afirmativa20

92

Upload: afrobras-afirmativa

Post on 15-Mar-2016

237 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007 Mercado de Trabalho Programa Unipalmares se propaga pelo país ......................... 44 Competência revelada ................................................................ 56 Responsabilidade Social Instituto Avon ........................................................................................ 86 Educação Artigo Antonio Penteado Mendonça .............................. 38 4

TRANSCRIPT

Page 1: afirmativa20
Page 2: afirmativa20
Page 3: afirmativa20
Page 4: afirmativa20

4 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

A revista Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras/Unipalmares.A Editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigose matérias assinadas. A reprodução desta revista no todo ou em partesó será permitida com autorização expressa da Editora e com citaçãoda fonte.

ComportamentoArtigo Drauzio Varella ...................................................................... 68Pesquisa Genética divide opinião ..................................................... 70Artigo Sérgio D. J. Pena ...................................................................... 74Artigo Maurício Pestana ....................................................................... 76

CidadaniaArtigo Maria Célia Malaquias .............................................................. 78

CulturaAgenda Cultural ..................................................................................... 80

PluralArtigo Paiva Netto ................................................................................ 82

EmpreendedorismoAlfabetização no canteiro de obras .................................................... 84

Responsabilidade SocialInstituto Avon ........................................................................................ 86

EconomiaArtigo Marcos Cintra ............................................................................ 88

OpiniãoRosenildo Ferreira ................................................................................. 89

Palavra do presidenteEducação para a liberdade................................................................... 90

Entrevista EspecialJosé Aristodemo Pinotti ....................................................................... 8

EducaçãoCotistas provam mérito ....................................................................... 10

Avaliação positiva na UERJ ................................................................ 14

Artigo Timothy Mulholland ................................................................. 20

Entrevista Ademir Cardoso................................................................ 22

Artigo Cristovam Buarque ................................................................... 26

Artigo Fausto Antonio ............................................... 28

Vaga Reservada ............................................................. 30

Artigo Milú Villela .......................................................... 36

Artigo Antonio Penteado Mendonça .............................. 38

A Força da Unipalmares ......................................................... 42

Mercado de TrabalhoPrograma Unipalmares se propaga pelo país ......................... 44Competência revelada ................................................................ 56

EsporteNo pódio contra a discriminação ............................................. 58

PerfilOuro negro na história .............................................................. 61Cavaleiro negro .......................................................................... 64

Afirmativa Plural é uma publicação da Afrobras - Sociedade Afro Bra-sileira de Desenvolvimento Sócio Cultural e da Universidade da Cidada-nia Zumbi dos Palmares - Centro de Documentação, com periodicidadebimestral. Ano 04, Número 20 - Rua Padre Luiz Alves de Siqueira, 640 –Barra Funda – São Paulo/SP - Brasil - CEP 01137-040 - Tel.(55-11)3392-6005.Conselho Editorial: José Vicente, Francisca Rodrigues, Ruth Lopes,Raquel Lopes, Cristina Jorge, Nanci Valadares de Carvalho, FranciscoCanindé Pegado do Nascimento, Jarbas Vargas Nascimento, HumbertoAdami, Felice Cardinali, Sônia Guimarães. Direção Editorial e Execu-tiva: Jornalista Francisca Rodrigues (Mtb.14485 - [email protected]); Redação e Publicidade: Maximagem Mídia Assessoria emComunicação ([email protected])Tel.(11) 3392-6005. Redação: Zulmira Felício – Editora (Mtb. [email protected]); Demetrius Trindade (Mtb.30.177 [email protected]); J. C. Santos, Cíntia Sanchez (Fotografia),Taise Oliveira - Secretária de Redação.Colaboradores: Rodrigo Massi, Rosenildo Gomes Ferreira, MaurícioPestana, Ana Luiza Biazeto, Daniela Gomes e Juçara Braga.Capa: Foto Getty Images. Editoração eletrônica: Alvo Propaganda eMarketing (revistas@ alvopm.com.br). Impressão e Acabamento: HRGráfica e Editora.

Page 5: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 5

editorial

Esta edição da Afirmativa Plu-ral é especial, por muitos motivos,

mas vou citar apenas alguns. Especi-al por que trazemos uma matéria com

Diogo Silva, atleta de taekwondo, negro,primeiro brasileiro a ganhar uma medalha

de ouro nos jogos Pan-Americanos, realiza-dos no mês de julho no Rio de Janeiro. Diogo

nos encheu de orgulho. Vibramos duplamente –pela medalha e por ele, que conseguiu ultrapassar

todas as barreiras para alcançar o sucesso. Diogo éaquele atleta que citamos na edição anterior na matéria

“O protesto dos Panteras Negras”, na qual dissemos queele, nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, fez o mes-

mo gesto dos integrantes do Movimento Negro America-no nos Anos 60, em protesto contra o racismo. Mas nessamatéria não saiu uma foto do Diogo, simplesmente porque

Isso mostra que cotas podem seruma opção. “Ninguém vê racismo narealidade atual onde brancos ocupam, àsvezes, 90% das vagas”, diz Ademir Cardoso,ex-prefeito de Vitória/ES.Especial por que a Unipalmares realizou o pri-meiro vestibular para o curso de Direito, que tevea aprovação da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB) e o único a ser indicado para ser aberto nacidade de São Paulo neste semestre.Especial por que o programa de parceria desenvolvi-do pela Unipalmares para inclusão do afrodescendenteno mercado de trabalho, e que começou com as maio-res instituições financeiras do Brasil como executivosjuniores desde seu início em 2004, já é um sucesso com-provado, que dá frutos com a efetivação de muitos esta-giários e com a propagação do programa para outros

não conseguimos encontrar, nem nos jornais, nem nasagências de fotografias. Agora é diferente. O Diogo estáem toda parte, e nos enche de orgulho.Especial por que também no Pan tivemos negros sesuperando em esportes que os especialistas sempre afir-maram não termos “perfil” para tal. É o caso do cava-leiro Rogério Clementino e do Gabriel Mangabeira,da natação.Especial por que resolvemos fazer um balanço dascotas para negros e saber como estão os alunosque ingressaram nas universidades por esse siste-

ma. Especial por que constatamos, para nossaalegria, que eles são excelentes alunos, que a

história da meritocracia é só uma desculpados que querem impedir o progresso de um

povo que só não cresce por falta de opor-tunidade. Em nosso balanço, consta-

tamos que estes alunos estão alémdo esperado em seus estudos,

em suas notas.

estados e municípios brasileiros.Os alunos da Unipalmares e de outras universidades queestão sendo beneficiados através desse programa de in-clusão darão um salto definitivo para a emancipaçãoem suas vidas.Como diz o senador Cristovam Buarque, o Brasil temea emancipação, por isso há séculos usa cotas. Elas tra-zem avanços inegáveis, porém tímidos, sem mudan-ças estruturais. Avanços pequenos, mas que evitamsaltos. Mas já são avanços, e como o negro é guer-reiro ele saberá usar todas as oportunidades queestão sendo colocadas, sejam com que nome for– cotas, ações afirmativas, recorte de notas, pro-jeto de inclusão – para dar o salto maior e ga-nhar a medalha de ouro, aquela que mudaráa sua vida e a de todos ao seu redor.

Boa leitura a todos!

Francisca RodriguesEditora-executiva

UmUmUmUmUma a a a a edição de Ouredição de Ouredição de Ouredição de Ouredição de Ourooooo

ditorial

Page 6: afirmativa20
Page 7: afirmativa20
Page 8: afirmativa20

8 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Por: Zulmira Felício - Editora

na buscade oportunidadesiguais

Por ano, 400 mil alunos do ensinomédio se formam no estado de SãoPaulo. As três universidades públicasjuntas, oferecem apenas 19 mil vagas.Desse total, quatro mil vagas são ocupa-das por alunos vindos do ensino pú-blico. Ou seja, apenas 1% desses jo-vens conseguem entrar nas universida-des públicas e gratuitas. Nessa entre-vista concedida à Afirmativa Plural,José Aristodemo Pinotti, ex-secretáriode Ensino Superior do Estado de SãoPaulo, fala sobre essa e outras ques-tões que envolvem educação, saúde,infra-estrutura, e elementos importan-tes para o desenvolvimento do país.Afirmativa - As Universidades dosEstados da Bahia, do Rio de Janeiroe de Brasília foram as primeiras aaderirem ao sistema de cotas. O se-nhor acompanhou esses processos?Pinotti - Sim, com muita atenção, poisentendo que para sair da discrimina-ção tem de haver por parte dos gover-nos políticas de ações afirmativas. Issojá aconteceu de uma forma positiva emvários países do mundo. O sistema decotas foi o primeiro a ter coragem deromper com o vestibular nas universi-dades públicas, que acaba medindomuito mais as condições financeirasdos concorrentes do que propriamen-te as suas vocações, a sua garra etc.Afirmativa - De 2002/03 o que mu-dou nesse cenário? A procura de co-tas tem sido maior pelos alunos noato da inscrição no vestibular?Pinotti - O que mudou fundamental-mente foi que – uma vez rompido ovestibular com o sistema de cotas –surgiram aprimoramentos desse siste-ma como aquele que foi implantadona Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp) e o que está sendo im-plantado na Universidade de São Pau-

lo (USP) que inclui as cotas, mas queprivilegia os alunos provenientes doensino público dando um bônus es-pecial a eles.Afirmativa - Foram feitos estudoscomparativos do “antes e depois”da introdução das cotas? Quais fo-ram os resultados?Pinotti- Conheço os resultados da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e da Unicamp. Na UFRJ os alu-nos que entraram por cotas tiveram amesma performance daqueles que entra-ram sem o favorecimento das mesmas.Já na Unicamp, os alunos contempladoscom o bônus (que inclui a cota), tiveramuma performance melhor que os nãobonificados. Em 31, dos 55 cursos, elesforam melhores do que os alunos queentraram no vestibular sem bonificação.Afirmativa - Como os alunos cotis-tas têm se posicionado nos estudos?E no campo profissional, existe al-guma avaliação?Pinotti - Os dados que acabei de men-cionar indicam que as pessoas têm ca-

pacidade de recuperar o tempo perdi-do. Aliás, essas pessoas não devem serculpadas por terem ficado para trás,mas sim as políticas públicas que nãoforam suficientes para oferecer opor-tunidades iguais. No campo profissio-nal ainda é cedo para avaliar. Mas ima-gino que teremos as mesmas surpre-sas agradáveis como nos vestibularesda UFRJ e Unicamp.Afirmativa - Há alguma providênciaa ser tomada para tornar esse siste-ma mais eficaz e/ou abrangente?Pinotti - Na Unicamp e na USP fize-ram aprimoramentos. Mas ainda faltamuito, pois precisamos dar mais opor-tunidade aos alunos que vêm do ensi-no público. As oportunidades não pas-sam por um aumento de vagas de for-ma irresponsável nas universidades depesquisa, que têm de manter sua exce-lência e, por isso, devem ter suas va-gas, muito gradativamente, incrementa-das. Mas passam por outras formas deoferecer oportunidade para esses jovensegressos do ensino público – afrodes-

entrevista especial

Page 9: afirmativa20

entrevista especial

José Aristodemo Pinotti

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 9

cendentes ou não – por meio de pro-postas que estão em estudos, como oscampi Verticais da Universidade Estadu-al Paulista (Unesp), o ensino a distân-cia e a ampliação substantiva de vagasnos cursinhos, como a que estamosconcretizando agora.Afirmativa - O que o senhor tem a di-zer do sistema de cotas implantadoem outros países? Há exemplos quepodem servir para a nossa realidade?Pinotti - Nos EUA o combate à discri-minação contra afrodescendentes pas-sou por cotas não só em universidadescomo em instituições públicas, priva-das, culturais etc. E o resultado foi bom.Afirmativa - Quais medidas deveri-am ser tomadas de modo a promo-ver a integração social e racial noPaís não somente focadas no ensi-no superior no que se refere ao en-sino básico e aos cursos técnicos?Pinotti - É preciso desenvolver umamplo projeto de tempo integral nasescolas públicas para os alunos maiscarentes. Não vejo nenhuma outra pos-sibilidade para fazer com que essas cri-anças tenham as mesmas oportunida-des que as outras. Os cursos técnicosdevem estar associados ao ensino mé-dio e não se pode tirar de quem termi-na o curso técnico associado ao ensi-no médio a oportunidade de dar con-tinuidade a suas aspirações profissio-nais. Para isso é fundamental o ensinoa distância, uma vez que ele permiteao trabalhador cursar o ensino univer-sitário. Em síntese, é preciso que o Go-verno Federal tenha, muito claramentecomo meta, uma política de desenvol-vimento humano, caracterizada, adequa-damente, pela ONU. O Brasil está em67º lugar no IDH. Em outras palavras,tem de haver uma mudança no concei-to e na prática do desenvolvimento.

Afirmativa - Um estudo do Minis-tério da Educação aponta que seri-am necessários 8% do PIB para aEducação, enquanto o Brasil inves-te somente a metade. O que o se-nhor tem a dizer sobre isso?Pinotti - Não só concordo como te-nho a solução. O governo gasta, detodo o seu orçamento, 31% em previ-dência, e não pode gastar menos, umavez que o número de idosos dobrounesses últimos 20 anos e o percentualdo orçamento diminuiu. Mas ele gasta44% dos seus recursos para o paga-mento de juros da dívida que vem cres-cendo astronomicamente e já ultrapas-

sa um trilhão de reais. Sobram 25%para o resto. Entretanto, o resto é tudoque temos de importante: saúde, edu-cação, moradia, segurança, habitação,infra-estrutura, aeroportos etc. Porém,se diminuíssem os juros pela metade,ou se alongasse o pagamento da dívi-da, ou ambas as coisas, e passássemosa pagar apenas metade do que se pagade juros para os rentistas, nós podería-mos, tranqüilamente, dobrar os recur-sos da Educação, da Saúde, da infra-estrutura, enfim, de todas as coisas im-portantes para o desenvolvimento dopaís, gerando empregos e desenvolvi-mento humano. !

Page 10: afirmativa20

10 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

provam

éritoPor: Zulmira Felício - Editora

cotistas

A cota para a inclusão do afrodescen-dente no ensino superior é um instru-mento paliativo e polêmico. Não im-porta se vai durar cinco, 10 ou 15 anos;se acolhe negros, índios, mulheres oua população de baixa renda; ou, ainda,reserva 5%, 20% ou 40% das vagas.Tudo isso é importante, além do fatode as cotas defenderem boa parte da

população brasileira que ficou à mar-gem das oportunidades de estudo, saú-de e mercado de trabalho. Por si só, ascotas representam mérito. Mérito da-queles que lutam pela sua aceitação eimplantação a fim de diminuir as dife-renças. “É preciso tratar de modo di-ferente os desiguais”, defende IveteAlves do Sacramento, professora titu-

lar da Universidade do Estado da Bahia,que durante oito anos foi reitora daUniversidade Federal da Bahia, numaalusão do pouco (ou do quase nada)reparado à população brasileira afro-descendente nesses últimos 119 anos.Em 2002, foram dados os primeirospassos para a inclusão dos negros noensino superior pelas Universidades do

Page 11: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 11

educação

Ivete Sacramento

Estado da Bahia (UNEB), Estadual doRio de Janeiro (UERJ) e Estadual doNorte Fluminense (UENF). A UNEB,com 22 mil alunos reservou, em 2003,40% das vagas para negros. Pesquisada reitoria mostrou que, após um ano,esses estudantes tiveram nota média7,7; os demais tiveram média 7,9. Comresultados semelhantes, com 1.800 gra-duandos, a UENF disponibilizou noprimeiro ano 50% das vagas para alu-nos da rede pública e 40%, para ne-gros e pardos.Primeira negra brasileira reitora de umauniversidade, Ivete Sacramento, que sem-pre trabalhou a favor das cotas, lembraque no Brasil não importa a coloraçãoda pele, pois na formação do povo há oelemento africano. “Hoje temos 10 milalunos cotistas ingressos em todas asuniversidades públicas em Salvador e emoutros 24 municípios. A maior vitóriadessa ação afirmativa é o brasileiro seautodeclarar afrodescendente”, ressalta.

Gêmeos nãoinvalidam vestibular

Depois que essas universidades abriramsuas portas para o sistema, foi a vez daUniversidade de Brasília (UnB) – a pri-meira instituição federal de ensino su-perior – a adotar as cotas para negros.“Temos aproximadamente 1.800 alunoscotistas. Em 2014, prazo de vigência doprograma, teremos cumprido a meta de20% dos alunos da UnB oriundos dascotas”, diz Timothy Mulholland, reitor.Devido ao fato de ser a primeira uni-versidade federal a aderir às cotas, aUnB foi duramente atacada. “Ora por-que a democracia racial já seria um fatoconsumado; ora porque os negros, quesão facilmente identificados para finsde censo ou exclusão, não poderiam sê-lo para fins de inclusão; ora porque a

concentração massiva deles nas fave-las e nas cadeias seria uma questão derenda e não de discriminação”, desa-bafa Mulholland.Por questões como essas, vez ou outraa UnB assume as páginas dos jornais.No final do primeiro semestre foraminscritos 3.791 candidatos para o siste-ma de cotas no segundo vestibular des-te ano. Desses, foram aprovados2.263, com 31% de reprovação. Ses-senta e nove pessoas entraram comrecurso e, em 23 casos, a banca de se-leção voltou atrás. Dentre eles, o caso

dos irmãos gêmeos Alex e AlanTeixeira da Cunha que se tornou co-nhecido em todo o País. Alan foi acei-to como negro e o irmão, não. A de-cisão foi através de fotos.“O sistema de seleção funcionou per-feitamente. O recurso do segundo ir-mão foi acolhido e ele participou nor-malmente como cotista da prova dovestibular. Parte da mídia decidiu ex-plorar o resultado parcial do processopara atacar o sistema de cotas da UnBe cotas em geral. A intensidade dos ata-ques revela a profundidade da intole-

Page 12: afirmativa20

12 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

José Carlos Ferraz Hennemann

Foto

: D

ivul

gaçã

o

educação

rância existente para com a inclusãoracial no Brasil”, diz o reitor da UnB,reforçando que o episódio não traz pre-juízos ou altera a credibilidade da insti-tuição, pois o vestibular e o processo deseleção já se encontram amadurecidos.Além de centenas de jovens negrospreparados para a universidade, as co-tas também trouxeram pessoas comdificuldades financeiras para permane-cerem na instituição. A UnB trabalhaem prol da ampliação de mecanismosque assegurem essa permanência. Ain-da, segundo Mulholland, sempre quehouver necessidade, a instituição faráos aperfeiçoamentos necessários.

No Sul, novas adesões

Do conjunto de 57 universidades fe-derais do País, 28% já têm cotas no seu

vestibular. Estima-se que até o fim des-te ano o número de cotistas nas fede-rais chegue a 14 mil. Segundo o Minis-tério da Educação, 579.587 alunos sematricularam nas federais, em 2005. Narede estadual, com 34 universidades, aadesão foi maior: 18 delas – mais dametade – têm cotas. No total, soman-do as duas redes e mais uma escola téc-nica federal que também adotou o sis-tema, já são 35 instituições públicas.Recentemente, três outras instituiçõesengrossam essa lista. São elas: Univer-sidade Federal de Santa Catarina(UFSC), Universidade Federal de San-ta Maria (UFSM) e a Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS).Segundo José Carlos Ferraz Hennemann,reitor da UFRGS, após a decisão to-mada pela instituição, o sistema de co-

tas foi adotado pela Universidade Fe-deral de Santa Maria. Também se deveconsiderar que a discussão sobre a im-plantação de medidas afirmativas re-monta desde o início de 2004, quando“nos comprometemos com a comuni-dade universitária no sentido de enca-minhar a discussão. Com o amadureci-mento do debate, fruto de reuniões,seminários e o trabalho da Comissão Especial, o assunto chegou ao Conse-lho Universitário que aprovou a implan-tação de cotas na UFRGS”.Após ouvir especialistas de universida-des que já possuem cotas, a UFRGS che-gou ao modelo adaptado próprio. O sis-tema será implantado a partir de janeirodo próximo ano e se estenderá até 2013.A UFSC reservará 20% de 4.095 vagaspara egressos de escolas públicas e 10%para afrodescendentes da rede públi-ca. Conforme a universidade, o núme-ro de estudantes negros e pardos equi-vale a 4% do total. Desses, cerca de18% são da rede pública.

Assistência estudantil

No projeto encaminhado ao Congres-so, pelo MEC, há quase quatro anos,as instituições federais de ensino su-perior devem reservar, no mínimo,50% das vagas para estudantes do en-sino médio na rede pública; parte des-sa reserva deve ser preenchida por jo-vens que se autodeclaram negros ouindígenas. A proporção deve equivalerà presença de negros e índios na socie-dade local. Entretanto, as instituiçõescriam e adotam seus próprios mode-los. Por exemplo, a Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp) não temcotas. “Optamos por um sistema pró-prio que consideramos mais seguropara a inclusão: o Programa de AçãoAfirmativa e Inclusão Social (Paais)”,

Page 13: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 13

educação

José Tadeu Jorge

Leandro Tessler

!

Foto

: D

ivul

gaçã

o

afirma o reitor prof. dr. José Tadeu Jor-ge, comprovando através dos númerosque a instituição está no caminho cer-to. “Quando iniciamos esse trabalho –que completará quatro anos em 2008– tínhamos 9% de autodeclarados pre-tos, pardos ou indígenas e hoje essepercentual cresceu significativamentepara 16%. O número de jovens vindosde escolas públicas de 28% saltou para35%”. O reitor destacou, também, queos beneficiados pelo programa apre-sentam em quase todos os 57 cursosmelhora no desempenho acadêmicoem relação ao vestibular. “Acompa-nhando esses alunos que ingressaramatravés do programa, observamos umamelhora substancial no desempenho oque prova que potencial eles têm, épreciso uma chance para ingressaremnuma universidade”, justifica.“Realmente, o resultado tem sido mui-to positivo”, comenta Leandro Tessler,coordenador do vestibular, e explica quea Unicamp adiciona pontos aos candi-datos dos grupos-alvos do programa deação afirmativa. Isso ocorre desde 2005,ou seja, em três vestibulares.

De acordo com a Unicamp, o Paaistem como objetivo não somente a in-clusão social, mas o desempenho aca-dêmico superior do seu alunado e ouso adequado do investimento que oEstado faz na universidade. “Formartodos os alunos da Unicamp em um

ambiente rico em diversidade permi-te uma formação melhor. Assim sen-do, gostaria que todo o debate fossemais centrado em ação afirmativa emenos em cotas”, conclui Tessler.

Por esse Brasil afora

É bom destacar que as cotas têm cará-ter emergencial e agem sobre um tipode exclusão racial específico: o racismo.“Elas são uma realidade e não têm vol-ta, contribui para que o indivíduo tenhacoragem de se impor, rompa a barreirado serviçal e alcance patamares mais ele-vados, cresça”, afirma Ivete Sacramen-to. Daí a necessidade premente de umensino superior de qualidade, com pro-fessores capacitados e uma infra-estru-tura adequada. Se cada um fizer a suaparte, sem dúvida, diminuirão as distân-cias que separam irmãos brasileiros,quer pela cor da pele, quer pelas condi-

ções socioeconômicas. Exemplos demedidas adotadas por algumas institui-ções de ensino por esse Brasil afora:• Universidade Federal do Piauí (Ufpi):

5% de reserva para alunos oriundosda rede pública, não leva em conta aquestão étnica;

• Universidade Federal de Alagoas(Ufal): 20% das vagas – seleção étni-ca por autodeclaração.

• Universidade Federal de Tocantins(UFT): cotas somente para índios.

• Universidade Federal de Mato Gros-so (Ufmt): vagas extras para índiosem alguns cursos.

• Unifesp (Universidade Federal de SãoPaulo) – a primeira universidade pú-blica no Estado de São Paulo: a traba-lhar com cotas de 10% para estudan-tes da rede pública ou bolsistas inte-grais de escolas privadas; preferênciapara afrodescendentes.

Page 14: afirmativa20

14 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

Por: Juçara Braga, especial para Afirmativa Plural

avaliaçãopositiva

nuERJa

Page 15: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 15

educação

A falta de divulgação, a concorrência doProUni, que abre vagas nas universida-des privadas para alunos carentes, e aslimitações da bolsa oferecida aos cotistassão os principais entraves ao avanço dosistema de cotas, na opinião dos estudan-tes reunidos no Coletivo de EstudantesNegros e Negras da UERJ – Denegrir.Com o ProUni, muitos universitáriosoptam por faculdades privadas pelapossibilidade de estudar perto de casa

e redução do custo de transporte, se-gundo Moacir Carlos da Silva, aluno deEconomia na UERJ e integrante doDenegrir. Essa opção, diz ele, acaba le-vando o candidato a cursos de menorqualidade do que os oferecidos pelasuniversidades públicas.Outra questão apontada pelo Denegriré o fato de a legislação não permitir queo estudante que tem acesso à bolsa ofe-recida pelo sistema de cotas (R$ 190,00

na UERJ) concorra a outras bolsas. Naopinião de Moacir, esta deveria ser umabolsa de permanência, não vinculada aoutras oportunidades associadas a es-tágios ou pesquisas.De qualquer forma, os estudantes doDenegrir vêem, no sistema de cotas,uma ação afirmativa, “fruto da luta his-tórica do movimento negro”, como ex-plica Moacir, mesmo apontando a ne-cessidade de ajustes na legislação.

A poucos meses de completar cincoanos de implementação do sistema decotas para alunos oriundos da redepública de ensino, e quatro anos espe-cificamente para negros, portadores denecessidades especiais e indígenas, aUniversidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ) está formando sua pri-meira geração de alunos cotistas. O sis-tema está consolidado, mas os cotistasainda não ocupam todas as vagas quelhes são reservadas.

De 2003 até agora, 8.591 estudantesforam classificados no vestibular daUERJ pelo sistema de cotas. Até o finaldo ano passado, 7.309 estavam efetiva-mente matriculados, ou seja, 31,78% emum universo de 23 mil alunos. Emboraa comparação seja imperfeita, pois onúmero de cotistas matriculados esteano ainda não está disponível, é possí-vel observar que o espaço ocupado poreles é bem inferior aos 45% de vagasreservadas pela legislação estadual.

Apesar disso, a avaliação de alunos, pro-fessores e defensores de ações afirma-tivas no ensino superior é positiva. Cla-ramente, pelo menos uma questãoapontada como possível conseqüêncianegativa da adoção desse tipo de políti-ca já tem resposta. A universidade nãoteve seu padrão alterado em função dapresença de alunos teoricamente menospreparados por virem de escolas pú-blicas, cujo ensino, nos últimos anos,tem se degradado devido à falta de in-vestimentos de sucessivos governosmunicipais e estaduais. A informaçãodo sub-reitor de Graduação da UERJ,José Ricardo Campelo Arruda, é con-firmada pela estatística Maria AliceAntunes Barbieri, que está coordenan-do um trabalho de avaliação do siste-ma de cotas desde sua implantação, novestibular de 2003. Esse estudo deveráser concluído até o final deste ano.Embora ainda não tenha tabulado to-dos os dados, Maria Alice antecipa que“o aproveitamento dos cotistas no pe-ríodo analisado é excelente”. Comoexemplo, ela cita uma estudante que in-gressou em 2003 e concluiu o cursode quatro anos em apenas três, mesmoenfrentando duas greves de professo-res nesse período.

Denegrir avalia sistema de cotas

Prof. José Ricardo Campelo Arruda

Foto

: D

ivul

gaçã

o

Page 16: afirmativa20

16 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

De qualquer forma, foi criado, naUERJ, o programa Proiniciar que ofe-rece reforço em diversas matérias, rea-liza oficinas e eventos culturais e, se-gundo o professor Arruda, “é voltadopara superar as carências dos alunos”,e é aberto a todos que desejem partici-par e não apenas aos cotistas.Além do campus principal, no bairrode São Francisco Xavier, zona norte doRio, a UERJ tem quatro unidades, sen-do uma na Baixada Fluminense e as de-mais nos municípios de Resende, SãoGonçalo e Friburgo. Os cotistas, segun-do o professor Arruda, estão presen-tes em todas elas, porém, uma vez ma-triculados na universidade, são vistoscomo qualquer outro estudante, nãohavendo tratamento diferenciado.

Cotas mudam o perfildas universidades

A principal marca da política de cotasnas universidades é a diversidade que,agora, se vê nas salas de aula, especial-mente nos cursos antes reservados àselites, como Direito, Engenharia, Me-dicina, Desenho Industrial e Arquitetu-ra. A opinião é do coordenador do Pro-grama Políticas da Cor na EducaçãoBrasileira, da UERJ, Renato Ferreira.“Antes não víamos negros nem estudan-tes com a cara do povo nessas salas deaula. Agora, eles estão lá”, afirma Rena-to, lembrando que, anteriormente, asvagas nesses cursos eram disputadas poralunos de cursinhos famosos e escolasparticulares tradicionais.O sistema de cotas acabou com essareserva de mercado, estabelecendo adiversidade que, para Renato, é impor-tante em qualquer área, mas, sobrema-neira, na Educação. Nos demais cur-sos, segundo ele, a UERJ, independen-temente das cotas, já absorvia estudan-

tes com perfil popular. Trabalhadores,pobres e negros já faziam parte do dia-a-dia da universidade.A avaliação é confirmada pelo profes-sor Arruda, que destaca a perspectivasocial da UERJ, com 80% de seus cur-sos também ministrados à noite e umagestão voltada para “a melhoria da qua-lidade de vida da comunidade e cons-trução de uma sociedade mais justa”.Para estudante da periferia que chegaà universidade graças ao sistema de co-tas, Renato avalia que, nos dois primei-ros períodos, “ele fica um pouco cam-baleante já que o volume de informa-ção é muito grande, mas depois nãoquer mais sair, pois vê a diferença emrelação à própria família”. Em médioprazo, diz ele, essa diferença será maisvisível ainda nos filhos dos cotistas. Ouseja, abre-se, concretamente, uma viapara a inclusão social conseqüente e deforma contínua.As cotas, na opinião de Renato, abremum novo leque de opções para a uni-versidade, “pois o cotista logo come-çará a questionar a grade curricular, vaiquerer saber por que não há, por exem-

plo, aulas sobre a história da África”.E isso, segundo ele, poderá se disse-minar por todo o País, levando a umareleitura da própria história do Brasil.O Mapa das Ações Afirmativas noEnsino Superior, elaborado pelo Pro-grama Políticas da Cor na EducaçãoBrasileira, revela que 29 universidadespúblicas já adotam ações afirmativaspara negros no País. A maioria adota aautodeclaração como forma de identi-ficar os candidatos ao sistema. Em al-guns casos, o requisito é apenas sernegro; em outros, há também limite derenda máxima e/ou exigência de queo aluno seja oriundo da rede públicade ensino. Na UERJ, 20% das vagassão para negros, 20% para alunosoriundos da rede pública de ensino e5% para portadores de necessidadesespeciais e indígenas.

Sonhar é possível

Mariane Oliveira tem 20 anos e entrouna UERJ com 18 anos pelo sistema decotas. Ela mora em Campo Grande,subúrbio do Rio, o pai é rodoviário e amãe, do lar. Ambos sempre insistiram

Mariane Oliveira

Foto

: D

ivul

gaçã

o

Page 17: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 17

educação

Anísio Souza Borba

para que ela e os dois irmãos mais no-vos estudassem e essa postura fez todaa diferença. Mariane e os irmãos sem-pre cursaram escolas públicas. Hoje, elaestá no 2º ano de Direito e é estagiáriano Programa Políticas da Cor. Um dosirmãos ingressou no curso de Enge-nharia da UERJ em 2006, também pelosistema de cotas.Mariane e o irmão estudaram em casa,buscando ajuda de vizinhos professo-res, pois seus pais não tiveram recur-sos para pagar o curso pré-vestibular.No caso dela, o esforço foi dobrado,pois o curso regular de segundo graufoi prejudicado por duas greves lon-gas de professores nos dois últimosanos do curso.Como observa o coordenador do Pro-grama Políticas da Cor, RenatoFerreira, cursar uma universidade faz

diferença e Mariane se depara com elana própria família: um primo, que co-meçou a trabalhar aos 13 anos e en-cerrou a fase de estudos ao se formarno 2º grau.Para a menina humilde da periferia, auniversidade, no início, “foi um cho-que”. A principal dificuldade foi acos-tumar-se com a grade curricular já queela não havia tido, no 2º grau, algu-mas matérias que poderiam lhe daruma base melhor. Mais uma vez, oesforço pessoal levou Mariane a su-perar as barreiras.De forma mais ampla, a maior difi-culdade de Mariane é lidar com o pre-conceito de colegas que temem queos cotistas baixem o nível do curso.Alguns, contrários ao sistema de co-tas, já usaram esse argumento com elaque, não tem dúvida: os cotistas estão

provando que isto não ocorre. O ca-minho não é fácil, mas Mariane nãodesiste e vai em busca de seu sonho.“Eu pretendo ser juíza. Vou atuar, pri-meiro, como advogada na área penalpara defender negros e pobres porquea situação do negro é complicada de-vido à discriminação. Moro próximo auma favela e a polícia já chega baten-do. Isso é errado. Quero ser advogadapara não permitir que isso aconteça”,afirma Mariane com a simplicidade dequem sabe que não é fácil transformarsonhos em realidade, mas também sabeque não é impossível.

Abrindo portas

Anísio Souza Borba tem 23 anos, fi-cou órfão ainda criança e foi criadopelos tios na comunidade da Maré,zona norte do Rio. Como todos os jo-

Foto

: D

ivul

gaçã

o

Page 18: afirmativa20

18 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

Aline Cristina de Oliveira

Luciene Marcelino

vens nascidos e criados em favelas,Anísio convive diariamente com a vio-lência, mas diz não ter sido atingidopessoalmente por ela. Aluno do 3º anodo curso de Ciências Sociais da UERJ,Anísio fez o curso pré-vestibular man-tido pelo Centro de Estudos e AçõesSolidárias da Maré.Aluno de escola pública, ele admite quenunca havia pensado em cursar umauniversidade até ser instigado poramigos a se inscrever no curso pré-vestibular. A escola na vida dele come-çou tarde. Enquanto vivia com o pai,não ia à escola. Foi alfabetizado somen-te com oito anos, quando passou a mo-rar com os tios que o matricularam e,sem filhos, se dedicaram ao sobrinho.A aprovação no vestibular resultou emfesta na família. A chegada à universi-dade foi uma vitória, mas encarada comrestrições por alguns dos novos cole-gas universitários que, sem pudores,deixavam claro o que pensavam: “Ah!Você não merece”. Essa restrição, se-gundo ele, abrandou, mas olhares des-confiados persistem e os grupos “dosdemais” não se abrem para os cotistas.

As cotas são

boas porque

obrigam as

pessoas a

pensarem no

assunto.

“ “

Aline Cristina de Oliveira

Foto

: D

ivul

gaçã

oFo

to:

Div

ulga

ção

Page 19: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 19

educação

!

O avanço do sistema de cotas é visí-vel por uma questão muito simples,na opinião de Humberto Adami, pre-sidente do Instituto de Advocacia Ra-cial e Ambiental (IARA): os alunoscotistas estão se formando. As cotas,diz ele, “serviram de instrumento paradescoberta do Brasil sobre o qual nãose fala, o Brasil das desigualdades ra-ciais” e abrem as portas para inúme-ras outras ações afirmativas em diver-sas circunstâncias.O debate sobre as cotas, de acordocom o advogado, possibilitou discutira presença (ou ausência) de afrodes-cendentes no Exército, na Igreja Ca-

tólica e no Itamaraty, por exemplo. OIARA está solicitando à Procuradoria-Geral da República que investigue adesigualdade racial nessas instituições.Há também ações semelhantes dirigi-das a empresas públicas e privadas.Além disso, cresce a cobrança pela a-plicação da Lei 10.639/2003 (Históriae Cultura Afro-Brasileira), que deter-mina, como obrigatória essa cadeiranos ensinos fundamental e médio. “Aimplementação dessa lei permitirá quese reescreva a história do Brasil. Hámuitas coisas não contadas. A lei re-mete a um encontro do Brasil consigomesmo”, reflete Adami.

Cotas abrem caminho para outras ações afirmativas

Humberto Adami

Anísio avalia que, hoje, os cotistas es-tão mais unidos, o que os fortalece.Além disso, há o grupo Denegrir, cria-do pelos alunos para provocar o deba-te sobre a questão da cor. Sobre as co-tas, Anísio avalia que “o mais impor-tante é o conhecimento que adquiri-mos, abrindo portas para que novas ge-rações busquem novos espaços paraacabar com o preconceito”.

Cota faz pensar no assunto

Aline Cristina de Oliveira, 22 anos,cursa o 8º período de Filosofia naUERJ, faz Direito na UniRio e já pas-sou pela UFRJ. Entrou na UERJ pelosistema de cotas e, ali, começou a con-viver com negros. Ela considera o cli-ma na UERJ diferente, favorável aodebate sobre a questão da cor, situa-ção que não percebe nas outras duasuniversidades. “As cotas são boas por-que obrigam as pessoas a pensaremno assunto”, diz Aline.Luciene Marcelino, 29 anos, tentouo vestibular na UERJ pelo sistema decotas, mas não conseguiu, pois nãoteve sua declaração socioeconômicaaprovada. O problema aconteceu comvárias pessoas que entraram com açãocoletiva na Justiça, mas, até hoje, nãoobtiveram resposta do Poder Judi-ciário. Diante disso, ela prestou no-vamente o vestibular em 2005, foradas cotas, e foi aprovada para o cursode Pedagogia.O sistema de cotas, na opinião deLuciene, está avançando, mas faltaapoio financeiro. O valor da bolsa ofe-recida pela UERJ é baixo (R$ 190,00)e Luciene diz que é preciso intensifi-car a luta por um valor mais adequadoà realidade do estudante que precisapagar alimentação e transporte.

Page 20: afirmativa20

educação

nclusãoionseqüentec

Por: Timothy Mulholland, Reitor da Universidade de Brasília

Avolumam-se as estatísticas sobre aexclusão social no Brasil. É um fatotriste e inegável, que nos coloca malno ranking das nações, especialmenteconcentrado sobre os eixos de gêneroe de cor ou raça. O Brasil não alcança-rá um futuro digno sem implementarum processo sério e efetivo de inclu-são, se não por uma questão de justiça,pelo pavor das inevitáveis conseqüên-cias de ignorar os fatos e de tentar aba-far ou confundir o debate.A Universidade de Brasília está fazen-do o que lhe cabe. Em 2003, implan-tou o Plano de Metas para a Integra-ção Social, Étnica e Racial, envolven-

do cotas para estudantes negros e amatrícula de indígenas, entre outrasmedidas. Já tinha implementado pro-gramas para portadores de necessida-des especiais, de acesso alternativo aovestibular e de permanência de estu-dantes de baixa renda, além de nume-rosos projetos de extensão universi-tária junto às populações excluídas daregião e além. Agora, se expande fisi-camente pelas vizinhanças menos fa-vorecidas para abraçar o Distrito Fe-deral e o Entorno. A política de in-clusão da UnB é clara e conseqüente,e os resultados dessas iniciativas com-provam sua adequação e sucesso.

O compromisso da UnB é com a de-mocracia e os direitos humanos. Des-de as suas origens, é identificada coma luta pelo convívio pacífico e soli-dário e o pleno gozo de direitos. Asmedidas citadas são conseqüênciadessa posição e colaboram com oacesso dos historicamente excluídosà universidade e, por conseguinte, aoconhecimento e aos espaços do poder.A receptividade a essas medidas foipositiva no geral, mas a inclusão denegros na universidade foi alvo de re-sistência. Só a de negros. A UnB,também por ter sido a primeira uni-versidade federal a adotar o sistema

20 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Page 21: afirmativa20

educação

!

Timothy Mulholland

de cotas, foi duramente atacada. Oraporque a democracia racial já seriaum fato consumado; ora porque osnegros, que são facilmente identifi-cados para fins de censo ou exclu-são, não poderiam sê-lo para fins deinclusão; ora porque a concentraçãomassiva deles nas favelas e nas cadeiasseria uma questão de renda e não dediscriminação (“são negros por se-rem pobres”, é a incrível implicação).Essas e outras pérolas vieram dos in-telectuais da exclusão – que agregamà sua lógica deturpada a distorção dosfatos, a desonestidade intelectual e adeslealdade acadêmica. O que bus-

cam, na verdade, é a manutenção dostatus quo, que o privilégio da educa-ção superior pública continue sen-do passado de pai para filho sob omanto do “mérito”, alcançado ape-nas nas melhores e mais caras esco-las e cursinhos.O atentado a fogo contra a vida de10 estudantes africanos negros daUnB reacendeu os debates. O quevemos em parte da mídia é uma ten-tativa de afastar os termos “racismo”e “xenofobia” do caso, sem que as in-vestigações tenham sido concluídas.Essa atrocidade inconclusa e suas im-plicações são de uma gravidade que

transcende o que as investigações vi-erem a estabelecer. É essencial punirexemplarmente os culpados, mas nãoé o suficiente. Este caso exige umareflexão profunda sobre a garantiados direitos humanos, à justiça social,a tolerância e a solidariedade que te-rão que prevalecer no mundo se nósqueremos outro futuro que a confla-gração. A começar pela universidade.A UnB se une aos que clamam poruma igualdade que saia do papel epasse a ser a realidade entre nós, comtodas as nossas diferenças – a riquezamaior deste país.

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 21

Foto

: R

ober

to F

leur

y/U

nB A

gênc

ia

Page 22: afirmativa20

22 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

inguém vêracismon

quando brancos ocupam90% das vagas

”*Por: Cláudia Feliz – [email protected]

Diretor Administrativo e Financeiro doProcon, ex-vereador e ex-prefeito deVitória (ES), Ademir Cardoso sabe queé uma exceção. Negro, filho de pais po-bres, que cursaram só até o antigo pri-mário, desde garoto ele foi educadopara superar barreiras. Cursou Direitoe Geografia, foi vereador pela primei-ra vez aos 18 anos, e está certo de queé preciso que se estabeleça uma políti-ca de compensação para que negros te-nham acesso à escolaridade superior ea bons empregos no país. Para Ademir,as cotas podem ser uma opção. “Nin-guém vê racismo na realidade atual,onde brancos ocupam às vezes 90%das vagas”, critica ele.

Como o fato de ser negro interferiuna sua vida?Fui educado para superar barreiras.Minha mãe, dona de casa, e meu pai,escriturário da Vale - tesoureiro da Igre-ja Batista de Jardim América, ele fez ocurso primário - tiveram seis filhos.Sempre estudei em escola pública, quetinha um bom ensino, e por isso nelaestudavam pessoas de melhor poderaquisitivo. Naquela época, escola par-ticular era popularmente conhecidacomo pagou, passou. No Colégio Es-tadual, onde fiz o ginásio e o científi-co, na década de 60 eu era um dos pou-cos negros. Nessa época, no Brasil, osnegros eram netos ou bisnetos de es-

cravos. Considerando que as pessoasviviam bem menos do que hoje, o es-paço das gerações era menor. Sou fi-lho de pai negro e de mãe miscigenada- negro com português.Como seus pais lidavam com aquestão racial?Perdi quatro irmãos, todos com doen-ça falciforme. Perdi meu pai aos 12anos, e minha mãe ficou só comigo ecom a minha irmã, Miriam. Mas ela nãodescuidava. E dizia sempre que nóséramos bonitos. Não nos permitiu pen-sar em deixarmos de estudar.O senhor fez dois cursos superio-res . . .Sim, Direito e Geografia, e isso certa-

Page 23: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 23

educação

Ademir Cardoso

mente tem a ver com a orientação daminha mãe sobre os estudos. Advogueidurante quatro anos - fiz Direito por-que queria ser doutor -, mas me apai-xonei pelo magistério. Dei aulas pormais de 30 anos.O fato de sua mãe ter ficado viúva eseus irmãos terem sofrido, doentes,o fez ser mais dedicadoaos estudos?Meus irmãos sofrerammuito com a doença. Darua, dava para ouvir seusgritos de dor. Eu não tinhavontade de voltar paracasa... Minha mãe era exi-gente com a escola, e diziasempre que não precisáva-mos ter vergonha da nos-sa cor, das nossas origens.Nasci em Itaquari, e quan-do meu pai morreu fomospara Jardim América. Lá,meus quatro irmãos mor-reram, um atrás do outro.Ficamos só eu e a Miriam.Lembro que a mãe do meumelhor amigo, que era ne-gro, dizia para ele: “Filho,esse negócio de faculdadenão é para gente, não”.O senhor credita aosseus pais sua consciên-cia de raça e a determi-nação para vencer bar-reiras na vida?Sim, com certeza. Na nos-sa casa havia um eixo, que era a donaJovita. Com todas as adversidades, elanão permitia que fraquejássemos. Mashá também a questão religiosa, que éfundamental. Quem não tem umnome para proteger ou um Deus paraacreditar, degringola, porque os valo-res estão perdidos. Noventa por cen-

to dos meus colegas do bairro, daque-la época, não concluíram os estudospor falta de estímulo. Não viam o es-tudo como fator de emancipação,principalmente para o negro. Eu e aMiriam sempre tivemos uma visão daquestão racial muito forte. O negro,por direito, precisa ter seu espaço ga-

rantido na sociedade.Qual sua análise da questão racialno Brasil?Todos os problemas, inclusive a mádistribuição de renda no Brasil, têmorigem racial. Basta ver a história. Aabolição da escravatura foi feita semque se estabelecessem regras de com-

pensação. Junto com a lei que aboliu aescravidão seria preciso dar condiçõesde as pessoas, livres, continuarem vi-vendo, produzindo.Para que não permanecessem numcontexto de exclusão...Claro. Os escravos tinham como se ali-mentar, se abrigar, mas depois da liber-

tação ficaram desamparados.Saíram das áreas rurais e fo-ram para as urbanas, dandoorigem às primeiras favelas.Alguns faziam pequenos ser-viços para os brancos, outrospassaram a ser os desocupa-dos, todos sem futuro.E essa população foi aumen-tando, sem perspectiva. Hoje,a diferença de escolaridade denegros para brancos se man-tém a mesma de 1900, segun-do o Ipea.Um estudo do sociólogodo Instituto Universitáriode Pesquisas do Rio deJaneiro Carlos AntônioRibeiro mostrou que acor só interfere no aces-so à escolaridade e a tra-balho quando as pessoaschegam ao terceiro grau.Eu não concordo. Quemvai às lojas de maior pa-drão, onde a comissão devendas é mais alta, obser-va que é mínimo o percen-tual de negros vendedores.

Em outras atividades onde não se exi-ge escolaridade mais elevada, aconte-ce o mesmo.O programa da Oprah Winfrey, nocanal GNT, mostrou uma pesquisafeita por uma jovem negra ameri-cana que exibiu duas bonecas paracrianças negras, pedindo para que

Foto

: C

arlo

s A

lber

to d

a S

ilva

Page 24: afirmativa20

24 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

elas apontassem a mais bonita. Ascrianças indicaram a branca, e de-monstraram constrangimento porse parecerem com a negra.Porque o perfil preferido é o europeu:cabelos lisos, nariz afilado. O que é umamulher bela na concepção brasileira?Lá em casa recebemos intercambistas.Um deles, uma australiana de pele bembranca, disse que a nossa TV não re-flete na tela o povo brasileiro que se vênas ruas.O senhor já se sentiu rejeitado porser negro?Já vivi muitas situações. Mas eu achoque o brasileiro não tem preconceitoindividual. Branco casa com negro,convive, joga bola junto. Nosso pro-blema é institucional. A beleza é bran-ca, que é vista como a cor do bem. Senossos conceitos de pureza e beleza sãobrancos, o preto representa o oposto.Negro é sinal de coisa feia. Isso ficano inconsciente das pessoas.Mas e as suas experiências?Numa determinada ocasião, estava noescritório onde advogava com outrocolega, uma pessoa me perguntou:“Os advogados já chegaram?”, achan-do que eu era o atendente. No fórum,fui chamado para atuar num sumáriode acusação, e o juiz perguntou a umatestemunha se ela conhecia os acusa-dos. Ela olhou, e disse: “Eu conheçoesses quatro, mas aquele lá eu nãoconheço não”. O aquele lá era eu, deterno e gravata. Em outra ocasião,depois de uma inauguração, como pre-feito de Vitória - porque Luiz PauloVellozo Lucas havia viajado -, aguar-dava com dois seguranças a chegadado motorista quando uma senhora,aparentemente perdida, me pergun-tou: “O senhor que trabalha comosegurança aqui, me diz como é que eu

faço para chegar...”.Como o senhor vê a definição decotas para negros no ensino uni-versitário público?Não tem que ter cotas só porque a ori-gem da pessoa é negra.Tem que se ver quem é o discrimina-do. É a pessoa negra com as caracte-rísticas físicas típicas: cor da pele, ca-belo, nariz. Essa, por não compor oquadro de beleza estabelecido pela so-ciedade, tem menos oportunidade.Há quem defenda cotas para egres-sos do ensino público, independen-temente da raça.A escola técnica fez isso, estabelecen-do 20% de vagas para escola pública.Vá lá. Eu fiz questão de fazer o levan-tamento, já que a maioria dos alunosera egressa da rede municipal de Vi-tória. Sabe de onde? De Jardim da Pe-nha, Jardim Camburi, e de outros bair-ros de bom padrão. De modo geral,alunos brancos ou de pele clara. Ne-gros com traços de brancos enfren-tam menos dificuldade de conseguirum emprego numa loja.Existem pessoas que temem pelaintolerância racial.Já pensou num movimento pela redu-ção das cotas dos brancos nas univer-sidades públicas? Porque alguma coi-sa está errada, já que a vantagem per-centual deles nos espaços de ensino,de trabalho, é enorme, às vezes chegaa até 90%. Eu sou exceção, mas issonão desmerece a tentativa de se mu-dar o quadro que está aí. O fato é quea sociedade não vê racismo na reali-dade atual. A solução é estabelecercotas? Não sei. Mas a sociedade nãopode achar que o que está aí é nor-mal, com brancos tendo mais acessoà universidade, a empregos melhores.E quem fala contra isso é visto, é apon-

tado como racista. Como o país quercrescer se um percentual altíssimo desua população, por causa do seu aspec-to físico, por causa da sua etnia, nãotem acesso a tudo o que deve ser dis-ponível para todas as pessoas?

Então, o que fazer?É preciso tirar o atraso histórico. Oque a história fez é preciso reparar.Com dinheiro? Não acho, mas é pre-ciso fazer algo. Na Nova Zelândia osindígenas são protegidos com legisla-ção especial nas universidades, nosempregos. Os negros foram trazidosforçados para o Brasil, e foram res-ponsáveis pelo fortalecimento da na-ção, mas num determinado momen-to, acabaram sendo descartados. Emalgumas áreas, os europeus que imi-graram para o Brasil ganharam terras.Isso não é cota? Na década de 1970,os filhos de fazendeiros tinham cotasreservadas para cursar agronomia. Enão havia protesto.

A baixa auto-estima leva ao proces-so de “branquização”?Na periferia, a maioria dos jovens ne-gros não quer ser negra. Imagine al-guém que cresce ouvindo que seu ca-belo é feio, é ruim, que seu nariz éfeio, é chato, e também venha de umafamília desestruturada. Um meninoque não veja possibilidade de sua acei-tação no mundo formal é facilmenteabsorvido pelo tráfico de drogas. Se asociedade não se debruçar sobre essasituação, não teremos futuro.

Dois problemas sérios se entrelaçamno Brasil. A questão racial e a questãoda ética, que é cultural. Um país quenão se preocupa com igualdade e comética não tem futuro. !

*Gazeta de Vitória - 01/06/07.

Page 25: afirmativa20
Page 26: afirmativa20

educação

depPor: Cristovam Buarque, Senador pelo PDT/DF

otascaís

26 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Recentemente, um jovem negro meperguntou se eu via relação entre raçae competência. Se o ingresso na uni-versidade deveria ser por vestibular,testando a competência de todos, oupor cotas, privilegiando os negros. Res-pondi que não há correlação entre raçae competência, mas sim entre rendapara pagar uma boa escola e compe-tência, e entre renda e raça, porque noBrasil a pobreza é sobretudo compos-ta por negros. Logo, há uma forte de-sigualdade entre brancos e negros noacesso à universidade.Para tentar corrigir essa desigualdade

estrutural, justifica-se o uso de cotaspara ingresso de candidatos negros nauniversidade, como forma de mudar acara de um país com a cor da África,cuja elite tem a cor da Europa. Masreconhecendo que esse é mais um jei-tinho, tão ao gosto do Brasil. E quebeneficia apenas os jovens negros queconseguem terminar o ensino médio,e muito provavelmente fazem parte daclasse média. É uma cota dentro dacota: beneficia alguns jovens negros,depois de ter excluído dois terços dejovens pobres.É a repetição monótona de um hábito

histórico brasileiro: garantir pequenosganhos aos desfavorecidos, em vez depromover sua emancipação. O Brasilteme a emancipação, por isso há sé-culos usa cotas. Elas trazem avançosinegáveis, porém tímidos, sem mudan-ças estruturais. Avanços pequenos queevitam saltos.A abolição só veio após décadas deprotelações – a proibição do tráficonegreiro era a cota para proibir a en-trada de novos escravos; a Lei do Ven-tre Livre era a cota para libertar os fi-lhos de escravos que completassem amaioridade; a Lei dos Sexagenários era

Page 27: afirmativa20

educação

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 27

Cristovam Buarque

Foto

: K

azuo

Oku

bo

Não há correlação

entre raça e

competência, mas

sim entre renda

para pagar uma

boa escola e

competência, e

entre renda e

raça, porque no

Brasil a pobreza é

sobretudo

composta por

negros.

a cota para libertar os velhos sem for-ças para trabalhar. Só quando quasetodos eram livres, veio a Lei Áurea.Mas as cotas não acabaram. Os baixossalários pagos trouxeram a cota do vale-transporte, vale-alimentação e vale-gás,para garantir comida e transporte. Odesemprego e os baixos salários queimpediam a contribuição previdenciá-ria de milhões de trabalhadores ruraiscriaram a aposentadoria de um saláriomínimo, uma cota de ingresso quetrouxe o imenso déficit da previdência.Mais de um século após sua tardia abo-lição, o Brasil ainda que tenta corrigirsuas injustiças sociais com cotas quedão um jeitinho, mas não trazem solu-ções. É impossível ser contra os jeiti-nhos, pois eles trazem certa forma deavanço; mas é preciso entender que elesprotelam a emancipação.

Por isso, é surpreendente que tantosse contentem com as cotas para negrosnas universidades, deixando de lado aemancipação da educação básica dequalidade para todos. Quando ela exis-tir, não mais serão necessárias cotas, damesma forma que a Lei Áurea dispen-sou todas as cotas anteriores. Cotas sãoparte de uma luta, mas a verdadeira lutaé torná-las desnecessárias. Isso exige

transformar a educação básica emobrigação nacional, assegurando a to-das as crianças a permanência na es-cola até o final do ensino médio, e atodas as escolas brasileiras um padrãomínimo de qualidade.Como os abolicionistas, é preciso que osdefensores das cotas não se contentemcom os pequenos jeitinhos, e lutem pelosalto definitivo da emancipação. !

Page 28: afirmativa20

28 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

otas raciais

nti-racismoc no jogoa

Por: Fausto Antonio, Doutor em Teoria Literária pela Unicamp e Escritor

Editoriais e opositores das políticas decotas falam em políticas universais.Nesse caso, os dados, isto é, a realida-de concreta do racismo à brasileira nosmostra que há desvantagens ocupa-cionais, locacionais, educacionais e ju-rídicas profundamente consolidadas eque impedem a cidadania a milhões denegros. As propaladas políticas univer-sais não se constituem, dentro da reali-dade brasileira, em meios eficazes paracorrigir as causas, o racismo amplamen-te urdido no tecido social e imaginário.Há, no centro do sistema racista brasi-leiro, uma política de branqueamentobarrando a ascensão e o acesso dosdescendentes da negrura aos bens cul-turais, educacionais e de toda monta.Os sistemas televisivos e educacionaissão exemplares a esse respeito. Os va-lores chamados de universais, nessessistemas, estão consolidados a partir dabrancura e da Europa. O imagináriobrasileiro, pela força da naturalizaçãodo racismo erigido entre nós, é bran-

co. Há, igualmente, cotas implícitaspara brancos em todos os espaços dasociedade. Por outro lado, o branque-amento político e ideológico tem, nacontramão, o enegrecimento físico dapopulação. A miscigenação, no nossocaso, não redundou e não redundaráem branqueamento e/ou brancura.As cotas e o Estatuto da IgualdadeRacial acirram, o que perspectivaetnocêntrica-racista instalada no paísnão deseja, o debate e a compreensãoda nossa realidade concreta. Somos opaís, fora do continente africano, coma maior contingente populacional ne-gro. Não haverá país algum sem a cons-trução de um projeto civilizatório e denação inclusivo para os milhões de ne-gros e índios.Avultam, desse modo, algumas pergun-tas, o que precisamos fazer para supe-rar as desvantagens locacionais, ocupa-cionais, educacionais e jurídicas? Alémde um projeto político nacional e demudanças estruturais de curto, médio

e longo prazo, precisamos ir além daconstatação de que os negros são dis-criminados. Tal recorte é necessário namedida em que milhões de negros, se-cularmente postos à margem, bradampor cidadania e exigem que a nação seocupe deles. Os negros não são inte-grados no Brasil, a subcidadania preci-sa ser revertida. Isso é um risco para aunidade nacional. As políticas compen-satórias servem, além de superar o es-tágio de constatação do racismo, paramanter a coesão nacional. As cotas, oEstatuto da Igualdade Racial não acir-ram o ódio racial, é o contrário. O riscopara unidade nacional não advém dapolítica de implementação de cotas, masda subcidadania dada ao negro e da nãointegração de milhões de afro-brasileiros.Da mesma forma, as cotas e o Estatu-to da Igualdade Racial não inauguram,como querem muitos ideólogos da de-mocracia racial, da cordialidade e dosilêncio em torno do debate, a raciali-zação do país. Somos, desde os primór-

Page 29: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 29

educação

Fausto Antonio

dios da colonização, profundamenteracializados. O destino da nação híbri-da e das raças cruzadas, desde a colô-nia e com mais força após o 13 de maiode 1888, tirou o sono e assombrou aselites intelectuais e econômicas nacio-nais. A imigração, as perseguições, aviolência física, simbólica e o apaga-mento temático, corpóreo e as desigual-dades raciais em marcha até os dias atu-ais explicitam as táticas e as estratégiasdas elites nacionais.A historiografia, a literatura e as ciên-cias, como expressão da sociedade bra-sileira, erigiram-se a partir de funda-mentos raciais e racistas. É flagrante,nos artigos contrários às cotas, a bus-ca de apoio na ciência. Aliás, a exclu-são do negro sempre encontrou apoiona ciência. O respaldo científico, nocaso das desigualdades raciais brasilei-

ras, manipula dados, abstrai a realida-de concreta e se constitui, então, comoexpressão da exclusão.Raça, meio e clima eram fatores usa-dos, de forma emblemática e enfáticano final do século XIX e início do sé-culo XX, como categorias de análise ejustificadora do nosso atraso cultural,social e educacional. As desigualdadesraciais são, estruturalmente falando,pontos nucleares para a construção emanutenção das injustiças instaladas nopaís. Sob esta perspectiva, a aprovaçãodo sistema de cotas e o Estatuto daIgualdade Racial devem assegurar acentralidade do critério de raça, etnia ecor. Devem assegurar o campo táticode exposição, através de uma política deEstado, da urgência no que se refere àsuperação das desigualdades raciais.A propaganda tenaz dos opositores das

cotas e da implementação do Estatutoé fomentada sob o prisma dos bran-cos da classe dominante e por umaequivocação premeditada do conceitode raça. A ciência é novamente convo-cada. O conceito biológico, sobejamen-te superado desde o século XVIII, nãoresolve o impasse. Mas é nessa searaque mergulham as personalidades quedeveriam ter uma posição crítica emrelação ao racismo à brasileira. Aqui éprudente recuperar a noção de raça eetnia a partir dos dados anatômicos eculturais. O conceito étnico-racial, deforma transitiva, como o concebe oMovimento Negro Brasileiro, isto é,historicamente construído nas tensasrelações que permeiam, sempre hierar-quizando, o cotidiano, o acesso e a as-censão social de negros e brancos nopassado escravista e hoje. !

Foto

: D

ivul

gaçã

o

Page 30: afirmativa20

30 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

aga reservadav A política de cotas está em pleno funcionamento no Brasil –

mais de 40 universidades já reservam vagas para alunos

negros. Agora só falta o país responder duas perguntas:

precisamos disso? E dá certo?

Em 2005, o governo japonês organi-zou um processo internacional paraoferecer bolsas na Universidade deOsaka. Joelson Souza de Santana, fi-lho de uma empregada doméstica e deum caminhoneiro, negro, foi o únicobrasileiro premiado. Na época, ele erao melhor aluno do curso de português-japonês da UERJ, apesar de ter tidouma formação deficiente, estudandoapenas em escolas públicas.O sucesso e a capacidade de superaradversidades fazem da trajetória deJoelson uma história tocante. Talvezo único que não se emocione ao ouvi-la seja o estudante branco que perdeua vaga para ele no vestibular, apesarde ter se saído melhor na prova.Joelson foi beneficiado pelo sistemade cotas. São vários nomes: ação afir-mativa, discriminação positiva, políti-ca compensatória.Mas a idéia é uma só: corrigir a desi-gualdade entre negros, pardos e bran-cos dando benefícios ao lado mais fra-co. Projetos como o Estatuto da Igual-dade Racial e a Lei de Cotas tramitamhá anos no Congresso. Decisão que ébom, nada - apesar de o governo Lula

se dizer pró-cotas. O debate sobre otema, porém, anda quente. De um lado,as cotas são defendidas como a únicaforma de resolver, de maneira imedia-ta, o problema do racismo e suas con-seqüências socioeconômicas. Do outro,são apontadas como uma fonte de no-vos problemas, além de não terem dadocerto onde foram implementadas. Maissurpreendente é descobrir que, en-quanto teóricos teorizam e o Legislati-vo não legisla, o Brasil implementa atodo vapor sua política de cotas: de for-ma independente, mais de 40 universi-dades já reservam vagas por critériosraciais ou econômicos.Como o debate está mais do que pos-to, é melhor você escolher seu lado datrincheira. Porque o resultado dessa ba-talha vai dizer muito sobre o país queo Brasil será nos próximos anos.

O argumento pró-cotas

Veja os números do último censo: 5,8milhões de brasileiros com mais de 25anos tinham curso superior completo.Desses, 82,8% eram brancos. Juntos, ne-gros e pardos somavam 14,3% - apesarde representarem 47,3% da população.

Agora pense por alguns milésimos desegundo: qual desses grupos colocarámais gente no mercado de trabalho e,principalmente, nos empregos que pa-gam os melhores salários? Você nemprecisa somar à equação o preconcei-to dos empregadores para concluir queos brancos levam vantagem. “Defen-do as cotas porque ainda não me apre-sentaram uma proposta melhor parapromover a inclusão”, diz frei David,diretor da ong Educafro. Para ele, oBrasil chegou a um ponto em que ape-nas uma atitude drástica, como cotasuniversitárias, pode reverter a desigual-dade racial. E vale lembrar que mudaresse quadro não é bom apenas para osnegros, mas para todo o país, que ga-nha uma sociedade mais justa e aumen-ta a diversidade de sua mão-de-obra.A idéia de que devemos usar dois pe-sos e duas medidas para tratar gruposdesiguais não é exatamente um tabu.Deficientes físicos têm reservados osmelhores lugares do estacionamento.Aceitamos isso por saber que se tratade um grupo em desvantagem na horade se locomover (ou será que os mo-toristas que não respeitam as vagas ex-

Matéria original da revista Superinteressante. Edição Número 239, de maio de 2007. www.superinteressante.com.br

Texto: Mauro Tracco, Ilustração Daruman,Design: Josi Campos, Edição: Sérgio Gwercman.

Page 31: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 31

educação

Brasileiros Com CursoSuperior Completo

Entre todos os Brasileiros queconcluiram o 3º grau, 82,8% sãobrancos. Os negros e pardos sãoapenas 14,3%.

Page 32: afirmativa20

32 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

Page 33: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 33

educação

O Brasil é um país

racialmente

desigual. Brancos

vivem em

condições muito

melhores que os

negros. O diploma

universitário tem

muito a ver

com isso.

clusivas estão protestando contra essapolítica?).Ricos pagam mais imposto que pobres.É justo. A lógica para a reserva de va-gas universitárias, dizem seus defenso-res, é a mesma: negros estão em des-vantagem em termos de oportunida-des de ascensão social. Por isso mere-cem um tratamento diferenciado. Co-tas universitárias são uma medida deemergência. Uma tentativa de resolverum problema que existe há quase 400anos. Claro que melhorar a qualidadedo sistema de ensino público básico éfundamental, permitindo que os maispobres freqüentem escolas tão boasquanto as dos ricos, é o melhor cami-nho para promover a igualdade. Masaté quando as classes mais baixas, ondese encontra a maioria dos afrodescen-dentes, vão esperar que o governo in-vista a sério na qualidade das escolas?É justo desperdiçar uma geração na filade espera? “Mesmo que o ensino pú-blico melhorasse a ponto de permitirque seus alunos competissem em péde igualdade no vestibular com alunosoriundos dos colégios particulares, osestudantes negros levariam cerca de 32anos para atingir o atual nível dos alu-nos brancos”, escreve o antropólogoKabengele Munanga no livro Educa-ção e Ações Afirmativas.Nascido na República Democrática doCongo, Munanga é professor de Polí-ticas Raciais da USP. Para ele, o Brasilé um país onde o preconceito e a dis-criminação social não foram erradica-dos. Por isso há diferenças entre ser“branco pobre” e “negro pobre”. Oprimeiro é discriminado pela condiçãosocial e o segundo é discriminado pelacondição social e racial. “A política dotapinha nas costas tem massacrado osnegros. Em países onde o racismo é

direto, dá para combatê-lo com maiorfacilidade”, diz frei David. Em outraspalavras, não se resolve um problemasem antes fazer uma profunda refle-xão para admitir que ele existe. Afir-mar que nosso país é muitomiscigenado, ou então que o precon-ceito nacional é contra pobres, e nãocontra negros, seriam algumas das for-mas em que se expressa a negação des-sa doença.“Fingir que a miscigenação eliminou as

raças é uma forma de racismo”, afirmao senador Cristovam Buarque. “O ra-cismo existe hoje porque o Brasil nãotem médicos negros, não tem juízes ne-gros, não tem engenheiros negros.Quando a elite for branca e negra, oracismo acaba”, acredita o senador. E,apesar de admitir que a política de co-tas prejudicará alguns brancos, obriga-dos a ceder seu lugar a estudantes comnota inferior, Buarque afirma que é pre-ciso cometer injustiças pontuais paracorrigir uma enorme injustiça histórica.Além disso, as cotas não seriam eter-

nas. Assim que o equilíbrio for atingi-do no ensino superior, a reserva devagas pode ser extinta. O sistema decotas seria um mal menor que corrigeum mal maior - e saldaria uma dívidade 400 anos do Brasil com seus negros.Que dívida é essa? Quando nossa eco-nomia era baseada no açúcar e no ouro,eram os negros que geravam boa parteda riqueza nacional. Em troca dos bensque produziram, receberam chicotadas.A Lei Áurea, de 1888, deu aos escra-vos a liberdade, mas nenhuma oportu-nidade de vida. Não vieram junto com-pensações financeiras, programas deabsorção pela sociedade ou um incen-tivo para que os escravos fossem edu-cados e treinados para trabalhar comoassalariados. As distorções sociais queesses equívocos provocaram não foramresolvidas até hoje.

O argumento anticotas

Para poder se beneficiar das cotas, épreciso fazer uma escolha: ou se é bran-co ou se é negro. Essa proposta de di-visão explícita dos brasileiros em duascategorias é o primeiro ponto a tirardo sério os opositores das cotas. Ques-tiona-se a criação de um sistema quesubverte um pilar da democracia: a idéiade que todos somos iguais perante alei. “Para combater o racismo, o Esta-do vai instituir o negro como figura ju-rídica. Isso nunca existiu em nosso sis-tema legal”, diz a antropóloga YvonneMaggie, da UFRJ. Para ela, o efeitodessa “produção artificial de etnias eraças” é o fim da identidade nacional.Deixamos de ser cidadãos do Brasil paranos tornar brasileiros negros ou brasi-leiros brancos. “É o caminho para a di-fusão do ódio racial no Brasil”, afirmao sociólogo Demétrio Magnoli.Outra distorção, na opinião dos críti-

Page 34: afirmativa20

34 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

cos da política de cotas, é a supressãodo mérito como critério de recompen-sa. Uma organização meritocrática éaquela que dá as melhores oportuni-dades a quem demonstrar mais habili-dade e talento.Ao derrubar essa idéia, mesmo com aboa intenção de criar uma sociedadeem que mais pessoas tenham acesso àmeritocracia, as cotas podem estigma-tizar quem é beneficiado por elas. “NosEUA, os estudantes asiáticos tiram dosbrancos mais vagas nas universidadesde ponta do que os negros. Mas nãosão obrigados a lidar com o mesmo res-sentimento. Isso porque existe a per-cepção de que eles entraram por méri-to e não ajudados por um sistema decotas. Ou seja: o ressentimento não éem relação à perda de vagas, mas aomodo como isso acontece”, dizThomas Sowell, economista da Univer-sidade Stanford e autor de Ação Afir-mativa ao Redor do Mundo, uma aná-lise dos resultados de políticas compen-satórias implantadas no planeta. Hámais um ingrediente no caldo da estig-matização: estudos mostram que asações afirmativas beneficiam mais aclasse alta do grupo alvo do privilégio,deixando os mais pobres na mesma.Em seu trabalho, Sowell desfaz outromito, freqüentemente citado por defen-sores das cotas: a de que as ações afir-mativas foram responsáveis pela ascen-dência social dos negros nos EUA. Seuestudo mostra que a proporção da po-pulação negra que freqüentava as uni-versidades dobrou nas duas décadasque precederam a revolução dos direi-tos civis ocorrida nos anos 60. Nesseperíodo, logo após a 2ª Guerra Mun-dial, os EUA passaram por um perío-do de crescimento econômico sem pre-cedentes em sua história. O crescimen-

to fez, por exemplo, com que 3 milhõesde negros trocassem a pobreza e asescolas fracas do sul pelas regiões ur-banas e modernas do norte. O efeitoda mudança logo foi sentido: a porcen-tagem de famílias negras abaixo da li-nha de pobreza caiu de 87% em 1940para 47% por volta de 1960. Depoisde 1970, quando foram adotadas as co-tas, essa taxa diminuiu apenas um pon-to percentual. A conclusão é que so-mente a combinação de crescimentoeconômico e bom ensino é capaz detransformar os indicadores sociais deum país. Cotas - para negros, para imi-grantes ou para pobres - não resolvemo problema.Há ainda o temor de ver a qualidade doensino piorar com a entrada de alunosque não tiveram as melhores notas novestibular. Para esses críticos, as funçõesprimordiais da universidade pública sãoa formação de alto nível e a pesquisa,não a prestação de um auxílio social aopaís. “Quando as universidades admi-tem alunos por critérios não acadêmi-cos, há um risco real de que elas se trans-formem em grandes escolões de baixaqualidade”, diz Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE.Por fim, o time anticotas não tem dú-vidas de que o caráter temporário éuma farsa. A maioria dos países que asadotam acaba por prorrogá-las. Qualpolítico quer se expor à impopularida-de de suspender um benefício? Ao con-trário, as cotas costumam ser amplia-das para beneficiar outros grupos emdesvantagem (leia: mais votos). Quan-do a Índia adotou a ação afirmativa,em 1949, foi determinado um prazo de10 anos. A reserva está até hoje em vi-gor. O motivo?Cotas não custam nada ao governo. Eainda dão aos políticos a chance de se

gabarem por promover o avanço racial.Quem não quer uma mamata dessas?

Dá certo?

Então o país decidiu que, sim, é preci-so aumentar a presença de negros nasuniversidades. Mas como fazer isso?Como determinar quem é negro emum país miscigenado como o Brasil?E, mais importante, como garantir queum empurrãozinho simples - o direitode cursar a universidade - resulte anosmais tarde em melhores empregos, me-lhores salários e menos desigualdade?Estudos da Universidade de Brasília,uma das primeiras a admitir alunos viacotas no país, mostram que esses estu-dantes têm rendimento acadêmico se-melhante aos demais. E, para os dire-tores da universidade, a questão do es-tigma parece não existir - apesar domisterioso incêndio no dormitório dosestudantes negros em março. “Aqui,não se observam atos discriminatórioscontra os cotistas”, diz Jaques Jesus, di-retor da Assessoria de Diversidade eApoio aos Cotistas.O mesmo acontece na UERJ, que re-serva 20% das vagas para alunos darede pública, 20% para negros e 5%para portadores de deficiência. Uma pes-quisa interna mostrou que o desempe-nho dos alunos aprovados pelo sistemade cotas só ficava aquém na área de tec-nologia. Mas, apesar de as pesquisas in-dicarem que tudo vai bem na UERJ,há um dado que preocupa: o númerode candidatos que se inscreve para con-correr às vagas por cotas cai ano a ano.Pablo Gentili, do Laboratório de Polí-ticas da Cor da UERJ, diz que os per-calços econômicos são o principal mo-tivo de desânimo dos cotistas. Os cus-tos de transporte e livros e a necessi-dade de trabalhar em período integral

Page 35: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 35

educação

para ajudar no orçamento familiar sãograndes obstáculos para esses alunos.Assim, o acesso à vaga não se trans-forma em acesso à informação.Enquanto o número de cotistas dimi-nui no Rio a quantidade de universitá-rios negros e pardos no Brasil só cres-ce. Entre os anos 2000 e 2005, a pre-sença deles nas universidades subiu de18% para 30%. Na avaliação da Secre-taria de Políticas de Promoção da Igual-dade Racial, do governo federal, entreos principais motivos desse aumentoestá a adoção de políticas afirmativas.Se for mantido o ritmo atual, diz a se-cretaria, a desigualdade no acesso àeducação superior entre negros e bran-cos no Brasil pode praticamente aca-bar em 15 anos. E há ainda o exemplodo exterior. Muitos países estão ten-tando gerar inclusão sem uma reservafixa de vagas. Os EUA, por exemplo,abandonaram esse sistema em 1978,quando a Suprema Corte o julgou in-constitucional. Hoje, a raça é um fatorlegítimo no julgamento dos processosde admissão, mas não pode ser o úni-co. “Levamos em conta um conjuntode dados, como desempenho escolar,história de vida, condição econômicae lugar de origem”, diz Mark Fancher,advogado do Projeto de Justiça Racialda Universidade de Michigan.Os EUA até permitem que pessoasmenos preparadas sejam aceitas nasuniversidades, mas com o intuito depromover a diversidade no campus.Nesse sentido, um branco criado nocaipira Alabama tem tanto potencialquanto um negro de Nova York.A África do Sul seguiu por outro cami-nho. O país onde foi criado o apartheiddecidiu não adotar cotas universitárias.E está conseguindo resolver o proble-ma da desigualdade. Para isso, governo

e instituições de ensino fazem um es-forço conjunto. Segundo Patrick Fish,da organização Educação Melhor paraa África do Sul, o plano nacional exigeque as instituições tomem medidas paraaumentar o número de alunos negros.“Mas a tarefa fica a cargo das universi-dades, não é imposta por uma lei”, dizFish. Para responder ao chamado, as ins-tituições de ensino criaram cursos pre-paratórios que ajudam o aluno a supriros requisitos da educação superior. Ogoverno, por sua vez, gastou US$ 166milhões em um programa de bolsas uni-versitárias que beneficia 100 000 jovenspor ano. Em 1994, negros formavam47% do corpo estudantil. Em 2006,71%. O exemplo sul-africano é anima-

dor. Mostra que as universidades são uminstrumento eficaz no combate à desi-gualdade racial. Mas também guarda umalerta: a jornada contra o racismo é lon-ga, custa caro e, principalmente, nãopode ser vencida por decreto.

Nos EUA a coisa é simples: negrosquase só fazem filhos com negros ebrancos, com brancos. Mas como sa-ber quem é quem num país como oBrasil, que instituiu o mulato como cornacional e onde japonês dorme comitaliana, branca com negro e negra comíndio? Segundo pesquisa do geneticistaSérgio Pena, 87% da população brasi-leira tem pelo menos 10% de ancestra-lidade africana. Os números da pesqui-sa mostram ainda que são 77 milhõesos brasileiros que têm pelo menos 90%de ancestralidade africana, aqueles queapresentam traços físicos bem carac-terísticos dos nativos daquele continen-te. “A discriminação contra os negrosocorre de acordo com o fenótipo, enão pelo genótipo. Quanto mais ca-racterísticas afro a pessoa possui, mai-or é o grau de discriminação.Os policiais sabem muito bem discri-minar, assim como os departamentos

Quem é negro no Brasil?

de recrutamento e seleção das empre-sas”, diz frei David. Apesar disso, as“fraudes raciais” com o objetivo de seaproveitar do benefício são comunsno Brasil.A UnB instituiu uma comissão para jul-gar se a autodeclaração é verdadeira.Os integrantes da banca, cujos nomesnão são revelados, dão uma bela olhadana foto do candidato. Decidem assim,no olho (como os policiais e os recruta-dores), quem é negro e quem não é.O tribunal racial da UnB recebeu umachuva de críticas. A Academia Brasi-leira de Ciências, por exemplo, afir-mou que o preconceito racial no paísnão deve ser enfrentado com critéri-os destituídos de qualquer base cien-tífica. Em 2005, nada menos que 48%dos candidatos inscritos tiveram suasfotos rejeitadas e foram impedidospela banca de concorrer a uma vagapelo sistema de cotas.

!

Para saber mais

Não Somos RacistasAli Kamel, Nova Fronteira, 2006.

Ação Afirmativa ao Redor do MundoThomas Sowell, UniverCidade.

www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/detalheobraform.do? select_action

=&co_obra=5216Link para download do livro Educação e

Ações Afirmativas.

Page 36: afirmativa20

educação

36 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mbienteantegrali Por: Milú Villela, Presidente do Faça Parte - Instituto Brasil

Voluntário, Embaixadora da Boa Vontade da Unesco

Embora a cobertura da imprensa te-nha sido tímida, a Câmara dos Depu-tados ensaiou nos últimos dias levar avotação projeto de lei que insere a ma-téria de meio ambiente no currículo dasescolas de ensino médio e fundamen-tal. A iniciativa merece aplausos e re-quer vontade política e energia para serlevada a cabo. De fato, a formação in-telectual formal hoje requer o conhe-cimento das questões ambientais. Con-ter o estágio de degradação do meioambiente a que chegamos e estabele-cer um pacto social para resguardar osrecursos naturais que são essenciaispara a coletividade exigirá um nível ra-

zoável de compreensão do problema euma predisposição para mudanças dehábitos cotidianos.No ambiente da escola, sem dúvida al-guma, é possível lançar as primeiras se-mentes de uma transformação cultu-ral. Explicar desde cedo às crianças eaos jovens o impacto ambiental de cadainiciativa individual ou coletiva é umprimeiro passo para reverter o caos emque estamos enveredados.Basta percorrer as ruas de qualquergrande cidade brasileira para perceberque ainda não absorvemos princípiosbásicos de responsabilidade ambientalem nosso dia-a-dia. Dos bairros no-

bres aos menos favorecidos, é costu-meiro ver lixo entupindo bueiros e in-festando os canteiros de parques,córregos e rios, alimentando o cicloda poluição urbana.Não é preciso andar muito para obser-var que é absolutamente incompatívelcom os tempos atuais o volume de des-carte irresponsável de materiais quepotencialmente poderiam passar porprocessos de reciclagem. Também nãoé preciso muito esforço para constatarque gastamos água e energia de formapouco responsável. Uma espiada emnosso cotidiano é suficiente para consta-tar o descaso com recursos estratégicos.

Page 37: afirmativa20

educação

Milú Villela

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 37

Reverter esse quadro exige compreen-são dos fatos. Exige uma avaliação ra-cional, um processo de esclarecimen-to contínuo, consistente, amparado noinstrumental socioeducativo. Experi-mentando, ouvindo e tomando conta-to com a realidade por meio de umsuporte pedagógico adequado, os cida-dãos do futuro podem emergir maisconscientes de suas responsabilidadesdiante do meio em que vivem.A transformação tem que ser contí-nua, e o esclarecimento escolar nãodeve ter como objetivo apenas mudarcondutas mas também desenvolver oespírito crítico dos alunos para que,mais adiante, eles possam fazer esco-lhas e cobrar das empresas e gover-nos as atitudes que lhes foram ensi-nadas em sala de aula.O ensino das questões ambientais temlugar próprio na nova escola que pre-cisamos construir. É matéria tão fun-damental quanto a ética, que devería-mos tornar obrigatória se quisermosmudar o quadro de baixo apego aosinteresses coletivos que verificamos naatualidade. Não é preciso buscar socor-ro nos negros indicadores ambientaispara justificar a pretensão de ver o es-tudo do meio ambiente convertido emprograma específico nas escolas. Osdados já estão expostos de forma con-tundente o suficiente para sensibilizarqualquer um que tenha juízo e preocu-pação com o futuro.Se cada um dos brasileiros sair da es-cola sabendo que se deve preservarmatas ciliares para garantir a subsis-tência dos rios, se cada um dos nos-sos jovens ingressar na vida adultaconsciente de que não deve jogar lixonas ruas, que não deve desperdiçar águae que deve economizar energia, se cadaum de nós perceber que pode adotar

novas condutas e que essa mudançapode gerar resultados para todos, entãoteremos dado um salto fantástico paracombater esse que se converteu numdos piores problemas da atualidade.O Brasil é o gestor de uma das maispromissoras idéias no campo da ener-gia limpa. O álcool brasileiro vive hojeseus dias de glória e já assume ares depromessa para substituir os combustí-veis fósseis, que há anos consomem ascamadas protetoras da atmosfera.

Poderíamos dar o exemplo também nocampo da formação. Introduzir o en-sino do meio ambiente na grade esco-lar pode resultar na formação de gera-ções inteiras preparadas para viver nummundo pautado pelo conceito dasustentabilidade. A idéia aventada naCâmara dos Deputados é salutar epode fazer diferença. Chegou o mo-mento de abraçarmos a idéia do “am-biente integral”. !

Foto

: D

ivul

gaçã

o

Page 38: afirmativa20

38 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

em casa

déiasi para sepensarPor: Antonio Penteado Mendonça, Membro da Academia Paulista de Letras

Desde quando estudava na USP eu mepergunto por que a universidade deve-ria ser de graça. Mesmo pertencendoao Estado de São Paulo, não havia,como não há, razão para alunos comcapacidade de pagar serem isentos des-ta obrigação. Afinal, estão tendo o me-lhor ensino do país e a imensa maioriavem de famílias da classe média, depoisde cursarem caras escolas particulares ecursinhos mais caros ainda, que fazema diferença na hora do vestibular.Anos depois eu descobri que minhaposição não era inédita e que eu estavana companhia do professor MiguelReale, que também, como vários ou-

tros, achava que alunos com condiçõesde arcarem com as mensalidades de-veriam fazê-lo.Assim, por que não retomar o tema,explicando melhor minha idéia? Comcerteza existem outras melhores, mas elapode servir de ponto de partida para umadiscussão que vai além do direito ou nãode um grupo privilegiado ser mais privi-legiado ainda, cursando as melhores uni-versidades do país de graça, mantidaspelos impostos pagos pela população.O problema brasileiro se chama desi-gualdade social. Por conta dela estamosinclusive criando um racismo sem sen-tido e que nunca existiu da forma como

vem sendo colocado. Não há famíliabrasileira com mais de seis gerações queem algum momento não tenha mistu-ra de sangue europeu, indígena ou ne-gro, sendo que os europeus poderiamter ainda sangue judeu e árabe e os in-dígenas e negros poderiam variar de gru-po étnico, o que lhes daria origem com-pletamente diferente uns dos outros.Como em São Paulo, a partir da segun-da metade do século 19, teve início oprocesso da vinda de imigrantes dosmais diversos cantos do mundo, atual-mente, a miscigenação das raças é umarealidade, sendo minoria quem provarque não tem algum sangue misturado.

Page 39: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 39

educação

Antonio Penteado Mendonça

Para embasar esta afirmação basta lem-brar que em 1870 a cidade de São Pau-lo não tinha 30 mil habitantes, contraos mais de 10 milhões de hoje. Comoeste crescimento se deu, senão atravésda união dos paulistas originais, todospelo menos mestiços de índios, comos imigrantes?Pretender dar caráter racial ao proble-ma da desigualdade social é limitar emmuito o complexo e maravilhoso uni-verso populacional brasileiro. Nós te-mos um dos sistemas sociais com mai-or mobilidade no mundo. E isto expli-ca a eleição do presidente Lula, ao con-trário do que pensam, há muito tempo

membro de uma elite diferenciada, queeram os operários especializados doABC. Não fosse ele torneiro mecâni-co, dificilmente faria sua carreira.E ele se tornou torneiro mecânicoporque teve o privilégio de cursar umsistema de escolas profissionalizan-tes que até hoje presta os mais rele-vantes serviços para a qualificação damão-de-obra nacional, mas ainda parauma minoria.As universidades estaduais paulistasforam criadas para formar uma elitequalificada tanto para a liderança polí-tica, como para o desenvolvimentosocioeconômico da nação. E, apesar de

estarmos longe do ideal, é possível di-zer que estas metas têm sido alcança-das, o que explica a diferença entre amentalidade paulista e boa parte doBrasil. Aqui se recompensa o mérito,o trabalho e a capacidade individualem detrimento de outros atributos,como raça, sobrenome ou origem. Ésó olhar a rapidez com que as fortu-nas são feitas e quem as faz para nãose ter dúvida. E a regra vale para to-das as áreas da atividade humana, in-clusive a intelectual.Diante desta realidade, será que nãoseria muito mais produtivo para o Es-tado e mais justo para a população co-brar dos alunos que podem pagar seuscursos nas universidades estaduais?O dinheiro arrecadado teria destinaçãocerta: seria aplicado num fundo paraconcessão de bolsas de estudo para alu-nos sem condições de custear seus cur-sos universitários, escolhidos por mé-rito e capacidade, através de um rigo-roso processo de seleção feito pelaspróprias universidades.Mas este dinheiro não seria aplicadoa fundo perdido, como uma espéciede indenização - ou expiação de culpa- pelas mazelas sociais brasileiras.Concluído o curso, o bolsista teria aobrigação de reembolsar o Estado,seja em trabalho obrigatório durantealguns anos, seja devolvendo o preçodo curso em mensalidades facilitadasdurante os primeiros 10 anos depoisde formado.Este sistema permitiria o crescimen-to constante do fundo para bolsas deestudo, aumentando as vagas para osalunos carentes nas universidades es-taduais. Com ele, o mérito seria privi-legiado, diminuindo, de forma inteli-gente e não com cotas demagógicas, adesigualdade social. !

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 40: afirmativa20
Page 41: afirmativa20
Page 42: afirmativa20

42 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

educação

a forçada

nipalmaresPrestes a formar a primeira turma desua história, em Administração, a Uni-palmares conseguiu uma grande vitó-ria no final do último semestre: a auto-rização do MEC para o curso de Di-reito, que já inicia vitorioso, pois con-tou também com o aval da Ordem dosAdvogados do Brasil, que recomendoueste único curso a ser criado na cidadede São Paulo neste período. “A pro-posta é inovadora, e possui um proje-to diferenciado, o que justifica sua cri-ação”, manifestou a OAB Brasil, quedefende o critério da necessidade soci-al do curso para a abertura de novasclasses de ensino em Direito.Com essa autorização e recomendaçãomais do que gabaritada, a Unipalmaresrealizou em julho, o primeiro proces-so seletivo para o curso de Direito, com200 vagas. Assim, passa a atender 2.000alunos até o final de 2007. Para 2008

irá ministrar os cursos de Tecnologiaem Análise e Desenvolvimento de Sis-temas de Informação, Tecnologia deTransporte e Comunicação (Rádio eTV), este último em parceria com aRede Mundial de Televisão.O trabalho desenvolvido pela Unipal-mares em sala de aula, aliado ao núme-ro de alunos, são provas mais do queconcretas de que a instituição está nocaminho certo e a passos largos con-tribui para diminuir as diferenças soci-ais que excluem boa parte da popula-ção brasileira.Participantes desse projeto, a primeirada turma do curso de Administraçãojá está em ritmo de festa. Há dias pro-moveu uma grande festa de lançamen-to da formatura, que reuniu artistas eprofessores e cuja cerimônia no finaldo ano será realizada pela Dorana For-te, especializada em formaturas. E

motivos não faltam para comemora-ções: Serão 160 alunos formandos, sen-do 140 afro-descendentes auto-decla-rados. Nunca houve, no Brasil, umaformatura com tanto número de alu-nos dessa etnia. Outro motivo paracomemorar: 75% dos alunos já atuamcomo estagiários trainees.Quando foi criada em 2003 pela ONGAfrobras – Sociedade Afro Brasileirade Desenvolvimento Sócio Cultural,que já atuava com o projeto “MaisNegros na Universidade”, através doqual 350 bolsistas negros estudavamem 10 instituições do estado de SãoPaulo, que ignorou a polêmica em tor-no do sistema de cotas para negros nasuniversidades públicas brasileiras, aprimeira faculdade da América Latinadirigida por negros e para a inclusãodos negros no ensino superior, a Uni-palmares preencheu uma lacuna exis-

u

Page 43: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 43

educação

Alguns alunos da primeira turma do curso de Administração

tente no País – um espaço para a disse-minação do conhecimento, da culturanum ambiente de diversidade e deequalização de oportunidades sociaisda população negra e das classes brasi-leiras de menor poder aquisitivo.“Queremos não só que os negros in-gressem nessa instituição, mas que tam-bém tenham condições de permanecerno curso. Em São Paulo, apenas 1,3 %dos estudantes universitários é compos-ta de negros. No Brasil, esse número éde 2,3 %”, ressaltou José Vicente, reitorda instituição, naquela oportunidade.Esses percentuais têm um peso aindamaior frente aos dados do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE)que identificam 46% da população bra-sileira composta por negros e pardos.Um prédio de menos de um mil m²abrigou a primeira turma de alunos, em2004, para o curso de Administraçãoem quatro especializações (Administra-ção Geral, Financeira, Comércio Ex-terior e Serviços e Comércio Eletrôni-co). Duzentas inscrições foram dispo-nibilizadas com uma reserva de 50%das vagas para alunos negros (sistemade cotas semelhante ao modelo implan-tado pela Universidade Estadual do Riode Janeiro, que separa 40% do total devagas para estudantes autodeclaradosnegros) e mensalidade de R$ 260,00,menos de um salário mínimo, fato pos-sível em função do formato operacio-nal – um pool de parcerias públicas eprivadas. Destaca-se que o valor per-manece inalterado durante esses qua-tro anos de curso, até porque a univer-sidade tem caráter comunitário e, porconseguinte, sem fins lucrativos.

Adoção de salas de aula

O número de jovens que busca na ins-tituição a oportunidade de estudar cres-

ceu e muito, de tal modo que em mar-ço de 2007 foi inaugurado o novo cam-pus em uma área total de 15 mil m2 naregião Oeste da Capital, perto das ime-diações do metrô Barra Funda. O es-paço abriga com maior conforto e co-modidade os 2.000 alunos, permitindomodelos de aulas dirigidas ao empre-endedorismo, com estandes de empre-sas juniores como lojas, salão de esté-tica afro-étnico, quadras de esportes,sala de ginástica etc.Para este semestre, “introduzimos paraos alunos do 8º semestre, que é o 4ºano, as disciplinas ‘Técnicas de Negoci-ação’ e ‘Técnicas de Criatividade’. A pri-meira faz com que os alunos aprendama negociar, por exemplo, desde o salá-rio e o valor do carro até o custo de umpé de alface vendido na feira. Isto é im-portante porque não temos a cultura denegociação, como os árabes. A segundaestimula o aluno a se destacar não sópelo conhecimento, mas também pelacriatividade que ele apresenta”, afirma

o professor Luiz Carlos Stolf, coorde-nador do curso de Administração.“Objetivamos formar competênciaspara conquistarem o mercado de tra-balho”, completa a professora CristinaJorge, diretora de Graduação, ressaltan-do, ainda, que eles recebem aulas deinglês, integrantes da grade de ensino,ministradas com recursos e professo-res da Associação Alumni, uma dasempresas parceiras.Em outra parceria, desta vez com aFundação Bradesco, foi possível a ins-talação de dois centros de inclusão di-gital, com parte dos equipamentos emBraile, que incrementam a prática doensino presencial e permitem a imple-mentação do ensino a distância.Este novo espaço conta com o apoiode alguns parceiros que acreditam noProjeto Unipalmares, tais como o Ban-co Itaú, Unip, Bradesco, Santander,Citibank, Safra e HSBC, que “adota-ram” salas de aula e poderão exibir suasmarcas no local. !

Page 44: afirmativa20

mercado de trabalho

Por: Ana Luíza Biazeto, especial para a Afirmativa Plural

Page 45: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 45

mercado de trabalho

Ana Lúcia, RH do Real ABN AMRO

Victor Bispo dos Santos

Eu fui o último a

ser chamado e

o primeiro a ser

efetivado. Agora

eu acredito que

os últimos

serão mesmo

os primeiros.

O programa de parceria desenvol-vido pela Unipalmares para inclusãodo afrodescendente nas maiores ins-tituições financeiras do Brasil, comoexecutivos juniores desde seu inícioem 2004, é um sucesso comprova-do e já dá frutos com a efetivaçãode muitos estagiários e com a pro-pagação para outros estados e mu-nicípios brasileiros.De acordo com o reitor da Unipalma-res, José Vicente, a finalidade de fazerparcerias com os bancos e desenvol-ver projetos de inserção do negro nes-tas instituições era “abrir os olhos” eapontar que neste segmento o negronão era encontrado. “Isto sempre foipara o negro em geral, não só os daUnipalmares e Afrobras, mas sim detodo o país”, explica. “Foi necessárioum aprendizado para que este temachegasse a outras capitais”, diz ele, queincentivou o início dos projetos e alevá-los a outras cidades brasileiras.Dos cerca de 1400 alunos da Unipal-mares do primeiro semestre deste ano,85% deles estão no mercado de tra-

balho. Parte expressiva destes está nasmaiores instituições financeiras doBrasil, que são parceiras da universi-dade pioneira em desenvolver proje-tos de inserção e capacitação do ne-gro para ocupar cargos executivos,inicialmente nos bancos e que se es-tende para empresas de outros seto-res da economia.A frase que mais se repete quando o

assunto é a inserção do negro no mer-cado de trabalho é: “Basta que se dê aoportunidade”, pois que a teoria émesmo comprovada. Em levanta-mento realizado pela Afirmativa ,constataram-se ótimos resultados eaproveitamento dos alunos da Uni-palmares que estagiam nos bancosReal, Itaú, Bradesco, Citibank, HSBCe Santander-Banespa.

Page 46: afirmativa20

46 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

Natacha Núncio, Superintendente da área de cartões do Real ABN AMRO

Washington de Paula Silva

Um é pouco, doistambém.

Vinte é porque sãobons demais!

O Programa Executivo Júniordo Banco Real ABN AMRO ini-ciado com a Unipalmares e emparceria com a Fundação Getú-lio Vargas – FGV para o cursode aperfeiçoamento, iniciadoem agosto de 2006, com 50 alu-nos afrodescendentes da Uni-palmares, foi estendido paramais 25 estagiários afrodescen-dentes que já atuavam no ban-co e estudavam em outras uni-versidades do País, entrou emépoca de “boa safra”. Em me-nos de um ano de atuação, oitoalunos da Unipalmares já saíramdo cargo anterior e tornaram-se funcionários do banco nasáreas técnicas e administrativase mais 12 das demais institui-ções de ensino que participamdo programa.A analista de Recursos Humanosdo Banco Real, Ana Lúcia Maga-lhães, explica que, mesmo efeti-vados, os participantes permane-cem no Programa ExecutivoJúnior. “Somente ao término dosdois anos de curso é que recebemo Certificado de Aperfeiçoamen-to da FGV”, diz.Victor Bispo dos Santos, 23 anos,aluno do terceiro ano de Admi-nistração da Unipalmares, subge-rente da agência do prédio sededo Real, na Avenida Paulista, emSão Paulo, foi o primeiro a serefetivado no banco, no último dia12 de junho. Antes de saber daaprovação no processo seletivo

do banco, Santos presenciou, an-gustiado, alguns amigos sendoconvocados, um a um. “Eu fui oúltimo a ser chamado e o primei-ro a ser efetivado. Agora eu acre-dito que os últimos serão mes-mo os primeiros”, brinca. A im-portância de ser bem-sucedidona carreira é também uma res-ponsabilidade em benefício dafamília. “Um mês antes de en-trar no banco, soube que seriapai. Hoje, a minha filha é a maisbeneficiada pela estabilidade domeu trabalho”, conta Santos.Para alcançar as próximas etapasprofissionais, ele afirma que océu é o limite. “Sou subgerentena maior agência do país e vouem frente. Quero a gerência, asuperintendência e todos os car-gos que puder alcançar”, dizSantos que acredita em cresci-mento ilimitado.O analista de operações júniorWashington de Paula da Silva, 24anos, no segundo ano de Admi-nistração na Unipalmares, quefoi efetivado no dia 2 de julho, éoutro participante do ProgramaExecutivo Júnior do Banco Real.“Tornar-me funcionário foi umpasso para que eu acreditasseainda mais em mim. Ao términoda faculdade, vou fazer especia-lizações, aperfeiçoar-me sempre,para ser promovido quantas ve-zes forem possíveis.”Silva concebe a Unipalmarescomo um marco especial na suacarreira. “Da mesma forma quea universidade me proporcionouesta chance de estar no meu es-tágio, espero que muitos tambémusufruam daquilo que ela me ofe-rece. Sempre indico a Unipalma-

Page 47: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 47

mercado de trabalho

Renata Aloá Oliveira

Marcele Correia, Recrutamento e Seleção do Itaú

res aos meus amigos. O último deles,colega de trabalho que quer estudar, jáse interessou pelo que a faculdade ofe-rece e vai prestar o vestibular”, explica.A superintendente da área de cartõesdo Banco Real ABN AMRO, NatachaNúncio, acompanha o estágio de Re-nata Aloá Oliveira, 21 anos, terceiroano de Administração na Unipalmares,desde o início do programa.“Sento com a Renata pra conversar acada dois meses. Leio seus trabalhos,as revistas e outros materiais interes-santes para a área que ela traz. Acom-panho as notas dentro do programa daFGV, vejo o que ela mais gostou deaprender”, relata Natacha.O empenho é mútuo. Renata diz queos aprendizados que recebem no pro-grama são fundamentais para o mer-cado de trabalho. “Aprendo uma visãode negócios, valores para o banco, paramim e para sociedade.”Para Renata, dificilmente esta vaga deestágio seria acessível, caso cursasseoutra universidade. “A minha universi-dade tem uma preocupação específica,que é preparar o negro para o merca-

do de trabalho. Poderia ter uma opor-tunidade, mas não ‘a’ oportunidade,como esta que tenho hoje”, afirma.Natacha destaca que, mesmo sem ex-periência profissional anterior, trabalharcom Renata é positivo, pois a predispo-sição para o aprendizado é grande, alémda facilidade em formá-la com o perfilda instituição. “Ela não complica tantona hora de avaliar as tarefas, na formade proceder. Fala e se posiciona muitobem e é comprometida com a entregade trabalhos”. E para a ansiedade da es-tagiária, Natacha revela que “certamen-te ela será efetivada no final deste anoou no inicio de 2008”.Como resultado do sucesso do proje-to pioneiro da Unipalmares, em SãoPaulo, o programa já atua também naFaculdade Associada Brasil e na Asso-ciação Itaquerense de Ensino. Na ci-dade do Rio de Janeiro, nas instituiçõesFaculdades Integradas Simonsen,UniCARIOCA, Centro Universitárioda Cidade - Campus Bonsucesso, Uni-versidade Celso Lisboa, UniversidadeEstácio de Sá, Faculdades Integradasde Jacarepaguá, Faculdade Cenecista de

Itaboraí. Em Cabo Frio – RJ, cerca de160 quilômetros da capital, na Facul-dade da Região dos Lagos. Em Olinda– PE, a seis quilômetros de Recife, naFundação de Ensino Superior de Olinda– Funeso. E em Apucarana – PR, cercade 370 quilômetros de Curitiba, na Fa-culdade Estadual de Ciências Econômi-cas de Apucarana – FECEA.Para ampliar ainda mais o programaque visa aumentar o número de pro-fissionais negros na organização e nomercado de trabalho, segundo a ana-lista de RH Ana Lúcia, “há preten-são de ampliar o programa para ou-tras faculdades, estados e em núme-ro de estagiários”.

Outras efetivações à vista.E em massa!

O Banco Itaú, primeiro a assinar coma Unipalmares o programa de inclusãoe desenvolvimento pessoal e profissi-onal de estudantes afrodescendentes,tem 90 estagiários em monitoramento,de turmas de 2005, 2006 e 2007.No primeiro ano do programa, eram21 alunos da Unipalmares. Em 2006,devido ao sucesso obtido, entraram

Page 48: afirmativa20

48 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

Ana Paula Rocha Silva

Planejei entrar

na faculdade

para trocar de

programa,

usufruir outros

aprendizados e

progredir ainda

mais.

Sammer Laisa Santos

Para chegar até

aqui, passamos

por um

processo

seletivo concorrido

e quem

passou mostrou

competência.

mais 25 da Unipalmares e cin-co da Universidade São Francis-co – dos frades franciscanos, lo-calizada no Pari, em São Paulo.Em julho deste ano, mais 15 alu-nos da Unipalmares entraram noItaú e, devido ao sucesso do pro-jeto, o programa já alcança ou-tras universidades de São Paulo(Universidade Paulista, CentroUniversitário Assunção – UniFAIe Universidade Metodista de SãoPaulo) e se estendeu para as prin-cipais capitais brasileiras: Salva-dor (Universidade Federal daBahia), Rio de Janeiro (Universi-dade do Estado do Rio de Janei-ro), Brasília (Universidade deBrasília e Faculdade Michelange-lo) e Belo Horizonte (Universi-dade Federal de Minas Gerais ePitágoras Sistema de EducaçãoSuperior Sociedade Ltda.).No Itaú, os profissionais realizamao longo de três anos de estágioum curso de extensão universitá-ria ministrado pelo Centro dePesquisa, Desenvolvimento eEducação Continuada da Uni-camp (CPDEC), no qual passam

por 360 horas de treinamento noprimeiro ano, 180 no segundo, 42no terceiro.

Ao término do primeiro ano, osestagiários recebem o certifica-do da Unicamp “Formação deExecutivo Júnior”. No dia 1º deagosto, a segunda turma, destavez a de 2006, recebeu o diplo-ma, em solenidade de formatu-ra no Itaú Cultural.

De acordo com a gerente de Re-crutamento e Seleção e gestorado Programa de Capacitação deAfrodescendentes do Itaú, Mar-cele Correia, as competênciascomportamentais dos estagiári-os do programa e dos demais,geralmente procedentes de uni-versidades federais, são iguais.“No entanto, o comprometi-mento dos estagiários do progra-ma é muito grande. Mesmo coma graduação, o curso da Unicampe o trabalho no banco, eles dãoconta de tudo.”

A estagiária Ana Paula Rocha daSilva, 18 anos, que faz o primeiroano da Faculdade de Administra-

Page 49: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 49

mercado de trabalho

ção na Unipalmares e do estágiono Itaú, gerida por Marcele, jáparticipava de outro programa dobanco desde 2005 – ProgramaAdolescente Aprendiz. “Comotrabalhava na área de recursos hu-manos, sabia o que era o Progra-ma de Capacitação de Afrodes-cendentes. Planejei entrar na fa-culdade para trocar de programa,usufruir outros aprendizados eprogredir ainda mais”, conta.Ana Paula evidencia o momentono qual se encontra como “umanova vida, com aprendizados efunções agregados pelo conjun-to Unipalmares - Itaú”.O programa traz ainda sentido denotoriedade. “Participar e se des-tacar neste programa é importan-te, porque algumas empresas ain-da não vêem o negro como ‘coi-sa boa’. Para chegar até aqui, pas-samos por um processo seletivoconcorrido e quem passou mos-trou competência”, diz a estagiá-ria que cursa o primeiro ano doPrograma de Capacitação deAfrodescendentes, Sammer LaisaSantos, 23 anos, estudante do se-gundo ano de Direito da Univer-sidade São Francisco.Para o superintendente do setorJurídico-Trabalhista e Previdenci-ário e gestor de Sammer, PauloAquino, o jovem que está nestetipo de programa está apto a com-petir. “Nós vamos tirar destes gru-pos executivos que vão ocupar po-sições. Aí, sim, vamos ver o negronuma disputa de iguais”. Frisa ain-da que o Itaú não está fazendofavor a ninguém, pois “dar opor-tunidade não é caridade, é negó-cio. Haverá um retorno financei-

ro aos envolvidos, tanto à empre-sa, quanto aos profissionais”.Marcele alerta que quando se falaem diversidade, só inclusão nãobasta. “Caso haja dificuldades nes-tes estagiários, normalmenteoriundos de escola estadual, ondesabemos que o ensino deixa a de-sejar, é preciso trabalhar em cimadisso, dar qualificação”, explica.Qualificação feita, profissionalpreparado. Marcele, para legiti-mar que o afrodescendente coma devida oportunidade vai alémdos setores onde é comumentevisto, dá uma ótima notícia: “To-dos os 21 alunos da Unipalma-res, que ingressaram no banco em2005 e se formam em Adminis-tração de Empresas no fim desteano, serão contratados nas áreasem que já atuam.”

Em busca do Brasil

O Bradesco, instituição que temno Programa Unipalmares 74 alu-nos da universidade, de turmas de

Paulo Aquino, Superintendente Jurídico do Itaú

Milton Matsumoto, Diretor-executivo do Bradesco

O processo está

em andamento.

Com a ajuda da

Afrobras e

Unipalmares

vamos identificar

as instituições de

ensino superior

que seguem o

programa.

Page 50: afirmativa20

50 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

Douglas Rodrigues do Santos

A possibilidade

de caminhar

pelas diversas

áreas do banco

proporciona uma

visão macro da

atividade

empresarial.

“Júlio Alves Marques, Superintende da área de Treinamento do Bradesco

2005, 2006 e 2007, também apos-ta na ampliação do projeto e querabranger outros estados.De acordo com José Vicente, aexpansão dos projetos de inser-ção dos negros nas instituições fi-nanceiras ocorre devido à percep-ção adquirida pelos bancos par-ceiros de que a prática de inclu-são é importante para a apresen-tação da instituição, para agregarvalor à prática empresarial, entreoutros fatores. “Existem labora-tórios nas empresas, nos quaistodos os resultados são avaliadose aqueles que têm possibilidadede sucesso vão em frente.”Segundo o diretor executivo dobanco, Milton Matsumoto, os re-sultados positivos obtidos doprograma despertam o interessede ampliar o projeto para outrosestados. “O processo está emandamento. Com a ajuda daAfrobras e Unipalmares, vamosidentificar as instituições de en-sino superior que seguem o per-fil do programa.”

Além deste trabalho, inicia-seoutro: a avaliação da primeiraturma – em meados de setem-bro – que conclui o estágio dia 6de novembro de 2007. “Daí ve-remos a possibilidade de apro-veitamento de pessoal dentro daorganização Bradesco, a partirdo desempenho de cada estagiá-rio”, explica.

O estagiário da recém-chegadaturma de 2007 do Bradesco, alu-no do primeiro ano de Adminis-tração da Unipalmares, DouglasRodrigues do Santos, 24 anos, citaa frase do palestrante Tom Coe-lho para reforçar que a boa per-

formance é inata: “Vencer não étudo na vida. Querer vencer, é.”E o triunfo é uma busca da famí-lia de Douglas. “Somos quatro ir-mãos e estudamos na Unipalma-res porque partilhamos dos mes-mos princípios que a universida-de, dentre eles a valorização dahistória do negro no Brasil, quefoi construída de forma diferentedas demais etnias do país.”No departamento de treinamento,“a possibilidade de caminhar pelasdiversas áreas do banco proporci-ona uma visão macro da atividadeempresarial”, afirma Douglas, quese sente em família no banco e queé apoiado pela efetivação desde quechegou na instituição.E quem aguarda para aplaudir estesucesso esperado é o superinten-dente executivo de Treinamento,Júlio Alves Marques, gestor deDouglas. “Neste denso programade treinamento e estágio prático,com duração de dois anos, procu-ramos aliar a parte conceitual eprática, para que ao final dos doisanos os participantes, dentre eles

Page 51: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 51

mercado de trabalho

Marina Apolinário

Rodrigo Fernandes, RH do Santander-Banespa

Esperamos trabalhar

com uma freqüência

anual do programa.

”“

o meu ‘apadrinhado’, tenham total ca-pacidade de serem efetivados aqui ouem qualquer instituição financeira.”Entre as atividades realizadas no pro-grama, há palestras de economia e trei-namentos presenciais, um deles coma Faculdade de Economia, Adminis-tração e Contabilidade da USP (FEA),e outros on-line, feitos com parceirosdo Bradesco.

Na descoberta dosprimeiros passos

O Santander Banespa tem 16 alunos noPrograma de Estágio Unipalmares, des-de maio de 2007. É a mais recente insti-tuição financeira a implantar um pro-grama em parceria com a universidade.De acordo com o superintendente de

RH, Rodrigo Fernandes, a implantaçãodo programa, que tem duração de novemeses, podendo ser prorrogado, é umprocesso de aprendizado para o bancoe diz que há a pretensão e o compro-metimento de investir no contexto dediversidade. “Neste aspecto, esperamostrabalhar com uma freqüência anual doprograma”, conta.Fernandes explica que existe uma for-mação específica para estagiários daUnipalmares. “É uma grade de forma-ção, módulos que são ministrados pordiversas instituições acadêmicas ouconsultorias, que fornecem conheci-mento técnico e individual.”

Ônix em crescimento

O Projeto Ônix, do HSBC, que come-

çou seu trabalho de inclusão do afro-descendente com a Unipalmares con-tratando 20 alunos como estagiários em2006, incorporou ao programa em ju-nho deste ano mais 20 estagiários vin-dos da Pontifícia Universidade Católi-ca do Paraná, Universidade Federal doParaná Universidade Tuiuti do Paranáe UniBRASIL, todas em Curitiba, ondese localiza a sede do banco. O estágiotem duração máxima de dois anos e,caso haja efetivação no decorrer doprojeto, o estagiário torna-se funcioná-rio e não mais participante do Ônix.A primeira efetivada do banco, MarinaApolinário, 22 anos, aluna do segundoano de Administração da Unipalmares,no dia 2 de julho segurou-se para nãopular de alegria, e de forma gratifican-te não hesitou em abraçar o chefe. “Eu

Foto

: P

aulo

Ura

s

Page 52: afirmativa20

52 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

Edna Nogueira Araújo

O meu

progresso foi

mais rápido do

que eu

imaginava.

Através de um

projeto como o

da Unipalmares,

pude entrar no

HSBC.

Ricardo Boga, Comércio Exterior do HSBC

Quem faz a

diferença é

quem aplica

na própria

carreira.

”“

parei e pensei o porquê de ser aprimeira efetivada. A conclusãoa que cheguei é que meu chefeesteve sempre próximo, dispos-to a acompanhar meu trabalho ea ajudar no que fosse necessário”,disse ela, que acredita que com oapoio dele pôde mostrar capaci-dade e potencial.E o chefe, ou treinador como elemesmo se denomina, RicardoBoga, do Departamento de Câm-bio e Comércio Exterior, enalteceque o mérito é dela. “Quem faz adiferença é quem aplica na pró-pria carreira. Percebi o nível decuriosidade dela, que tem a qua-lidade de ser impaciente e sem-pre busca conhecimentos novos.”O que levou Marina a Unipalma-res foram os projetos de inser-ção do negro na sociedade. “Ob-servava outros processos seleti-vos, no entanto a minha univer-sidade era a mais interessante ecomprometida. Com ela meidentifiquei”, expõe.Em Januária, ao norte de MinasGerais, a mais de 600 quilôme-tros de Belo Horizonte, EdnaNogueira Araújo, 25 anos, conhe-ceu a Unipalmares através de umprimo, bolsista da Afrobras. “Vim

para São Paulo em novembro de2004 com a idéia de estudar naUnipalmares”, diz ela, que hojecursa o segundo ano de Adminis-tração. “O meu progresso foimais rápido do que eu imagina-va. Através de um projeto comoo da Unipalmares, pude entrar noHSBC, uma empresa presente emgrandes países e que me dá opor-tunidade de seguir uma carreirade sucesso”, afirma Edna.Segundo o gerente de RH e Di-versidade, Mauro Raphael, aindaneste segundo semestre de 2007,o Ônix ganhará mais uma turmaem São Paulo e chegará ao Riode Janeiro e Bahia.A diretora acadêmica da Unipal-mares, Cristina Jorge, explica quea universidade também apóia osestagiários das instituições finan-ceiras com projetos específicos,

Page 53: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 53

mercado de trabalho

tais como as oficinas de Língua Portu-guesa e Matemática Financeira, o cur-so de Inglês, em parceria com a Asso-ciação Alumni, e acrescenta: “Nos la-boratórios de informática, são instruí-dos de modo a resolver problemas quesurgem no cotidiano dos bancos. Tam-bém são incentivados ao hábito da lei-tura dos principais jornais e revistas,principalmente aqueles dos segmentosem que atuam”.É imprescindível destacar o trabalhodesenvolvido pelo Núcleo de ApoioPsicológico – NAP da Unipalmares queconfere gratuitamente aos alunospsicoterapia, individual ou em grupo,fator que possibilita o crescimento pro-fissional e pessoal, desenvolvimento econquista. “O intuito é ensinar aos jo-vens como lidar com entraves emoci-onais: a angústia e ansiedade, dificul-dade de falar em público, insegurançano mercado de trabalho etc.”, explicaa coordenadora do NAP, Maria CéliaMalaquias, satisfeita com os resultadosque os alunos têm demonstrado.

Alves. Afinidades à parte, oportunida-de dada, a estagiária tornou-se funcio-nária efetiva em sete meses.

“Identifiquei que ela seria boa para mi-nha área”, frisa Marina, que valorizouo comprometimento e a determinaçãoda estagiária. Para ela, “o programa éimportante porque recebe no banco

Maria Célia

Avança, primogênita!

Dos 30 estagiários do Programa Uni-palmares do Citibank, iniciado em ou-tubro de 2006, que tem duração de umano, com a possibilidade de renovaçãopara dois, Eucilene Santos foi a esco-lhida para atuar em Recebíveis Cardpela superintendente da área, Marina

Marina Alves, Superintendente da área de Recebíveis do Citibank

O intuito é ensinar aos

jovens como lidar com

entraves emocionais:

angústia e ansiedade,

dificuldades de falar em

público, insegurança

no mercado de

trabalho e etc.

Page 54: afirmativa20

54 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

alunos de uma universidadediferente daquelas tradicio-nais, que sempre têm seus alu-nos nas grandes instituiçõesfinanceiras”.

Eucilene, a primeira a ser efeti-vada no banco, enche o pulmãoe diz: “Agora sou analista deRecebíveis.” O orgulho em des-tacar o novo cargo dá-se à de-terminação de quem quer as-cender, aos 33 anos, e à respon-sabilidade de zelar pela criaçãodo casal de filhos adolescentes.“Cursei até o terceiro ano deEconomia, mas parei porquenão estava em condições de pa-gar a mensalidade. Hoje, como salário melhor, consigo colo-car as dívidas em dia, passearcom meus filhos, reformar acasa, comprar algo que eu te-nha vontade e ainda fazer algu-ma economia.” As realizações

Eucilene Santos

não param e Eucilene, estudan-te do segundo ano de Adminis-tração da Unipalmares, querconcluir a faculdade e o cursode inglês, e fazer pós-gradua-ção em Economia.Na família da analista de Rece-bíveis, a universidade na qual es-tuda não é exclusividade dela. Omarido e a cunhada tambémdesfrutam da mesma qualidadede ensino. E o filho de 16 anos,como bom observador, tambémquer trilhar este caminho quan-do concluir o Ensino Médio eprestar vestibular para Adminis-tração, no processo seletivo daUnipalmares.O sucesso dos projetos dosbancos excedeu às expectati-vas da diretora da Unipalma-res, Cristina Jorge. “Os alunos-estagiários amadureceram etransformaram-se em jovensque serão disputados no mer-cado de trabalho”, assegura.

Os alunos-

estagiários

amadureceram e

transformaram-se

em jovens que

serão disputados

no mercado de

trabalho.

“Prof. Cristina Jorge, Diretora da Unipalmares

!

Page 55: afirmativa20
Page 56: afirmativa20

56 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

mercado de trabalho

ompetência

Formatura reúne 30 jovens executivos juniores

Crevelada

Por: Zulmira Felício, Editora

A diversidade estava presente tanto noauditório que lotou o Centro Cultu-ral Itaú, em São Paulo, na noite de 1ºde agosto de 2007, quanto pelos in-tegrantes da mesa que conduziram ostrabalhos na cerimônia de formaturada segunda turma do programa For-mação de Executivo Júnior, uma par-ceria do Banco Itaú, Unipalmares eUnicamp. Também participam desseprograma alunos da Educafro. Ocu-param a mesa dos trabalhos o prof.dr. José Tadeu Jorge, reitor da Uni-versidade Estadual de Campinas(Unicamp); José Vicente, reitor da

Universidade da Cidadania Zumbi dosPalmares (Unipalmares); FernandoTadeu Perez, diretor-executivo da áreade RH do Banco Itaú; frei DaviRaimundo dos Santos, fundador doEducação e Cidadania de Afrodescen-dentes e Carentes (Educafro) e Valé-ria Riccomini Veiga, gerente do Pro-jeto do Banco Itaú.José Vicente, reitor da Unipalmares epresidente da Sociedade Afro Brasi-leira de Desenvolvimento Sócio Cul-tural (Afrobras) ressaltou a ousadia,coragem, disposição e determinaçãodo Itaú, o primeiro parceiro da enti-

dade a abraçar o projeto de inclusãode afrodescendentes no mercado detrabalho e que hoje se estende poroutras capitais. “Em nome dos negros– paulistas e brasileiros – eu agradeçoao Itaú por esse pioneirismo”. JoséVicente aproveitou a ocasião paraenaltecer o trabalho da Unicamp, aprimeira universidade de São Paulo arealizar um projeto de ação afirmati-va, e a responsabilidade da Educafroem contribuir para a ampliação donúmero de jovens em mais de 40 ins-tituições federais de ensino que esta-beleceram o sistema de cotas.

Page 57: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 57

Gabriel MangabeiraExecutivos juniores do Itaú

“Agradecemos à Unipalmares pelaoportunidade, juntamente com o Itaú,de participar desse projeto que deve-rá servir de modelo, de exemplo”,enfatizou o prof. dr. José Tadeu Jor-ge, reitor da Unicamp, ao mesmo tem-po em que frisou os esforços desem-penhados pela Faculdade de Engenha-ria e pelo Centro de Pesquisa, Desen-volvimento e Educação Continuadada Unicamp (CPDEC) na operacio-nalização do programa de FormaçãoExecutivo Júnior.A cerimônia de formatura contrace-nou momentos de alegria dos alunosao receberem os diplomas com os de-poimentos dos integrantes da mesa.Em meio a grande emoção, frei Davinão conteve as lágrimas ao lembraraos 30 formandos da importância decontagiar outros jovens – negros ebrancos – na luta em prol de um fu-turo de mais oportunidades e lembrouque o sistema de cotas da UERJ estáprestes a vencer, sendo necessário o

empenho de todos para a sua renova-ção. Por outro lado, comemorou a ini-ciativa do Ministério Público do Riode Janeiro que irá reservar 20% desuas vagas (480 no total) de estágiopara afrodescendentes.O Programa de Capacitação de Afro-descendentes do Itaú se constitui detrês anos, sendo que no final do pri-meiro ano os alunos recebem o certifi-cado de conclusão de qualificação docurso da Unicamp, explicou ValériaRiccomini Veiga que juntamente comsua equipe e os gestores são os respon-sáveis por sua realização. Até agora, 21estagiários tomaram parte da primeiraturma, sendo que a terceira (que incluimais 20 jovens) teve início em abrildeste ano. “O Itaú está estendendo esseprograma para Belo Horizonte,Brasília, Rio de Janeiro e Salvador”, dizValéria de sua satisfação como profis-sional pelo sucesso da iniciativa, e tam-bém como pessoa. “É gratificante veras parcerias Unipalmares, Educafro e

Unicamp – uma vez que todos estãoorientados para o sentido da inclusão.”“Nós, do Itaú, temos consciência des-sa dívida para com os irmãos afrodes-cendentes que não se resolve com arapidez que merece, mas se cada umfizer um pouco, somando, vai dimi-nuir essa dívida. Entendemos que adiversidade é fundamental. Com essetrabalho estamos contribuindo para areconstrução de um novo País”, disseFernando Tadeu Perez. O diretor exe-cutivo de RH do banco ressaltou tam-bém a importância das ações de in-clusão estabelecidas pela Unipalmarese Educafro, visando parcerias com omeio empresarial. “Após o primeiroano de treinamento é possível perce-ber o aperfeiçoamento dos estagiári-os tanto no conhecimento técnicoquanto no comportamental. Tendooportunidades, a competência dessesmeninos é revelada. A sorte combi-nada com a oportunidade gera com-petência”, sentenciou. !

mercado de trabalho

Page 58: afirmativa20

58 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

esporte

discriminaçãocontra a

Por: Daniela Gomes, especial para Afirmativa Plural

no

Brasil, terceiro colocado no ranking de medalhas nos

Jogos Pan-Americanos de 2007

pódio

Page 59: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 59

esporte

Foto

: Jo

nne

Ror

iz-A

E

Gabriel Mangabeira

Os jogos Pan-americanos de 2007 fo-ram repletos de vitórias e deram aoBrasil a terceira colocação no rankingde medalhas, mas nenhuma vitória foitão significativa quanto a que derru-bou o preconceito.A diversidade subiu ao pódio em to-das as modalidades e os jogos tive-ram a cara e o nome do Brasil. Sil-vas, Pereiras, Clementinos e outrosencheram nosso país de medalhas enosso povo de orgulho ao ver a suaface refletida.Conhecido por todos como o país dofutebol, durante os mais de 15 diasem que ocorreram os jogos, o Brasil

passou a ser visto também como opaís do taekwondo, da natação, do hi-pismo e de tantos outros esportesque não recebem a mesma ênfase di-ária dos programas esportivos.No topo do nosso pódio está o pri-meiro ouro, um ouro negro conquis-tado pelo lutador de taekwondoDiogo Silva que transmite atitude eativismo ao agir e ao lutar utilizandoo espaço conquistado na mídia paraprotestar e conscientizar a populaçãonegra brasileira.Nossa prata vem para derrubar teo-rias racistas sobre o negro e sua par-ticipação na natação. Gabriel Manga-

beira conquista a prata na prova dos100 metros borboleta.A medalha de bronze chega com pi-oneirismo e luta na história de Rogé-rio Clementino, primeiro cavaleironegro do Brasil que saiu do interiordo Mato Grosso do Sul para a histó-ria do hipismo brasileiro.

A força do Pantera Negra

Década de 60, Aretha Franklin ecoa nasrádios de todo o mundo pedindo porum pouco mais de respeito no conhe-cido refrão “All I askin’ is for a littlerespect”. Longe das festas, os panterasnegras norte-americanos lutavam pe-

Page 60: afirmativa20

60 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

A diversidade

subiu ao pódio

em todas as

modalidades e os

jogos tiveram a

cara e o nome do

Brasil. Silvas,

Pereiras,

Clementinos e

outros encheram

nosso país de

medalhas.

““

los direitos da população negra naque-le país com gestos que, mal eles sabi-am, ultrapassariam gerações e frontei-ras e chegariam a um jovem brasileiroem pleno novo milênio.O primeiro ouro do Brasil teve cor enome: aos 25 anos, Diogo Silva fazquestão de aproveitar o momento deexposição que está tendo para protes-tar contra a falta de apoio ao esporteque pratica e contra a falta de oportu-nidades aos jovens negros no Brasil.A subida emocionada no pódio traz namemória outra atitude do lutador quan-do, durante os jogos olímpicos de Ate-nas, Diogo entrou no ringue com lu-vas pretas, lembrando o gesto realiza-do pelos afro-americanos TommySmith e John Carlos, em 1968. “Eusenti que o Brasil precisava de um pu-xão de orelha para olhar para as clas-ses baixas e para os esportes amadoresque estão passando por dificuldades”.Em entrevista ao programa Negros emFoco, Diogo teve oportunidade de fa-lar sobre conscientização, dificuldadese vitórias (leia matéria na página 63).Nascido em São Sebastião e criado emCampinas, Diogo iniciou sua históriacom o taekwondo quando, aos seteanos, sua mãe percebeu seu excesso deenergia e seu interesse por filmes deluta e o levou a uma academia. Aos 16anos foi medalha de bronze no cam-peonato internacional na Turquia edesde então busca o primeiro lugar emuma competição.A medalha finalmente chegou, mas nãosem luta e muito esforço, segundoDiogo, pois a preparação para os jo-gos teve início muito antes do Pan, atra-vés da participação em intercâmbios naEuropa e na Ásia, e com uma prepara-ção psicológica: “Nós sabíamos que apressão seria grande”.

Ao destacar a importância de sua vitó-ria nos jogos, o lutador afirma que ven-cer em si não foi o mais importante,mas sim servir de exemplo para o povobrasileiro. “É de extrema importânciater um representante que no seu mo-mento de vitória saiba falar das difi-culdades que o negro passa no Brasil.”

Revendo conceitos

Tentando ignorar a falta de oportuni-dades dada à população negra em ge-ral, muitas teorias são criadas para jus-tificar a ausência da imagem do negronos mais variados setores da sociedade.Assim também ocorreu no esporte. Anatação, esporte que se tornou elitiza-do pelo difícil acesso às piscinas e aosclubes, acabou se tornando um espor-

te praticado pr incipalmente por pes-soas brancas e a ausência de nadado-res negros criou uma teoria fisiológi-ca defendida até hoje por muitos.Segundo a teoria, os negros teriam umamaior densidade óssea que atrapalhariaseu desempenho nos esportes aquáticos.Mal sabiam os criadores que há poucomais de vinte anos um garotinho viriapara fazer essa teoria cair por terra.Aos dois anos de idade, GabrielMangabeira acompanhava o avô queera professor de natação quando, en-quanto ninguém esperava, acabou sejogando na piscina iniciando assim sualigação com a água e sua participaçãoem esportes aquáticos.Medalha de prata nos 100m borbole-ta, estilo que segundo entrevistas da-das pelo atleta é o seu favorito,Mangabeira tem uma trajetória de vi-tórias onde coleciona medalhas e tí-tulos nacionais e internacionais. Alémde ser um dos poucos nadadores comdestaque no Pan, já teve oportunida-de de ser recordista sul-americano econseguiu um sexto lugar nasOlímpíadas de Atenas em 2004.Em 2000, decidiu viver nos EstadosUnidos, passou a estudar administra-ção na Universidade da Flórida e alinaquele país somou dois dados impor-tantes em sua vida – conheceu a atualesposa, a nadadora alemã Marieta Uhleque também competia pela universi-dade, e foi treinado por um longo pe-ríodo por Anthony Nesty, primeironegro a conquistar uma medalha deouro em natação, nos jogos olímpi-cos de Seul em 1988.Exemplo nas piscinas é o que não fal-ta, já que no ano 2000 o baianoEdvaldo Valério ganhou destaque aose tornar o primeiro negro brasileiroa nadar em uma piscina olímpica. !

esporte

Page 61: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 61

perfil

uma história de

Por: Daniela Gomes, especial para Afirmativa Plural

A primeira medalha de ouro do Brasilnos jogos Pan-Americanos 2007 tevecor. Foi uma medalha de ouro negra,com a cara de todos os brasileiros, re-presentada na figura de Diogo Silva.Em entrevista ao programa Negros emFoco, Diogo fala mais sobre sua car-reira, militância, decepção com a faltade apoio ao taekwondo e sobre a emo-ção de subir ao pódio.Negros em Foco - O primeiro ourodo Brasil foi um ouro negro, con-quistado por um atleta negro. Queemoções isso traz para você?

Diogo Silva - Foi de extrema importân-cia, não o fato de ter sido campeão, massim o de ter um representante que noseu momento de vitória sabia falar dasdificuldades que o negro passa no Brasil.Negros em Foco - O seu gesto sim-bolizando os panteras negras duran-te os jogos olímpicos de Atenas temsido muito comentado. Como co-meçou o seu processo de conscien-tização até chegar ao ato durante asolimpíadas de Atenas?Diogo Silva - Eu morei durante dozeanos em Campinas e ali eu tomava parte

de alguns grupos sociais e grupos deconsciência negra. A partir do momen-to que comecei a participar mais des-ses grupos, passei a freqüentar lugarese conhecer pessoas que tinham umatendência política muito grande. Paraentender o que eles estavam falando,comecei a buscar mais informações emlivros, porque isso a gente não apren-de na escola. Com isso, eu estava nasclassificatórias, próximo aos jogosolímpicos de Atenas. No momento dacompetição eu já tinha em mente fazeresse protesto com a luva preta, sem

uperação

Page 62: afirmativa20

perfil

saber se seria bem visto ou não, mastinha em mente fazer isso da mesmaforma, pois senti que o Brasil precisa-va de um puxão de orelha para olharpara as classes baixas e para os espor-tes amadores que estão passando pordificuldades no País.Negros em Foco - Você poderiacitar alguns desses livros que oinfluenciaram?Diogo Silva - Eu tive como base o li-vro do Malcom X. Foi um grande co-meço na orientação dessa minha cami-nhada política; também sou grande fãde Mumia Abul Jamal – conheço todoo trajeto de vida dele – e, ainda, Nel-son Mandela foram as pessoas em queeu mais foquei.Negros em Foco - Como foi a suainfância, você teve uma vida maisprivilegiada ou teve uma vida demais dificuldade como a maioriados negros brasileiros?Diogo Silva - A minha história é de70% do nosso povo; na minha famíliaa gente teve um desequilíbrio muitogrande com o envolvimento de mui-tos no crime organizado e sofremosbastante com isso. E toda vez que euganhava uma competição a famíliatoda se animava, pois dizia: “tem umque está a salvo disso tudo”. Cada vezque eu competia mais e ganhava mais,eu conseguia tirar um da rua e hojeninguém da minha família está envol-vido com o crime. Isso é uma vitóriae eu espero fazer isso também comoutras famílias.Negros em Foco - Como o taekwon-do foi parar na sua vida?Diogo Silva - Eu sempre fui fã de fil-mes de luta e falava que eu queria fa-zer algo parecido com o que eu vianos neles. Aos sete anos de idade,minha mãe me levou a um clube e ali

eu vi minha primeira aula de tae-kwondo, quando durante uma de-monstração o professor estava que-brando telhas e eu fiquei espantado.Disse: é isso que eu quero fazer. Co-mecei a praticar com treze anos, e acompetir. Com 16 anos fui medalhade bronze mundial na Turquia. A par-tir desse momento, percebi que eu ti-nha total condição de disputar como resto do mundo em igualdade. Daícomecei a treinar mais, a me dedicarmais ao esporte.Negros em Foco - Como foi a parti-cipação do taekwondo durante o Pan?Diogo Silva - O taekwondo teve umabrilhante passagem nos jogos pan-americanos. Nós conseguimos quatromedalhas – uma de ouro, duas de pratae uma de bronze. Estamos em cons-tante evolução e agora a gente preten-de difundir um pouco mais o nossoesporte no Brasil e poder representarum pouco mais a nossa comunidadepara todo povo brasileiro.Negros em Foco - O que você achaque falta para o taekwondo chegarmais vezes ao pódio?Diogo Silva - Primeiramente, con-seguir um centro de treinamento parainvestir em categorias de base e criaruma renovação, e também para osatletas que já estão em um nível maisalto, como eu, poderem se prepararmelhor para as competições interna-cionais. Nós recebemos convites demuitos países para fazer intercâmbio,mas não temos como trazê-los parao Brasil porque não se tem um cen-tro de treinamento.Negros em Foco - Nesse início de car-reira qual foi a sua maior dificuldade?Diogo Silva - Até hoje a maior difi-culdade é a financeira. A gente até con-segue superar os adversários, mas não

consegue superar a dificuldade finan-ceira. O Brasil vem perdendo muitocom isso. Grandes atletas vêm saindodo País e se naturalizando portugue-ses ou espanhóis, competindo por ou-tras nações porque não suportam maisessa “burrocracia” que temos aqui.Eu mesmo já recebi inúmeras pro-postas para competir por outro paíse estou persistindo muito. Eu querocontinuar no Brasil porque, se um diaisso acontecer, eu vou me sentir mui-to decepcionado.Negros em Foco - Há muitas per-sonalidades negras na mídia quenão se assumem como negro e nãoaproveitam que estão em evidênciapara melhorar a vida de outras pes-soas. Você tem mesmo essa garrade querer mudar o país e essa visãoque as pessoas têm?Diogo Silva - Hoje eu tenho esse po-der de estar na mídia e posso falar.Muitas pessoas gostariam de ter essaoportunidade e não têm e muitos tême não fazem. Quando eu estava do ladode fora vendo pela TV, o que eu maisqueria ver era uma pessoa como eu ga-nhando uma medalha. Pois você sen-te que era uma pessoa que pegou ôni-bus, pegou metrô, você vê o seu re-flexo. Ao olhar os campeões do Bra-sil, vemos sobrenome alemão, francês,não tem um Silva, não tem umFerreira, um Pereira. As pessoas esta-vam precisando de um ídolo que sejarealmente igual a eles. Quando acon-teceu de eu ser campeão dos jogospan-americanos, não representou so-mente a medalha, mas sim alguém queeles podiam aplaudir, podiam chorarpor ele e que iria demonstrar na for-ma de agradecimento, de protesto, defalar realmente o que anda acontecen-do no nosso País. !

62 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Page 63: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 63

perfil

Fot

o: A

ll S

port

s P

rofe

ssio

nal M

anag

emen

t

Diogo Silva

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 63

Page 64: afirmativa20

Aos 17 anos, uma mochila nas costas e odesejo de cair no mundo. Assim RogérioClementino deixou a mãe e os irmãos nacidade de Tacuru, no Mato Grosso doSul, para procurar o seu destino. Nessajornada, o jovem conseguiu chegar atéParanavaí, no interior do Paraná, ondearranjou um trabalho de peão.Vivendo de bicos nas fazendas da re-gião, limpando baias e tratando doscavalos, aprendeu a lidar com os ani-mais. O tempo foi passando e a faltade notícias deixava a família preocupa-da, mas com a certeza de que o jovemaventureiro teria um futuro brilhante.Como qualquer outro de sua idade, en-tre um trabalho e outro, Rogério arran-java um pouco de tempo para a diver-são como sair com os amigos ou bateruma bola. E foi exatamente em um des-ses bate-bolas que Rogério Clementinoconheceu o atleta Leandro Silva.

Ao ver o empenho de Clementino, oatleta passou a lhe ensinar a domar oscavalos e depois a montar. Da parceriasurgiu o convite, por parte de Leandro,para que Rogério Clementino fosse comele trabalhar em um haras em Araçoiabada Serra, interior de São Paulo.Rogério aceitou a proposta e embar-cou com Leandro em mais uma jorna-da. Mal sabia ele que dessa vez em seucaminho estaria a sorte sorrindo emformato humano. O dono do haras emSão Paulo era ninguém menos do queo empresário José Víctor Oliva, quepercebeu o talento de Rogério no tra-to dos animais e resolveu patrociná-lo,investindo em cursos e preparos.Força de vontade, dedicação e o apoiodo empresário brasileiro trouxeram, an-tes mesmo do início dos jogos pan-americanos, o primeiro recorde brasi-leiro no Pan-Rio 2007. A batalha que

não aconteceu nas pistas, quadras ouringues, foi vencida contra o precon-ceito, quando Rogério Clementino foiconvocado para integrar a seleção bra-sileira de hipismo e marcou a históriado esporte brasileiro ao se tornar o pri-meiro cavaleiro negro a participar dosjogos pan-americanos.A família do cavaleiro em Tacuru sóteve motivos para comemorar, já que,além de ver o filho representar o Bra-sil nos jogos, teve a oportunidade demostrar aos vizinhos e amigos da ci-dade que falava a verdade ao dizer queRogério havia se tornado cavaleiro.Trilhando um caminho de vitórias,Rogério conquistou a medalha de bron-ze no adestramento por equipe duran-te os jogos e, por todas as suas con-quistas, tem sido comparado ao negroinglês Lewis Hamilton, piloto revela-ção de Fórmula 1. !

64 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

perfil

egroavaleiro

Page 65: afirmativa20

perfil

Foto

: C

onfe

dera

ção

Bra

sile

ira d

e H

ipis

mo

Rogério Clementino

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 65

Page 66: afirmativa20
Page 67: afirmativa20
Page 68: afirmativa20

68 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

comportamento

Nossos ancestrais europeus foram ne-gros durante dezenas de milhares deanos. Essa hipótese foi formulada 30anos atrás por um dos maiores geneti-cistas do século XX, Luca Cavalli-Sforza, depois de conduzir estudos ge-néticos em centenas de grupos étnicosao redor do mundo.Para enunciá-la, Cavalli-Sforza partiude evidências genéticas e paleontoló-gicas sugestivas de que nossos ances-trais devem ter chegado ao Norte daEuropa há cerca de 40 mil anos, de-pois de passar 5 milhões de anos noberço africano. Esses primeiros imi-grantes eram nômades, caçadores, co-letores, pescadores e pastores que sealimentavam predominantemente decarne. Dessa fonte, os primeiros euro-peus absorviam a vitamina D, impres-cindível para a absorção de cálcio no

intestino e a boa formação dos ossos.Nos últimos 6 mil anos, quando a agri-cultura se disseminou pelo continente,fixou o homem à terra e criou a possi-bilidade de estocar alimentos, a dieta eu-ropéia sofreu mudanças radicais. A ado-ção de uma dieta mais vegetariana trou-xe vantagens nutricionais, menor de-pendência da imprevisibilidade da caçae da pesca, aumentou a probabilidadede sobrevivência da prole, mas redu-ziu o acesso às fontes naturais de vita-mina D. Para garantir que o metabolis-mo de cálcio continuasse a suprir asexigências do esqueleto, surgiu a ne-cessidade de produzir vitamina D pormeio de um mecanismo alternativo: asíntese na pele mediada pela absorçãodas radiações ultravioleta da luz solar.De um lado, a pele negra incapaz deabsorver os raios ultravioleta na inten-

sidade que o faz a pele branca; de ou-tro, as baixas temperaturas caracterís-ticas do Norte da Europa, que obriga-ram os recém-saídos da África tropicala usar roupas que deixavam expostasapenas as mãos e o rosto, criaram for-ças seletivas para privilegiar mulherese homens de pele mais clara.Num mundo de gente agasalhada dospés à cabeça, iluminado por raios sola-res anêmicos, levaram vantagem na se-leção natural os europeus portadoresde genes que lhes conferiam concen-trações mais baixas de melanina na pele.As previsões de Cavalli-Sforza enuncia-das numa época em que a genética nãodispunha das ferramentas atuais, aca-bam de ser confirmadas por uma sériede pesquisas. No ano passado, ocor-reu o maior avanço nessa área: a des-coberta de que um gene, batizado de

Por: Dr. Drauzio Varella

a

dosuropeus

ne ritude

Page 69: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 69

comportamento

Dr. Drauzio Varella

SLC24A5, talvez fosse o responsávelpelo aparecimento da pele branca doseuropeus, mas não dos asiáticos. Emoutubro de 2005, o grupo de KeithCheng, da Pennsylvania State Univer-sity, publicou na revista Science um es-tudo demonstrando que existem duasvariantes desse gene (dois alelos). Dos120 europeus estudados, 98% apresen-tavam um dos alelos, enquanto o outroalelo estava presente em praticamentetodos os africanos e asiáticos avaliados.Trabalhos posteriores procuraramelucidar em que época essa mutaçãogenética teria emergido entre os euro-peus. Com emprego de técnicas deseqüenciamento de DNA, o geneSLC24A5 foi pesquisado em 41 euro-peus, africanos, asiáticos e indígenasamericanos. Pelo cálculo do número eda periodicidade com que ocorrem as

mutações, os autores determinaramque os alelos responsáveis pelo clarea-mento da pele foram fixados nas po-pulações européias há 18 mil anos. Noentanto, como a margem de erro nes-sas estimativas é grande, os autorestambém seqüenciaram outros geneslocalizados em áreas próximas dogenoma. Esse refinamento da técnicapermitiu estimar o aparecimento dacor branca da pele européia num pe-ríodo que vai de 6 mil a 12 mil anos.

Esses estudos têm duas implicações:

1) Demonstram que as estimativas de

que os seres humanos modernos te-riam aparecido há 45 mil anos, e quenão teriam mudado desde então,estão ultrapassadas. Nossa espécieestá em constante evolução.

2) Demonstram como são ridículas asteorias que atribuem superioridadeà raça branca. De 5 milhões de anos,quando os primeiros hominídeosdesceram das árvores nas savanasda África, a meros 6 mil a 12 milanos, éramos todos negros.

Num mundo de

gente agasalhada

dos pés à cabeça,

iluminado por raios

solares anêmicos,

levaram vantagem

na seleção natural

os europeus

portadores de

genes que lhes

conferiam

concentrações mais

baixas de melanina

na pele.

!

Fonte: Carta Capital

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 70: afirmativa20

70 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

comportamento

Revelação da origem étnica da população causa polêmica

pesquisagenética

Por: Daniela Gomes, especial para Afirmativa Plural

divide opinião

Há alguns meses, a sociedade brasileiratem podido ver nos principais veículosde comunicação o resultado de uma pes-quisa genética que determina a origemétnica de cada pessoa através de percen-tuais. Encomendado pela rede de comu-nicação BBC Brasil, o resultado permi-tiu, entre outras descobertas, não ape-nas definir a origem étnica, mas tam-bém a que região essa etnia pertence.Intitulada Raízes Afro-brasileiras, apesquisa chamou atenção da mídia,pois foi realizada com nove personali-dades conhecidas como a cantoraSandra de Sá, os cantores Djavan, Mil-ton Nascimento e Seu Jorge, a ginastaDaiane dos Santos, o sambista Negui-nho da Beija-Flor, a atriz Ildi Silva, ojogador de futebol Obina e o ativistaFrei David Santos.O trabalho desenvolvido pelo profes-sor titular de bioquímica da UFMG– Universidade Federal de Minas Ge-

rais e proprietário do Gene Núcleode Genética Médica dr. Sérgio DaniloPena, avaliou o cromossomo Y e oDNA mitocondrial dos entrevistadoscom o objetivo de mostrar a origemde seus ancestrais. O geneticista, quedesenvolve há 15 anos em seu labora-tório na UFMG uma pesquisa sistemá-tica com marcadores de DNA sobre apopulação brasileira teve, segundo ele,em seu laboratório particular, Gene,contratado pela BBC Brasil para reali-zar os testes junto aos convidados.O processo de análise do material tor-na possível rastrear por meio do cro-mossomo Y um marcador de linhagemque revela o ancestral paterno mais an-tigo e através de alótipos (seqüênciasgenéticas) do DNA mitocondrial épossível determinar a ancestral mater-na mais antiga, já que ambos, a menosque passem por mutações, permanecema cada geração sem sofrer mudanças.

Outro teste, o de ancestralidade genô-mica revela o percentual de genes eu-ropeus, africanos e ameríndios de cadaum, por meio de uma análise de deter-minadas regiões do genoma, que reve-lam traços distintos de genes associa-dos a cada região geográfica.Segundo Pena, as motivações declara-das pela BBC Brasil para realizar ostestes seriam o bicentenário da aboli-ção do tráfico de escravos na Inglater-ra e a realização de estudo semelhantenos Estados Unidos, organizado pelaapresentadora Oprah Winfrey e pelointelectual Louis Gates Junior.

Decifrando o passado

Desenvolvida há alguns anos por uni-versidades americanas com o objetivode criar um banco de dados para queos afro-americanos pudessem pesqui-sar suas origens, o teste de genealogiapor DNA poderia tornar realidade o

Page 71: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 71

comportamento

Frei David

sonho de muitos brasileiros, já que ohistórico da escravidão fez com que agrande maioria dos descendentes deafricanos no país desconhecesse sua re-gião de origem e tivesse poucas infor-mações sobre a sua ancestralidade.De acordo com o dr. Sérgio Pena, emseu laboratório de pesquisa na UFMG,a geração do banco de dados sobre apopulação brasileira iniciou com a ca-racterização da população ameríndia ebranca a partir de 1995 e em sua últi-ma etapa analisou a população negrabrasileira. Segundo Pena, a pesquisa re-alizada com cerca de 300 indivíduos detrês grandes capitais do país teve comoobjetivo mapear na África as origensgeográficas dos afro-brasileiros. Defen-dendo a importância histórica de umtrabalho como esse, o geneticista afir-ma que nos Estados Unidos pesquisassimilares têm sido consideradas essen-ciais em fazer a conscientização da co-munidade negra com relação às suasraízes históricas.Para a cantora Sandra de Sá, uma daspersonalidades brasileiras que teve seuDNA testado pela BBC e que apresen-tou 96,8% de genes africanos, a reali-zação da pesquisa foi importante, jáque lhe permitiu ter sua ancestralidadecomo algo palpável. “É maravilhosoesse resultado, pois me dá a sensaçãode que eu tenho um caminho, uma ori-gem”, declara Sandra.O interesse em descobrir suas origenslevou a escritora norte-americana PearlDuncan a realizar o teste em 2000.Pearl, que foi a primeira americana ase submeter ao teste, afirma ter feito apesquisa, pois desejava confirmar a ori-gem de sua família, que ela suspeitavaser ganense. As revelações foram so-madas a pesquisas históricas e lingüís-ticas que resultaram em artigos publi-

cados nos principais jornais america-nos e no livro temporário “DNA,Courage & Ordinary Folks”, ou“DNA, Coragem e Tradições”, queestá para ser lançado.Nem todas as personalidades testadastiveram sorte ao tentar desvendar suasorigens. O ativista Frei David Santos,fundador do Educafro, ONG que bus-ca a inclusão de afrodescendentes nasociedade e que trabalha na luta emfavor das ações afirmativas, declara queuma das motivações para realizar o tes-te foi a promessa de que saberia a ori-gem de seus ancestrais africanos. “ABBC foi explicita ao dizer: ‘você vai

descobrir com precisão de que regiãovem seus antepassados da África’ e essaresposta eu não obtive”, afirma o Frei.Segundo o dr. Sérgio Pena, em casoscomo o de Frei David e das outras per-sonalidades que não obtiveram essaresposta, não foi possível determinarsuas origens geográficas na África, poisa linhagem paterna ou materna do in-divíduo não era africana. “Ao se estu-dar a população brasileira é comum en-contrar linhagens maternas e paternasvariadas”, declara o geneticista.Pena afirma ainda que em casos comoo de Sandra de Sá e o de outras daspersonalidades pesquisadas, o trabalho

Page 72: afirmativa20

72 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

comportamento

Sandra de Sá

revelou ancestralidades absolutamenteafricanas, mas que infelizmente a im-prensa preferiu focar os casos em queisso não aconteceu.Para Frei David a nação brasileira deveà comunidade negra o direito de sabersua origem e, segundo ele, seria neces-sária até mesmo uma lei que garantissea todo afro-brasileiro o direito de ir aoslaboratórios das universidades públicase pesquisar suas origens.A cantora Sandra de Sá concorda coma amplitude da pesquisa, mas acreditaque a população deveria ser pesquisa-da como um todo para abrir a cabeça

do brasileiro e acabar com o racismo ecomplexos de todos.

A vertente do mal

Mesmo com todo o seu significadoacadêmico, a pesquisa acabou gerandocontrovérsias quando alguns veículos decomunicação passaram a utilizar umfator conhecido, como a miscigenaçãodo país, para ressuscitar o mito da de-mocracia racial brasileira.Utilizando os dados obtidos, gruposque militam contra o sistema de cotasfocaram principalmente o quanto deancestralidade européia existe nessas

pessoas, para tornar injustificada a bus-ca por ações afirmativas.Para Frei David, o debate tem sido su-perficial e tendencioso já que em ne-nhum momento esses veículos ouvi-ram militantes negros favoráveis àscotas. O ativista acredita que a pesqui-sa realizada pela BBC enfatizou maisas origens européias.“Queremos inquirir na justiça a razãopela qual a maioria dos gráficos apre-sentados tem uma forte carga eurocên-trica, marginalizando a África e o por-quê do pesquisador aceitar fazer partede um livro contra as cotas”, declara oFrei. Em resposta às indagações sobresuas supostas declarações contra as co-tas, o dr. Pena afirma nunca ter expres-sado publicamente, em artigos ou revis-tas, qualquer opinião contrária às cotas ese declara a favor das ações afirmativas.Segundo ele, o Gene já realizou doistestes de genealogia por DNA em pes-soas que foram recusadas pelos pro-gramas de cotas de universidades queusam identificação fotográfica. Oscandidatos eram pardos claros e noteste de genealogia revelaram ances-tralidade africana.“Isto mostra que o teste pode ajudar amanter a sanidade dos programas decotas raciais”, defende Pena que acre-dita que o melhor método a se utilizarnas cotas seja o de autodeclaração.Na opinião do geneticista, em um mo-mento político tão importante para opaís, onde aspectos relacionados comcor e raça estão sendo debatidos, o pa-pel da genética deve ser definido. “Aesfera da genética é científica e não po-lítica. Mas eu vejo que a genética temum papel significativo de informar o pú-blico para se orientar nestes debates comelementos que podem nortear posiçõespolíticas racionais”, declara Pena. !

Page 73: afirmativa20
Page 74: afirmativa20

74 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Por: Sérgio D. J. Pena, Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG - [email protected]

comportamento

Ao longo dos anos, a crença na exis-tência de “raças” humanas impregnou-se na trama da nossa sociedade. “Ra-ças” têm sido usadas não só para siste-matizar as populações humanas, mastambém para criar um esquema clas-sificatório que mantém o status quo so-cial e justifica a dominação de algunsgrupos por outros. Assim, a persistên-cia da idéia de raça está ligada à visãoatávica de que os grupos humanos exis-tem em uma escala de valor.Os notáveis avanços da genética mole-cular e o seqüenciamento do genomahumano permitiram um exame deta-lhado da correlação entre a variação ge-nômica humana, a ancestralidade bio-geográfica e a aparência física das pes-soas, mostrando que os rótulos previ-amente usados para distinguir “raças”não têm significado biológico. Pode pa-recer fácil distinguir fenotipicamenteum europeu de um africano ou de umasiático, mas tal facilidade desaparececompletamente quando penetramospor baixo da pele e procuramos evi-dências destas diferenças “raciais” nosgenomas das pessoas.Existe na sociedade brasileira uma gra-

a genética eos debates dasações afirmativas

ve desigualdade social e econômica queprecisa ser combatida e corrigida.Aristóteles já alertava, em sua Ética aNicômaco, que tratar igualmente os de-siguais constitui injustiça. Assim, a nos-sa posição pessoal ecoa a de vários seg-mentos da sociedade brasileira: chegou

a hora e a vez de iniciar ações correti-vas para sanar esta situação de desigual-dade. Adotar políticas públicas de açãoafirmativa é um dos caminhos possí-

veis e desejáveis. Alguns grupos têminsistido que cor ou “raça” deve ser umdos critérios de acesso a estes progra-mas. Outros argumentam que a ênfaseem grupos de cor ou “raça” seria tóxi-ca, pois perpetuaria a discriminação, en-fraquecendo a sociedade como um todoe deixando o terreno fértil para a conti-nuidade de práticas racistas. Somos afavor de que seja feita uma ampla dis-cussão deste tema na sociedade antesque medidas políticas irreversíveis se-jam tomadas. Acreditamos que aspec-tos genéticos da formação e estruturado povo brasileiro devam ser levadosem conta neste debate, de uma maneiradescritiva e informativa, mas nãoprescritiva ou normativa.

Estudos genéticos embrasileiros brancos e pretos

Nos últimos 10 anos realizamos estu-dos sistemáticos da ancestralidade debrancos, pardos e pretos no Brasil,usando marcadores de DNA. Isto ge-rou inúmeros artigos científicos quepodem ser acessados na internet(h t tp :// l a bor a to r iog ene . i n fo/Genealogia_por_DNA/artigos.htm).

I have a dream that my four

children will one day live

in a nation where they will

not be judged by the color

of their skin but by the

content of their character.

(Eu tenho o sonho de meus

quatro filhos um dia viverem

em uma nação onde eles

não serão julgados pela cor

da sua pele, mas pelo

conteúdo do seu caráter).

Martin Luther King ”

Page 75: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 75

comportamento

Sérgio Pena

!

Os nossos estudos demonstraram quea esmagadora maioria das linhagens pa-ternas dos autodeclarados brancos é deorigem européia mas que, surpreen-dentemente, as linhagens maternas noBrasil como um todo, tem uma distri-buição bem equilibrada entre as trêsorigens geográficas: 33% ameríndias,28% africanas e 39% européias, comvariações entre as diferentes regiõesbrasileiras. Estes dados indicam queocorreu um fluxo gênico sexualmenteassimétrico na formação dos brancosbrasileiros, com a contribuição euro-péia sendo principalmente paterna e acontribuição ameríndia e africana sen-do predominantemente materna. Estaassimetria foi confirmada em estudos

de indivíduos pretos de São Paulo, Riode Janeiro e Porto Alegre, que demons-traram que a grande maioria (85-90%)das linhagens maternas era africana,mas que uma proporção significativadas linhagens paternas (50-60%) eraeuropéia. Resumindo, 2/3 dos brancosbrasileiros são afrodescendentes ouameríndio-descendentes pelo lado ma-terno, enquanto mais da metade dospretos brasileiros são eurodescenden-tes pelo lado paterno.Utilizamos, também, marcadores gené-ticos para pesquisar as correlaçõesmoleculares entre cor e ancestralidade.Nossos estudos revelaram que no Bra-sil, a cor avaliada fenotipicamente temuma correlação fraca com o grau de

ancestralidade africana estimada ge-neticamente. Em outras palavras, noBrasil, a nível individual, a cor, comosocialmente percebida, tem pouca re-levância biológica.

Os estudos genéticos sãorelevantes para o debate das

ações afirmativas?

Tomemos como ponto de partida umalinha de demarcação entre o conheci-mento científico e outros tipos de dis-curso: ao decifrar e apresentar a reali-dade, as ciências pretendem estabelecer“o que é”. Por outro lado “o que deveser” pertence ao domínio da filosofiamoral e da religião. Isto não quer dizerque a ciência não possa contribuir, poisembora não seja o campo de origem dosmandamentos morais, ela mantém umpapel importante na instrução da esferasocial. Ao mostrar “o que não é”, elaliberta, ou seja, tem o poder de afastarerros e preconceitos. Daí a nossa visãoda genética não como prescritiva ounormativa, mas com um relevante pa-pel descritivo e informativo.Sobre este ponto, argumentamos a fa-vor da idéia de que o fato científico dainexistência das “raças” deva ser absor-vido pela sociedade e incorporado àssuas convicções e atitudes morais, po-dendo reforçar a oposição às crençasem qualquer forma de hierarquia entrepovos ou grupos humanos. Argumen-tamos, também, que uma postura coe-rente e desejável, especialmente noBrasil, seria a valorização da singulari-dade e da dignidade de cada indivíduo.Todo brasileiro tem o direito inalienávelde ser conceitualizado como um serhumano único em seu genoma e emsua história de vida e não meramentecomo pertencente a um sexo, religiãoou grupo de cor.

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 76: afirmativa20

comportamento

dentidadei ultural cPor: Maurício Pestana, Cartunista e Publicitário(www.mauriciopestana.com.br)

76 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

A personalidade e identidade de umapessoa ou de um grupo social estão for-temente ligadas às raízes culturais e an-cestrais das quais ela/ele se origina.Tentar identificar as origens, mapeandosuas raízes familiares e ancestrais temsido uma tarefa bastante utilizada porestudiosos do assunto ao longo da his-tória da humanidade, com o firme pro-pósito de responder à eterna pergun-ta: de onde viemos e para onde iremos?A forte identificação com o grupo ouregião de onde se origina é efetivamenteum dos caminhos que o homem con-temporâneo vem trilhando para tentarexplicar traços de sua personalidade;entender suas ações com o mundo ex-terno e compreender e ser compreen-dido dentro da esfera social e culturalno universo em que atua.Nesta perspectiva, várias tentativas têmsido feitas no intuito de desvendar, noplano físico e psicológico, algo queexplique e/ou reafirme os traços de sua

personalidade e identidade cultural.Podemos citar como exemplo a ten-dência que temos, em nossa socieda-de, de caracterizarmos determinadasatitudes tipicamente do plano culturalpara o plano físico e até mesmo espiri-tual. Caso típico é quando afirmamosque um espanhol tem o sangue quen-te, como se o sangue dos cidadãos deuma determinada região da Europafosse diferente do que corre nas veiasdos demais seres. Outro exemplo équando afirmamos que os descenden-tes de japoneses em nosso país são maiscalmos, mais zen, simplesmente por-que são descendentes de orientais, nãolevando em consideração o viés cultu-ral em que essas afirmações estão in-seridas. Vamos encontrar nisseis quenão são tão calmos assim e descenden-tes de espanhóis mais zen do que es-perávamos. De qualquer forma, a bus-ca pelos traços culturais que dão ori-gem a um determinado grupo, ou a

uma determinada etnia, por si só já car-rega uma forte influência cultural, mes-mo que no plano inconsciente, dada aimposição de regras comportamentaisa que esse grupo seja ou esteja subme-tido no seu meio.No plano regional, descobriremos quedeterminadas regiões do país ou doplaneta tiveram fortes influências deoutros grupos. E mesmo que hoje aidentidade se encontre diluída numuniverso cada vez mais globalizado, ohomem moderno sempre irá procuraridentificar-se com essas raízes ou comesses territórios.Tomemos também como exemplo umafamília descendente de alemães, quevive em São Paulo e vai para uma re-gião de colonização alemã, como a Ser-ra Catarinense. Certamente que coisasem comum se dêem neste encontro. Omesmo ocorrerá se trouxermos umafamília de descendentes de alemãespara São Paulo; é claro que iremos iden-

Page 77: afirmativa20

comportamento

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 77

Maurício Pestana

tificar várias influências dessa famíliana cidade de São Paulo. É comum ver-mos nas festas típicas paulistanas asmanifestações das diversas colônias queformaram o povo paulistano. Comumtambém é a identificação de seus des-cendentes com essa cultura para assimse fortalecerem como grupo étnico-cultural dentro do território paulistano.Seguindo esse raciocínio, o que dizerdo povo afro-brasileiro? Quais as suasorigens étnicas, culturais, ancestrais eregionais dentro deste país e deste pla-neta? A quais artifícios recorrer parasuscitar uma forte identificação comogrupo étnico, cultural e até racial? Emque território ampararíamos, já quesomos tão amplos e estamos espalha-dos por tantos lugares? Como resgatarnossas identidades, uma vez que foi jus-tamente a primeira coisa que nos tira-ram quando aqui chegamos, como car-gas, como objetos? A que lugar pode-ríamos chegar e identificá-lo como sen-do o nosso lugar, um espaço de encon-tro com nossos iguais, nossos irmãos,nossas origens, de onde viemos e deonde sairemos para projetarmos nos-so futuro? Que lugar é esse que pode-ríamos chamar de nossa casa, nossamãe? Há muito tempo, vários militan-tes do movimento negro, na tentativade responder a essas perguntas, apon-tam a mãe África como o local desteplaneta que responde a essas nossasindagações. Eu ousaria dizer que, alémdesse, há um outro lugar que está aquibem perto.Um lugar que é o resumo de toda anossa história de sofrimento e luta,ontem e hoje! Lugar em cujos templos,casas, casarões, ruas e vielas estão es-tampados os séculos de sofrimento dopovo negro; onde a religiosidade an-cestral africana se materializa em cada

pessoa, em cada olhar, em cada cora-ção; onde o exemplo da tolerância écolocado à prova a todo instante; ondeo desafio da convivência perante a vi-olência, a desigualdade e o racismo sefaz continuamente; onde a sabedoriaancestral do espírito africano é con-frontada ininterruptamente pela igno-rância, a intolerância e a violência físi-ca e mental do racismo brasileiro; ondea alegria esconde e conforta a dor; ondeo sofrido passado dá lugar a um pre-sente não menos pior, mas que apontatambém para dias melhores no futuro.Salvador é tudo isso e um pouco mais,pois é a cidade que melhor representaa presença negra neste país. É tambéma cidade onde essa pacífica presença é

mais desafiada continuamente. Alguémjá disse e costumo repetir: é a Meca dopovo negro no mundo, um lugar ondetodos devem ir pelo menos uma vezna vida, não só para rezar, orar ouenergizar-se, mas também para indig-nar-se, fortalecer-se, solidarizar-se einiciar uma verdadeira mudança nasrelações raciais deste país.Cantado em verso e prosa pela sua ale-gria contagiante, pelo seu vigor cultu-ral, é a cidade, sem dúvida, com o me-lhor espírito de brasilidade e não coin-cidentemente a cidade mais negra des-ta nação, com cerca de 80% de afro-descendentes, uma referência culturala ser desvendada a cada dia, a cada vi-agem por gente de todas as cores. !

Page 78: afirmativa20

78 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

cidadania

Na atualidade temos assistido a multi-plicidade do debate sobre o acesso dapopulação negra à educação em todosos níveis da formação acadêmica, emespecial à universidade.A partir de diferentes perspectivas, queconvergem na constatação inegável dasvisíveis barreiras que dificultam e namaioria das vezes impossibilitam oadentrar, permanecer e concluir os ci-clos de escolaridade. Esta teia de rela-ções e interesses tem provocado inú-meros desdobramentos. Ressaltamosque nossa sociedade vive um momen-to ímpar de tentativas de diálogos, mui-tas vezes calorosos, agressivos, mas quenos parece menos nocivos do que o in-vestimento na manutenção costumei-ra da invisibilidade. Não há espaço paraneutralidade. A cena protagônica atin-ge a todos negros e não-negros. NoBrasil de hoje torna-se desconcertantea afirmação do mito da democracia ra-cial que acompanhou diversas gerações.As seqüelas da escravidão, ainda pre-sentes no século XXI, são os princi-pais argumentos para se pensar numapolítica de acesso e permanência dosbrasileiros que histórica e sistematica-mente continuam à margem.A Educação é um valor envolvido emsignificados relacionados à sobrevivên-cia e à vida. Para milhares de famíliasnegras a relação estudo-trabalho-qua-

lidade-de-vida, se coloca como possi-bilidade de libertação. Ao apontarmoso protagonismo do acesso da popula-ção negra, deparamos sentimentoscontraditórios expressões de angústiae medo, que entendemos fazerem par-te da transição para o novo. Mudar pa-radigmas exige disponibilidade paradesfazer-se de crenças enraizadas, deum legado recebido como natural. Nosacostumamos com a não-existência denegros nas universidades públicas, oua contar nos dedos das mãos quantosexistiram ou existem, principalmentenos cursos mais disputados. Achamostão natural quem nem havíamos per-cebido que tal problemática, hoje, nosparece ser incabível tanta alienação. Odebate das Ações Afirmativas, visan-do a promoção de igualdade, faz partedas mais diversas agendas, quer paraaqueles que são a favor, quer para osque são contrários. É fato que não háespaço para indiferença, que atinge atodos nós, pois todos fazemos partedo mesmo grande grupo.Esta constatação nos leva a apresentarnossas reflexões visando contribuir naconstrução de um diálogo pautado pelaempatia no sentido de que quando eume coloco no lugar do outro, tenhomais possibilidades para compreendê-lo e, mesmo não concordando, possoser capaz de respeitá-lo. Precisamos de

parceiros interessados no bem co-mum, para pensarmos, propormos eagirmos na tentativa de ações inclusi-vas, não apenas no discurso, mas prin-cipalmente nas ações cotidianas. Ascotas na educação fazem parte de umconjunto de medidas assertivas parainserção e permanência digna e justada população negra, em especial nauniversidade. Reconhecemos a acade-mia como um espaço de produção deconhecimento e entendemos que estaprodução será mais eficaz se contarcom a participação inclusiva e efetivado povo negro. Temos muito a contri-buir, nesse novo momento da históriado Brasil. Queremos nos ver e sermosreconhecidos nas nossas diferenças esemelhanças. Somos, sim, os principaisprotagonistas do novo paradigma.

e seu acesso à educaçãoPor: Maria Célia Malaquias, Mestre em Psicologia Social,Coordenadora do NAP – Núcleo de Apoio Psicológico da [email protected]

apopulação negra

!

Maria Célia Malaquias

Page 79: afirmativa20
Page 80: afirmativa20

80 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

cultura

“Aleijadinho e Seu Tempo – Fé, Engenho e Arte”. Com curadoria de Fabio Magalhães, aexposição apresenta rico panorama sobre as diversas facetas do barroco mineiro por meiode duzentas peças de valor histórico e artístico. As obras de Antonio Francisco Lisboa, oAleijadinho (1738-1814), personagem central da mostra, são os destaques da exposição. Hátambém trabalhos de artistas como Francisco Xavier de Brito, Mestre Piranga e MestreAthayde. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112. Quando: deterça a domingo, das 10h às 20h. De 28 de julho a 14 de outubro de 2007. Entrada gratuita.Telefone: (11) 3113-3651 e (11) 3113-3652.

Orquestra Barroca de Veneza. Sob regência do cravista Andrea Marcon, o prestigiado conjunto interpretará obras de Vivaldi eTartini. Onde: Teatro Cultura Artística. Rua Nestor Pestana, 196. Quando: dias 24 e 25 de setembro, às 21h. Telefone: (11) 3256-0223.Mais informações: www.culturaartistica.com.br

“Cadernos de Literatura Brasileira – 10 anos”. Trata-se de exposição come-morativa dos dez anos dos Cadernos de Literatura Brasileira. Fotos de EduSimões. Onde: Galeria do Instituto Moreira Salles. Rua Piauí, 844. Quando:de terça a sexta, das 13h às 19h, sábado e domingo, das 13h às 18h. De 19 dejulho a 16 de setembro de 2007. Entrada gratuita. Telefone: (11) 3825-2560.

“Mais do que os olhos captam – arte fotográfica da coleção Deutsche Bank”. A exposição, que tem como temática principal asérie e o grande formato, é composta por quase duzentas obras de fotógrafos alemães que marcaram a arte fotográfica após 1945.Curadoria: Friedhelm Hütte, diretor da Deutsche Bank Art. Onde: Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Parque doIbirapuera, portão 3. Quando: de terça a domingo e feriados, das 10h às 18h. Ingressos: R$ 5,50. Entrada gratuita aos domingos.Telefone: (11) 5085-1300.

Agenda CulturalO melhor da programação em artes e cultura

Por: Rodrigo Massi, [email protected]

Artes Visuais

Música

Maior festival de arte e tecnologia do Brasil, a 8ª edição do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica apresenta o trabalhode cerca de 200 artistas com trabalhos nas áreas de net art, web art, animação interativa, hipertexto, web filme interativo, cinemainterativo, VRML, games, software art, generative art, inteligência artificial, robótica, música eletrônica, performance, instalaçõesinterativas e instalações eletrônicas. Onde: Galeria de Arte do Sesi. Avenida Paulista, 1313. Quando: segunda, das 11h às 20h;terça a sábado, das 10h às 20h e domingo das 10h às 19h. De 14 de agosto a 9 de setembro de 2007. Entrada gratuita. Telefone:(11) 3146-7405. Mais informações: www.sesisp.org.br

FILE 2007

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 81: afirmativa20
Page 82: afirmativa20

82 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

plural

De Genebra/Suíça, Danilo Parmegiani,representante da Legião da Boa Von-tade (LBV) na ONU, relata que —“Acostumados, infelizmente, a ver onosso querido País ser por tantas ve-zes destaque na mídia internacionalpelo lado negativo, geralmente pelaviolência que choca, é muito salutarquando os brasileiros ganham reper-cussão pelo que temos de melhor. Eisso se deu entre os dias 2 e 5 de julho,quando a LBV representou — comoOrganização com status consultivo noConselho Econômico e Social (Ecosoc)das Nações Unidas desde 1999 — aAmérica Latina na mais importante reu-nião desse órgão: o High-Level Segment2007, no Palais des Nations, escritóriocentral da ONU em Genebra.”“A LBV apresentou, a convite das Na-ções Unidas, sua experiência de um tra-balho socioeducacional realizado háquase 60 anos, a partir do Brasil, e tam-

bém o resultado da 1ª Feira de Inova-ções Rede Sociedade Solidária, organi-zada pela LBV e a ONU, ocorrida emmarço, no Brasil e na América Latina,com a participação de 1.124 entidadesdessas regiões. A feira abordou o tema‘Parcerias globais para o desenvolvi-mento — Fortalecendo esforços paraa erradicação da pobreza e da fome’,com apoio do UN/Desa e do Centrode Informação das Nações Unidas noBrasil (UNIC-Rio)”.“O encontro de Genebra teve a nobreincumbência de propagar ações quecolaborem para o desenvolvimentosustentável e para a melhoria da quali-dade de vida do planeta, compartilhan-do com a sociedade civil, os chefes deEstado, conselheiros ministeriais e altocomissariado da ONU as boas práti-cas que possam ser multiplicadas, asnovas tecnologias sociais e as estraté-gias intersetoriais para que os oito

Objetivos de Desenvolvimento do Mi-lênio (ODMs) se tornem realidade, es-pecialmente no que se refere à erradi-cação da fome e da pobreza.”“A cerimônia de abertura, conduzidapelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, contou com representantes dos192 países membros do Ecosoc. Apósesse ato, o secretário visitou a mostrade trabalhos das instituições presentes.No estande da LBV, observou atenta-mente os painéis com fotografias e his-tórias de sucesso da organização bra-sileira, apreciou as pinturas temáticase recebeu a revista Globalização do AmorFraterno (inicialmente editada em por-tuguês, inglês e francês), que traz amensagem de Paiva Netto, alvo de es-pecial atenção dos participantes. BanKi-moon registrou seu encontro coma LBV e assinou a capa da publicação,ratificando seu apoio às ações empre-endidas pela Legião da Boa Vontade.

Por: José de Paiva Netto, Escritor, Jornalista e Radialista. É Diretor-Presidente da Legião da Boa Vontade (LBV) - [email protected]

da ONUo Brasil

no High-Level Segment 2007,

Page 83: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 83

plural

!

A dra. Hanifa Mezoui, chefe do depar-tamento de ONGs do UN/Desa,acompanhou o secretário na visita.”“No dia 4 de julho, em nome da LBV,a doutoranda em educação Maria deAlbuquerque discursou na Assembléiado High-Level Segment, dirigida pelo vice-presidente do Conselho Econômico eSocial, sr. Hilario Davide. A apresen-tação aos chefes de Estado resumiu orelatório da LBV, cujas recomenda-ções foram traduzidas pela própriaONU para os seus seis idiomas oficiais.(A íntegra pode ser obtida no sitewww.redesociedadesolidaria.org.br).”“Depois da palavra da educadora, re-cebida com entusiasmo pelo público,o dr. Hilario comentou: ‘É poderosa amensagem da LBV. Somente com aglobalização do Amor em todo o seusentido teremos paz, progresso e pros-peridade para toda a humanidade”.“A dra. Michelle Billant-Fedoroff, che-fe adjunta da Seção de ONGs doEcosoc, enviou um recado especial aolíder da instituição: ‘Senhor PaivaNetto, vim por vocês a Genebra paraapresentá-los ao secretário-geral daONU, Ban Ki-moon, que soube dostrabalhos extraordinários que fazem noBrasil. Ele conhece o senhor e a suagrande organização e os encorajou acontinuar nessa ação, agora bem co-nhecida no mundo.”“Nos primeiros dias do evento, impor-tantes autoridades compareceram aoestande da LBV, a exemplo do embai-xador da Índia na Suíça e no Estadodo Vaticano, sr. Amitava Tripathi, queveio especialmente da cidade onde re-side, Berna, para encontrar-se com in-tegrantes da LBV, oportunidade emque expressou seu entusiasmo acercada revista Globalização do Amor Frater-no. ‘O trabalho da LBV é muito impor-

tante no cumprimento dos Objetivosde Desenvolvimento do Milênio, por-que não é só relevante para o Brasil,mas para toda a humanidade. A pobre-za, a fome, a falta de educação básica,são problemas sérios que afetam a to-dos. Para evitar ou preveni-los, elesprecisam ser abordados apropriada-mente, discutidos em âmbito mundial,e é por isso que parabenizo a LBV”.Os desdobramentos desses fatos me-

recerão de nossa parte uma série deconsiderações, tendo em vista sua re-levância. Afinal, há muito que se cami-nhar para alcançar a desejada Socieda-de Solidária Altruística Ecumênica, naqual “todos os seres humanos possam nascerlivres e iguais em dignidade de direitos”, con-forme postula a Declaração Universaldos Direitos Humanos.

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

José de Paiva Netto

Page 84: afirmativa20

84 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

empreendedorismo

Os instrumentos da construção civil não são apenas trenas, martelos, furadeiras outijolos. Encontram-se também lápis, borracha, caneta e boa vontade.

O livro mais completo e importante deum dos maiores educadores do Brasil,Paulo Freire, denominada Pedagogiado Oprimido, de 1968, traduzido emmais de 20 idiomas, tornou-se referên-cia para o entendimento da prática deuma pedagogia libertadora e progres-sista. Nela foi dito: “(...) Não me ve-nha com justificativas genéticas, socio-lógicas ou históricas ou filosóficas paraexplicar a superioridade da branquitudesobre a negritude, dos homens sobreas mulheres, dos patrões sobre os em-pregados. Qualquer discriminação éimoral e lutar contra ela é um dever pormais que se reconheça a força dos con-dicionamentos a enfrentar”.A imoralidade da discriminação e amaneira de se lutar contra ela são ex-

perimentadas na cotidianidade dosnegros brasileiros. Cada qual ao seumodo leva na cor da pele o dever dasuperação e a força do enfrentamento.A maneira que Ana Luiza Franciscone,diretora da Rhumo Educacional Asses-soria Pedagógica, visualizou para livraruma parte da população da condiçãode subalternidade foi a educação, pormeio da alfabetização de operários daconstrução civil no próprio canteiro deobras. “O projeto nasceu dentro deuma construtora de grande porte em1986, onde eu trabalhava na suaidealização e coordenação. Fizemos umlevantamento sobre o tempo de dura-ção de uma obra, incluindo os diver-sos profissionais que entravam em cadafase da construção. Com base nesses

dados, procuramos montar um conteú-do equivalente aos quatro primeirosanos do ensino básico”, conta. Ao deixar a empresa, a arrojada AnaLuiza investiu na Rhumo para levar essaprestação de serviço ao mercado, de for-ma independente. “O negócio come-çou a andar em 1999, quando firma-mos uma parceria com o Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT), porintermédio do Sindicato dos Trabalha-dores da Construção Civil (Sintracon -SP). Com a liberação de uma verba deR$ 63 mil escolhemos algumas cons-trutoras e formamos 220 operários emoito meses. Todos saíram alfabetizados,com o certificado da quarta série”, diz.O trabalho da Rhumo, explica ela, nãofunciona como escola, mas como uma

Por: Ana Luiza Biazeto, especial para a Afirmativa Plural

lfabetização

no canteiro de

obra

Page 85: afirmativa20

assessoria educacional. “Depois docurso, levamos os alunos à Secretariada Educação para terem o estudo re-conhecido legalmente, com direito àadmissão na quinta série. Com o su-cesso dessa primeira experiência, par-timos para o treinamento de professo-res e para a criação de um método pró-prio apostilado.”A construtora que adquire o serviçoda Rhumo, geralmente através de seudepartamento de ResponsabilidadeSocial, segundo Ana Luiza, “quer tiraro operário da cegueira, pois a capacida-de dele não está só na força bruta, masestá também no que ele pode aprender”.A empresária relata que a construçãocivil é um ramo de alta rotatividade,portanto, é preciso que os funcionáriossaiam melhores do que entraram, paraque as empresas possam cumprir a suafunção social. “Estima-se que 60% dapopulação da construção civil presen-te em uma obra seja completamenteanalfabeta. A iniciativa de colocar 25cadeiras em uma sala ao lado pode so-lucionar isso em pouco tempo e a umcusto baixo. Para se ter uma idéia, gas-ta-se em torno de R$ 26 mil para for-mar cerca de 25 a 50 alunos durante operíodo do curso, oito meses.” Trata-sede um nicho de mercado interessantepara os educadores, alerta Ana Luiza,“que podem aplicar essa metodologiaem outros segmentos que utilizammão-de-obra carente de alfabetização”.O aprendizado da leitura e da escrita,para estes trabalhadores, pode signifi-car a ruptura do analfabetismo históri-co de gerações. A diretora da Rhumoexplica que “na maioria das vezes osoperários são negros - cerca de 70% -,do Norte ou Nordeste do país, que pre-cisavam trabalhar e não tinham a opor-tunidade de estudar e, quando iniciam

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 85

empreendedorismo

Ana Luiza Franciscone

a alfabetização pro-porcionada pelaconstrutora, pensamem dar a mesmachance de estudopara filho”.Segundo Ana Luiza,estudar entre ami-gos agrega valoresao desempenho doaprendizado. “Comos colegas de traba-lho eles interagem.Às vezes vão sentarno canteiro para re-ver, em dois ou três,o estudo do dia an-terior. Diferente doque poderia acon-tecer na escola pú-blica próxima desuas casas, onde, namaioria das vezes,seriam os mais velhos da sala e istopoderia servir de desestímulo.”Aos 52 anos, formada em Economia,Pedagogia, pós-graduada em Psicope-dagogia e Educação Ambiental, a mes-tranda em Educação Ana Luiza alfa-betizou com seu grupo de professoresda Rhumo – que hoje são oito – cercade dez mil homens. E parece mesmoque a educação nunca faltará.Há 17 anos, também é dona de umaescola de Ensino Infantil, de períodointegral, que oferece os serviços de ali-mentação completa, fonoaudiologia,odontologia, ortopedia e nutricionista.“O intuito é que a escola seja o quintalda casa dos pais. Trabalhamos numatríade escola, criança e família.”Quando requisita professores para osempreendimentos educacionais, AnaLuiza procura dar a oportunidade parao profissional negro que se apresenta

tão preparado quanto outro que nãoseja da mesma etnia. “Se preciso esco-lher entre um educador negro e outroque não seja negro, ambos qualifica-dos e competentes, opto pelo primei-ro, pois sei que o segundo terá outrachance mais facilmente”, afirma.Oportunidade a ela faltou uma vez,aos 23 anos. “Fui participar de umaseleção e aguardei na recepção daempresa por um bom tempo, até queuma moça me informou que lá nãoadmitiam negros.” De lá pra cá, osventos sopram a favor, uma vez queAna Luiza tracejou um empreendi-mento focado no desenvolvimento detrabalhadores da construção civil queprova – pelas palavras de Paulo Freire,em Pedagogia do Oprimido – que“ninguém liberta ninguém, ninguémse liberta sozinho: os homens se li-bertam em comunhão”. !

Page 86: afirmativa20

86 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

responsabilidade social

Mundialmente dirigida por mulher,com a maior parte do quadro de funci-onários composta por mulheres e compúblico consumidor predominante-mente feminino, a Avon se orgulha deter “um universo criado para a mulher”.Por esse DNA, é natural que o Institu-to Avon, um dos braços de responsa-bilidade social da empresa, se una à lutapela afirmação da cidadania feminina.“Os pilares que norteiam as políticassocioculturais da Avon são coexistên-cia, cooperação e co-inspiração, valoresque as próprias revendedoras aplicam

em seu dia-a-dia. É por isso que estespreceitos são tão importantes e nos gui-am em nosso objetivo de cuidar da vidae da saúde das mulheres”, diz Luís FelipeMiranda, presidente da Avon Brasil.O objetivo do Instituto Avon vai alémde promover o desenvolvimento, aauto-estima e o bem-estar de milha-res de mulheres Brasil afora. Seu in-tuito é conectar pessoas - na busca deuma convivência mais rica e conscien-te, potencializando a energia femini-na que existe em cada mulher e, tam-bém, em cada homem. Assim, mobi-

lizando comunidades e parceiros, oInstituto acredita ser possível colocarem prática o propósito de saúde, ci-dadania e bem-estar.

Atualmente, esse trabalho se dá em trêsfrentes: a Campanha Um Beijo pelaVida, que promove a disseminação deinformação sobre a importância da de-tecção precoce do câncer de mama,apoio e capacitação a projetos com omesmo fim; o Programa Saúde Inte-gral da Mulher, que capacita profissio-nais de saúde e pessoas interessadas napromoção da saúde, e a causa da Vio-lência Doméstica.

Até este ano de 2007, o Instituto Avon– que tem apenas quatro anos – jáapoiou 59 projetos, aplicando na cau-sa cerca de 10,5 milhões de reais e sen-sibilizando mais de 750 mil mulheresem todo o país. Além disso, doou atéagora 14 mamógrafos, entre outrosequipamentos como ultra-sons, paracentros de atendimento público, cola-borou na montagem de centros cirúr-gicos e realizou campanhas informati-vas maciças. Isso sem contar os outroscinco mamógrafos e demais aparelhosque serão doados aos projetos apoia-dos agora em 2007.

Instituto Avon em favor da

ulher brasileiraEntidade pratica a saúde, a cidadania e o bem-estar

mFo

to:

Arq

uivo

Avo

n

Campanha Beijo pela Vida

Page 87: afirmativa20

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 87

responsabilidade social

CampanhasAs campanhas promovidas pelo Insti-tuto Avon extrapolam os limites físi-cos da empresa, formando uma redeinterligada de funcionários, mulheres,profissionais e líderes pela causa con-tra o câncer de mama. Com a missãode promover a saúde e a qualidade devida da mulher, durante todo o ano, oinstituto, funcionários, revendedoras eparceiros da Campanha Um Beijo pelaVida promovem ações ligadas à detec-ção precoce do câncer de mama portodo o país. Mas existe um dia especial,em que todos os envolvidos com a cau-sa saem às ruas, vestindo a camisa dacampanha. Trata-se de 29 de setembro,quando Um Beijo pela Vida é marcado

por diversos eventos por todo o Brasil,no espírito de união e parceria.

“As grandes líderes desses eventos sãoas gerentes de setor e as mais de ummilhão de revendedoras espalhadas portodo o país, que, voluntariamente, semobilizam nesse dia. Elas recebem doinstituto as orientações necessárias paramontar seu evento, em parcerias locaiscom organizações públicas e privadas”,explica Lírio Cipriani, diretor-executi-vo do Instituto Avon.

Um Beijo pela Vida

O nome carinhoso da campanha co-ordenada pelo Instituto Avon desde2003 traduz exatamente o que se espe-ra dela: que gestos carregados de amor

possam salvar vidas. Na concepção doinstituto, esses gestos só podem serconseqüências do empenho e da mo-bilização constante da sociedade paralevar todas as mulheres a se submeterperiodicamente aos exames de detec-ção precoce do câncer de mama.

Todos os anos, o Instituto Avon rece-be apoio financeiro da Avon Brasil pararealizar e financiar as ações ligadas àCampanha Um Beijo pela Vida. A ver-ba é arrecadada a partir de 7% do va-lor da venda de alguns produtos Avonque estão nos folhetos. Os produtosque apóiam a causa são sempre alter-nados para que o consumidor possacontribuir constantemente. !

Foto

: A

rqui

vo A

von

Evento reúne milhares de pessoas em todo o país

Page 88: afirmativa20

88 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

economia

Uma nota técnica publicada no bole-tim de conjuntura do (IPEA) Institu-to de Pesquisa Econômica Aplicadade junho de 2007 atualiza a estimativade crescimento potencial do PIB bra-sileiro com base na revisão das con-tas nacionais pelo IBGE. O trabalhorevela que a capacidade de expansãoda economia nacional, sem que hajapressão inflacionária, aumentou para3,8% ao ano. O número representaquase um ponto percentual a mais doque vinha sendo considerado antes damudança da metodologia promovidapelo IBGE.O estudo revela que o aumento doproduto potencial da economia brasi-leira deve-se fundamentalmente aocrescimento da produtividade. Ouseja, mesmo com a redução da taxade investimento a capacidade produ-tiva do país cresceu.Outro aspecto importante levantadona nota do Ipea, e que serve de alerta,refere-se à evolução do hiato do pro-duto nos últimos trimestres. A dife-rença entre o PIB potencial e o PIBefetivo está variando em torno dezero. Isso indica que não há capacida-de ociosa suficiente para sustentar umcrescimento a taxas mais elevadas queos 3,8% ao ano. Porém, isso não sig-nifica que o país não possa crescer 5%ou 6% em um ou outro ano, mas não

Por: Marcos Cintra, Doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) - [email protected]

será possível um crescimento susten-tável por vários anos a taxas maioresque a do PIB potencial sem que hajadescontrole inflacionário ou desequi-líbrio nas contas externas.Nossa perspectiva de crescimentoeconômico continua medíocre. AONU publicou recentemente um re-latório mostrando a expectativa decrescimento para as 25 maiores eco-nomias emergentes em 2007 e o Bra-sil ficou na penúltima posição. A pro-jeção para a economia brasileira é de3,5%, enquanto que na Rússia,Paquistão, Índia, China, Argentina eChile o PIB deve se expandir entre 6%e 9%. Cabe lembrar que nos últimos10 anos o crescimento médio do PIBbrasileiro ficou na casa dos 2,5% aoano, enquanto que os principais emer-gentes cresceram em média na casados 7% ao ano.Ano após ano a economia brasileiraregistra desempenho sofrível. Mesmocom a recente revisão das contas na-cionais pelo IBGE as taxas de expan-são do PIB ficaram abaixo da médiamundial, e muito aquém da registradaem outras economias emergentes.Muitos críticos enfatizam a necessida-de de reduzir os juros para fazer o paísa taxas mais elevadas. É indiscutívelque o custo do crédito é um dos en-traves à expansão do PIB, mas é pre-

ciso mais para colocar a economia bra-sileira numa trajetória de expansãopróxima a das economias emergentes.O Brasil pode aumentar sua taxa decrescimento de longo prazo. Açõesque estimulem o aumento da produ-tividade e a expansão da taxa de in-vestimentos são imprescindíveis. Alémdisso, é preciso ainda uma revoluçãoqualitativa na péssima educação dopaís e que as reformas estruturais,como a política, a tributária e a previ-denciária, sejam implementadas. Po-rém, é desalentador ver que os gover-nantes por aqui não assumem suas res-ponsabilidades. A esculhambação to-mou conta da política nacional e todaa sociedade está pagando um custoaltíssimo por conta disso.

Marcos Cintra

!

épossívelcrescer aism

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 89: afirmativa20

opinião

Por : Rosenildo Gomes Ferreira,Repórter da revista IstoÉ Dinheiro

e o

Quem não mora na capital paulista tal-vez não saiba que, por aqui, os carrostêm dia e hora para circular pela regiãoconhecida como Centro Expandido.Trata-se de uma área de exclusão paraveículos de passeio (os carros ditos ofi-ciais não estão sujeitos à regra), de acor-do com o número final da placa. Fun-ciona assim: segunda-feira não podemrodar no horário de pico da manhã eda tarde carros com placas final 1 e 2,e assim sucessivamente. Quem desres-peitar leva multa de R$ 85,13 e tem ano-tados quatro pontos na carteira.O rodízio nasceu em meados da déca-da de 90 como solução bolada pelo go-verno do Estado para “resolver” o pro-blema da poluição que afeta a cidade.O desgaste político e o malogro, já queos efeitos na saúde do paulistano fo-ram zero, fez o governo abandonar aidéia. Os áulicos da prefeitura, no en-tanto, viram aí uma chance de engor-dar os cofres públicos com as multas.A desculpa, nesse caso, era a garantiade usar os recursos para melhorar otrânsito, especialmente, o transportepúblico de massa: trem e metrô.Desnecessário dizer que decorridos 10anos nada mudou. As passagens de ôni-bus, trem e metrô de São Paulo conti-nuam as mais caras do País. A promes-sa de expansão das linhas ficou no pa-pel e, “como vingança”, boa parte daclasse média incorporou um segundo

ou terceiro carro à sua frota, para ro-dar nos dias proibidos. Resultado: maispoluição e mais trânsito.Gerenciar o trânsito em uma megaló-pole como São Paulo é, de fato, difícil.Especialmente quando o discurso bem-intencionado não passa de manobrapara esconder artimanhas arrecadató-rias. Algum de vocês, caros leitores, jáouviram falar em “indústria da multa?”.Pois é. Apesar da montanha arrecada-da com o rodízio e outras infraçõescometidas pelos motoristas, o trânsitopaulista continua caótico. A poluiçãocontinua em níveis inaceitáveis. Otransporte público continua com qua-lidade de quinto mundo e as tarifas se-guem no padrão sueco.Segundo o jornal o Estado de S. Paulo,a Companhia de Engenharia de Tráfe-go (CET-SP) amealhou R$ 3,2 bilhõesno período 1997-2006. A pergunta quefica é: Quanto disso foi alocado namelhoria do trânsito e na qualidade ena universalização dos transportes pú-blicos? Pouco, muito pouco. Na quar-ta maior metrópole do mundo, o aces-so ao transporte continua sendo umprivilégio. Não faltam trabalhadoresque têm de cumprir jornadas diárias deaté 10 quilômetros a pé. Vale-transpor-te? Bem, dependendo da empresa é co-locada a seguinte questão ao candida-to a funcionário: O emprego ou o vale-transporte, você decide!

Quando falam em soluções para o caosdo trânsito urbano, os “especialistas deplantão” sacam os surrados argumen-tos, muitas vezes acondicionados emnovas embalagens: Extensão do rodí-zio! Pedágio urbano! Construção deavenidas expressas pedagiadas! Todostêm algo em comum: “assaltar” o bol-so da classe média. Mas nada, absolu-tamente nada, é dito sobre a engenha-ria de trânsito. É notório que pistasbem sinalizadas e semáforos (ou sinaiscomo gostam os cariocas) inteligentesajudam na fluidez do tráfego. Campa-nhas educativas regulares ajudam amelhorar a qualidade do motorista e,por extensão, do trânsito. Transportepúblico de qualidade, ônibus com ar-condicionado (e rotas inteligentes) eabundância de linhas de metrô ajudama estimular o uso do transporte públi-co, independentemente do status soci-al. É isso que ocorre em Londres, NovaYork e até no Rio de Janeiro.Ao invés disso, assistimos à sanhaarrecadatória de sempre. Sem que nin-guém seja obrigado a prestar contas douso desse dinheiro que, não é fácil ima-ginar, é diluído na máquina que alimen-ta a burocracia. Enquanto isso, quemdepende de trem, ônibus ou mesmo docarro para ganhar o pão de cada diasegue rezando por tempos melhores.Até quando?

Rosenildo Gomes Ferreira

!

rodízioengarrafamento

Agosto / Setembro 2007 ! Revista Afirmativa Plural 89

Foto

: A

rqui

vo p

esso

al

Page 90: afirmativa20

palavra do presidente

É lugar comum entre os mais e menosconceituados analistas que, sob qualqueranálise, os dados comunicados sobre osmais variados aspectos da educação demassa brasileira são totalmente irrepre-ensíveis no sentido de indicar a exata dis-tância que estamos do sentido de pro-mover o pleno desenvolvimento da pes-soa, seu preparo para o exercício da ci-dadania e sua qualificação para o traba-lho, definido no texto constitucional.O efetivo desenvolvimento das aptidões,das potencialidades e da personalidadeda pessoa humana apresenta-se comocontradição insuperável diante do qua-dro desenhado e somente os mais des-tacados ufanistas conseguem enxergarluz ao fim desse tenebroso túnel.Mas, se a educação de primeira linha eque permite o acesso seletivo aos pou-cos que apresentam disponibilidade fi-nanceira tem como resultado jovens queagridem empregada doméstica em pon-to de ônibus, quando imaginavam que

educação

fosse prostituta, aí, então, deveremoshaver chegado à beira do precipício.Deveria ser suficiente para desistirmos.Todavia, é justamente essa informaçãoabsurda que nos leva a compreenderque não há caminho de volta, que asolução não está em outro lugar, quenão é possível pular etapas ou fingir quenão temos nada com isso.Será justamente pela fresta que pode-remos desvendar o caminho final paradevolver à educação o verdadeiro sen-tido objetivo dos seus fundamentos. Omundo é nosso, o país é nosso, a cida-de é nossa e os filhos também são nos-sos. E, para mantê-los fortes, vivos elibertos não existe outro caminho maisdestacado que não aquele que privile-gie a educação como matéria de primei-ra necessidade, e não há sentimentomais nobre, que cada vez mais se refor-ça na consciência coletiva do que aque-le da verdade final de todas as coisas:sem educação não há liberdade.

Pobreza, miséria e falta de oportunida-des são ingredientes terríveis para ex-pulsar os jovens da escola. Corrupção,incompetência e escolhas equivocadassão combustíveis inseparáveis para pro-vocar a destruição da educação, masignorância e desinformação escravizamhomens e mulheres e colocam de joe-lhos qualquer nação.Não nos cansaremos nunca de procu-rar em todos os cantos uma resoluçãodefinitiva para a tão judiada e combali-da educação da maioria dos brasileiros,pois, como muito bem sintetiza nossomanifesto: “é este o princípio quenorteia nossas iniciativas, que sustentanossas certezas e nos move em direçãoao futuro”.Nação de joelhos é presa fácil para asmais variadas aventuras e os mais vari-ados aventureiros. Sem educação nãohaverá libertos, nem a segurança da li-berdade, ou seja, em alto e bom som,sem educação não há liberdade. !

para a

Por: José Vicente, Presidente da Afrobras e Reitor da Unipalmares

liberdadeJosé Vicente

90 Revista Afirmativa Plural ! Agosto / Setembro 2007

Page 91: afirmativa20
Page 92: afirmativa20