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AGRICULTURA FAMILIAR E USO DO SOLO

Ero dos anos 90: o primeiro é o que assimila, confunde,transforma em sinônimos “agricultura familiar” e expres-sões como “produção de baixa renda”, “pequena produ-ção” ou até mesmo “agricultura de subsistência”; e o se-gundo é o que considera as grandes extensões territoriaistrabalhadas por assalariados como a expressão mais aca-bada do desenvolvimento agrícola. Os dois preconceitossão evidentemente solidários e respondem pela visão tãofreqüente de que, apesar de sua importância social, nãose pode considerar a agricultura familiar como relevantesob o ângulo econômico.

Não se trata de filigranas sociológicas, mas de um as-sunto decisivo para todos os que atuam na agricultura ese preocupam com o destino do meio rural. Enquantoperdurar a crença de que a agricultura familiar é, por de-finição, um tema de interesse puramente “social” e quesua expressão produtiva tende a ser desprezível, será di-fícil mudar a imagem de que o destino do campo é fatal-mente o esvaziamento social.

Este artigo pretende trazer informações nacionais e in-ternacionais que mostrem a viabilidade econômica de umaestratégia de valorização do meio rural baseada no fortale-cimento da agricultura familiar. Não se trata de discutir aprincipal iniciativa governamental neste sentido – o Progra-ma Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –,cujo tempo de existência não permite ainda uma avaliaçãominimamente rigorosa, mas sim de fornecer os elementosconceituais e empíricos que permitam discutir um tema tãofreqüentemente evitado: o da importância econômica daagricultura familiar e, em particular, o uso do solo.

Para isso, o texto divide-se em três partes. Na primei-ra, procura-se oferecer uma definição de agricultura fa-miliar, bem como as principais informações a respeito deseu desempenho, em países capitalistas centrais e no Bra-sil. Mesmo não se tratando de um panorama completosobre o tema, os dados procuram mostrar que agriculturafamiliar e pequena produção não podem ser tomadas comosinônimos. Em seguida, é discutida a questão do uso dosolo na agricultura familiar, apresentando dados nacio-nais propostos por um estudo da FAO (1995) e os resul-tados de uma pesquisa publicada recentemente sobre oEstado de São Paulo. Em ambos os casos, fica nítido opotencial econômico da agricultura familiar. Na terceiraparte, sugere-se (sem aprofundar o tema) que, ao poten-cial econômico embutido na agricultura familiar, corres-ponde uma vocação ainda mais importante: a de servircomo base para uma estratégia descentralizada de desen-volvimento.

AGRICULTURA FAMILIAR:ALÉM DA “PEQUENA PRODUÇÃO”

O uso da expressão agricultura familiar no Brasil émuito recente.1 Até dois anos atrás, os documentos ofi-ciais usavam de maneira indiscriminada e como noçõesequivalentes “agricultura de baixa renda”, “pequena pro-dução”, quando não “agricultura de subsistência”. Damesma forma, a grande maioria dos textos acadêmicosvoltados a este tema adotava os mesmos termos. Um dosgrupos do Programa Integrado de Pesquisas Sociais emAgricultura – Pipsa, que existe desde 1979, chamou-seaté recentemente “diferenciação social da pequena pro-dução”. Também no interior do movimento sindical, era

xistem dois preconceitos que precisam ser supe-rados para que seja possível compreender um dosaspectos mais importantes do meio rural brasilei-

RICARDO ABRAMOVAY

Professor do Departamento de Economia da FEA e Procam – USP

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a defesa dos “pequenos produtores” que mobilizava grandeparte de sua atuação.

Pequena produção, agricultura de baixa renda ou desubsistência envolvem um julgamento prévio sobre o de-sempenho econômico destas unidades. Em última análi-se, aquilo que se pensa tipicamente como pequeno pro-dutor é alguém que vive em condições muito precárias,que tem um acesso nulo ou muito limitado ao sistema decrédito, que conta com técnicas tradicionais e que nãoconsegue se integrar aos mercados mais dinâmicos e com-petitivos. Que milhões de unidades chamadas pelo CensoAgropecuário de “estabelecimentos” estejam nesta con-dição, disso não há dúvida. Dizer, entretanto, que estassão as características essenciais da agricultura familiar édesconhecer os traços mais importantes do desenvolvi-mento agrícola tanto no Brasil como em países capitalis-tas avançados nos últimos anos.

Um dos mais importantes livros recentes sobre estetema (Gasson e Errington, 1993:20) destaca seis caracte-rísticas básicas que definem a agricultura familiar:- a gestão é feita pelos proprietários;- os responsáveis pelo empreendimento estão ligados en-tre si por laços de parentesco;

- o trabalho é fundamentalmente familiar;- o capital pertence à família;

- o patrimônio e os ativos são objeto de transferência in-tergeracional no interior da família;

- os membros da família vivem na unidade produtiva.Esta definição exige dois rápidos comentários: primei-

ro, ela não envolve qualquer prejulgamento a respeito dotamanho e da capacidade geradora de renda das unidadesprodutivas – os traços descritos são inteiramente compa-tíveis com uma importante participação na oferta agríco-la; segundo, é bem verdade que as características expos-tas por Gasson e Errington não se encontram em todos oscasos – é freqüente, por exemplo, os membros da famílianão viverem na unidade produtiva (característica 6). Podeacontecer também – embora com menor freqüência – queo processo sucessório2 envolva pessoas que não são dafamília (característica 5). Nos países capitalistas centrais,a tendência é que nem todos os membros da família seenvolvam com o trabalho agrícola (característica 4). Po-rém, os traços apontados por Gasson e Errington formamo que na tradição da sociologia weberiana chama-se “tipoideal”: um todo coerente que serve para estabelecer ascomparações com os dados da pesquisa empírica. Não setrata de uma invenção, mas da síntese articulada das ca-racterísticas básicas de um certo comportamento social.

Esta caracterização é tanto mais importante que cor-responde ao módulo socialmente dominante do desenvol-vimento agrícola nos países capitalistas centrais e não a

uma parcela que poderia ser considerada mais ou menosmarginal. Por esta razão, em nenhum momento Gasson eErrington assimilam o family farm business (título de seulivro) aos tão conhecidos small farms, unidades de tem-po parcial que são majoritárias no que se refere à quanti-dade de estabelecimentos, mas pouco expressivas sob oângulo da oferta agrícola. Na aplicação empírica destasseis características, Gasson e Errington mostram que nospaíses capitalistas centrais ocorre um fenômeno que, paraa maior parte dos analistas brasileiros, seria uma espéciede contradição nos termos: é com base na agricultura fa-miliar que se construiu a potência agrícola destas nações.A importância das empresas baseadas no trabalho assala-riado é bastante reduzida, sendo esta uma particularidadeimportante do setor agrícola. Apesar de inúmeros traba-lhos sobre o tema publicados nos últimos anos (Veiga,1991; Abramovay 1992; Lamarche; 1993, entre outros),convém citar alguns exemplos neste sentido.

Enquanto 85% de todos os trabalhadores franceses nãoagrícolas são assalariados, na agricultura esta proporçãoem 1990 não ultrapassava 14% (Bourgeois, 1993:35). Osdados com relação aos outros países europeus e aos Esta-dos Unidos não são muito diferentes. Em 1986, somente28% das unidades produtivas no Reino Unido emprega-vam algum trabalho assalariado. Comparativamente éinteressante observar que, em 1950, nada menos do que40% das unidades produtivas empregavam trabalho assa-lariado. Em meados do século XIX havia três trabalhado-res assalariados para cada membro da família trabalhan-do e, em 1930, a razão ainda era de 2,5. Hoje, há umtrabalhador assalariado de período integral para cada 2,5trabalhadores familiares, na agricultura britânica (Gassone Errington, 1993). Quanto aos Estados Unidos, emborao trabalho de Nikolitch do final dos anos 60 não tenhasido atualizado, não deixa de ser significativo que naque-le momento nada menos que dois terços da oferta agríco-la norte-americana vinham de unidades produtivas ondea importância do trabalho familiar era superior ao con-tratado (Abramovay, 1992).

Nos países capitalistas centrais, o trabalho assalariadoé expressivo em duas situações: naquela em que é grandea incidência do trabalho clandestino – caso da Costa Oes-te norte-americana, bem como de boa parte da agricultu-ra mediterrânea européia; e nas produções em estufa, cujopeso sobre o total da superfície, do pessoal ocupado e dovalor total da produção agropecuária é, entretanto, fran-camente minoritário – na Holanda, o país que mais avan-çou neste tipo de produção, há 4.500ha de estufas, e naFrança, 1.500ha (Codron e Rolle, 1995:119).

Contrariamente ao que ocorre nos países capitalistascentrais, o Brasil (e esta é uma característica de pratica-mente toda a América Latina e Caribe) é fortemente mar-

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cado pela estrutura bimodal de desenvolvimento agríco-la. Empregada no conhecido estudo de Johnston e Kilby(1975), a expressão bimodalismo designa aquelas situa-ções em que, contrariamente ao que ocorreu nos paísescapitalistas centrais, a agricultura familiar não é o módulocentral do desenvolvimento e na qual o peso econômicoe territorial das grandes extensões territoriais baseadas notrabalho assalariado é decisivo. Não por coincidência, ossistemas bimodais predominam em países fortementemarcados pela concentração da renda e pela pobreza, comoo Brasil, a África do Sul, a Indonésia, entre outros.

Porém, é interessante observar que, mesmo em paísescom forte peso de tradição latifundiária, ao lado de mi-lhões de unidades que podem ser consideradas a justo tí-tulo como precárias, pequenas, gerando uma renda agrí-cola extremamente baixa, desenvolve-se também umsegmento familiar dinâmico capaz de integrar-se ao sis-tema de crédito, cujo comportamento econômico difereda famosa e tão estudada aversão ao risco, que adota ainovação tecnológica e integra-se a mercados competiti-vos. É claro que este dinamismo não depende de caracte-rísticas supostamente “culturais” dos agricultores, mas simde três fatores básicos: a base material com que produ-zem (extensão e sobretudo fertilidade das terras); a for-mação dos agricultores, fator que hoje ganha uma impor-tância crucial; e o ambiente socioeconômico em que atuame sobretudo a existência neste ambiente das instituiçõescaracterísticas de uma economia moderna – acesso diver-sificado a mercados, ao crédito, à informação, à comprade insumos e aos meios materiais de exercício da cidada-nia (escola, saúde, assistência técnica, etc.).

Ali onde, mal ou bem, estas três condições foram mi-nimamente preenchidas, assistiu-se ao florescimento deuma agricultura familiar, cuja importância econômicarecentemente começa a ser avaliada. É o caso, em especial,dos estados do Sul do país, de cuja agricultura familiardepende parte considerável da agroindústria: não é a Sa-dia e nem a Perdigão que produzem os frangos e os suí-nos que serviram de âncora verde para o Plano Real e quetrazem ao país mais 1 bilhão de dólares em divisas, massim dezenas de milhares de agricultores trabalhando fun-damentalmente com mão-de-obra familiar.

É claro que, em virtude da própria importância do lati-fúndio na formação da agricultura brasileira, o setor pa-tronal é nacionalmente dominante. Mas seria equivocadojulgar que uma agricultura familiar economicamente ex-pressiva só existe onde houve colonização estrangeira, nosmoldes do Sul do país. Na verdade, somente os dados doCenso de 1996 poderão fornecer uma visão mais precisado fenômeno. Entretanto, não deixa de ser significativoque, mesmo no Estado de São Paulo – e apesar do pesoesmagador da cana-de-açúcar, setor quase exclusivamente

patronal –, as unidades produtivas trabalhadas fundamen-talmente pela família3 contribuíam com um terço do va-lor total da produção em 1991. No algodão e na avicultu-ra, as unidades trabalhadas fundamentalmente commão-de-obra familiar entravam com mais da metade daoferta. Em São Paulo, 44% da produção do milho, 43%da soja e 39% do café dependem de unidades onde não sóa gestão é familiar, como também é majoritário o peso dotrabalho da família relativamente ao assalariamento(Abramovay, et alii 1996).

Estas informações, por mais precárias e fragmentadasque sejam, pretendem trazer para a discussão três aspec-tos centrais: a agricultura familiar não pode ser conside-rada sinônimo de pequena produção; é em torno da agri-cultura familiar que, nos países capitalistas centrais,organizou-se o desenvolvimento agrícola; e mesmo numpaís marcado pela força do latifúndio e pelo peso socialde milhões de estabelecimentos que, de fato, são peque-nos sob o ângulo de sua participação na oferta agrícola,há um segmento importante de agricultores familiares cujaexpressão econômica é muito significativa e em algunscasos até majoritária.

USO DO SOLO: ALCANCE E LIMITESDA INVERSE RELATIONSHIP

Inverse relationship: este termo usado por Cline (1970)em seu estudo sobre o Nordeste brasileiro, e hoje consa-grado na literatura internacional sobre uso do solo, apon-ta para duas características fundamentais da agriculturados países em desenvolvimento: os baixos retornos do tra-balho e a alta intensificação do uso da terra. É quase clás-sica a asserção segundo a qual os menores imóveis repre-sentam a maior parte dos informantes, ocupando a menorparte da área, mas contribuindo com uma produção porárea muito superior à dos maiores imóveis e absorvendomuito mais trabalho que estes últimos.

Nestas situações, o que se observa é a evolução emsentido inverso de dois parâmetros fundamentais: área evalor da produção. Um importante especialista interna-cional nestes temas (El-Ghonemy, 1990) sintetiza umasérie de estudos (inclusive o do Cida, levado adiante porSolon Barraclough), em que se verificam duas tendências: oproduto por área cai sistematicamente com o aumento dasuperfície das fazendas; e o mesmo ocorre com relação àutilização de trabalho, muito menor nas grandes fazen-das que nas pequenas.

O trabalho da FAO, publicado em 1995 e retomado emgrande parte nos documentos que deram origem ao Pro-grama Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fami-liar, corrobora esta tendência internacional, indicando –sobre a base de uma amostra do que seriam, por um lado,

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estabelecimentos patronais (entre 500 e 10.000 hectares)e, por outro, familiares (estabelecimentos entre 20 e 100hectares)4 – que o segmento familiar intensifica mais ouso do solo que o patronal: as lavouras são três vezes maisimportantes no segmento familiar e cinco vezes mais im-portantes quando se trata de lavouras permanentes; o seg-mento familiar tem o maior peso na produção de peque-nos animais; o segmento familiar, embora usando áreamuito menor, supera o patronal em 15 importantes pro-dutos agropecuários; e os rendimentos físicos da agricul-tura familiar são superiores aos da patronal em mais demetade de suas atividades.

Para o conhecimento da relação entre agricultura fami-liar e uso do solo, os dados sobre o Estado de São Paulo,do Instituto de Economia Agrícola (IEA), mostram tam-bém aspectos interessantes. Abramovay et alii (1996) intro-duziram no questionário de levantamento de safra do IEAde 1991 um item para saber quanto do trabalho realizadono imóvel vinha de membros da família e quanto vinhado assalariamento, seja temporário, seja permanente. Combase no tempo de trabalho da família e de membros contra-tados, os imóveis de São Paulo (com base numa amostrarepresentativa) foram estratificados em quatro classes:- a classe 1 é composta por aqueles imóveis que não re-correram, durante o ano de 1991, a qualquer forma de tra-balho assalariado (nem permanente, nem temporário);

- a classe 2 é formada por aqueles imóveis que recorre-ram a trabalho assalariado (seja permanente, seja tempo-rário), mas em proporção menor (medida em tempo) queo trabalho familiar;

- a classe 3 está no caso exatamente inverso, ou seja, otrabalho familiar existe ao lado de uma quantidade de tra-balho assalariado que lhe é superior;

- a classe 4, enfim, reúne aqueles imóveis em que nenhummembro da família declarou trabalhar.

Esta divisão foi cruzada com a estratificação por áreaadotada nos estudos do IEA, servindo de base para orga-nizar os dados referentes a quatro informações básicas:número de informantes ou imóveis; quantidade de dias-homem empregada na produção; valor da produção; e áreaempregada.

A Tabela 1 sintetiza este cruzamento de informações eoferece dados que não vão exatamente na mesma direçãodo que é consagrado na literatura internacional sobre otema. Os menores imóveis da classe 1 (uso exclusivo detrabalho familiar e área inferior a 20 hectares) são maisde um quarto do total dos informantes, absorvem 13,75%do total do trabalho do Estado, para produzir apenas 3,86%do valor em 4,03% da área. A idéia de que os menoresimóveis têm maior produção por unidade de área não severifica para o Estado de São Paulo.

É provável que, na maior parte destes imóveis commenos de 20 hectares, o peso da agricultura na formaçãoda renda seja muito pequeno. Provavelmente é aí que seconcentram os casos estudados recentemente por JoséGraziano da Silva (1996) de desenvolvimento de ativida-des rurais não agrícolas.

Se for excluído este segmento (os imóveis com traba-lho exclusivamente familiar e com menos de 20 hectaresde superfície), verifica-se que o desempenho econômicoda agricultura familiar em São Paulo é, no mínimo, equi-valente ao dos setores patronais (Tabela 1).

A relação entre valor da produção e dias-homem indi-ca que, nos maiores imóveis (acima de 500 hectares), opeso da pecuária deve ser muito grande. Os imóveis commais de 500 hectares, da classe 3, usam apenas 5,38% dosdias-homem para produzir 12,31% da produção em15,92% da área e aqueles com mais de 500 hectares, daclasse 4, usam 5,19% dos dias-homem para produzir16,01% do valor da produção em 16,02% da área.

É claro que o peso econômico da cana-de-açúcar e dapecuária de corte, em São Paulo, contribui para explicarque a produção por área nos grandes imóveis é maior quea esperada habitualmente numa situação de grande con-centração fundiária como a desse estado.

TABELA 1

Distribuição dos Informantes, dos Dias-Homem, do Valor da Produção eda Área Total, segundo Classes e Estratos de Área

Estado de São Paulo – 1991Em porcentagem

Classes e Valor daEstratos de Área Informantes Dias-Homem Produção Área

TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00

Classe 13,1 a 20,0ha 26,21 13,75 3,86 4,0320,1 a 100,0ha 22,50 12,91 9,44 11,17100,1 a 500,0ha 2,10 1,66 2,64 4,41Mais de 500,0ha 0,10 0,19 0,86 1,36

Classe 23,1 a 20,0ha 4,50 3,19 3,28 0,6920,1 a 100,0ha 5,71 4,44 2,96 3,50100,1 a 500,0ha 2,30 3,04 3,53 5,41Mais de 500,0ha 0,30 0,55 6,28 3,27

Classe 33,1 a 20,0ha 4,16 3,36 1,41 0,8220,1 a 100,0ha 7,55 7,18 6,16 4,59100,1 a 500,0ha 4,55 16,59 14,61 11,95Mais de 500,0ha 1,19 5,38 12,31 15,92

Classe 43,1 a 20,0ha 6,10 2,14 1,23 0,9620,1 a 100,0ha 7,75 7,67 7,06 4,63100,1 a 500,0ha 4,03 12,76 8,36 11,27Mais de 500,0ha 0,94 5,19 16,01 16,02

Fonte: Instituto de Economia Agrícola – IEA.

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PARA APROFUNDAR O DEBATE

Das informações anteriormente apresentadas, pode-seconcluir, primeiramente, que é necessário o aprofunda-mento nacional e regional do estudo da estratificação so-cial do uso do solo. É bem provável que a situação de SãoPaulo seja nacionalmente excepcional e que na maior partedo país a inverse relationship seja predominante, comomostram os dados nacionais da FAO (1995). O interes-sante da situação de São Paulo é que, mesmo onde os es-tabelecimentos patronais têm peso majoritário na oferta,há um setor familiar cujo uso do solo sugere um desem-penho econômico que explica, em grande parte, sua im-portância não desprezível na produção agrícola do esta-do. Não é sobre o excesso de trabalho que se apóia apresença dos agricultores familiares em São Paulo comum terço do valor da produção no estado. A agriculturafamiliar não é, contrariamente ao que dela se diz com fre-qüência, um simples reservatório de mão-de-obra.

Romper com a identificação automática entre agricul-tura familiar e pobreza é fundamental para que a socieda-de brasileira possa discutir um tema estratégico, que serelaciona com a questão do uso do solo e que será aquiapenas levantado: qual é e qual deve ser a importância doespaço rural no desenvolvimento?

Para a sociedade, não é indiferente de onde vem a suaoferta agrícola. O caso de São Paulo mostra que o setorpatronal parece não ser menos eficiente economicamenteque o familiar. Entretanto, o que os distingue são os efei-tos multiplicadores de cada um sobre o desenvolvimen-to: o domínio do trabalho assalariado é marcado sistemati-camente por condições sociais precárias. “Morar na cidadee ainda depender da atividade agrícola (...) tende a con-duzir a uma condição de vida de enorme precariedade,que não pode ser atribuída somente à baixa renda queaquela atividade proporciona”, afirma Leone (1995:161).É entre os residentes nas cidades e que dependem do as-salariamento no campo que estão as piores condições devida, mesmo no estado mais próspero da Federação.

Se a preocupação com a agricultura envolver não só oaspecto produtivo, mas também uma estratégia de de-senvolvimento descentralizado e voltado à ocupação equi-librada do território, as unidades familiares apresentamum trunfo decisivo, ou seja, podem ser a base de forma-ção de uma sociedade civil no meio rural, daquilo queaparece freqüentemente como termos antagônicos: a ci-dadania no campo. Não é sem razão que no Sul do país,onde o peso social e econômico da agricultura familiar é,em geral, superior ao do setor patronal, observam-se osembriões de organizações locais que poderão contribuir

de maneira importante com uma nova visão do papel doespaço rural na luta contra as desigualdades.

Nas regiões onde predominam as grandes fazendas, nãoexiste hoje vida política e associativa no meio rural. AAmérica Latina, para usar a feliz expressão de Ortega(1992), é um Continente submunicipalizado. Enquanto umpaís como a França possui 27 mil unidades administrati-vas locais, a América Latina no seu conjunto tem 17 milmunicípios. As funções socializadoras convencionalmentedesempenhadas pelas grandes fazendas coloniais (demaneira precária e clientelista, sem dúvida) desaparece-ram com a expulsão de seus moradores e não foram subs-tituídas por instituições públicas voltadas às necessida-des da maioria. O desenvolvimento de unidades familiaresde produção – como mostram os exemplos de assenta-mentos bem-sucedidos como o da Fazenda Promissão emSão Paulo – imprime um novo dinamismo ao conjunto davida municipal e reorganiza a tradicional hierarquia nasrelações entre cidade e campo. A agricultura familiar éum elemento decisivo para que haja a pressão social naoferta racionalizada de serviços (transportes, educação,comunicações, eletricidade) e, portanto, para que se re-duzam as diferenças entre a vida social na cidade e nocampo, condição básica, evidentemente, para que o meiorural passe a funcionar como manancial de possibilida-des na luta contra a exclusão social.

NOTAS

E-mail do autor: [email protected]

1. Para uma discussão a respeito, ver Abramovay, 1997.

2. Para uma discussão recente sobre processos sucessórios no interior da agri-cultura familiar, ver Abramovay et alii (1997).

3. Definidas como aquelas cujo o peso da mão-de-obra familiar (medida em tempoanual de trabalho) supera o da contratada.

4. O trabalho da FAO foi muito criticado por sugerir uma estratificação por áreapara o estudo social da agricultura. Na verdade, o estudo propõe algo bem me-nos pretencioso: tomando como exemplares da agricultura familiar os estabele-cimentos entre 20 e 100 hectares e como exemplares da patronal aqueles queestão entre 500 e 10.000 hectares montar parâmetros comparativos entre os doissegmentos. O problema é que ficam de lado os imóveis representativos de partemuito importante da oferta que estão entre 100 e 500 hectares.

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