ahead of the curve - ensaio

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IDEFE Pós-graduação em Prospectiva, Estratégia e Inovação [AHEAD OF THE CURVE: ANTECIPATING STRATEGIC SURPRISE] Trabalho individual realizado no âmbito da UC1 - Prospectiva Estratégica: Princípios, Conceitos e Aplicações Marisa F. Silva Novembro de 2011

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Trabalho individual realizado no âmbito da UC1 - Prospectiva Estratégica: Princípios, Conceitos e Aplicações da Pós-graduação em Prospectiva, Estratégia e Inovação (2011/2012)

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IDEFE

Pós-graduação em Prospectiva, Estratégia e Inovação

[AHEAD OF THE CURVE:

ANTECIPATING STRATEGIC

SURPRISE] Trabalho individual realizado no âmbito da UC1 - Prospectiva Estratégica: Princípios, Conceitos e

Aplicações

Marisa F. Silva

Novembro de 2011

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Prospectiva Estratégica: Princípios, Conceitos e Aplicações

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Ahead of the Curve: Anticipating Strategic Surprise

Schwartz e Randall, 2007

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”, in Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago

Vivemos num mundo de surpresas, cada vez mais imprevisível, volátil e complexo. É neste contexto

que Schwartz e Randall apresentam a capacidade de antecipar as surpresas estratégicas como um

ativo valioso acessível a qualquer organização ou nação, isto é, ainda que o futuro seja sempre

rodeado de incerteza, os decisores podem, contudo, preparar-se melhor para lidar com essas

surpresas e se adaptarem à mudança.

“The warning signs are there if one’s eyes are open to them”, é a citação capaz de, de modo simples,

resumir a ideia central do artigo em análise, encerrando em si uma mensagem importante – a de

que, apesar dos sintomas existirem, é preciso estar atento e ter método e criatividade para os

detetar. Com efeito, o artigo aponta a ausência destes como justificativo para a miopia ou cegueira

que assiste ainda a grande parte dos decisores e o seu objetivo passará por aí – evidenciar essa

cegueira como opcional ou evitável e não como um facto determinado e de resignação.

Os autores argumentam que, até mesmo as mais devastadoras surpresas, podem ser antecipadas.

O pressuposto subjacente aqui defendido, é a de que as descontinuidades não emergem sem aviso.

Assim, Schwartz e Randall afirmam não que qualquer um pode prever o que vai acontecer, mas sim

que todos, dos analistas aos decisores, podem ver as forças de mudança à medida que estas vão

tomando forma e não serem então totalmente surpreendidos quando essas forças reformularem o

ambiente global. Qualquer um pode sentir aquelas forças desde que façam de tal exercício uma

prioridade e se comprometam com uma abordagem sistemática de identificação e monitorização.

De acordo com os autores, uma surpresa estratégia pode entender-se como um evento que tem um

importante impacto numa organização ou num país, desafiando a hipótese convencional ou

solidamente expectável – “futuro oficial” –, e que, por estas características, torna difícil imaginar

estratégias de resposta. Tratam-se de eventos que, pela sua dimensão, alteram as “regras do jogo” e

paradigmas tidos como certos. Desta definição, depreende-se a criticidade da capacidade de

antecipação de oportunidades e ameaças no ambiente e que fazem desta um issue de especial

relevância na gestão estratégica dos nossos dias.

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Como elementos-chave para a deteção atempada das forças de mudança, Schwartz e Randall

apontam como fundamentais a imaginação e o método, defendendo que a surpresa estratégica

reside na sua plausibilidade e capacidade para instigar uma ação, da mesma forma que carece de

uma base sólida de sistematização, permitindo explorar, com rigor crítico, o quão significativos os

eventos poderão ser.

Para a deteção dos sinais de mudança, os autores defendem ainda a aplicação de filtros na

informação e recomendam o recurso a fontes diferenciadas para mais facilmente separar o sinal do

ruído e distinguir o importante do acessório. Porém, mais do que discutir como a informação é

recolhida, importa definir como a informação é processada, e aí, dentre as variadas frameworks

disponíveis, Schwartz e Randall destacam a análise STEAP e a construção de cenários, além da

importância do uso de uma perspetiva ouside-in e inside-out. À semelhança das abordagens de

recolha de informação, a recomendação a reter é a de que não deve ser usada uma única

abordagem interpretativa.

De resto, os autores defendem que não existem, no sentido crítico da palavra, surpresas que,

simplesmente, “emergem”, tratando-se somente esse de um argumento para justificar alguma

preguiça ou falta de disciplina na recolha, identificação e análise de sinais de alarme. Todos podem

antecipar surpresas desde que usem método e imaginação. Assim, aqueles que falham nesta

antecipação, falham porque não percorreram um processo disciplinado de pesquisar o inesperado,

falharam na sua análise, tiveram uma comunicação inconsequente ou, por fatores estruturantes

como modelos mentais, apresentaram relutância em acreditar na surpresa estratégica.

Numa análise crítica pessoal, verifica-se que, com um tom quase provocatório, de quem coloca o

dedo na ferida e aponta a lacuna de vigilância ou cegueira, os autores são perentórios em afirmar

que as surpresas estratégicas só têm esse carácter de surpreendente para quem não tiver feito o

trabalho de casa, isto é, identificar os indicadores e colocar em alerta os sensores, procedendo à sua

monitorização permanente e contínua.

Ainda que não tenha sido utilizado uma única vez aquele termo ao longo do artigo, é evidente que o

tema em causa é a importância dos weak signals enquanto input privilegiado para a antecipação da

surpresa estratégica. De facto, as surpresas estratégicas dão sobre si próprias, antecipadamente,

alguma informação precoce: há sinais ou sintomas de surpresas, acontecimentos ainda recentes e

pouco numerosos, precoces, ténues, ambíguos e nebulosos, que contrariam o sentido de dada

tendência e/ou sugerem caminhos ainda não cobertos.

Através da colocação das questões certas mais do que das respostas certas, o exercício de

antecipação de surpresas estratégicas permite ao decisor procurar nos sítios certos os sinais de

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mudança ou weak signals e fazer o seu tracking, isto é, atribui-lhe um papel ativo e de pré-atividade

e não unicamente de espectador e passividade perante o mundo que o rodeia e o afeta.

A construção de cenários, tomando em consideração os weak signals identificados, embora não

abordada de forma suficientemente profunda no artigo, assume aqui um papel preponderante, já que

permite delimitar a incerteza e traz à organização a capacidade de agir em antecipação quando julga

estar em virtude de um cenário que se está a descortinar como real, ou seja, dá-lhe mais margem de

manobra e tempo para criar novas opções de resposta, seja na exploração das oportunidades ou no

lidar com as ameaças associadas à surpresa. Nesse caso, se o cenário acontece exatamente ou não

da forma como tinha sido pensado não é o importante, o crítico é desenvolver os indicadores certos e

responder na sua presença.

A visão periférica poderia igualmente ter sido abordada, no sentido de que se constitui como uma

característica essencial na identificação dos weak signals e permite ligar os pontos (connect the dots)

essenciais para entender o contexto da mudança e a sua potencial evolução.

A atribuir uma nota ao artigo, essa seria 16, com base no critério da facilidade de interpretação do

artigo, abrangência e profundidade do tema, bem como capacidade de aplicação e relevância para a

atualidade. Derivado de ter apresentado apenas superficialmente alguns pontos que, nesta

perspetiva pessoal são essenciais, a nota 16 é também sustentada pelo facto do artigo, escrito de

uma forma fluída e simples, revelar uma vincada posição dos autores – a de que as surpresas

estratégicas podem ser antecipadas –, mas pecar no pragmatismo, isto é, no “como”, concretização

da metodologia para identificação e análise dos sinais de mudança, assentando o seu conteúdo em

definições, exemplos e orientações gerais. Nesse sentido, poderia ser vantajoso que o artigo

apresentasse um conjunto de passos ou explanasse mais as ferramentas úteis para aplicar, na

prática, o exposto. Desta forma, o artigo pode ler-se como um artigo introdutório para um tema maior,

sendo que, para um estudo mais profundo, ao nível académico ou profissional, poderá saber a

pouco. Porém, é um excelente ponto de partida e é inegável que se trata de um provocador

despertar para muitos decisores ainda inconscientemente incompetentes, ou cegos na forma como

se preparam e respondem à mudança.

Ressalve-se ainda que o artigo de Schwartz e Randall apresenta uma atualidade e premência

notável face ao mundo de crescente incerteza com que empresas e nações se deparam, pelo que

trata-se de uma leitura essencial para os decisores de hoje.

O artigo suscita ainda um conjunto de questões que seria pertinente colocar aos autores,

nomeadamente, a extensão das conclusões também à área de wildcards, isto é, serão também

wildcards antecipáveis por via da identificação e monitorização de weak signals? Mas, sendo os

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wildcards eventos, por definição, súbitos e totalmente inesperados, poderá assegurar-se a existência

de sinais de alarme que os sustentem?

Uma outra questão relevante relaciona-se com a própria natureza dos weak signals e que não deve

ser negligenciada – como tornar credíveis sinais que são, por si, “estranhos”, isto é, que pelo seu

distanciamento face ao paradigma dominante ou expectável sejam suficientemente plausíveis para

serem tomados a sério e não corram o risco de se perderem por parecerem demasiado divergentes

ou “loucos”, acabando por se confundirem com ruído? Com efeito, como é sugerido pelos autores, a

plausibilidade da comunicação é de extrema importância na antecipação da surpresa estratégica, já

que deverá ser credível bastante para conduzir à ação.

No seguimento desta questão, seria ainda curioso obter a opinião dos autores sobre a evolução no

acesso à informação e sua implicação na identificação de sinais – será que o facto de hoje em dia a

informação estar mais facilmente acessível a todos através da Internet facilita ou dificulta a distinção

entre reais sinais e ruído, comparativamente com períodos anteriores, B.G. (before Google)?

Estas e outras questões poderão conduzir a investigação para outras áreas focalizadas,

designadamente, da importância das redes sociais, como o Facebook ou Twitter, para a identificação

e monitorização de weak signals, por exemplo. Com efeito, num mundo em que a presença online é

quase exigível, a influência destes fatores não deve ser descurada para uma análise que se pretenda

conclusiva.

Tratando-se de um artigo que versa essencialmente sobre a importância dos weak signals será

importante, para um estudo mais profundo, articular esta informação com a obra de Ansoff sobre esta

matéria, bem como de Clausewitz. Recorrer à fonte original desta teoria poderá trazer contributos

importantes para uma consolidação do referido no presente artigo.

A aplicabilidade destas conclusões aos wildcards pode ser também um interessante caminho de

investigação, como referido acima, já que, pelas suas caraterísticas particulares, poderão originar

conclusões diferenciadas que permitam esclarecer se, nesses casos, se trata também de mera

cegueira para os sintomas ou se, pelo contrário, os weak signals são nulos, insuficientes ou

inconclusivos para permitir antecipar wildcards.

Decorrente da relutância em acreditar numa surpresa estratégica antecipadamente comunicada,

frequentemente devido aos moldes mentais pré-estabelecidos, seria também pertinente considerar

os estudos de Hofstede, permitindo uma análise da tolerância à ambiguidade (dos weak signals) por

parte de cada País.

O futuro é incerto. Mas a preparação das organizações e nações não tem de o ser.