ajustes cardiovasculares e … · necessários para regular a homeostase do organismo a altas...

91
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE AJUSTES CARDIOVASCULARES E RESPIRATÓRIOS DO MERGULHO EM APNÉIA Frederico Lopes Rodrigues Torres SÃO PAULO 2004

Upload: vothu

Post on 16-Sep-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE

AJUSTES CARDIOVASCULARES E RESPIRATÓRIOS DO

MERGULHO EM APNÉIA

Frederico Lopes Rodrigues Torres

SÃO PAULO 2004

AJUSTES CARDIOVASCULARES E RESPIRATÓRIOS DO MERGULHO EM

APNÉIA

FREDERICO LOPES RODRIGUES TORRES

Monografia apresentada ao Departamento de

Esporte da Escola de Educação Física e

Esporte da Universidade de São Paulo, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel em Esporte.

ORIENTADOR: PROF. DR. PAULO RIZZO RAMIRES

RESUMO

AJUSTES CARDIOVASCULARES E RESPIRATÓRIOS DO MERGULHO EM

APNÉIA

Autor: FREDERICO LOPES RODRIGUES TORRES Orientador: PROF. DR. PAULO RIZZO RAMIRES

O mergulho em apnéia é uma atividade milenar, com número crescente de adeptos

leigos e profissionais. Devido ao crescimento do turismo, o tamanho da costa do Brasil, e

prática desta atividade em clubes e lagos é válido o aprendizado mais profundo desta

atividade. Este esporte provoca diversos ajustes cardiovasculares e respiratórios

necessários para regular a homeostase do organismo a altas pressões e baixas temperaturas

ao mesmo tempo. O mergulhador deve conhecer a técnica, estar bem fisicamente e ter

consciência corporal. O estudo das propriedades físicas do meio líquido em interação com

o corpo humano é auxiliador para a prática. Leis dos gases, e anatomia do mergulho são

focos importantes para o iniciante evitar os riscos. A imersão do rosto e apnéia são

estimuladores do reflexo de imersão, que causa bradicardia, vasoconstrição periférica

redirecionando o sangue para os órgãos vitais, aumento da pressão arterial e conservação

de O2. Durante o mergulho, ocorrem ajustes no sistema respiratório para proteção contra

alta pressão, melhor aproveitamento de O2 e aumento da capacidade de suportar CO2. E,

no sistema cardiovascular ocorrem ajustes para aumento no tempo de mergulho em apnéia

e conservação de O2. Os ajustes ocorridos durante o mergulho são mais evidenciados em

indivíduos treinados em humanos, e, em animais marinhos mais evidenciados. É um

esporte bastante interessante que promove ajustes fisiológicos que podem ser úteis para

atletas de outras modalidades, desde que haja um acompanhamento especializado.

I. INTRODUÇÃO

A atividade de mergulho livre em apnéia consiste basicamente do indivíduo encher

os pulmões com o ar ambiente (inspiração profunda) na fase pré-mergulho ainda na

superfície d’água, prender a respiração (apnéia) e imergir totalmente o corpo na água.

Após atingir o ponto de ruptura da apnéia, o mergulhador submerge e atinge a superfície

para realizar uma nova inspiração.

O mergulho em apnéia é uma atividade física capaz de expor o corpo a altas

pressões e a baixas temperaturas ao mesmo tempo (LIN, 1988; FERRETTI, 2001;

FERRETTI & COSTA, 2003). Devido ao fato do mergulho muitas vezes representar um

grande desafio para a homeostase do organismo, consideramos fundamental para uma

prática de mergulho segura, que o mergulhador tenha um bom conhecimento dos efeitos

físicos e fisiológicos decorrentes da exposição do seu organismo ao meio líquido e sem a

possibilidade de respirar. Além disso, é fundamental que o indivíduo esteja em perfeito

estado de saúde, tenha uma boa consciência corporal e realize o mergulho através de

técnicas estabelecidas, e principalmente, obedeça aos seus limites físicos e psicológicos.

Por ser uma atividade com um número considerável de praticantes e com um

mercado de trabalho em expansão para os profissionais da área de esporte recreativo e

competitivo, devido a grande costa brasileira e ao aumento do ecoturismo em áreas com

rios e lagos no interior, realizamos esta revisão da literatura buscando trazer um maior

conhecimento sobre os ajustes cardiovasculares e respiratórios desencadeados tanto pela

realização da apnéia isoladamente como do mergulho em apnéia.

Esta revisão de literatura foi realizada através da busca informações científicas em

revistas e livros didáticos sobre fisiologia, bem como de artigos em revistas eletrônicas e

informações em sítios (sites) da internet. Primeiramente, buscou-se caracterizar as

diferentes formas de mergulho e os feitos extraordinários dos mergulhadores profissionais.

Em seguida, caracterizamos os efeitos físicos decorrentes do aumento da pressão

hidrostática sobre o corpo do mergulhador e os principais cuidados para se evitar acidentes.

A parte principal do trabalho versa sobre os reflexos cardiovasculares do mergulho em

apnéia, uma vez que consideramos que a compreensão destes ajustes fisiológicos é

importante para que os profissionais da área de Esporte programem atividades de mergulho

levando em consideração o aspecto metabólico e cardiovascular envolvidos na atividade de

mergulho.

Além disso, a compreensão dos ajustes fisiológicos do mergulho tem sido de muito

interesse por atletas de outras modalidades como surfistas, nadadores, jogadores de pólo

aquático e nado sincronizado, uma vez que os ajustes fisiológicos e prática de técnicas de

mergulho podem contribuir para a melhora do desempenho físico nestas modalidades.

O desempenho no mergulho é influenciado pelo treinamento físico e de suas

técnicas. Deste modo, o conhecimento dos ajustes fisiológicos auxilia na pratica segura

desta atividade. Muitos casos de óbitos são registrados nesta atividade, devidos

principalmente à falta de conhecimento dos riscos, como a hiperventilação precedendo o

mergulho (BOVE & DAVIS, 1990; CRAIG, 1976; EDMONDS & WALKER, 1999). Por

outro lado, diversas técnicas de autoconhecimento corporal e de interação com o meio

líquido são auxiliadoras da melhor performance. Assim, o mergulhador deve buscar um

bom nível de relaxamento e estar bastante ciente e concentrado nos ajustes que o seu corpo

irá sofrer durante o mergulho para realizar um melhor desempenho no mergulho e,

principalmente, não comprometer a sua saúde física e mental.

Finalmente, esperamos que esta revisão sobre os efeitos cardiovasculares e

respiratórios do mergulho em apnéia possa ser usada como material de estudo por alunos e

profissionais da área de esporte e de educação física.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 História do mergulho em apnéia

O mergulho em apnéia é uma atividade que exige somente as capacidades físicas

do praticante sem utilização de aparelhos. Já o mergulho autônomo ou SCUBA (self

contained underwater breathing apparatus) utiliza gás pressurizado para que o indivíduo

inale o ar e consiga ficar por um maior tempo dentro da água.

O mergulho em apnéia é a técnica mais antiga de mergulho, há relatos históricos de

atuação de mergulhadores em apnéia de 2000 anos atrás, descrevendo a atividade de

mergulhadores de esponjas na Grécia, mergulhadores de pérolas no Golfo Pérsico e Índia,

e mergulhadores de alimento marinho da Coréia do Sul e Japão (RANH, 2004).

Apesar de diferentes técnicas empregadas pelos grupos em cada região, no geral

havia poucas diferenças. Descendo auxiliados por pesos, e subindo com o auxílio de

cordas. As técnicas eram similares às dos dias atuais, levando em consideração a evolução

tecnológica de nossa era.

O mergulho em apnéia chegou a ser considerado uma profissão reconhecida em

batalhas navais no passado. Mergulhadores eram contratados para enfraquecer as defesas

inimigas realizando ataques nos portos durante o cerco de Tyre (333 a.C.) e Syracuse (415

a.C.) (RANH, 2004).

Segundo PIPIN (2004),o fato que realmente marcou o início dos mergulhos em

profundidade foi a atuação de um mergulhador de esponjas grego chamado Yorgos Haggi

Statti. Em 1911, próximo à ilha de Karphatos no Mar Egeu, um barco da marinha italiana

chamado Regina Marguerita foi atingido por forte tempestade, arrastando a âncora do

barco, rompendo a corrente e quebrando o mastro do barco. A âncora ficou perdida a ~77

metros. Depois de dias tentando recuperar a âncora sem êxito, o capitão do barco resolveu

chamar os mergulhadores de esponjas que tinham certa fama de bons mergulhadores e

ofereceu uma recompensa a quem conseguisse a meta.

Dentre os mergulhadores estava Yorgos Haggi Statti, que garantia que conseguia

mergulhar até 100 metros e prender a respiração por 7 minutos. Ele se ofereceu pelo

trabalho em troca de 5 libras esterlinas e a permissão para pescar com dinamite (algo

reservado somente para a marinha da Itália). Devido à sua insignificante aparência, o

comandante do barco obrigou-o a submeter-se a uma bateria de exames antes de

mergulhar. Concluíram que Yorgos Haggi Statti tinha enfisema pulmonar e que ele não

deveria realizar os mergulhos.

Contrariando as recomendações ele mergulhou 3 vezes no dia para ~77m, onde teve

de localizar a âncora, amarrá-la à corda e finalizar o trabalho, sendo puxado pela tripulação

ao final de cada mergulho. Além de tudo, Yorgos Haggi Statti criou a técnica de descida

com os pés primeiro, sendo esta técnica utilizada nos dias de hoje.

Desde então muitos mergulhadores vêm treinando arduamente para superar os

recordes nas diferentes modalidades do mergulho em apnéia com fins competitivos. E

também, muitos fisiologistas vêm estudando estes atletas com o intuito de melhor

entendimento dos seus ajustes fisiológicos proporcionados principalmente à condições

extremas.

Em 1976, após inúmeras quebras de recordes sucessivas e fortes disputas entre os

apneístas, um francês chamado Jacques Mayol superou a barreira dos 100 metros de

profundidade descendo com a cabeça voltada para baixo na categoria no limits, marcando a

história do mergulho livre.

Em 1959 foi fundada a CMAS (Confédération Mondiale des Activités

Subaquatiques), entidade reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional. E, em 1992 foi

criada a AIDA (Association Internationale pour le Développement de l'Apnée).

Hoje em dia o mergulho em apnéia é uma modalidade esportiva bastante praticada

que possui um aumento crescente no número de praticantes, sejam eles, praticantes

recreativos (com o forte advento do turismo ecológico), profissionais (pescadores por todo

o mundo), competitivos (quebra de recordes de profundidades) e utilização do mergulho

em apnéia para treinamento de outras modalidades esportivas (surfistas, nadadores, atletas

de nado sincronizado).

2.1.1 Equipamentos e categorias

Levando em consideração que em todos os esportes há uma grande evolução na

qualidade dos equipamentos necessários para a prática, no mergulho em apnéia não é

diferente.

A utilização de pesos (lastros) para empurrar os mergulhadores até o fundo, e,

depois a subida auxiliada por corda sendo puxado por pessoas em barcos é um costume

bastante antigo. Facilitando a descida e a subida, diminuindo o gasto energético e o tempo

no fundo.

Além de utilização de lastros, mergulhadores criaram nadadeiras colocadas nos pés

que auxiliam no deslocamento na água. As máscaras que cobrem os olhos e o nariz são

bastante frequentes em praticantes.

No passado, mergulhadores apneístas costumavam se proteger do frio com roupas

de algodão. Mas, nos dias de hoje são utilizadas roupas de neoprene bastante tecnológicas

(revestidas de Titânio, finas ou grossas, adequadas para a temperatura da água a ser

enfrentada) que são isolantes térmicos muito eficientes para água gelada.

Até mesmo a utilização de roupas que proporcionam maior velocidade e redução no

gasto energético caracterizam o desenvolvimento de técnicas de auxílio no mergulho para

atingir recordes (FERRETI, 2001).

O mergulho em apnéia possui diferentes categorias competitivas divididas em

estáticas, dinâmicas e de profundidade:

1) apnéia estática – o atleta deve ficar com o corpo e face submersos em apnéia pelo maior

tempo possível, normalmente realizado em piscinas;

2) apnéia dinâmica sem nadadeiras – consiste na obtenção de maior distância de

deslocamento em dada profundidade sem utilização de nadadeiras, normalmente realizado

em piscinas;

3) apnéia dinâmica com nadadeiras – consiste na obtenção de maior distância de

deslocamento em dada profundidade com a utilização de nadadeiras, normalmente

realizada em piscinas;

4) lastro constante com nadadeiras – consiste na descida até uma profundidade

previamente anunciada e retorno até a superfície, utilizando nadadeiras, e, o mergulhador

deve realizar toda a prova com o próprio peso (sem utilização de lastros);

5) lastro constante sem nadadeiras – consiste na descida até uma profundidade previamente

anunciada e retorno até a superfície, sem utilizar nadadeiras, e, o mergulhador deve realizar

toda a prova com o próprio peso (sem utilização de lastros);

6) imersão livre – consiste na descida até uma profundidade previamente anunciada e

retorno até a superfície, sem utilizar nadadeiras, e, o mergulhador deve realizar toda a

prova com peso constante (sem utilização de lastros), porém, ele pode utilizar um cabo

guia para tracionar na descida e na subida;

7) lastro variável – consiste na descida até uma profundidade previamente anunciada com

o auxílio de um trenó (sledge) e subida utilizando nadadeiras e/ou tracionando um cabo

guia;

8) no limits – consiste na descida até uma profundidade previamente anunciada com o

auxílio de um trenó (sledge) ou pesos e subida com o auxílio de um balão de ar.

Tabela 1 – Tabela de recordes de diferentes categorias do mergulho em apnéia (AIDA ,2004)

DISCIPLINA ATLETA RECORDE DATA ÁGUA LUGAR RECONHECIMENTO

CATEGORIA : DISCIPLINA ESTÁTICA Apnéia Estática

Feminino Lotta ERICSON

(Suécia) 6'31" 19/06/2004 Piscina Limassol

(Chipre) AIDA

Apnéia Estática Masculino

> PENDENTE

<

Martin STEPANEK (República Tcheca)

Tom SIETAS (Alemanha)

8'06"

8'47"

03/07/2001

11/06/2004

Piscina

Piscina

Miami, Florida (EUA)

Hamburg

(Alemanha)

AIDA

Processo do doping positivo em progresso

CATEGORIA : DISCIPLINAS DINÂMICAS Apnéia

Dinâmica sem nadadeiras

Feminino

Renate DE BRUYN (Holanda)

104m 25/04/2004 25m Piscina

Huy (Bélgica)

AIDA

Apnéia Dinâmica

sem nadadeiras Masculino

Stig Aavall SEVERINSEN (Dinamarca)

166m 19/07/2003 25m Piscina

Aarhus (Dinamarca)

AIDA

Apnéia Dinâmica

com nadadeiras Feminino

Johanna NORDBLAD (Finlândia)

158m 14/06/2004 50m Piscina

Limassol (Chipre)

AIDA

Apnéia Dinâmica

com nadadeiras Masculino

Peter PEDERSEN (Dinamarca)

200m 18/07/2003 50m Piscina

Randers (Dinamarca)

AIDA

CATEGORIA : DISCIPLINAS DE PROFUNDIDADE

Lastro Constante Feminino

Mandy-Rae CRUICKSHANK (Canadá)

-78m 21/03/2004 Mar Grand Cayman (Ilhas Caiman)

AIDA

Lastro Constante Masculino

Martin STEPANEK (Republica Tcheca)

-103m 10/09/2004 Mar Spetses Island (Grécia)

AIDA

Lastro Constante sem

nadadeiras Feminino

Mandy-Rae CRUICKSHANK (Canadá)

-41m 01/09/2003 Mar Vancouver, BC (Canadá)

AIDA

Lastro Constante sem

nadadeiras Masculino

Herbert NITSCH (Austria)

-66m 12/09/2004 Sea Spetses Island (Grécia)

AIDA

Imersão Livre Feminino

Annabel BRISENO (EUA)

-71m 15/11/2003 Mar Kona, Hawaii (EUA)

AIDA

Imersão Livre Masculino

Martin STEPANEK (República Tcheca)

-102m 23/03/2004 Mar Grand Cayman (Ilhas Caiman)

AIDA

Lastro Variável Feminino

Tanya STREETER (EUA)

-122m 19/07/2003 Mar Providenciales (Turks e Caicos)

AIDA

Lastro Variável Masculino

Patrick MUSIMU (Bélgica)

-120m 12/11/2002 Mar Playa del Carmen (México)

AIDA

No limits Feminino

Tanya STREETER (EUA)

-160m 17/08/2002 Mar Providenciales (Turks e Caicos)

AIDA

No limits Masculino

Loïc LEFERME (França)

-162m 20/10/2002 Mar Nice (França)

AIDA

2. 1. 2 Descidas de cabeça para baixo e para cima

Um fator muito importante que ajudou muito o mergulhador grego Yorgos Haggi

Statti a realizar o seu feito foi a técnica que utilizou descendo com a cabeça para cima.

Uma particularidade da categoria no limits é que a descida é muito veloz chegando

a grandes profundidades, e todos ajustes acontecem rapidamente, porque o aumento da

pressão é súbito. Uma descida a 100 metros demora ~2 minutos, sendo que o tempo não é

fator limitante, mas sim, a profundidade.

O método tradicional da Europa era a descida com a cabeça para baixo, mas esta

técnica tem vários fatores negativos.

O mergulhador PIPIN (2004) relatou alguns fatores negativos das descidas de

cabeça para baixo e fatores positivos das descidas de cabeça para cima. Pipin é um exímio

mergulhador cubano ex-recordista mundial que realizava descidas com a cabeça para baixo

na categoria no limits.

Depois de certo tempo mergulhando desta forma teve a oportunidade de conhecer

Umberto Pelizzari (mergulhador italiano ex-recordista mundial), e o viu treinando na

categoria no limits com um equipamento que proporcionava descidas com a cabeça para

cima, e lembrou o que tinha lido sobre o feito de Yorgos Haggi Statti descendo com a

cabeça para cima.

Pipin perguntou a Umberto Pelizzari e seu treinador se poderia utilizar o

equipamento para fazer um teste, e depois de muita insistência cederam uma oportunidade

de teste a Pipin.

Uma das muitas práticas explicações de PIPIN (2004) da causa da descida ter sido

tão fácil é que o ser humano foi designado e programado perfeitamente a realizar todas

suas funções importantes na posição vertical de cabeça para cima. E, ~70% da vida nesta

posição, podendo considerar que até mesmo nos sonhos, ~90% das ações estão

relacionadas a elementos nesta postura vertical.

PIPIN (2004) fez uma relação da posição que boxeadores, judocas e caçadores

submarinos com a posição vertical de cabeça para cima , e, estes sempre tentam manter

esta posição para manter a confiança e equilíbrio.

Outra boa razão para a preferência de descida para cima está na velha filosofia

yoguica. Filosofia esta que diz que a melhor energia positiva (Yang) vem de cima e penetra

pela cabeça, Yang está flutuando no céu e é transferido pelo Sol. A energia negativa (Inn)

está localizada abaixo do corpo, é grossa, pesada e escura. Então, no mergulho em apnéia

deve-se descer com a cabeça para cima para levar vantagem das energias positivas (PIPIN,

2004).

PIPIN (2004) relatou algumas respostas fisiológicas positivas da descida com

cabeça para cima:

Quando o mergulho em apnéia é feito na posição de cabeça para cima a pressão

hidrostática afeta primeiramente a parte inferior do corpo, começando com as pernas. A

maior parte do plasma do sangue circulante está nas pernas e causa a mudança ou

transferência sanguínea, que é a translocação do sangue das artérias para os pulmões

(PIPIN, 2004).

A equalização é melhor quando feita com cabeça para cima.

Quando submersos em líquidos os gases sobem, e, na posição invertida os gases

tendem a ir para os pés, e não para a cabeça.

O coração perde 50% da eficiência muscular e potencial de bombeamento na

posição invertida, até mesmo para os yogis que passam certo tempo estudando o coração e

ficam bastante nesta posição.

Quando o coração está invertido, ele perde a capacidade de sentimentos e sua

significância, transmitida pelos nervos. E, ao realizar o mergulho em apnéia os sentimentos

são importantes, antes e durante o mergulho as sensações de alerta, vigilância, segurança

vêm dos sentimentos.

Ao realizar mergulhos em apnéia na posição invertida (cabeça para baixo) ocorre

uma penalização do coração e mente reduzindo o potencial humano ~40%.

A descida com a cabeça para cima foi uma das razões que Yorgos Haggi Statti conseguiu

realizar o mergulho a ~77 metros em 1911 sem nenhum auxílio, sendo algo aceitável e

entendível.

Descida: categoria imersão livre

Subida: categoria imersão livre

Descida: categoria no limits

Subida: categoria no limits

Fig. 1 – Subidas e descidas nas categorias: imersão livre e no limits (RUMOAOABISMO, 2004)

2.2 Física do mergulho em apnéia

Os humanos são animais terrestres que não têm como característica principal

adaptação ao meio líquido, ao mergulhar o contato com a água é total. Segundo BOVE &

DAVIS (1990), diversas diferenças são encontradas nas propriedades físicas e

características entre os meios líquido e gasoso:

1) A água tem maior densidade e viscosidade;

2) Propriedades óticas e acústicas diferem;

3) Água tem grau de condutividade do calor ~25 vezes maior que do ar, e este valor

aumenta em águas correntes;

4) Gases respirados em grandes pressões têm diferentes efeitos fisiológicos.

Os indivíduos têm que saber lidar com essas diferenças dos meios ajustando corpo

e mente para que haja uma melhor interação com o meio líquido.

2.2.1 Pressão

Pode ser definida como quantidade de força por unidade de área. Uma atmosfera

(atm) é a quantidade de força ou pressão exercida em corpos pela atmosfera terrestre. No

nível do mar a pressão é de 760 mmHg.

Devido a incompressibilidade da água, a pressão por ela exercida no corpo do

mergulhador aumenta diretamente com a profundidade do mergulho. Essa pressão no

mergulhador provém do peso da água (pressão hidrostática), que somado ao peso da

atmosfera sobre a água é chamado de pressão absoluta.

A cada 10 metros em submersão em água doce a pressão hidrostática aumenta 1

atm, já que a água do mar possui maior densidade que a doce, profundidades pouco

menores são necessárias para atingir uma pressão de 760 mmHg no mergulhador. Assim,

no mar a 10 m de profundidade a pressão é de ~2 atm, a 20 m a pressão é de ~3 atm, a 30

m a pressão é de ~4 atm, e daí por diante.

Assim, fica evidenciado que um mergulho pode expor o corpo humano a elevadas

pressões, o que tem efeitos importantes sobre suas funções cardiovasculares e respiratórias.

Além disso, as mudanças podem ser muito bruscas dificultando o organismo de realizar

ajustes adequados.

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), no corpo humano a maioria dos

tecidos é formada principalmente de água, sendo incompressíveis e não afetados pelo

aumento da pressão externa no mergulho. Porém, há cavidades cheias de ar (pulmões, vias

respiratórias, seios da face e espaços do ouvido médio) que são facilmente modificados,

acarretando mudanças nos volume e pressão dos gases a qualquer alteração na

profundidade. Então, o mergulhador precisa saber compensar mudanças tensionais que

ocorrem com diferenças de pressão para evitar prejuízos.

Algo que pode ser ressaltado é a ocorrência de mergulhos em lugares não situados

no nível do mar, com o aumento da altitude ocorre o declínio exponencial da pressão

barométrica. O oxigênio faz parte de 21% do ar a qualquer altitude, porém, ao respirar em

grandes altitudes, onde o ar é mais rarefeito, o indivíduo ingere menor quantidade de

oxigênio, saturando pouco as hemoglobinas arteriais, fadigando rapidamente, e, podendo

até mesmo induzir problemas fisiológicos, médicos e sensoriais (HUEY & EGUSKITZA,

2001).

Sendo assim, o sujeito precisa estar bastante treinado e aclimatado para suportar

estas condições ambientais impostas.

2.2.2 Gases do mergulho

O ar atmosférico é formado de nitrogênio (79,1%), oxigênio (20,9%), dióxido de

carbono (0,033%) e outros gases inertes, sendo muito importantes no mergulho em apnéia.

É importante citar o gás monóxido de carbono (CO), extremamente tóxico, que é letal

mesmo que em pequenas concentrações no organismo.

Na água os gases sofrem alterações causadas pelas modificações em temperatura,

pressão e volume. A mudança em qualquer destes fatores isoladamente provoca alteração

nos outros fatores, pois, os três estão proximamente ligados.

Os gases possuem leis que retratam suas relações:

1) Lei de Boyle

Quando a temperatura é constante, volume e pressão dos gases varia diretamente,

onde, o produto da pressão pelo volume é sempre constante (PV = K). Então, à temperatura

e massa constante, o volume de gás é inversamente proporcional à pressão exercida no gás.

A Lei de Boyle pode ser escrita como PV = P¹V¹.

Fig. 2 – Lei de Boyle (McARDLE, KATCH & KATCH, 1998)

2) Lei de Charles

Se a é pressão constante, o volume dos gases varia diretamente com temperatura

absoluta (V/T = V¹/T¹). E, se o volume é mantido constante (recipiente rígido), a pressão

varia diretamente com a temperatura absoluta (P/T = P¹/T¹).

A lei geral dos gases é uma combinação das Leis de Boyle e Charles predizendo o

comportamento de uma dada quantidade de gás quando mudanças podem ser esperadas em

alguma ou todas as variáveis (BOVE & DAVIS, 1990). A fórmula da lei geral dos gases

que indica relação na alteração dos gases é: PV/T = P¹V¹/T¹.

3) Lei de Dalton

“A uma temperatura dada, a pressão absoluta de uma mistura gasosa é igual à soma

das pressões parciais que teriam cada um dos gases se eles ocupassem sozinhos o volume

total".

Esta Lei é importante no mergulho, pois, o ar que respiramos é composto ao nível

do mar de aproximadamente 600 mmHg de nitrogênio, 159 mmHg de oxigênio, e, ~1

mmHg de dióxido de carbono e outros gases, quando somados atingem 760 mmHg (1

atm).

O fato de não ter somente um gás, mas sim uma mistura (dois, três ou mais gases),

implica no cálculo da variação de pressão de cada um dos componentes em todos

momentos do mergulho.

Esta Lei define que a pressão parcial de um gás é igual à pressão absoluta

multiplicada pela porcentagem volumétrica desse gás na mistura.

Exemplo: Ao nível do mar (aproximado):

Ar� Oxigênio = 20% � P(pressão absoluta)pO2 = 1X20/100 = ~0,2 atm

� Nitrogênio = 80% � PpN2 = 1X80/100 = ~0,8 atm

Em um mergulho a 40 metros de profundidade (P = 5 atm):

� Oxigênio = 20% � PpO2 = 5X20/100 = ~1 atm

� Nitrogênio = 80% � PpN2 = 5X80/100 = ~4 atm

Desta forma, a análise da ação individual dos gases de uma mistura em função de

sua pressão parcial torna-se necessário, pois, a aparição de sua toxicidade indica seu limite

de emprego.

4) Lei de Henry

Da mesma forma que os sólidos se dissolvem na água, os gases se dissolvem na

água e em outros líquidos (sangue). É importante a análise do comportamento dos gases

comprimidos em relação aos tecidos do corpo.

A duração e a profundidade (pressão) do mergulho são importantes na dissolução

dos gases no corpo. Além disso, a solubilidade dos gases também é importante, pois, para

gases diferentes a pressões idênticas, o numero de moléculas que entram e saem de um

líquido é determinado pela solubilidade de cada gás.

“A quantidade de gás que está para dissolver em um líquido a uma dada

temperatura é diretamente proporcional à pressão parcial daquele gás”.

Então, quando a pressão parcial de um gás dissolvido no líquido aumenta, a

quantidade de gás dissolvido no líquido também aumenta. Ao se fazer uma analogia com o

mergulho em apnéia, mais nitrogênio é dissolvido no sangue e de lá para os tecidos quando

o mergulhador vai mais fundo desde que a pressão do ar no corpo e a pressão parcial do

nitrogênio no corpo estão aumentando.

Se o indivíduo fica numa menor profundidade, uma menor quantidade de N2 será

difundido nos tecidos. O tempo do mergulho também tem forte influência na dissolução de

dos gases no sangue (N2), porém, o tempo de duração do mergulho em apnéia é

relativamente curto, e, o tempo acaba não sendo tão influente na dissolução do N2.

Quando o mergulhador sobe, o nitrogênio extra nos tecidos deve ser removido via sangue e

pulmões. Se o mergulhador sobe muito rápido, bolhas se formam nos tecidos e nas

articulações causando a doença descompressiva (BOVE & DAVIS, 1990).

2.2.3 Flutuação

Qualquer objeto colocado em líquido flutua ou afunda dependendo da densidade do

objeto em comparação à densidade do líquido. O princípio da flutuação estabelecido por

Arquimedes estabelece que qualquer objeto total ou parcialmente imergido em líquido é

forçado para cima (força de empuxo) por uma força igual ao peso do líquido deslocado

pelo objeto (BOVE & DAVIS, 1990).

A força de flutuação de um fluído depende da sua densidade. A água do mar exerce

uma força de flutuação maior (maior densidade) no mergulhador comparado à água doce.

Assim, mergulhadores fixam mais lastro (peso que facilita submersão) ao corpo no mar.

Durante a descida até o fundo no mergulho a pressão aumenta gradativamente

conforme a profundidade, e, os gases contidos no corpo do mergulhador também são

comprimidos com a pressão.

Quando o indivíduo está imerso na superfície da água a pressão é baixa comparada

à pressão no fundo, assim, os gases do corpo do mergulhador ficam pouco comprimidos e

a densidade do corpo do mergulhador fica mais baixa que o meio (água) fazendo com que

seu corpo flutue facilmente. No fundo a situação é inversa, a alta pressão comprime os

gases do corpo do mergulhador e a densidade do corpo do mergulhador fica mais baixa que

a da água fazendo com que seu corpo afunde.

Relacionando a flutuação com a prática, é possível imaginar a trajetória de um

mergulhador preste a atingir uma boa marca em profundidade. Já na saída, na descida da

superfície está sofrendo ação da flutuação positiva porque os gases no corpo estão

expandidos, e, há um certo gasto até atingir a flutuação negativa (gases comprimidos) para

afundar rapidamente.

Ao chegar no fundo, com flutuação negativa após ter descido muitos metros, o

mergulhador não gasta mais energia para aumentar a profundidade, porém, tem de gastar

grande quantidade de energia para desacelerar a descida e retomar a subida em flutuação

negativa.

De outra forma, após ter conseguido subir com muito esforço superando a flutuação

negativa. Próximo à superfície a flutuação do mergulhador é positiva devido à expansão

dos gases, e, o trabalho do mergulhador é relativamente baixo para subir poupando gasto

energético.

A utilização de lastros é eficiente saída contra a força de flutuação exercida pelo

líquido no mergulhador, auxiliando significativamente na contenção dos gastos energéticos

na descida ao fundo. Porém, se a quantidade de lastro estiver acima do necessário, o

mergulhador realiza trabalho extra para se manter numa mesma profundidade e evitar o

afundamento.

2.3 Anatomia para o mergulhador

No corpo humano há espaços ocupados por ar que são afetados por mudanças na

pressão. Os três espaços importantes para mergulhadores são os seios da face, ouvidos e

pulmões, além do canal respiratório (garganta) e dentes (GRAVER, 2003).

Os seios da face formam espaços aéreos que diminuem o peso da cabeça, e servem

para esquentar e umidificar o ar inspirado, além de secretarem muco para proteger o corpo

da ação de germes. Os canais que ligam os seios da face às passagens nasais normalmente

estão abertos, mas, se estiverem congestionados podem causar problemas. Quando os seios

da face estão congestionados com muco e o indivíduo vai mergulhar, ocorre uma grande

diferença de pressão entre um seio da face e o meio, gerando uma diferença de pressão

entre os seios impedindo a equalização da pressão entre eles causando fortes dores no

crânio.

Fig. 3 – Seios da face (PUTZ et al., 2001)

Os pulmões são grandes sacos (parecidos com esponjas) localizados juntamente

com o coração na cavidade torácica, cercados lateralmente pelas costelas e abaixo pelo

diafragma que separa a cavidade torácica do abdômen. Este órgão consiste de muitos

bronquíolos e alvéolos, veias sanguíneas e capilares, e tecido elástico. Sua função principal

é a permuta gasosa. Os pulmões transferem oxigênio do ar para o sangue venoso e dióxido

de carbono do sangue para as câmeras alveolares, de onde é expelido para a atmosfera.

Com variações na pressão decorrentes das mudanças de profundidades, os gases

contidos nos pulmões sofrem alterações afetando diretamente a forma deste órgão.

Nos ouvidos, há um espaço aéreo atrás dos tímpanos chamado ouvido médio. A

pressão no ouvido médio precisa ser igual à do ouvido externo para os tímpanos se

moverem livremente. As trompas de Eustáquio, que ligam o ouvido médio à garganta,

proporcionam esta equalização de pressão do ouvido médio com o externo. Se não ocorrer

a equalização da pressão nestes espaços pode haver lesão nos tímpanos chamada

barotrauma do ouvido médio.

Fig. 4 – Canal auditivo (PUTZ et al., 2001)

A faringe é a abertura atrás das cavidades nasais e boca. Duas trompas de

Eustáquio se abrem nas laterais da faringe. A faringe termina no esôfago ou tubo guia do

estômago. E, a laringe, que contém as cordas vocais, epiglote e músculos necessários para

produção de sons. A epiglote ajuda a prevenir a entrada de corpos estranhos no tubo

respiratório. Quando alimento ou água entra em contato com a epiglote, uma ação reflexa

provoca o fechamento do canal respiratório. Este reflexo permite somente a entrada de ar

nos pulmões.

As raízes de alguns dentes molares superiores se prolongam a cavidades de seios da

face, portanto, é possível sentir dores dentais em condições de alta pressão. Após a

extração dental deve haver uma recuperação do local e conseqüente afastamento

temporário do mergulho para evitar dores. Há casos em que os dentes se quebram por

culpa do diferencial de pressão entre o meio externo e o espaço deixado no dente em razão

de uma obturação (material do dentista é diferente do material dental original).

2.3.1 Manobras de equalização do ouvido

Segundo BECKER & PARELL (2001), barotrauma é definido como estrago do

tecido resultado de efeito direto da pressão. E, para um mergulhador evitar o barotrauma, a

pressão nos espaços ocupados por ar deve ser igualada à pressão ambiente. Assim,

enquanto o mergulhador desce, a pressão hiperbárica ao redor força o sangue e os fluidos

teciduais nos espaços ocupados por ar enquanto a pressão ambiente é realizada.

Similarmente, a expansão dos gases presos causa o barotrauma de expansão, que pode

ocorrer na ascensão.

O barotrauma do ouvido médio é uma lesão bastante comum no mergulho (livre e

SCUBA). Isto ocorre mais comumente em mergulhadores novatos como resultado de

técnica imprópria de equalização do ouvido médio. Segundo KAY (2000) há várias

técnicas de equalização do ouvido médio:

1) Técnica mais simples

As técnicas mais simples e básicas consistem de abrir a boca, engolir, mover a

mandíbula e inclinar a cabeça. Essas técnicas de equalização do ouvido médio funcionam

com indivíduos com trompas de Eustáquio perfeitas e que nunca tiveram problemas com

equalização;

2) Manobra de Valsalva (Antonio Valsalva, 1700)

Ao fechar as narinas com os dedos, se faz uma pressão no tórax. Isto é, depois de

fechar as narinas com os dedos, os músculos da face (região da bochecha) devem estar

contraídos, então, realiza uma expiração forçada causando a pressurização e equalização.

Esta técnica é a mais utilizada, e muitas pessoas a realizam sem saber para que serve.

A manobra de Valsalva tem certas desvantagens como diminuição do retorno

venoso para o coração e pode diminuir a pressão sanguínea se a força é prolongada;

3) Manobra de Frenzel (Herman Frenzel, 2ª Guerra Mundial)

As narinas são fechadas com os dedos e um esforço é feito para realizar um som

gutural (“guh”). Fazendo isso, ocorre a elevação do 1/3 posterior da língua e o palato mole

se elevará. Técnica chamada de “pistão da garganta” (“throat piston”). O mergulhador está

empurrando a língua para cima. Esta manobra comprime o ar na região posterior da

garganta e a pressurização ocorre nos tecidos grossos do nariz.

Esta manobra pode ser praticada olhando o palato mole se mover com o auxílio de

um espelho. E, esta técnica pode ser feita até mesmo durante o ciclo respiratório a qualquer

hora e não inibe o retorno venoso. Pode ser repetida várias vezes seguidas;

4) Manobra de Toynbee (Joseph Toynbee, 1800)

Esta técnica consiste no fechamento das narinas com os dedos enquanto engole. Os

músculos da parte posterior da garganta abrem puxando as trompas de Eustáquio e

permitem que o ar passe se há gradiente presente. A manobra de Toynbee não é

recomendada para rápida descida, como não há margem de erro se as trompas de Eustáquio

não equalizam no primeiro erro. Se estiver ocorrendo a compressão do ouvido

médio, é mais difícil de puxar as trompas de Eustáquio para baixo;

5) Abertura voluntária do tubo ou Beance Tubaire Volontaire (Marinha da França, 1950)

Esta é uma difícil técnica e poucas pessoas são aptas a fazê-la. Consiste na

contração do palato mole enquanto os músculos da região superior da garganta são

empregados a puxar as trompas de Eustáquio a abrir. É uma técnica similar à técnica de

Frenzel, porém, não é necessário o fechamento das narinas com os dedos;

6) Manobra de Roydhouse (Noel Roydhouse)

Esta técnica é similar à técnica de abertura voluntária do tubo, porém, ela possui

uma ordem de contração dos músculos necessários para abertura do canal.

As instruções são de contração dos levantadores do palato e os músculos de tensão

do palato. Isto levanta e anterioriza a úvula palatina. Quando um indivíduo consegue

realizar estes passos metade da técnica está feita. A segunda parte é tencionar os músculos

da língua de tal forma a causar uma sensação de estalo de ocorrência da abertura das

trompas de Eustáquio. Até mesmo o deslocamento da mandíbula pode ajudar para que está

manobra seja mais efetiva;

7) Técnica de Edmonds (Carl Edmonds)

Esta técnica consiste basicamente na combinação da Manobra de Valsalva ou da

manobra de Frenzel com o movimento da mandíbula ou inclinação da cabeça para abrir

mais efetivamente as trompas de Eustáquio;

8) Técnica de Lowry

Outra técnica de combinação, alguma manobra de pressurização (Valsalva ou

Frenzel) com o engolimento. Coordenação e prática são requeridos para fechar as narinas

com os dedos, realizar uma pressão e engolir ao mesmo tempo, mas, com todos estas

técnicas combinadas a técnica global é bastante eficiente;

9) Contorção

Esta técnica de combinação é efetiva para alguns, e envolve fechamento das narinas

com os dedos com uma leve pressão (manobras de Valsalva ou Frenzel) na região posterior

da garganta.Desta vez a cabeça se contorce para os lados. A tensão dos músculos da

garganta ajuda a fazer esta uma manobra mais eficiente.

2.4 Sistema respiratório

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), o princípio físico que explica a

dinâmica respiratória é o gradiente de pressão existente entre o ar ambiente e o ar dos

pulmões.

O fator significante nas mudanças no gradiente de pressão são alterações no volume

pulmonar, precisamente, alterações na cavidade torácica relacionadas à musculatura

respiratória.

O sistema respiratório é dividido em duas partes: 1) Zona condutora é formada por

nariz e boca, laringe, traquéia, brônquios, bronquíolos e bronquíolos terminais; 2) Zona

transacional e respiratória é formada por bronquíolo respiratório, ducto alveolar e saco

alveolar (McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).

Fig. 5 - Sistema respiratório (PUTZ et al., 2001)

A zona condutora pode ser chamada de espaço morto anatômico por não conter

alvéolos em sua estrutura, impossibilitando a realização de troca gasosa. Assim, o ar flui

diretamente para os bronquíolos terminais, na zona transacional rumo aos alvéolos para

realizar troca gasosa.

O espaço morto pode ser aumentado de 160-170mL com o uso de tubo respiratório

(snorkel). Foi realizado um estudo em laboratório comparando mudanças fisiológicas de

sujeitos usando snorkel com e sem válvula que evita a inspiração do ar expirado durante o

repouso e exercício. Concluiu-se que o uso de snorkel sem válvula causa inspiração de ar

expirado, sendo que o nível de dióxido de carbono no ar inspirado é alto o suficiente

causando mudanças na atividade metabólica e padrão respiratório, e, no exercício os

valores são aumentados causando maior trabalho respiratório (TOKLU et al., 2003).

Respirar com snorkel sem válvula causa aumento na ventilação e trabalho

respiratório, além do consumo de oxigênio (VO2) e produção de dióxido de carbono

(VCO2) aumentarem. Ao respirar com uso de snorkel sem válvula em meio líquido, a

imersão na água causa um efeito no trabalho respiratório aumentando ainda mais o gasto

energético (TOKLU et al., 2003).

Ao chegar na zona transacional e respiratória a difusão se torna o principal

acontecimento na qual os gases são distribuídos através das membranas alveolares,

havendo um equilíbrio entre os gases de cada lado da membrana alveolocapilar.

A qualidade da respiração é importante na zona transacional, isto é, segundo

McARDLE, KATCH & KATCH (1998), uma permuta gasosa adequada entre os alvéolos e

o sangue requer uma respiração que corresponda à quantidade de sangue que perfunde os

capilares pulmonares (chamado espaço morto fisiológico). Havendo assim, uma relação

ventilação-perfusão, diretamente ligada à quantidade de oxigênio absorvido pelos alvéolos.

Fig. 6 – Espaço morto fisiológico (McARDLE, KATCH & KATCH, 1998)

A troca gasosa ocorrente na zona transacional também é de grande importância para

qualquer atividade física. Com o treinamento consegue-se obter melhor aproveitamento do

ar inspirado.

2.4.1 Musculatura respiratória

A musculatura respiratória é essencial no mergulho em apnéia, as pessoas que

possuem esses músculos bem condicionados estão mais acostumados a suportar o estresse

no meio líquido, especialmente no mergulho em apnéia.

Para iniciantes que se interessam pelo mergulho ou mergulho em apnéia, a anterior

vivência prática no meio líquido é essencial para rápida e não problemática ambientação

com esta modalidade. Assim, nadadores, surfistas, jogadores de pólo aquático, nado

sincronizado e outros praticantes de modalidades aquáticas levam vantagem no

aprendizado e prática. Além da coordenação no meio líquido, a musculatura destes

praticantes é treinada de forma mais específica (suportando a pressão do meio líquido).

Durante a inspiração, a cavidade torácica aumenta de tamanho por causa da

elevação das costelas e abaixamento do diafragma, causando uma diferença entre a pressão

pulmonar (menor) e a ambiente, resultando na entrada do ar nos pulmões. Ocorrendo

aumentos nos diâmetros antero-posterior e vertical do gradil costal. Os músculos

elevadores do tórax ou da inspiração são diafragma, intercostais externos,

esternocleidomastóideos, elevadores da escápula, serráteis anteriores, escalenos, e eretores

da espinha.

Na expiração, as costelas descem e o diafragma se relaxa, reduzindo o volume da

cavidade torácica expelindo o ar. Ocorrendo a diminuição dos diâmetros antero-posterior e

vertical do gradil costal. Os músculos deprimidores do tórax ou da expiração são os

músculos abdominais, intercostais internos e serráteis póstero-inferiores.

Fig. 7 – Ações do diafragma e costelas na respiração (McARDLE, KATCH & KATCH, 1998)

2.4.2 Estágios e tipos de respiração

Na respiração normal o ar é passado pelas narinas sem nenhum esforço especial,

som ou movimento exagerado do nariz ou tórax. Então, isto é feito inconscientemente. As

pessoas não estão a par da viagem do ar pelas narinas, descendo as partes oral e nasal da

faringe, chegando a laringe e depois traquéia e pulmões.

Qualquer ato singular de ciclo respiratório consiste de 4 estágios distinguíveis

(YOGA, 2004):

1) Inalação ou inspiração;

2) A pausa, curta ou longa, entre inalação e exalação, chamada de pausa retentiva e fase de

reajuste;

3) Exalação ou expiração;

4) A pausa, curta ou longa, entre exalação e inalação, chamada de pausa extensiva e fase

de reajuste.

As duas pausas podem ou não ser repousantes desde todo sistema respiratório,

incluindo seus sistemas muscular e mecânico nervoso, podendo passar por mudanças de

direção e grande número de adaptações por minuto quando ocorre alguma mudança. Todos

os 4 estágios são necessários no completo ato da respiração.

Segundo YOGA (2004) há 11 diferentes tipos de respiração:��

1) Respiração ruidosa X silenciosa;

2) Respiração rápida X lenta;

3) Respiração irregular X regular;

4) Respiração convulsiva (súbita) X tranquila;

5) Respiração profunda X rasa;

6) Respiração forçada X pouco forçada;

7) Respiração voluntária X involuntária;

8) Respiração nasal X bucal���

9) A distinção entre a mera passagem de ar entrando e saindo dos pulmões X experiência

de respirar como um assunto pertinente a todo o corpo;

10) A distinção entre nervoso e relaxado X ansioso e tranquilo;

11) A distinção entre “alta”, “média”, e “baixa” respirações, onde a maior parte da

expansão está na parte do topo, meio ou fundo do tórax e pulmões, e a junção das 3 na

“respiração yoguica completa”.

2.4.2.1 Respiração yoguica completa

� Ao mergulhar, o atleta está desafiando um importante estímulo da vida humana, a

respiração. Para chegar próximo do limite de tempo de apnéia os mergulhadores devem

estar atentos com a aplicação correta da respiração e seus efeitos. Antes de importantes

submersões (competições), os mergulhadores se concentram relaxando e realizando

respirações eficientes e de forma correta com o intuito de aproveitar ao máximo os ciclos

respiratórios para na hora da prova estarem com o organismo oxigenado.

Assim, a técnica respiratória bastante utilizada pelos apneístas é a respiração

yoguica completa, que é a união de formas parciais de respiração. Segundo AGUDELO &

GIL (1999), esta respiração se compõe de 3 fases parciais:

1) Respiração abdominal ou baixa – provocada pela contração do diafragma e sua posterior

descida massageando os órgãos abdominais, ocorrendo ligeira expansão do abdome.

2) Respiração costal ou média – os músculos intercostais se elevam e separam as costelas.

3) Respiração clavicular ou alta – que consiste no aumento de volume da caixa torácica

havendo penetração do ar externo preenchendo este espaço.

Fig. 8 – Inspiração (E) e expiração (D) yoguicas profundas (AGUDELO & GIL, 1999)

Segundo SPICUZZA et al. (2000), a respiração yoguica diminui as respostas

quimiorreflexas a hipóxia e hipercapnia. Estes autores concluíram que pessoas treinadas a

realizar baixas frequências respiratórias possuem ajustes nos quimiorreceptores periféricos

e centrais à retenção crônica de CO2 e ajuste crônico dos receptores do alongamento

pulmonar ao hábito de uma longa e profunda respiração, seguido pela atenuação da

descarga do nervo vago ao bulbo respiratório.

Os autores MIYAMURA et al. (2002) analisaram as respostas químicas de um

indivíduo altamente treinado em yoga que realizou um ciclo respiratório por minuto

durante uma hora. Concluindo que este sujeito é capaz de suportar condições de baixa pO2

arterial, alta pCO2 arterial e baixo pH arterial, sugerindo uma reduzida

quimiosensibilidade a hipercapnia.

Sendo assim, pessoas treinadas na realização de respirações profundas e lentas

(yoguicas) estão mais aptas a tolerar as condições como hipóxia e hipercapnia, muito

frequentes durante o mergulho.

2.4.3 Troca gasosa na zona transacional e nos tecidos

Ao pensar na troca gasosa que ocorre no corpo é importante lembrar que o ar

ambiente é composto ao nível do mar de 20,93% de O2 (159 mmHg), 0,03% de CO2 (0,2

mmHg) e 79,04% de N2 (600 mmHg).

Ao inspirar o ar ambiente, este fica saturado com vapor de água ao passar pelas

cavidades nasais e boca, a pressão das moléculas de água no ar umedecido se torna de ~47

mmHg sobrando 713 mmHg (760 – 47 mmHg) de ar seco inspirado.

O ar alveolar possui diferentes porcentagens de gases, pois, o CO2 vindo do sangue

penetra continuamente nos alvéolos, enquanto o O2 deixa os alvéolos pulmonares para ser

transportado através do corpo. Sendo assim, ao se analisar a membrana alvéolo-capilar, o

ar alveolar fica composto ao nível do mar de 14,5% de O2 (103 mmHg), 5,5% de CO2 (39

mmHg), 80% de N2 (571 mmHg) e 47 mmHg de vapor de água (McARDLE, KATCH &

KATCH, 1998).

A troca gasosa ocorrente nos pulmões, sangue e tecidos é causada pelo processo de

difusão passiva. Isto é, a troca gasosa ocorre sempre na direção do compartimento de maior

pressão parcial de um gás para o compartimento que possui menor pressão parcial do

mesmo gás.

Quando o indivíduo está em repouso, a PO2 nos alvéolos pulmonares (100 mmHg)

é bem maior que a PO2 no sangue (40 mmHg), assim, o O2 se dissolve e se difunde

através da membrana alveolar para dentro do sangue. O CO2 se encontra com uma pressão

parcial maior no sangue venoso (46 mmHg) comparado à pressão parcial nos alvéolos (40

mmHg), ocorrendo a difusão do CO2 do sangue para os pulmões.

Já nos tecidos, onde ocorre o consumo de O2 e produção de CO2, as pressões

destes gases podem diferir consideravelmente das pressões no sangue arterial. Em repouso,

com uma PO2 de ~40 mmHg no líquido que circunda as células musculares, e PCO2

celular de 46 mmHg. Enquanto que na atividade física intensa, a PO2 muscular pode cair

para 0 mmHg, e a PCO2 é de ~90 mmHg (McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), as diferenças de pressão entre os

gases no plasma e nos tecidos que estabelecem os gradientes para difusão.

O O2 então é metabolizado nos tecidos, e o CO2 vai para o sangue venoso que tem sentido

rumo ao coração e em seguida pulmões completando o ciclo respiratório.

Fig. 9 – Troca gasosa na zona transacional e nos tecidos (A). Tempo necessário para permuta gasosa (B)

(McARDLE, KATCH & KATCH, 1998)

2.5 Sistema cardiovascular

O sistema cardiovascular tem como função a distribuição do sangue, e

conseqüentemente, de transporte de O2 e nutrientes a todo corpo e remoção do produto do

metabolismo utilizado pelo corpo. A fim de suprir as necessidades dos tecidos fazendo

também a exclusão dos metabólitos indevidos para os tecidos.

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), o sistema cardiovascular é

formado por uma bomba (coração), com circuito de distribuição de alta pressão (artérias e

arteríolas), canais de permuta (capilares), circuito de coleta e de retorno de baixa pressão

(veias e vênulas). Sendo que ~60% do sangue fica nas artérias, arteríolas, vênulas, veias e

capilares, e ~7% do sangue no coração.

Fig. 10 – Sistemas cardiovasculares arterial e venoso (PUTZ et al., 2001)

O coração é a bomba que impulsiona o fluxo sanguíneo pelos vasos do corpo. Este

órgão é formado pelo músculo cardíaco, ou miocárdio. Suas fibras musculares são

individuais, com células multinucleadas interligadas à maneira de uma treliça. Assim,

quando ocorre a despolarização de uma célula, os potenciais de ação se espalham através

do miocárdio por todas as células, fazendo o órgão funcionar como uma unidade.

A seqüência do trajeto do sangue após a saída do coração é o caminho para o

sistema arterial, formado por artérias a arteríolas.

As artérias são tubos de alta pressão que conduzem o sangue rico em O2 para os

tecidos. As paredes destes vasos são impermeáveis e formadas de tecido conjuntivo,

músculo liso e bastante material elástico.

Os vasos arteriais são os vasos mais calibrosos, que recebem o sangue do coração e

transformam energia cinética do sangue sobre a parede dos vasos em energia potencial

elástica. Quando o sangue entre em contato com o vaso, este fica alargado e espreme

(aperta) o sangue para o vaso subseqüente, que realizará o mesmo trabalho.

Como o sistema de pressão é controlado pela força da contração do miocárdio, na

sístole, a tendência é a pressão cair conforme ocorre o distanciamento do coração. Assim, a

quantidade de tecido elástico vai diminuindo com o distanciamento do coração, não

ocorrendo com a mesma intensidade o sistema de aproveitamento e restituição de energia

cinética em energia potencial elástica.

Nas arteríolas, o sistema é caracterizado pela menor pressão e menor quantidade de

material elástico, havendo troca de tecido elástico para tecido muscular liso. As

ramificações das arteríolas são vasos menos calibrosos e com menor quantidade de tecidos

muscular e elástico chamados metarteríolas.

O caminho do sangue depois das metarteríolas é a passagem pelos capilares. Os

capilares são vasos microscópicos formados por uma única camada de células endoteliais,

proporcionando a ocorrência de troca gasosa.

Após a passagem por vasos calibrosos o sangue pode seguir inúmeros caminhos

com as muitas ramificações dos capilares, assim, a densidade dos capilares tem que ser

grande para que o sangue realize a permuta gasosa em vários tecidos.

Muitos capilares são estreitos a ponto de proporcionarem a passagem de uma única

hemácia de cada vez, facilitando a troca gasosa do capilar com o tecido adjacente. Porque

ocorre o aumento da área para troca de gases.

As vênulas e veias recebem o sangue desoxigenado dos capilares e têm o papel de

trazer o sangue de volta ao coração. Porém, a pressão nesses vasos é muito baixa, sendo

necessários certos ajustes que facilitem o retorno venoso.

Nestes vasos ocorre a substituição de tecido elástico para tecido muscular liso.

Além de ser dotado de válvulas ao longo do tubo, distribuídas em pequenos intervalos,

permitindo o fluxo sanguíneo unidirecional. O sistema que proporciona o retorno do

sangue é qualquer pressão exercida pelas contrações musculares, ou pressão proporcionada

pela cavidade torácica com a respiração. A presença de válvulas é essencial para o bom

funcionamento não deixando que o sangue fique estagnado.

Nota-se que o fluxo sanguíneo é dado pela pressão que o coração imprime no

sangue, pelo distanciamento do sangue em relação ao coração e pelos materiais das paredes

dos vasos.

2.5.1 Pressão arterial

Como o sangue é ejetado para a aorta em cada sístole cardíaca, e, os vasos

periféricos de menor calibre não permitem o fluxo sanguíneo para o sistema arterial com a

mesma pressão de saída do coração, a resistência vascular tem grande influência na pressão

arterial.

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH.(1998), a pressão arterial é uma função

do sangue arterial por um espaço de tempo (débito cardíaco) e da resistência vascular ou

periférica imposta a esse fluxo.

Fig. 11 – Esquema elaborado de fatores que afetam a pressão sanguínea (ARNOLD, 2004)

2.5.2 Regulação cardiovascular

O sistema cardiovascular é responsável pelo abastecimento sanguíneo de todos

tecidos do corpo. Sendo que o coração é responsável pelo bombeamento do sangue através

dos vasos. Assim, ocorre a interação contínua dos mecanismos complexos para ocorrência

equilíbrio dinâmico entre pressão sistêmica e fluxo sanguíneo para os tecidos em condições

diversificadas.

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), a regulação cardiovascular

permite o controle rápido do coração sobre a distribuição eficaz do sangue por todo corpo.

Somente com um sistema vascular fechado é possível ocorrer a manutenção da pressão

arterial havendo variação de distribuição do fluxo sanguíneo atendendo às necessidades

metabólicas e fisiológicas.

O sistema cardiovascular é regulado intrínseca e extrinsecamente (McARDLE,

KATCH & KATCH, 1998).

1) Regulação intrínseca do sistema cardiovascular

O músculo cardíaco mantém seu próprio ritmo. Dependendo da demando orgânica

o miocárdio reage em uma frequência.

O ritmo é iniciado pelo marca-passo cardíaco, que é chamado de nódulo sinoatrial

(S-A), localizado na parede posterior do átrio direito. O nódulo S-A se despolariza e

repolariza para proporcionar o estímulo inato ao coração.

Depois de se originarem no nódulo S-A, os ritmos eletroquímicos se propagam até

outro nódulo chamado átrio-ventricular (A-V). Daí, os impulsos se encaminham para o

feixe A-V (ou feixe de His), que é originado no nódulo A-V.

No feixe de His os impulsos são transmitidos rapidamente pelo sistema de Purkinje

(ramos distintos que transmitem o impulso 6 vezes mais rápido que a velocidade de

condução do ventrículo normal) para os ventrículos para desencadear a contração.

Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998) a transmissão do impulso nervoso

tem o seguinte caminho:

Nódulo S-A – Átrios – Nódulo A-V – Feixe A-V (fibras de Purkinje) – Ventrículos

2) Regulação extrínseca do sistema cardiovascular

A mudança na frequência cardíaca pode ser dada pela ação de nervos ligados ao

coração e substâncias químicas circulantes no sangue (McARDLE, KATCH & KATCH,

1998).

Os mecanismos neurais responsáveis pela regulação da frequência cardíaca durante

repouso e exercício são provenientes do cérebro e alcançam o centro de controle

cardiovascular no bulbo ventrolateral. No bulbo ventrolateral a informação é processada e

ocorrendo a regulação da quantidade de sangue distribuído pelo coração e sua distribuição

para os tecidos preferenciais do corpo.

As atividades neurais são importantes na regulação cardiovascular e se originam no

centro cardiovascular e são transmitidas através de componentes simpáticos e

parassimpáticos do sistema nervoso autônomo.

A) Atividade simpática → taquicardia

O miocárdio fica excitado com a estimulação dos nervos cardioaceleradores devido

à liberação das catecolaminas adrenalina e noradrenalina.

Estes hormônios neurais agem acelerando a despolarização do nódulo S-A

induzindo o aumento na frequência cardíaca, além de aprimorar a contratilidade do

miocárdio, aumentando a quantidade de sangue ejetado por batimento (McARDLE,

KATCH & KATCH, 1998).

As catecolaminas agem sobre o fluxo sanguíneo em todo organismo, atuando nos

tecidos de músculo liso dos vasos sanguíneos do corpo realizando vasoconstrição

(noradrenalina – fibras adrenérgicas) e vasodilatação (acetilcolina – fibras colinérgicas)

(McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).

B) Atividade parassimpática → bradicardia

Quando os neurônios parassimpáticos são estimulados ocorre a liberação do neuro-

hormônio acetilcolina, que retarda o ritmo da descarga sinusal e torna o coração mais lento.

Este efeito é mediado essencialmente pela ação do par de nervos vagos, cujos

corpos celulares se originam no centro cardio-inibidor no bulbo. Os nervos vagos são os

únicos nervos cranianos que deixam a região da cabeça e pescoço e penetram no tórax e

regiões abdominais. Segundo McARDLE, KATCH & KATCH (1998), os nervos vagos

conduzem aproximadamente das fibras parassimpáticas.

Um dado bastante importante é que no início e durante os níveis baixos de

exercício, o aumento na frequência cardíaca se processa pela remoção da atividade

parassimpática. E, no exercício mais extenuante ativam-se os nervos simpáticos, e, com o

aumento da intensidade do exercício há o aumento da proporção de sua ativação

(McARDLE, KATCH & KATCH, 1998).

2.6 Imersão em água

O mergulho em apnéia é usualmente precedido por imersão com a cabeça fora da

água. A maioria dos mergulhadores que praticam o mergulho em apnéia fica mais tempo

respirando flutuando na superfície do que totalmente submersos na água. Os

mergulhadores passam aproximadamente 60% do tempo praticando respirações na

superfície (YUN, CHOI & PARK, 2003).

Quando uma pessoa está envolvida por ar, a pressão sobre o seu corpo não difere de

uma região à outra sendo igual à pressão intrapulmonar. Na imersão em água até o

pescoço, a parte submersa sofre ação da pressão atmosférica (1 atm) somado à pressão

hidrostática, que é proporcional à distância vertical da superfície da água. Assim, a pressão

sobre o corpo não é uniforme como no ar. Como o sujeito fica com a cabeça fora da água e

respira o ar atmosférico, a pressão intrapulmonar tem que ser igual a 1 atm.

Conseqüentemente, o sujeito é obrigado a lidar com a pressão respiratória negativa.

Fig. 12 – Distribuição de pressão ao redor de um homem imerso no ar (A) e imerso em água até o pescoço

(B). A densidade dos pontos reflete a magnitude da pressão. As linhas pontilhadas no tórax e abaixo do

diafragma (B) representam posições da parede torácica e diafragma imerso no ar (BOVE & DAVIS, 1990)

Durante a imersão com a cabeça fora da água, o volume de sangue intratorácico

aumenta (entre 300 mL e 700 mL) porque ocorre a ação da pressão hidrostática

comprimindo as veias prejudicando o retorno venoso, aumentando a pressão sanguínea

central. Como a água tem uma densidade similar à dos tecidos humanos, a parte submersa

do corpo fica eficientemente mais leve, eliminando a influência gravitacional na

distribuição do sangue, acarretando um aumento na troca gasosa, promovendo um aumento

homogêneo da perfusão sanguínea nos pulmões (LIN, 1988; BOVE & DAVIS, 1990;

YUN, CHOI & PARK, 2003).

Com a pressão intratorácica negativa somada a compressão do abdome pela pressão

hidrostática, o volume reserva expiratório diminui aproximadamente 70% durante imersão

com a cabeça fora da água comparativamente com o volume reserva expiratório no ar

(BOVE & DAVIS, 1990), e isso acaba gerando uma diminuição de 5% a 10% na

capacidade vital (LIN, 1988) . Como conseqüência dos sucessivos mergulhos em um curto

espaço de tempo, realizando respirações à pressão negativa (imersos em água), os

mergulhadores apneístas desenvolvem maior capacidade inspiratória (BOVE & DAVIS,

1990; YUN, CHOI & PARK, 2003).

Um fato bastante importante que ocorre quando o mergulhador está imerso em água

é o reflexo de imersão. O estímulo necessário para a ativação do reflexo de imersão é a

imersão da face em água, ou ainda, do ramo oftálmico do nervo trigêmio localizado na

face.

Este reflexo tem como ação principal a ativação do nervo vago combinada com

uma diminuição da atividade simpática resultando na restrição do fluxo sanguíneo para

certos órgãos (realizando vasoconstrição periférica para que o sangue fique nos órgãos

vitais), diminuir do débito cardíaco (redução da frequência cardíaca) e aumento da pressão

arterial (BUTLER & WOAKES, 1987; LIN, 1988; HAYASHY et al, 1997; HOLM et al.,

1998; ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM, 2000; FERRETTI, 2001;

ANDERSSON et al., 2002; FERRETTI & COSTA, 2003; ANDERSSON, 2004).

Este reflexo é evidenciado também em mamíferos terrestres e aquáticos e aves,

sendo muito mais evidenciado em mamíferos aquáticos (BUTLER, 1982). Seria

interessante o estudo mais aprofundado dos ajustes ocorrentes nestes animais para

correlacioná-los com os ajustes humanos ou para diferenciá-los dos ajustes humanos.

Como a estimulação do ramo oftálmico do nervo trigêmio implica na ocorrência do

reflexo de imersão, isto implica na escolha da máscara, que deve cobrir a menor área

possível da testa, para não reduzir o reflexo de imersão (ANDERSSON, 2004).

Outros fatores são capazes de influenciar a bradicardia, tais como: fatores neurais

(volume pulmonar e imersão da face em água, principalmente gelada), fatores mecânicos

(imersão do corpo em água), e fatores químicos (PO2 e PCO2) (BOVE & DAVIS, 1990).

Fig. 13 – Modelo esquemático dos fatores que afetam a bradicardia: + indica potenciação; - indica

atenuação das respostas bradicardicas; triângulo simboliza os diferentes tipos de estímulos que modificam a

bradicardia (BOVE & DAVIS, 1990)

A vasoconstrição seletiva originada pelo reflexo de imersão causa uma redução

local do consumo de O2 nos tecidos tolerantes e a bradicardia leva a uma redução na

demanda de O2 no músculo cardíaco (ANDERSSON, 2004).

ANDERSSON (2004) realizou testes e achou uma correlação positiva entre o

reflexo de imersão e o tempo de apnéia, com mergulhadores treinados, mostrando um

reflexo mais pronunciado em um tempo maior de apnéia. As apnéias foram feitas no seco e

com imersão da face. Os mergulhadores treinados conseguiram aumentar seu tempo

máximo de apnéia na água, quando seu reflexo foi eficientemente disparado.

Ao se comparar apnéias com tempos determinados, com e sem imersão da face, a

respeito da saturação de Hemoglobina (Hb) por O2, encontrou-se que a Hb arterial estava

mais saturada após apnéias com imersão da face, onde o reflexo é mais pronunciado. Nas

apnéias no seco, quando o reflexo não é muito desenvolvido, mais O2 é aparentemente

utilizado. Assim, notou-se que a conservação de O2 ocorre nos humanos como nos

mamíferos aquáticos (ANDERSSON, 2004).

Portanto, é possível afirmar que o reflexo de imersão é de grande importância para

o mergulho em apnéia promovendo diversos ajustes que são fundamentais para um menor

gasto energético quando o mergulhador está submerso.

E mais, os pesquisadores HOLM et al. (1998), compararam os ajustes

proporcionados pelo reflexo de imersão em mergulhadores idosos, não-mergulhadores

idosos, mergulhadores jovens, e não-mergulhadores jovens realizando o teste de apnéia

com imersão da face em água fria. Concluindo que os idosos mergulhadores e idosos não-

mergulhadores apresentaram ajustes semelhantes menores que o dos jovens, e os jovens

mergulhadores apresentaram ajustes maiores que os jovens não-mergulhadores. Mas,

mesmo assim, os idosos mergulhadores são capazes de desempenhar bons mergulhos

porque possuem boa técnica de mergulho.

Outro caso que é de grande importância para as pessoas é a diferença de sexo e os

ajustes fisiológicos que cada sexo possui. Os autores WATENPAUGH et al. (2000)

estudaram as influências cardiovasculares e renais com homens e mulheres imersos em

água.

Estes autores concluíram que ambos sexo apresentam respostas cardiovasculares

semelhantes, porém, diferentes respostas renais. Quando imersas em água, mulheres

secretam quantidade duas vezes maior do vasodilatador urodilatina por quilograma

comparado a homens, e, homens secretam maior quantidade de potássio comparado a

mulheres.

Este estudo é um bastante específico, mas, fica evidente que nem todos ajustes

fisiológicos são semelhantes para homens e mulheres quando imersos em água, devendo

haver uma maior atenção a isso.

2.7 Apnéia

Apnéia é a suspensão temporária da atividade respiratória, podendo ser voluntária

(caso da imersão subaquática sem equipamento de ar), ou involuntária, sendo neste caso de

natureza patológica.��

Muitas pessoas podem ficar em apnéia por um certo tempo, mas em geral, em

algum momento durante a tentativa, ocorre desejo da inspiração, este se torna tão intenso

que não há possibilidade de prolongamento da apnéia (ponto de ruptura da apnéia). Essa

demanda é assinalada pelo centro respiratório (bulbo), respondendo ao aumento dos níveis

de dióxido de carbono (hipercapnia) e ácidos no sangue, provocados pela correspondente

queda do teor de oxigênio em função do consumo pelos tecidos (McARDLE, KATCH &

KATCH, 1998).

Quando o indivíduo fica em apnéia ocorre uma bradicardia similar à do reflexo de

imersão (LIN, 1988; LINDHOLM, SUNDBLAD & LINNARSSON, 1999).

Esta bradicardia ocorre com certa demora para atingir o menor ponto de frequência

cardíaca, e, pode ocorrer tanto em repouso quanto durante exercício, podendo chegar a

frequências baixíssimas em alguns homens (LIN, 1988).

Vários fatores como volume pulmonar (fator mecânico), sensibilidade a hipóxia ou

hipercapnia (fatores químicos), ausência de movimentos respiratórios (fatores não-

químicos), fatores psicológicos, treinamento, exercício e altitude podem influenciar o

tempo de apnéia (DELAPILLE et al., 2001).

É notável a diferença que o treinamento proporciona na apnéia. Foi comparada a

troca de gás alveolar em apnéias máximas entre indivíduos treinados e não-treinados. E,

em nenhum momento, as taxas de PO2 e saturação arterial de O2 foram maiores, e a PCO2

foi menor em mergulhadores comparado a não mergulhadores (FERRETTI, 2001).

Isto indica que as taxas de aproveitamento de O2 e produção de CO2 são muito

maiores em indivíduos treinados.

Fig. 14 – Pressão parcial alveolar de O2 (PAO2, símbolos achurados) e pressão parcial alveolar de CO2

(PACO2, símbolos em branco) em mergulhadores extremos (A), e saturação arterial de O2 (SaO2, B)

realizando apnéias em repouso. Símbolos + e x referem-se a não-mergulhadores para PAO2 e PACO2

respectivamente (A), e no painel (B) os símbolos achurados representam mergulhadores extremos e os

símbolos em branco representam não-mergulhadores (FERRETTI, 2001)

Tab. 2 – Composição do gás alveolar ao final de apnéias máximas no repouso (FERRETTI, 2001)

Tab. 3 – Troca gasosa alveolar ao final de apnéias máximas no repouso. (�VLO2 é o volume de O2

absorvido pelos pulmões, �VLCO2 volume de O2 somado aos pulmões durante as apnéias, e R é a taxa de

troca gasosa aparente de �VLCO2 para �VLO2) (FERRETTI, 2001)

2.8.1 Pontos de ruptura

Segundo LIN (2004), o curso do tempo da apnéia pode ser descrito como:

1) Inibição voluntária da atividade muscular respiratória, com a glote fechada a pressão

intratorácica é estável e um pouco acima que a pressão ambiente;

2) Início da atividade involuntária inspiratória com a glote fechada, contabilizando para as

pressões subatmosférica e cíclica que se intensificam com a apnéia;

3) Abertura das vias aéreas.

Há dois pontos de ruptura da apnéia: ponto de ruptura convencional e ponto de

ruptura fisiológico.

O ponto de ruptura convencional ocorre quando o indivíduo está em apnéia

voluntária, e, por fatores até mesmo subjetivos decide terminar a apnéia. Esta subjetividade

contribui para uma grande variabilidade no tempo de apnéia que desafia a predição

baseada em fatores químicos e mecânicos (LIN, 2004).

E, o ponto de ruptura fisiológico ocorre quando há o prolongamento consciente da

apnéia evitando o acontecimento do ponto de ruptura convencional, e é causado

principalmente por fatores químicos, isto é aumento de CO2 (LIN, 2004).

Para DELAPILLE et al. (2001) o ponto de ruptura da apnéia é dado pela

acumulação de CO2 e aumento das contrações involuntárias diafragmáticas. E, estas

atividades são diminuídas após um simples ciclo respiratório.

As contrações involuntárias diafragmáticas acontecem após um período deste

músculo inativo ou em baixa atividade, até acontecerem contrações fortes que chegam ao

máximo no ponto de ruptura da apnéia (DELAPILLE et al., 2001)

Os autores DELAPILLE et al. (2001) compararam a influência dos fatores não-

químicos no tempo de apnéia entre mergulhadores e não-mergulhadores, e concluíram que

os fatores não-químicos são mais fracos em mergulhadores comparando com não

mergulhadores.

Além disso, o treinamento dos indivíduos possibilita a acomodação à falta de

movimentos da musculatura respiratória, que originam as contrações involuntárias

diafragmáticas. Este ajuste ocorre em interação com a queda da quimiosensibilidade ao

CO2 e permite o aumento no tempo de apnéia.

O aumento no tempo de apnéia é treinável. Repetidos testes de apnéia ocorridos em

um mesmo dia provocam melhora significante nos aumentos distintos de tempo de apnéia

em relação a repetições durante um período de 5 dias (HENTSCH & ULMER, 1984).

Segundo HENTSCH & ULMER (1984) ao comparar as melhoras nos tempos de

apnéia na água e no ar, notou-se que na água o resultado nos ganhos é maior em um

mesmo número de sessões.

2.7.2 Apnéia e exercício

Durante a prática de exercícios o consumo de oxigênio é elevado em função dos

gastos musculares e metabólicos, e, ao realizar exercícios em apnéia a utilização do

oxigênio não ocorre através do gás contido nos pulmões unicamente.

É importante saber que durante o exercício em apnéia, o reflexo de imersão, que

também é causado pela apnéia, chega a ser forte o bastante que supera a taquicardia

imposta pelo exercício (ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM, 2000;

ANDERSSON et al., 2002).

Mesmo com um maior gasto energético da musculatura ativa no exercício, os o

reflexo de imersão é um ajuste importante que favorece o menor gasto.

Durante a realização de natação subaquática próximo à superfície (como ocorre em

competições de apnéia dinâmica) há influência do reflexo de imersão e queda da

frequência cardíaca (BUTLER & WOAKES, 1987).

Os outros ajustes evidenciados durante a apnéia e exercício são derivados do

reflexo de imersão.

LINDHOLM, SUNDBLAD & LINNARSSON (1999) concluíram que em apnéia e

exercício ocorre uma conservação do O2, o adiamento temporário da utilização de O2

pelos pulmões e uma diminuição da desaturação arterial, resultando no prolongamento do

período em que as capacidades vitais são tratadas em hipóxia.

Os mesmos autores LINDHOLM & LINNARSSON (2002) aprofundaram mais o

trabalho, concluindo que possíveis mecanismos de adiamento temporário do consumo de

oxigênio pelos pulmões em homens se exercitando em apnéia são extração de O2 do

sangue e depósitos nos tecidos, e energia dos depósitos de tecidos produzida pela glicólise

anaeróbica e fosfatos ricos em energia.

A depleção dos depósitos de O2 e dos depósitos de energia local são por sua vez

ditados por uma redução da entrega de O2 para os músculos utilizados como conseqüência

da queda do conteúdo de O2 arterial e reduções do débito cardíaco e perfusão muscular

(LINDHOLM & LINNARSSON, 2002).

Necessariamente, a redução no consumo de O2 pulmonar só pode ser temporária,

pois, o O2 e os depósitos energéticos precisam ser reabastecidos ao fim da apnéia, com a

inspiração de ar (LINDHOLM & LINNARSSON, 2002).

No início da apnéia a PO2 pulmonar aumenta e a PCO2 diminui devido à

inspiração, mas, a taxa de O2 desaparece linearmente nos primeiros minutos, diminuindo

depois. Continua sendo transferido O2 dos pulmões ao sangue, mesmo com a diminuição

da PO2 alveolar, o sangue arterial não fica saturado de O2 continuando a declinar a

quantidade de O2 (LINDHOLM & LINNARSSON, 2002).

Quanto ao CO2, inicialmente é transferido rapidamente do sangue aos pulmões

porque a PCO2 alveolar está baixa, e ela sobe rapidamente para se igualar à PCO2

sanguínea ou se aproximar. Isso deveria ocorrer até haver uma maior PCO2 alveolar em

relação à sanguínea, mas, ocorre a diminuição do volume pulmonar porque continua

ocorrendo transporte de O2 ao sangue, assim, ocorre a diminuição do transporte de CO2 do

sangue aos pulmões, chegando a parar ou a mudar de direção (LIN, 1988; FERRETTI,

2001; LINDHOLM & LINNARSSON, 2002).

É importantíssimo o estudo da fisiologia da apnéia, as trocas de O2 e CO2 entre

pulmões e sangue, e as formas de utilização de substrato são a essência do mergulho em

apnéia.

2.8 Frio

O equilíbrio térmico é dado em seres humanos, como todos os animais de sangue,

que precisam lidar continuamente com a carga fisiológica de manter a temperatura corporal

relativamente constante. Se a temperatura dos órgãos vitais varia um pouco acima ou

abaixo de 37ºC, a função fisiológica se altera. Alterações maiores, entretanto, podem trazer

conseqüências mais sérias à saúde.

A manutenção da temperatura interna em torno de 37ºC requer que o organismo

atinja um equilíbrio entre as taxas de aumento e perda de calor. Segundo PATE (1997), a

seguinte equação resume os fatores que afetam o equilíbrio térmico:

A = M ± R ± C ± Cv – E

A = calor corpóreo armazenado

M = produção metabólica de calor

R = troca de calor por radiação (emissão de raios infra-vermelhos)

C = troca de calor por condução (contato direto entre superfícies)

Cv = troca de calor por convecção (movimento do ar e movimento da água)

E = perda de calor por evaporação (conversão de líquido a vapor sem mudar temperatura)

E, durante a exposição a um ambiente frio, principalmente no repouso, a perda de

calor corporal por meio da combinação dos efeitos da radiação, condução, convecção e

evaporação pode ultrapassar o ganho de calor como sub-produto do metabolismo.

Sob estas condições, o organismo perde o calor armazenado, fazendo com que a

temperatura corporal diminua. Se temperatura corpórea precisa ser mantida no frio, devem

ocorrer respostas fisiológicas e/ou comportamentais para aumentar a produção de calor ou

reduzir sua perda, recuperando o equilíbrio térmico (A = 0).

Para PATE (1997) os fatores que afetam a tolerância ao frio são:

1) Boa forma física

No repouso, não há dados que a boa forma física contribua na tolerância ao frio.

Porém, durante a atividade no frio, o sujeito precisa trabalhar mais, conseqüentemente,

quanto melhor a forma física, mais o indivíduo irá trabalhar esquentando o corpo (pois o

exercício aumenta o metabolismo e gera calor);

2) Vento

Movimentos rápidos do ar aumentam a perda de calor por convecção. Quanto mais rápido

e mais frio o vento maior a perda de calor;

3) Espessura cutânea

A gordura subcutânea é um excelente isolante térmico, e, quanto mais espessa a

pele maior a resistência a perda de calor;

4) Sexo

Normalmente mulheres apresentam maior espessura de pele e maior relação entre

área-superficial-massa. Apresentando assim, maior tolerância ao calor reduzindo o

metabolismo e consumo de oxigênio quando comparadas aos homens (HOLM et al.,

1998).

Porém, TIKUISIS et al. (2000) compararam as taxas de esfriamento do corpo e

energia do metabolismo de homens e mulheres com mesmas características de gordura

corporal imersos em água fria em repouso. Os autores concluíram que homens e mulheres

exibiram mudanças similares no esfriamento corporal e produção de calor metabólico

durante imersão em água fria em repouso;

5) Imersão em água

A perda de calor na água é muito maior que no ar (~25 vezes), assim, o organismo

perde muito mais calor na água comparado ao ar na mesma temperatura.

2.8.1 Termorregulação e aclimatação no frio

Duas respostas fisiológicas são essenciais para que o organismo mantenha a

termorregulação no frio (PATE, 1997): termogênese (aumento da produção de calor) e

vasoconstrição periférica (diminuição da perda de calor).

A termogênese ocorre quando o corpo é exposto a baixas temperaturas e é

resultante do tremor, resposta fisiológica que aumenta a taxa metabólica. E, toda energia

do tremor se torna calor.

A resposta do tremor ao frio é controlada pelo centro termorregulador, localizado

no hipotálamo. E, termorreceptores localizados na pele, na medula espinhal, e no cérebro

respondem a quedas tanto da temperatura cutânea como da interna e transmitem as

informações ao hipotálamo que emite a resposta apropriada.

Vasoconstrição periférica também é dada pela diminuição nas temperaturas cutânea

e interna. A constrição dos vasos sanguíneos cutâneos provoca uma diminuição do seu

fluxo à pele, reduzindo o envio de calor para a pele e aumentando os efeito isolante dos

tecidos corporais.

E, o desvio de sangue para os tecidos mais profundos ajuda a conservar o calor,

onde as veias mais profundas dos membros estão mais próximas e paralelas às artérias.

Este é chamado de mecanismo contracorrente de troca de calor, ajudando a conservar o

calor que passa do sangue arterial (mais quente) para o sangue venoso que está retornando

à circulação central.

Alguns indivíduos conseguem atingir a termorregulação do organismo em

temperaturas mais frias do que outros indivíduos. Isto ocorre porque são mais aclimatados

a suportar o frio.

Aclimatação refere-se a alterações fisiológicas que ocorrem depois de repetidas

exposições a novas condições ambientais (PATE, 1997).

O mergulho em apnéia é uma atividade exercida faz muitos anos, em locais quentes

ou frios, e, independentemente da temperatura da água, no verão (maiores sessões de

mergulhos) e no inverno (menores sessões de mergulhos), os expondo fortes estresses

térmicos. Assim, com o passar do tempo, os mergulhadores adquirem aclimatação ao frio.

Segundo FERRETTI & COSTA (2003), as mergulhadoras Ama do Japão não estão

aclimatadas ao frio devido à espessura da gordura subcutânea isoladora, como os

mamíferos marinhos.

A temperatura mínima que um humano pode ficar imerso em água por 3 horas sem

tremer é definida como “temperatura crítica na água” (TCA), uma condição que a perfusão

da pele é reduzida ao mínimo e o isolamento corpóreo chega ao máximo (FERRETTI &

COSTA, 2003). Assim, aqueles que conseguem ficar por 3 horas em menor temperatura

são mais aclimatados.

Mergulhadores aclimatados possuem TCA baixa, isto é, conseguem ficar numa

temperatura baixa por 3 horas. Implicando na elevação do limiar de tremor associado com

maior isolamento corpóreo. Este é um indicativo de vasoconstrição periférica mais forte e

mecanismo contracorrente de troca de calor (FERRETTI & COSTA, 2003).

E também, indivíduos aclimatados (mergulhadoras Ama) têm aumento da taxa

basal metabólica, efeito termogênico mais forte de catecolaminas, redução de perda de

calor pelos membros em dado fluxo sanguíneo nos membros e melhores respostas

vasomotoras das mãos para o esfriamento local (FERRETTI & COSTA, 2003).

Segundo BAE et al. (2003), a aclimatação é capaz de induzir diminuição do

tamanho de fibras e aumento da capilarização dos músculos esqueléticos em

mergulhadoras coreanas que estão habituadas à prolongada imersão em água fria. Este

ajuste ocorre para que ocorra menor gasto energético através da perda do calor por causa

do tamanho da fibra, e, para irrigar as áreas mais expostas ao frio com sangue quente.

Com o incremento de roupas isotérmicas (neoprene) muitos mergulhadores não

sofrem as conseqüências das baixas temperaturas, não se aclimatando ao frio. Com certeza,

o lado positivo do uso de neoprene é de ficar mais tempo realizando mergulhos com

menores taxas de queda de temperatura, mas, o indivíduo não se aclimata ao frio.

2.8.2 Imersão em água fria

Com a imersão em água fria, o calor perdido por radiação não é significante quando

comparado ao perdido por convecção e condução. A água transfere ~25 vezes mais calor

que o ar. A convecção ocorre devido ao movimento da água sobre o corpo resultado da

atividade muscular e das correntes da água. Transpiração passiva ocorre e transfere algum

calor, porém, a evaporação não é relevante. Além de se perder muito calor pela urina em

mergulhos longos.

Segundo BOVE & DAVIS (1990), a perda de calor direta do corpo na água é

limitada grandemente pelo isolamento dos tecidos do corpo (centro para pele), e não pelo

coeficiente de transferência da pele para água. O fator limitante no fluxo de calor do corpo

para o meio externo é dado pela taxa de movimento de calor do centro para superfície da

pele na falta de proteção térmica na interface pele-água.

Há dois modos de manutenção da temperatura com a proteção térmica da interface

pele-água: maior espessura subcutânea e utilização de roupas isotérmicas.

A questão da gordura subcutânea não é fator ocorrente nos dias de hoje, que é dado

um grande valor à estética e existem roupas isotérmicas (neoprene) leves, flexíveis e com

diferentes espessuras que são bons protetores. Mas, há pessoas que apresentam uma

camada maior de gordura subcutânea e levam vantagem na proteção (tolerância) ao frio.

As roupas isotérmicas ajudam e muito na proteção contra a água fria. Os

pesquisadores KANG et al. (1983), realizaram a comparação das temperaturas retal e da

pele e VO2 de mergulhadoras apneístas antes e durante seu trabalho de mergulho no verão

(água a 22°C) e inverno (10°C) utilizando roupas isotérmicas (protegidos) ou roupas de

algodão (desprotegidos).

Os resultados obtidos foram que a temperatura retal diminuiu consideravelmente

em um tempo menor de trabalho nos mergulhos desprotegidos no verão e inverno. A

temperatura da pele diminuiu drasticamente nos mergulhos desprotegidos no verão e

principalmente inverno. Além disso, o VO2 ao final do trabalho foi maior em mergulhos

desprotegidos tanto no verão quanto no inverno (KANG et al., 1983).

Indicando que o uso de roupas isotérmicas é importante na proteção contra o frio e

menor gasto energético.

Porém, muitas pessoas já mergulharam e ainda mergulham (e fazem outras

atividades na água) enfrentando o frio sem roupas isotérmicas. E, diversos ajustes

acontecem instantaneamente ao entrar na água, principalmente quando o indivíduo não é

aclimatado.

Ao entrar sem proteção na água fria o indivíduo começa a hiperventilar

demasiadamente, e assim fica por 1 a 2 minutos atingindo alto volume ventilatório. O

aumento da taxa respiratória causa uma queda da PCO2 (alcalose sanguínea), hipocalcemia

relativa com cãibras musculares, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, e diminuição do

nível de consciência. Perda de controle do aumento da taxa respiratória e volume corrente.

Com o passar do tempo há diminuição da força muscular acompanhada de dores,

desorganização mental, medo (BOVE & DAVIS, 1990).

O importante é perceber que apesar da perda da aclimatação, o uso de roupas

isotérmicas promove o menor gasto energético por causa do frio. No meio esportivo, os

treinos normalmente têm duração considerável a ponto de promover um gasto metabólico

bastante alto.

Atletas de diversas modalidades esportivas aquáticas (surfe, travessias na natação,

iatismo, rafting, canoagem de corredeiras, etc.) utilizam neoprene como forma de isolante

térmico, principalmente com o intuito de prolongar os treinos.

2.8.2.1 Termorreceptores na face e extremidades

A estimulação de frio na face ou membros (extremidades) provoca assinalação dos

reflexos cardiovasculares em humanos. A estimulação de ambos nervos parassimpáticos e

simpáticos estão envolvidos na evocação dos reflexos.

Segundo ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM (2000), REYNERS

et al. (2000), quando ocorre a estimulação com água fria de receptores localizados na

região superior da face, inervados pelo ramo oftálmico do nervo trigêmio ocorre a

atenuação do reflexo de imersão. Caracterizada pela redução na frequência cardíaca,

devido ao aumento da atividade parassimpática via nervos vagos que inibe o marca-passo

cardíaco, causando também uma α-adrenérgica vasoconstrição simpática.

E ainda, os autores ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM (2000)

afirmam que a estimulação de água fria das extremidades (antebraço) causa inibição da

atividade parassimpática e aumento da atividade simpática β-adrenérgica para o coração,

resultando em taquicardia. Ao mesmo tempo ocorre uma vasoconstrição simpática α-

adrenérgica. E, essas duas respostas causam aumento na pressão arterial. Se ocorrer a

continuação da imersão, a estimulação dos barorreceptores arteriais retorna a frequência

cardíaca na taxa pré-imersão. A atividade simpática β-adrenérgica é reduzida enquanto a

atividade simpática α-adrenérgica continua a resultar em vasoconstrição e aumento da

pressão sanguínea.

A apnéia também causa ajustes cardiovasculares bastante intensos. Os indivíduos

realizaram apnéia e imersão da face em água fria ou imersão das extremidades (antebraço),

ou a imersão de ambos. Os resultados foram que a apnéia aumenta a bradicardia (reflexo

de imersão) e inibe os efeitos que ocorreriam somente com imersão do antebraço

(ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM, 2000).

Fig. 15 – Modelo esquemático para a integração dos reflexos cardiovasculares envolvidos pelos 3 estímulos

(estimulação com frio do antebraço, estimulação com frio na face, e apnéia), (i é a inibição, + aumento, e –

diminuição) (ANDERSSON, SCHAGATAY, GISLÉN & HOLM, 2000)

Quando indivíduos realizaram exercícios de alta intensidade (ciclo-ergômetro) com

estimulação de água fria na face respirando, ENDO et al. (2003) analisaram o VO2

procurando achar relação com a estimulação do frio. E, e os resultados foram que a

dinâmica do VO2 não foi alterada pela bradicardia antes e depois do início do exercício

apesar de claro retardo e diminuição da frequência cardíaca. Então, este fato pode implicar

em mecanismos mais próximos relacionados à quebra de ATP muscular.

Sendo assim, fica evidente como são importantes os termorreceptores no mergulho

em apnéia, principalmente o ramo oftálmico do nervo trigêmio (reflexo de imersão).

2.9 Ajustes do sistema respiratório durante o mergulho em apnéia

Durante o mergulho em apnéia ocorrem alterações no sistema respiratório para que

não haja problemas no funcionamento que podem ocasionar a morte. Estas alterações são

extremamente necessárias para que o mergulhador consiga evitar prejuízos e até mesmo

melhorar o seu rendimento.

Segundo SOMERS (2004), as alterações mais notáveis são:

1) Ajustes que reduzem ou eliminam a possibilidade de doença descompressiva (DD)

Diversos mamíferos aquáticos desenvolveram efetivo meio para eliminar a

possibilidade de DD (SOMERS, 2004). Mergulhar após expiração completa reduz o N2

disponível para saturação de 80 a 90%. Além de facilitar na bradicardia e vasoconstrição, e

ganho de flutuabilidade negativa auxiliando na descida. Assim, mergulhadores experientes

mergulham após preenchimento de 85% do volume total pulmonar (SOMERS, 2004).

2) Ajustes relacionados à profundidade máxima alcançada por cada indivíduo, resistindo

aos efeitos da compressão torácica

Na descida do mergulho em apnéia a parte flexível do tórax é comprimida e o

diafragma elevado. Conseqüentemente, o ar dos pulmões e vias aéreas é comprimido e o

sistema assume uma posição “expiratória”.

A literatura antiga da fisiologia do mergulho condiciona que a dificuldade não é

experimentada até que a posição de máxima expiração seja alcançada, com o volume de ar

pulmonar se igualando ao volume residual pulmonar somado ao volume de ar das vias

aéreas. E, além desse ponto, continuando a descida pode ocorrer a congestão pulmonar,

edema e hemorragia pulmonar (barotrauma torácico).

Assumindo a hipótese da Lei de Boyle, que dizia que a capacidade pulmonar total

(CPT) não poderia ser comprimida abaixo do volume residual (VR). Assim, a razão entre

CPT/VR indicaria quanto o volume pulmonar poderia ser comprimido no mergulho.

Assim, um mergulhador altamente treinado com CPT de ~7 litros e VR de ~1 litro

apresentaria o valor da razão CPT/VR igual a 7, concluindo que ele poderia descer até uma

profundidade máxima de 70 m de profundidade e sua CPT ainda seria maior que seu VR

(FERRETTI, 2001).

O alcance de recordes levou à rejeição da hipótese da razão CPT/VR mostrando

que o volume pulmonar não era limitante na profundidade máxima do mergulho em

apnéia.

A literatura mais recente (BOVE & DAVIS, 1990; FERRETTI, 2001; SOMERS,

2004) sugere que durante descidas em grande profundidade o sangue das extremidades é

forçado para dentro do tórax, tomando o lugar do ar resultando em significante redução do

volume residual.

A utilização de aparelhos radiográficos durante os mergulhos em apnéia mostraram

uma redução no volume pulmonar, elevação do diafragma, aumento das veias sanguíneas

pulmonares e aumento do diâmetro transverso do coração (FERRETTI, 2001).

Como conseqüência do deslocamento sanguíneo, durante um mergulho profundo a

circunferência torácica diminui menos e mais devagar que a do abdome. A troca

sanguínea, a mudança no formato do diafragma, e a alta resistência dos capilares

sanguíneos a estresses mecânicos colaboram na prevenção da ruptura pulmonar e

hemorragia alveolar (FERRETTI, 2001).

3) Ajustes que tornam o organismo menos responsivos aos efeitos da hipóxia e hipercapnia

Estes ajustes são similares aos que ocorrem em apnéia sem imersão, e, o

treinamento é essencial para manter um bom condicionamento.

Mergulhadores treinados têm uma diminuição significativa da resposta ventilatória

de 10,5% de CO2, melhor utilização de O2 e aumento da tolerância à elevação de CO2 nos

tecidos comparados a não-mergulhadores (SOMERS, 2004).

4) Ajustes que melhoram a eficiência da ventilação durante o intervalo dos mergulhos na

superfície e a fase de recuperação entre os mergulhos

Há 4 fatores que influenciam a eficiência da ventilação (SOMERS, 2004):

1º- A baixa frequência respiratória e o largo volume de troca gasosa, que reduz o gasto de

energia da respiração a cada ciclo;

2º- A elevada utilização de O2 aumenta a eficiência de cada respiração e elimina a

necessidade de aumentar a frequência respiratória. Há um aumento significante nos

volumes reserva inspiratório, capacidade vital e pulmonar total nos mergulhadores

treinados e experientes;

3º- A insuflação completa dos pulmões auxilia na flutuabilidade durante a natação na

superfície e repouso;

4º- Aumento da eficiência respiratória está relacionado à conservação do calor corporal.

Após citar as variáveis que influenciam o sistema respiratório, pode-se dizer que as

alterações respiratórias durante o mergulho tendem a ser instrumentos de proteção contra

pressão, melhora da qualidade do aproveitamento de O2 e capacidade de suportar altos

níveis de CO2.

2.9.1 Troca gasosa alveolar no mergulho em apnéia

Existe uma grande diferença entre a troca gasosa alveolar no mergulho em apnéia e

simples apnéia no ar. Essa diferença ocorre no mergulho devido à ocorrência de aumento

de pressão na descida e descompressão na subida.

Os fatores mais importantes estão relacionados à composição do ar inspirado pelo

mergulhador, que é utilizado e metabolizado gerando produtos importantes a serem

estudados.

As concentrações dos gases do ar alveolar chegam a ser um pouco diferentes do ar

(79,1% de N2, 20,9% de O2, 0,033% de CO2). Segundo BOVE & DAVIS (1990), no

corpo humano antes de um mergulho em apnéia as porcentagens podem ser um pouco

diferentes (79% de N2, 17% de O2, 4% de CO2).

Na descida a compressão do tórax causa uma diminuição do volume pulmonar,

resultando no aumento das pressões parciais de O2, CO2 e N2 progressivamente em

função da profundidade.

Porém, conforme ocorre a descida até o fundo, as concentrações de O2 e CO2 do

gás alveolar se tornam menores do que os correspondentes valores no início do mergulho,

mostrando a rede de transferência desses gases dos alvéolos para os pulmões. A

concentração alveolar de N2 chega a ser maior do que antes da descida porque o N2 tem

que ser removido dos alvéolos para o sangue. E, a difusão de O2 e CO2 é mais rápida que

a difusão de N2, que tem baixa solubilidade no plasma sanguíneo.

Como a PO2 do gás alveolar é alta no fundo devido à alta pressão, fica garantida a

passagem de O2 para o sangue. Assim, todo tempo que o mergulhador estiver no fundo

haverá gradiente de PO2 entre alvéolos e sangue, garantindo a difusão para o sangue.

O CO2 é transferido normalmente do sangue aos pulmões, porém, esta situação de

fluxo de difusão se reverte no mergulho em apnéia (BOVE & DAVIS, 1990), assim como

durante a realização de apnéia (LIN, 1988; FERRETTI, 2001; LINDHOLM &

LINNARSSON, 2002).

A mudança no fluxo de CO2 acontece no mergulho porque a compressão torácica

faz com que a PCO2 alveolar seja maior que a sanguínea, assim, grandes quantidades de

CO2 ficam retidas no sangue resultando no aumento da PCO2 sanguínea. Este aumento da

PCO2 sanguínea que dá o sinal para o mergulhador subir (BOVE & DAVIS, 1990).

Segundo BOVE & DAVIS (1990), a quantidade de CO2 transferido no fluxo

reverso é muito menor em apnéia quando comparado a durante o mergulho em apnéia com

compressão torácica.

Assim que o mergulhador resolve entrar na fase ascendente, deixando o fundo em

direção à superfície, ocorre a expansão dos pulmões por culpa da descompressão.

Conseqüentemente a PO2 alveolar cai progressivamente, continuando a diminuir o

gradiente de difusão de O2.

Na superfície, depois de voltar do fundo, a PO2 alveolar tem valores similares com

a PO2 sanguínea, indicando que não há considerável gradiente de difusão entre alvéolos e

sangue, e o mergulhador está em estado crítico de hipóxia.

O mesmo estado de mudança de direção do fluxo de difusão que ocorre com o CO2

pode acontecer com o O2, mas isso só é possível se o mergulhador ficar mais tempo no

fundo, e, na fase de ascensão ocorrerá a mudança do fluxo.

Fig. 16 – Composição do gás alveolar (%) e pressões imediatamente antes da descida (acima à esquerda), no

fundo, e imediatamente após o retorno à superfície (acima à direita). É notável uma redução progressiva no

volume pulmonar em conjunto com o aumento da pressão dos gases na descida, que são revertidos durante a

subida (BOVE & DAVIS, 1990)

Tab. 4 – Composição do gás alveolar ao final de mergulhos em apnéia profundos (FERRETTI, 2001)

Tab. 5 – Troca gasosa alveolar ao final de mergulhos em apnéia ([La]b concentração do lactato sanguíneo ao

final dos mergulhos) (FERRETTI, 2001)

2.9.1.1 Perigo da hiperventilação excessiva antes do mergulho em apnéia

A hiperventilação consiste basicamente na realização de várias inspirações, que têm

como resultado a redução da PCO2 alveolar e pequeno aumento da PO2 alveolar.

Muitos mergulhadores apneístas realizam a hiperventilação antes do mergulho

porque acreditam que esta técnica possibilita um maior tempo de mergulho em apnéia. De

fato, a hiperventilação possibilita um maior tempo no fundo, pois o indivíduo retarda a

sensibilidade ao aumento na PCO2 sanguínea, demorando maior tempo para atingir os

pontos de ruptura, retardando a vontade de respirar, aumentando o tempo de apnéia.

Porém, o mergulho precedido por hiperventilação é extremamente perigoso. BOVE

& DAVIS (1990); CRAIG (1976); EDMONDS & WALKER (1999) relataram que os

casos de óbitos mais frequentes ocorrem por afogamento de mergulhadores que realizaram

hiperventilação antes de mergulhar.

Segundo BOVE & DAVIS (1990), isto se explica porque a hiperventilação provoca

aumento muito pequeno na PO2 alveolar e do sangue, não aumentando a quantidade de O2

do sangue porque a hemoglobina se satura 100% durante ventilação normal, com PO2

arterial a 100 mmHg. E, a taxa de queda da PO2 sanguínea é a mesma realizando-se ou não

a hiperventilação.

Durante o mergulho em apnéia, quando o mergulhador está no fundo a vontade de

voltar para a superfície e respirar é dada quase unicamente pelo aumento de PCO2

sanguínea, desde que a PO2 é mantida alta por culpa da compressão dos gases. Até que a

PCO2 atinja um nível crítico o mergulhador fica no fundo consumindo O2. Mesmo assim,

o mergulhador tem praticamente o suficiente O2 no corpo para retornar para superfície,

indicado pela baixa PO2 alveolar no final do mergulho (BOVE & DAVIS, 1990).

Ao realizar hiperventilação antes do mergulho, o nível de PCO2 é diminuído, e,

PO2 é pouco aumentado, e, o mergulhador consegue ficar maior tempo no fundo até a

PCO2 alcançar níveis críticos. Mas, como a os estoques de O2 do mergulhador é quase o

mesmo que sem realizar hiperventilação, ocorre grande depleção de O2.

Ao imaginar que na fase de ascensão o corpo sofre descompressão, os gases do

corpo influenciam muito nesta fase. Como o mergulhador que realizou hiperventilação

antes do mergulho está com alta PCO2 sanguínea e baixa PO2 sanguínea, na fase de

ascensão que ocorre o maior número de apagamentos (blackout), depois afogamento.

Com a prática de atividades físicas no fundo o gasto de O2 é maior e outro fator

muito importante é que o nível da PCO2 no ponto de ruptura da apnéia é mais alto durante

o exercício comparado ao repouso (BOVE & DAVIS, 1990). Assim, o mergulhador

consome mais O2 até atingir o ponto de ruptura da apnéia, postergando a vontade de

respirar aumentando o risco de apagamento.

Tab. 6 – Efeitos da hiperventilação no tempo de apnéia e pressão gasosa alveolar no ponto de ruptura em

indivíduos em repouso e exercício (BOVE & DAVIS, 1990)

2.9.1.2 Doença descompressiva

A doença descompressiva (DD) é causada pela alta concentração de N2 nos tecidos

do corpo.

Assim como ocorre a difusão de O2 e CO2 entre sangue e alvéolos, também há

difusão de N2 entre sangue e alvéolos, afinal, ~79% do ar é composto de N2.

Desde que a quantidade de N2 transferido dos alvéolos para a circulação durante o

mergulho é pequena, não há problema de DD. Porém, segundo BOVE & DAVIS (1990), é

possível acumular N2 suficiente se o mergulhador realizar vários mergulhos a

profundidades consideráveis em curto tempo de intervalo na superfície.

Segundo SOMERS (2004), o aumento da PN2 ocorre aos 20 m de profundidade,

mesmo que pequeno o acúmulo de N2 no organismo, o aumento da PN2 nos tecidos pode

contribuir para a ocorrência de bolhas de N2 nestes tecidos causados pelos mergulhos

repetidos e alterações rápidas da pressão ambiente.

Mergulhadores catadores de pérolas do arquipélago de Tuamotu realizam repetidos

mergulhos a grandes profundidades em curtos espaços de tempo, e acabaram adquirindo

uma doença chamada de “taravana” (tara, to fall, ficar ou cair/ vana, crazily, na loucura). A

causa da ocorrência desta doença é incerta.

Os sintomas da taravana são similares aos sintomas da doença descompressiva e

podem causar vertigem, náusea, paralisia parcial ou total, inconsciência temporária e até

mesmo a morte (BOVE & DAVIS, 1990; SOMERS, 2004).

2.10 Ajustes cardiovasculares no mergulho em apnéia

As alterações cardiovasculares mais marcantes do mergulho em apnéia são

proeminentes do reflexo de imersão.Durante o mergulho o reflexo de imersão é

responsável pela conservação de O2 e extensão do tempo de mergulho (SOMERS, 2004).

Na fase pré-mergulho, enquanto o indivíduo realiza inspirações, a frequência

cardíaca é alta, mas basta ocorrer a imersão na água que é iniciada a bradicardia reflexa.

Na fase de descida a frequência cardíaca diminui, e, na ascensão (volta à superfície)

aumenta, voltando aos níveis pré-mergulho ao sair da água (FERRETTI, 2001).

Os pesquisadores FERRIGNO et al. (1997) realizaram um estudo de simulação de

mergulhos a ~50 metros de profundidade utilizando câmaras hiperbáricas a temperaturas

da água termoneutra (35ºC) e fria (25ºC). E constataram uma redução severa na frequência

cardíaca, especialmente na água fria, até mesmo causando arritmias. FERRETTI (2001),

SOMERS (2004), relatam quedas de até 8-10 batimentos por minuto durante o mergulho.

Fig. 17 – Mudanças na frequência cardíaca e profundidade do mergulho em função do tempo em mergulhos

em apnéia profundos no mar. Os símbolos achurados se referem a FC, e os símbolos brancos se referem a

profundidade da superfície para o fundo (FERRETI, 2001)

A bradicardia sozinha não é responsável pelos longos tempos de apnéia. Assim,

SOMERS (2004) indica outros importantes relacionados ao tempo de mergulho e

utilização de O2:

1) Alterações hemodinâmicas

Ao relacionar as alterações hemodinâmicas com o reflexo de imersão, tem-se que

ocorre vasoconstrição periférica associada ao aumento da pressão arterial. Causando

ativação dos hemorreceptores arteriais e resultando em queda da frequência cardíaca, que

não é compensada pelo aumento do volume sistólico, e conseqüente queda no débito

cardíaco e aumento da pressão arterial (FERRIGNO, 1997; FERRETTI, 2001).

Assim como ocorre com a frequência cardíaca, o débito cardíaco é maior na fase

pré-mergulho, cai na fase descendente, e, aumenta na fase ascendente até a emersão

(principalmente porque o débito cardíaco é dependente da frequência cardíaca, e o volume

sistólico não aumenta para compensar) (FERRIGNO, 1997; FERRETTI, 2001).

Fig. 18 – Volume sistólico, débito cardíaco e profundidade X tempo durante mergulhos em apnéia para 50 m.

EM (superfície), RM (fundo) e PM (meio). Variações na temperatura da água de 25ºC (fria) e 35ºC

(termoneutra) (FERRETTI, 1991)

A pressão sanguínea é alta do início ao fim do mergulho, chegando a alcançar

valores altos na descida (280/200 mmHg em um caso, e 290/150 mmHg em outro)

(FERRIGNO, 1997). Só há a queda na pressão na emersão, retomando os valores pré-

mergulho. A realização de apnéia e imersão da face elevam a pressão, mas não atinge

valores tão dramáticos e intensos quanto na realização de mergulho em apnéia em grandes

profundidades (FERRETI, 2001).

Os longos períodos do mergulho estão associados ainda a uma extrema

vasoconstrição periférica, que provoca o redirecionamento do sangue das extremidades

para os grandes vasos, coração, cérebro e pulmões. Permitindo um estoque de O2 no

sangue para ser usado quase exclusivamente na perfusão do coração e cérebro (SOMERS,

2004).

2) Função anaeróbica dos tecidos “não-vitais”

Devido ao isolamento das extremidades e tecidos não-vitais durante o mergulho,

ocorre a utilização do metabolismo anaeróbico com o trabalho sem utilização de O2

(SOMERS, 2004).

A acumulação de lactato ocorre em forma de preservação de O2, causando aumento

na sua concentração com o decorrer do mergulho, e após a volta a superfície e recuperação

os valores são retomados ao nível aeróbico.

Tab. 7 – Reflexo de imersão em mergulhadores extremos. Os dados são média de valores em intervalo de

10 s. Foram gravados durante a fase descendente, em correspondência com os valores de mais alta pressão

sanguínea. Logo, os valores de débito cardíaco (CO) e a frequência cardíaca (fH) não são os menores valores

observados durante o mergulho. O valor do Lactato (La) é o maior do período de recuperação depois do

mergulho. Resistência total periférica (TPR) foi estimada. Q é o volume sistólico; Psys e Pdiast são as

pressões sanguíneas sistólica e diastólica, respectivamente (FERRETTI & COSTA, 2003)

3)Alterações morfológicas

Segundo SOMERS (2004), ocorrem alterações morfológicas do sistema vascular,

que envolvem o estiramento das paredes de vasos sanguíneos altamente elásticos e

alargamento da Aorta. Essas alterações ajudam na manutenção da pressão sanguínea e

promovem uma perfusão adequada ao cérebro.

4) Aumento da capacidade de estoque de O2

O aumento da capacidade de estoque de O2 é mais evidente em mamíferos,

causado pelo alto volume sanguíneo, estoques enriquecidos de hemoglobina e mioglobina,

diminuição do tamanho de eritrócitos e elevação da quantidade de hematócrito (SOMERS,

2004).

Os animais amrinhos (focas e cetáceos) possuem uma quantidade muito maior de

mioglobina comparados a humanos, isto acaba implicando no metabolismo destes animais

durante o mergulho. E acabam utilizando metabolismo aeróbico nos mergulhos enquanto

humanos realizam mergulhos anaeróbicos (FERRETTI, 2001).

5) Redução do volume do baço e consequente ejeção de hemácias no sangue

Segundo BAKOVI� et al. (2003), o baço sofre uma diminuição durante mergulhos

em apnéia. E, este acontecimento tira de regra a possibilidade de colapso passivo e mostra

que durante os mergulhos em apnéia o baço não é parte da periferia com redução de fluxo

sanguíneo.

BAKOVI� et al. (2003) relataram que a contração do baço ocorre logo no início da

apnéia, em paralelo com o pequeno simultâneo aumento na frequência cardíaca, enquanto

os gases arteriais ainda não foram afetados.

A contração do baço foi moderadamente maior em indivíduos treinados comparado

a não-treinados, sugerindo que o treinamento não é tão influente na capacidade de

participação do baço no reflexo de imersão (BAKOVI�, 2003).

O período de recuperação do baço é alto, implicando na atuação em mergulhos

sucessivos, não possibilitando o aproveitamento das hemácias extras estocadas

(BAKOVI�, 2003).

Fig. 19 – Comparação do fluxo sanguíneo na artéria esplênica em função do tempo entre mergulhadores em

apnéia treinados e não-treinados (BAKOVI� et al., 2003)

Fig. 20 – Comparação do volume relativo do baço em função do tempo entre mergulhadores e não-

mergulhadores (BAKOVI�, 2003)

Fig. 21 – Ações reflexas durante o mergulho em apnéia

Encolhimento do baço e consequente liberação de hemácias auxiliando no transporte de O2

Estímulo do ramo oftálmico do nervo trigêmio e atuação do reflexo de imersão

Aumento da pressão estimula barorreflexores da carótida e atuação do reflexo de imersão

Diminuição abrupta da frequência cardíaca causada pelo reflexo de imersão, para reduzir o consumo de O2 e prolongar o mergulho

Vasos da periferia sofrem vasoconstrição, enquanto vasos do coração, cérebro e pulmões dilatam, desviando sangue e O2 para os órgãos vitais

Vasos torácicos enchem-se de sangue quando a pressão hidrostática aumenta, ocupando espaços vazios e mantendo o gradil costal intacto

3. CONCLUSÃO

O problema abordado neste trabalho é bastante amplo, sendo evidenciados diversos

fatores importantes a serem considerados.

Técnica, perfeita condição de saúde, boa consciência corporal e conhecimento dos

próprios limites fisiológicos e psicológicos são de extrema importância para a prática do

mergulho em apnéia sem riscos.

Praticando a atividade em segurança, é válido saber das diferentes categorias

competitivas para se possível experimentá-las: apnéia estática, dinâmicas com e sem

nadadeiras e disciplinas de profundidade (lastro constante, lastro constante sem nadadeiras,

imersão livre, lastro variável, e no limits).

Um fator precisa ser comentado sobre a categoria no limits. A realização das

descidas de cabeça para cima é uma técnica fundamental contra a altíssima pressão

hidrostática, principalmente porque nesta categoria o fator limitante não é o tempo, mas

sim, a pressão (o atual recordista mundial é capaz de suportar 17 atm nesta categoria).

Todos mergulhadores devem estar cientes dos aspectos físicos da água, que

envolvem o mergulho. Tais como: pressão (quanto maior a profundidade maior a pressão),

a porcentagem dos gases na água (79,1% de N2, 20,9% de O2, 0,033% de CO2) e as leis

dos gases (Lei de Boyle, Lei de Charles, Lei de Dalton e Lei de Henry), e o princípio de

Arquimedes (flutuação de um corpo no meio líquido).

Além disso, a anatomia do próprio corpo é de grande importância na associação da

influência das leis dos gases nos espaços afetados por essas leis (seios da face, ouvidos,

canal respiratório, dentes e pulmões).

A pressão exercida sobre os ouvidos pode ser controlada durante o mergulho, o

mergulhador pode executar alguma das diferentes manobras de equalização do ouvidos

para igualar a pressão interna com a ambiente e evitar a ruptura dos tímpanos.

A fisiologia do sistema respiratório exerce papel fundamental no mergulho em

apnéia, dado que a prática da modalidade exige grande trabalho deste sistema, que tem de

estar saudável para não se comprometer durante a prática. A qualidade da respiração e o

treinamento (yoga e outras técnicas respiratórias) são fundamentais para a melhora no

desempenho.

O mesmo ocorre com o sistema cardiovascular, que tem de funcionar perfeitamente

porque qualquer alteração deixa o corpo propenso a riscos. Indivíduos com problemas

cardiovasculares não podem praticar o mergulho em apnéia. As influências simpática e

parassimpática são de grande importância na ativação dos reflexos do mergulho,

acelerando ou retardando os batimentos cardíacos, e realizando vasoconstrição ou

vasodilatação dos vasos.

Dando início aos relatos propriamente ditos do mergulho em apnéia, durante a

imersão em água (maior parte do tempo o mergulhador fica imerso em água - 60% do

tempo) o mergulhador sofre ação do reflexo de imersão (imersão do ramo oftálmico do

nervo trigêmio na face em água).

O reflexo de imersão é fundamental para o mergulho em apnéia, e sua ação

principal é a ativação do nervo vago combinada com uma diminuição da atividade

simpática resultando na restrição do fluxo sanguíneo para certos órgãos (realizando

vasoconstrição periférica para que o sangue fique nos órgãos vitais), diminuir do débito

cardíaco (redução da frequência cardíaca) e aumento da pressão arterial. Isto tem como

objetivo a conservação do O2, e aumento do tempo de mergulho.

A bradicardia pode ser afetada por alguns fatores: fatores neurais (imersão da face,

principalmente em água gelada, e volume pulmonar), fator mecânico (imersão em água) e

fatores químicos (PO2 e PCO2). Pode ser atenuada ou potencializada em função destes

fatores.

Outro componente essencial é a apnéia, que também causa o reflexo de imersão. O

ponto de ruptura da apnéia (tempo de apnéia) é influenciado por alguns fatores: volume

pulmonar (mecânico), sensibilidade a hipóxia ou hipercapnia (químico), ausência de

movimentos respiratórios (fatores não-químicos), fatores psicológicos, treinamento e

altitude.

Durante a realização de apnéia e exercício, a bradicardia do reflexo de imersão

supera a taquicardia do exercício, mostrando uma conservação do O2 e aumento do

metabolismo anaeróbio.

O frio é outro fator limitante para o mergulho em apnéia, causando um grande

aumento na perda de energia do mergulhador. A termorregulação é feita através da

termogênese (aumento da produção de calor ou tremor) e vasoconstrição periférica

(diminuição da perda de calor). Indivíduos que mergulham sem roupas isotérmicas são

mais aclimatados que os indivíduos que utilizam roupas de neoprene. É importante lembrar

que na água a troca de calor é ~25 vezes maior que no ar a uma mesma temperatura.

Quando imersos em água fria, os termorreceptores localizados na face estimulam a

bradicardia. Porém, se imergir os membros ou extremidades ocorre a estimulação de

taquicardia.

Durante o mergulho em apnéia, diversos fatores afetam o sistema respiratório,

então, o organismo possui formas de se ajustar contra a alta pressão, melhorar a qualidade

de aproveitamento de O2, e aumentar a capacidade de suportar altos níveis de CO2.

Dentre as alterações, vale destacar: alterações que reduzem ou eliminam a

possibilidade de doença descompressiva, ajustes relacionados à profundidade máxima de

cada indivíduo, ajustes que tornam o organismo menos responsivo aos efeitos da hipóxia e

hipercapnia, e ajustes que melhoram a eficiência da ventilação durante o intervalo nos

mergulhos na superfície e recuperação entre mergulhos.

A troca gasosa alveolar durante o mergulho é bastante diferente da troca somente

em apnéia, porque ocorre a ação da pressão hidrostática sobre os gases. Deve-se tomar

cuidado com a realização de mergulhos repetidos em curto espaço de tempo por causa da

doença descompressiva, e não realizar hiperventilação antes do mergulho para não sofrer

apagamento e afogamento (muito frequentes no mergulho em apnéia).

Os ajustes cardiovasculares durante o mergulho em apnéia estão diretamente

ligados ao reflexo de imersão, que tem como função a conservação do O2 e prolongamento

do tempo de mergulho em apnéia.

Podem-se identificar alterações hemodinâmicas: diminuição da frequência cardíaca,

manutenção do volume sistólico (consequente queda do débito cardíaco), grande aumento

da pressão arterial, e aumento da vasoconstrição periférica (redirecionamento de fluxo

sanguíneo para órgãos vitais). Funções anaeróbicas dos tecidos não-vitais, alterações

morfológicas dos vasos sanguíneos, aumento da capacidade de estoque de O2, e atuação do

baço ejetando hemoglobina para o sangue.

Fica evidente que diversas alterações são realizadas para que os mergulhadores

consigam ficar por maior tempo em apnéia diminuindo o gasto energético, protegendo o

organismo contra os efeitos da pressão.

Indivíduos treinados possuem todos os ajustes mais evidenciados auxiliando a

prática da atividade quando comparados com indivíduos destreinados, e, animais marinhos

(mamíferos e aves) possuem estes ajustes muito mais evidenciados.

Desse modo, fica evidenciado que indivíduos praticantes de outras modalidades

aquáticas (surfistas, bodyboarders, nadadores e atletas de nado sincronizado) que procuram

adquirir um melhor condicionamento físico por meio da prática do mergulho em apnéia

conseguirão ajustes específicos ao mergulho que, em certo ponto, podem ser muito úteis

para as modalidades que praticam (sempre com acompanhamento especializado).

Fig. 22 – Surfista em onda gigante (WAVES, 2004)

REFERÊNCIAS

AGUDELO, R. D.; GIL, A. M.; Escuela de entrenamiento de la apnea. Inmersion, vol. 2, n. 3, 1999. Disponível em: <http://olympia.fortunecity.com/bischoff/452/boletin/mar99.htm>. Acesso em: 10 out. 2004.

AIDA; Association Internationale pour le Développement de l'Apnée. Disponível em: <http://www.aida-international.org/current_world_records.htm>. Acesso em: 19 out. 2004

ANDERSSON, J.; Regulatory mechanisms during apnea and diving. Lund University. Disponível em: <http://www.biol.lu.se/zoofysiol/Dyk/summary.html>. Acesso em: 10 out. 2004.

ANDERSSON, J.; SCHAGATAY, E.; GISLÉN, A.; HOLM, B.; Cardiovascular responses to cold-water immersions of the forearm and face, and their relationship to apnoea. European Journal of Applied Physiology, v. 83, p. 566-72, 2000.

ANDERSSON, J.; LINÉR, M. H.; RÜNOW, E.; SCHAGATAY, E. K.; Diving response and arterial oxigen saturation during apnea and exercise in breath-hold divers. Journal of Applied Physiology, v. 93, p. 882-6, 2002.

ARNOLD, R. W.; Modifications in the vasomotor arm of the human diving response. National Sea Grant Library. Disponível em: <http://nsgl.gso.uri.edu/nysgi/nysgiw85001/nysgiw85001_part6.pdf>. Acesso em: 3 out. 2004.

BAE, K. A.; AN, N. Y.; KWON, Y. W.; KIM, C.; YOON, C. S.; PARK, S. C.; KIM, C. K.; Muscle fibre size and capillarity in Korean diving women. Acta Physiologica Scandinavica, v. 179, p. 167-172, 2003.

BAKOVI�, A.; VALI�, Z.; ETEROVI�, D.; VUKOVI�, I.; OBAD, A.; MARINOVI�-TERZI�, I.; DUJI�, Z.; Spleen volume and blood flows response to repeated breath-hold apneas. Journal of Applied Physiology, v. 20, 2003.

BECKER, G. D.; PARELL, G. J.; Barotrauma of the ears and sinuses after scuba diving. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology, v. 258, p. 159-63, 2001.

BOVE, A. A.; DAVIS, J. C.; Diving medicine. Segunda edição, 1990.

BUTLER, P. J.; Respiratory and cardiovascular control during diving in birds and mammals. Journal of Experimental Biology, v. 100, p. 195-221, 1982.

BUTLER, P. J.; WOAKES, A. J.; Heart rate in humans during underwater swimming with and without breath-hold. Respiration Phisiology, v. 69, p. 387-99, 1987.

CRAIG, A. B.; Summary of 58 cases of loss of consciousness during underwater swimming and diving. Medicine & Science in Sports & Exercise, v. 8, p. 171-5, 1976.

DELAPILLE, P.; VERIN, E.; TOURNY-CHOLLET, C.; PASQUIS, P.; Breath-holding time: effects of non-chemical factors in divers and non-divers. European Journal of Applied Physiology, v. 442, p. 588-94, 2001. �

EDMONDS, C. W.; WALKER, D. G.; Snorkelling deaths in Australia. Medicine Journal of Australia, v. 171, p. 591-4, dezembro, 1999.

EGUSKITZA, X.; HUEY, R. B.; Limits to human performance. Journal of Experimental Biology, v. 204, p. 3115-3119, 2001.

ENDO, M.; TAUCHI, S.; HAYASHI, N.; KOGA, S.; ROSSITER, H. B.; FUKUBA, Y.; Facial cooling-induced bradycardia does not slow pulmonary VO2 kinetics at the onset of high-intensity exercise. Journal of Applied Physiology, v. 95, p. 1623-31, 2003.

FERRETTI, G.; Extreme human breath-hold diving. European Journal of Applied Physiology, v. 84, p. 254-71, 2001.

FERRETTI, G.; COSTA, M.; Diversity in adaptation to breath-hold diving in humans. Comparative Biochemistry and Physiology, v. 136, p. 205-13, 2003.

GRAVER, D.; Scuba diving. Terceira edição, 2003.

HAYASHI, N.; ISHIHARA, M.; TANAKA, A.; OSUMI, T.; YOSHIDA, T.; Face immersion increases vagal activity as assessed by heart rate variability. European Journal of Applied Physiology, v. 76, p. 394-99, 1997.

HENTSCH, U.; ULMER, H. V.; Trainability of underwater breath-holding time. International Journal of Sports Medicine, v. 5, f. 6, p. 343-7, 1984.

HOLM, B.; SCHAGATAY, E.; KOBAYASHI, T.; MASUDA, A.; OHDAIRA, T.; HONDA, Y.; Cardiovascular change in elderly male breath-hold divers (Ama) and their socio-economical background at Chikura in Japan. Applied Human Science, v. 17, n. 5, p. 181-7, 1998.

McARDLE, F.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L.; Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. Quarta edição, 1998.

KAN, D. H.; PARK, Y. S.; PARK, Y. D.; LEE, I. S.; YEON, D. S.; LEE, S. H.; HONG, S. Y.; RENNIE, D. W.; HONG, S. K.; Energetics of wet-suit diving in Korean women breath-hold divers. Journal of Applied Physiology, v. 54, n. 6, p. 1702-7, 1983.

KAY, E.; Prevention of middle ear barotrauma. 2000. Disponível em: <http://faculty.washington.edu/ekay/MEbaro.html>. Acesso em: 13 ago. 2004.

LIN, Y. C.; Applied physiology of diving. Sports Medicine, v. 5, p. 41-56, 1988.

LIN, Y. C.; Effect of O2 and CO2 on breath-hold breaking point. National Sea Grant Library. Disponível em: <http://nsgl.gso.uri.edu/nysgi/nysgiw85001/nysgiw85001_part3.pdf>. Acesso em 13 set. 2004.

LINDHOLM, P.; LINNARSSON, D.; Pulmonary gas exchange during apnoea in exercising men. European Journal of Applied Physiology, v. 86, p. 487-91, 2002.

LINDHOLM, P.; SUNDBLAD, P.; LINNARSSON, D.; Oxygen-conserving effects of apnea in exercising men. Journal of Applied Physiology, v. 87, n. 6, p. 2122-7, 1999.

MIYAMURA, M.; NISHIMURA, K.; ISHIDA, K.; KATAYAMA, K.; SHIMAOKA, M.; HIRUTA, S.; Is man able to breathe once a minute for an hour?: The effect of yoga respiration on blood gases. Japanese Journal of Physiology, v. 52, p. 313-6, 2002.

PATE, R. R.; Considerações especiais sobre exercícios em climas frios. Sports Science Exchange, n. 11, 1997.

PIPIN, F.; Freitauchen - Die Geschichte. Disponível em: <http://home.pages.at/uwsport/deutsch/freedivegeschichte.htm>. Acesso em: 15 out. 2004.

PUTZ, R; PABST, R.; WEIGLEN, A.; TAYLOR, A.; Sobotta Atlas of Human Anatomy. Décima terceira edição, 2001.

RAHN, H.; Breath-hold diving: a brief history. National Sea Grant Library. Disponível em: <http://nsgl.gso.uri.edu/nysgi/nysgiw85001/nysgiw85001_part1.pdf>. Acesso em: 13 set. 2004.

REYNERS, A. K. L.; TIO, R. A.; VLUTTERS, F. G.; WOUDE, G. F.; REITSMA, W. D.; SMITH, A. J.; Re-evaluation of the cold face test in humans. European Journal of Applied Physiology, v. 82, p. 487-92, 2000.

RUMOAOABISMO; Rumo ao abismo. Disponível em: <http://www.rumoaoabismo.com/>. Acesso em: 20 out. 2004.

SOMERS, L. H.; Diver education series. Physiology of breath-hold diving. National Sea Grant Library. Disponível em: <http://nsgl.gso.uri.edu/michu/michut86004.pdf>. Acesso em: 10 out. 2004.

SPICUZZA, L.; GABUTTI, A.; PORTA, C.; MONTANO, N.; BERNARDI, L.; Yoga and chemoreflex response to hypoxia and hipercapnia. The Lancet, v. 356, p. 1495-6, 2000.

TIKUISIS, P.; JACOBS, I.; MOROZ, D.; VALLERAND, A. L.; MARTINEAU, L.; Comparison of thermoregulatory responses between men and women immersed in cold water. Journal of Applied Physiology, v. 89, p. 1403-11, 2000.

TOKLU, A. S.; KAYSERILIOGLU, A.; ÜNAL, M.; ÖZER, S.; AKTAS, S.; Ventilatory and metabolic response to rebreathing the expired air in the snorkel. International Journal of Sports Medicine, v. 24, p. 162-5, 2003.

WATENPAUGH, D. E.; PUMP, B.; BIE, P.; NORSK, P.; Does dender influence human cardiovascular and renal responses to water immersion? Journal of Applied Physiology, v. 89, p. 621-8, 2000.

WAVES; Waves a comunidade virtual do surf. Disponível em: <http://waves.terra.com.br/>. Acesso em: 3 nov. 2004.

YOGA. Breathing Exercise (Pranayama) – The anatomy of breathing. Disponível em: <http://www.abc-of-yoga.com/pranayama/anatomy.asp>. Acesso em 10 set. 2004.

YUN, S. H.; CHOI, J. K.; PARK, Y. S.; Cardiovascular responses to head-out water immersion in Korean women breath-hold divers. European Journal of Applied Physiology, v. 91, p. 708-11, 2004.