ter a fonte de sua existência fora de si mesma, e que afonte última da existência do contingente é um ser cuja existência não é contingente, mas necessária – um seridentificável como Deus. Evans, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. TraduçãoRogério Portella – São Paulo: Editora Vida, 2004. P.35-36

62Jó 23.13- O comentário da Bíblia de Genebra diz que Jó nunca questiona a liberdade soberana de Deus. Seureconhecimento da soberania de Deus na criação é a raiz do seu dilema. P. 670.

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conselho e grande em sabedoria.”; “nele, digo, no qual fomos também feitos herança,

predestinados segundo o propósito daquele que fez todas as coisas conforme o conselho da

sua vontade.” (BÍBLIA DE GENBRA, 2009, PP.916, 1569).

Todo o governo de Deus tem um fim, e o fim principal é a sua própria glória, onde essa glória

do Senhor coopera para sua vontade, ação e glória soberana sejam demonstradas a todas as

criaturas. As Escrituras fala sobre isto: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as

coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”. A.A. Hodge, falou que as Escrituras

ensinam sobre o governo de Deus que: “no caso das boas obras dos homens, Deus dá graça e

o motivo, e coopera nos atos desde o princípio até o fim conforme Filipenses 2.13 porque

Deus é quem efetua em vós tanto o querer com o realizar, segundo a sua boa vontade”

(HODGE, P.371). E Deus governa também no caso das más ações dos homens, segundo

Hodge, “permite-as simplesmente, restringe-as, e domina sobre elas para a Sua própria glória

e o bem supremo da criação” (HODGE, P.370).

A abrangência do governo de Deus é total e infinita. Não limitada a uma ordem geográfica

onde Deus administra somente um número de pessoas ou coisas, mas o governo de Deus é tão

imenso, colossal e supremo que a direção que Ele imprime cumprirá sua vontade

decretada.63Embora o padrão do governo de Deus seja um, o seu poder sobre todas as coisas,

pode-se distinguir em três aspectos na teologia reformada, que se mostra nessa pesquisa logo

abaixo.

3.3.2.1 GOVERNO GERAL

O controle de Deus sobre todas as coisas determina o seu governo. As Escrituras atribuem os

acontecimentos de todas as coisas ao poder controlador do Senhor, e Ele determina sempre

com um propósito, com um fim para a realização da sua própria vontade. O governo de Deus

fundamenta-se no seu decreto porque Ele é Rei dos reis e Senhor dos senhores, e sobre tudo

ele domina. Por isso, chamamos de governo geral.

3.3.2.2 GOVERNO NATURAL

Deus em seu governo natural estabeleceu leis pré-estabelecidas, estruturas, propósitos

particulares para que sua criação aja conforme a sua natureza, de forma que as suas

63Na visão de Turretini, podemos entender que o governo de Deus é a administração tanto universal comoparticular, onde Ele dirige as mantém sobre o seu controle para um fim preordenado. TURRETINI, François.Compêndio de teologia apologética: volume 1/ tradução edições Paracletos. São Paulo: Editora Cultura Cristã,2011. P. 631.

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propriedades ou funções naturais representem as regras pré-ordenadas por Deus. O governo

natural compreende-se na relação de causa e efeito. A causa procede de Deus e o efeito

procede da ordem da lei natural das coisas criadas. Sobre isto, o teólogo calvinista, John L.

Dagg comentou “A vontade do Senhor determinou a relação que prevalece entre causa e

efeito, e, por esse motivo, as leis da natureza são as ordens de sequência segundo os quais

sucedem as modificações das coisas naturais, em consonância com o propósito divino”

(DAGG, 2003, p.97).

A ordem natural das coisas não é que Deus entregou as coisas suas próprias leis, mas sim que

o seu governo prevalece de forma tão natural, harmônica e sábia de acordo com a sua

providência. O pesquisador aborda o governo moral abaixo que também recai sobre a

providência perfeita do Criador.

3.3.2.3 GOVERNO MORAL

O governo moral de Deus é matéria de muitas controvérsias ao longo da história, como

também um mistério para à compreensão finita humana. Essa parte da relação de Deus com o

mal moral. Contudo, independente do fato de que a providência de Deus vigia também o

pecado, a Escritura também firme e resolutamente afirma que a causa dos pecados não está

em Deus, e que deve ser creditada não a Deus, mas ao homem. O governo de Deus sobre o

universo moral é que,

Deus é um ser eminentemente moral e, como tal, impõe assuas regras morais sobre omundo criado. As suas leis foram estabelecidas formalmente com Moisés, mas antesdisso, Deus já havia posto leis no coração dos homens, de forma que todos os sereshumanos possuem o conhecimento da lei na sua própria constituição (CAMPOS,2001, P. 230).

Paulo em Romanos 2.11-16 falou sobre isto,

Porque para Deus não há acepção de pessoas. Assim, pois, todos os que pecaramsem lei perecerão; e todos os que com lei pecaram mediante serão julgados. Porqueos simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a leihão de ser justificados. Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, pornatureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para simesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhestambém a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se oudefendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos doshomens, de conformidade com o meu evangelho (BÍBLIA DE GENEBRA, 2009,P.1476).

O Senhor é justo e santo, e está distante de toda iniquidade (Dt 32.4; Jó 34.10). Ele é a luz que

dissipa as trevas (1Jo 1.5). Ele não tenta o homem (Tg 1.13). Ele é a fonte transbordante de

todo o bem e de toda a pureza (Sl 36.10; Tg 1.17). Ele proíbe o pecado em Sua lei (Ex 20) e

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na consciência do homem (Rm 2.14,15), aborrece os que andam na iniquidade (Sl 5.5), e se

revela dos céus contra toda a impiedade e perversão dos homens (Rm 1.18), e aplica punições

temporais e eternas (Rm 2.8). O Teólogo Strong, em sua de teologia sistemática, falou de

quatro aspectos dessa relação Deus, homem e o pecado. Assim descreveu,

A Escritura descreve a providência de Deus com relação aos atos maus dos homensem quatro tipos: a) Obstante - Deus, pela sua providência, obsta o pecado que secometeria. Deve-se considerar o fato de obstar o pecado como matéria não deobrigação, mas de graça. b) Permissivo - Deus permite que os homens acalentem opecado e manifestem as disposições más dos seus corações. A providênciapermissiva de Deus é simplesmente o ato negativo de conter os obstáculos nocaminho do pecador, ao invés de obstar seu pecado através do exercício do poderdivino. Não implica nenhuma ignorância, passividade, ou indulgência, mas consisteem detestar o pecado e determinar sua punição. c) Diretivo - Deus dirige os atosmaus para fins que, os que os cometem, não preveem e nem pretendem. Quando omal está no coração e na vontade, Deus ordena seu fluxo em uma direção e não emoutra de modo que seu curso pode ser melhor controlado e não resulte em prejuízo.A isso às vezes dá-se o nome de providência dominante. d) Determinativo - Deusdetermina os limites alcançados pelas más paixões de suas criaturas e a medida dosseus efeitos. Porque o mau moral é um germe capaz de indefinida expansão adeterminação de Deus sobre a medida de seu desenvolvimento não altera seu caráterou envolve cumplicidade de Deus na vontade pervertida que o embalou (STRONG,2003, PP. 619, 620,622).

Essas linhas das Sagradas Escrituras, de acordo com as quais o pecado, do começo ao fim,

está debaixo do governo de Deus e ao mesmo tempo deve ser lançado na conta do homem, só

podem ser conciliadas se Deus e o mundo, por um lado, não forem separados um do outro e,

por outro lado, forem essencialmente distintos um do outro. A teologia se encarrega de fazer

isso quando, com relação à providência de Deus, ela fala não apenas de manutenção, mas

também de cooperação. Com esse termo a teologia faz justiça ao fato de que Deus é a

primeira causa de tudo o que acontece, mas que sob Ele e através dele as criaturas são ativas

como causas secundárias, cooperando com a primeira. Nós podemos falar de tais causas

secundárias até mesmo com referência às criaturas inanimadas, pois apesar de ser verdade que

Deus faz nascer o sol sobre maus e bons e faz vir a chuva sobre justos e injustos (Mt 5.45),

também é verdade que Ele faz uso do sol e das nuvens em certas ocasiões. Mas a distinção

feita aqui diz muito mais respeito às criaturas racionais, pois essas criaturas receberam das

mãos de Deus uma razão e uma vontade e devem usá-las para guiar-se e orientar-se. É

verdade que nessas criaturas racionais toda a existência e toda a vida, todo o talento e toda a

força, são derivados de Deus, e que, independente de como esses talentos e essa força são

usados, eles permanecem sob o governo da providência de Deus. Da mesma forma, há uma

distinção a ser feita entre a primeira e a segunda causa, entre Deus e o homem. Exatamente

como ao fazer o bem é Deus que, de acordo com seu beneplácito, age e realiza Sua vontade, o

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homem também tem vontades e age. Deus concede a vida e a energia para isso também, mas é

o homem, e somente o homem, que comete o pecado e que é culpado por ele.

Entende-se que de fato o melhor dos argumentos simplesmente não pode resolver o enigma

que é apresentado na doutrina da providência de Deus nessa vida. Mas, a confissão de que

Deus e o mundo nunca podem ser separados, e sim deve ser diferenciado, sobre esse aspecto

da concorrência o pesquisador aborda a seguir.

3.3.3 A VERACIDADE DO CONCURSO64

Berkhof definiu em sua teologia sistemática: “concorrência como a cooperação do poder

divino com todos os poderes subordinados, em harmonia com as leis pré-estabelecidas de sua

operação, fazendo-os agir precisamente como agem” (BERKHOF,2012, P.158). Precisamente

ocorre a operação do agir de Deus em suas criaturas, onde Deus energiza-as e assim elas agem

dinamizadas pelo Criador, mas evidentemente, sendo o homem o principal responsável pelo

ato pecaminoso. Isso o autor tratará mais abaixo.

Embora o pesquisador tenha foco aqui do termo na perspectiva teológico-reformada, deve-se

salientar como o termo surgiu na história. O termo concorrência ou concursus foi

desenvolvido a fim de repelir pensamentos filosóficos como o panteísmo e o deísmo. Uma

explicação sobre esse pensamento filosófico, Bavink falou: “No primeiro, a providência

coincide com o curso da natureza como necessidade cega; no segundo, a providência é

substituída por puro acaso e Deus é removido do mundo” (BAVINK, 2012, P. 603).

Esses termos filosóficos, panteísmo e deísmo, tem em sua essência exaltar a autonomia

humana. Segundo seus precursores, a humanidade só pode ser livre, se Deus estiver ausente

ou ser impotente em relação à liberdade humana. Para os deístas e panteístas a soberania de

Deus deve ser anulada ou descartada, pois reprime á humanidade. A providência do concursus

não extingue as causas secundárias nem muito menos a responsabilidade humana. John

Frame, afirmou que enquanto: “a providência como governo e preservação focaliza o controle

de Deus, a providência da concorrência focaliza a presença de Deus em todas as suas criaturas

e junto delas” (FRAME, 2013, P. 227).

64Concurso – os reformadores também usaram os termos (concorrência ou cooperação) com palavras sinônimas.

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65Outro aspecto da concorrência (ou concurso, cooperação). Concorrência refere-se às ações

conjuntas de Deus e seres humanos, ou seja, a presença de Deus nos seres criados atuando

sempre em conjunto. Nesta doutrina encontramos o paradoxo da ação de Deus e dos homens

atuando juntas, mas ao mesmo tempo separadas em si mesmas. Mesmo assim, o poder causal

que o homem exerce é secundário, existe uma causa primária exercendo o poder e

energizando a causa secundária. A soberana providência de Deus está acima e além das

nossas ações, ou seja, todas as ações do homem são em si movidas pela operação da causa

primária. Ele opera sua vontade por meio das ações da vontade humana, sem violar a

liberdade dessa vontade humana. Turretini sobre isso falou: “a causa primária é o primeiro

movedor em cada ação, de modo que a causa secundária não se move, a menos que seja

movida; nem age, a menos que seja acionada pela causa primária” (TURRETINI, 2011,

P.638).

O exemplo mais claro de concorrência encontrado nas Escrituras é o caso de José e seus

irmãos. Apesar de os irmãos de José, terem verdadeiramente sido culpados pela traição que

fizeram contra ele, a providência de Deus estava operando até mesmo através do pecado

deles. José disse aos irmãos: "Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou

para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar gente com vida." (Gn 50.20). Não é

fácil de explicar a relação entre a causa primária e a secundária de forma plena e satisfatória.

Para os teólogos reformados o que importa é a realidade existente entre a causa primária e a

secundária e sendo as duas uma verdade inquestionável, embora difícil de ser explicada. 66A

confissão de fé de Westminster, quando trata do decreto e da sua providência, traz uma

distinção importante que:

Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própriavontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo quenem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tiradaa liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas (III, 1).

Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária,todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesmaprovidência, Deus ordena que elas sucedam conforme a natureza das causassecundárias, necessárias, livre ou contingentemente (V, 2).

65O mistério das ações conjuntas do Criador e da criatura. Do ser primário e do ser secundário.www.teologiacalvinista.v10.com.br – acesso em 17/04/2017. P. 46.

66É muitíssimo importante que os cristãos aprendam a fazer distinção entre a causa primária e secundária.CARLOS, Heber de Campos. O Ser de Deus e as suas obras – A Providência e as sua realização histórica.Editora Cultura Cristã, SP. 1ª edição – 2001. P.267.

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Os teólogos reformados calvinistas sustentavam o concursus prévio e determinante. Ou seja,

“uma energia atuando sobre a criatura e determinando-a em cada caso a agir, e exatamente do

modo como age. Alguns aplicaram isso unicamente às boas ações dos homens; outros, mais

logicamente, aplicaram-no a todas e quaisquer ações” (HODGE, P.368).

Os estudiosos reformados calvinistas não abriram mão de que Deus opera sobre a criatura,

como causa primária, e assim a causa secundária age não porque há nelas o livre-arbítrio 67,

mas sim a livre agência68, nisto Deus concorre com a vontade humana que a determina

diferentemente tanto no bem e no mal. No caso da ação do bem, as boas ações das criaturas,

Deus o move determinando, movendo e cooperando dando-lhes condições de praticar o bem

do modo e da maneira exata da sua vontade. No caso da ação do mal, as más ações das

criaturas, Deus não concorre, não move, não coopera, mas sim permite os atos pecaminosos.

É claro que Deus não infunde a perversidade no homem e de maneira nenhuma é o autor do

pecado, mas as criaturas entregues a sua própria origem do ser pecam descabidamente por

fracassarem em fazer a vontade de Deus. Assim elas pecam por fracassarem no cumprimento

da lei divina, então suas ações são livres e voluntárias. Daí a culpa do mal repousa somente

nelas, sendo Deus isento do mau moral.

A teologia reformada fala que a providência divina controla todos os acontecimentos até

mesmo os moralmente maus. A esse respeito acrescenta:

(1) apesar de Deus permitir o mal moral, ele não é o seu autor direto (At 14.16); (2)Deus castiga o mal com mal (Sl 81.11-12; Rm 1.26-32); (3) Deus faz o mal redundar

67Livre-arbítrio – O Capítulo IX da CFW fala sobre o livre-arbítrio da seguinte forma: I. Deus dotou a vontadedo homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado porqualquer necessidade absoluta da sua natureza. II. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e opoder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas imutavelmente, de sorte que pudesse decairdessa liberdade e poder. III. O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder devontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural,inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se oumesmo preparar-se para isso. IV. Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele oliberta da sua natural escravidão ao pecado e, somente pela sua graça, o habilita a querer e fazer com toda aliberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção, ainda nele existente, opecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau. V. É noestado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só.

68Livre agência - A livre agência é uma marca dos seres humanos como tais. Todos os seres humanos sãoagentes livres no sentido de que tomam suas próprias decisões a respeito do que devem fazer, escolhendo o quelhes agrada à luz de seu discernimento do que é certo e errado e das inclinações que sentem. Assim, eles sãoagentes morais, responsáveis para com Deus e entre si por suas escolhas voluntárias. Assim foi Adão, antes edepois de pecar; assim somos nós agora, e assim são os santos glorificados que estão confirmados na graça emtal sentido que eles não mais têm em si esta inclinação para cometer pecado. A incapacidade para pecar será umdos deleites e glórias do céu, mas não extinguirá a humanidade de ninguém; os santos glorificados farão aindaescolhas de acordo com sua natureza, e essas escolhas não serão de forma alguma o produto da livre agênciahumana, exatamente porque elas serão sempre boas e retas. http://www.josemarbessa.com/2010/03/livre-agencia-livre-arbitrio-j-i-packer.html, acesso 23/08/17.

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em bem (Gn 50.20; At 2.23; 4.27-28; 13.27); (4) Deus usa o mal para provar edisciplinar aqueles que ele ama (Mt4.1-11; Hb 12.4-14); e (5) um dia, Deus remirá oseu povo inteiramente do poder e da presença do mal (Ap 21.27; 22.14-15).69

Podemos afirmar sobre o envolvimento de Deus em todo processo do cosmo e com os atos de

suas criaturas, a concorrência evidencia-se em alguns aspectos: a ação humana ocorre, ou

acontecimentos pelas causas naturais, ou ocorre ação do Diabo, mas diante das realidades

ocorridas ou existentes em tudo a vontade de Deus prevalece. Ainda que suas criaturas façam

coisas que transgrida o conselho da vontade de Deus, portanto por trás dos seus atos elas

cumprem o propósito soberano por meio dos seus acontecimentos. O mal produzido pelo ser

humano é usado por Deus para transformar em bem. Sendo isso um “mistério” para as suas

criaturas essa forma de Deus trabalhar, porém sendo essa uma maneira do modus operandi70

de Deus.

Os humanos, pós-queda, sendo pecadores, destituídos pela depravação humana herdada pelo

pecado de Adão e Eva, então mediante sua natureza pecaminosa e distante de cumprir a lei de

Deus eles pecam, entretanto Deus não é o autor do pecado. Não pode ser atribuído a Deus o

pecado cometido pelo homem. Pois, nos atos bons é Deus que opera segundo o seu querer e

realizar. E nos atos maus, embora aja uma atividade cooperadora de Deus, os homens são

responsáveis, por isso levam a culpa. Assim, sendo o ser humano tem a total

responsabilidade71 sobre os seus atos pecaminosos. Essa modus operandi de Deus é

inexplicável para a compreensão humana, mas existe. Assim, o próximo capítulo trata desse

cuidado de Deus pelo seu povo e as implicações práticas para a Igreja nos dias de hoje.

69Bíblia de Estudo de Genebra, 2ª edição. Barueri – São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil. Editora CulturaCristã, 2009. P. 984.

70Modus operandi - palavra latina que significa o modo de agir ou trabalhar de Deus.

71Responsabilidade bíblica – “responsabilidade é sinônimo de prestar contas, e isso significa que devemosprestar contas diante de Deus, o juiz, pelas nossas ações. A bíblia baseia em quatro coisas. Primeira, somosresponsáveis diante de Deus porque ele é o Criador e nós somos criaturas. Segunda, somos responsáveis diantede Deus porque ele é o ponto de referência moral para o certo e errado, e não nós próprios. Terceira, somosresponsáveis diante de Deus pelo conhecimento que temos responsabilidade epistemológica. Quarto éresponsável diante de Deus porque o propósito da criação é a glória de Deus, e somos responsáveis comomordomos das bênçãos de Deus para cumprir o seu fim ou o propósito em criar-nos no mundo” WRIGHT, R.K.McGregor. A soberania Banida, 2ª edição, Editora Cultura Cristã, 2007, São Paulo. Pp. 59-60.

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4. A PROVIDÊNCIA E AS SUAS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS PARA A IGREJA

Nesse capítulo o pesquisador traz as implicações práticas para a igreja no aspecto de que o

cristão pode experimentar e ver a importância do poder providencial de Deus na vida deles.

Ou seja, a obra salvadora de Deus na vida deles os leva a crer na providência de Deus pela fé

implantada em seus corações e assim podem considerar a mão paternal de Deus em todas as

coisas. A Confissão de Fé prescreve, no capítulo V, da providência, seção VII, assegura uma

realidade para a Igreja, “Como a providência de Deus se estende, em geral, a todos os crentes,

também de um modo muito especial ele cuida da Igreja e tudo dispõe a bem dela” (CFW,

2001, P.56). Nota-se que a doutrina da providência estreita sua relação aos cristãos

individualmente e de forma muito sólida e amorosa a Igreja para um desfrute benéfico na qual

os principais beneficiários é o seu povo.

Observam-se abaixo os benefícios da providência.

4.1 BENEFÍCIOS DA PROVIDÊNCIA

A doutrina da providência traz conforto, segurança e paz, pois ensina aos cristãos que eles

nunca estão á deriva sob o domínio de forças cegas (acaso, sorte, ventura); porque tudo que

acontece em sua vida está sob os cuidados do Governador do universo onde foi tudo

planejado e será por certo executado por Ele para um chamamento à piedade, obediência e

alegria visando o bem espiritual e eterno dos seus filhos e por fim para a glória Dele mesmo.

A Providência de Deus se estende de forma amorosa, cuidadosa e particular ao seu povo

escolhido. O que chamamos de providência especial. Nessa doutrina o crente descansa seguro.

O Catecismo de Heildelberg subscreve:

28. Para que serve saber da criação e da providência de Deus?R. Para que tenhamos paciência (1) em toda adversidade e mostremos gratidão (2)em toda prosperidade e para que, quanto ao futuro, tenhamos a firme confiança emnosso fiel Deus e Pai, de que criatura alguma nos pode separar do amor dEle (3).Porque todas as criaturas estão na mão de Deus, de tal maneira que sem a vontadedEle não podem agir nem se mover (4).72

Percebe-se uma relação da providência com a graça do Senhor. Embora exista a graça comum

no qual a ação providencial de Deus recaia sobre todas as criaturas, bons e maus, justos e

injustos. Essa graça não tem ligação com a graça especial, ou seja, a bênção da salvação sobre

aqueles que Deus declara justos pelo sacrifício de Jesus Cristo na cruz. Onde são justificados

por Deus e podem desfrutar das bem-aventuranças dessa vida e da eternidade pelo poder

72 Catecismo de Heidelberg – Deus Pai e nossa criação, Pergunta 28.

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providencial de Deus. A graça especial é destinada aos eleitos pelo qual eles recebem do Pai

todas as bênçãos inerentes à salvação. Desde a regeneração, do novo nascimento, até a

glorificação, quando Cristo virá buscar á sua Igreja e todos cristãos verão o Cristo ressurreto

glorificado e serão feitos como ele. A graça especial providencial de Deus os sustentará, e

pela obra do Espírito Santo que atua eficazmente na vida dos eleitos, eles serão capacitados a

seguir a jornada da santificação, tudo isso fruto da graça especial e providencial de

Deus.73Paul Helm em sua obra – A providência de Deus relatou: “Nós vimos que é impossível

separar os eventos da providência daqueles eventos da redenção de Deus, pois a redenção

ocorre na história de acordo com o plano de Deus” (HELM, 2007, P.104).

Essa certeza do cristão de que a graça providencial especial existe na vida deles, caminham

esperançosos em meio ás adversidades inerentes da vida. Como aborda abaixo os efeitos

dessa graça providencial no coração do crente.

4.1.1 PACIENTES EM MEIO Á ADVERSIDADE

Umas das maneiras do cristão ser pacientes em meio á adversidade é repousar na soberania do

Criador. Entendendo que Deus sempre estar fazendo a sua vontade ser cumprida. Os

problemas enfrentados pelos cristãos levantam uma série de implicações na vida cotidiana

deles, estremecendo a sua fé e tornando-os impacientes pelo momento de tribulação que estão

atravessando.

A grande dificuldade do cristão em relação ao momento de crise que porventura atravessam é

a maneira de ter uma visão limitada do futuro. Algumas pessoas, pelo fato de que o futuro é

obscuro devido a sua visão limitada e finita tenta de todas as formas destruir os “muros” do

futuro a fim de satisfazer a sua vontade e poder encontrar a paz desejável para descansar

pacientemente no Senhor. Paul Helm falou sobre isto: “elas esperam conhecer o futuro para

aliviar suas ansiedades do presente. Apesar disso, tendo os olhos postos no futuro, sua

ansiedade aumenta a cada dia” (HELM, 2007, P.115). A Escritura orienta a não ficar ansioso

quanto ao futuro, Jesus afirmou: “Não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã

trará os seus cuidados; basta a cada dia o seu próprio mal”.

A providência divina orienta ao cristão que o controle soberano do Senhor é o repouso do

cristão, e por isso ele poder esperar pacientemente as cenas do próximo capítulo de sua vida.

73A Obra do Espírito Santo é tão eficaz na vida do crente que os efeitos dela são vistos e experimentados peloscristãos. F.E. HAMILTON; R.L. HARRIS. Enciclopédia da Bíblia. Vários autores; tradução da Equipe deColaboradores da Cultura Cristã. São Paulo; Editora Cultura Cristã, 2008. P.1120.

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O que é falado está intrinsicamente ligado à vontade divina, o seu querer realizar e efetuar

segundo a sua boa vontade. Na teologia reformada os teólogos fazem algumas distinções, a

mais falada entre eles fica entre a vontade secreta de Deus (a vontade que determina o que

acontece) e a vontade revelada (vontade ordenada por Deus prescrita na sua Palavra).

Pacientes em meio á adversidade não é de maneira nenhuma algo fácil de viver e

experimentar, mas aqueles que estão debaixo da graça entendem de que há uma providência

sustentadora que o apoiam e os fazem descansar seguros em Deus com toda paciência de que

no momento exato o Senhor entra com sua providência maravilhosa. Sobre isto falou, o

renomado teólogo brasileiro Franklin, “a doutrina da providência nos leva a suportar com

paciência a adversidade, justamente porque sabemos que tudo, independente do que venha a

acontecer, é o resultado da vontade de Deus, determinada desde a eternidade” (FERREIRA;

MYATT, 2007, p.346).

Encontra-se na Bíblia diversos personagens expressando sua paciência em Deus em meio à

adversidade, assim pode-se perceber que paciência é uma virtude também do cristão, essa

característica do crente é exercida principalmente na adversidade da vida. O maior vilão e

inimigo do cristão nessas horas é o tempo, à espera. O cristão é desafiado a uma atitude de

paciência, na verdade nada é no tempo determinado por nós, mas sempre no tempo

determinado Dele. Os caminhos são estreitos, cheios de obstáculos onde o tempo de espera

pelo agir de Deus torna-se longas, intermináveis, o que na concepção humana carregada de

imediatismo e ansiedade exacerbada torna-se difícil o exercício da fé que produz a paciência.

Quanto a isto, “Aprenda a esperar até que as providências cheguem. Somos muitos apressados

para ver as obras de Deus realizadas e nem sempre nos damos conta de que o tempo de Deus

não é o nosso, nem os caminhos dele os nossos caminhos” (CAMPOS, 2001, p.658).

Outro aspecto da paciência verifica-se na ampliação da nossa fé em Deus através de Jesus

Cristo, isso significa esperar a resposta de Deus acerca dos dilemas existenciais que acontece

durante o período da peregrinação cristã, muitas vezes o crente é impulsionado a colocar a sua

vida no centro da vontade de Deus. A impaciência reflete incredulidade e uma profunda

contrariedade em atender o querer de Deus. Sobre isto, D. Martyn Lloyd Jones, expressou:

Seja diferente dos incrédulos; lembre-se do fato que Deus sabe tudo a seu respeito,pois é o seu Pai celeste, e também porque Ele está sempre olhando para você. Porconseguinte, busque o Senhor, procurando ser mais parecido com Ele, procurandoviver toda a sua vida mais próximo dEle (LLOYD JONES, 2014, p. 427).

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O cristão descansa tranquilo e com paciência atravessa sua adversidade na certeza de que a

providência de Deus é o Porto Seguro na qual eles têm sua segurança apurada pelo próprio

Criador na ação do Espírito Santo. Onde o Espirito Santo derrama da paciência na vida do

crente num ato providente de Deus, paciência essa que é fruto do Espírito.

4.1.2 AGRADECIDOS EM MEIO Á ADVERSIDADE

Paulo disse: “Em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições pela

oração e pela súplica, com ações de graças”. Paulo ensina- nos a orar com gratidão

independente da situação. Uma das características do cristão é o reconhecimento e o

entendimento de que tudo que Deus faz é bom. Reconhecer a mão do Senhor em todas as

coisas sejam elas boas ou más produz no crente um coração grato em meio ás adversidades. Jó

reconheceu isso quando em meio as suas perdas e adversidades, exclamou: “O Senhor o deu,

o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!” 74Outro personagem bíblico o profeta

Habacuque mesmo perplexo diante das calamidades e da injustiça operante ele resolveu

exaltar o Deus da sua salvação, ele entendeu a ação providencial de Deus mesmo em meio ás

adversidades da vida, então ele resolveu levantar uma oração de louvor ao Senhor, e disse:

“Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os

campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não

haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação.”75

A doutrina da providência deve gerar no cristão uma enorme gratidão, em todas as

circunstâncias da vida. Pois, o Deus imenso em seu amor dá sinais da sua graça pelo seu povo

escolhido. O coração do crente deve expressar como o salmista: “Bendize, ó minha alma, ao

Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome”.76Alguns pensam que os males

da vida, os acontecimentos ruins, as aflições, adversidades é uma forma de Deus privar o seu

amor aos escolhidos, pelo contrário, em todo tempo Ele derrama do seu amor e jamais priva

da sua graça. Não há ausência da providência, Deus nunca falta ou é imperfeito em suas

obras. Sobre isto, Heber falou,

Na verdade, a chamada “ausência da providência” é uma maneira negativa de Deustrabalhar, o que também é parte de sua obra de providência. Quando Deus deixa defazer o que queremos e esperamos que ele faça, é para cumprir em nós alguns de

74Jó 1.21.

75Hc 3.17,18.

76Sl 103.2.

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seus santos propósitos [...] Afinal de contas, Deus é o administrador da providência,não nós (CAMPOS, 2001, p. 655).

Louvor, gratidão faz parte de um coração que entende a providência de Deus, e essa certeza

nos convoca a expressar o que Paulo falou aos irmãos de tessalônica: “em tudo, dai graças,

porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco”.77 Entender a vontade de

Deus é declarar as obras grandiosas com ações de graças, sim, também lembrar quem Ele é e

o que fez, e glorificá-lo por isso. Olhar para Deus com atitude de gratidão fortalece nossa fé.

Consequentemente, a paciência produz uma confiança, ou seja, as duas virtudes tem uma

estreita ligação, na qual são benefícios da providência. A última, confiança, o pesquisador

descreve abaixo com mais propriedade.

4.1.3 CONFIANÇA INABALÁVEL EM NOSSO PAI

A confiança em meio à adversidade não nos dá o direito de cruzar os braços num ato de

impotência na qual esperamos que Deus faça tudo e nós nada. A confiança deve ser exercida

com coragem, e em cada ato o ser humano exerça sua responsabilidade diante de Deus.

Confiar em Deus primeiramente é dizer que nós não podemos sozinhos, e que toda ação

humana autônoma é pecado diante de um Criador na qual toda a criatura deve obediência das

suas atitudes. A capacidade resolutiva de maneira nenhuma pode vir do homem em si mesmo,

mas Deus sempre intervém na história de maneira a conservá-la debaixo da sua divina

providência. A confiança é exercida através da fé.

Embora haja muito pecado e sofrimento no mundo, o que causa tristeza no crente, ainda assim

ele não diz "Se eu fosse Deus, não o permitiria". O cristão acredita que os caminhos de Deus

são inescrutáveis e incompreensíveis. Deus tem ocultado muitas coisas de nós com o

propósito de provar a nossa fé, para fortalecer a nossa confiança em Sua sabedoria e para

ajudar-nos e aceitar a sua vontade. O cristão confia em Deus e tenta interpretar todas as coisas

desde o ponto de vista de Deus. O crente confia em Deus e aceita o que acontece, porque sabe

que provém Dele. E porque confia em Deus, seu coração pode ficar tranqüilo em meio da

tempestade. Confiando em Deus, regozija-se porque sabe que no fim de tudo verá a glória de

Deus. O cristão falha na confiança em Deus pelo fato de cedermos as dúvidas de que o agir do

Senhor naquele momento cessou, isso gera em nós a falta de fé, e, consequentemente

incredulidade. A visão do cristão fica deturpada, obscura e sem perspectiva, mas a causa é

simplesmente a ausência da fé. Assim a raiz dessa incredulidade na obra providencial,

771Ts 5.18.

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“[...]vem pelo desconhecimento do modo como Deus trabalha no mundo. Muitosconfundem a providência somente com as coisas boas e agradáveis, mas aprovidência divina é muito mais abrangente do que costumamos pensar. Até asobras más dos homens fazem parte dos planos providenciais de Deus” (CAMPOS,2001, p.657).

A vida do cristão muitas vezes é levada a acontecimentos inesperados, males, derrotas,

enfermidades e tantas coisas que ocorre que perguntamos, o porquê? Se estamos debaixo da

providência de Deus e amparados por Ele? Paul Helm tenta explicar sobre esse assunto da

seguinte forma:

A providência é invocada não somente quando não são encontradas explicações paraaquilo que acontece, mas também quando essas explicações estão disponíveis, masnão são por si mesmas suficientes. A explicação do motivo pelo qual uma pessoaperdeu um compromisso pode ser perfeitamente simples: por causa do trânsito. Emum nível, essa resposta é totalmente suficiente e satisfatória. Contudo, ao afirmarque perder o compromisso foi providencial, o cristão está apelando ao seu maiselevado esquema explicativo, que não invalida a explicação natural, mas a incorpora(HELM, 2007, P.114).

O poder de Deus não vem de longe, mas está próximo, perto daqueles que creem e daqueles

que também não creem Nele. Deus é uma força Onipresente, atuando providencialmente em

tudo segundo o seu querer e realizar. Deus está presente com todas as circunstâncias e com

todo o seu Ser em todo o mundo e em todas as Suas criaturas. Nele nós vivemos, e nos

movemos, e existimos (At 17.28). Ele é um Deus Emanuel – o Deus conosco, não um Deus

despreocupado com a nossa existência. Ninguém pode se esconder em lugares tão longínquos

e secretos que Deus não possa encontrá-lo. Quem poderia fugir de seu Espírito, ou sair de sua

presença? Ele está no céu e no reino dos mortos, nas partes mais profundas do mar e nas mais

densas trevas (Sl 139.7). Da mesma forma que tudo procede Dele, tudo procede através Dele,

e por meio Dele (Rm 11.36). O Filho, através de quem Deus fez o mundo, continua a

sustentar todas as coisas pela Palavra de Seu poder (Hb 1.2,3). Ele é antes de todas as coisas,

e nele tudo subsiste (Cl 1.17), e todas as coisas são criadas e renovadas pelo Seu Espírito (Sl

104.30).

François Turretini, em sua obra teológica expressou sobre a consolação que a doutrina da

providência traz aos santos, o quanto são beneficiados por ela da seguinte maneira,

Finalmente, da confiança na providência provém a mais profunda consolação eincrível tranquilidade mental para os santos. Ela os leva a repousar serenamente noseio de Deus e a encomendar-se inteiramente ao seu paternal cuidado, esperandosempre dele o bem no futuro, não duvidando de que ele sempre cumprirá o ofício deum Pai para com eles, conferindo o bem e afastando os males (TURRETINI, 2011,P. 676).

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O cristão é desafiado a não ter medo, mas chamado a confiar. Jesus enfatiza o fato de que o

nosso Pai Criador age com providência no seu cuidado diário por nós, ele cuida e mostra-nos

de maneira simples que ele sempre cuidará. Por isso, ele nos chama a olhar que ele cuida das

pequenas coisas quanto mais das coisas maiores, a coroa da sua criação que somos nós. Ele

diz no evangelho de Mateus 6. 26,31,34,

Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do queas aves?[...] Portanto, não vos inquieteis, dizendo: que comeremos? Que beberemos?Ou: Com que nos vestiremos?[...] Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã,pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal (BÍBLIA ARA,2009, p.1239-1240).

No tópico a seguir o pesquisador aborda o maior benefício do crente, a certeza da salvação.

Embora a eleição ocorra na eternidade (causa), os efeitos dela ocorrem na história

(providência). O pesquisador trata isto com maiores detalhes abaixo.

4.1.4 CERTEZA DA SALVAÇÃO EM CRISTO

Umas das afirmações bíblicas mais contundentes e explicítas do cuidado providencial pela sua

Igreja encontra-se no texto de Romanos 8.28-30 que afirma:

“Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que antemãoconheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, afim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, aesses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos quejustificou, a esses também glorificou.”78

Toda providência divina tem um fim proveitoso, tende ao bem espiritual dos que amam a

Deus, e por certo aqueles que o amam já desfrutam da salvação. Então, Deus age livrando-os

do domínio do pecado, reaproximando-os Dele, restaurando-os da corrupção moral, tirando-os

do mundo perverso e manchado pela corrupção humana e equipando-os para o céu, esse é o

fim mais glorioso que todo ser humano pode experimentar pela providência divina. Isso

ocorre na vida daqueles que foram chamados eficazmente por Deus pela sua graça especial.

Deste modo, a vida dos eleitos reflete sempre a providente mão do seu Criador amoroso. O

texto de romanos 8.28-30, ao dizer, “Sabemos que todas as coisas”, Paulo faz uma afirmação

categórica à luz do que foi dito nos versículos anteriores, ou seja, o sofrimento desta vida, de

forma nenhuma põe barreiras na salvação do cristão. Na verdade, Deus usa a

instrumentalidade das coisas presentes para consolidar sua salvação. Calvino afirmou, “Os

sofrimentos desta vida longe estão de obstruir nossa salvação; antes, ao contrário, são seus

78Rm 8.28-30.

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assistentes” (CALVINO, 1997, p. 293). Segundo Calvino, os sofrimentos da vida cooperam

na aplicação e desenvolvimento da salvação sendo um elemento sinergético na consumação

da obra redentora do Criador.

A certeza da salvação é um desafio para o cristão, assim a Bíblia nos desafia a fazer da nossa

salvação uma certeza absoluta. Lógico sem uma atitude arrogante, mas confiante na obra do

Espírito Santo em sua vida. R. C. Sproul, falou que a falta da certeza da salvação traz

prejuízos ao cristão, assim ele descreveu,

Os cristãos que permanecem sem ter certeza da própria salvação estão sujeitos atoda sorte de dúvidas que paralisam seu caminhar com Cristo. Tropeçam nasdúvidas e ficam vulneráveis aos ataques de Satanás. Por isso, temos de buscar terplena certeza da nossa salvação (SPROUL, 1999, p. 88).

Quando Paulo começa afirmar no verso 28, “sabemos”, ele está dizendo não que podemos

saber de tudo, mas de uma coisa podemos ter certeza nessa afirmação, que Deus está agindo

incansavelmente em amor para com os seus. Para Paulo o que podemos ter certeza absoluta

nessa vida é o amor inabalável de Deus por nós, manifestado na Pessoa de Jesus Cristo.

Percebe-se que o texto de Romanos fala explicitamente que Deus tem um propósito e ele age

de acordo com o seu plano salvífico. E essa Salvação acontece na história e pode ser

experimentada pelos eleitos, na pessoa de Jesus Cristo. Franklin em sua obra de Teologia

sistemática, afirma o seguinte,

Em primeiro lugar, por causa da ação providencial de Deus, a existência passa a sercristocêntrica. Jesus Cristo é o centro da história. Nele, Deus estabelece umrelacionamento com suas criaturas e promete que cumprirá seu propósito de renovara criação, reunir seus eleitos e conduzir a história a seu triunfo final. Jesus Cristo, omediador, que é o Verbo encarnado, estabelece este relacionamento, e nele Deuscontinua sendo Deus dos homens e de todas as criaturas. Deus ordenou o curso detodos os eventos em direção à encarnação, morte, ressurreição e vinda de JesusCristo, e, por isto, nosso interesse nesta doutrina deve ir além de um sentido abstratoou especulativo (FERREIRA/MYATT, p.327).

Assim, a certeza da salvação está na centralidade da obra de Cristo. O governo providencial

de Deus abarca à sua graciosa obra da redenção, ou seja, ele está agindo de acordo com o que

foi decretado por ele mesmo desde a fundação do mundo, e assim realizando através da sua

magnífica providência em todas as coisas, inclusive na obra de salvação dos seus eleitos. Isso

todos podem ter certeza, ou seja, o cristão encontra refúgio nessa incontestável verdade

bíblica. John Stott comentou, o texto de Rm 8.28, assim ele enumerou cinco verdades acerca

da providência de Deus que nós sabemos que Deus revelou claramente a nós,

A primeira coisa que nós sabemos é que Deus age em nossas vidas. Segundo, Deusage para o bem do seu povo. Terceiro, Deus age para o nosso bem em todas as

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coisas. Quarto Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam.Quinto aqueles que amam a Deus são descritos também como aqueles que foramchamados de acordo com o seu propósito (STOTT, 2000, pp. 298-299).

Quando Paulo fala que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus,

esse “bem” não é na perspectiva humana, e sim, segundo princípio sábio do Criador que

governa e dirige os acontecimentos da vida dos salvos. Esse bem tem uma finalidade principal

que é o propósito da salvação que foi decreto na eternidade, mas ocorre no percurso da

história. John Stott sinaliza que essa ideia surgiu na mente de Deus e estabelece na vida

presente até a consumação do seu plano de glorificação final79. Com isso, os sofrimentos

presentes não deve causar pavor no crente, pois os eleitos estão sustentados pela esperança da

glória. Quanto a isto, Stott declarou,

[...] nossa esperança cristã está solidamente firmada no inabalável amor de Deus.Assim, o peso do clímax de Paulo encontra-se na segurança eterna do povo de Deus,que se alicerça na eterna imutabilidade do propósito de Deus, a qual, por sua vez,deve-se á eterna firmeza do amor de Deus (STOTT, 2000, p. 297).

Esse “bem” segundo Paulo é para aqueles que são chamados segundo o seu propósito.

Embora o propósito de Deus seja trabalhar para o bem, logicamente, Paulo não está dizendo

que todas as coisas em si são boas, mas na verdade Paulo traz a ideia que todas as coisas estão

trabalhando juntas para o bem, ou seja, com propósito sublime e irrevogável do Criador. Isto

é, o mais perfeito e bom propósito. R. C. Sproul comentou o pensamento de Paulo sobre a

limitação do “bom”, “bom pra quem?”, assim ele argumentou,

Observe a limitação que Paulo faz aqui: Deus trabalhando para todas as coisasocorrerem para o bem não é para benefício de todos. Antes, todas as coisasfuncionando – para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamadossegundo o seu propósito [...] Obviamente isso não inclui todos, porque a maioria dahumanidade vive e morre em inimizade contra Deus. No entanto, se somos cristãos eo amor de Deus foi derramado em nosso coração, não temos nada a temer(SPROUL, 2011, pp. 258-259).

O bom recai a quem Deus chamou, ou seja, o seu chamado eficaz mediante a sua

determinação poderosa de produzir e conceder a sua graça a quem Ele quer. E isto ocorre

porque de maneira nenhuma os propósitos de Deus podem ser frustrados. Desta forma, a

verdade que além da providência externa no chamado ordenando seus indivíduos, há uma

providência espiritual interna, exercida pelo Espírito Santo com eficácia e salvação nos

corações dos homens, pelo seu soberano beneplácito. A. A. Hodge comentou sobre isto,

“como ‘eficaz’ e ‘graça salvífica’, essa influência espiritual se estende só aos eleitos, e é

79John Stott analisou que: “o bem segundo os parâmetros de Deus, bem como seu propósito de salvação, atravésde cinco estágios, desde que a ideia surgiu em sua mente até a consumação do seu plano na glória vindoura.”STOTT, John. A Mensagem de Romanos. Editora ABU, São Paulo, 2000. p. 300.

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exercida sobre eles em termos e em graus tais como Deus determinou desde o princípio”

(HODGE, p. 144).

Em Romanos 8.29, apresenta as palavras na qual denominamos de corrente dourada80 na

teologia reformada, Paulo faz uso delas: conhecer, predestinar, chamar, justificar e glorificar.

O primeiro elo da corrente dourada é da presciência, “[...] os que de antemão conheceu...”

vem do verbo προγινώσκω81 (proginóskó) e o substantivo πρόγνωσις (prognósis), foi

impregnado com certa conotação determinista, fatalista, mecanicista, porém, uns apontam a

soberania e outros a presciência divina como fator determinante da salvação.82 R. C. Sproul

traduziu esse verso da seguinte maneira: “Aqueles a quem ele amou de antemão [aqueles a

quem ele conheceu num sentido pessoal, íntimo, redentor desde a eternidade], predestinou”

(SPROUL, 2011, p.266).

O segundo elo da corrente dourada é da predestinação, “[...] também os predestinou para

serem conformes à imagem de seu Filho [...]” vem Προώρισεν (prõõrizõ), esta palavra traz a

ideia de uma escolha soberana, ou seja, uma determinação definitiva soberanamente

decretada. Efésios 1:4-5: "Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para

que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de

adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade".

Assim, significa que Deus estabeleceu um destino com caráter de salvação para certas

pessoas, sendo essa baseada na escolha de Deus, e não na escolha do homem. Essa

predestinação como segue o texto, tem um propósito bem definido “para serem conformes á

imagem de seu Filho”, isto é, essa escolha divina leva o eleito a um relacionamento íntimo

com o Filho de Deus. Então, a predestinação soberana nos leva a uma recriação da imagem de

Deus, que o crente progressivamente nesta vida com a ajuda do Espírito Santo trilha o

caminho da santificação.

80 VER, STOTT, John. A Mensagem de Romanos. Editora ABU, São Paulo, 2000.

81Προγινώσκω - saber de antemão, prever, designar como o sujeito de privilégios futuros; Πρόγνωσις –presciência, pré-conhecimento; determinação prévia, propósito. Moulton, Harold K. Léxico grego analítico[tradução Everton Aleva de Oliveira e Davi Miguel Manço]. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. P. 354.

82http://www.estudobiblico.org/pt/detalhe/ver/conhecimento-presci-ncia-pre-conhecimento-proginosko-280,acesso em 15/08/2017.

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O terceiro elo da corrente dourada é chamar, ἐκάλεσεν (ekalesen), deriva do verbo Kaleo83

que no léxico grego traz a ideia de chamar para a participação nos privilégios do evangelho.

Diante do chamado eficaz de Deus o crente já desfruta do evangelho de Jesus Cristo. Paulo

também está falando a quem Deus chama, ele predestina e por consequência justifica. O

propósito do chamamento, em 2 Timóteo 1:9: "Que nos salvou, e chamou com uma santa

vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos

foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos". É uma chamado que alcança o efeito

desejado.

O quarto elo da corrente dourada é da justificação, ἐδικαίωσεν (edikaiõsen), traz a ideia de

tratar como inocente, aceitar como justo, justificar. Então, quando Paulo fala que “os que

chamou, também os justifico[...]”, na verdade é uma declaração que Deus tornou-se inocente

o culpado, o aceitou com justo diante Dele aquele que era injusto. Justificação é o dom divino

de um status de justiça perante Deus. Este privilégio da justificação nos oferece o desfrutar de

coisas imensuráveis conforme Romanos 5:1-5: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz

com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos

igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança

da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações,

sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência,

esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso

coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado”.84 Isso nos leva ao último elo da corrente

dourada, a glorificação.

O quinto elo da corrente dourada é da glorificação, ἐδόξασεν (edoxasen), traz a ideia de Deus

trazendo os cristãos a uma dignidade e condição celestiais. Onde o crente experimenta essa

glória no presente, isto é, já foi glorificado, e também repousa na esperança futura dessa

glorificação final e plena. O fim e o propósito da providência fundamenta-se simplesmente

do que a sua própria glória. Deus zela pelo seu querer e o esplendor da sua glória.

Nota-se que todas as palavras do elo da corrente dourada estão no passado, o que significa que

nós não podemos ter controle do presente, mas embora não se pode controlar o hoje, por certo

o crente já desfruta deste tempo presente à certeza da salvação e numa perspectiva futura

83 Ver, Moulton, Harold K. Léxico grego analítico [tradução Everton Aleva de Oliveira e Davi Miguel Manço]. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. P. 222.

84 Ver, Bíblia ARA.

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desfrutará plenamente com Cristo na glória celestial à salvação. Tudo isto por conta desse

amor de Deus imensurável e inexplicável. O que mostra a nós que a salvação vai além de

conceitos teológicos profundos e complexos. Porém, a raiz da salvação encontra-se no amor

incondicional de Deus,

A doutrina da providência nos leva a confiar que criatura alguma pode nos separardo amor de Deus. Além de ser soberano, Deus também é amor. E as coisas que elefaz são motivadas pelo amor que ele tem por seu povo. O amor de Deus é tão grandeque ele enviou seu Eterno Filho, que se encarnou, sofreu e morreu na cruz para nossalvar. Deus não ficou no céu, impassível, olhando nossa dor. Na Pessoa do Filho,ele sofreu conosco, experimentando nossa dor (FERREIRA; MYATT, 2007, p.347).

A certeza da salvação traz um prenuncio de triunfo dos crentes, da Igreja de Cristo. Isso enche

o coração de esperança de que o triunfo da Igreja em breve ocorrerá. Paulo retrata muito bem

a certeza da salvação em Romanos 8, que sendo um ato soberano de Deus de maneira

nenhuma pode falhar. Com isso, este princípio é irrevogável, inquestionável e irrefutável. A

certeza da salvação traz conforto, pois “já nenhuma condenação há para os estão em Cristo

Jesus”; traz segurança, pois “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”; traz esperança, pois

“Quem nos separará do amor de Cristo?”. Essa esperança é por aquilo que Deus fez no

passado (decreto da eleição), no presente (pela obra de regeneração na vida dos eleitos) e no

futuro (da vida eterna onde os eleitos desfrutarão). Percebe-se que a Escritura usa o termo

salvação em muitos sentidos e tempos verbais, sobre isto R.C. Sproul escreveu,

O verbo salvar aparece em praticamente todos os tempos verbais possíveis na língua

grega. Existe um sentido no qual nós fomos salvos (desde a fundação do mundo);

estávamos sendo salvos (pela obra de Deus na História); somos salvos (por estarmos

num estado justificado); estamos sendo salvos (sendo santificados ou sendo feito

santos); e seremos salvos (experiência da consumação da nossa redenção no céu). A

Bíblia fala da salvação em termos passado, presente e futuro (SPROUL, 1999, p.54).

Entendida dessa forma a doutrina da providência é farta em encorajamento e conforto para

alma dos crentes. Há muitas situações na vida que são desesperadoras, complicadas, cheias de

mistérios e que nos roubam a força para pensar e agir. O crente sempre está diante da

realidade das adversidades e dos desapontamentos, que nós encontramos pelas estradas da

vida, pelos caminhos da vida. Há aquelas terríveis calamidades e desastres que fazem com

que vidas se percam em um sofrimento cruel e obscuro aos nossos olhos. Pois algumas coisas

que acontecem tão trágicas não parecem que teve a permissão de Deus, por ser tão chocante e

cruel. Mas a vida se apresenta de forma tão misteriosa que também pode levantar dúvidas em

nossa mente sobre a providência de Deus. A semente da inquietação e o terror por vezes

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comanda toda a existência. Os alarmantes acontecimentos descem ao nosso coração como

uma flecha rasgando e ferindo-o que os nossos lábios pronunciam contra Deus duvidando da

sua providência: Para que Deus criou o homem? Para destruição? Para o sofrimento? Há

momentos sim de dúvidas, de incertezas, mas o cristão precisa crê na soberania da criação e

da providência. Calvino salientou, “o extremo de todas as misérias é o desconhecimento da

providência, e que a suprema bem-aventurança está posta em seu relacionamento”

(CALVINO, v. 1.17.11).

O Deus do universo, o Todo Poderoso, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, criou o mundo e

governa para a sua própria glória. Ele é o Rei dos reis e Senhor dos senhores (1 Tm 6.15; Ap

19.6) e Seu reino dura por toda a eternidade (1Tm 1.17). Não é uma fatalidade, nem uma

necessidade, nem uma arbitrariedade, nem uma força oculta, nem um mero acaso, nem um

destino que controla o mundo e sua história e a vida e toda a humanidade. Atrás das causas

secundárias permanece e age à vontade Todo poderoso do Deus.

É difícil o homem natural, o incrédulo, o ateu crer realmente nisso com seu coração e

confessar com os lábios que tudo está sob o governo de Deus, isso só ocorre à pessoa sendo

um filho de Deus. A fé na providência tem um relacionamento muito próximo e muito

profundo com a fé na redenção.

De fato a providência de Deus pertence àquelas verdades que em certa medida podem ser

discernidas pela revelação geral na natureza e na história. Alguns pagãos têm expressado e

descrito a providência de uma forma muito bonita. Um deles disse que os deuses veem e

ouvem tudo, que eles são onipresentes e que cuidam de todas as coisas. Outros dizem que a

ordem e o arranjo do universo são mantidos por Deus e em consideração a si mesmo. Mas

nenhum deles sabia a confissão do cristão de que esse Deus que mantém e governa todas as

coisas é o seu Deus e seu Pai por causa da obra de Cristo. A fé na providência de Deus foi

consequentemente abalada pela dúvida no mundo pagão e provou ser inadequada em virtude

das vicissitudes da vida. Mas o cristão que experimentou o amor de Deus no perdão de

pecados e na redenção de sua alma está seguro e afirma com o apóstolo Paulo que nem

tribulação, nem angústia, nem perseguição, nem fome, nem nudez, nem perigo, nem espada

pode separá-lo do amor de Cristo (Rm 8.35).

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Encerra-se esse capítulo demonstrando a certeza da graça e da salvação conforme a Confissão

de Fé de Westminster85, no capítulo XVIII, seções I, II, III, IV. Registra-se:

I. Ainda que os hipócritas e os outros não regenerados possam iludir-se vãmente com falsas

esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de Salvação,

esperança essa que perecerá, contudo, os que verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o

amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem,

nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça e pode regozijar-se na esperança da

glória de Deus, nessa esperança que nunca os envergonhará.

II. Esta certeza não é uma mera persuasão conjectural e provável, fundada numa falsa

esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas de

salvação, na evidência interna daquelas graças a que são feitas essas promessas, no

testemunho do Espírito de adoção que testifica com os nossos espíritos sermos nós filhos de

Deus, no testemunho desse Espírito que é o penhor de nossa herança e por quem somos

selados para o dia da redenção.

III. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro

crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades;

contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por

Deus, ele pode alcançá-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários.

É, pois, dever de todo o fiel fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e eleição,

a fim de que por esse modo seja o seu coração no Espírito Santo confirmado em paz e gozo,

em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos deveres da obediência que são

os frutos próprios desta segurança. Este privilégio está, pois, muito longe de predispor os

homens à negligência.

IV. Por diversos modos podem os crentes ter a sua segurança de salvação abalada, diminuída

e interrompida negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira

a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando

Deus a luz do seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que

temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida

da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do

dever; dessas bênçãos a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela

operação do Espírito, e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no

desespero absoluto.

85Ver, Confissão de Fé de Westminster, Editora Cultura Cristã, 2001, p. 139-146.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A providência não é algo imaginário ou irreal, mas sim uma realidade bíblica que existe, e

que também pôde ser percebida ao longo da história desde a fundação do mundo – pós-

criação, e ainda pode ser experimentada pela Igreja nos tempos atuais. Isto foi comprovado

nessa pesquisa. Sendo assim, foi abordada a palavra providência em termos gerais trazendo

para o leitor diferentes definições sobre a sua origem desde muito tempo mencionada pelos

gregos mesmo antes de Cristo, por diversos povos pagãos, e por religiões orientais com

diferentes interpretações, e principalmente sua origem nas Escrituras.

Foi constatado que a palavra providência é usual e não sofreu grandes mudanças em sua

etimologia, trazendo consigo a significado “ver antes”, “ver de antemão”, “prever”, “prover

algo”, sempre referindo uma provisão. Na abordagem sobre sua etimologia e definição da

palavra providência verificou-se a profundidade da raiz da palavra o que facilita na

interpretação na utilização dentro das Escrituras, dando ao intérprete um manuseio dentro do

conteúdo bíblico.

Assim, o primeiro capítulo fundamentou-se também numa abordagem bíblica profunda acerca

da providência. Durante o panorama na Bíblia está foi verificado repletas ações de Deus na

história caracterizando sua providência em todo tempo, de Gênesis a Apocalipse percebe-se o

Criador provendo, dirigindo, manifestando o seu querer pela sua Onipotência sobre todas as

coisas. Ao debruçarmos sobre essa pesquisa ficou evidente que a doutrina da providência tem

uma magnitude e clareza dentro da Palavra de Deus, embora a palavra providência não

apareça na Escritura de forma literal, ninguém pode negar que não existe providência em seu

conteúdo tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. O que ficou evidenciado

que providência é uma doutrina bíblica. Embora demonstrado nessa pesquisa que diversas

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objeções contra essa doutrina surgiu na história para combater essa verdade bíblica, ela

resistiu bravamente por ser Palavra de Deus.

Após a apresentação do primeiro capítulo que tratou da etimologia da palavra, definição geral

como também a definição escriturística demonstrada pelos fatos bíblicos. Onde esse mesmo

capítulo procurou escrutinar o termo da palavra com intuito de demonstrar sua origem, os

conceitos gerais, e, principalmente, seu valor dentro da Escritura.

Já o segundo capítulo procurou evidenciar a doutrina na perspectiva teológico-reformado

ouvindo os principais teólogos que exploraram essa doutrina no meio reformado. Assim, o

segundo capítulo fundamentou a veracidade dessa doutrina nos termos teológicos-

sistemáticos, buscando amplamente a definição que foi discutida e abordada pelos reformados

calvinistas. Comprovou-se que os reformados subscreveram a doutrina agostiniana onde dar-

se sua origem em Agostinho, assim ele tratou-a de forma sistemática dentro de um contexto

de ataque pelos pagãos da soberania de Deus. Desta forma, Agostinho partiu do princípio da

existência real da soberania de Deus para explicar a providência divina sobre todas as coisas.

Para ele a providência de Deus se estende em todos os acontecimentos sejam eles grandes e

pequenos, e que nada pode ocorrer contra a sua vontade. Segundo Agostinho, Deus controla

todos os acontecimentos, e faz todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade.

Essa verdade foi seguida pelos reformadores na prescrição teológica da doutrina da

providência.

Sobre a mesma ótica agostiniana, Calvino desenvolveu a doutrina mais biblicamente, isto é,

extraindo a sua essência da Escritura. Sua exposição se deu na exegese bíblica, tudo isso

demonstrado na obra magna das Institutas. Calvino enfatizou o poder soberano de Deus no

controle das coisas criadas. Segundo ele, Deus pelo seu atributo Onipotente nada pode escapar

do seu propósito de governo determinado por ele mesmo para a sua própria glória.

Diferente de Calvino, Turretini abordou o tema fundamentando-a em três termos aceitáveis

dentro da exposição da doutrina: pré-conhecimento, preordenação e administração das coisas

decretadas. Já outro teólogo, bastante considerado entre os reformados calvinistas, chamado

Berkhof, restringiu o termo na atividade contínua de Deus sobre as coisas criadas. Para

Berkhof, Deus intervém incansavelmente sobre a criação governando e preservando os

objetos criados. De forma geral, essa pesquisa abordou o pensamento reformado calvinista e

todos subentenderam a providência de Deus na qual se fundamenta na vontade ativa de Deus

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na preservação, governo e concorrência. Fica claro, que os reformados concordam

significativamente e reconhecem a providência de Deus como uma doutrina bíblica sólida.

Durante essa pesquisa também foram abordados os objetos durante da providência, tais como:

preservação, governo e concorrência foram amplamente discutidos entre os reformados. Essas

correntes que dissemina os aspectos da providência trouxe uma grande contribuição para esta

pesquisa, pois podemos assim ampliar o assunto da providência em sua categoria dentro da

Escritura e Teologia. Na preservação, Deus se envolve com a criação mantendo-as sob o seu

cuidado contínuo. No governo, Deus como Rei dos reis rege todas as coisas para a sua própria

glória e o seu governo abrange o aspecto geral, natural e moral. No concurso ou concorrência,

Deus opera o seu agir sobre as suas criaturas, fazendo-as agir como elas agem. Ou seja, Deus

sendo a causa primária energiza a criatura, sendo assim dinamizando–as para um fim

determinado por ele mesmo.

Ainda o segundo capítulo apresentou o ponto de vista reformado em algumas confissões de fé

cristãs, como: catecismo de Heidelberg, confissão Belga, confissão de fé Westminster. As

confissões retratam a beleza da doutrina, mas teve como objetivo a fundamentação prática na

vida da Igreja a ser analisada, crida e vivida pelos crentes. Essa implicação prática foi tratada

nessa pesquisa com clareza a fim de promover na vida do crente um degustar dessa doutrina

bíblica.

Os capítulos 1 e 2 trataram sobre etimologia, definição, aspecto teológico, sistemático,

confessional e escriturístico, o que ampliou a visão sobre a doutrina. Mas, é claro que também

cheguei à conclusão que toda doutrina deve apresentar uma resposta prática para o cristão.

Então, o capítulo 3 procurou ir além de uma apresentação bíblica e teológica para que

pudéssemos extrair o néctar dessa doutrina no viver diário de cada crente e para a Igreja hoje.

Falar sobre providência nas igrejas nos dias atuais parece mais uma exposição doutrinária do

que algo que pode ser experimentado e vivido realmente na prática. Quando pensamos em

providência na igreja é lógico que relacionamos em que Deus prover aquilo que pensamos

serem nossas necessidades imediatas. E nem sempre é assim, deixamos evidente nessa

pesquisa que Deus prover nossas necessidades de acordo com o seu propósito soberano.

Desta forma, no terceiro capítulo procurou-se mostrar a providência mesmo diante das

dificuldades da vida, das tribulações, perdas, cansaço, angústia, sofrimento, injustiça e tantas

coisas mais que acontecem com todos os seres humanos, e inclusive todos nós crentes em

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Jesus. Hebér, teólogo brasileiro presbiteriano, relata em sua obra que podemos extrair frutos

da providência no sofrimento, assim comentou,

Há vários frutos que a obra providencial de Deus produz em nós através do dolorido,mas precioso instrumento do sofrimento. Ele não é sem propósito em nossa vida.Aliás, não há nada que acontece conosco e em nós, os seus filhos, que não concorrapara o nosso bem. Esta verdade é cantada por todos os lados, mas nem sempreconseguimos vê-la quando nós somos vítima de sofrimentos. Quando nãopercebemos os propósitos, dificilmente vemos os frutos. Estes são o resultado dospropósitos de Deus (CAMPOS, 2001, p.617).

A pesquisa relatou que só pode entender e experimentar a doutrina da providência aqueles que

estão alicerçados na fé em Jesus Cristo. Jamais os benefícios da providência aos crentes estão

dissociados a graça redentora de Deus, e por isso somente os regenerados podem desfrutar da

providência especial se que se revela no cuidado paternal de Deus aos eleitos.

Entretanto, muitos crentes estão aquém daquilo do banquete que lhes é oferecido. A igreja

pelo desconhecimento da doutrina e da sua prática não experimentam de forma eficaz e

contínua esse presente do Criador, digo isto no aspecto diário e não de salvação. Quando

apresentamos na pesquisa os benefícios da providência selecionamos que o crente regenerado

passa por lutas intensas, mas de maneira nenhuma a providência de Deus se anula. Na

verdade, a providência se apresenta na luta, na adversidade, na tribulação da vida, e mesmo

diante dos dilemas existenciais os crentes podem e devem experimentar os benefícios da

providência.

Assim, abordou-se através desta pesquisa e chegaram as seguintes conclusões práticas.

Primeiro que os crentes devem ser pacientes em meio á adversidade, o que ensina que

podemos repousar seguros na soberania de Deus. A crise não é uma ponte para o desespero e

impaciência, e sim um verdadeiro teste de paciência para o cristão. Pois, o presente pode se

apresentar obscuro e carrancudo, mas o futuro ou fim principal a vontade de Deus se

cumprirá. Contudo, esperar pacientemente no Senhor é a dose espiritual em meio à

adversidade.

Segundo que os crentes devem ser agradecidos em meio à adversidade. Não há lugar para

murmuração, indignação ou qualquer palavra diante de Deus que não seja agradecimento. O

louvor é um antídoto em meio à adversidade, um remédio para a cura de qualquer coração que

não expresse louvor ao Criador pelos seus feitos. Sabendo que a gratidão é agradável ao

Senhor e impulsiona a seguir em frente na caminhada cristã. Com tal alegria de coração o

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cristão convida toda a terra a louvar o Senhor: “Reina o Senhor. Regozije-se a terra, alegrem-

se as muitas ilhas” (Sl 97.1).

Terceiro que os crentes devem confiar em Deus em meio à adversidade da vida. A confiança

em Deus é expressão da nossa fé no Criador que tudo pode, e que tudo faz conforme lhe

apraz. Nesse aspecto a pesquisa ressaltou de que os caminhos de Deus são completamente

diferentes do nosso, a nossa visão é limitada principalmente quando estamos diante de crises e

problemas difíceis da vida. Mas, salientou-se que confiar é entender que o cuidado de Deus

não se esvai, nem se esgota e muito menos é em vão. Por isso, a pesquisa mostrou que a

confiança traz benefício para o crente trazendo tranquilidade e paz na esperança que Deus está

agindo em todo tempo. Por último o capítulo encerrou-se trazendo consigo o maior benefício

que o crente pode desfrutar pela providência de Deus, a certeza da salvação em Cristo.

Embora a salvação aconteça mediante o decreto de Deus na eternidade, o crente começa

desfrutar dela no tempo, ou seja, no percurso da história quando Cristo o resgata e opera nele

a obra da salvação pela providente ação do Espírito Santo. Assim, todo crente pode descansar

na certeza da salvação e na esperança do porvir que é o descanso eterno com Cristo.

“Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos [...] Porque dele também somos geração”

(Atos 17.28).

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