agência nacional do petróleo, gás natural e ... · tratando, por exemplo, das alíquotas e da...
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Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2010.
À
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP
Via email ([email protected])
A/C: Superintendência de Participações Governamentais - SPG
Ref.: Nota Técnica SPG nº 39/2010 – Consulta e Audiência Pública
Prezados Senhores,
Servimo-nos da presente para apresentar as nossas contribuições à Nota Técnica SPG
nº 39/2010 (“NT 39”), elaborada pela Superintendência de Participações
Governamentais - SPG da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis – ANP, no âmbito da Consulta Pública e Audiência Pública nº 16/2010
efetuada pela ANP. De modo a facilitar a leitura deste Memorando, o mesmo foi dividido
nos seguintes capítulos:
CAPÍTULO 1 OBJETO DA CONSULTA PÚBLICA: ..................................................................... 2 CAPÍTULO 2 REGRAS ATUAIS SOBRE PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: ..................................... 2 CAPÍTULO 3 ANÁLISE DA PROPOSTA DA ANP: ...................................................................... 4
3.1 Exame da Constitucionalidade da Proposta: .................................................................... 4 (a) Violação de Princípios Constitucionais: ....................................................................... 4 (b) Distinção entre Royalties e PE: ................................................................................. 12
3.2 Aspectos Fiscais apontados pela Procuradoria Geral Federal: ..................................... 13 3.3 Argumentos Técnicos quanto à Inadequação da Proposta: .......................................... 16
(a) Conceito de Valor Comercial: .................................................................................... 16 (b) O papel da ANP na autorização da queima de gás natural: ..................................... 18 (c) Custo Operacional: .................................................................................................... 20 (d) Política Energética e Ambiental: ................................................................................ 20
CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES: .................................................................................................... 22
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CAPÍTULO 1 OBJETO DA CONSULTA PÚBLICA:
1. Conforme aviso emitido pela ANP com relação à referida consulta e audiência
pública, a NT 39 pretende subsidiar a proposta da ANP de alteração na apuração dos
cálculos da Participação Especial (“PE”), de modo que passem a ser considerados nos
mesmos: (i) os volumes de gás natural consumidos internamente nas operações do
próprio campo; e (ii) as quantidades queimadas em flares, em prejuízo de sua
comercialização.
2. Como será demonstrado neste trabalho, além das flagrantes
inconstitucionalidade e ilegalidade da modificação pretendida pela ANP, a qual fere
regras estabelecidas pela “Lei do Petróleo” (Lei Federal nº 9.478 de 1997) e suas
normas regulamentares, há uma série de imprecisões técnicas e princípios de regulação
que justificam a não adoção dessa modificação, para o benefício da estabilidade e
razoabilidade regulatória e, portanto, da indústria do petróleo e gás no Brasil.
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CAPÍTULO 2 REGRAS ATUAIS SOBRE PARTICIPAÇÃO ESPECIAL:
3. De acordo com a “Lei do Petróleo” (Lei Federal nº 9.478 de 1997), a PE é devida
sobre o resultado gerado a partir de “grande volume de produção, ou de grande
rentabilidade”, conforme regulamentado em decreto do Presidente da República. Esse
“resultado” referido acima, preceitua a Lei do Petróleo, é a “receita bruta da produção,
deduzidos os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a
depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor” (Art. 50, caput e § 1º - grifos
nossos).
4. A lei, portanto, determina a base de cálculo da PE, deixando ao decreto do
Presidente da República a sua regulamentação, a partir daquela base de cálculo pré-
definida. Em outras palavras, cabe ao decreto presidencial detalhar o comando legal,
tratando, por exemplo, das alíquotas e da definição de termos tais como “Receita Bruta
da Produção”.
5. O ato regulamentar do Presidente da República sobre a matéria é o Decreto nº
2.705 de 1998 (“Decreto”). Definiu-se, nessa norma, que a Receita Bruta da Produção,
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ponto de partida para apuração da PE segundo a lei, é “o valor comercial total do
volume de produção fiscalizada, apurado com base nos preços de referência do
petróleo e do gás natural produzidos, relativamente a cada campo de uma dada área de
concessão” (Art. 3º, VII – grifos nossos).
6. E ao replicar o conceito legal de PE, o Decreto detalha que a PE é apurada
mediante a aplicação de “alíquotas progressivas sobre a receita líquida da produção
trimestral de cada campo” (Art. 22).
7. Da conjugação do preceito legal com o detalhamento regulamentar, tem-se que:
Base de cálculo da PE =
valor comercial total do volume de produção fiscalizada, com base nos preços de
referência
Deduzidos
royalties+investimentos na exploração+custos operacionais+depreciação+tributos
8. O entendimento da matéria passa pela definição dos termos acima, conforme
estabelecido pelo Decreto, da seguinte forma:
(i) Volume de Produção Fiscalizada é a “soma das quantidades de
petróleo ou de gás natural, relativas a cada campo, expressas nas
unidades métricas de volume adotadas pela ANP, que tenham sido
efetivamente medidas nos respectivos pontos de medição da
produção, sujeitas às correções técnicas de que trata o art. 5º deste
Decreto”. Em outras palavras, trata-se da produção efetivamente
medida pelo concessionário, em termos volumétricos e nos termos da
lei e das regras da ANP (Art. 3º, X).
(ii) Receita Líquida da Produção é a “receita bruta da produção
deduzidos os montantes correspondentes ao pagamento de royalties,
investimentos na exploração, custos operacionais, depreciações e
tributos diretamente relacionados às operações do campo, que
tenham sido efetivamente desembolsados, na vigência do contrato de
concessão, até o momento da sua apuração, e que sejam
determinados segundo regras emanadas da ANP” (Art. 3º, VIII).
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(iii) Preço de Referência é o “preço por unidade de volume, expresso em
moeda nacional, para o petróleo, o gás natural ou o condensado
produzido em cada campo, a ser determinado pela ANP, de acordo
com o disposto nos arts. 8º e 9º deste Decreto” (Art. 3º, V).
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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DA PROPOSTA DA ANP:
9. Pretende a ANP, na apuração da PE, determinar que o “valor comercial total”
deve incluir “tanto o gás queimado em prejuízo de sua comercialização, quanto o gás
consumido nas operações do próprio campo” (NT 39, item 19), na medida em que esse
gás natural teria valor comercial, independentemente de ter ou não sido comercializado.
10. Embora se reconheça o papel fundamental que a ANP desempenha em prol da
indústria do petróleo e gás natural no Brasil, bem como se entenda que os direitos e
liberdades individuais não apresentam caráter absoluto, não se pode admitir que uma
norma editada por um ente da Administração Pública venha impor ônus excessivo e
ilegal à prática lícita da atividade de maior custo e risco em toda a cadeia, pelas razões
expostas neste capítulo.
3.1 Exame da Constitucionalidade da Proposta:
(a) Violação de Princípios Constitucionais:
11. Pelas razões que passarão a ser expostas seguir, a proposta da ANP, se
convertida em norma:
(i) violará o princípio da reserva legal, previsto no art. 177, §1º, da
Constituição Federal, segundo o qual a lei disporá sobre as condições
de contratação da realização de pesquisa e lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e sobre a
estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União;
(ii) violará os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ao
impor ônus excessivos aos concessionários, decorrente do fato de
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que a ANP, a partir de critérios técnicos equivocados (destacados
neste capítulo), pretende aumentar a base de calculo da PE; e
(iii) violará o princípio da legalidade, uma vez que a ANP agirá com
usurpação de sua competência e abuso de poder.
12. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a pesquisa e a lavra das jazidas
de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos constituem monopólio da
União (Art. 177 caput e inciso I) e que “a União poderá contratar com empresas estatais
ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo
observadas as condições estabelecidas em lei” (§ 1º - grifos nossos).
13. Estabeleceu-se, ainda, que a lei referida acima disporá sobre as condições de
contratação da realização de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e
outros hidrocarbonetos fluidos e sobre a estrutura e atribuições do órgão regulador do
monopólio da União (§ 1º - grifos nossos).
14. A redação constitucional em tela é denominada norma constitucional de eficácia
limitada, que depende de lei específica para ser implementada.
15. Por meio desse comando, o legislador constituinte instituiu o que se
convencionou denominar de “reserva legal”, ou seja, apenas à lei formal, editada pelo
Congresso Nacional, cabe dispor sobre os termos da contratação, pela União, da
realização de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos.
16. Segundo a doutrina de ALEXANDRE DE MORAES, o princípio da reserva legal
impõe que a regulamentação de determinadas matérias se dê obrigatoriamente com a
atuação do Poder Legislativo, por meio de lei formal, editada exclusivamente pelo Poder
Legislativo.1
17. Enfatiza-se que o constituinte certamente optou por reservar à lei formal a
legislação sobre tal matéria com a convicção da sua importância para os mais
1 (...)Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente
alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este [o princípio da reserva legal] é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou conteúdo, visto exigir o tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo.” (ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 42).
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diferentes setores da sociedade e para a soberania nacional, o que exige e torna
necessário para o processo democrático o debate entre os representantes da
sociedade, no Poder Legislativo.
18. A norma que a ANP propõe violaria o princípio da reserva legal, insculpido no art.
5º, inciso II, da Constituição Federal, que determina que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer senão em virtude de lei”.
19. Na lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA2:
“Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional
atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos
equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso,
à disciplina de outras fontes, àquelas subordinadas (Cf. Lezioni di diritto
constituzionale, v. II, t. I/52)
(...)
É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é
reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer
outra forma infralegal, o que ocorre quando ela emprega como: “a lei
regulará”, “a lei disporá”, “a lei complementar organizará”, “a lei
criará”, “a lei poderá definir” etc.” (sem ênfase no original)
20. Sobre tal égide constitucional, foi então promulgada a Lei do Petróleo, em 1997,
a qual, dentre outras atribuições, estabeleceu as linhas-mestras das Participações
Governamentais e determinou que o detalhamento das mesmas fosse objeto de decreto
presidencial, conforme destacado no Capítulo 2.
21. Por consequência, é vedada qualquer restrição imposta pela ANP em afronta à
Lei do Petróleo, de superioridade hierárquica inquestionável3.
22. A competência reservada ao Poder Legislativo, neste caso, não pode ser
delegada à Administração Pública, como bem salienta CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO.4
2 “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 23ª ed. rev. e atualizada, São Paulo, Malheiros, 2004, p.
421/422.
3 Em resposta à consulta formulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, sobre
norma da agência que seria de competência de lei, a Advocacia Geral da União – AGU expressamente consignou que NÃO CABE À ANVISA LEGISLAR SOBRE PROPAGANDA (no caso específico, propaganda de bebidas alcoólicas) por intermédio de resolução editada por sua Diretoria Colegiada, tendo em vista que as restrições sobre propaganda devem ser introduzidas apenas por lei federal.
4 “Por isto, a lei que limitar-se a (pretender) transferir ao executivo o poder de ditar, por si, as
condições ou meios que permitem restringir um direito configura delegação disfarçada, inconstitucional. Deveras: as funções correspondentes a cada um dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) são,
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23. Foi nesse sentido que a Lei do Petróleo, apenas quando definiu o escopo dos
royalties – e nunca em relação à PE, determinou que “a queima de gás em flares, em
prejuízo de sua comercialização, e a perda de produto ocorrida sob a responsabilidade
do concessionário, serão incluídas no volume total da produção a ser computada para
cálculo dos royalties devidos” (Art. 47 § 3º).
24. Não se ignora, por certo, o importante papel das agências reguladoras, como a
ANP que, no atual cenário econômico, são imprescindíveis para o controle e fiscalização
de certas atividades econômicas, por envolverem matéria extremamente técnica.
25. Porém, a competência da ANP cinge-se a matérias técnicas de execução de sua
atividade, sendo que a Lei do Petróleo apenas atribuiu a ela o poder de regular,
controlar, fiscalizar e acompanhar as atividades da indústria do petróleo, não fazendo
qualquer menção ao poder de legislar, o que seria inconstitucional. A atividade de
regular, cumpre ressaltar, deve observar o princípio da legalidade, nos termos do art. 37,
caput, da Constituição Federal, conforme exarado em farta doutrina, parcialmente
transcrita abaixo:
“(...) Dada a natureza subalterna e infralegal dos atos de caráter
normativo (deliberações, resoluções etc.) editáveis pelas agências
reguladoras, os mesmos devem indispensavelmente guardar
observância às normas e princípios constitucionais, como também
às normas e princípios constantes da legislação complementar ou
ordinária ditada pelo Poder Legislativo, que detém o poder
legislativo primário.
Com efeito, a suposta reserva material regulatória titulada por tais
agências, para editar regramentos na área técnica de suas respectivas
competências setoriais, não possui aptidão, tampouco hierarquia
juspositiva, para indispor-se contra os atos legislativos formais aprovados
pelo Congresso Nacional.”5 (grifos nossos).
......................................................................................................................
..
“Em primeiro lugar, o regulamento não pode contrariar a lei, esta
compreendida de forma ampla. Ainda que implique criação autônoma de
como regra, indelegáveis. Disto, se ressalva, tão-só, a hipótese de „leis delegadas‟ - pela própria Constituição previstas no art. 59, IV, mas editáveis apenas em decorrência do procedimento legislativo regulado no art. 68 e segundo as condições e limites ali estabelecidos.” (Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de direito administrativo”, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005, p. 328).
5 CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade,
In ALEXANDRE SANTOS ARAGÃO (coord.), “O poder normativo das agências reguladoras”, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 70).
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disposições normativas, não pode opor-se a qualquer lei, pois é
impossível o regulamento contra legem.
Logo, o regulamento emanado pela agência reguladora não pode
pretender ab-rogar, modificar, suspender e nem mesmo atenuar preceitos
normativos. Nem tampouco a lei criadora da agência pode pretender
instituir competência regulamentar dessa ordem. Os regulamentos devem
ser sempre conformes a lei.
(...)
Em terceiro lugar, o regulamento não pode criar, de forma inédita e
autônoma, sem qualquer lastro normativo, obrigações e deveres às
pessoas privadas. Não é viável que a autoridade administrativa inaugure
a ordem jurídica através da emanação de regras que restrinjam o
universo de direitos constitucional e/ou legalmente assegurados aos
administrados.”6
......................................................................................................................
..
“Nos termos do art. 5º, II, „ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei‟. Aí não se diz em virtude de
decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se „em
virtude de lei‟. logo, a Administração não poderá proibir ou impor
comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada
em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que
seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução,
resolução, portaria ou seja lá o que for para coartar a liberdade dos
administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou
imposição que o ato administrativo venha a minudenciar.”7
26. A proposta da ANP, além de violar frontalmente a competência privativa da
União para legislar sobre as condições de contratação da realização de pesquisa e lavra
das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, infringe o
princípio da legalidade por inovar em direitos previstos expressamente em lei federal, na
medida em que, sem respaldo legal, encarece as atividades de produção, ao
deliberadamente aumentar a base de cálculo da PE.
27. Em casos semelhantes, os Egrégios Tribunais Federais Regionais da 1ª e da 3ª
Regiões (“TRF1” e “TRF3”) reconheceram a nulidade e não aplicação de dispositivos de
resoluções de agências reguladoras (nos precedentes, Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS e Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL) por
6 EGON BOCKMANN MOREIRA, Os limites à competência normativa das agências reguladoras, In
ALEXANDRE SANTOS ARAGÃO (coord.), “O poder normativo das agências reguladoras”, Rio de Janeiro, Forense, 2006, pp. 187/188).
7 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de direito administrativo”, 18ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2005, pp. 93 e 94.
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pretenderem modificar a lei federal, tratando-se, portanto, de usurpação da competência
do Poder Legislativo e ilegalidade de ato. Confira-se precedente do TRF3 a respeito:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. EDIÇÃO DE
RESOLUÇÃO POR AGÊNCIA REGULADORA. NÃO OBSERVÂNCIA
DOS LIMITES DA COMPETÊNCIA NORMATIVA. ALTERAÇÃO
INDEVIDA DO CONTEÚDO E QUALIDADE DE CONTRATOS DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PACTUADOS ENTRE CONSUMIDORES E
OPERADORAS.
1. A parcela do poder estatal conferido por lei às agências reguladoras
destina-se à consecução dos objetivos e funções a elas atribuídos. A
adequação e conformidade entre meio e fim legitima o exercício do poder
outorgado.
2. Os atos normativos expedidos pelas agências, de natureza
regulamentar, não podem modificar, suspender, suprimir ou revogar
disposição legal, nem tampouco inovar.
(...) (TRF3, Agravo de Instrumento nº. 2001.03.00.012550-9, Sexta
Turma, Rel. Des. Federal Mairan Maia, j. 24.4.2002).
28. No voto condutor, o Relator expôs, de forma clara e precisa, que a Administração
Pública não pode, através de resolução, alterar o disposto em lei, sob pena de nulidade
por atentado ao princípio da legalidade:
“(...)
Os atos normativos expedidos pelas agências reguladoras
apresentam natureza regulamentar, razão pela qual se encontram
vinculados aos princípios e normas que lhe são superiores. Como
conclusão primeira desta premissa, o conteúdo da norma
regulamentar não pode modificar, suspender, alterar, suprimir ou
revogar disposição legal ou tampouco inovar, pois como assevera
Bandeira de Mello “ao regulamento desassiste incluir no sistema
positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos.”
29. No mesmo sentido, o TRF1 afastou a incidência do disposto no art. 2º, § 2º, do
regulamento aprovado pela Resolução nº. 101/99, da Anatel, por violar o princípio da
legalidade ao pretender contrariar o disposto na legislação federal:
“ADMINISTRATIVO. TELECOMUNICAÇÕES. REGULAMENTAÇÃO DO
PLANO GERAL DE OUTORGAS. DECRETO Nº 2.534/98. CONCEITO
DE EMPRESA COLIGADA. DESCONSIDERAÇÃO DAS ALTERAÇÕES
INTRODUZIDAS PELA RESOLUÇÃO Nº 101/99 DA ANATEL. INVASÃO
DE CAMPO NORMATIVO ALHEIO. SENTENÇA REFORMADA.
APELAÇÃO PROVIDA.
(...)
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2. O conceito de empresa coligada, havendo participação sucessiva
de várias pessoas jurídicas, é fornecido pelo art. 15 e § único da
referida disposição normativa, que manda considerar o valor final da
participação por meio da composição das frações de controle de
cada empresa na linha de encadeamento.
3. Tal conceito não pode ser alterado por critérios introduzidos pela
Resolução 101/99 da ANATEL, porque refoge ao campo de
competência normativa adstrito à agência reguladora, não amparado
pelo art. 19, XIX, da Lei 9.472/97.
(...)
A Resolução 101/99 sim, foi além, restringindo – sem que para tanto
estivesse autorizada – os conceitos já fixados no decreto.
O art. 19, XIX, da Lei 9.472/97, não confere à ANATEL uma competência
normativa mais ampla, senão que um poder de controle, prevenção e
repressão das infrações da ordem econômica , ressalvada a competência
do CADE, como é do próprio texto.”
(TRF1, Mandado de Segurança nº. 2000.34.00.005415-7, Primeira
Turma, Rel. Desembargador Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, DJ.
8.10.2001). (grifos nossos).
30. No caso presente, conforme destacado acima, a Lei do Petróleo, conforme
regulamentada, ao contrário do tratamento dispensado ao cálculo dos royalties, ao tratar
da PE não estabeleceu que o gás utilizado para consumo nas operações, ou o gás
queimado, deveriam ser computados para cálculo da PE devida. Tampouco o Decreto,
ao detalhar a Lei do Petróleo, fez referência àquele gás. Tratou o Decreto, apenas, de
fazer referência ao “valor comercial total”. Vale lembrar, até a NT 39, este era também o
entendimento da ANP.
31. Atente-se ainda para o fato de que a Lei do Petróleo e o Decreto vinculam os
royalties ao volume da produção de petróleo e gás natural (Art. 47, da Lei do Petróleo e
Art. 12, do Decreto). Por outro lado, ao dispor sobre os critérios para apuração da PE, a
Lei do Petróleo e o Decreto fazem referência à Receita Bruta da Produção, deduzidos
os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os
tributos previstos na legislação, ou seja, a Receita Líquida da Produção (Art. 50, § 1º, da
Lei do Petróleo e Art. 12, do Decreto).
32. Tal diferenciação não foi arbitrária e reside no fato de as 2 participações
governamentais possuírem natureza jurídica diversas. Os royalties visam gerar à
sociedade uma renda decorrente da exploração de um recurso finito/exaurível, e, em
razão disso, tem como base de cálculo o volume total da produção de petróleo e gás
natural. Por outro lado, a PE é compensação financeira de caráter extraordinário,
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aplicável somente em casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade,
e, portanto, tem como base a Receita Líquida da Produção.
33. De fato, a própria ANP, durante a fase de esclarecimentos e apresentações
públicas sobre a já longínqua Rodada 3, esclareceu que os “volumes de óleo e gás
usados nas operações, queimados ou ainda não vendido não são considerados na
apuração da PE”.
34. Confira-se, ainda, precisa lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO8 em relação
à edição de normas pelas agências reguladoras que inovam na ordem jurídica e afetam
direitos individuais:
“O que as agências não podem fazer, porque falta o indispensável
fundamento constitucional, é baixar regras de conduta,
unilateralmente, inovando na ordem jurídica, afetando direitos
individuais, substituindo-se ao legislador. Esse óbice constitui-se no
mínimo indispensável para preservar o princípio da legalidade e o
princípio da segurança jurídica. Principalmente, não podem as agências
baixar normas que afetem os direitos individuais, impondo deveres,
obrigações, penalidades, ou mesmo outorgando benefícios, sem
previsão em lei. Trata-se de matéria de reserva de lei, consoante
decorre do artigo 5º, inciso II, da Constituição. Não se pode deixar de
lembrar que a proteção dos direitos individuais frente ao Estado constituiu
a própria razão de ser da construção do princípio da legalidade, sem o
qual não existe Estado de Direito.”
35. Destaca-se que os administrados não podem ser submetidos a disposições que,
de tão genéricas, não sejam passíveis de gerarem uma previsibilidade da conduta
exigida pela Administração Pública e suas consequências, em vista do princípio da
segurança jurídica (art. 2º da Lei nº. 9.784 de 19999). Segundo CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, o princípio da segurança jurídica é da essência do próprio Estado
Democrático de Direito e visa a garantir uma certa estabilidade na regência da vida
social10.
8 Direto Regulatório – Temas Polêmicos, 2ª ed. rev., Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004, p.49.
9 “Art. 2
o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade,
motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”
10 “Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo
proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da „segurança jurídica‟, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro de todos os
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36. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO disciplina que a resolução (e demais atos
administrativos regulamentares) não pode impor restrições e obrigações não previstas
em lei, sob pena de violação ao art. 5º, inc. II, da Constituição Federal, a saber:
“Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade,
propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos
e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou
resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular
matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda
poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou
resoluções. Se o Chefe do poder Executivo não pode assenhorear-se de
funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular
do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades
da Administração direta ou indireta.”11
37. Dessa forma, ao ultrapassar os limites do poder regulamentar, violando
cabalmente o disposto na Constituição Federal e na legislação federal, a ANP atuaria
com abuso de poder, o que gera a ilegalidade e invalidade do eventual ato
administrativo. Confira-se a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“O princípio é o de que o poder regulamentar consiste num poder
administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer
que seja seu objeto. Significa dizer que se trata de poder limitado. Não é
poder legislativo; não pode, pois, criar normatividade que inove a ordem
jurídica. Seus limites naturais situam-se no âmbito da competência
executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites
importa em abuso de poder, em usurpação de competência, tornando-se
írrito o regulamento dele proveniente. A lição de Oswaldo Bandeira de
Mello é lapidar quanto a isto: o „regulamento tem limites decorrentes do
direito positivo. Deve respeitar os textos constitucionais, a lei
regulamentada, e a legislação em geral, e as fontes subsidiárias a que ela
se reporta.”12 (b) Distinção entre Royalties e PE:
38. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 20, § 1º, que “É
assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem
princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.” (“Curso de direito administrativo”, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005, p. 113).
11 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de direito administrativo”, 18ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2005, p. 342.
12 JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de direito constitucional positivo”, 19ª ed., São Paulo, Malheiros,
2001, p. 429.
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como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da
exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de
energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma
continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por
essa exploração”.
39. No caso das atividades de upstream na indústria de petróleo e gás natural, essa
compensação é feita via royalties, que são a única contribuição ordinária que considera
exatamente o Volume Total da Produção, conforme determinado no Art. 12 do Decreto,
a saber: “O valor dos royalties, devidos a cada mês em relação a cada campo, será
determinado multiplicando-se o equivalente a dez por cento do volume total da produção
de petróleo e gás natural do campo durante esse mês pelos seus respectivos preços de
referência, definidos na forma do Capítulo IV deste Decreto”. O volume total da
Produção, diz a regra, é a “soma de todas e quaisquer quantidades de petróleo ou de
gás natural”.
40. Por outro lado, conforme anteriormente apresentado, a PE tem uma
natureza jurídica distinta, aplicável somente em casos de grande volume de
produção, ou de grande rentabilidade, sendo um pagamento extraordinário a ser
feito pelo concessionário, calculada com base na Receita Líquida da Produção
(Art. 22 do Decreto), ou seja, o lucro das operações.
41. Frise-se à exaustão que a Lei do Petróleo e o Decreto, ao disporem sobre os
critérios para apuração dos royalties e da PE, estabeleceram bases de cálculo
absolutamente distintas: volume de produção para royalties e Receita Líquida da
Produção para PE.
3.2 Aspectos Fiscais apontados pela Procuradoria Geral Federal:
42. A motivação inicial da ANP adveio de ofício da Secretaria de Fazenda do Estado
do Rio de Janeiro, OFÍCIO SSER/SEFAZ nº 008/10 (abril de 2010), por meio do qual se
solicitou informar o amparo legal para o fato de o gás natural queimado e o consumido
internamente serem deduzidos da receita bruta para efeito de cálculo da PE.
43. Ato contínuo, em Nota (nº 414 de 2010), a Procuradoria Geral Federal,
provocada pela ANP, não apenas manifestou-se de forma favorável à adoção do novo
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método, como destacou que “a exclusão do gás consumido no Campo da base de
calculo da PE significaria coonestar uma previsão de renúncia de receita da União sem
a necessária autorização legal, o que, como se sabe, é vedado” (item 12).
44. Não obstante tal veemente afirmação e orientação, a Procuradoria, na mesma
nota, afirmou que “o posicionamento vigente e sempre praticado pela ANP pode ser
considerado válido” (item 8). Na sequência, a Procuradoria diz que “é forçoso
reconhecer que esta não é a melhor interpretação” (item 9). Ou seja, o objetivo dessa
orientação imprecisa da Procuradoria é a arrecadação a qualquer custo, ainda que em
afronta a princípios constitucionais e legais (como apontados acima), e à boa prática
regulatória.
45. No que diz respeito ao argumento de “renúncia de receita” apontado no item 12
da Nota da Procuradoria Geral Federal, cumpre ressaltar que o entendimento ali
indicado não é compatível com a definição legal de renúncia de receitas, também
comumente denominada renúncia fiscal, que é dada pelo art. 14, § 1º da Lei
Complementar nº 101/2000 - “Lei de Responsabilidade Fiscal”. Confira-se:
“§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de
alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução
discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado.”
46. Como se vê, a vedação à renúncia fiscal alcança “tributos ou contribuições”. A
doutrina confirma que tal dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal “estabelece
restrições para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza
tributária da qual decorra renúncia de receita”13.
47. Tendo em conta que a PE não corresponde a tributo ou contribuição, a vedação
a renúncia de receita a ela não seria aplicável.
48. Com efeito, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“STF”), a
PE corresponderia a “receita patrimonial”, e não a tributo.
13 Betina Treiger Grupenmacher. Lei de Responsabilidade Fiscal, Competência Tributária, Arrecadação e
Renúncia. in “Aspectos Relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal”, 1ª ed., São Paulo, Dialética, 2001, p. 22
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49. Ao decidir o Recurso Extraordinário nº 228.800-5/DF14, o STF consignou, nos
seguintes trechos da ementa e do voto do Ministro Relator Sepúlveda Pertence, que:
“O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz
necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da
compensação financeira previstas no artigo 20, §1º, CF, que configuram
receita patrimonial.
(...)
A disciplina da matéria, de modo significativo, não se encontra no capítulo
do sistema tributário, mas em parágrafo do artigo 20 da Constituição, que
trata dos bens da União, a evidenciar a natureza patrimonial da receita a
auferir”.
50. Apesar de tal decisão não tratar especificamente sobre a PE instituída pela Lei
do Petróleo15, é inegável que o mesmo raciocínio se aplicaria no tocante à PE, haja vista
a fundamentação constitucional em ambos os casos ser a mesma: art. 20, §1º, da
Constituição Federal16.
51. Mesmo sendo certo que PE não corresponde a tributo e, portanto, não estaria
submetida à Lei de Responsabilidade Fiscal, vale mencionar que a vedação à renúncia
de receita prevista em tal lei “visa dificultar a realização de medidas de renúncia de
receita ou compensações que resultem em dúvidas sobre a aplicação de critérios
igualitários aos contribuintes”17.
52. Ora, se a PE é instituída por meio da Lei do Petróleo e esse mesmo normativo
estabelece a respectiva base de cálculo, o que haveria a se renunciar não se exigindo a
PE sobre o gás queimado e o consumido? Com efeito, só se pode renunciar ao que se
detém.
14 RE nº 228.800-5/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado em 16.11.2001.
15 No RE nº 228.800-5/DF tratou-se de receitas patrimoniais correspondentes a recursos minerais e
potenciais hídricos de energia elétrica.
16 “Art. 20.
(...)
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
(...)”
17 Adauto Viccari Junior et al., “Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada: Lei Complementar nº 101, de 4
de maio de 2000”, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2001, p. 57.
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53. Diante disso, é descabida a alegação de que a interpretação atualmente adotada
pela ANP representa renúncia de receita.
Cumpre destacar, contudo, que além de não ser postura adotada pela ANP desde sua
criação há mais de 10 anos, a sanha arrecadatória, manifestada na adoção de medidas
regulatórias ao atropelo de regras hierarquicamente superiores, tampouco é
recomendada na boa prática de regulação.
3.3 Argumentos Técnicos quanto à Inadequação da Proposta:
(a) Conceito de Valor Comercial:
54. Conforme relatado no Capítulo 2 acima, o Valor Comercial, a partir do qual se
apura a Receita Bruta sobre a qual (após as deduções legais) incidirá a PE, é calculado
com base nos Preços de Referência determinados pela ANP.
55. Nesse sentido, destaque-se que o Decreto, ao tratar do regime jurídico dos
Preços de Referência para o gás natural, deixou claro que esses preços são formados a
partir das vendas realizadas pelo respectivo concessionário. Ou seja, a origem dos
preços de referência do gás natural para fins do Decreto é o gás natural comercializado
(i.e. cuja venda fora consumada), e não simplesmente o gás natural passível de ser
comercializado, como pretende a ANP. Confira-se, nesse sentido, o Art. 8 do Decreto, in
verbis:
“Art. 8º O preço de referência a ser aplicado a cada mês ao gás natural
produzido durante o referido mês, em cada campo de uma área de
concessão, em reais por mil metros cúbicos, na condição padrão de
medição, será igual à média ponderada dos preços de venda do gás
natural, livres dos tributos incidentes sobre a venda, acordados nos
contratos de fornecimento celebrados entre o concessionário e os
compradores do gás natural produzido na área da concessão, deduzidas
as tarifas relativas ao transporte do gás natural até os pontos de entrega
aos compradores”.
56. A compra e venda tem seu contorno jurídico determinado pelo Código Civil
Brasileiro (Lei nº 10.406 de 2002), o qual prevê:
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“Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se
obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo
preço em dinheiro (grifos nossos).
Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e
perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço (grifos
nossos).”
57. Com efeito, não bastassem os argumentos acima, que determinam que o gás
natural referido nas regras em comento é obrigatoriamente o gás natural
vendido/comercializado pelo concessionário a título oneroso, pode-se acrescentar que
a “comercialidade” encontra-se presente por toda a cadeia, e no upstream a própria a
Lei do Petróleo tratou da questão ao definir “Descoberta Comercial” como a “descoberta
de petróleo ou gás natural em condições que, a preços de mercado, tornem possível
o retorno dos investimentos no desenvolvimento e na produção” (Art. 6º, XVIII – grifos
nossos).
58. Nessa linha, é cediço que nenhuma concessionária deseja queimar gás que
pode ser vendido a valor comercial, ou seja, gás que esteja em condições de, a preços
de mercado, tornar possível o retorno do investimento.
59. Entretanto, primeiramente requer-se um mercado de gás para que se tenha
formação de preços de gás. Existindo esse mercado, requer-se infraestrutura para que
o gás atinja o mercado, a preços e em condições que viabilizem o esforço e risco
financeiro e operacional.
60. Em outras palavras, se há a queima, o que não é fato apenas no Brasil, é porque
não há mercado devidamente estabelecido, o que no caso brasileiro resta comprovado
pela própria história do gás no país, cuja participação na matriz energética continua
notoriamente aquém do que se planejou desde a implementação do atual marco legal
com a Lei do Petróleo.
61. Não bastasse a sistemática do Direito Civil e a da Lei do Petróleo confirmarem a
estreita relação entre “valor comercial” e venda, a doutrina relativa ao Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”) também atesta tal relação. Nas lições
de PAULO DE BARROS CARVALHO18 temos o seguinte:
18 Paulo de Barros Carvalho, “Regra Matriz do ICM”, Tese apresentada para obtenção do título de Livre
Docente da Faculdade de Direito da PUC-SP, 1981, p. 206/207 – Inédito.
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“(...) a natureza mercantil do produto não está, absolutamente, entre os
requisitos que lhe são intrínsecos, mas na destinação que se lhe dê. É
mercadoria a caneta exposta à venda entre outras adquiridas para esse
fim. Não o será aquela que mantenho em meu bolso e se destina a meu
uso pessoal. Não se operou a menor modificação na índole do objeto
referido. Apenas na sua destinação veio a conferir-lhe atributos de
mercadorias.”
62. Com efeito, “Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que
ele tenha por finalidade venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem
móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito
de destinação comercial”19.
(b) O papel da ANP na autorização da queima de gás natural:
63. O que o regime jurídico do setor determina é que a queima nas operações sejam
controladas pelos concessionários e autorizadas pelo órgão regulador.
64. A ANP, com isso, regulamentou a matéria na Portaria nº 249 de 2000 (“Portaria
249”), por meio da qual estabeleceu as razões pelas quais a queima são autorizadas
pela agência. Ou seja, a ANP reconhece a queima como eventualmente necessária à
operação de campo de petróleo e gás, estabelecendo os seus limites.
65. Essa regulamentação, inclusive, estabelece uma interação entre o
concessionário e a ANP para se chegar aos limites autorizáveis de queima. Nesse
sentido, cabe ao concessionário prever, no seu Plano de Desenvolvimento, o volume
total de gás natural que poderá ser queimado quando das operações, com base no qual
a ANP determinará os limites permitidos para a queima (item 5.1 da Portaria 249).
66. Já existem, portanto, instrumentos disponíveis à ANP para controlar a queima.
Com base nesses instrumentos, a ANP exerce o seu papel fiscalizador, permitindo a
queima dentro de limites aceitáveis e aceitando inclusive que nem todo volume de gás é
comercial (itens 6.6 e 6.8 da Portaria 249), viabilizando, portanto, as inúmeras e
crescentes operações no upstream brasileiro e com isso arrecadando participações
governamentais em valores igualmente crescentes, conforme informações divulgadas
pela ANP, transcritas abaixo:
19 Roque Antonio Carrazza, “ICMS”, 8ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 37.
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67. A contrário senso, a imposição de ônus excessivo e ilegal por parte da ANP
geraria reflexos negativos na boa reputação conquistada pela indústria do petróleo e gás
no Brasil, em grande parte a crédito do seu marco legal e regulatório transparente e
razoável.
68. Diante disso, conclui-se que a ANP já possui instrumento legal para reduzir a
quantidade de gás queimado que consiste em não autorizar tal queima. No entanto, a
ANP deve usar tal ferramenta de maneira adequada, a fim de continuar desenvolvendo
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a indústria de petróleo e gás no Brasil (artigo 1º, incisos VI e IX, da Lei do Petróleo) e
não inviabilizar a produção de petróleo e gás e conseqüentemente impactar
negativamente o erário público com a redução da arrecadação de tributos e
participações governamentais daí decorrente.
(c) Custo Operacional:
69. A própria ANP, no Memorando nº 218/SPG/2010, esclarece que caso haja
queima do óleo combustível consumido internamente nas operações do próprio campo,
“o custo operacional associado ao transporte do insumo energético seria deduzido da
base de calculo da PE, ensejando um pagamento de PE ainda menor” (item 25).
70. Nesse sentido, a Portaria da ANP nº 10 de 1999, que regula os procedimentos
para apuração da PE, estabelece que os gastos incorridos nas operações são gastos
dedutíveis. A saber:
“GASTOS DEDUTÍVEIS
Art. 13. Em cada período-base, poderão ser deduzidos da receita bruta da
produção, para fins de apuração da respectiva receita líquida da
produção:
(...)
II - os gastos incorridos pelo concessionário nas atividades de exploração
das jazidas de petróleo e gás natural e de perfuração de poços na área
de concessão;
III - os gastos incorridos pelo concessionário nas atividades de
desenvolvimento e de produção dos campos petrolíferos na área de
concessão;”
71. Verifica-se, assim, que eventual alteração na base de cálculo da PE, além de ser
inconstitucional e ilegal, jamais poderia trazer prejuízos aos concessionários, na medida
em que a parcela que seria acrescida à Receita Bruta da Produção seria deduzida para
fins de apuração da Receita Líquida da Produção. Por outro lado, como será analisado
no próximo item, o óleo combustível traz conseqüências mais danosas ao meio
ambiente do que o gás natural queimado em flares. Diante disso, também por esse
motivo, a pretensão da ANP não pode prosperar.
(d) Política Energética e Ambiental:
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72. A NT 39 menciona em seu item 13 que “tal posicionamento, caso adotado,
ensejará o alinhamento entre os volumes de gás da Participação Especial e dos
royalties, indo ao encontro da preocupação da sociedade com a queima do gás natural”.
73. Embora necessária a preocupação e zelo da ANP com o meio-ambiente, não é
correto argumentar-se que a maior arrecadação da PE pela inclusão do gás natural
queimado ou consumido nas operações, seria medida de proteção ambiental.
74. Conforme salientado no item “b” acima, a ANP dispõe de instrumentos de
fiscalização das atividades do uspstream, os quais reconhecem que a queima é fato da
indústria do petróleo e gás natural, que precisam ser controlados, como já o são.
75. Já as companhias concessionárias, dispostas a monetizar o máximo possível da
sua produção, buscam cada vez mais iniciativas tecnológicas para reduzirem a queima
do gás natural. Ressalte-se, novamente, que a busca regulatória deve ser pela
eficiência operacional, e sob esse aspecto deve ser examinada a queima necessária à
viabilização das operações. Confira-se, nesse sentido, a definição de gas flaring dada
pelo Global Gas Flaring Reduction20, iniciativa da qual o Brasil não faz parte, em linha
com os comentários apresentados neste capítulo, a saber:
“When crude oil is brought to the surface, gas associated with the oil
comes to the surface as well. The gas may be used at the installation as
fuel for generators, may be transported via pipelines and sold elsewhere,
or may be injected into the ground.
But in areas of the world lacking gas infrastructure and markets, this
associated gas is usually released into the atmosphere, either
ignited (flared or burned) or unignited (vented)”.
76. Além da questão da queima, mais relevante à questão ambiental é o fato de que
ao utilizar o gás natural no consumo das suas operações, o concessionário vem evitar a
utilização de combustíveis alternativos que causam maiores danos ao meio ambiente,
isso sem contar na ineficiência da logística de transporte de combustíveis para áreas de
produção usualmente distantes ou mesmo em alto mar, conforme destacado pela
própria ANP no Memorando nº 218/SPG/2010, donde se extrai o trecho a seguir:
20
Global Gas Flaring Reduction, que tem como objetivo apoiar os “esforços dos países e empresas produtores de petróleo a aumentarem o uso do gás natural associado e com isso reduzir a queima e perda que desperdiçam recursos valiosos e prejudicam o meio ambiente” (www.worldbank.org/ggfr.htm).
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“25. (...) em que pese possuir um valor comercial, este gás evita que o
concessionário transporte à plataforma e queime o óleo combustível,
evitando danos ambientais e a queima de um energético mais poluidor.”
77. Assim, conclui-se que a inclusão de volumes de gás queimado pelos
concessionários na base de cálculo da PE não somente é inconstitucional e ilegal, mas
também não atenderia à alegada motivação para alteração proposta pela ANP, na
medida em que os concessionários poderiam passar a fazer uso de fonte energética
mais poluidora.
__________________________________
CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES:
78. Conforme apontado neste trabalho, a NT 39 traz uma proposta da ANP eivada
de ilegalidades e inconsistências técnicas e jurídicas, a saber:
(i) Violação de princípios constitucionais – Ao adotar a proposta
da NT 39, a ANP afrontará a Constituição Federal, que delegou
exclusivamente à lei (Lei do Petróleo) a legitimidade para estabelecer a base
de cálculo das chamadas Participações Governamentais. Como a Lei do
Petróleo, acertadamente, distinguiu o tratamento dispensado aos royalties e
à PE, não pode a ANP regular de forma a alinhar Participações
Governamentais distintas por natureza. A ANP desconsiderou que os
royalties são a exata compensação referida na Constituição Federal em seu
Art. 20, pois é contribuição ordinária. Por outro lado, a PE, como incide
sobre a receita líquida, ou seja, sobre o lucro ou rentabilidade, não pode ser
tratada como se royalty fosse;
(ii) Uso incorreto do conceito de “renúncia de receita” - O argumento da
suposta renúncia de receita não pode prosperar na medida em que a ANP
não poderia renunciar a uma receita que por lei não lhe é de direito.
Ademais, a vedação à renúncia de receita alcança tributos e contribuições,
não sendo, portando, aplicável a receitas patrimoniais, como é o caso da PE;
(iii) Interpretação incorreta do termo valor comercial – O valor
comercial referido na regulamentação das Participações Governamentais
refere-se ao valor de venda, e não simplesmente ao valor comercializável,
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interpretação que não encontra qualquer suporte legal e representaria, por
parte da ANP, agir com excesso de poderes;
(iv) A queima é autorizada e controlada pela ANP – A ANP possui
farta e apurada regulamentação sobre queima de gás, a qual consiste em
um instrumento legal que a agência possui para reduzir a quantidade de gás
queimado. Vale ressaltar, no entanto, que a ANP deve usar tal ferramenta de
maneira adequada, de forma a continuar desenvolvendo a indústria de
petróleo e gás no Brasil e não reduzir significantemente o valor dos tributos e
participações governamentais atualmente pagos pelos concessionários; e,
(v) Custos, medição e política ambiental – A NT 39 desconsidera,
ainda, que a discussão sobre combustíveis alternativos deve considerar
também que esses custos podem e devem compor os gastos dedutíveis.
79. A orientação da Procuradoria à ANP tem embasamento frágil. Como indústria
regulada, a indústria do petróleo e gás no Brasil depende de sinalizações positivas, de
transparência e razoabilidade, e acima de tudo de legalidade. Não tem lugar,
especialmente nessa indústria, a sanha arrecadatória comum aos órgãos da Fazenda
Pública.
80. Nesse sentido, convém, a todo tempo no exercício da regulação, recordar os
princípios da Lei do Petróleo, tais como o princípio da atração de investimentos, da
ampliação da competitividade do país no mercado internacional, e da “regulação
pautada na livre concorrência, na objetividade, na praticidade, na transparência, na
ausência de duplicidade, na consistência e no atendimento das necessidades dos
consumidores e usuários” (Art. 3º, IV do referido Decreto).
81. Mudanças de interpretação de normas, que gerem encargo adicional aos
agentes, por si só já acarretam questionamentos sobre a segurança jurídica do marco
regulatório. Em casos como o presente, em que se questiona a legitimidade do emissor
da norma para fazê-lo, macular-se-ia a boa imagem que a ANP construiu à base de
muito esforço, ao longo de anos.
Pelas razões expostas acima, a pretensão da ANP deve ser revista pela agência, e
retirada de pauta a proposta ora em audiência e consulta pública.