agência ritual africana e a africanização do catolicismo no reino do congo pós-restauração....
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Agência ritual africana e a africanização do catolicismono reino do Congo pós-restauração: 1769-1795
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Agência ritual africana e a africanização docatolicismo no reino do Congo pós-restauração, 1769-
1795iago Clemêncio apede
Mestre em História Social pela [email protected]
"=(*>: Este artigo pretende explorar a atuação de especialistas em rituais católicos deorigem conguesa nas prticas do catolicismo !a"ricani#ado$ no reino do %ongo no per&odo pós'restauração (especi"icamente a segunda metade do s)culo *+,,,- assim como os usos pelas elitespol&ticas do %ongo (a chamada muana Congo - do sacramento do casamento como "erramenta demanutenção de sua legitimidade. /tra0)s destes recortes pretendemos demonstrar 1ue ha0ia aprima#ia da ger2ncia dos interesses congueses sobre as prticas católicas europeias no per&odo ecompreender 1uais eram as especi"icidades desta relação 1ue acreditamos ser uma 0iapri0ilegiada de acesso 3 especi"icidade dos processos históricos do %ongo no per&odo.
%A?A+"A-C'A+=: 4eino do %ongo %atolicismo S)culo *+,,,.
A@"AC: 5his article see6s to explore the historical agency o" the %ongolese ritual specialistsin the !/"ricani#ed$ catholic practices on the post'restoration (78th century- 9ingdom o" 9ongo.
:e intend also to explore the uses o" the %hristian marriage as a tool "or the elites (Muana9ongo- to maintain their political legitimacy and po;er. <rom this point o" 0ie; ;e intend to
argue "or the primary 9ongolese ritual agency ;hen compared to the European missionaries= 0ie; and control o" the %hristianity in 9ongo. :e belie0e that this particular relation ;ith the%hristian elements is a pri0ileged ob>ect "or understanding the speci"icity o" 9ongo=s historicalprocess at the period.
=B>"$: 9ingdom o" 9ongo %atholicism 78th %entury.
? reino do %ongo "oi uma das sociedades a"ricanas mais estudadas pela historiogra"ia
ocidental. ?s moti0os pelos 1uais esta sociedade "oi posta em tamanha e0id2ncia são bastante
compreens&0eis. Primeiramente ocorreu no %ongo intenso contato por mais de tr2s s)culos com
europeus primordialmente missionrios 1ue nos legaram "ontes escritas raras para o estudo de
outras sociedades a"ricanas do per&odo. ?utro "ator "oi sua estrutura pol&tica 1ue para o olhar
europeu possu&a semelhanças signi"icati0as com o modelo dos reinos e cortes caracter&sticas do
antigo regime europeu. E por ltimo não des0inculada das anteriores temos o "ator religioso.
Aesde d)cadas "inais do s)culo *+ as elites pol&ticas conguesas demonstraram interesse em
incorporar ritos e s&mbolos católicos apresentados pelos então parceiros portugueses. Braças 3
centrali#ação pol&tica no per&odo dos primeiros contatos com o catolicismo e em per&odos
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subse1uentes os soberanos do %ongo puderam incenti0ar (ou mesmo impor- a di"usão de signos
e preceitos católicos 1ue se tornaram "erramentas de promoção de seu poder transmiss&0el para
sua descend2ncia.7
? recorte temporal de nossa in0estigação 1ue começa na primeira d)cada do s)culo
*+,,, ) particular em relação aos per&odos anteriores da história do %ongo. / crise pol&tica
interna 1ue se estendeu pelas 1uatro ltimas d)cadas do s)culo *+,, desorgani#ou o modelo
pol&tico 0igente. /s elites pro0inciais antes submetidas ao Mani %ongo se autonomi#aram
pol&tica e economicamenteC.
? incenti0o 3 adoção das ins&gnias e sacramentos em per&odos anteriores 3 crise
ocorreu sobretudo (mas não exclusi0amente- pelos reis do %ongo. Aesde A. /"onso , (nas
primeiras d)cadas do s)culo *+,- os elementos de origem católica esti0eram intrinsecamente
0inculados ao poder central e tal0e# ao poder pol&tico de "orma mais ampla. Aa mesma maneira
o acesso 3s !no0idades$ 0indas de Portugal (bens materiais de luxo escrita e os elementos do
catolicismoD ins&gnias ritual&stica católica e os próprios missionrios- tra#ia grandes pri0il)gios
econmicos sobretudo ao longo do crescimento do trato escra0ista com mercadores
portuguesesD s)culos *+, e *+,,. / presença de missionrios católicos no %ongo "ora muito
incenti0ada pelos Mani %ongo desde A. /"onso ,F.
/pós a crise pol&tica iniciada em meados do s)culo *+,, a presença de padres
europeus no território "oi minguando gradualmente tornando'se muito escassa a partir do s)culo
*+,,,. /s ri0alidades pol&ticas internas guerras e a decad2ncia do rei adicionadas 3s crescentes
hostilidades entre %ongo e Portugal (sediados em Guanda- di"icultou o acesso das elites
conguesas a padres europeus pois mesmo os capuchinhos italianos ainda dependiam da
estrutura de Guanda para sua chegada e ambientação 3 região centro'a"ricana.
7 /nne Hilton e principalmente Iohn 5hornton "alaram desta identi"icação. H,G5?J /nne. The kingdom of Kongo. ?x"ord ?x"rord ?x"ord Uni0ersity Press 7K8L p.L'NK.O 5H?4J5?J Iohn 9. The Kingdom of Kongo. Civil war andtransition. 1641-1718.$ :insconsin press. 7K8F. Em alguns relatórios missionrios do s)culo *+,,, a identi"icação daselites portuguesas com as conguesas ) e0idente. Por exemplo em 4a"ael %astelo de 0ide 1ue chama atenção para“urbanidade de ortugu!s $ de alguns !nobres$ congueses$ . Em outra ocasião o missionrio a"irma 1ue o rei do %ongo Ios) , “ou"o ou nada difere dos grandes reis da #uroa$ . +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide ho>ebispo de São 5om) (7K8-. %"ademia das Ci!n"ias de &isboa MS +ermelho CKN "l. N e 8K. C S/PEAE 5hiago %. 'uana Congo( 'uana )*ambi %mungu+ ,oder e Catoli"ismo no reino do Congo s-restaura/o 0176- 1762. Aissertação (Mestrado em História Social-. <<G%H USP. C7C.F 5H?4J5?J Iohn 9. 5he de0elopment o" an /"rican %atholic %hurch in the 9ingdom o" 9ongo 7K7'7L.The 3ournal of %fri"an istor5. %ambridge %ambridge Uni0ersity Press 7K8L p.7L8'7K8. Q4?/AHE/A Su#an H. Qeyond AeclineD 5he 9ingdom o" the 9ongo in the Eighteenth and Jineteenth
%enturies. The nternational ournal of %fri"an istori"al tudies . +ol. 7C. Qoston Uni0ersity /"rican Studies %enter. p.N7L' NL.
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/pós a crise e "ragmentação dos poderes pol&tico e econmico este catolicismo parece
ter ganhado no0os sentidos e "unçRes no %ongo. Sobretudo após a restauração no ano de 7K
perpetrada pelo Mani %ongo Jessamu a Mbando (A. Pedro ,+-. Este soberano originrio da
tradicional !pro0&ncia$ de uibango após anos de negociaçRes com grupos ri0ais logrou em
recon1uistar a antiga capital 'ban*a Congo (então abandonada- e implantou um sistema rotati0o
entre os principais grupos pol&ticos ri0ais o 1ue permitiu 1ue hou0esse estabilidade pol&tica
durante um longo per&odoL.
? poder 1ue os reis do %ongo exerciam sobre as elites das pro0&ncias não "oi
restaurado em sentido pleno uma 0e# 1ue o Mani %ongo não possu&a recursos militares e
"inanceiros para submet2'las ao antigo sistema. Estabeleceu'se a partir de então um no0o tipo de
go0ernança 1ue se utili#a0a da imagem do tradicional %ongo centrali#ado como re"erencial 1ue
por)m na prtica aceita0a signi"icati0a autonomia local. Ai"erentes s&mbolos 1ue remetiam ao
!glorioso$ reino de outrora tornaram'se mecanismos para a manutenção da identidade conguesa
e desta no0a con"iguração pol&tica. Su#an Qroadhead a nica estudiosa 1ue (antes de nós- se
dedicou 3s especi"icidades deste per&odo chamou atenção para o carter "ragmentrio deste
sistema pol&tico mesmo 1ue tenha criticado a ideia de !decl&nio$ 0igente na historiogra"ia de
então. Por ter priori#ado demasiadamente o "ator econmico e utili#ado "ontes comerciais (sob
in"lu2ncia teórica marxista- acabou por subestimar (sem ignorar- "atores identitrios e culturaiscomo prismas para o processo de trans"ormaçRes pol&ticas após a restauraçãoN.
Quscando apro"undar a compreensão da relação entre poderes centrais e locais neste
no0o paradigma pol&tico e tendo tido acesso a no0as "ontes de"endemos em trabalhos
anteriores 1ue o catolicismo "oi precisamente importante neste contexto pós'restauração de0ido
3 necessidade 1ue tinham as elites dirigentes de re"erenciarem'se aos s&mbolos da pol&tica de
outrora. Em outras pala0ras o catolicismo desempenha0a a "unção de rememorar os tempos de
poder centrali#ado "a#endo re"er2ncia sobretudo a M0emba a J#inga (A. /"onso ,-. Esta"erramenta "oi importante na transmissão aos 1ue clama0am descender deste soberano
(detentores exclusi0os do t&tulo !muana %ongo$- uma legitimidade pol&tica capa# de perpassar as
barreiras impostas pela autonomia econmica local. /s mincias deste importante argumento
não poderão ser apro"undadas a1ui por)m ser ponto de partida para a nossa proposição neste
L 5H?4J5?J Iohn 9. Kingdom of Kongo. Utili#ei principalmente o cap&tulo oita0o p. 77'7FN Q4?/AHE/A Susan H. Trade and ,oliti"s on the Congo "oast p. C' C7 S/PEAE 5hiago %. 'uana Congo( 'uana )*ambi %mungu( . 86-19:.
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artigo de compreender o papel dos agentes rituais locais "rente ao trabalho dos missionrios
europeus no contexto diante deste signi"icado pol&tico do catolicismo no per&odo.
/ e0idente incompatibilidade entre interesses e moti0açRes de agentes locais e europeus
no trabalho sacramental gerou constantes con"litos e negociaçRes. ?bser0aremos "ragmentos
destas complexas relaçRes recortando dois subtemas relacionados. Primeiramente discorreremos
sobre as prticas do sacramento do matrimnioO sua importTncia para a muana Congo "rente aos
seus signi"icados supostamente !originais$ na ortodoxia cristã. Em seguida problemati#aremos a
atuação de tr2s categorias de operadores rituais conguesesD nlekes mestres de igre>a e int)rpretes.
Utili#aremos de "ontes de autoria de missionrios 0i0eram no %ongo em per&odos distintos da
segunda metade do s)culo *+,,,.
Este trabalho não se en1uadra em uma história da missão católica europeia no %ongo
tampouco do catolicismo ou das estrat)gias de missionaçãoD recortes tamb)m rele0antes. /o
in0)s disso pretendemos le0antar pistas sobre os signi"icados deste catolicismo na perspecti0a
local sobretudo no tocante 3s relaçRes de poder 1ue en0ol0iam a ritual&stica sacramental. /
in0estigação histórica 1ue constitui este artigo ) um "ragmento de um pro>eto maior iniciado h
alguns anos por)m ainda parcial 1ue se dedica 3s relaçRes de poder de "orma mais ampla no
%ongo do s)culo *+,,,.
/ 1uestão da incorporação e adaptação dos ritos cristãos no contexto congu2s ) lugar'
comum na historiogra"ia desde a obra de /nne Hilton na d)cada de 7K8 e principalmente
diante dos inmeros trabalhos de Iohn 5hornton publicados desde então. /tualmente no0as e
instigantes perspecti0as nesta mesma direção "oram le0antadas por %ecile <romont8. Jenhum
destes autores por)m se debruçou minuciosamente sobre o per&odo pós'restauração 1ue tem
como caracter&stica uma especial ag2ncia da muana %ongo sobre os ritos católicos e no 1ual o
catolicismo como de"endemos tornou'se essencialmente um argumento de legitimidade a um
no0o paradigma pol&tico. Portanto esta incursão pelas prticas sacramentais do per&odo não se"a# meramente como um exerc&cio descriti0o 1ue 0isa corroborar com teses gerais de autores >
consagrados sobre tempos anteriores mas "a#'se como tentati0a de o"erecer uma no0a
contribuição para des0elar a interpretação dos processos históricos particulares a um per&odo
ainda obscuro na historiogra"ia.
> sacramento do matrimDnio e as elites locais
8 <4?M?J5 %ecile /. ;nder the igne of the Cross in the Kingdom of Kongo+ haing mages and 'olding <aith in #arl5 'odern Central %fri"a . Phd thesis. Har0ard Uni0ersity. C8.
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? estudo sobre o casamento cristão no %ongo do s)culo *+,,, esbarra em muitos
desa"ios. ?s religiosos 1ue redigiram as "ontes dispon&0eis presos 3 0isão do casamento cristão
europeu não puderam (e tampouco se interessa0am em- compreender as especi"icidades deste
sacramento na perspecti0a local. / populari#ação deste sacramento era em geral interpretada
pelos missionrios (mais esperançosos- como uma 0itória da expansão da ") católica e do modo
de 0ida europeu "rente aos repudiados hbitos matrimoniais locais. Jo caso dos in"ormantes
mais pessimistas e ortodoxos o casamento recebido pelas elites do %ongo constitu&a'se como
uma deturpação de seu sentido !original$ de0ido 3 persist2ncia de hbitos poligamia. Aiante de
1ual1uer um dos testemunhos não ) tare"a "cil ao historiador depurar as noçRes particulares
sobre este sacramento para os congueses.
? casamento poligTmico constitu&a'se como elemento essencial para a organi#ação
social e parecia operar (ao menos ma>oritariamente no per&odo- pela descend2ncia matrilinear e
matrilocal. ? papel econmico da mulher conguesa era important&ssimo pois em geral eram elas
as respons0eis pelo plantio e pela colheita de alimentos. /os homens eram delegados trabalhos
mais pesadosD caça construção e limpe#a dos campos para o plantio. Por isso a ri1ue#a e
capacidade de produção de uma "am&lia tinham como importante crit)rio o nmero de mulheres
1ue in"lu&a na legitimidade social do grupo. %ada união constitu&a uma no0a aliança entre as
"am&lias dos noi0os por isso 1uanto mais esposas tinha um homem mais ampla era a sua rede de"am&lias aliadas maior portanto seria seu prest&gio e poderio de articulação pol&tica.K
Jos casamentos congueses o dote era pago pelo homem 3 "am&lia da mulher com
0alor 1ue 0aria0a de acordo com o prest&gio desta. uanto mais abastada a "am&lia do homem
maior era o nmero de alianças poss&0eis com grupos igualmente eminentes. Ja mesma medida
de0ido ao dote o grande nmero "ilhas >o0ens acarreta0a em substanciosa receita ao grupo 1ue
poderia ser rein0estida na "orma de no0os casamentos de membros masculinos tecendo uma
0asta rede de alianças pela 1ual circula0am ri1ue#as7
.?bser0emos a pro"&cua descrição de "rei 4aimundo Aicomano nosso principal
in"ormante das prticas matrimonias nas ltimas d)cadas do s)culo *+,,,.
Por1ue um homem 1ue tem apenas uma mulher ) sempre pobre não tem 1uecomer e não ) estimado por1ue entre eles existe o costume de 1ue só as
K %?44E/ /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 01782 . C8 p. . Publicado eletronicamenteemD httpD;;;.arlindo'correia.com77C8.html. Simultaneamente como o texto original em italianoD %orrea /rlindo. ,n"orma#ione sul regno del %ongo di <ra 4aimondo da Aicomano (7K8-. C8. Aispon&0el emD
httpD;;;.arlindo'correia.com7C7C8.html 7 VVVVVV. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. F'L.
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mulheres trabalham e t2m de dar de comer aos homensO ora como pode umamulher trabalhar tanto 1ue d2 para comer o marido ela e os "ilhosW Mas se umhomem se casa com de# 0inte e trinta ou mais mulheres (eu conheci alguns1ue tinham at) oitenta- então este "ica rico e grande senhor por1ue estasmulheres di0idem o ano entre elas e cada uma d de comer ao marido notempo 1ue lhe cabe e o marido ) obrigado na1uele tempo a dormir com amulher 1ue lhe d de comer por isso todas procuram tratar bem o seu marido eeste 0i0e bem.77
/ partir do relato in"erimos 1ue o sistema rotati0o entre as muitas esposas permitia 1ue
hou0esse maior autonomia destas em relação aos maridos pois cada uma se responsabili#a0a
exclusi0amente por sua casa e seus "ilhos 1ue em geral eram poucos. / obrigação em sustentar
os maridos (o 1ue escandali#ou o "rei- 0igora0a apenas durante o tempo de estadia do mesmo em
cada casa tornando este ncleo materno autnomo do pai 1ue por sua 0e# go#a0a de liberdade
de circulação entre di"erentes ncleos.
Jo sistema matrilinear e matrilocal a transmissão da linhagem e ancestralidade de um
homem se da0a atra0)s das mulheres de sua "am&lia (suas irmãs- e não de suas esposas. ?u se>a
os herdeiros de um homem eram seus sobrinhos "ilhos de sua(s- irmã(s-. / transmissão de
herança segundo Aicomano se da0a de pai para "ilho apenas na aus2ncia de sobrinhos nascidos
de irmãs7C. ,sso con"eria grande "luide# ao sistema de alianças entre "am&lias sendo poss&0el uma
pluralidade enorme de casamentos (ao menos dentre as elites-. ? casamento de um homem não
altera0a a distribuição de ri1ue#a de sua "am&lia ele signi"ica0a principalmente uma no0a aliança.
/lianças poderiam ser estabelecidas em grande nmero (desde 1ue hou0esse recursos para o
dote- o 1ue gera0a ampliação da rede de in"lu2ncias do grupo. / dissolução no casamento (ou
substituição do marido em caso de 0iu0e#- tampouco a"eta0a o tronco da organi#ação "amiliar
uma 0e# 1ue a herança não passa0a pelo eixo marido'mulher (como na monogamia europeia-
mas pelo eixo irmão'irmã. Aicomano nos in"orma 1ue em alguns casos de morte do marido para
1ue não hou0esse dissolução da aliança as 0i0as torna0am'se esposas de sobrinhos do "alecido
o 1ue demonstra a primordialidade da aliança entre linhagens7F.
Ae0ido 3s caracter&sticas da organi#ação social expostas acima notamos 1ue a
concepção católica do casamento en1uanto sacrali#ação e "ixação de um casal monogTmico
tornando'o eixo central da transmissão "amiliar era incoerente 3 realidade social conguesa do
per&odo mesmo 1ue esta prtica sacramental tenha ocorrido no %ongo h tr2s s)culos.
77 VVVVVV. /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. 'L. 7C VVVVVV. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. . 7F VVVVVV. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. .
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Estas incongru2ncias não impediram a reali#ação de npcias católicas da mesma
maneira 1ue em per&odos anteriores7. %abe a nós o exerc&cio de des0elar as especi"icidades deste
ritual para homens e mulheres no contexto. Jeste sentido encontramos pistas rele0antes no
relatório de missão de "rei 4a"ael de +ide 1ue nos in"orma sobre o costume dos padres al)m de
ministros do sacramento terem tornado'se tamb)m padrinhos ou compadres dos noi0osD
,sto de serem compadres dos Padres e a"ilhados ) para esta gente ou grandehonra ou de0oçãoO por isso nesta Missão e nas outras e ainda na %ortemesmo muitos me 02m rogar para issoO e eu sempre os satis"aço e sei o modo1ue posso para isso e para eles não descon"iarem ou perderem a sua de0oção )ponto 1ue eles t2m de honra. Jos casamentos dos maiores <idalgos ,n"antes ePr&ncipes sempre o Padre h'de ser o seu Padrinho por1ue di#em eles 1uenão t2m outra pessoa maior mas eu sempre procuro 1ue ha>am as testemunhasdo %onc&lio nos casamentos e no bapti#ado os leg&timos padrinhos e eles
sempre "icam com o t&tulo de %ompadres ou a"ilhados e se dão porsatis"eitos.7L
? casamento 1ue aos olhos europeus constitu&a'se na sacrali#ação do 0&nculo marido'
mulher tornou'se tamb)m uma estrat)gia de 0&nculo dos congueses com o próprio missionrio
ampliando'se para um sentido pol&tico'social com a con1uista de uma no0a 1uali"icaçãoD !eles
semre fi"am "om o t?tulo de Comadres( ou afilhados$.
Para al)m do pri0il)gio de se tornarem a"ilhados dos religiosos o sacramento do
matrimnio parecia mesmo "uncionar como mais um ritual de rememoração da tradição cristã de
acordo com a hipótese anteriormente exposta pela 1ual os membros da elite pol&tica ad1uiriam
legitimidade e aglutina0am um no0o distinti0o (1ue se somaria ao de mar1u2s du1ue ca0aleiro
de cristo-. ,sso explicaria a aparente exclusi0idade dos membros das altas elites como praticantes
deste sacramento.
Jos relatos do "ranciscano italiano %herubino de Sa0ona assim como em %astelo de
+ide o status de !casado$ aparece como e0id2ncia do elo dos membros da muana Congo com o
cristianismo. /tra0)s de Sa0ona os nobres são anunciados em inmeras situaçRes de acordo
com o modelo 1ue segueD !(...- rei >. %lvaro @ "rist/o e "asado$ ou “um grande marAu!s de nome >.
%fonso =omano &eite( "asado( Aue tem ainda o t?tulo de =ei dos %mbundos (...-$7N. / 1uali"icação de
!casado$ se >unta ao nome portugu2s e aos t&tulos pol&ticos para compor o grau de legitimidade
atribu&do 3 muana %ongo diante do padre.
7 Exemplos de casamentosD 5?S? %arlo. 4ela#ioni inedite di P.%herubino %assinis da Sa0ona sul 4egno del%ongo e sue Missioni. ,n &Btalia <ran"es"ana . 4oma. 7KL p. 7FL'C7 7NL CF e CL7.7L +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. :1. 7N 5?S? %arlo. 4ela#ioni inedite di P.%herubino %assinis da Sa0ona sul =egno del Congo e sue 'ission i p. C7.
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Jota'se tamb)m 1ue a1ueles 1ue go#am do t&tulo de !casado$ por 0e#es eram
pri0ilegiados com acesso mais direto aos sacramentos e ins&gnias da igre>a como 0emos em <rei
4a"aelD
Jos outros dias me 0inha 0isitar e me con0ida0a para ir a sua casa coisa 1uenem todos costumam para sua mulher leg&tima me tomar a b2nção e di#ia elepara abendiçoar a sua casa por1ue era homem casadoO a 1ue eu correspondiacom agrado e santa doutrina e lhe dei algumas coisas de de0oção coisas 1ueeles estimam muito receber das mãos dos Padres.7
Jeste caso al)m de ser um importante membro da elite da !pro0&ncia$ de uibango
"oi agraciado com a prestigiosa 0isita do padre e com presentes ! orAue era homem "asado$. Sabemos
1ue o os religiosos utili#a0am tal crit)rio como argumento aos superiores eclesisticos
destinatrios dos documentos como a"irmação da legitimidade destes congueses como cristãos
a"astando estas 0isitas de poss&0eis suspeitas. Ae 1ual1uer "orma acreditamos ser acertado
a"irmar 1ue aos cn>uges atribu&a'se signi"icati0o prest&gio tamb)m na es"era local.
? 1ue não se pode deixar de lado ao tratarmos o casamento católico como uma prtica
1ue atribu&a legitimidade social ) o basilar papel da mulher. Para se apresentarem aos padres
como candidatos ao casamento os nobres congueses de0eriam ob0iamente eleger (apenas- uma
noi0a. /l)m disso de0eriam e0itar 1ue os padres tomassem conhecimento sobre a exist2ncia de
outras di"erentes da1uela. ?s missionrios Sa0ona e 4a"ael de +ide "oram tacitamente "lex&0eis a
esse respeito deixando de empreendendo in0estigaçRes pro"undas sobre a exist2ncia de outras
esposas al)m da escolhida para a o"iciali#ação sacramental. ? capuchinho Aicomano ao
contrrio se preocupa0a em obser0ar atentamente as particularidades da poligamia conguesa
recusando'se a reali#ar o sacramento desde 1ue mediante as e0id2ncias da monogamia dos
noi0os. %onse1uentemente logrou em reali#ar apenas 1uarenta matrimnios em muitos anos de
trabalho.78
%onstatamos atra0)s da documentação 1ue a obrigatoriedade imposta pelo padre na
monogamia re1ueria criteriosa opção por parte dos homens pol&gamos de 1ual seria a noi0a eleita
ao ritual exigindo tamb)m o consentimento das esposas exclu&das deste. ?s crit)rios desta
escolha nos são in"eli#mente inacess&0eis. +e>amos um acontecimento signi"icati0o 0i0ido por
"rei 4a"ael en1uanto casa0a um importante in"ante na mban#a de %oma próximo a EnsucoD
Uma delas 1uis mostrar o seu brio por ser despre#ada e Xo in"anteY casar comoutra 1ue ele escolheuO e 1uando o ,n"ante se retira0a para sua casa > com a
7 +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l.. 49-144.
78 %?44E/ /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. 'L.
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sua 0erdadeira Esposa a1uela mulher por outra parte rompia o muro comgrande "ria com um al"ange na mão cortando os paus e palhas 1ue "orma0amo muro e "a#endo com os seus parentes os seus sagamentos ou brincos deguerra como arremetendo e di#endo 1ue não ha0ia de sair escondida como asoutras mancebas mas 3 0ista de todos por1ue ela era ,n"anta e tinha primeiroa pala0ra do casamento.7K
? "ato narrado o"erece'nos elementos rele0antes. Primeiramente aponta para a pre0ista
conclusão de 1ue o casamento católico não substitu&a tampouco 1uestiona0a o sistema
poligTmico uma 0e# 1ue se espera0a 1ue as esposas não escolhidas !mancebas$ aos olhos
missionrios sa&ssem "urti0amente (pro0a0elmente retornando após a partida do padre- o 1ue
denota a montagem de um !>ogo de cena$ para ludibri'lo. Em segundo lugar notamos 1ue para
a esposa escolhida e sua parentela passar pelo rito matrimonial signi"ica0a ad1uirir consider0el
status negado 3 mulher e sua "am&lia no relato do "ranciscano 1ue os mobili#ou para o protesto. /l)m disso "ica e0idente o 0&nculo entre a identidade muana Congo (in"anta-D !não ha0ia de sair
escondida como as outras mancebas mas 3 0ista de todos por1ue ela era in"anta$ C.
Em outros casos cn>uges se 0iam diante da di"iculdade em escolher apenas uma das
esposas tal0e# por temerem os mesmos percalços so"ridos pelo homem descrito acima. Jestes
casos o prest&gio pro0eniente do !t&tulo$ de casado poderia causar danos 1ue colocassem em
risco as alianças no Tmbito da organi#ação social. Eis um exemplo concreto de um con"lito
tra#ido por "rei 4a"aelDX...Y eles tudo prometiam mas ali Xem Mban#a Jsolo próximo 3 uibangoY não"i# algum casamento nem com o mesmo Pr&ncipe pude acabar 1ue se casasseOtendo muitas mulheres escolhesse uma o 1ue me causou algumadesconsolação por1ue era > 0elho e não podia esperar outra missãoO mas istosucede em toda a parteD uns recebem a doutrina outros não. C7
/s e0id2ncias encontradas na documentação sinali#am para a importTncia do
sacramento do matrimnio como um rito 1ue atribu&a legitimidade pol&tica aos homens e
mulheres membros da muana Congo por ser mais um dentre os rituais de rememoração da
tradição pol&tica conguesa. Este sistema con0i0ia muitas 0e#es de maneira con"lituosa com asestruturas sociais organi#adas pela poligamia e matrilinearidadeO o 1ue explicaria o "ato do
casamento ter (aparentemente- atingido com exclusi0idade camadas altas da sociedade e ter sido
recebido de "orma di0ersa dependendo da localidade.CC
7K +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. 1.C +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. 1-19. C7 +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. 7K. CC Exemplo de ?ando local no 1ual nobre algum aceitou casar'seD +iagem e missão no %ongo "l. . 17( em oposição3 uibango onde o casamento parecia muito popular entre as elites +iagem e missão no %ongo "l. . :4.
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+isto isso nota'se 1ue não se reprodu#ia no %ongo os signi"icados do casamento
católico e europeu antes disso 0emos a instrumentali#ação deste ritual de acordo com interesses
próprios e códigos sociais historicamente constitu&dos pela relação particular dos congueses com
o catolicismo. Aiante dessa conclusão e0idencia'se a insu"ici2ncia de uma perspecti0a 1ue
pressupRe simples di"usão de prticas cristãsD poss&0el armadilha de uma leitura super"icial das
"ontes esta abordagem cristoc2ntrica obscureceria a compreensão das dinTmicas e os di"erentes
interesses em >ogo.
=specialistas sacramentais congueses: nleEes intFrpretes e mestres de igreGa,
Em trabalhos anteriores argumentamos pela importTncia dos congueses em ati0idade
nas missRes na mediação de interesses entre o rei do %ongo e os padres europeus. ?u mesmo
como limitadores da autonomia dos missionrios "rente ao Mani %ongoCF. /1ui debateremos a
importTncia destes como compatibili#adores entre interesses das elites locais e de missionrios
diante da prtica sacramental de "orma geral.
?s agentes religiosos congueses 1ue participa0am do trabalho ritual católico se di0idem
no per&odo pós'restauração de acordo com os testemunhos em tr2s grupos. /pesar de não
termos e0id2ncias su"icientes supomos 1ue de0e ter ha0ido outras categorias al)m destas em
1uestão. 5rataremos primeiramente dos nlekes chamados tamb)m !escra0os da igre>a$ 1ue
ocupam um n&0el in"erior na hierar1uia religiosa sobre os 1uais a documentação o"erece apenas
possibilidades descriti0as. /o contrrio destes os mestres de igre>a e int)rpretes eram agentes de
maior prest&gio e participação ritual sobre os 1uais os padres apresentam postura mais amb&gua
gerado por con"litos e negociaçRes 1ue nos propiciarão uma leitura mais apro"undada e til aos
nossos ob>eti0os.
leEes
Jle6 e ) um termo recorrente nas "ontes 1uando tratam dos chamados !escra0os da
igre>a$ este 0ocbulo 1uicongo con"ere sentido de >u0entude seu plural )D muleke (herdado pelo
portugu2s brasileiro-. Utili#aremos a1ui !nlekes$ como plural contrariando a mor"ologia do
1uicongo pois trataremos este 0ocbulo como um t&tulo espec&"ico distinto do termo muleke
aplic0el a 1ual1uer coleti0idade >o0em. / semTntica do 0erbete por si só aponta para a
caracter&stica >o0em destes chamados !escra0os da igre>a$C. 5oda0ia tal "unção não parece ter
CF S/PEAE 5hiago %. 'issionDrios e o 'ani"ongo+ nego"ia/o( "onflito e deend!n"ia. =eino do Congo 7N8'7K8 p 7'K. C Em %astelo de +ide tamb)m "a# re"er2ncia aos nle6es como !mole1ues$. +iagem e missão no %ongo "l. 79.
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sido restrita aos moçosO ha0endo descriçRes de nlekes mais 0elhos mesmo idosos 1ue
naturalmente go#a0am de maior prest&gioCL.
5hornton mostra a importTncia do trabalho dos nlekes nos hosp&cios capuchinhos (e
como carregadores nas missRes- em meados do s)culo *+,, durante o pice da missão desta
ordem a 1uem chama de !hosi"e servants $ (ser0os do hosp&cio- como pertinente alternati0a ao
termo !escra0o$ 1ue aparece nas "ontes uma 0e# 1ue segundo este autor os nlekes teriam sido
na 0erdade escra0os libertos 0“freed slaves$2CN. ? historiador não nos in"orma (pois suas "ontes não
o "a#em- sobre o contexto destas liberaçRes mas segundo e0id2ncias do nosso per&odo pode'se
in"erir 1ue muitos nlekes tenham sido estrangeiros sem 0&nculos "amiliares tutelados por
missionrios ou autoridades locais após poss&0el !resgate$ das rotas direcionadas ao /tlTntico.
,sso explicaria o 0&nculo local 3s pro0&ncias igre>as ou hosp&cios "ora do sistema "amiliar.
?s nlekes no con0ento dos capuchinhos em Ensuco são bastante comentados pelas
"ontes do per&odo como 0emos em Sa0onaD
5emos o hosp&cio de Ensuco "undado pelo 4ei Pedro ,,, e seu a0 e osescra0os 1ue estão a ser0iço da missão. Mas pouco se estende não seriam 7mil habitantes todos cristãos. <oram su>eitos de in0asores de ?ando 1uedestru&ram 1uase tudo em 7NL reerguemos o hosp&cio com os escra0os daigre>a e os sditos do Zpaesi=.C
Estes mesmos são citados por "rei 4a"ael uma d)cada mais tardeD /inda bem não tinha descansado 1uando me mandaram pedir uns escra0osdos Padres Qarbadinhos ,talianos 1ue assistiam no seu Hosp&cio de Ensucodois dias de >ornada desta %orte 1ue "osse acudir por1ue não estando a1ui osseus Padres os 1ueriam apanhar para os 0enderem.C8
Estes nlekes de Jsuco parecem ter sido numerosos e seu 0&nculo não era apenas
pro0incial como tamb)m com a própria ordem capuchinha. Em algumas ocasiRes (como narra
Sa0ona- encontra0am'se emprestados a uma 0iagem de missão espec&"ica por)m não esta0am
0inculados a um aparelho eclesistico !nacional$ no sentido amplo (inexistentes no per&odo- mas
aos ncleos e pro0&ncias espec&"icas. /l)m destes ha0ia alguns nlekes 1ue 0i0iam em 'ban*a
Congo nos arredores da casa dos padres. Ja ocasião da chegada da comiti0a de "rei 4a"ael 3
'ban*a %ongo em 78 alguns nlekes( 1ue se encontra0am dispersos se reuniram no0amente
após anos de aus2ncia missionria como nos in"orma o padreD “vigDrio geral( Aue aAui morreu( os
Auais( andando disersos( ouvindo a nossa "hegada( se t!m vindo a3untar ara nos servirem( e ara "omerem$.
CL %?44E/ /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano (...- p. N. CN 5H?4J5?J Iohn 9. 5he de0elopment o" an a"rican %atholic %hurch in the 9ingdom o" 9ongo 7K7'7L.The 3ornal of %fri"an istor5. %ambridge %ambridge Uni0. Press p.7N7 a 7N. C 5?S? %arlo. 4ela#ioni inedite di P.%herubino %assinis da Sa0ona sul =egno del Congo e sue 'ission i p. C7F. C8 +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. 148.
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/lguns deles torna0am'se tutelados da igre>a após cedidos aos padres como moeda de troca
o"erecida por in"antes 1ue 0inham 3 capital para receberem sacramentos ou t&tulos
principalmente o Hbito de %risto (1ue era o"iciali#ado con>untamente pelo padre e o Mani
%ongo-CK.
En1uanto esta0am na capital os nlekes eram respons0eis por la0rar as terras !1ue
pertencem 3 igre>a$ e destas tira0am seu sustento (alimentando tamb)m mestres int)rpretes e
padres-. 5rabalha0am na construção ou manutenção de igre>as e das casas dos padres e mestres.
/lguns constitu&am "am&lias (aparentemente monogTmicas- e pareciam go#ar de certo grau de
liberdade de circulação dentro das mban*a sF.
Aurante as 0iagens os nlekes eram particularmente importantes para a manutenção da
estrutura das missRes atuando como carregadores com o de0er de #elar pelos padres e materiais
de culto e transport'los. /ssim como outros membros das comiti0as de missão eram
sustentados por !presentes$ dados pela população local principalmente as elites dirigentes mais
abonadas 1ue o"ereciam recompensas pelos ser0iços rituais prestadosF7. +ale obser0armos a
interessante (e um tanto ideali#ada- descrição de "rei 4a"ael a respeito da ati0idade cotidiana dos
nlekes >unto 3s missResD
Jas missRes nos acompanham os escra0os da ,gre>a 1ue sempre o Padre le0a
0inte ou mais ou pouco menos con"orme a necessidade entre grandes epe1uenosO e estes são os 1ue l guisam a comida buscam gua e lenha como na%orte e todos com o Padre 0ão alegres por1ue na missão comem melhorpor1ue h mais esmolas. 52m grande #elo do seu Padre de noite e de dia oguardam e Aeus ) ser0ido in"undir'lhe um tal respeito ao Missionrio 1ue estese entrega li0remente nas suas mãos por matos serras e sertRes sem algumtemor e ) imposs&0el "a#er'lhe algum mal só "urtar'lhe alguma coisa para o1ue eles t2m sua inclinaçãoO mas são "urtinhos 1ue o Padre dis"arça muitas 0e#es. /lgumas 0e#es o en"adam com gritarias entre eles outras o di0ertemcom as suas danças honestas 1ue outras lhe não permitimos mas sempre sehumilham 3 correcção e nós os tratamos com amor como "ilhos e não se0eroscomo a ser0os.FC
*estres e intFrpretes
Mestres de igre>a e int)rpretes "oram personagens "undamentais no trabalho ritual
católico ao longo da história do %ongo com presença nas descriçRes das "ontes. Ai"erentemente
dos nlekes detinham alto prest&gio socialO as teias das relaçRes de poder en0ol0endo estas "iguras
CK +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. F +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. :- CC7. F7 +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. CC'CCC. FC +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. CC'CCL.
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as elites pol&ticas locais e os missionrios europeus eram de carter mais complexo no s)culo
*+,,, do 1ue se poderia pressupor diante dos pap)is tradicionais da igre>a.
/ maneira com 1ue a e1uipe eclesistica se distribu&a na principal igre>a de 'ban*a
%ongo onde "a#iam tamb)m sua morada ) bastante representati0a das relaçRes hierr1uicas.
Segundo relatos de "rei 4a"ael a casa onde os religiosos 0i0iam posiciona0a'se atrs da Santa S)
conectada 3 sacristia da igre>aO cercada por um alto muro aos "undos. ?s nlekes 0i0iam "ora dos
muros e seu acesso 3 sacristia e a casa dos padres era restrito. Mestres e int)rpretes pareciam não
morar com padres e nlekes neste con>unto mas seu acesso a todas as depend2ncias (inclusi0e a
casa dos padres- era irrestrito o 1ue denota a detenção de maior poder e autonomia destes
conguesesFF.
?s mestres cate1uistas no %ongo remetem 3 tradição iniciada no reinado de A. /"onso
, M0emba a J#inga no in&cio do s)culo *+, 1uando "oram inauguradas as chamadas !escolas
de gramtica$ com o ob>eti0o de ensinar aos >o0ens das elites a leitura e escrita do portugu2sO
al)m dos preceitos da cate1uese. ?s primeiros mestres e int)rpretes eram membros das mais altas
elites conguesas diretamente ligadas aos soberanos alguns deles "ormados em Portugal. Em
meados do s)culo *+, missionrios >esu&tas tornaram'se os principais agentes do ensino da
l&ngua portuguesa e dos preceitos da ") cristã. Em 7LLL "oi escrito o primeiro catecismo em
1uicongo por >esu&tasD trabalho 1ue parece ter contado com a contribuição desses primeirosmestres a"ricanosF. Esta parceria entre agentes locais e europeus "a#'se e0idente no s)culo
seguinte com a publicação o catecismo !doutrina cristã$ organi#ado pelo >esu&ta Mateus
%ardoso 1ue apontou para a participação dos !melhores mestres ind&genas de 'ban*a Congo$ na
obraD certamente com o cargo de mestresFL.
Em meados do s)culo *+,, ocorreria a crise de"initi0a nas relaçRes diplomticas entre
Guanda e 'ban*a Congo assim como expulsão de"initi0a dos >esu&tas do reino do %ongo.
5amb)m se deu a trans"er2ncia do bispado de %ongo e /ngola para Guanda a"astando os Mani%ongos dos prelados. Aiante do estremecimento nas relaçRes com Portugal (seu principal
parceiro para a "ormação de mestres- a "ormação destes parece tamb)m ter tomado no0os
rumos. Jo per&odo pós'restauração diante da tensa relação luso'conguesa parece'nos pouco
FF +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. CC'CCC. F 5H?4J5?J Iohn 9. 5he de0elopment o" an /"rican %atholic %hurch in the 9ingdom o" 9ongo 7K7'7L.The 3ournal of %fri"an istor5. %ambridge %ambridge Uni0ersity Press 7K8L p. C8'7L. S?U[/ Marina de Mello e. 'issionDrios e mestres na "onstru/o do "atoli"ismo "entro-afri"ano( sE"ulo @F. /nais do **+, Simpósio Jacional deHistória. /JPUH. São Paulo >ulho C77. FL 4EB,J/GA? Gucilene. Gs =osarios dos %ngolas. rmandades de afri"anos e "rioulos na Hahia ete"entista. /o ,aulo. /lameda C77 p. 'L7.
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pro00el 1ue os numerosos mestres e int)rpretes atuantes (assim como !secretrios$ e outros
letrados- tenham sido "ormados pelos aparatos coloniais portugueses em /ngolaO tampouco 1ue
tenham ido 3 Europa. ?s capuchinhos italianos durante a segunda metade do s)culo *+,,
cumpriram o papel educacional (em seu con0ento de Ensuco- independente dos portugueses
mas após a 1ueda na missão desta ordem a partir das primeiras d)cadas do s)culo *+,,, a
"ormação de mestres e int)rpretes parece ter se tornado autnoma de 1uais1uer agentes
europeus sendo exclusi0amente "eita por agentes congueses FN.
Este argumento contrapRe'nos a uma interpretação recorrente na historiogra"ia
presente nos trabalhos de %ustódio Bonçal0esF e QalandierF8 (dentre outros trabalhos
anteriores- 1ue de"endem 1ue a di"usão dos saberes (lingu&sticos e religiosos- originalmente
portugueses ao longo da história do %ongo teriam sido resultantes de empreitadas portuguesas
para !aculturação$ ou !europei#ação$ das elites conguesas suposta ponta de lança do processo
de dominação colonial lusaFK. / autonomia na "ormação dos mestres cate1uistas detida pelas
elites do %ongo a partir do s)culo *+,,, aponta para a conclusão oposta 1ue ser apro"undada
em bre0e.
Mestres e int)rpretes pap)is di0ersos na condução dos rituais no %ongo. ,n"eli#mente
as "ontes não se det2m sobre as particularidades no trabalho de cada um deles 1ue por ra#Res
ób0ias obscurece a ag2ncia dos operadores congueses "rente ao missionrio. ?s textos re0elambasicamente a1uilo 1ue a distinção lógica seria capa# de "a#erD aos mestres cabia ensinar e aos
int)rpretes acompanhar os padres em tese !tradu#ir$ e !interpretar$ a liturgia e a comunicação
entre o padre e os congueses. Uma leitura panorTmica nos le0aria a conclusRes es1uemticas
sobre os pap)is ocupados por cada um destes tradicionalmente segundo os 1uais o padre
ocuparia a posição central de !c)rebro$ da missão en1uanto int)rpretes e mestres !braços$ em
sua "unção de di0ulgar e tradu#ir.
Se dispus)ssemos apenas dos relatórios dos "ranciscanos %herubino de Sa0ona e 4a"aelde +ide de0ido 3 postura tolerante e idealista de ambos (sempre preocupados em ma1uiar
con"litos para seus interlocutores- poder&amos cair na armadilha desta conclusão mais simplista.
Por)m diante da ortodoxia cr&tica (e do senso de superioridade- de 4aimundo Aicomano em
relação ao clero local recebemos di"erentes impressResD
FN +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. C. F B?J\/G+ES /. %. istria revisitada do Kongo e %ngola. Gisboa Estampa Editorial CL. F8 Q/G/JA,E4 ( I. >ail5 life in the Kingdosm of Kongo. J] Meridian boo6s 7KNK FK Aentre elesD +an :ingD Jtudes Hakongo. 7KC7O Iean %u0elierD &%n"ien =o5aume de Congo. Qruxelas 7KN e 4andlesD&an"ien ro5aume du Congo .,aris( 7KN8.
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uando se lhes explica e se lhes inculca a 0erdadeira ideia dos santos mist)riose dos preceitos de Aeus e da ,gre>a não "a#em caso e muitas 0e#es respondemnão serem esses os costumes e as leis do %ongo e 1ue por o Padre ser no0onão est bem instru&do nas suas leis. /l)m disso os próprios int)rpretes de 1ue) necessrio ser0ir'se não se atre0em a repetir a1uilo 1ue o Padre di# contra osseus costumes sendo mucano Xdelito 1ue incorria no pagamento de multa Ypara os int)rpretes contradi#er o 1ue ) "eito uni0ersalmente por todos por1uedi#em 1ue o int)rprete não de0e di#er ao Padre o 1ue "a#em e se o "a#em sãocastigados (...- assim 1ue "alta o Padre "a#em'lhe pagar o mucano.
Este relato 0alioso de <rei 4aimundo tra# elementos de nosso pro"undo interesse.
Primeiramente notamos um deslocamento da centralidade da ag2ncia ritual católica para os
mestres e int)rpretes "rente ao cl)rigo europeu. ^ e0idente 1ue a presença do missionrio era
essencial en1uanto emissrio de signi"icati0o poder simbólico e religioso uma 0e# 1ue di0ersos
sacramentos e rituais tinham sua condução restrita ao trabalho dos missionrios. Por)m no
tocante 3 condução do ritual e 3s mat)rias mais prticas os int)rpretes parecem ganhar
proemin2ncia.
? papel do int)rprete parecia não se restringir a tare"a da tradução da doutrina emanada
dos padres adaptando'a para a recepção dos seus conterrTneos. / adaptação ocorria
especialmente em sentido oposto "a#endo com 1ue o missionrio europeu se acomodasse (ou
permanecesse ignorante- aos costumes da tradição conguesa e 1ue cumprisse sua "unção ritual
como um nganga de alt&ssimo poder.
Ae acordo com os padrRes da regra eclesistica caberia ao missionrio o papel de
!direção$ dos sacramentos mediante aos atores de tare"as mais assistentes. Jotamos entretanto
1ue no caso do relato de Aicomano o ritual era dirigido pelo int)rprete 0erdadeiro conhecedor
dos !costumes e as leis do %ongo$ 1ue cumpria a "unção de adaptar o discurso do padre de
acordo com !a1uilo 1ue ) "eito uni0ersalmente por todos$. Este dado e0idencia 1ue o
compromisso do int)rprete em seguir os preceitos locais em detrimento dos preceitos europeus
constitu&a'se como regra estabelecida entre os congueses na ocasião oculta apenas ao padre. ?
descumprimento deste implica0a no pagamento de mu"ano o 1ue des0ela o 0alor normati0o desta
di0isão de pap)is. ^ interessante notar as artimanhas conguesas para iludir o padre e garantir 1ue
não tomasse conhecimento deste acordo comunicado atra0)s de códigos próprios e da l&ngua
local o 1ue distancia0a o missionrio da ag2ncia ritual.
? mesmo parece 0aler para os mestres de igre>a. Estes exerciam uma "unção importante
na transmissão dos saberes ligados aos rituais católicos. Jas missRes en1uanto padres e
%?44E/ /rlindo. ,n"ormação o reino do %ongo por 4aimundo Aicomano (...- p.N.
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Agência ritual africana e a africanização do catolicismono reino do Congo pós-restauração: 1769-1795
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int)rpretes cuida0am dos sacramentos os mestres pareciam ter o papel de ensinar cTnticos ritos
comportamentos e preceitos. <rei 4a"ael descre0e o repertório ritual congu2sD !cTnticos$
!ladainhas$ ou !rosrios$ pro"eridos em 1uase todo o território e ensinados pelos mestres. São
citados principalmente cTnticos para Sto. /ntnio e S. <rancisco. / proemin2ncia absoluta
por)m era de lou0açRes a Jossa Senhora. Estas !ladainhas$ (como são comumente descritas-
eram di"usas por muitas regiRes no per&odo entoadas em situaçRes distintasD recepção da
comiti0a de missão missas ritos "nebres dentre outras7.
<rei 4a"ael compartilha0a com os congueses esta de0oção e abastecia'os com imagens e
ins&gnias para a lou0ação da 0irgemD
_ noite se a>untou o Po0o a cantar o 5erço de Maria SS.ma na sua l&ngua e a
Gadainha como se costuma a 1ue nós assistimos animando'os nesta santaAe0oçãoO para o 1ue lhe pus diante uma de0ota e per"eita imagem de JossaSenhora da %onceição 1ue tra#ia na minha companhia 1ue eles não sesacia0am de 0er por1ue não tinham no seu pobre oratório mais do 1ue umapouco per"eita imagem do J. P. S. <rancisco e ad0ertia a1ui e para dianteserem estes Po0os de0otos de Jossa Senhora pois lhes ou0ia de noite e muitas 0e#es de madrugada entoar os seus lou0ores os 1uais eu muitas 0e#esacompanha0a animando'os com algumas prticas.C
? uso do 1uicongo parece ter sido hegemnico nos cTnticos rituais no per&odo da
segunda metade do s)culo *+,,,. Em espaças oportunidades são descritas cantorias em latim
1ue ocorriam por iniciati0a do missionrio. ? ensinamento do repertório ritual mais di"undidoem l&ngua local era "eito pelos mestres.F
<rei 4a"ael reconheceu os cTnticos de lou0ação 3 +irgem em 1uicongo e não hesitou
em aprend2'las com os mestres e reprodu#i'las 3 maneira conguesaD
Em obs)1uio desta mesma Senhora Mãe de Aeus e dos pecadores e nossaparticular protectora "aço celebrar todos os sbados em lou0or da sua,maculada %onceição cantando o Po0o o seu 4osrio na ,gre>aO logo eure0estido de capa de asperges 1ue a temos preciosa le0anto a Sal0e na mesmal&ngua do %ongo e a canto com o Po0o a seu modo.
Essa postura de "rei 4a"ael permitiu uma troca de saberes com os mestres absor0endo
os exerc&cios rituais locais e o"erecendo no0as in"ormaçRes 1ue amplia0a o repertório dos
mestres como cTnticos em latimD
Gogo se segue a Missão no "im a Gadainha cantada com a ant&"ona 5otapulchra 1ue eu tenho ensinado aos Mestres e disc&pulos como tamb)m o hinode Santa Qrbara todos os dias para ser nossa ad0ogada em terra de tantas
7 +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. CL'FF. C +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. FC'FF. F %?44E/ /rlindo. ,n"ormação o reino do %ongo por 4aimundo Aicomano (...- p.N. +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. C7.
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tro0oadasO e a /nt&"ona Stella %`li por causa da peste 1ue tem ha0ido o 1ue> eles "a#em so"ri0elmente.L
<rei Aicomano por sua 0e# assumiu uma postura completamente di"erente. 4ecusa0a'
se a reconhecer a condução ritual local como 0lida e como conse1u2ncia tra0ou constantesdisputas pela exclusi0idade de seus preceitos europeus "rente os modos locais. %omo
conse1u2ncia "ora repreendido por mestres 1ue a partir de sua posição de autoridade se
dispunham inclusi0e a in"orm'loD
Por1ue cabe di#em eles aos Mestres e aos escra0os idosos instruir bem oMissionrio e com minha grande a"lição me "oi dito muitas 0e#es 1ue eu nãoesta0a bem instru&do 1uando os repreendia por estes preconceitos e pelap)ssima 0ida 1ue le0a0am.N
/ autossu"ici2ncia dos mestres em relação aos missionrios (esparsos no per&odo- de0e
ter colaborado para a di"usão dos rituais e ensinamentos com caracter&sticas próprias e soberanas
"rente 3 regra eclesistica. ?s 0&nculos de depend2ncia esta0am estabelecidos com as elites locais
(em muitas localidades- 1ue os sustenta0am. %omo por exemplo o caso do mar1u2s de
Mbamba in"ormado por Sa0onaD
(...- e ele mant)m sempre a igre>a de pedra e terra e todos os sbados con0ocaseus 0assalos mais próximos a recitarem a doutrina e santo rosrio e mant)mum mestre 1ue ) capa# de ensin'la. ^ um bom pr&ncipe católico e se chama A /l0aro /gua 4osada 4omano Geite(...-.
Em 'ban*a Congo na ltima d)cada do s)culo *+,,, Aicomano nos in"orma sobre !o"ostume na Cidade de 'ban*a Congo de "antar as &adainhas de )ossa enhora( orAue est/o vivos ainda alguns
'estres antigos e uma mulher de idade Aue lhes aga $8. Em geral estes mestres e int)rpretes parecem ter
origem nas elites pol&ticas conguesasO em muitos casos os próprios che"es de mban*as ou
pro0&ncias eram tamb)m mestres ou int)rpretes o 1ue ocorria em geral nas localidades com
maior ligação com a tradição pol&tica do antigo reinoD Soyo Mpinda Mucondo uibango
Mbamba %ongo e Gu0ota. Esses t&tulos 0inculados 3 tradição cristã eram e0identemente
"erramentas de legitimidade pol&tica e acreditamos ter sido este seu signi"icado essencialK
. /utores 1ue se dedicaram aos per&odos anteriores (s)culos *+, e *+,,- se lançaram de
maneiras di"erentes ao desa"io de compreender as particularidades da relação dos congueses com
L +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide "l. C7. N %?44E/ /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p N. 5radução li0reD !(...- e Gui mantiene sempre la %hiesadi Pietra e terra e tutti li sabati e "este "3 con0ocare suoi 0assali pi 0icini a recitare la Aottrina e Santo 4osario e mantiene a sue spese maestri capaci per insegnarla e la "3da buon Principe %attolico e si chiama A. /l0aro /gua 4osada 4omano Geite (...-$. 5?S? %arlo. 4ela#ioni ineditedi P.%herubino %assinis da Sa0ona sul =egno del Congo e sue 'ission i p. C7. 8 Exemplos em +iagem e missão no %ongo de <rei 4a"ael %astelo de +ide ho>e bispo de São 5om) (7K8-.
/cademia das %i2ncias de Gisboa MS +ermelho CKN "l. FL LF e 7FL. K %?44E/ /rlindo. nforma/o o reino do Congo or =aimundo >i"omano 0...2( p. 'L.
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Susan Herlin Qroadhead nica autora a estudar o per&odo (s)culos *+,,, e *,*-
pri0ilegiou o "ator comercial para compreender a estrutura pol&tica e trans"ormaçRes pol&ticas no
%ongo. Aesta "orma acabou por subestimar a importTncia de prticas cristãs como um elemento
de compreensão histórica mesmo não os tendo ignorado. /dmitiu 1ue a cristandade teria sido
pilar de uma identidade conguesa por)m minimi#ou'a "rente a uma organi#ação pol&tica 1ue aos
seus olhos era essencialmente "ragmentadaL. Em um artigo posterior atribui maior rele0Tncia ao
catolicismo como argumento de identidade pol&tica mas sem apro"undar a operação deste
sistemaLL. Portanto sem signi"icati0as contribuiçRes para nosso recorte temtico neste trabalho.
Aiante desta anlise das "ontes do per&odo apresentadas neste artigo obser0amos a
prima#ia da ag2ncia conguesa atra0)s de seus especialistas rituais no processo de cate1uese e nas
prticas rituais católicas. Estes operadores rituais locais eram sustentados por membros das elites
(e originrios da mesma- con"erindo aos 1ue acessa0am aos rituais alta distinção social. Aa
mesma maneira 1ue a prtica matrimonial cristã (em seu sentido europeu incompat&0el 3
organi#ação "amiliar centro'a"ricana- "unciona0a como elemento de legitimação do poder pol&tico
da muana %ongo detendo sentido essencialmente pol&tico uma 0e# 1ue agrega0a um no0o t&tulo
e rememora0a a tradição do %ongo centrali#ado de outrora.
/ autonomia das prticas sacramentais "rente ao catolicismo europeu era naturalmente
conse1u2ncia da soberania das elites conguesas sobre o próprio território no per&odo e dosinteresses en0ol0idos em rememorar a tradição pol&tica por parte da muana %ongo. Parece'nos
impertinente um en1uadramento historiogr"ico destas prticas sacramentais e seus agentes locais
em uma perspecti0a da expansão da ,gre>a católica ou do poderio de expansão do imp)rio
portugu2s (portanto luso ou cristocentrica- para o %ongo pós'restauração. Era aos interesses dos
próprios congueses (ao menos da muana %ongo- 1ue ser0iam as prticas cristãs. Portanto
somente a perspecti0a 1ue pri0ilegia a ag2ncia histórica local tem potencial para re0elar as
particularidades e complexidades deste per&odo indel)0el da história do %ongo.4ecebido emD C77C7F.
/pro0ado emD CCC7F.
L Q4?/AHE/A Susan H. Trade and ,oliti"s on the Congo "oast p.LF'N.
LL VVVVVV.Qeyond Aecline. p. N7L' NL.